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Racismo Estrutural, Condição da

Mulher Negra e a Constituição


das Sociedades Contemporâneas

Ana Carolina Ferreira Francisco


Dinalva Agripino de Oliveira
Ofélia Mula
Os autores

Angela Davis Conceição Evaristo

Sílvio Almeida Mia Couto

Sueli Carneiro Carla Akotirene


“Minha mãe sempre costurou a
vida com fios de ferro”

(Olhos d’água - Conceição


Evaristo)
Raça e Racismo
Livro: Racismo Estrutural
Coleção Feminismos Plurais – Pólen
Organização: Djamila Ribeiro

Filósofa e pesquisadora
Uma das principais vozes brasileiras no combate ao racismo e ao feminicídio.
Filosofia Política, com ênfase em Teoria Feminista, Relações Raciais e de Gênero e
Feminismo.
Colunista do jornal Folha de São Paulo e foi secretária-adjunta da Secretaria de
Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo
"O que é lugar de fala", “Quem tem medo do Feminismo Negro?” e “Pequeno manual
antirracista”
Prêmio Cidadão SP em Direitos Humanos, Trip Transformadores, Melhor Colunista
no Troféu Mulher Imprensa, prêmio Dandara dos Palmares
Está entre as 100 pessoas mais influentes do mundo abaixo de 40 anos, segundo a
ONU.
https://online.pucrs.br/professores/djamila-ribeiro
A coleção
“Pensar em feminismo negro é justamente romper com a cisão criada numa
sociedade desigual. Logo, é pensar projetos, novos marcos civilizatórios, para
que pensemos um novo modelo de sociedade. Fora isso, é também divulgar a
produção intelectual de mulheres negras, colocando-as na condição de
sujeitos e seres ativos que, historicamente, vêm fazendo resistência e
reexistências.

(...) compromisso com uma linguagem didática

(...) É importante pontuar que essa coleção é organizada e escrita por mulheres
negras e indígenas, e homens negros de regiões diversas do país,
mostrando a importância de pautarmos como sujeitos as questões que são
essenciais para o rompimento da narrativa dominante e não sermos tão
somente capítulos em compêndios que ainda pensam a questão racial como
recorte.”
Silvio Almeida
Jurista, consultor, advogado e professor, graduado em filosofia pela USP.
Doutor e Pós-Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da USP
Professor de Compliance Antidiscriminatório e Governança e Ética Corporativa na Escola de
Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP), de
Estado e Direito no Pensamento Social Brasileiro na Escola de Direito da Fundação Getúlio
Vargas e de Filosofia do Direito e Pensamento Social Brasileiro na tradicional Faculdade de
Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Instituto Luiz Gama, organização que visa à inclusão de minorias e à promoção de uma
educação antirracista.
Consultoria para organizações públicas e privadas sobre a implantação de práticas
antidiscriminatórias e técnicas de promoção de diversidade e inclusão.
Conselheiro do Museu AfroBrasil, da Conectas Direitos Humanos, da Ouvidoria da
Defensoria Pública do Estado de São Paulo, da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP e
do Museu do Futebol.
Colunista da Folha de São Paulo.
Atualmente é professor visitante da Universidade de Columbia, em Nova York.
Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Raça e Racismo
Livro sobre Teoria Social – 02 teses
1ª: a sociedade contemporânea não pode ser compreendida
sem os conceitos de raça e de racismo.
2ª: racismo é sempre estrutural, ou seja, de que ele é um
elemento que integra a organização econômica e política da
sociedade.

O racismo fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a


reprodução das formas de desigualdade e violência que moldam a
vida social contemporânea.
A Raça na História
Classificações
A expansão econômica mercantilista e a descoberta do novo mundo:
unidade e a multiplicidade da existência humana.
Europeu = homem universal

Por trás da raça sempre há contingência, conflito, poder e decisão, de tal sorte que se
trata de um conceito relacional e histórico. Assim, a história da raça ou
das raças é a história da constituição política e econômica das sociedades
contemporâneas.

Do ponto de vista intelectual, o iluminismo constituiu as ferramentas que tornariam


possível a comparação e, posteriormente, a classificação, dos mais diferentes grupos
humanos com base nas características físicas e culturais.
Surge então a distinção filosófico-antropológica entre civilizado e selvagem,
que no século seguinte daria lugar para o dístico civilizado e primitivo.
A Raça na História
Revolução Haitiana
Universalidade da razão x Ciclo de morte e destruição do colonialismo e da
escravidão = RAÇA [desumanização]
Racismo científico

E foi esse movimento de levar a civilização para onde ela não existia que
redundou em um processo de destruição e morte, de espoliação e aviltamento,
feito em nome da razão e a que se denominou colonialismo.

Ainda que hoje seja quase um lugar-comum a afirmação de que antropologia surgida
no início do século XX e a biologia – especialmente a partir do sequenciamento do
genoma – tenham há muito demonstrado que não existem diferenças biológicas ou
culturais que justifiquem um tratamento discriminatório entre seres humanos, o fato
é que a noção de raça ainda é um fator político importante, utilizado para
naturalizar desigualdades e legitimar a
segregação e o genocídio de grupos sociologicamente considerados
minoritários.
Preconceito, Racismo e
Discriminação
Discriminação pressupõe poder
Discriminação direta e indireta
Discriminação positiva

Racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como


fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou
inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos,
a depender do grupo racial ao qual pertençam.

A consequência de práticas de discriminação direta e indireta ao longo do


tempo leva à estratificação social, um fenômeno intergeracional, em que o
percurso de vida de todos os membros de um grupo social – o que inclui as
chances de ascensão social, de reconhecimento e de sustento material – é
afetado.
Três concepções de racismo
Individual
Institucional
Estrutural

Quando terroristas brancos bombardeiam uma igreja negra e matam cinco crianças
negras, isso é um ato de racismo individual, amplamente deplorado pela maioria dos
segmentos da sociedade. Mas quando nessa mesma cidade – Birmingham, Alabama –
quinhentos bebês negros morrem a cada ano por causa da falta de comida adequada,
abrigos e instalações médicas, e outros milhares são destruídos e mutilados fisica,
emocional e intelectualmente por causa das condições de pobreza e discriminação, na
comunidade negra, isso é uma função do racismo institucional. Quando uma família
negra se muda para uma casa em um bairro branco e é apedrejada, queimada ou
expulsa, eles são vítimas de um ato manifesto de racismo individual que muitas pessoas
condenarão – pelo menos em palavras. Mas é o racismo institucional que mantém os
negros presos em favelas dilapidadas, sujeitas às pressões diárias de exploradores,
comerciantes, agiotas e agentes imobiliários discriminatórios
Black Power: Politics of Liberation in America, de Charles V. Hamilton e Kwame Ture (nome africano
adotado por Stokely Carmichael)
Racismo Estrutural
Racismo é um dos componentes orgânicos da sociedade
Racismo Reverso
Implementação de práticas antirracistas efetivas. [representatividade]

O racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que
se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma
patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural. Comportamentos
individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e
não exceção. O racismo é parte de um processo social que ocorre “pelas costas dos indivíduos
e lhes parece legado pela tradição”

O racismo se expressa concretamente como desigualdade política, econômica e jurídica.


Porém o uso do termo “estrutura” não significa dizer que o racismo seja uma condição
incontornável e que ações e políticas institucionais antirracistas sejam inúteis; ou, ainda, que
indivíduos que cometam atos discriminatórios não devam ser pessoalmente responsabilizados.
Dizer isso seria negar os aspectos social, histórico e político do racismo. O que queremos
enfatizar do ponto de vista teórico é que o racismo, como processo histórico e político, cria
as condições sociais para que, direta ou indiretamente, grupos racialmente
identificados sejam discriminados de forma sistemática.
Racismo como processo
histórico e político
Os diferentes processos de formação nacional dos Estados contemporâneos não foram
produzidos apenas pelo acaso, mas por projetos políticos. Assim, as classificações raciais
tiveram papel importante para definir as hierarquias sociais, a legitimidade na condução
do poder estatal e as estratégias econômicas de desenvolvimento.

Em um mundo em que a raça define a vida e a morte, não a tomar como elemento de
análise das grandes questões contemporâneas demonstra a falta de compromisso com
a ciência e com a resolução das grandes mazelas do mundo.
“A gente combinamos de não morrer”.
Eu sei que não morrer, nem sempre, é viver. Deve haver
outros caminhos, saídas mais amenas. Meu filho dorme.
Lá fora a sonata seca continua explodindo balas. Neste
momento, corpos caídos no chão, devem estar esvaindo
sangue. Eu escrevo e relembro o verso que li um dia.
“Escrever é uma maneira de sangrar”. Acrescento: e de
muito sangrar, muito e muito...

(Conceição Evaristo)
Interseccionalidde
(Carla Akotirene)

Discute o conceito interseccionlidde com o objectivo de


compreender as vivências e intersecções que é submentida a
mulher negra em contexto de opressões da nossa sociedade
cisheteropartriacal branca de base europeia, que desfaz a ideia
de um feminismo como voz única.
Interseccionalidade
A interseccionalidade dà instrumentalidade teórico-metodológica à
inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado
produtores de avenidas identitárias em que mulheres negras são repetidas
vezes atingidas pelo cruzamento e sobreposição de gênero, raça e classe,
modernos aparatos coloniais.

Permite às feministas criatividade política a fim de compreenderem a


fluidez das identidades subalternas impostas a preconceitos,
subordinações de gênero, classe e raça e às opressões estruturantes
da matriz colonial moderna da qual saem.
Interseccionalidade
A interseccionalidade nos mostra mulheres negras posicionadas em
avenidas longe da cisgeneridade branca heteropatriarcal. São
mulheres de cor, lésbicas, terceiromundistas, interceptadas pelos
trânsitos das diferenciações, sempre dispostos a excluir
identidades e subjetividades complexificadas, desde a colonização
até a colonialidade. (Maria Lugones e Avtar)
Origem
As ideologias que hoje são conhecidas como:
xenofobia,neoliberalismo divisão internacional do trabalho,
opressão patriarcal de gênero e discriminação racial,
surgiram a partir do século XV, com os “descobrimentos” da
Europa.
Seguindo, o neocolonialismo, no final do século XIX, que
dividiu o continente africano e trouxe significados identitários
multifacetados para a diáspora negra, lacunas discursivas
propositalmente secundarizadas.
A Interseccionalidade sugere que raça traga subsídios
de classe-gênero e esteja em um patamar de igualdade
analítica.
O androcentrismo da ciência moderna imputou às fêmeas o lugar
social das mulheres, descritas como machos castrados,
estereotipadas de fracas, mães compulsórias, assim como os
pretos caracterizados de não humanos, macacos engaiolados pelo
racismo epistêmico.

A matriz de opressão europeia tem procurado retirar os racismos ocidentais do foco


usando a interseccionalidade para cruzar gênero-nação-sexualidade, o desespero as
mulheres terceiro-mundistas. Essas categorias permitem nomear os africanos de
homófobos, cultos de orixás de amaldiçoados, de perversos os sacrifícios animais,
homens negros de feminicidas, normativos e incivilizados, opostos à Europa e aos
Estados Unidos.
Interseccionalidade
O projeto feminista negro, trabalha o marcador racial para superar estereótipos de
género, privilégios de classe e cisheteronormatividades articuladas em nível global,
seus movimentos abarcam as populações de cor acidentadas pela modernidade
colonialista até a encruzilhada, objetivando buscar alimento analítico para a fome
histórica de justiça, dialoga com avenidas identitárias do racismo,
cisheteropatriarcado e capitalismo.

A interseccionalidade veio como ferramenta ancestral. Serve às tentativas


salvacionistas do feminismo ocidental, porta voz moderno das mulheres oprimidas.

A raça, a classe e o sexo, transforma a mulher negra em produtora, reprodutor, sem


direitos, submetida a servir o patriarcado.
Sojourner Truth, “a raça impõe à mulher negra a experiência de burro de carga
da patroa e do marido, com inexistência do tempo de parar de trabalhar, o racismo
estrutural, a mantém fora do mercado formal, atravessando diversas idades no não
emprego, expropriada; e de geração, devendo obediência para a satisfação do
marido e patroa, oprimida do desejo ou vontade própria e sem capacidade crítica”.
O racismo infantiliza as mulheres negras e submete- se ao
envelhecimento antes do tempo. A marcação de raça que garante às
mulheres brancas seguridade social, com um emprego formal, e a
marcação de classe mante-as na condição de patroas.
O ocidente secundariza classe e raça, faz das mulheres terceiro-
mundistas vistas pelos “olhos ocidentais” como Outras, eternamente
trabalhadoras exploradas, chefas de famílias.

O pensamento interseccional traduz a matriz de opressão como


cisheterossexista, etária, divisora sexual do trabalho, onde as
mulheres negras são trabalhadoras nas casas das “mulheres brancas
instruídas,” chegavam em casa e tinham o dinheiro tomado por
“maridos ociosos”, bastante ofendidos porque não havia “comida
pronta dentro de casa”
“A Europa somente abre mão da identidade política de
padrão global colonialista quando epidemias apontam o
problema da região ocidental, exigindo que diga a
nação afetada pela presença de africanos e não o
continente. Quando o inverso acontece, o problema
particular de um país africano é transformado no
problema da África”
“Ninguém mais do que eu amava as palavras. Ao
mesmo tempo, porém, eu tinha medo da escrita, tinha
medo de ser outra e, depois, não caber mais em mim.”

Couto, Mia. A confissão da leoa (Portuguese Edition) (pp. 61-62). Companhia


das Letras. Edição do Kindle.
Gênero, raça e ascenção
social
Objetificação da mulher (o que historicamente é relatado);

Objetificação da mulher branca (como ascenção social);

A autora chama atenção não só para o sofrimento das


mulheres negras durante o período da escravização, mas
também para as consequências desse processo de
coisificação da mulher na atualidade.
O legado da Escravidão: parâmetros para
uma nova condição da mulher.

Angela Yvonne Davis (Birmingham, 26 de janeiro de 1944) é


uma professora e filósofa socialista estadunidense que
alcançou notoriedade mundial na década de 1970 como
integrante do Partido Comunista dos Estados Unidos, dos
Panteras Negras, por sua militância pelos direitos das
mulheres e contra a discriminação social e racial nos Estados
Unidos,.
O legado da Escravidão: parâmetros para
uma nova condição da mulher.

Texto forte, com alguns relatos dolorosos sobre o tratamento dispensado às muitas
mulheres negras, em idades diversas, de violência ao corpo e ao ser.

Davis coloca que algumas foram as publicações sobre o que foi e como se configurou
a escravidão nos EUA.

Ao tratar a questão da mulher a autora aborda alguns parâmetros para análise da


situação, tais como: a sexualidade, a relação mulher - homem (marido) e mulher-
homem (patrão), emancipação e o trabalho.

No texto, a autora traz como eixo estruturante que dá suporte a toda a sua reflexão, o
trabalho e como as mulheres negras vivenciaram o percurso de exploração a partir
dele e das exigências de sua mão de obra.
O legado da Escravidão: parâmetros para
uma nova condição da mulher.
A realidade mostrava que as mulheres em grande parte Enquanto a sociedade construía imagens de uma
estavam nos campos, na agricultura, em trabalhos mulher com excelência no trabalho doméstico, boa
muito semelhantes aos dos homens, como a autora cozinheira, boa mãe, boa cuidadora de famílias. O papel
coloca: “as mulheres eram vistas, não menos do que os da mulher neste trabalho doméstico tinha um papel
homens, como unidades de trabalho lucrativas, para os decisivo na sustentação de sua família e comunidade.
proprietários de escravos elas poderiam ser desprovidas
de gênero.” (Davis, 1981 p. 24). A vida doméstica se mostrava como o espaço do respiro
onde se organizavam e podiam de alguma maneira falar
sobre si. Era de alguma forma um alento mesmo diante
das dificuldades e de uma certa visão diminuída do
papel do homem nessa função. No trabalho doméstico
tinham a condição de usufruir do que produziam.
O legado da Escravidão: parâmetros para
uma nova condição da mulher.

Nas tentativas de superação do sistema escravagista, alguns lutavam, outros planejam


fugas, outros organizaram revoltas e sabotagens e outros, como é colocado pela autora,
encontraram outra forma de resistência: “aprender a ler e a escrever de forma
clandestina, bem como a transmissão desse conhecimento aos demais.” (Davis, 1981 p.
37).

Esse ato permitiu, muito provavelmente, a emancipação de muitas mulheres com relação à
liberdade do sistema opressor, muito embora as condições ideológicas da sociedade
permanecessem sob um jugo de exploração e submissão das mulheres negras.

Os percurssos dessa trajetória de escravidão ainda reberberam na sociedade, pois a


inserção da mulher negra na sociedade por meio do trabalho ainda necessita de muitas
reflexões e olhares para que um panorama de emancipação e lugares diferentes daqueles
historicamente construídos de submissão possam ser construídos.

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