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Antecedentes
O que é racismo
Essa luta em Warren County passou a ser encampada pela Comissão pela
Justiça Racial da Igreja Unida de Cristo, dirigida naquele momento por
Benjamin Chavis (PACHECO & FAUSTINO, 2013). Em 1971, Chavis e outros
militantes, foram presos acusados falsamente de incendiar uma mercearia e
condenados. Depois de inúmeros protestos e atuação de várias organizações
locais, nacionais e internacionais, Chavis e seus companheiros de luta foram
libertados. Chavis posteriormente publicou em 1987 o livro Toxic Waste and
Race in the United States of America demonstrando como as comunidades
negras estavam sendo atingidas com rejeitos tóxicos em todo o país (Idem). As
injustiças ambientais provocadas por esse tipo de racismo geravam
implicações nos condicionantes sociais de saúde e adoecimento. As formas de
produção, apropriação e uso dos territórios pelo capital foi promovendo uma
geografia dos rejeitos e proveitos (PORTO-GONÇALVES, 2006), ou seja, a
localização e distribuição desigual dos rejeitos e proveitos sociais marcada por
critérios raciais. O relatório da Comissão de Justiça Social nos EUA de 1987
detectou critérios raciais na distribuição de depósitos de lixo e incineradores.
Vemos aí, topografias da crueldade (ALVES, 2011) que criam uma ‘paisagem
de medo’ para os seus habitantes e estigmas territoriais em determinadas
localidades (Idem).
Em 1991, a Comissão pela Justiça Racial promoveu em Washington (EUA)
a primeira Conferência Nacional das Lideranças Ambientalistas de Cor
reunindo mais 650 ativistas, incluindo militantes do México, Chile, Ilhas
Marshall, ativistas dos 50 estados dos EUA incluindo Porto Rico e Havaí
(PACHECO & FAUSTINO, 2013). Nesta conferência o debate do racismo
ambiental já se ampliava para compreender as ações em direção aos povos
indígenas, nativos do Alasca, latinos, asiáticos entre outros da cidade e do
campo. Ou seja, o capitalismo racializava territórios e grupos sociais para se
reproduzir. O Documento final desta conferência intitulado “Princípios da
justiça ambiental” demonstra que a luta já nascia intersecionando vários
sistemas de opressão como raça, etnia, migrantes, povos originários e classe.
Ademais, a iniciativa criava um embrião para construção de um movimento
internacional contra a injustiça ambiental. Chavis, em prefácio do livro
organizado por Robert Bullard de 1993, alertava que a luta nos EUA faria que
os países pobres tornassem alvos (como aconteceu) desses empreendimentos
poluentes debilitando vidas, ambientes e destruindo legislações (PACHECO &
FAUSTINO, 2013) ambientais e antirracistas. O debate proposto de injustiça
ambiental colocava também questionamento aos movimentos ambientalistas
internacionais que invisibilizavam a questão racial e as múltiplas formas de
opressão no debate ambiental.
O debate do racismo ambiental expôs quais grupos humanos e territórios
poderiam ser mutilados e mortos. Assim, a produção econômica cria uma
geografia do terror (OSLENDER, 2008) para os grupos atingidos pelos seus
efeitos nefastos. Essas geografias do terror promovem uma dupla
transformação: a primeira é a disseminação de estratégias eugênicas que tem
como alvo os territórios de grupos historicamente subalternizados blindando os
segmentos hegemônicos de qualquer possibilidade de serem alvos. A segunda
transformação envolve a transmutação de territórios contaminados em
‘paisagens do medo’ (Idem). Isto provocava mudanças abruptas nas práticas
rotineiras restringindo os movimentos cotidianos dos grupos subalternizados e
racializados alvos destas ações. Gestaram-se desagregação social, processos
de precarização territorial (HAESBAERT, 2004) e mudanças intensas no
sentido do lugar fazendo com que os moradores perdessem o sentimento de
seguridade e pertencimento (OSLENDER, 2008). Este fato tem promovido
processos desterritorializadores tanto na mobilidade quanto na imobilidade
(OSLENDER, 2008; HAESBAERT, 2004) restringindo o horizonte espacial
destes moradores. As lutas por justiça ambiental e criação de mecanismos
cartográficos de denúncia buscavam visibilizar, nacional e internacionalmente,
o papel dos Estados, das grandes marcas e empresas promovendo uma
política de adoecimento e morte (MBEMBE, 2006). Solidariedade nacional e
internacional, boicotes, marchas, atos públicos, petições, estudos de impacto
ambiental são algumas das ações feitas pelos movimentos sociais que lutam
por justiça ambiental.
O debate colocou a questão racial na política de localização e distribuição
dos grupos sociais em ambientes saudáveis, dignos, com saneamento básico,
infraestrutura e livre de qualquer rejeito social. A justiça ambiental passou a se
constituir como um horizonte de luta dos movimentos sociais, pois os danos
ambientais são distribuídos e sentidos desigualmente pelos territórios e
populações. As resistências constituídas a partir destes exemplos não foram
apenas reativas, mas também, passaram a ser proativas ao questionar a
localização de empreendimentos destrutivos próximos e/ou em territórios
quilombolas, populações pobres e tradicionais como moradores de favelas e
periferias, comunidades indígenas, quebradeiras de coco, faxinalenses,
geraizeiros, comunidades de fundos de pastos, ribeirinhos, camponeses, entre
outros demais grupos.
O debate do racismo ambiental nos informa múltiplos processos de
classificação/hierarquização de grupos sociais que transcende a ideia de cor da
pele. Ele diz respeito ao etnocentrismo, às injustiças sociais e ambientais que
recaem de forma desproporcional sobre etnias, grupos racializados e
subalternizados que foram historicamente violentados pelos agentes
hegemônicos do capitalismo. Instaura-se zonas de sacrifício determinando
locais e grupos onde é legitimada a aceitabilidade da matança, isto é, uma
necropolítica (MBEMBE, 2006).
O conceito de racismo ambiental passa a ganhar estatuto acadêmico
nos 1990 articulando-se ao debate de justiça ambiental. A história do conceito
demonstra histórias de violências, mas também histórias de lutas por direitos
territoriais e coletivos. Ou seja, são sujeitos políticos se constituindo pautando
outros projetos de sociedade. São lutas contra o sistema de opressão e
exploração que os adoecem e matam. São lutas pela garantia de vidas dignas.
São lutas que evidenciam a dimensão racial do capitalismo. São lutas que
coloca o protagonismo de grupos racializados, subalternizado e invisibilizado
no enfrentamento ao capitalismo diante: 1- a exposição a elementos
provocadores de adoecimento e morte em ambientes; 2- a distribuição
espacialmente desigual de bens sociais e amenidades naturais; 3- a desordem
ecológica fruto da modernidade capitalista, desigualmente distribuída
vulnerabilizando grupos e comunidades subalternizadas e racializados; 4-
extração destrutiva das condições materiais, simbólicas, ontológicas e
ambientais da existência de grupos subalternizados; 5- processos realocação
de empreendimentos poluidores tendo como alvos ambientes de grupos
subalternizados; 6- remoções de grupos subalternizado pela raça, classe e
etnia para instalação de empreendimento promovendo espoliação de direitos,
expropriação da terra e de territórios; 7- processos de realocação de grupos
subalternizados em ambientes insalubres, vulneráveis e destituídos de
condições materiais, simbólicas e ontológicas para (re)produção da existência;
8- a destruição da autonomia territorial de grupos para instalação de projetos
de desenvolvimento; 9- a indignação racialmente seletiva dos danos
ambientais; 10- política administrada de morte definida pelo tempo
governamental (executivo, legislativo e judiciário) nas respostas a danos
ambientais para grupos e ambientes subalternizados; 11- destruição de
território ancestrais desestruturando modos de existências de grupos sociais
forjado por laços comunitários; 12- destruição das condições de existência das
populações locais com o estabelecimento de vegetação e animais exógenos
que tornam-se pragas nestes novos ambientes; 13- distinção no acesso rápido
e contínuo a serviços de saúde garantidores da vida.
Uma rede internacional criada por movimentos sociais em diferentes partes
do mundo com o foco na justiça ambiental se constitui como forma de
monitoramento e combate ao racismo ambiental em todo o planeta.
Referências bibliográficas: