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Temas em Psicologia

ISSN: 1413-389X
comissaoeditorial@sbponline.org.br
Sociedade Brasileira de Psicologia
Brasil

Laurenti, Carolina
Determinismo, Probabilidade e Análise do Comportamento
Temas em Psicologia, vol. 16, núm. 2, diciembre, 2008, pp. 171-183
Sociedade Brasileira de Psicologia
Ribeirão Preto, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=513751432003

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ISSN 1413-389X Temas em Psicologia - 2008, Vol. 16, no 2, 171 – 183

Determinismo, Probabilidade e Análise do


Comportamento

Carolina Laurenti
Universidade Estadual de Maringá – PR – Brasil

Resumo
Este artigo examina o conceito de determinismo probabilístico, uma noção usualmente invocada
na literatura analítico-comportamental na discussão do determinismo. Em primeiro lugar, são
examinadas algumas características gerais do determinismo probabilístico em contraste com a
concepção de determinismo absoluto. Argumenta-se que não parece haver diferenças
significativas entre esses tipos de determinismo. Discute-se, ainda, algumas conseqüências
dessa ilação para a interpretação determinista dos compromissos filosóficos da Análise do
Comportamento. Em terceiro lugar, são examinadas as noções de indeterminismo
epistemológico e ontológico com o fito de criticar algumas concepções canônicas do assunto.
Por fim, sugere-se que uma reflexão sobre a natureza do comportamento na Análise do
Comportamento pode lançar alguma luz sobre a questão da determinação e indeterminação do
comportamento.
Palavras-chave: Análise do Comportamento, Determinismo, Probabilidade,
Indeterminismo, Comportamento.

Determinism, Probability and Behavior Analysis

Abstract
This article examines the concept of probabilistic determinism, a notion usually invoked in
analytical behavioral literature in discussion of the determinism. First, we examine some
general features of probabilistic determinism in contrast to the conception of absolute
determinism. It is argued that there seems to be no significant differences between these types of
determinism. Moreover, it is discussed some consequences for this inference to deterministic
interpretations of the Behavior Analysis’s philosophical commitments. Thirdly, concepts of
epistemological and ontological indeterminism are examined taking aim at criticizing some
canonical conceptions of the subject. Finally, it is suggested that a reflection on the nature of
behavior in the Behavior Analysis can shed some light on the question of determination and
indeterminacy of behavior.
Keywords: Behavior Analysis, Determinism, Probability, Indeterminism, Behavior.

A proposta de uma ciência do se trata, pois, de um compromisso tácito,


comportamento defendida por Skinner mas declarado:
(1904-1990) traz consigo inúmeras questões
controversas. Uma delas diz respeito à Para termos uma ciência da
relação entre ciência e determinismo. psicologia, devemos adotar o
Skinner (1953) admite que a possibilidade postulado fundamental que o
de uma ciência do comportamento está comportamento é um dado sujeito a
ancorada na suposição de que o leis, que ele não é perturbado pelos
comportamento humano é determinado. Não atos caprichosos de qualquer agente
______________________________________
Endereço para correspondência: Rua Rogério Mastrofrancisco, 71. Cep: 13571-130. Castelo Branco – São
Carlos – SP. E-mail: carolinapsicologia@hotmail.com.
Trabalho financiado pela FAPESP por meio de bolsa de doutorado.
172 Laurenti, C.

livre – em outras palavras, que ele é comportamental do assunto: a noção de


completamente determinado. determinismo probabilístico (Abib, 1997,
(Skinner, 1947/1999b, p. 345). pp. 43-44; Carrara, 2004, pp. 39-40;
Carvalho Neto, 2002, p. 04; Galuska, 2003,
Embora, posteriormente, tenha dosado
p. 263; Moxley, 2007, p. 73; Tourinho,
suas declarações sobre a determinação do
2003, p. 38).
comportamento, admitindo a
impossibilidade da tese poder ser provada, A noção de determinismo probabilístico
Skinner (1974, p. 189) não parece ter se traz à baila outro debate acerca das
desvencilhado do determinismo. Na interpretações deterministas do
verdade, Skinner parece conceber o behaviorismo skinneriano. O embate agora é
determinismo como uma cláusula da própria entre determinismo probabilístico e
noção de cientificidade. Assim segue o determinismo absoluto. Vejamos como isso
argumento skinneriano: se quisermos aplicar se dá. A Análise do Comportamento, ciência
os métodos da ciência no campo das orientada pela filosofia do Behaviorismo
questões humanas, devemos assumir que o Radical, não sai ilesa de seu compromisso
comportamento é completamente com o determinismo. Não é incomum
determinado (Skinner, 1953). Isso porque encontrarmos críticas alegando que, com sua
“não se pode aplicar os métodos da ciência concepção determinista, a Análise do
em um assunto que se presuma ditado pelo Comportamento está preocupada somente
capricho” (p. 06). Dado o suposto vínculo com previsão e controle. Sendo assim, não
estreito entre determinismo e ciência, o deixa espaço para a liberdade e criatividade,
estatuto determinista do comportamento tratando o homem como um mero fantoche
parece inquestionável: criticar o das determinações inexoráveis do ambiente
determinismo seria o mesmo que duvidar da natural e social (Carrara, 2005).
possibilidade de tratamento científico do No contexto dessas críticas, a noção de
comportamento. determinismo probabilístico parece colocar
Além da conspícua inclinação de as coisas em boa ordem. Afirma-se, por um
Skinner (1947/1999b, 1953, 1971) ao lado, que o comportamento é determinado, o
determinismo, muitos dos estudiosos de sua que, de imediato, parece garantir o status
obra também parecem compartilhar de uma científico do comportamento. Mas, por outro
interpretação determinista do Behaviorismo lado, não se trata de um determinismo
Radical (Chiesa, 1994; Slife, Yanchar & absoluto, mas probabilístico. Isso porque o
Williams, 1999). Nessa linha de raciocínio, comportamento é um objeto de estudo
as eventuais controvérsias sobre o assunto complexo, que encerra relações funcionais
parecem girar em torno de qual tipo de envolvendo uma pluralidade de variáveis.
determinismo é o mais adequado para Em razão dessa multideterminação, é
fundamentar as práticas de pesquisa de praticamente impossível especificarmos uma
analistas do comportamento (Slife et al.). causa exata para os fenômenos
Em suma, não parece ser o caso, aqui, de comportamentais e, conseqüentemente,
questionar a própria interpretação determinar de maneira absoluta o
determinista dos compromissos científico- comportamento (Carrara, 2004; Tourinho,
filosóficos de Skinner 1 . Na esteira da 2003).
interpretação predominante do behaviorismo Assim, mesmo assumindo que o
de Skinner, a determinista, este texto comportamento é determinado, a noção de
pretende examinar com mais detalhe uma determinismo probabilístico chama a
acepção de ‘determinismo’ que é usualmente atenção para o fato de que o nosso
empregada na literatura analítico- conhecimento do comportamento é bastante
modesto. Previsões certas e absolutas não
1 são a regra. Seria, portanto, mais adequado
Isso não quer dizer que não seja possível
dizer que podemos apenas fazer enunciados
empreender uma crítica ao determinismo na
Análise do Comportamento, mas que a sobre ocorrências prováveis do
interpretação mais comum é a determinista. Para comportamento. Nesse contexto, a noção de
um exemplo de crítica ao determinismo na determinismo probabilístico sugere que
Análise do Comportamento, cf. Moxley (1997, incertezas, imprevisibilidades e
2007) e Laurenti (2009). probabilidades dizem respeito aos limites
Determinismo, Probabilidade e AC 173

metodológicos, e não à natureza do próprio aos seus olhos. (Laplace, 1814/1951,


objeto de estudo (o comportamento), que p. 04)
continua sendo considerada determinada –
pois, os métodos da ciência, vale lembrar A função de tal inteligência, ou
Skinner (1953), não podem ser aplicados a “demônio” (como ficou popularmente
um objeto de estudo que supõe ser conhecido), pode ser alvo de inúmeras
governado pelo capricho. especulações, dado o caráter evidentemente
Com efeito, a noção de determinismo irrealizável de tal potência. Reparemos que o
probabilístico parece satisfazer às exigências determinismo laplaciano começa com uma
de algumas concepções científicas, que conotação causal: “devíamos (...) considerar
tratam o determinismo como uma cláusula o estado atual do universo como efeito do
da própria definição de ciência. Ao mesmo seu estado anterior e causa do que vai se
tempo, o determinismo probabilístico seguir”. Depois acaba por identificar
também parece ser uma resposta às críticas determinismo com conhecimento completo
daqueles que acusam a Análise do do passado e futuro: “nada seria incerto para
Comportamento de arrogância pela ela [inteligência]; e o futuro, tal como o
pretensão de manipular, controlar e prever, passado, estariam presentes aos seus olhos”.
de maneira absoluta, algo tão complexo Em vista disso, a formulação laplaciana
como o comportamento. ficou conhecida como a forma mais radical e
paradigmática de determinismo: ela combina
Podemos perceber que a noção de
descrição completa do estado do mundo em
determinismo probabilístico geralmente se
um dado tempo (as condições iniciais) com
opõe à de determinismo absoluto. O objetivo
as leis da natureza. Se tivermos tudo isso,
deste artigo é, justamente, estabelecer uma
então, o estado presente do mundo torna
comparação entre as noções de
necessários todos os estados, passados e
determinismo absoluto e determinismo
futuros.
probabilístico, aquilatando, então, a
plausibilidade dessa oposição. Com isso, No entanto, o apelo de Laplace
pretende-se examinar também diferentes (1814/1951) a uma inteligência superior
maneiras (ontológica e epistemológica) de acaba subordinando o determinismo
discutir o conceito de probabilidade na ontológico à epistemologia: “o
Análise do Comportamento. ‘determinismo laplaciano’ propõe-se
qualificativamente o conhecimento total e
absoluto, entretanto bastante ideal” (Paty,
Determinismo absoluto 2004, p. 474). Em outras palavras, o
determinismo ontológico torna-se realizável
Usualmente a idéia de determinismo apenas ao demônio, que conhece todos os
absoluto remonta à proposta de Pierre- estados do mundo, mas jamais ao homem.
Simon Laplace (1749-1827), sintetizada em Isso porque a limitação cognitiva do homem
um célebre trecho de seu livro, Um ensaio nunca lhe permitirá conhecer a totalidade
filosófico sobre as probabilidades: dos estados do mundo. Em razão desse
Devemos considerar o estado atual do aspecto cognitivo, que vincula determinismo
universo como efeito do seu estado com a possibilidade de conhecimento
anterior e causa do que vai se seguir. completo de um sistema, alguns físicos e
Suponha-se (...) uma inteligência que filósofos não consideram o determinismo
conhecesse num momento dado todas laplaciano uma boa formulação do
as forças que atuam na Natureza e o determinismo ontológico (Earman, 1986; O’
estado de todos os objetos que a Connor, 1957).
compõem, e que fosse Todavia, mesmo que o determinismo
suficientemente ampla para submeter laplaciano possa ser colocado, de maneira
esses dados à análise matemática, ela, acertada, do ponto de vista do
então, poderia expressar numa única conhecimento, ele dá indícios de que há uma
fórmula os movimentos dos maiores necessidade oculta que opera na natureza
astros e dos menores átomos. Nada (Paty, 2004). Na concepção de Laplace, o
seria incerto para ela; e o futuro, tal universo seria perfeitamente unificado,
como o passado, estariam presentes constituído por relações causais rigidamente
174 Laurenti, C.

concatenadas, em que todas as coisas estão discussão acerca da causalidade e do acaso,


fixas e imutavelmente unidas umas às e da natureza necessária ou contingente das
outras. É justamente essa necessidade oculta leis físicas. D’Alembert posiciona-se
que muitos entendem por determinismo explicitamente do lado da causalidade e
ontológico (Paty, 2004; Wilson, 1958/1974). necessidade, e o suposto caráter fortuito de
Nesse sentido, podemos dizer que o eventos físicos é considerado apenas
determinismo laplaciano, mesmo que aparente. Por conseguinte, conclui o mentor
indiretamente, explicita o determinismo de Laplace, deve existir uma causa para
ontológico ao supor a necessidade da tudo, ainda que não a conheçamos.
natureza que o conhecimento humano deve Com efeito, para d’Alembert, tudo no
buscar. Em outros termos, é no contraste mundo está interconectado compondo o que
entre necessidade absoluta da natureza e as ele designa por ‘sistema geral do mundo’
restrições cognitivas em apreender tal (Paty, 2004). Nesse contexto, qualquer
necessidade que o determinismo ontológico alteração no sistema, por mais diminuta que
ganha relevo. seja, modificaria a constituição de todo
A relação entre determinismo conjunto: “Suponhamos um evento a mais
ontológico e limitação epistemológica talvez ou a menos no mundo (...), todos os outros
fique mais clara quando examinarmos, a ressentir-se-ão com essa alteração pequena,
seguir, o estatuto da probabilidade no assim como um relógio se ressente
sistema laplaciano. inteiramente da menor alteração sofrida por
uma de suas rodas” (d’Alembert, 1757,
citado por Paty, p. 471).
Determinismo ontológico e
Vale ressaltar, contudo, que para
probabilidade
d’Alembert apenas uma inteligência
Como é possível notar no trecho citado suprema (isto é, Deus) pode conhecer a
anteriormente, a famosa declaração de totalidade indivisível da natureza, incluindo
Laplace (1814/1951) não emprega o termo as eventuais modificações e seus efeitos no
‘determinismo’. Essa designação só será sistema global. Tal inteligência contrasta,
mencionada em 1865 nos trabalhos de por exemplo, com o conhecimento humano
Claude Bernard, e em 1878, quando o termo que, pela sua finitude, é incapaz de ter uma
é incorporado como verbete do Dictionnaire visão imediata de tal totalidade, tendo que
de l’Académie (Paty, 2004). Não obstante, a percorrê-la passo a passo (Paty, 2004). Uma
formulação laplaciana presumivelmente das funções da ficção de uma inteligência
serviu como pano de fundo para as superior é permitir conceber “a unicidade
concepções de eminentes cientistas, como absoluta dos encadeamentos de causalidade
Claude Bernard, que contribuíram para idênticos” (Paty, 2004, p. 472).
difundir o determinismo no último terço do Vemos ecos dessa função na idéia de
século XIX. Mais interessante ainda é que a um observador onisciente ou “demônio” de
possível raiz do sentido de ‘determinismo’ Laplace (1814/1951), que pode ser
atribuído a Laplace havia sido expressa identificado logo no início do já mencionado
sessenta anos antes por d’Alembert, de quem trecho de sua obra Um ensaio filosófico
Laplace foi discípulo (Paty, 2004). O que sobre as probabilidades: “Suponha-se (...)
pode ser destacado dessa suposta linhagem uma inteligência que conhecesse num
do termo ‘determinismo’ é sua momento dado todas as forças que atuam na
compatibilidade com probabilidade. Natureza...”. À semelhança de seu mentor,
A antecipação da concepção laplaciana Laplace reconhece, mesmo com otimismo
de determinismo encontra-se, curiosamente, contido, que o conhecimento humano é
no verbete ‘fortuito’ da Enclyclopédie, de bastante limitado, quando comparado ao
autoria de d’Alembert, que diz o seguinte: poder cognitivo de tal potência:
“estando tudo ligado na natureza, os
acontecimentos dependem uns dos outros; a O espírito humano oferece, na
cadeia que os une é freqüentemente perfeição que soube dar à astronomia,
imperceptível, mas não deixa de ser menos um fraco esboço dessa inteligência.
real” (d’Alembert, 1757, citado por Paty, (...) Todos seus esforços na procura da
2004, p. 470). À época, vigorava uma verdade tendem a aproximá-lo sem
Determinismo, Probabilidade e AC 175

cessar à Inteligência que acabamos de verdadeiro deveria ser expresso sem o


conceber, mas da qual ele ficará recurso à probabilidade (Paty, 2004).
sempre infinitamente afastado.
(Laplace, 1814/1951, p. 04) Em suma, a noção de determinismo
absoluto ou laplaciano envolve, por um lado,
É justamente neste contexto, em que as uma concepção de natureza constituída por
limitações do conhecimento humano são relações causais rígidas e necessárias, que,
destacadas, em contraste com o se conhecidas, não dariam espaço para
conhecimento ideal, que surge a noção de noções tais como as de acaso ou
probabilidade. Paty (2004) esclarece o casualidade, por exemplo. Por outro lado, o
ponto: “O papel das probabilidades será o de determinismo laplaciano estabelece o ponto
fornecer um paliativo a esta ignorância, de vista de um conhecimento acabado ideal,
permitindo-nos avaliar-lhe o grau a partir do que se identifica com o conhecimento total e
que sabemos, e é possível fazê-lo muito absoluto das redes causais que constituem
exatamente tirando proveito, também aí, dos um dado fenômeno.
recursos da análise, pela teoria analítica das Vale destacar que, na perspectiva
probabilidades” (p. 473). laplaciana, somente “a Inteligência”, com
Com efeito, podemos dizer que, para o poderes cognitivos ilimitados, é capaz de
determinismo laplaciano, a probabilidade conhecer a total determinação do mundo,
nada mais é do que uma confissão da isto é, as conexões causais rígidas e
ignorância de todos os determinantes dos inexoráveis entre os eventos na natureza.
eventos. Essa ilação pode ser conferida nas Nesse sentido, Laplace (1814/1951) parece
seguintes palavras de Laplace (1814/1951): ser cético quanto às possibilidades de o
“a probabilidade é relativa, em parte à nossa homem alcançar o conhecimento completo
ignorância, em parte ao nosso de um dado fenômeno. Mesmo assim, ele
conhecimento” (p. 06). Ou ainda: afirma que todos os esforços científicos
tendem a aproximar o homem dessa
Inteligência, mas pondera que este sempre
Todos os eventos, mesmo aqueles que estará infinitamente afastado dela.
pela sua insignificância não parecem
seguir as poderosas leis da natureza, Essa discussão sugere que o
são o resultado dessas leis de modo determinismo absoluto de Laplace
tão necessário como o são as (1814/1951) seja compatível com a noção de
revoluções do sol. Na ignorância dos probabilidade, entendida como o grau de
elos que unem tais eventos ao sistema conhecimento que conseguimos da
total do universo diz-se que eles totalidade de uma realidade inexorável. Em
dependem de causas finais ou do azar, tese, a noção de determinismo laplaciano
mesmo que ocorram, ou se repitam pode ser interpretada como a conjunção
com regularidade, ou mesmo quando entre determinismo ontológico e
aparecem sem relação com qualquer probabilismo epistemológico. Temos, então,
ordem. Mas essas causas imaginárias um mundo rigidamente concatenado
têm gradualmente sido afastadas com (determinismo ontológico), cujas conjunções
a ampliação dos limites do o homem pretende descobrir por meio do
conhecimento e desaparecido avanço do conhecimento científico. Ainda
completamente diante de uma que, devido à sua limitação cognitiva, o
filosofia sólida, que as concebe homem possa expressar tal conhecimento
somente como expressão de nossa apenas em termos de probabilidade
ignorância das verdadeiras causas. (probabilismo epistemológico), a suposição
(Laplace, 1814/1951, p. 03) ontológica de um mundo determinado
parece ser prolífica. Ela encoraja o homem a
Do ponto de vista do conhecimento, a aperfeiçoar cada vez mais seus métodos de
probabilidade tem a função de revelar a análise e cálculo, motivado pela esperança
limitação ou o conhecimento parcial do de que os avanços nessa empresa farão com
homem. Em última análise, isso nos leva a que chegue cada vez mais perto dos
concluir que um conhecimento objetivo e determinantes dos fenômenos.
176 Laurenti, C.

Determinismo probabilístico humano em apreender essa necessidade.


Voltemos ao conceito de determinismo Nesse caso, a probabilidade designa uma
probabilístico. O que significa o adjetivo limitação epistemológica insuperável, isto é,
probabilístico? À primeira vista, ele parece uma restrição do nosso conhecimento em
remeter para o grau de conhecimento que identificar todas as variáveis determinantes
temos das múltiplas variáveis que de um evento.
determinam o comportamento. Isto é, a E no caso dos analistas do
noção de probabilidade reforça a idéia de comportamento? O que motivaria a busca
que é impossível especificar com precisão a incessante por causas e regularidades
causa exata de qualquer comportamento, ou comportamentais, mesmo reconhecendo que,
a totalidade dos fatores causalmente na melhor das hipóteses, só poderemos
relevantes de um evento. Assim, a descrever regularidades que especificam
probabilidade diz respeito a um enunciado relações probabilísticas entre organismo e
sobre as limitações do conhecimento sobre o ambiente? Seria uma crença no
objeto de estudo, e não sobre o próprio determinismo ontológico? Ou seja, seria a
objeto, o comportamento. crença de que o comportamento é
Mas qual é o estatuto da probabilidade completamente determinado, e que a
na produção de conhecimento sobre o probabilidade nada mais é que a expressão
comportamento? A probabilidade indica de nossa ignorância dessa determinação
uma limitação provisória ou insuperável no absoluta? Nessa linha de raciocínio, a
tocante à identificação da multiplicidade de expressão “determinismo probabilístico”
variáveis das quais o comportamento é parece sugerir a conjunção entre
função? Do ponto de vista de uma determinismo ontológico (daí determinismo)
epistemologia mais otimista, é possível e probabilismo epistemológico (por isso, o
conceber que o avanço de nossos métodos qualificativo ‘probabilístico’). Assim, a
de observação e cálculo culminará na despeito do caráter probabilista de suas
identificação de todas as variáveis formulações, o determinismo probabilístico
determinantes do comportamento. Nesse parece estar comprometido com o
ponto, a noção de probabilidade pode ser determinismo ontológico. Isso porque ainda
considerada supérflua e poderia ser permanece a suposição velada de que o
abandonada, já que, no limite, seria possível comportamento é completamente
conhecer e prever o comportamento com determinado por um complexo arranjo de
certeza absoluta. variáveis ou causas, que escapa ao nosso
Mas, se estivermos afinados com conhecimento de forma definitiva. Se essa
Laplace (1814/1951), deveríamos admitir análise for plausível, subjacente à noção de
que apenas uma superinteligência poderia determinismo probabilístico parece
conhecer todas as variáveis dos fenômenos. repousar, intocado, o mais implacável
Como pesquisadores em geral, e analistas do determinismo ontológico. Sendo assim, o
comportamento em particular, não são determinismo probabilístico não parece ser
supercientistas e, provavelmente, não um conceito alternativo ou mesmo uma
atingirão a potência cognitiva do demônio versão mitigada do determinismo absoluto.
laplaciano, parece ser mais razoável pensar Trocando em miúdos: não parece haver
que nossas limitações epistemológicas são diferença significativa entre determinismo
insuperáveis. Isso não significa, em probabilístico e determinismo absoluto.
absoluto, que os analistas do
comportamento, assim como Laplace,
desistirão de buscar causas ou leis do
Determinismo probabilístico e
comportamento. Análise do Comportamento
No caso de Laplace (1814/1951), a Se seguirmos uma filosofia da ciência
motivação pela busca das causas dos de orientação mais positivista, que defende
fenômenos parece estar fundamentada na uma separação radical entre ciência e
crença ontológica de uma necessidade filosofia (no caso, a ontologia), parece ser
absoluta na natureza. Em contraste, a possível salvar a expressão “determinismo
probabilidade é interpretada como expressão probabilístico”. Podemos argumentar, por
dos limites e finitude do conhecimento exemplo, que se trata unicamente de um
Determinismo, Probabilidade e AC 177

conceito epistemológico. Nesse caso, a encontrar guarida na filosofia pragmatista.


probabilidade mostraria a impossibilidade de Isso porque tanto o pragmatismo de Peirce
encontrarmos todas as causas, e a noção de (1839-1914) e de James (1842-1910),
determinismo poderia ser entendida como quanto o contextualismo de Pepper (1891-
uma prescrição para continuarmos a buscar 1972), uma variante do pragmatismo, são
essas causas, mesmo que sejamos céticos em filosofias declaradamente críticas do
um dia levar essa investigação a termo. determinismo. O pragmatismo não comunga
Assim, como no mito de Sísifo, o analista do da noção de probabilidade do determinismo
comportamento continuaria a procurar probabilístico, que é tratada apenas em
causas, mesmo considerando que seja termos de conhecimento insuficiente ou
impossível apreender a totalidade delas. Tal ignorância das causas. Diferente disso, no
interpretação parece ser um contexto do pragmatismo a probabilidade
encaminhamento plausível para essa tem um estatuto ontológico e epistêmico
discussão, pois nos exime de fazer positivo. Para Peirce (1892/1992b), por
pronunciamentos sobre o funcionamento ou exemplo, a ciência só pode alcançar
estrutura do mundo e, mais especificamente, regularidades probabilísticas, pois no seio da
do comportamento. Proposições, diga-se de própria lei opera o acaso. O acaso é o
passagem, que não podem ser justificadas elemento que produz desvios, mesmo que
empiricamente. infinitesimais, de leis gerais, e não o nome
Embora algumas obras de Skinner ( para uma causa desconhecida para nós. Por
1931/1999a, 1938/1991) abram o flanco mais que Peirce, do ponto de vista
para uma interpretação positivista de seus epistemológico, admitisse,
compromissos filosóficos, vale mencionar entusiasticamente, a possibilidade de
que essa leitura é passível de crítica. O obtermos inferências ou leis cada vez mais
próprio Skinner (1979) dá ensejo para tal satisfatórias na ciência, tais enunciados
questionamento: “eu não era uma positivista seriam nada mais do que inferências
lógico. Eu não sei por que muitas pessoas prováveis. E, enquanto tais, eles nunca
pensavam que eu fosse. Tampouco era um podem supor que algo seja “precisamente
positivista comtiano” (p. 47). Além disso, verdadeiro, sem exceção, em todas as partes
Smith (1986) mostra, de maneira do universo” (Peirce, 1892/1992b, p. 300).
consistente, a incompatibilidade dos Na verdade, o movimento que acomete as
pressupostos filosóficos do behaviorismo investigações científicas parece ser bastante
skinneriano com as teses básicas do paradoxal. Peirce explica: “tente verificar
positivismo lógico, como o apreço pelo qualquer lei da natureza e você descobrirá
tratamento lógico-matemático dos que quanto mais suas observações forem
enunciados científicos, bem como a defesa precisas, com mais certeza elas mostrarão
de um reducionismo na ciência. Ademais, desvios irregulares da lei” (pp. 304-305).
outros estudiosos argumentam que o Na esteira de Peirce, James
pragmatismo é a filosofia mais relevante (1963/1967) entende que o “determinismo
para legitimar as práticas de pesquisa do assegura-nos que toda a nossa noção de
Behaviorismo Radical, e não o positivismo e possibilidade nasce da ignorância humana, e
o empirismo (Abib, 1999). Essa que a necessidade e a impossibilidade regem
interpretação ganha amparo nas próprias os destinos do mundo” (p. 79). Como um
declarações de Skinner (1979). Na verdade, crítico do determinismo, James defende o
quando, em uma entrevista, Skinner (1979, livre-arbítrio que, “pragmaticamente
p. 48) foi questionado se havia aproximação significa novidades no mundo, o direito de
entre a teoria do condicionamento operante e esperar que em seus elementos mais
algum sistema filosófico existente, a profundos, como em seus elementos
resposta foi positiva, e aludiu ao superficiais, o futuro não possa repetir-se
pragmatismo. identicamente e imitar o passado” (p. 79).
Mais interessante ainda é que se Em vista disso, “a natureza só pode ser
levarmos adiante as afinidades entre o aproximadamente uniforme” (p. 79). Nesse
behaviorismo skinneriano e o pragmatismo, caso, James endossa a assertiva peirceana de
o determinismo probabilístico, mesmo que ciência só pode descrever relações
restrito ao nível epistemológico, não parece probabilísticas entre eventos.
178 Laurenti, C.

Pepper (1942/1961), por seu turno, diz epistemológico, a probabilidade tem estatuto
que a noção de probabilidade como paliativo epistêmico positivo, pois o pragmatismo
à ignorância é típica da visão-de-mundo admite como legítimo o conhecimento
mecanicista. Para o mecanicismo, o acaso, assentado exclusivamente em relações
ou a imprevisibilidade, diz respeito apenas a probabilísticas. Com efeito, a noção de
aspectos mais restritos do mundo, que não probabilidade do determinismo
são imprevisíveis por natureza, mas apenas probabilístico parece ser incompatível com a
em decorrência de nossas limitações filosofia do pragmatismo.
cognitivas. O mecanicismo torna tais Tendo em vista esses aspectos e as
eventos aparentemente imprevisíveis em afinidades entre pragmatismo e
previsíveis recorrendo à “lei da behaviorismo skinneriano, parece que o
probabilidade” (Pepper, p. 143). Reparemos determinismo probabilístico, mesmo
que, para o mecanicismo, a probabilidade é entendido como uma tese inteiramente
apenas um recurso empregado para tentar epistemológica, não encontra apoio nos
sorver a aparente irregularidade em compromissos filosóficos da Análise do
regularidade – ainda que a descrição dessa Comportamento. Mas, diante dessa
regularidade seja menos precisa. Diferente constatação, resta ainda indagarmos se o
disso, para o contextualismo, a determinismo epistemológico é a única tese
probabilidade é um aspecto positivo, que pode encorajar o empreendimento
característico dos próprios fenômenos, pois científico. Em outras palavras, será que a
entende que os eventos não estão atados de tese geralmente considerada contrária ao
maneira fixa e imutável (Pepper, determinismo, o indeterminismo, não
1942/1961). Referindo-se ao poderia, igualmente, estimular a pesquisa
contextualismo, Pepper diz: “a permanência científica?
absoluta ou imutabilidade em qualquer
sentido é, para esta teoria, uma ficção, e sua
aparência é interpretada em termos de Sobre o papel motivacional do
continuidades históricas que não são indeterminismo na pesquisa
imutáveis” (p. 243) e, em outro trecho, científica
arremata: a “desordem é um aspecto Lidar com probabilidades, imprecisões
categorial do contextualismo” (p. 234). e incertezas parece fazer parte da rotina
Em suma, por mais que o determinismo tanto de deterministas quanto de
probabilístico também possa concordar com indeterministas. A questão é como se
o pragmatismo de que a ciência só poderá posicionar diante dessas supostas “falhas”.
descrever regularidades probabilísticas, a Ora, o determinista encara os desvios
noção de probabilidade em jogo é de leis causais universais como um desafio
substancialmente diferente. Para o primeiro, para o aperfeiçoamento de sua teoria e
a probabilidade é definida negativamente: é aparatos de medidas (Wilson, 1958/1974).
ignorância da totalidade das causas. Mesmo Frente à variação e à irregularidade, o
que, pela complexidade do fenômeno, a determinista não desanimaria, pois há uma
ciência fique restrita a descrições em termos causa necessária e suficiente (ou, pelo
de probabilidade, o determinismo menos, suficiente) para toda e qualquer
probabilístico deixa a impressão de que ocorrência de um dado evento, que precisa
descrições probabilísticas são uma “edição ser descoberta. Com efeito, tais imprecisões
barata” do conhecimento científico, já que a ou irregularidades, justamente por serem
“edição de luxo” parece estar ancorada na resultado da ignorância de todas as causas,
idéia de que o conhecimento científico estimulam a busca incansável por outras leis
legítimo e ideal não deveria ser escrito no causais. Além disso, admite-se que o
idioma da probabilidade. Para o determinista adota uma postura mais
pragmatismo, por sua vez, a probabilidade modesta diante da natureza, pois reconhece
tem estatuto positivo tanto no nível que há causas que ainda lhe escapam. Temos
ontológico quanto epistemológico. No nível aqui a imagem de um pesquisador humilde,
ontológico, a probabilidade é entendida otimista e resiliente.
como uma característica irredutível dos Nessa linha de raciocínio, podemos
fenômenos da natureza. No nível dizer que o indeterminista parece se
Determinismo, Probabilidade e AC 179

conformar diante das probabilidades, já que, Novamente, voltamos à indagação: a


em sua concepção, é o máximo que o mundo crença no indeterminismo desmotivaria o
poderia lhe oferecer. No limite, isso sugere indeterminista diante de possíveis falhas no
que o indeterminista deixaria de levar uma experimento? Acusar o indeterminista de
dada pesquisa científica adiante frente à condescendência é assumir que ele não está
persistência de alguma “falha” no preparado para testar sua conjectura, e para
experimento. Com efeito, o indeterminismo, testá-la ele terá que fazer o mesmo que o
embora possa até incitar a busca de causas determinista, ou seja, procurar explicações
ou leis, parece não ser capaz de encorajar para o evento em questão (Bennett, 1963).
uma postura audaciosa diante do novo. Nesse sentido, o indeterminista não
Desse modo, justificar os desvios de leis esmoreceria, mas ainda inquiriria uma
gerais apelando para a suposta probabilidade explicação para o fenômeno.
do mundo (pois não se pode prová-la) parece
ser incompatível com a própria curiosidade Além do mais, comportar-se como se a
científica, que instiga à descoberta de novas natureza carregasse em seu bojo um mínimo
causas que poderiam estar atuando no de indeterminação pode tornar mais
fenômeno. Sob essa ótica, o indeterminista, desafiadora a elaboração de procedimentos e
além de conformista, é considerado assaz técnicas para “domesticar essa
pretensioso, pois como poderia saber que indeterminação” – ou seja, para procurar
não há causas desconhecidas que estão padrões de regularidade probabilística na
determinando os eventos? (Eddington, natureza. Mas, talvez, torna-se ainda mais
1932). Encontramos aqui a figura de um interessante, em alguns momentos,
pesquisador com aspiração à onisciência, maximizar essa indeterminação de maneira a
embora apático e resignado. produzir mais variação experimentando as
possibilidades de interação entre os eventos
O determinista pode, portanto, acusar o da natureza.
indeterminista de que sua crença na suposta
Com efeito, o indeterminista pode
probabilidade e complexidade do mundo
potencializar a variação na tentativa de criar
contribui para o fim do progresso da ciência.
um contexto propício para a observação de
Isso porque não mais se inquiriria sobre
fenômenos nunca vistos, sobre os quais pode
eventuais causas ocultas alegando que é do
se debruçar na busca por leis probabilísticas.
feitio da natureza nos surpreender e nos
Desse modo, o indeterminismo pode
atormentar.
encorajar uma prática científica não apenas
No entanto, o indeterminista pode eficiente, já que incita a busca por leis
valer-se de argumento semelhante: a crença probabilísticas, mas também criativa, já que
no determinismo também não poderia o novo não é visto como um desvio ou
culminar na paralisação da ciência quando o acidente de leis causais universais, mas
determinista conseguir divisar todas as como uma nova configuração da natureza
causas dos fenômenos? Se lograsse o que está em constante transformação. Aqui
controle e a previsão absoluta dos eventos, podemos ressaltar mais uma diferença entre
como ir mais além? Assim, a natureza deterministas e indeterministas: embora
surpreenderia o determinista até que se ambos lidem com probabilidades e
descobrissem todas as leis e causas incertezas, esses aspectos parecem ter um
inexoráveis. Depois disso, seria o fim da estatuto epistêmico distinto para eles. Para a
ciência pelo esgotamento de descobertas. epistemologia determinista, o conhecimento
científico legítimo deveria ser assentado em
Todavia, um determinista mais cético relações inexoráveis entre eventos, por isso,
poderia argumentar que a natureza ainda o o conhecimento expresso em relações
surpreenderia, embora tal surpresa probabilísticas, embora possa ser o melhor
significasse apenas o desconhecimento de que possamos alcançar, não parece ser o
todas as causas necessárias e suficientes (ou, conhecimento ideal. Mas, para a
pelo menos, suficientes). Embora reconheça epistemologia indeterminista, a
tal limitação, o determinista é ainda probabilidade tem status epistêmico
motivado pela crença de que há causas por positivo. Isso significa que é possível
serem descobertas. estabelecer leis, conceitos, explicações
180 Laurenti, C.

científicas genuínas com base no Considerações finais: uma breve


conhecimento de relações instáveis, nota sobre o indeterminismo
prováveis, variáveis entre eventos ou tipos ontológico
de eventos (Laurenti, 2009).
Se considerarmos a crítica pós-
Nessa linha de raciocínio, não empirista e pós-positivista na ciência
poderíamos pensar também que o (Popper, 1956/1988, 1975), podemos
determinista, justamente por dar um estatuto argumentar que epistemologia e ontologia
epistêmico mais positivo para relações certas estão interligadas: decisões e juízos
e precisas entre eventos, estaria deixando de epistemológicos podem ser orientados por
lado a novidade, o novo, na pesquisa? E, por uma dada ontologia, e o exame de uma
outro lado, os indeterministas estariam epistemologia pode dar indícios de
propondo uma racionalidade diferente, em compromissos ontológicos subjacentes.
que colocariam a instabilidade no seio da Esses comentários servem apenas para
própria ciência, e que o objetivo seria sugerir que a questão do determinismo
justamente pensar o incerto? Desse modo, talvez tenha que ser discutida também
não poderíamos dizer que a pesquisa considerando as conseqüências de
conduzida sob a suposição indeterminista adotarmos uma dada concepção de mundo e,
seria mais criativa, ou mais dinâmica? mais propriamente, de comportamento. Sem
poder delongar mais o assunto, e sem fazer
Isso é o que sugere as palavras de justiça à complexidade do tema em jogo,
Dewey (1922/1981) referindo-se à discussão cabe mencionar algumas características do
de William James de como crenças indeterminismo ontológico antes de
filosóficas conduzem a diferentes modos de encerrarmos a discussão.
conduta. O que está em jogo é o problema
Para o indeterminismo ontológico, o
filosófico do Uno e do Múltiplo, mas
idioma da probabilidade não é empregado
podemos aproveitar essa reflexão para
para descrever falta de conhecimento. As
discutir a controvérsia sobre o determinismo
probabilidades, variações e incertezas
e indeterminismo:
parecem fazer parte da própria constituição
do mundo, seja porque há um elemento
Monismo é equivalente a um universo genuíno de acaso no mundo que produz a
rígido no qual todas as coisas são variação e novidade (Peirce, 1884/1992a,
fixas e imutavelmente unidas umas às 1892/1992b), afrouxando o liame entre os
outras, onde a indeterminação, livre- eventos; seja porque o mundo é constituído
escolha, novidade, e o imprevisto na de propensões (Popper, 1956/1988); ou de
experiência não têm lugar; um potência/probabilidade (Heisenberg,
universo que demanda o sacrifício da 1958/1999) que abrem vários cenários de
diversidade concreta e complexa das possibilidades, e não um caminho único e
coisas em favor da simplicidade e exclusivo. Num mundo indeterminista há
nobreza de uma estrutura exceções, desvios de leis, e descrições
arquitetônica. No que diz respeito a aproximadas.
nossas crenças, o Monismo demanda
Não obstante, essas concepções não
um temperamento racionalista
parecem significar a celebração do caos
conduzindo a uma atitude fixa e
absoluto, da completa relação de
dogmática. Por outro lado, o
independência entre eventos. Na cosmologia
Pluralismo, deixa espaço para a
peirceana, por exemplo, o acaso coexiste
contingência, liberdade, novidade, e
com o hábito: o primeiro explica a
dá completa liberdade de ação ao
diversidade e o segundo a regularidade. No
método empírico, que pode ser
mundo de Popper (1956/1988) as
indefinidamente estendido. Ele aceita
propensões, além de explicarem o fato de
a unidade onde a encontra, mas não
não podermos fazer previsões absolutamente
tenta forçar a vasta diversidade dos
certas, também explicam a regularidade
eventos e coisas em um molde
estatística. Para Heisenberg (1958/1999) o
racional único. (Dewey, 1922/1981, p.
mundo é energia, que é manifestação de uma
42)
potência ou tendência para se comportar de
Determinismo, Probabilidade e AC 181

uma dada maneira. Tais tendências podem diferenciar determinismo de indeterminismo


ser descritas na forma de leis ontológicos.
(regularidades), mas se tratam de leis Para o determinismo ontológico, todas
probabilísticas, que estabelecem a as nuvens são relógios. Nesse sentido, o
probabilidade de ocorrência de algo. caráter irregular, desordenado e
Parece, portanto, que é no nível razoavelmente imprevisível das nuvens só
ontológico que podemos diferenciar com pode ser explicado pela nossa ignorância de
mais nitidez as teses deterministas e seu funcionamento. Diferente disso, para o
indeterministas, pois uma epistemologia indeterminismo, todos os fenômenos são
indeterminista também parece ser nuvens (inclusive os relógios) com
compatível com a ontologia determinista, diferentes graus de “anuviamento”. Mesmo
como no caso de Laplace (1814/1951) – os fenômenos mais regulares, como os
embora, como mencionamos alhures, há movimentos dos planetas, apresentam em
diferenças mais sutis quanto ao estatuto sua estrutura algum grau de indeterminação
epistêmico da probabilidade em ou “anuviamento” (Popper, 1965/1983).
epistemologias deterministas e Com efeito, é oportuno indagar: o
indeterministas. Entretanto, colocar a comportamento seria um relógio, cujas
discussão do determinismo e eventuais falhas são entendidas como pura
indeterminismo no nível estritamente ignorância de seus mecanismos de
ontológico pode gerar controvérsias, pois, funcionamento? Ou o comportamento seria
por definição, não podemos decidir uma nuvem com diferentes graus de
empiricamente por uma dessas teses. Se há “anuviamento”? Quando Skinner (1953, p.
irregularidades na natureza é logicamente 15) diz que o comportamento não é uma
possível afirmar que há causas ocultas coisa, mas um processo, que é mutável,
determinantes que não foram ainda fluido e evanescente, ele pode estar dando
descobertas. Nesse caso, não é possível pistas preciosas para sondarmos uma
provar empiricamente a verdade do resposta. Enfim, essas perguntas sugerem
indeterminismo. Por outro lado, pode ser que a questão do determinismo é ainda um
logicamente possível que nunca problema filosófico central no Behaviorismo
encontremos tais causas. Aqui, já não Radical, porque é prenhe de conseqüências
podemos provar empiricamente a verdade do para a Análise do Comportamento.
determinismo.
Não obstante, questões de ordem
ontológica parecem ser imprescindíveis para Referências
o empreendimento científico, pois elas
orientam as questões que os projetos Abib, J. A. D. (1997). Teorias do
científicos fazem, bem como onde buscar as comportamento e subjetividade na
respostas. Talvez seja o caso de discutirmos psicologia. São Carlos: EDUFSCar.
outros critérios de decisão, além do
empírico, tais como: qual tese é mais Abib, J. A. D. (1999). Behaviorismo radical
coerente com os objetivos da ciência em e discurso pós-moderno. Psicologia:
questão? Ou ainda, não poderíamos recorrer Teoria e Pesquisa, 15(3), 237-247.
a critérios estéticos, éticos, políticos,
econômicos, psicológicos, dentre outros, que Bennett, J. (1963). The status of
também fazem parte do desenvolvimento da determinism. The British Journal for the
ciência? Philosophy of Science, 14, 106-119.
Para resumir o quadro, podemos dizer o Carrara, K. (2004). Causalidade, relações
seguinte: no nível ontológico parece haver funcionais, e contextualismo: Algumas
uma incompatibilidade irredutível entre indagações a partir do behaviorismo
determinismo e indeterminismo. Seria o radical. Interações, 17(6), 29-54.
caso de escolhermos por uma dessas teses.
Em outras palavras, é o caso de escolhermos Carrara, K. (2005). Behaviorismo radical:
por relógios ou por nuvens, empregando a Crítica e metacrítica. 2ª Edição. São
alegoria de Popper (1965/1983) para Paulo: Editora da Unesp.
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Nota da autora:
Carolina Laurenti. Doutorado em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Atualmente é professora colaboradora no Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de
Maringá (UEM).

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