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Uma proposta de definição de comportamento no behaviorismo radical (A


proposal of definition of behavior in radical behaviorism)

Article  in  Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva · June 2008


DOI: 10.31505/rbtcc.v10i1.206

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Carlos Eduardo Lopes


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ISSN 1982-3541
Belo Horizonte-MG
2008, Vol. X, nº 1, 1-13

Uma proposta de definição de comportamento


no behaviorismo radical

A proposal of definition of
behavior in radical behaviorism

Carlos Eduardo Lopes


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus Paranaíba

Resumo

O objetivo deste ensaio é construir uma definição de comportamento no Behaviorismo Radical.


Defende-se que tal definição de comportamento deve levar em consideração (1) os compromissos
filosóficos do Behaviorismo Radical, (2) o aspecto dinâmico do comportamento, e (3) a articulação
entre eventos, estados e processos. Partindo de uma interpretação relacional do Behaviorismo
Radical, o presente ensaio defende que o comportamento pode ser entendido como uma relação
organismo-ambiente, cuja dinâmica é uma coordenação sensório-motora. Como resultado dessa
dinâmica, temos um fluxo comportamental que pode ser analisado em termos de uma relação de
interdependência entre eventos ambientais, eventos comportamentais, estados comportamentais
e processos comportamentais.

Palavras-chave: Behaviorismo radical, Análise do comportamento, Interpretação relacional,


Conceito de comportamento.

Abstract

The purpose of this essay is to elaborate a definition of behavior in Radical Behaviorism. It is


argued that a definition of behavior would take into account (1) the philosophical grounding
of Radical Behaviorism, (2) the behavior’s dynamic, and (3) the relation among events, states,
and process. Starting from the relational interpretation, this essay defends that behavior can be
concept as a relation organism-environment, whose dynamic is a sensory-motor co-ordination.
As this dynamic result, we have a behavioral stream, which can be analyzed in terms of an
interdependence relation among environmental events, behavioral events, behavioral states, and
behavioral process.

Keywords: Radical behaviorism; Behavior analysis; Relational interpretation; Concept of


behavior.

Doutorem Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos. Professor adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
– campus de Paranaíba (UFMS/CPAR). E-mail: caelopes@terra.com.br


Carlos Eduardo Lopes

A princípio, a pergunta pela definição tistas (Abib, 2001; Malone, 2004), o que, difi-
de comportamento pode parecer desnecessá- cilmente, permite falarmos de uma definição
ria ou mesmo descabida. O próprio Skinner de comportamento.
(1953, 1974) nos diz que as pessoas estão sem- Portanto, embora a definição de com-
pre próximas do comportamento (nem que portamento no Behaviorismo Radical pareça,
seja apenas do seu), o que nos dá uma certa em um primeiro momento, um assunto banal,
intimidade com o assunto. No entanto, se, um exame um pouco mais cuidadoso revela
a despeito dessa intimidade, insistirmos na que se trata de um tema complexo (Kitchener,
pergunta nos depararemos com uma situação 1977). Essa constatação é corroborada pela di-
parecida com a descrita por Santo Agostinho versidade de propostas de definições de com-
(397-398/1980) em relação ao tempo: “O que portamento que pode ser encontrada na litera-
é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo tura especializada (Abib, 2004; Burgos, 2004;
perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem de Rose, 1997; Hayes & Hayes, 1992; Ribes-
me fizer a pergunta, já não sei” (p. 218). Da Iñesta, 2004; Todorov, 1989; Tourinho, 2006).
mesma forma, nossa certeza em relação ao No entanto, a despeito dessa diversidade de
comportamento acaba quando somos solici- propostas, as dificuldades apontadas ante-
tados a formular uma definição. riormente, geralmente, não são integralmente
A dificuldade de formular uma defini- levadas em consideração. É justamente nesta
ção de comportamento também encontra ecos preocupação que se insere o presente ensaio:
no Behaviorismo Radical. Embora seja con- esboçar uma definição de comportamento no
senso que o Behaviorismo Radical entende o Behaviorismo Radical tendo no horizonte as
comportamento da maneira distinta da con- dificuldades mencionadas acima e a coerên-
cepção clássica do Behaviorismo watsoniano, cia com certos pressupostos filosóficos.
uma definição inteiramente negativa – não é a
definição dada por Watson – não ajuda mui-
to. Além disso, quando se procura por tal de- Uma nota sobre a interpretação
finição no interior dos textos skinnerianos, re-
caímos em dificuldades como, por exemplo, Considerando a pluralidade de inter-
distinguir comportamento de contingência, pretações dos compromissos filosóficos do
ou comportamento de resposta. Behaviorismo Radical, anteriormente mencio-
Dificuldade suplementar surge quan- nada, é natural que nos perguntemos sobre a
do nos deparamos com afirmações no mínimo verdadeira interpretação. Ou seja, parece não
intrigantes acerca do comportamento, como: haver problema em aceitar uma pluralidade
“Desde que [o comportamento] é um proces- interpretativa, desde que dela possamos ex-
so e não uma coisa, não pode ser facilmente trair a verdadeira interpretação. Afinal, é pre-
imobilizado para observação. Ele é mutável, ciso aprimorar nossas interpretações até que
fluido e evanescente” (Skinner, 1953, p. 15). elas sejam capazes de espelhar o verdadeiro
Afinal, como conciliar, no conceito de com- sentido dado pelo autor.
portamento, essa fluidez com os objetivos de No entanto, nesse ensaio partiremos
um estudo científico? de uma posição diferente. Defende-se, aqui,
Por fim, o estabelecimento de uma uma legitimidade da pluralidade de inter-
definição de comportamento adequada ao pretações, que não pode ser substituída por
Behaviorismo Radical deve contemplar seus uma única interpretação. Nesse sentido, não
compromissos filosóficos. Mas, afinal, quais pretendemos descobrir a real interpretação do
são esses compromissos? Há interpretações Behaviorismo Radical, mas apenas construir
mecanicistas (Overton, 1984), fisicalistas (Cre- uma dentre várias interpretações possíveis
el, 1980), materialistas (Flanagan Jr., 1980), dessa filosofia da ciência do comportamento.
contextualistas (Morris, 1988, 1993), pragma- Em termos mais técnicos, neste ensaio parti-

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Uma proposta de definição de comportamento no behaviorismo radical

mos de uma hermenêutica filosófica, que, por to de vista ontológico, estaremos admitindo
considerar o texto aberto, admite a constru- que não é possível falar de estímulo “fora” de
ção de diferentes sentidos válidos (Gadamer, uma relação comportamental. Esse posiciona-
1994/1986). mento entra em conflito direto com uma in-
O próprio Skinner (1957) parece filiar- terpretação realista, que defende a existência
se a esse tipo de hermenêutica quando nos úl- de um mundo físico (estímulos) independen-
timos parágrafos do Verbal Behavior afirma: te de uma relação comportamental (Tonneau,
É uma conseqüência salutar desse ponto de 2005). Em outras palavras, enquanto o realis-
vista aceitar o fato de que os pensamentos
mo lida com estímulos que independem do
dos grandes homens nos são incessíveis hoje.
Quando estudamos grandes obras, estudamos observador, o relacionismo defende que não
o efeito sobre nós dos registros que restaram do é possível falar de estímulo “fora” de uma re-
comportamento dos homens. É nosso compor- lação comportamental.
tamento com respeito a tais registros que ob- Mas há um nível de análise relacional
servamos; nós estudamos nosso pensamento,
não o deles (p. 452).
ainda mais fundamental que pode ser empre-
endido no Behaviorismo Radical. Trata-se da
Portanto, o sentido dado pelo autor, já relação entre organismo e ambiente. Nesse
não pode ser captado ipsis litteris por quem nível, admite-se que não há organismo que
interpreta seu texto. É por isso que dizemos, não esteja em relação com o ambiente, nem
aqui, que o texto é aberto a diferentes inter- ambiente do qual não participe um organis-
pretações, e o objetivo deste ensaio é cons- mo. Isso afasta ainda mais a possibilidade de
truir uma dentre as muitas interpretações defesa do realismo, que prioriza a existência
possíveis. do ambiente sobre o organismo. Não se trata,
tampouco, de priorizar a existência do orga-
Compromissos filosóficos do Behaviorismo nismo. Em outras palavras, uma visão-de-
Radical: Visão-de-mundo relacional mundo relacional impede tanto a defesa do
realismo, quanto do solipsismo. Assim, não
Feita essa observação, podemos nos existe ambiente “vazio”, nem organismo so-
pronunciar sobre a interpretação dos com- litário.
promissos filosóficos do Behaviorismo Ra- Além disso, uma visão-de-mundo re-
dical adotada neste ensaio, sem a pretensão lacional aplicada à relação entre organismo
de estarmos propondo a verdadeira interpre- e ambiente contrapõe-se diretamente a uma
tação. Assumiremos, aqui, uma interpreta- interpretação associacionista. Não há um mo-
ção relacional do Behaviorismo Radical, que mento inicial em que temos organismo de um
nos últimos anos tem ganhado força, sendo lado e ambiente de outro, e um segundo mo-
defendida por diferentes autores (Abib, 2004; mento em que eles são colocados em relação
Barnes-Holmes, 2005; Tourinho, 2006). por algum princípio de associação. Desde o
De maneira geral, uma concepção re- início estamos no interior da relação organis-
lacional defende a prioridade da relação so- mo-ambiente.
bre os elementos relacionados. A interpreta-
ção relacional mais comum do Behaviorismo Primeira investida em direção a uma defini-
Radical se dá entre eventos comportamentais ção de comportamento: Relação organismo-
e eventos ambientais, ou seja, entre respostas ambiente
e estímulos (Tourinho, 2006). Diz-se, nesse
sentido, que não há estímulo que não esteja Assumindo, então, uma perspectiva
relacionado com uma resposta, nem resposta relacional, é possível uma primeira definição
que não esteja em relação funcional com um de comportamento. Comportamento é rela-
estímulo. Isso já coloca uma questão impor- ção entre organismo e ambiente, sem priori-
tante. Se analisarmos essa afirmação do pon- dade de existência dos elementos.

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Essa definição ampla já dá conta da (p. 65). Mas o que seria um “simples movi-
distinção entre a concepção de comporta- mento”? Uma resposta pode ser encontrada
mento adotada pelo Behaviorismo watsonia- na continuação dessa mesma citação: “en-
no (Watson, 1919/1924) e pelo Behaviorismo tão, presumivelmente, veio sensing” (p. 66).
Radical. No primeiro caso, adota-se uma con- Se sensing – entendido como suscetibilidade
cepção mecanicista-associacionista da relação a estímulos – surgiu depois do movimento,
entre organismo e ambiente: o ambiente é an- isso quer dizer que o primeiro movimento
terior ao organismo e, por isso, o força a se (o “simples movimento”) não era controlado
comportar. Já no Behaviorismo Radical, como por nenhum tipo de estimulação.
não há prioridade dos elementos, o compor- No entanto, isso coloca um problema.
tamento tem origem no interior da relação: Admitindo a possibilidade de um comporta-
nem no ambiente, nem no organismo. mento que se resumia a movimento “puro”,
No entanto, essa definição é ainda sem qualquer suscetibilidade ao ambiente,
pouco específica para os objetivos de uma ci- como seria possível para esse organismo so-
ência do comportamento: não possibilita uma breviver sem a capacidade de “perceber”, de
compreensão satisfatória do comportamento algum modo, estímulos nocivos ou partícu-
e, muito menos, previsão e controle. É preci- las nutritivas? Voltando à citação de Skinner
so, portanto, investigar o “funcionamento” (1984/1987): “o primeiro comportamento foi
dessa relação. Ou seja, como se dá a dinâmica presumivelmente simples movimento – como
da relação organismo-ambiente. aquele da ameba avançando para um novo
território e aumentando, então, suas chances
Segunda investida em direção a uma defini- de encontrar materiais necessários para a sua
ção de comportamento: Coordenação sensó- sobrevivência” (pp. 65-66, grifo meu). Como
rio-motora seria possível para essa ameba encontrar os
materiais necessários, se seu comportamento
Uma maneira de complementar a não inclui qualquer tipo de sensing?
definição de comportamento como relação Voltemo-nos, por um momento, para
organismo-ambiente é perguntarmos por a Biologia em busca de uma descrição mais
aquilo que há de comum em tudo o que Beha- detalhada do exemplo de uma ameba que se
viorismo Radical chama de comportamento. depara com um protozoário e o engloba:
Em outras palavras, por que a atividade de A presença do protozoário gera uma concen-
tração de substâncias no meio que são capazes
um organismo é considerada um comporta-
de interagir com a membrana da ameba, de-
mento, enquanto que o movimento de uma sencadeando mudanças de consistência proto-
pedra rolando em um plano inclinado não plasmáticas que resultam na formação de um
é? O que há de comum na atividade de uma pseudópodo. Este, por sua vez, produz alte-
ameba que engloba um protozoário, e de um rações na posição do animal, que se desloca,
modificando assim a quantidade de moléculas
homem que resolve um problema de lógica, do meio que interagem com sua membrana
que faz com que chamemos os dois processos (Maturana & Varela, 1987/2002, p. 164, grifo
de comportamento? meu).
Na tentativa de responder a essas
perguntas podemos nos voltar para a cons- Esse exemplo mostra que em uma das
trução de uma história do comportamento atividades mais elementares do organismo, a
(Abib, 2007; Skinner, 1984/1987). Isso porque nutrição, um tipo de sensing, mesmo que pri-
perguntando pela origem do comportamen- mitivo, já desempenha um papel fundamen-
to talvez seja possível encontrar o que há de tal. Se o movimento fosse realmente simples
mais elementar nesse conceito. Segundo Skin-
 O termo sensing foi mantido em inglês devido a problemas
ner (1984/1987), “o primeiro comportamento que traduções, como “sentir” ou “sensação”, podem trazer. O
foi presumivelmente simples movimento” sentido mais próximo do buscado, nesse ensaio, é o de “susce-
tibilidade ao ambiente”.

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Uma proposta de definição de comportamento no behaviorismo radical

(na ausência de sensing), do ponto de vista pela integração dos sistemas motor e sensorial.
do organismo, não haveria concentração di- Com isso, ao invés de arco, temos uma unida-
ferencial do meio, o que equivale a dizer que de sensório-motora (Dewey, 1896/1981).
sem sensing o ambiente é sempre homogêneo, Desse modo, torna-se, agora, compre-
ou ainda que o organismo age de maneira ensível por que não podemos chamar o mo-
indiferente ao ambiente. Em suma, quando vimento de uma pedra de comportamento:
comportamento é definido como movimento porque não há aí coordenação sensório-mo-
sem sensing, a relação organismo-ambiente é tora. Da mesma forma, a presença de uma
violada, e temos que lidar com um organismo coordenação sensório-motora autoriza que
isolado do ambiente (solipsismo) e com um chamemos de comportamento tanto a ativi-
ambiente que não é alterado pelo organismo dade de uma ameba, que emite pseudópodos
(realismo). e engloba uma partícula, quanto a de um ser
Parece razoável admitir, então, que humano que resolve um problema de lógica.
qualquer ocorrência anterior à inter-relação
entre movimento e sensing, tal como descrita Terceira investida em direção a uma defi-
no exemplo acima, não pode ser chamada de nição de comportamento: Fluxo comporta-
comportamento. Do ponto de vista da origem mental
do comportamento, devemos, portanto, ini-
ciar nossa história com uma coordenação sen- Embora a participação da coordena-
sório-motora. ção sensório-motora na definição de compor-
Nesse ponto é possível retomar nosso tamento aumente nossa compreensão da na-
posicionamento relacional. O início da histó- tureza da relação organismo-ambiente, isso
ria do comportamento não é nem movimento, ainda não nos fornece um modelo de com-
nem sensing, mas uma coordenação sensório- portamento satisfatório para os objetivos da
motora. Portanto, o que há de mais elementar Análise do Comportamento.
em um comportamento é a coordenação sen- Além disso, há um aspecto que não
sório-motora. Isso vale tanto para o primeiro foi explicitamente mencionado e que mere-
comportamento, como para o complexo com- ce destaque. A natureza sensório-motora da
portamento humano. relação organismo-ambiente nos faz concluir
No caso de organismos mais simples, que o comportamento é dinâmico. Ou seja,
a coordenação sensório-motora é mais fácil não se trata de uma relação estática, mas de
de ser admitida, pois uma mesma estrutura uma relação mutável. Nas palavras de Skin-
(a membrana) é responsável tanto pelo mo- ner (1953):
vimento, quanto pelo sensing. Já no caso do O comportamento é um assunto difícil, não
porque é inacessível, mas porque é extrema-
comportamento humano, a dificuldade em
mente complexo. Desde que é um processo, e
assumirmos a presença da coordenação sen- não uma coisa, não pode ser facilmente imo-
sório-motora deve-se, possivelmente, ao fato bilizado para observação. É mutável, fluido e
de encontrarmos, nesse caso, órgãos motores evanescente, e, por essa razão, demanda gran-
e órgãos sensoriais especializados. No entan- de exigência técnica da engenhosidade e ener-
gia do cientista (p. 15).
to, é preciso ressaltar que uma das funções
Dessa forma, considerando que o mo-
primordiais do sistema nervoso é manter a
dus operandi da coordenação sensório-motora
coordenação entre esses sistemas especializa-
é fluidez, o ponto de partida em uma Aná-
dos (Maturana & Varela, 1987/2002). Aliás, é
lise do Comportamento é um fluxo compor-
justamente o reconhecimento dessa função o
tamental. Com isso, o primeiro desafio que
que nos afasta do modelo de sistema nervoso
se impõe para essa ciência é estabelecer uma
defendido pela teoria do arco-reflexo: o sis-
maneira de analisar esse fluxo, de modo que
tema nervoso não é a mera ligação entre ner-
se torne possível prever e, eventualmente
vos aferente e eferente, mas é o responsável
mudar, sua direção.

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Portanto, para alcançar seus objetivos, isolados, mas de relações comportamentais


a Análise do Comportamento impõe “recor- (Tourinho, 2006). Nesse sentido, o primeiro
tes” sobre a natureza contínua do compor- “recorte” operado pela Análise do Compor-
tamento. Em outras palavras, ao analisar o tamento constrói um episódio comportamen-
fluxo comportamental a Análise do Compor- tal, entendido como uma relação entre even-
tamento altera o próprio fluxo. Dessa manei- tos comportamentais (respostas) e eventos
ra, o fluxo comportamental analisado não é ambientais (estímulos).
exatamente o mesmo fluxo inicial, mas uma Nesse sentido, é a partir da descrição
reconstrução pragmaticamente orientada. de um episódio comportamental que se torna
Essa constatação parece também ser defen- possível estabelecer a relação entre topografia
dida por Skinner (1953): “O comportamento e função de um evento comportamental. A to-
é a atividade contínua e coerente de um or- pografia de uma resposta pode ser entendida
ganismo integral. Embora, para propósitos como o produto da atividade motora de um
teóricos e práticos, ele possa ser analisado organismo em um dado momento. Enquan-
em partes, devemos reconhecer sua natureza to que a função de uma resposta é o sentido
contínua de modo a resolver certos proble- atribuído a esses movimentos. Dessa forma, a
mas comuns” (p. 116). função de uma resposta é dada pela unidade
Resta, então, investigar como a Análi- da atividade motora do organismo em rela-
se do Comportamento opera esses “recortes” ção ao ambiente.
do fluxo comportamental. Ou ainda, quais Entretanto, uma vez que partimos de
são os elementos do fluxo comportamental uma coordenação sensório-motora, não pode-
analisado. Nesse sentido, é preciso estabe- mos mais admitir uma separação fundamen-
lecer a definição e articulação dos conceitos tal entre topografia e função. Não se trata,
empregados durante uma análise científica portanto, de atribuir uma função a uma topo-
do fluxo comportamental baseada no Beha- grafia, mas de propor uma relação topogra-
viorismo Radical. fia-função. Desse modo, estamos, novamen-
te, diante do relacionismo: não há topografia
Quarta investida em direção a uma defini- sem função, nem função sem topografia. No
ção de comportamento: Relação entre even- entanto, isso não quer dizer que toda propos-
tos, estados e processos ta de relação topografia-função é correta. Na
Análise do Comportamento não estamos es-
De maneira geral, o itinerário de uma pelhando o funcionamento do comportamen-
análise do fluxo comportamental pode ser to, mas impondo recortes úteis sobre o fluxo
descrito como o estabelecimento de um re- comportamental. Em outras palavras, a ado-
corte inteligível, criando, assim, unidades de ção de um relacionismo na Análise do Com-
análise das quais seja possível partir em di- portamento é epistemológica e, embora, se
reção à “construção” de um fluxo comporta- conjugue com a defesa de uma ontologia rela-
mental analisado. cional, não pode ser identificada com ela. Em
suma, o relacionismo não autoriza a defesa
Evento comportamental de que os “recortes” propostos pela Análise
do Comportamento são os únicos possíveis.
É possível defender que a unidade de Nesse ponto, já é possível perceber
análise mais elementar no Behaviorismo Ra- que uma definição de comportamento não
dical seja os eventos comportamentais ou, em pode ser satisfatoriamente dada apenas em
termos mais familiares, as respostas (Burgos, termos de eventos. No entanto, a prioridade
2004). No entanto, como estamos adotando, analítica dos eventos comportamentais pode
aqui, uma perspectiva relacional, não po- levar a uma eventual confusão entre resposta
demos partir de eventos comportamentais e comportamento. Esse deslize parece ser co-

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metido pelo próprio Skinner (1969), quando mente, não parece legítimo reduzir compor-
ao falar da relação entre eventos diz que “não tamento a episódio comportamental e, menos
olhamos (...) para comportamento e ambiente ainda, a evento comportamental. Em suma,
como coisas ou eventos separados, mas para os eventos comportamentais embora necessá-
as inter-relações entre eles. Olhamos para as rios, não são suficientes para uma definição
contingências de reforçamento” (p. 10, gri- de comportamento.
fo meu). Nessa citação, se o termo comporta-
mento fosse substituído por resposta, certos Estado comportamental
constrangimentos seriam evitados. Afinal,
o enunciado de que há uma relação entre Se, em alguns momentos, Skinner
comportamento e ambiente, parece excluir o (1969) parece empregar o termo comportamen-
ambiente da definição de comportamento e, to como sinônimo de evento comportamental,
conseqüentemente, romper a relação organis- em outros, ele afirma categoricamente que
mo-ambiente. comportamento não é uma resposta:
Essa correção terminológica parece Uma instância singular na qual um pombo ele-
va sua cabeça é uma resposta. Ela é uma porção
razoável quando consideramos um trecho
da história que pode ser relatada em qualquer
encontrado no mesmo livro, algumas páginas sistema de referência que desejarmos usar. O
antes da citação anterior: comportamento chamado ‘levantar a cabeça’, in-
Uma formulação adequada do intercâmbio en- dependentemente de quando instâncias espe-
tre o organismo e seu ambiente sempre deve cíficas ocorrem, é um operante (Skinner, 1953,
especificar três coisas: 1) a ocasião em que a p. 65, grifos meus).
resposta ocorre; 2) a própria resposta; 3) as
conseqüências reforçadoras. A inter-relação
entre elas constitui as ‘contingências de refor-
Com essa citação fica evidente que
ço’ (Skinner, 1969, p. 7). operante é diferente de resposta. Mas afinal
o que é, então, um operante? O conceito de
Ora, se as contingências são a inter-re- operante, geralmente, está ligado aos objeti-
lação de três coisas que devemos especificar vos de previsão e controle defendidos pela
na descrição da relação organismo-ambiente, ciência do comportamento skinneriana (cf.
quando olhamos para as contingências, olha- Skinner, 1953, 1957, 1969). São justamente es-
mos para a relação entre eventos comporta- ses objetivos que parecem ser os responsáveis
mentais (respostas) e eventos ambientais (es- pela definição de operante como classe de
tímulos). respostas:
Uma resposta que já ocorreu não pode, é claro,
Por outro lado, em uma definição
ser prevista ou controlada. Nós podemos pre-
de comportamento não basta considerar a ver apenas que respostas similares ocorrerão
relação entre eventos comportamentais e no futuro. Portanto, a unidade de uma ciência
ambientais. Isso porque um episódio com- preditiva não é uma resposta, mas uma classe
portamental é apenas um “recorte” do fluxo de respostas. A palavra ‘operante’ será usada
para descrever essa classe (Skinner, 1953, pp.
comportamental. Além disso, não basta ligar 64-65).
diferentes episódios comportamentais, à la
associacionismo, pois isso nos distanciaria Essa mesma preocupação com o esta-
tanto do relacionismo, quanto da natureza belecimento de uma ciência preditiva, conduz
fluida do comportamento. É preciso, portan- Skinner (1957) a afirmar que “nosso dado bá-
to, encontrar uma maneira de restituir o fluxo sico não é a ocorrência de uma dada resposta
comportamental. enquanto tal, mas a probabilidade de que ela
Nesse sentido, a despeito de sua im- ocorrerá em um dado momento” (p. 22, gri-
portância, a descrição de episódios compor- fo meu). Dessa forma, o conceito de operante
tamentais é apenas um passo preliminar na acaba aproximando-se do de probabilidade,
Análise do Comportamento. Conseqüente- pois quando dizemos que determinado ope-

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rante participa do repertório de alguém, esta- de uma resposta é a própria resposta.)


mos afirmando simplesmente que essa pessoa Algumas peculiaridades dos estados
tem uma alta probabilidade de se comportar comportamentais merecem ser destacadas.
de uma determinada maneira. Nas palavras Em primeiro lugar, a relação entre resposta e
de Skinner (1974): “É freqüentemente útil fa- probabilidade é descrita dizendo-se que um
lar de um repertório de comportamento, que, evento comportamental atualiza (Lopes, 2003)
tal como o repertório de um músico ou de um ou exemplifica (Burgos, 2004) um estado. Isso
grupo musical, é aquilo que uma pessoa ou quer dizer que só podemos falar de estado
um grupo é capaz de fazer, dado certas cir- partindo da ocorrência de eventos. Nas pa-
cunstâncias” (p.138). lavras de Skinner (1969): “são sempre as ins-
Essa ligação entre operante e proba- tâncias que são contadas ao se determinar a
bilidade parece aproximar o operante de um freqüência, e é dessa freqüência que a proba-
conceito disposicional (Lopes, 2003, 2004; Ri- bilidade de uma resposta é inferida” (Skinner,
bes-Iñesta, 2004). A lógica dos conceitos dis- 1969, p. 131). Dessa forma, o estado compor-
posicionais, proposta por Ryle (1949/1980), tamental é abstraído da ocorrência de eventos
defende que um conceito deve ser considera- comportamentais.
do como disposicional quando descreve uma Para mantermo-nos fiel ao relacionis-
tendência ou probabilidade, ao invés de uma mo, temos que considerar a obrigatoriedade
ocorrência ou evento. Ora, não é justamente dessa relação de atualização entre eventos
isso que faz o conceito de operante? Quando e estados. Em outras palavras, não há esta-
afirmamos que uma pessoa sabe tocar piano, do comportamental que não seja, em algum
no sentido de que tem em seu repertório o momento, atualizado por eventos comporta-
operante “tocar piano”, isso não quer dizer mentais, nem evento que não seja atualização
que essa pessoa esteja tocando agora; mas de algum estado. Com isso, começamos a
que eventualmente toca, ou quando é preciso restituir o caráter fluido do comportamento:
o faz. Dando a palavra a Skinner (1957): quando olhamos para o comportamento não
vemos uma mera sucessão de eventos dis-
Para muitos propósitos, ‘operante’ é intercam- cretos, mas uma regularidade explicada pela
biável com a tradicional ‘resposta’, mas os ter-
atualização de estados.
mos nos permitem fazer a distinção entre uma
instância do comportamento (‘fulano fumou Uma segunda característica dos esta-
um cigarro entre 2:00h. e 2:10h. da tarde de dos comportamentais é o interessante fato de
ontem’), e um tipo de comportamento (‘fumar que “nunca observamos uma probabilidade
cigarros’). O termo resposta é freqüentemente enquanto tal” (Skinner, 1953, p. 62). Isso por-
usado para ambos, embora não capture facil-
mente o segundo significado (p. 20).
que esse tipo de classificação (observável ou
inobservável) não pertence à lógica dos esta-
O estado comportamental surge no con- dos, mas à dos eventos ou ocorrências (Ryle,
texto da descrição dos operantes ou probabi- 1949/1980). No entanto, isso não quer dizer
lidades presentes em um repertório. Um esta- que um estado seja algo que existe por detrás
do comportamental descreve tanto uma regu- dos eventos observados e, muito menos, que
laridade no responder, quanto uma tendência seja a causa desses eventos (Lopes, 2003). Os
de ocorrência de episódios comportamentais estados são conceitos construídos com o in-
(a emissão de eventos comportamentais rela- tuito de explicar e, principalmente, prever o
cionados a eventos ambientais específicos). comportamento.
Dessa maneira, o estado comportamental Isso nos remete, novamente, aos obje-
embora se relacione com os eventos compor- tivos da Análise do Comportamento. Seguin-
tamentais, em momento algum se confunde do a presente proposta podemos dizer que a
com eles. (Confundir estado com evento equi-  Esse tipo de confusão é chamado por Ryle (1949/1980) de
erro categorial, pois consiste em uma categorização equivocada
vale a dizer que a probabilidade de emissão de um conceito.

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Uma proposta de definição de comportamento no behaviorismo radical

Análise do Comportamento visa o estabeleci- tingências de reforço. Devemos, portanto,


mento e manutenção de alguns estados com- continuar a admitir que a contingência trípli-
portamentais, bem como a enfraquecimento ce é o modo de organização da relação entre
de outros. Em suma, o analista do compor- eventos comportamentais e ambientais na
tamento não está interessado em ocorrências Análise do Comportamento, desde que ela
únicas, mas nas regularidades do responder, não seja identificada com a contingência de
o que é explicado pelos estados. Nas palavras reforço. Assim, quando falamos de processos
de Skinner (1953) “Não importa quão acura- comportamentais estamos falando de contin-
da ou quantitativa possa ser, a descrição de gências, que embora incluam contingências
um caso particular é apenas um passo preli- de reforço, não se reduzem a elas.
minar. O próximo passo é a descoberta de al- Sendo assim, os eventos que partici-
gum tipo de uniformidade” (Skinner, 1953, p. pam de um comportamento (independen-
15). Além disso, interessando-se por estados te de se tratar de um operante, liberado ou
comportamentais, o analista do comporta- reflexo) se organizam na forma “estímulo-
mento é capaz tanto de explicar a emissão de resposta-conseqüência”. No caso do operan-
respostas atuais, quanto de prever a emissão te, por exemplo, é a contingência de reforço
de respostas futuras. quem dita o modo como os eventos se rela-
cionam – uma resposta é emitida na presença
Processo comportamental de estímulos e produz alterações no campo
estimulacional (remove estímulos presentes
Se parássemos aqui nossa análise do ou produz novos estímulos). Além de ditar a
fluxo comportamental, ainda não seríamos forma de organização entre eventos, as con-
capazes de lidar com o aspecto dinâmico do tingências, ou processos comportamentais,
comportamento. Em outras palavras, temos são uma espécie de “ponte” entre eventos e
que incluir, em nossa análise, um terceiro ele- estados comportamentais, indicando de que
mento que dê conta da mudança e manuten- modo podemos partir de eventos para cons-
ção do comportamento no tempo. Além disso, truir estados.
se a análise do comportamento está interes- Continuando com o exemplo de um
sada nos estados comportamentais, é preciso comportamento do tipo “operante”, temos
saber como construir, manter ou enfraquecer que: a ocorrência de uma resposta produz
esses estados. Isso nos remete à análise dos uma conseqüência que, por sua vez, afeta
processos comportamentais. a ocorrência de novas respostas – seria in-
Segundo Skinner (1969), a formulação sensato dizer que essa conseqüência afeta a
adequada da relação organismo-ambiente é ocorrência da resposta que a produziu, pois
especificada pela contingência, que dita a or- essa já não existe mais e, portanto, não pode
ganização da relação entre eventos ambientais mais ser afetada. O que se altera é a probabi-
e eventos comportamentais. Isso quer dizer lidade de ocorrência de novas respostas; não
que a contingência é uma “ferramenta” que de quaisquer respostas, mas de respostas que
possibilita a compreensão e modificação do guardam alguma semelhança com a primeira
comportamento. Portanto, quando o analista resposta (Skinner, 1953, 1957, 1969). Dessa
do comportamento olha para o fluxo compor- maneira, os processos comportamentais agem
tamental ele vê uma relação entre estímulos sobre os estados comportamentais. Seguindo
antecedentes, resposta e conseqüências. esse processo, se à emissão de respostas seme-
Nesse ponto, é preciso fazer uma res- lhantes seguem-se conseqüências reforçado-
salva. Como estamos buscando uma defini- ras semelhantes, no final teremos a constitui-
ção de comportamento, que deve ser “maior” ção de uma classe de respostas, de um novo
que o conceito de comportamento operante, estado comportamental operante.
não podemos nos deter na análise das con- A identificação entre contingências e

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processos comportamentais leva em conside- tamental (fisiológica ou mental). Ora, o dife-


ração o caráter temporal, dinâmico ou proces- rencial do Behaviorismo Radical não seria,
sual das contingências, impedindo que sejam então, considerar a terceira variável como de
interpretadas como sinônimo de mero pro- natureza comportamental? Isso não é justa-
cedimento. Podemos encontrar algum apoio mente incluir a contingência no conceito de
para esse fato no próprio texto skinneriano, comportamento?
quando define os processos comportamentais Portanto, independente do tipo de
como “mudanças no comportamento” (Skin- comportamento (operante, liberado ou refle-
ner, 1968, p. 120) citando como exemplos xo) parece que sempre temos uma estrutura
“aprendizagem, discriminação generalização constituída pela relação entre eventos, esta-
e abstração” (p. 120) e, em outro momento, dos e processos comportamentais. As dife-
chamando esses mesmos exemplos de “algu- renças entre os tipos de comportamento se
mas contingências de reforço” (Skinner, 1969, devem à temporalidade, o que nos remete às
p. 23, nota 1.1). contingências envolvidas na gênese de cada
O risco de se confundir processos estado comportamental. Dessa maneira, nos
comportamentais com comportamento é bem comportamentos liberado e reflexo temos
menor do que no caso de eventos e estados a participação de contingências de sobrevi-
comportamentais. O próprio Skinner (1968) vência e, por isso, a princípio, encontramos
salienta a impossibilidade de considerarmos estados de origem filogenética. Já no caso do
processos como comportamentos: “esses comportamento operante, as contingências
[processos comportamentais] não são compor- são de reforçamento, responsáveis por esta-
tamentos, mas mudanças no comportamento” dos ontogenéticos.
(p. 120, grifos meus). No entanto, defender
que não há identificação entre processos com- O que é comportamento afinal?
portamentais e comportamento não exclui a
possibilidade de que haja relação entre eles. É Retomemos, então, nosso problema
justamente esta a nossa hipótese: que os pro- inicial. Estamos, com esse ensaio, tentando
cessos comportamentais devem participar da encontrar uma definição de comportamen-
definição de comportamento. to compatível com o Behaviorismo Radical.
A justificativa para incluirmos os pro- Qual é, então, nosso saldo até aqui? Em uma
cessos comportamentais na definição de com- palavra, comportamento é relação organismo-
portamento é que, com isso, introduzimos o ambiente. Evidentemente, isso diz pouco en-
caráter dinâmico do comportamento já em quanto não especificarmos como é o “funcio-
sua definição. Em outras palavras, é parte da namento” dessa relação. Isso pode ser alcan-
definição de comportamento estar em cons- çado em dois momentos. Em primeiro lugar,
tante mudança e isso pode ser analisado por essa relação é uma coordenação sensório-mo-
meio dos processos comportamentais. tora, de modo que no comportamento não é
Além disso, vale lembrar que, quando possível separar movimento de sensing. Essa
Skinner (1969) compara o Behaviorismo Radi- nossa definição de comportamento é relacio-
cal com outros “Behaviorismos” coloca a dis- nal, ou seja, não privilegia nem organismo,
tinção na terceira variável encontrada na fór- nem ambiente, mas a relação entre eles. A re-
mula que descreve a relação entre estímulos lação entre funções motoras e sensoriais “per-
e resposta: R = f (S, A). Para o Behaviorismo tence” ao organismo na exata medida em que
Radical a terceira variável (A) é justamente a depende dele – é sempre um organismo que se
contingência de reforçamento, o que o afasta comporta –, mas não está no organismo, pois
de Sherrington, Tolman, e Hull. É importan- isso implicaria em afirmar que o organismo
te notar que todos esses autores atribuem à  Dizemos que temos um estado filogenético a princípio por
terceira variável uma natureza não-compor- que por meio do condicionamento respondente são criados es-
tados reflexos ontogenéticos.

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Uma proposta de definição de comportamento no behaviorismo radical

é anterior à relação comportamental. Por ou- relação com eventos ambientais (estímulos), de
tro lado, a relação também “pertence” ao am- um modo organizado. Quando consideramos
biente, pois as atividades motora e sensorial o fator temporal dessa relação, concluímos
modificam e são modificadas pelo ambiente. que o padrão de organização dos eventos,
Enquanto a história do comportamento nos no tempo é responsável pela criação, manu-
ensina que, do ponto de vista evolutivo, não tenção e mudança de estados comportamentais.
há prioridade entre as atividades motora e Dessa forma, os processos comportamentais ou
sensorial de um organismo, a perspectiva re- contingências são responsáveis por “regula-
lacional reforça essa concepção, dizendo que ridades funcionais” entre as muitas respostas
a relação entre essas atividades é indissociá- emitidas por um organismo. A observação
vel e “anterior” tanto ao organismo, quanto desse padrão no responder (freqüência) nos
ao ambiente. conduz aos estados comportamentais (proba-
Portanto, no Behaviorismo Radical bilidades). Dessa forma, por meio da mani-
comportamento é relação entre organismo e pulação de processos comportamentais (via
ambiente, sem prioridade de existência nem eventos ambientais) podemos construir (ou
do ambiente, nem do organismo – há uma enfraquecer) estados comportamentais, além
simultaneidade. Dessa forma, não faz sentido de prever e controlar a ocorrência de novos
perguntar pelo que existia antes dessa rela- eventos comportamentais.
ção, uma vez que tal pergunta parece partir Se, por um lado, a interdependên-
de aceitação de uma posição neutra do obser- cia entre eventos, estados e processos apon-
vador em relação ao que é observado. Seria o ta para a impossibilidade de considerarmos
mesmo que defender a possibilidade de sair qualquer um desses elementos como a de-
do próprio comportamento para então obser- finição de comportamento, por outro, é jus-
var. tamente essa relação obrigatória e recíproca
Em segundo lugar, ao admitirmos que que acaba por nos aproximar de um conceito
essa coordenação sensório-motora é dinâmi- de comportamento. Em outras palavras, po-
ca, encontramos o comportamento como um demos dizer que, no Behaviorismo Radical,
fluxo comportamental. Esse fluxo pode ser uma relação de interdependência é o que carac-
analisado em eventos comportamentais (res- teriza o comportamento. Essa peculiaridade
postas), eventos ambientais (estímulos), esta- do comportamento nos remete a uma defini-
dos comportamentais (probabilidades ou dis- ção inteiramente relacional.
posições) e processos comportamentais (con- Comportamento é, portanto, relação
tingências). Dessa forma, eventos, estados organismo-ambiente, que pode ser entendida
e processos, podem ser considerados como do ponto de vista de sua dinâmica como uma
diferentes níveis de análise da dinâmica da coordenação sensório-motora, e do ponto de
relação de coordenação sensório-motora do vista da Análise do Comportamento como
organismo com o ambiente. uma relação de interdependência entre even-
É possível identificar uma inter-re- tos ambientais, eventos comportamentais, es-
lação entre eventos, estados e processos: os tados comportamentais e processos compor-
eventos comportamentais (respostas) estão em tamentais.

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Recebido em: 23/11/2007


Primeira decisão editorial em: 16/12/2007
Versão final em: 04/05/2008
Aceito para publicação em: 31/05/2008

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