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João Fernando Rech Wachelke

Alexsandro Luiz de Andrade


Jean Carlos Natividade

Percepção de alunos
de graduação em psicologia
sobre a conduta ética
dos psicólogos

Perception of psychology graduation students on the ethical


conduct of psychologists

Resumo
Com base no entendimento de que as experiências nos cursos de graduação em
psicologia constituem uma influência relevante na formação das representações dos
alunos, que por sua vez guiarão seus comportamentos futuros, o presente estudo cen-
trou-se nas percepções de futuros profissionais de psicologia sobre a conduta ética dos
psicólogos, buscando verificar se essas percepções diferem nas fases iniciais e finais do
curso. Participaram da pesquisa 96 estudantes de psicologia de uma universidade fe-
deral, agrupados em dois segmentos: estudantes dos períodos iniciais do curso e estu-
dantes dos períodos finais. Os sujeitos indicaram num questionário os graus em que
consideravam que os psicólogos apresentavam alguns comportamentos pautados pe-
los princípios do Código de Ética Profissional do Psicólogo. Os resultados apontaram
graus de concordância diferenciados em relação à percepção sobre os psicólogos: os

______
Acadêmicos do curso de graduação em psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.
______
Endereço para correspondência: R. Octavio Lebarbenchon 69, Santa Mônica, Florianópolis, SC. CEP 88037-
290. Telefone: (48) 233-3785. E-mail: wachelke@yahoo.com

Aletheia
Aletheia 20, jul./dez.Canoas
2004 n.20 jul./dez. 2004 p. 37-44 37
alunos do fim do curso apresentam visão mais pessimista do psicólogo quanto à sua
conduta ética.
Palavras-chave: percepção sobre psicologia, ética, formação em psicologia.

Abstract
Considering that the experiences in graduation courses of psychology constitute a
relevant influence in the formation of students’ representations, which on their turn will
guide their future behaviours, the present study was centered on the perceptions of future
professionals about psychologists’ ethical conduct, seeking to verify if those perceptions
differ in the initial and final stages of the course. Ninety-six (96) psychology students from
a federal university took part on the study, divided in two segments: students from the
initial classes of the course and from the final ones. Subjects indicated on a questionnaire
the degrees in which they considered that psychologists presented some behaviors in agre-
ement with the Psychologist’s Professional Ethics Code. Results point to different degrees
of agreement in terms of the perception on psychologists: end of course-students presen-
ted a pessimistic view of the psychologist concerning his ethical conduct.
Key words: perception on psychology, ethics, formation in psychology.

Introdução produzidas e mantidas por grupos sociais


são variáveis independentes, determinan-
A atuação de profissionais ligados à do tanto estímulos quanto respostas.
psicologia pode causar impressões das mais A literatura apresenta diversos estudos
variadas na população. Conhecer as manei- que têm por finalidade investigar as caracte-
ras pelas quais a profissão e o profissional rísticas do conhecimento da população bra-
de psicologia são percebidos pela popula- sileira sobre a psicologia. Almeida (1982), ba-
ção em geral é importante por algumas ra- seando-se em estudos sobre o estereótipo pro-
zões. Considerando que as características fissional, concluiu que “observador” é uma
dessas percepções são fortemente influen- qualidade que se sobressai quando da descri-
ciadas pelas experiências vividas por indi- ção do psicólogo. Leme, Bussab e Otta (1984)
víduos junto a psicólogos ou profissionais encontraram entre alunos ingressantes num
vinculados à psicologia, saber o que a po- curso de psicologia as percepções de que a
pulação pensa do psicólogo permite infe- psicologia possui a clínica como principal ati-
rir acerca dos serviços prestados à socieda- vidade, as atribuições do psicólogo não têm
de pela psicologia, tanto no que se refere às contornos claros e seu trabalho é atender a
características das intervenções realizadas, poucas pessoas “problemáticas”. Santos
quanto ao público que vem sido atendido (1989) obteve resultados semelhantes e veri-
pelos profissionais de psicologia. Essa in- ficou que estudantes primeiranistas de um
formação possibilita, portanto, a obtenção curso de psicologia concebiam a psicologia
de uma visão mais global sobre a maneira atrelada a um modelo médico de atuação. Os
como a psicologia está interagindo com a psicólogos, assim, são considerados profissi-
sociedade. Além disso, conhecer as percep- onais clínicos que trabalham em consultóri-
ções da sociedade sobre aspectos relativos os e buscam ajustar os indivíduos desviantes
à psicologia é relevante sobretudo se for à sociedade. Evidenciou-se a imagem de que
considerado que esse conhecimento serve a profissão não possui importância social sig-
como base para guiar os comportamentos nificativa, voltando-se apenas para uma elite
das pessoas frente aos psicólogos. Trata-se privilegiada que busca os serviços psicológi-
de um ponto de vista que vai ao encontro cos por conta própria.
da perspectiva sócio-cognitiva de Moscovi- Ribeiro e cols. (1997) também estuda-
ci (2003), que afirma que as representações ram a percepção de estudantes calouros de

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psicologia, e depararam-se com um enten- a conceber a psicologia de maneira mais
dimento de que o psicólogo ajuda e acon- ampla e questionadora pelos idos do ter-
selha as pessoas e estuda a mente e o com- ceiro ano de formação. Contudo, próximo
portamento. Por sua vez, Weber (1991) ave- à conclusão da graduação, os estudantes
riguou como a população de Curitiba re- verbalizaram representações novamente
presentava os psicólogos e descobriu resul- semelhantes às da população em geral, um
tados semelhantes aos que seriam posteri- retrocesso que indica a direção preocupan-
ormente encontrados por Ribeiro e cols. te em que se dá a influência da formação
(1997): um profissional que ajuda os ou- nas representações sobre psicologia de fu-
tros, aconselha-os e trabalha na resolução turos profissionais.
de problemas em clínicas e hospitais psi- O presente estudo insere-se no contex-
quiátricos. No que tange à psicologia, a área to dos estudos que tratam da interferência
caracteriza-se como estudo comportamen- da formação em psicologia na percepção
to humano e da mente. sobre aspectos referentes à ciência e à pro-
Souza e Trindade (1990) realizaram fissão psicológica. No entanto, seu foco não
uma pesquisa para conhecer as representa- é a percepção geral sobre psicologia ou so-
ções das atividades do psicólogo mantidas bre os profissionais da área, mas sim um
pelas classes média e popular de Vitória. aspecto específico relacionado à psicologia:
Seus achados no que diz respeito à classe a conduta ética dos psicólogos.
média confirmaram o que traz a literatura: A ética profissional do psicólogo é um
os indivíduos desse segmento consideram assunto de suma importância para os psi-
o psicólogo um profissional liberal que re- cólogos, visto que devem basear suas práti-
solve problemas por meio de conversas e cas profissionais no respectivo código de
testes. Por outro lado, poucos indivíduos conduta elaborado e fiscalizado pelo Con-
pertencentes à amostra de menor nível só- selho Federal de Psicologia. De acordo com
cio-econômico foram capazes de afirmar o próprio código, o sistema ético proposto
algo sobre as atividades dos psicólogos, por “... permitirá uma atuação profissional en-
não terem tido contato com a psicologia. gajada social e politicamente no mundo, e
Esse dado sugere que a percepção da psi- não um profissional a serviço exclusivo do
cologia como profissão elitista, presente em indivíduo” (CFP, 2002, p. 7).
algumas das mencionadas pesquisas, pode Embora fosse desejável que todos os
não estar distante da realidade, pelo me- profissionais respeitassem as orientações do
nos em sua configuração atual. código, sabe-se que isso nem sempre ocor-
Um importante determinante das per- re. Os princípios fundamentais que regem
cepções que estudantes universitários (e o código de ética do psicólogo são pilares
posteriormente, profissionais de psicologia) que norteariam a atuação profissional, mas
têm sobre essa ciência e campo de atuação nem sempre são cumpridos em sua totali-
profissional é sua formação em psicologia dade. Alguns profissionais, como ocorre em
(Carvalho, 1984; Weber, Rickli & Liviski, todos os campos de atuação, utilizam-se dos
1994). Afinal, é no contexto desse curso de conhecimentos e do estatuto proporciona-
cinco anos que os graduandos aprendem dos pela psicologia para benefício próprio,
(ou pelo menos deveriam aprender) o que em detrimento do bem-estar da sociedade.
é psicologia e como atuar como psicólogos. Algumas profissões são concebidas
Weber, Rickli e Liviski (1994) investigaram pela população em geral de forma extre-
as representações sobre psicologia de alu- mamente negativa, como por exemplo,
nos de graduação em psicologia de Curiti- políticos e advogados, que são protago-
ba em diferentes momentos de seus cursos nistas de chistes e comentários irônicos
e descobriram que ao ingressar no curso os provenientes do senso comum sobre sua
alunos possuem percepções semelhantes às reputação profissional; outro exemplo
do público leigo, passando posteriormente dessa ordem está nos policiais, conside-

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rados por muitos como “piores que os para esses alunos, e quais reflexos isso pode
bandidos”. Inversamente, poucos julga- ter no próprio exercício da profissão.
riam negativamente a conduta de cate-
gorias como assistentes sociais e enfer- Método
meiros.
E os psicólogos? Seriam eles perce- Sujeitos
bidos como profissionais que atuam de
acordo com princípios éticos, de modo Participaram da pesquisa 96 estudan-
geral? tes de psicologia de uma universidade fe-
Visando a obter alguns dados acerca deral de Santa Catarina, agrupados em dois
dessa questão, nosso tema de investigação grupos: estudantes dos períodos iniciais do
foi a percepção de alunos de graduação curso e estudantes matriculados nos perí-
em psicologia sobre a conduta ética pro- odos finais. Essa amostra corresponde a
fissional dos psicólogos. Entendemos que aproximadamente um quarto da quantida-
a experiência no curso possibilita aos alu- de de alunos matriculados regularmente no
nos obter informações e vivências sobre o curso de graduação em psicologia dessa
fazer do psicólogo, e possivelmente cons- instituição, que à época do estudo totaliza-
titui uma forte influência acerca dessa per- vam 410. Compuseram o Grupo de estu-
cepção sobre a ética profissional. Portan- dantes de turmas Iniciais (GI) 48 sujeitos
to, nosso objetivo com este estudo foi res- do primeiro, segundo e terceiro períodos
ponder à seguinte questão: alunos de psi- de psicologia, sendo a maioria deles do pri-
cologia de diferentes períodos do curso meiro período, conforme apresentado na
percebem de forma diferenciada a condu- Tabela 1. Como esperado, a maioria dos
ta ética dos profissionais de psicologia? Na sujeitos era do sexo feminino: 39. A idade
medida em que essa pergunta possa ser média dos sujeitos desse grupo foi de 20
respondida, poder-se-á refletir sobre a anos e 9 meses (ver Tabela 2).
maneira como a psicologia se apresenta

Tabela 1. Ocorrências de sujeitos por sexo e por grupo de alunos - turmas iniciais
(GI) e turmas finais (GF) e períodos do curso.
GI GF
SEXO Primeiro Segundo Terceiro Oitavo Nono Décimo TOTAL
Homens 7 2 1 4 4 3 21
Mulheres 25 5 10 15 13 7 75
TOTAL 32 7 11 19 17 10 96

O Grupo de estudantes das turmas proporção de homens para mulheres foi de


Finais (GF) do curso foi formado por 48 um homem para cada três mulheres. A idade
sujeitos do oitavo (19 sujeitos), nono (17 média dos sujeitos do grupo foi de 23 anos
sujeitos) e décimo (10 sujeitos) períodos. A e 2 meses.

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Tabela 2. Distribuição das médias de cia plena). Como todos os itens expressa-
idade, desvios-padrão, e medianas de ida- vam princípios éticos, valores abaixo do
de em anos por grupo de sujeitos do curso ponto médio 3 significavam discordância
de psicologia (GI e GF). quanto aos psicólogos seguirem esses prin-
cípios, enquanto valores acima disso expres-
GI GF savam concordância quanto à sua conse-
Média 20,81 23,19 cução.
Desvio padrão 3,95 2,54 Adicionalmente, foram realizados cál-
Mediana 20 23 culos de confiabilidade para verificar se es-
N 48 48 ses itens poderiam constituir uma escala
unifatorial sobre a percepção de comporta-
mentos profissionais dos psicólogos regidos
Instrumento por princípios éticos. O alfa de Cronbach
obtido teve valor satisfatório (0,83) suge-
O instrumento para coleta de dados foi rindo que os itens podem ser utilizados em
um questionário com respostas objetivas. As conjunto como uma medida.
primeiras três perguntas estavam relaciona-
das à caracterização dos sujeitos no que di-
zia respeito ao sexo, idade e turmas em que Procedimento
estavam matriculados no curso.
Os outros sete itens tinham formato
Os sujeitos foram contatados pessoal-
de escala do tipo Likert de 5 pontos, e eram
mente em sala de aula, após pedido de per-
adaptações de seis dos sete princípios fun-
missão para os professores responsáveis. Foi-
damentais do Código de Ética Profissional
lhes perguntado se desejariam participar do
do Psicólogo (CFP, 2002), presentes na pá-
estudo, após breve explicação sobre o con-
gina 9 do documento. As sentenças que
teúdo do questionário e finalidades do tra-
constituíam os mencionados princípios fo-
balho. Aqueles que responderam afirmati-
ram alteradas, passando o sujeito do sin-
vamente responderam ao instrumento na
gular para o plural (por exemplo, “os psi-
própria sala de aula. Os pesquisadores esti-
cólogos”, em vez de “o psicólogo”) e o tem-
po verbal do futuro para o presente (por veram à disposição para quaisquer esclare-
exemplo, “os psicólogos colaboram” em vez cimentos durante a coleta de dados.
de “o psicólogo colaborará”). O princípio
VII não foi contemplado no questionário,
por estar relacionado diretamente a um Resultados e discussão
documento cujo conteúdo não estava pre-
sente no código: a Declaração Universal dos Os estudantes, considerados como
Direitos Humanos da ONU. Além disso, o dois grupos (GI e GF), apresentaram graus
princípio V foi desdobrado em dois itens de concordância muito diferenciados em
para possibilitar maior clareza de entendi- relação à percepção sobre conduta dos psi-
mento, uma vez que ele versa sobre dois cólogos. Como mostra a Tabela 3, em seis
elementos diferentes – a atualização sobre dos sete itens foram observadas diferenças
o conhecimento psicológico e o estudo das significativas nas médias dos dois grupos
ciências afins. após teste t para comparar amostras inde-
Para completar esses itens, os sujeitos pendentes. Em todos esses casos, o grupo
deveriam expressar por meio da atribuição de alunos iniciantes apresentou média su-
de um escore numérico sua concordância perior ao do grupo de alunos próximos da
quanto ao grau de realidade das situações conclusão do curso. No único item cuja di-
e condições comunicadas pelos itens, sen- ferença entre os grupos não foi estatistica-
do que poderia haver variação de 1 (signi- mente significativa no nível de 5% a média
ficando discordância plena) a 5 (concordân- dos alunos iniciantes também foi superior.

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Em síntese, pode ser dito que os alu- conhecimento psicológico proveniente de
nos do início do curso apresentam tendên- pesquisas apresentou-se próxima do pon-
cia a perceber o psicólogo como um profis- to médio 3, sugerindo uma percepção me-
sional que leva a ética em consideração en- nos positiva quanto ao psicólogo seguir este
quanto exerce suas atividades. No entanto, princípio. Já os alunos do fim do curso apre-
isso é mais percebido em alguns aspectos sentam visão mais pessimista do psicólogo
que em outros, como o expresso no item em sua relação com a ética, expressando
referente ao princípio II do código de éti- descrença acerca do psicólogo manter-se
ca, sobre trabalhar para o bem-estar do in- atualizado e estudar ciências afins da psi-
divíduo e da comunidade. A medida da cologia, o que é indicado pelas médias in-
percepção da conduta ética profissional do feriores a 3 nas respostas a esses dois itens.
psicólogo sobre estar atualizado quanto ao

Tabela 3. Médias obtidas pelos dois grupos de sujeitos nos itens do questionário
referentes à percepção da conduta dos psicólogo, valores do teste t de Student para com-
paração de médias de amostras independentes, graus de liberdade de cada teste e proba-
bilidade de significância.
Itens GI GF t p gl
Os psicólogos baseiam seu trabalho no respeito à dignidade e
integridade do ser humano. 4,29 3,88 2,144 ,035 94

Os psicólogos trabalham visando a promover o bem-estar do


indivíduo e da comunidade, bem como a descoberta de métodos 4,44 3,96 2,581 ,012 87
e práticas que possibilitem a consecução desse objetivo.
O psicólogos, (..._), procuram sempre desenvolver o sentido de
suas responsabilidades profissionais através de um constante 4,08 3,25 3,729 <0,001 93
desenvolvimento pessoal, científico, técnico e ético.
A atuação profissional dos psicólogos compreende uma análise
crítica da realidade política e social. 3,75 3,13 2,581 ,011 89

Os psicólogos estão a par dos estudos e pesquisas mais atuais da


psicologia. 3,19 2,58 2,588 ,011 94

Os psicólogos são estudiosos de áreas do conhecimento afins à


psicologia, como a sociologia, a filosofia e a fisiologia, por 3,50 2,69 3,048 ,003 94
exemplo.
Os psicólogos colaboram na criação de condições que visam a
eliminar a opressão e marginalização do ser humano.
3,56 3,10 1,838 ,069 94

Considerando os resultados referentes Weber, Rickli & Liviski, 1994) e de que as


à utilização dos itens do questionário como representações mantidas pelas pessoas pos-
uma escala também são encontradas dife- suem papel importante para determinar a
renças estatisticamente significativas, con- ocorrência de práticas (Moscovici, 2003),
firmando os resultados apresentados ante- constata-se uma situação um tanto preocu-
riormente. A média de todos os itens, apre- pante no que diz respeito à psicologia. Os
sentada pelo Grupo de Iniciantes, é supe- futuros psicólogos, após passarem por anos
rior (3,88) à do Grupo de alunos das tur- de graduação, passam a considerar os com-
mas Finais (3,31): t(94) = 3,643; p <0,01. portamentos profissionais de seus colegas de
Em síntese, conjugando as idéias de profissão menos éticos em relação ao que
que a formação possui influência nas repre- pensavam anteriormente.
sentações mantidas pelos alunos que serão É pertinente assinalar, contudo, que a
os futuros profissionais (Carvalho, 1984; maior parte dos resultados relativos aos dois

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grupos não permitem dizer que o psicólo- tando do que vivenciam ou descobrem, sua
go é visto de forma negativa absoluta quanto percepção pode alterar-se. Especulações de
a seu comportamento ético, uma vez que caráter ainda mais severo incluiriam exem-
as médias apresentaram-se superiores ao plos de condutas pouco éticas por parte dos
ponto médio e portanto voltadas para a próprios professores do curso.
concordância acerca do respeito aos prin- As decorrências de uma percepção dos
cípios éticos apresentados. As exceções fo- psicólogos enquanto profissionais pouco
ram dois itens julgados pelo grupo de alu- éticos são graves e numerosas. Em primei-
nos das turmas finais, referentes ao psicó- ro lugar, são estimuladas relações de des-
logo estar a par de pesquisas atuais e ser respeito e desconfiança rumo aos pares, o
um estudioso de outras disciplinas relacio- que pode empobrecer a atuação profissio-
nados à psicologia. De todo modo, é evi- nal de psicólogos e enfraquecer a classe
dente pelos resultados que os alunos de profissional de modo geral. Outra possibi-
graduação em psicologia julgam a conduta lidade, mais remota mas até mesmo mais
ética do psicólogo de forma diferente preocupante, seria a instalação de uma at-
Como os julgamentos de alunos inici- mosfera de permissividade entre os psicó-
antes mostraram-se mais otimistas em rela- logos frente a comportamentos anti-éticos;
ção a esses princípios serem obedecidos na pensar que, ao deparar-se com situações
realidade, torna-se importante conhecer o delicadas do ponto de vista do dever-ser
que faz essas avaliações tornarem-se mais psicológico os profissionais tenham cren-
negativas com o passar dos anos, o que não ças tais como “os psicólogos agem assim
é possível fazer com os dados coletados no mesmo”, ou então que “isso é normal”, que
presente estudo. Embora sejam necessári- acabem por pautar uma conduta inadequa-
os outros esforços de pesquisa que envol- da. Finalmente, não se deve esquecer tam-
vam considerável complexidade para que bém que há relação entre as representações
os fatores que influenciam essa mudança mantidas por psicólogos e pela sociedade
de percepção possam ser enumerados e em geral; ambas repercutem entre si, estan-
descrito, algumas hipóteses podem ser for- do fortemente inter-relacionadas. Leme,
muladas e inspirar futuras investigações. Bussab e Otta (1989) verificaram que a
É possível que no início do curso os maioria dos alunos de psicologia entrevis-
alunos ingressem nas universidades com tados numa pesquisa em São Paulo consi-
um entendimento equivocado e idealizado dera que a população concebe o psicólogo
sobre o que seja o curso de psicologia ou a de maneira negativa. Se os próprios psicó-
profissão de psicólogo, ilusão que se desfaz logos não possuem uma boa imagem de si
à medida que se avança no curso. Ou en- próprios, por que haveria a sociedade de
tão essa tendência pessimista pode dizer res- pensar diferente?
peito às condições cada vez mais precárias De qualquer forma, as diferenças en-
a que é submetido o ensino superior públi- contradas sugerem que o contexto educa-
co brasileiro, o que tem impacto na forma cional pode estar diretamente envolvido
como o curso de graduação se estrutura e com essa maior descrença quanto à condu-
opera, e interfere na experiência universi- ta ética dos psicólogos. Estudos acerca das
tária de alunos de graduação. Também não representações sociais desses tipos de com-
há razões para descartar o fato de que o portamentos dos profissionais podem for-
próprio curso e seu funcionamento podem necer dados complementares que viabili-
não ter relação direta com essa mudança zem uma compreensão mais ampla do fe-
de julgamento, uma vez que durante a gra- nômeno, preenchendo algumas das lacu-
duação os alunos voltam seus interesses para nas emergentes a partir dos resultados des-
suas futuras profissões, e provavelmente te estudo. Pode também ser pertinente a
passam a conviver mais com a realidade realização de estudos semelhantes nos con-
profissional e pensar sobre ela; em não gos- textos de outros cursos de graduação, veri-

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ficando se há ou não uma generalidade na Moscovici, S. (2003). O fenômeno das re-
ocorrência do fenômeno, o que pode im- presentações sociais. Em: S. Moscovici,
plicar um problema não só para o ensino Representações Sociais: Investigações em Psi-
de psicologia, mas para todo o ensino su- cologia Social (pp. 7-109). Petrópolis: Vozes.
perior brasileiro. É necessário que os cur- Ribeiro, J. I. P.; Sarriera, J. C.; Hernandez,
sos de graduação em psicologia busquem A. R. C.; Anele, A.; Mondardo, A. H.; Lis-
formar profissionais que saiam da univer- boa, C. S. M.; Castro, E. K.; Carmona, J.;
sidade dotados de mais que conhecimento Grzybowski, L. S.; Silveira, L. M.; Brito, R.
teórico e capacidade técnica para atuar. É C.; Gregory, R. F.; Eckert, S. & Guerchfeld,
preciso que os profissionais de psicologia V. (1997). Percepção leiga do psicólogo:
possuam sólida formação ética, e os resul- notas de uma prática disciplinar. Psico 28
tados do presente estudo indicam que não (1), 63-76.
se descarta a possibilidade de a graduação Santos, M. A. dos. (1989). O psicólogo: atu-
em psicologia apresentar deficiências tam- ação profissional e função social segundo a
bém nesse departamento. percepção de estudantes de psicologia. Es-
tudos de Psicologia 6 (1), 5-30.
Souza, L. de. & Trindade, Z. A. (1990). A
Referências representação social das atividades profis-
sionais do psicólogo em segmentos de classe
Almeida, A. R. de. (1982). Observador: um média e baixa, na cidade de Vitória – ES.
traço central na percepção social do psicó- Psicologia: Teoria e Pesquisa 6 (3), p. 267-279.
logo? Arquivos Brasileiros de Psicologia 34 (2), Weber, L. N. D. (1991). A representação so-
65-71. cial do psicólogo em Curitiba. Psicologia
Carvalho, A. M. A. (1984). Atuação psico- Argumento 10, 71-90.
lógica: alguns elementos para uma reflexão Weber, L. N. D.; Rickli, A. & Liviski, J. D.
sobre os rumos da profissão e da formação. (1994). Atuação e formação do psicólogo
Psicologia: Ciência e Profissão 4 (2), 7-9. como fatores que influenciam a represen-
Conselho Federal de Psicologia (2002). Có- tação social da psicologia. Psicologia Argu-
digo de Ética Profissional dos Psicólogos. mento 15, 71-88.
Brasília.
Leme, M. A. V. S.; Bussab, V. S. R. & Otta,
E. (1989). A representação social da psico- Recebido em 07/2004
logia e do psicólogo. Psicologia: Ciência e Aceito em 09/2004
Profissão 1 (9), 29-35.

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