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Sobre

Comportamento e
Cognição

Volume 24
Sobre
Comportamento
e Cognição
Desafios, soluções e questionamentos

Volume 24

Organizado por Regina Christina Wielenska

ESETec
Editores Associados
2009
Copyright© desta edição:
ESETec Editores Associados, Santo André, 2009.
Todos os direitos reservados

Wielenska, R.C.

Sobre Comportamento e Cognição: Desafios, soluções e questionamentos - Org.


Regina Christina Wielenska 1a ed. Santo André, SP: ESETec Editores Associados,
2009. v.24

416 p. 23cm
ISBN 978-85-7918-004-0

1. Psicologia do Comportamento e Cognição


2. Behaviorismo
3. Análise do Comportamento

CDD 155.2
CDU 159.9.019.4

ESETec Editores Associados

Diagramação e arte: Ana Carolina Grassi Leonardi

Solicitação de exemplares: comercial@esetec.com.br


Santo André-SP
Tel. (11) 4438 6866/ 4990 5683
www.esetec.com.br
Capítulo 31
Análise do Comportamento Verbal
Relacionai e algumas
implicações para a Clínica
Analítico-Comportamental
Roberta Kovac1
Denis Roberto Zamignani2
Alessandra Lopes Avanzi3

Paradigma Núcleo de Análise do Comportamento

"Quando nós publicamos pesquisas comportamentais, nós não estamos autori-


zados a comunicar a emoção, a poesia ou a alegria que são produtos do processo
de descoberta. Apesar disso, são estes, entre outros, nossos reforçadores mais
potentes. O reconhecimento explícito de acompanhamentos emocionais do
pesquisar pode ajudar a atrair estudantes para a análise experimental do compor-
tamento. (Sidman, 2007, p.309j4

O trabalho do terapeuta analítico-comportamental parte de uma visão de ho-


mem fundada nos pressupostos do Behaviorismo Radical de Skinner. De acordo com
essa corrente filosófica, o referencial para a compreensão dos comportamentos com-
plexos que encontramos na prática clínica é o modelo de seleção por conseqüências.
Tal Modelo descreve uma relação na qual o indivíduo age sobre o ambiente, o modifica
e é modificado pelo produto de sua ação (Skinner, 1957).
Ainda, de acordo com esse Modelo, qualquer instancia comportamental é re-
sultado da confluência de três histórias, três níveis de determinação (Andery, 1997,
Matos, 1997). O primeiro destes níveis é a história de seleção filogenética, a partir da
qual foram selecionadas características específicas da espécie. São produto deste
nível de seleção aspectos anatômicos, fisiológicos e também padrões comportamentais.

1Psicóloga Clínica, Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela PUCSP. Professora e Supervisora do curso de
Especialização em Clínica Analítico-Comportamental do Paradigma - Núcleo de Análise do Comportamento. Endereço para contato.
robertakovac@nudeoparadigma.com.br
2Psicólogo Clínico, Doutorem psicologia clínica pela Universidade de São Paulo. Mestre em Psicologia Experimental: Análise do C o m p o r ta m e n t o
pela PUCSP. Professor e Supervisor do curso de Especialização em Clínica Analítico-Comportamental do P a r a d i g m a - N ú c l e o d e Análise do
Comportamento. Endereço para contato: denis@nucleoparadigma.com.br
3Psicóloga Clínica, Mestre em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo. Professora e supervisora do curso de E s p e c ia h z a ç a o
em Clínica Analítico-Comportamental do Paradigma - Núcleo de Análise do Comportamento. Endereço para contato: p ic k y 0 2 @ u o l . c o m . b r
4 When wepublish behavioral research, wearenotallcwedtocommunicatethethrill, thepoetry, ortheexhHaration thatare outcomes ofthe discovery^
process. Yet, these are among our mosi potent reinforcers. Explicit recognition ofthe emotional accompaniments to research could heip anr3Cl
students into the experimental analysis o f behavior.

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Entre os padrões adquiridos neste primeiro nível de seleção, encontram-se a sensibi-
lidade à aprendizagem por meio de imitação, por condicionamento reflexo e a
suscetibilidade aos eventos ambientais, seja no que se refere às conseqüências (ca-
pacidade do organismo ser sensível às alterações que produz no mundo), seja com
relação aos estímulos antecedentes (capacidade de responder aos aspectos do ambi-
ente associados a episódios de aprendizagem operante ou respondente - Andery, 1997).
O segundo nível de seleção é denominado nível ontogenético, e diz respeito ao
repertório de comportamentos aprendido ao longo da vida do indivíduo, moldado a partir
das possibilidades infinitas de interação com o mundo físico (Andery, 1997).
Uma vez que o ser humano está inserido em um mundo que é eminentemente
social, tal história de aprendizagem inclui necessariamente outros seres humanos,
também em interação com o ambiente, do qual este indivíduo faz parte. Estas interações,
que têm um caráter social, ampliam as possibilidades de interação com o ambiente e
as chances de responder ao mundo físico de forma satisfatória, garantindo a sobrevi-
vência do indivíduo e do grupo (Andery, 1997). Com o advento do comportamento verbal,
estas interações com o mundo físico e com outros indivíduos são ampliadas ainda
mais, rompendo as limitações físicas e espaciais para a aprendizagem. O comporta-
mento verbal dá origem às práticas culturais que, além de organizar o funcionamento do
grupo e suas estratégias para o manejo do ambiente físico, estabelecem as normas
para a interação entre os indivíduos. A Cultura - as praticas culturais - constitui o 3o nível
de seleção por conseqüências.
É também o comportamento verbal que possibilita a construção do
autoconhecimento, o qual se dá a partir da interação com uma comunidade verbal, que
ensina o indivíduo a responder verbalmente sob controle de aspectos de seu organis-
mo e de seu próprio comportamento. E uma vez que essa comunidade ensina o indiví-
duo a interagir verbalmente com seu mundo privado, ela dá origem ao que conhecemos
como subjetividade. É a interação do indivíduo com a comunidade verbal e suas práti-
cas culturais que propicia a construção do eu, do self, processo intima e diretamente
relacionado à psicoterapia.
O modelo de seleção por conseqüências, portanto, dá unidade ao sistema
conceituai do behaviorismo radical, abarcando de maneira consistente todos os níveis
de interação do indivíduo com o ambiente (Micheletto e Sério, 1993). E é este o modelo
filosófico que embasa o olhar do terapeuta analítico-comportamental para o seu cliente.
Assumimos, portanto, que os padrões comportamentais complexos de interação
com os quais o terapeuta se depara na clínica, são fenômenos (1) multideterminados;
(2) controlados por suas conseqüências; (3) produtos da interação de variáveis de três
histórias de seleção: a história da espécie, a história de seleção de repertório do indiví-
duo e a história das práticas da cultura na qual o indivíduo está inserido. É por definição,
incompatível com esse ponto de vista, “a idéia de uma cadeia causai unidirecional e
mecanicista, sendo o comportamento entendido como uma malha de relações de caráter
interacionista e histórico” (Matos, 1995).
Partir do modelo de seleção por conseqüências implica em reconhecer que
nenhum nível de determinação é mais importante ou se sobrepõe ao outro (Micheletto
e Sério, 1993). Entretanto, quando o assunto em questão é a psicoterapia, algumas
questões relacionados ao sofrimento psicológico tornam de primordial interesse a
análise e a compreensão de um destes três níveis. Entende-se o sofrimento (psicológi-
co) como uma experiência reservada aos seres humanos verbais, uma vez que, des-
crever e analisar a experiência vivida, assim como olhar para sua própria história e

Sobre Comportamento e Cognição


antecipar um sofrimento futuro é uma experiência eminentemente verbal (Wilson e
Soriano, 2002). Tal constatação aponta para o comportamento verbal como algo que
produz a diferenciação do humano com relação às outras espécies, mas que é também
a base do sofrimento psicológico (Hayes, Stroshal e Wilson, 1999).
Assim, o comportamento relacionado ao sofrimento clínico envolve, necessari-
amente, relações verbais. Adquirem importância impar questões relacionadas ao ter-
ceiro nível de seleção, especialmente no que se refere ao comportamento verbal. “Sem
o 3o nível de seleção é impossível discutir-se a construção da subjetividade” (Andery
1997).
É importante ressaltar que a interação que ocorre na clínica - eminentemente
verbal - e o objeto de análise e intervenção do terapeuta analítico-comportamental, a
subjetividade, independem do setting no qual a prática terapêutica é desenvolvida. O
fato de o terapeuta se deslocar do consultório a outros ambientes em busca de ampliar
as possibilidades de interação e de desenvolvimento de repertório (Zamignani, Kovac e
Vermes, 2007), não o impede, nem o exime, de interagir verbalmente com seu cliente,
nem de considerar a natureza verbal do sofrimento em questão. Assim, mesmo em
contexto extraconsultório, a construção de novas possibilidades de interação do indiví-
duo com seu ambiente é perpassada necessariamente por interações verbais, impon-
do, também nesse contexto, a necessidade de compreensão deste tipo de fenômeno
para o desenvolvimento de uma prática consistente.
Tendo sido apresentados esses pressupostos, o presente artigo tem como
objetivo levantar algumas contribuições advindas das áreas de pesquisa sobre com-
portamento verbal, controle de estímulos, relações de equivalência e quadros relacionais
especialmente na compreensão do o responder relacionai arbitrário, para o entendi-
mento das relações comportamentais que ocorrem na clínica analítico-comportamental.

Extensão do estudo sobre controle pelos estímulos para o entendi-


mento do comportamento verbal
De acordo com Skinner (1953), nosso conhecimento do mundo e de nós mes-
mos é produto das contingências estabelecidas pela comunidade verbal. As culturas
em geral, e os grupos sociais em particular, podem estabelecer contingências que
levem seus membros a fazer contato com diferentes aspectos dos estímulos de seu
ambiente externo e interno.
Para^que o individuo venha a conhecer algum aspecto do mundo, é necessário
que ele aprenda a responder verbalmente a este aspecto. Uma das contribuições da
Análise do Comportamento nesse sentido advém dos estudos sobre controle pelo
estímulo. Tal linha de estudos tem demonstrado como o controle de estímulos é modi-
ficado através da história de contingências de reforço (de Rose, 2005). Uma análise de
controle de estímulo implica na determinação dos aspectos ou componentes dos estí-
mulos que exercem controle sobre o responder (tanto verbal como não verbal).
O avanço nas pesquisas sobre controle de estímulos tem permitido verificar
que é possível que um indivíduo responda sob controle de aspectos do mundo (estímu-
los) sem nunca ter sido diretamente reforçado na presença deles e sem que estes
estímulos mantenham alguma relação de similaridade física entre si. Tal p o s s i b i l i d a d e
se caracteriza como um comportamento controlado por relações entre estím ulos
dissimilares arbitrariamente relacionados (símbolos e seus referentes) e substituíveis
entre si (ou seja, equivalentes). Palavras e outros símbolos, por exemplo, mantém uma

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relação de substitutabilidade com eventos aos quais são arbitrariamente relacionados
(Sidman, 1994), de tal maneira que o símbolo e seu referente podem exercer a mesma
função no controle de repertórios específicos do organismo (Barros et al., 2005).
Na década de 70 iniciou-se uma fecunda linha de estudos sobre como estímulos
arbitrariamente relacionados podem se tornar substituíveis. Este fenômeno foi nomeado
de formação de classes de equivalência (Sidman, 1971; Sidman e Tailby, 1982). O estudo
pioneiro de Sidman (1971) tinha como proposta verificar se estímulos relacionados con-
dicionalmente, no contexto do procedimento de escolha de acordo com o modelo, se
tornariam equivalentes. Para isso, algumas relações condicionais arbitrárias entre estí-
mulos forma ensinadas e relações não ensinadas, mas esperadas caso os estímulos
relacionados condicionalmente tivessem se tornado equivalentes foram testadas e
verificadas. O conceito de relações de equivalência implica que todos os elementos rela-
cionados por equivalência são intercambiáveis entre si (Barros et al., 2005).
De acordo com proposição teórica de Sidman (2000) sobre a origem das rela-
ções de equivalência, estas são produto direto de contingências de reforçamento, ou
seja, decorrem diretamente da interação dos organismos com conjuntos de eventos
que estão relacionados (ou são interdependentes) na produção de reforçadores. As
classes são inferidas por meio da demonstração da existência de relações de controle
intercambiáveis entre eventos arbitrariamente relacionados (incluindo-se aí estímulos
discriminativos, respostas e reforçadores) nas contingências de reforçamento. Essas
relações se tornam efetivas quando o organismo interage com contingências particu-
larmente programadas de maneira a dividir em classes especificas uma variedade de
elementos originalmente não relacionados entre si, ampliando assim, as possibilida-
des de relações não treinadas diretamente emergirem.
Um exemplo desse processo é representado na Figura 1: por meio de treinos
de discriminações condicionais, quatro relações entre estímulos são ensinadas (A1,B1;
A2,B2; B1,C1 e B2,C2). Deste treino inicial, emergem quatorze novas relações, além
das originalmente ensinadas, que passam a exercer controle sobre o responder, a
saber: (A1,A1); (B1, B1); (C1, C1); (A2, A2); (B2,B2); (C2.C2); (B1,A1); (C1,B1); (B2.A2);
(C2,B2); (A1,C1); (A2,C2); (C1,A1); (C2,A2). Mais: se considerarmos que, a partir deste
treino original, passam a exercer controle sobre o responder (passam a ser elementos
da classe de equivalência), não apenas os estímulos condicionais e estímulos
discriminativos presentes na ocasião do treino, mas também as respostas e os
reforçadores que compõem o episódio de aprendizagem, pode-se gerar 38, 44, 50
novas relações, que não foram diretamente treinadas (Sidman, 2000).
Destaca-se, a partir das proposições de Sidman (2000), a enorme ampliação
nas possibilidades de análise de eventos complexos que o paradigma da equivalência
possibilita. A partir do conceito de classe de equivalência, a distinção entre Estímulos e
Respostas, praticamente, desaparece. A relação unidirecional entre o estímulo e a res-
posta (presente na representação da tríplice contingência) é produto da proximidade
temporal e da relação causai que, para o autor, não são relevantes quando observamos
relações de classe de equivalência. Tal discussão nos remete diretamente à complexi-
dade dos comportamentos relacionais, produtos deste processo de relação atemporal
e não linear.
Os estudos de Sidman (1971, 1994, 2000) abrem a possibilidade de interpreta-
ção de comportamentos complexos como produtos de relações não diretamente apren-
didas na história de cada sujeito e trazem inúmeras possibilidades para a aplicação, a
princípio na área de ensino e, nos últimos anos, estendidas para a área clínica.

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Figura 1: Adaptado de Sidman (2000). Contingências de quarto termos (discriminações condicionais
AB e BC) com respostas (Rsp1 e Rsp2) e reforçadores (RF1 e Rf2) específicos das contingências.
X representa estímulos, respostas ou reforçadores indefinidos. Quadros em destaque indicam os
pares de eventos adicionados às relações de equivalência quando se consideram ambos - respostas
e reforçadores específicos das contingências. As relações de equivalência que emergem a partir
deste treino são: (A1, B1), (B1, C1), (A2, B2), (B2, C2), (A1.A1), (B1, B1), (C1, C1), (A2, A2), (B2,
B2), (C2, C2): (B1, A1). (C1, B1), (B2, A2); (C2, B2), (A1, C1), (A2, C2), (C1, A1), (C2, A2), (rf1, rf1):
(rf2, rf2), (A1, rf1), (B1, rf1), (C1, rf1), (A2, rf2), (B2, rf2), (C2, rf2), (rf1, A1), (rf1, B1), (rf1, C1),
(rf2, A2), (rf2, B2), (rf2, C2), (rspl, rsp1), (rsp2, rsp2), ( A l rspl), (B1, rsp1), (C1, rsp1), (A2, rsp2),
(B2, rsp2), (C2, rsp2), (rspl, A1), (rspl, B1): (rspl, C1), (rsp2, A2), (rsp2, B2), (rsp2, B2), (rsp2,
B2), (rsp2, C2), (rf1, rspl), (rf2, rsp2), (rspl, rf1), (rsp2, rf2).

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A importância dos estudos de equivalência para o entendimento dos fenôme-
nos clínicos decorre do entendimento de comportamentos simbólicos, os quais são
essenciais para a compreensão do comportamento verbal. A atividade simbólica teria,
então, como base, um processo de formação de classes de equivalência entre estímu-
los arbitrariamente relacionados (Sidman 2000). Vale ressaltar, no entanto, que a pos-
sibilidade de aplicação direta das descobertas das pesquisas de equivalência na prá-
tica clínica é ainda um exercício de interpretação.
Baseados inicialmente nos estudos de Sidman sobre equivalência de estímu-
los, Hayes, Barnes-Holmes, e Roche (2001) propuseram a teoria dos quadros relacionais
(Relational Frame Theory - RFT) que visa ampliar a explicação acerca do comporta-
mento relacionai derivado e do comportamento verbal. O foco central da RFT (Hayes,
2004) é a habilidade de aprender a relacionar eventos sob controle contextual arbitrário.
A RFT parte do pressuposto de que as relações derivadas entre estímulos são
comportamentos aprendidos operantes. De acordo com Hayes e cols. (2001), organis-
mos podem aprender a responder relacionalmente a objetos cuja relação é definida,
não por propriedades físicas dos objetos, mas por alguns aspectos da situação. O
responder relacionai é produzido, em parte, por uma história apropriada de múltiplos
treinos exemplares, “ao longo de uma variedade de contextos situacionais que refinam
a natureza da resposta e a origem do controle de estímulos sobre ela” (Hayes & cols.,
2001, p. 25). Neste treino, o indivíduo é exposto a situações nas quais ele aprende a
responder discriminativamente (via reforçamento diferencial) a aspectos relevantes (res-
ponder a um evento com relação a outro, com base em dicas contextuais) e irrelevantes
(meras propriedades físicas dos objetos) da tarefa. Tal processo, que estabelece as
relações entre a classe de respostas e os aspectos do contexto que passam a exercer
controle sobre ela, é chamado de abstração. Uma vez abstraída a “chave contextual”, ou
seja, uma vez estabelecido o controle contextual sobre a classe de respostas, tal contro-
le é aplicado a eventos novos, diferentes daqueles que deram origem a essa abstração.
O responder relacionai pode ainda se dar a partir de relações arbitrárias
estabelecidas pelo contexto, relações nas quais as respostas ocorrem sob controle de
dicas que podem ser modificadas com base em critérios sociais. O responder relacionai
arbitrariamente aplicável representa uma forma de abstração, cujo padrão de respon-
der sob controle de determinados aspectos do estímulo é abstraído a partir de dicas
contextuais sociais arbitrárias. Tal processo estabelece o que é chamado por Hayes e
cols. (2001) de quadro relacionai.
A diferença, de acordo com Hayes e cols. (2001), entre a teoria dos quadros
relacionais e o modelo de equivalência de estímulos estabelecido por Sidman (2000),
está no aspecto relacionai do responder. Tal aspecto pode ser exemplificado em casos
nos quais as relações estabelecidas são do tipo “maior que” - “menor que”, “melhor
que” - “pior que”. Nestes casos, as relações de simetria entre os eventos, além de
arbitrárias, são aplicadas a estímulos que não apresentam propriedades formais que
as suportam. De acordo com o exemplo, em um quadro relacionai no qual “A é maior
que B”, a relação equivalente à simetria que se estabelece é “B é menor que A”, o que é
diferente da simetria em uma relação de equivalência. Por esta razão, estes autores
defendem que os termos utilizados para descrever as relações de equivalência
(reflexividade, simetria e transitividade) não são suficientes ou apropriados para des-
crever outros tipos de relações.
O quadro relacionai representa um processo aprendido de transformação da
função dos eventos mediante uma história de exposição a treinos exemplares. Tal

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processo, de acordo com Hayes e cols. (2001), altera a função de todos os elos de uma
contingência operante, alterando, o processo de aprendizagem operante por si. As con-
tingências verbais como parte do quadro de relações, interferem diretamente na forma
com que contingências não verbais operam. Vale destacar a afinidade de tal afirmação
com a defesa de Sidman (2000): se as relações de equivalência tornam irrelevante a
distinção entre Estímulos e Respostas, é coerente afirmar que elas levam a uma mu-
dança na forma com que as contingências operam.

A psicoterapia como prática verbal


Diversos autores (por exemplo, Figueiredo, 1991, Pessoti, 2008, Tourinho, 2009)
têm defendido que as questões referentes ao surgimento do fenômeno psicológico são
resultados de uma combinação de fatores sócio-culturais. São também fatores do ter-
ceiro nível de seleção do comportamento que dão origem à psicoterapia, prática criada
por contingências culturais (Skinner, 1989) com pelo menos dois objetivos, a princípio:
desenvolver e fortalecer um tipo específico de repertório (de autoconhecimento, segun-
do Sério, 1997) e lidar com o sofrimento psicológico (Wilson e Soriano, 2002).
A análise do comportamento, antes de assumir um projeto de aplicação, e de
psicoterapia, propunha-se a estudar o fenômeno comportamental em seus processos
básicos, por meio da Análise Experimental do Comportamento. Skinner, Solomon e
Lindsley, só em 1953, cunham o termo terapia comportamental e, ainda assim, a prática
da psicoterapia, tal qual a conhecemos, dentro da abordagem analítico-comportamental,
só ocorreu em meados dos anos 1980. O início dessa prática apresentava algumas
características peculiares: (1) a preferência pela análise de contingências imediatas,
com uma crítica à ênfase em variáveis históricas dada por outras abordagens (por ex:
Keefe, Kopel e Gordon, 1980) e (2) a noção de análise de contingências enquanto regra,
cuja função seria de estímulo discriminativo a controlar a ação do cliente fora do consul-
tório (Guedes, 1997).
A descrição da psicoterapia, apresentada por Skinner em 1989, explicita essas
características:

... Aquilo que o cliente faz na clinica não é a preocupação básica. O que lá
acontece é uma preparação para um mundo que não está sob controle do terapeuta.
Em vez de arranjar contingências correntes de reforçamento, como acontece no
lar, na escola, no local de trabalho ou no hospital, os terapeutas dão conselhos.
(...) Ele [o conselho] pode assumir a forma de uma ordem (“faça isto, pare de fazer
aquilo”) ou pode descrever contingências de reforçamento (“Fazer isto provavel-
mente acarreta um efeito reforçador", “Se você fizer aquilo as conseqüências
podem ser punitivas"). (p. 111)

O avanço conceituai da teoria analítico-comportamental permitiu, hoje, uma


prática clínica que vai além da noção de comportamento governado por regras. Nos
últimos anos, propostas importantes de intervenção surgiram sob a égide da análise
do comportamento, fundadas eminentemente na análise do comportamento verbal
(Pérez-Àlvarez, 1996). A maioria destas propostas teve seu início no final da década de
1980 e sua consolidação nos anos 1990: FAP (Psicoterapia Analítica Funcional) de
Kohlenberg e Tsai (1987); a ACT (Terapia da Aceitação e Compromisso) de Hayes,

320 Roberta Kovac, Denis Roberto Zamignani, Alessandra Lopes Avanzi


Strosahl, & Wilson (1999) e, no Brasil, a Terapia Analítico-Comportamental tem origem
na produção coletiva de terapeutas de diferentes regiões do país.
A mudança de perspectiva da psicoterapia, de uma prática voltada à identifica-
ção e modificação de contingências de reforçamento, por meio de regras e conselhos
para uma prática pautada na análise do comportamento verbal, implica uma
reconsideração da noção de verdade e de seus limites na ciência e, em decorrência, na
psicoterapia. Luna (1996) analisa essa questão ao discorrer sobre as mudanças no
quadro da epistemologia das ciências como um todo. Este autor aponta que, no discur-
so científico, a busca da verdade tem sido substituída pela tentativa de aumentar o
poder explicativo das teorias. Parece consenso hoje que o objetivo do conhecimento e
da pesquisa não é mais uma descrição meramente objetiva dos fatos, mas uma inter-
pretação da realidade, que é perpassada por uma postura teórico-epistemológica.
Tal mudança se reflete na prática clínica e no posicionamento do terapeuta
frente ao seu objeto de estudo. Kohlenberg e Tsai (2001) apontam para a natureza
contextual do conhecimento e da realidade e defendem que o sujeito que procura a
terapia não é uma coisa concreta, objetiva, a ser descrita com precisão pelo terapeuta.
Diferente disso, temos acesso a um eu que é narrativo (necessariamente verbal). É o
indivíduo que, ao agir e observar sua própria experiência, a descreve tal qual esta expe-
riência o permite. É com este “eu verbal” que podemos trabalhar na terapia (Pérez-
Álvarez, 1996).
Esta mesma questão implica um tratamento peculiar com relação às emoções e
aos eventos privados no entendimento dos comportamentos-alvo da psicoterapia. Se-
gundo Tourinho (2006; 2009), os conceitos emocionais não descrevem algo que existe
antes e independentemente do comportamento verbal; ao contrário, é com a aquisição do
comportamento verbal que as emoções, enquanto fenômenos psicológicos - experimen-
tados pelo indivíduo na relação consigo mesmo - passam a existir. Essa é a subjetividade
da qual falamos quando nos referimos aos conceitos psicológicos.
Considera-se característica definidora do comportamento operante verbal
(Skinner, 1957) a mediação do outro, especialmente treinado por uma comunidade
(verbal) para esta mediação. A análise de Andery, Micheleto e Sério (2005) sobre algu-
mas características do controle do comportamento que envolve tal mediação pode lan-
çar luz sobre a origem de parte dos problemas que se dão na psicoterapia: (1) porque
é mediado por outra pessoa, no comportamento social - e verbal - o reforço dificilmente
pode ocorrer de forma independente da ocorrência da resposta reforçada; (2) o reforço
depende da condição do agente reforçador. Desta forma, “respostas de uma mesma
classe nem sempre produzirão as mesmas alterações ambientais” (Andery, Micheleto
e Sério, 2005 p. 156); (3) a possibilidade de uma mudança lenta nas contingências
estabelecidas socialmente (a depender do agente reforçador e das respostas que vêm
sendo mantidas por tais contingências); (4) “o agente reforçador ajusta o esquema de
reforçamento às características da resposta reforçada de uma forma que raramente
ocorre na natureza” (Andery, Micheleto e Sério, 2005 p. 156). Nas palavras de Skinner:

Um sistema reforçador que é afetado desta maneira pode conter defeitos inerentes
que ievam a comportamento instávef. Isto pode explicar porque contingências
reforçadoras da sociedade causam com portam ento indesejável mais
freqüentemente do que as contingências aparentemente comparáveis na natureza
inanimada. (Skinner, 1993/1953 p. 301).

Sobre Comportamento e Cognição


Adicionalmente, o modelo de equivalência de estímulos e a teoria dos quadros
relacionais nos permitem analisar a função do contexto social verbal na produção e
manutenção de problemas psicológicos. “A prática social faz com que situações, pala-
vras e pensamentos se constituam em membros de uma classe funcional de modo
que provavelmente suponham relações de equivalência. Sendo assim, as situações
tanto remeteriam ao estado psicológico quanto as explicações relativas aos estados
psicológicos remeteriam às situações. Uma situação depressora justificaria estar de-
primido. Porém pensar deprimidamente e falar que se está deprimido seria por si
equivalente à situação causante” (Pérez-Alvarez, 1996). A contingência e a descrição da
contingência entrariam em relações de classes funcionais e as relações estabelecidas
em um quadro relacionai poderiam exercer controle sobre todos os elos da contingên-
cia. Esta propriedade das relações verbais constitui um fenômeno denominado por
Hayes e cols. (2001) de contexto de literalidade: o indivíduo pensa e se comporta em
relação à situação como se as palavras correspondessem literalmente ao contexto de
atuação (Hayes e cols., 2001)5.
Considerando-se então, a natureza verbal e narrativa da subjetividade e do sofri-
mento psicológico e a inconsistência na interação com a comunidade verbal como fonte
de problemas, o comportamento verbal do cliente parece funcionar não só como via de
acesso a contingências externas, mas também como objeto direto de intervenção.
Retomando as questões que originaram este artigo, pode-se então analisar de
que forma os estudos sobre comportamento verbal relacionai podem contribuir com o
trabalho do terapeuta analítico-comportamental. Como, com comportamento verbal mu-
damos o comportamento (verbal ou não verbal) do cliente? O que é possível fazer a partir
do comportamento verbal do terapeuta na mudança do comportamento do cliente?
Estas novas abordagens e o avanço no entendimento do comportamento ver-
bal ampliam e orientam nossa atuação, que lida diretamente com o comportamento
verbal e com eventos privados, entendidos como um tipo de evento que necessaria-
mente envolve comportamento verbal (Tourinho, 2006; 2009). Lidar com déficit ou ex-
cesso comportamental (por meio de regras ou manejo direto de contingências) é im-
portante para uma série de casos mas, uma vez que o sujeito tenha o repertório verbai
desenvolvido e o problema é desta natureza, a intervenção sobre relações funcionais
imediatas é insuficiente. É característica da abordagem Analítico-comportamental a
postura de uma constante investigação para a produção de conhecimento novo e temos
com o avanço conceituai da abordagem, o suporte teórico necessário para lidar com a
subjetividade e o sofrimento psicológico por meio de relações verbais.

Referências

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