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uma teori a do inter preta nte

Edward Lopes
DISCURSO, TEXTO E SIGNIFICAÇÃO
uma teoria do interpretante

Edward Lopes

Neste livro, Edward Lopes, professor de Lingüística de di-


versas Faculdades de São Paulo, aprofunda e sistematiza certas
idéias instigantes já esboçadas em anteriores trabalhos seus, in-
clusive nos Fundamentos da Lingüística Contemporânea, livro
também publicado pela Cultrix. Em DISCURSO, TEXTO E SJG.
NIFICAÇAO, essas idéias se articulam numa teoria do interpretan-
te que se constitui em valiosa contribuição aos modernos estudos
semiológicos. Como tal, seu conhecimento se impõe a quantos
tenham a atenção voltada para a Lingüística e a SemioÍogia, sobre-
tudo professores e estudantes de nossas Faculdades de Letras e
de Comunicações.
T amando como suporte da aplicação prática dos instrumentos
conceituais de sua teoria um soneto de Carlos Drummond de
Andrade, Edward Lopes t•ai-lhe estudando sistematicamente as
isotopias e isomorfias com vistas, não a fornecer um "modelo de
leitura do discurso poético", mas a proceder ao levantamento
das "características matriciais'' do discurso em geral. Embora con-
finado ao plano intralingüístico, como o exige o método estrutural,
esse let,antamento não descura do elemento ideológico de toda
semiose, vale dizer, daquela "manipulação dos sentidos" do dis-
curso em que se afirmam os modos de dominação social. Assim,
ao lado dos interpretantes do código e do contexto, introduz
Edward Lopes, na sua tão bem fundamentada teoria semântica,
aquilo que chama de "interpretante ideológico" e em que se pode
ver uma oportuna saída para o impasse a que chegaram hoje
certas correntes da teoria semântica.

EDITORA CULTRIX

SECRETARIA DA CULTURA,
CIÊNCIA E TECNOLOGIA
FUNDAMENTOS DA LII\JGOlSTICA
CONTEMPORANEA -

POESIA E REALIDADE** -
Moisés

POESIA VARIA** - Guilherme

SEMANTICA ESTRUTURAL
Greimas

LóGICA E FILOSOFIA DA Lit-JGllAG~EM


- Gottlob

ELEMENTOS DE SEMIOLOGIA
Roland Barthes

PRINCíPIOS DE SEMANTICA
LINGüfSTICA (DIZER E l'óJI!J·,JJilZJ:;l!
Oswald Ducrot

TRADUÇAO: OFíCIO E ARTE *


Erwin T heodor

INICIJ~ÇA,O
METóDICA
GERATIVA - Cbristian

LINGüíSTICA E COMUNH:AÇ:AO *
Roman Takobs(m

na
DISCURSO, TEXTO E SIGNIFICAÇÃO

uma teoria do interpretante


CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte
Câmara Brasileira do Livro, SP

Edward.
L851d texto e : uma teoria do intert)re-
tante / Edward Lopes. - Paulo : Cultrix : Secretaria
da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo,
1978.

1. Lingüística 2. Semântica I. Título.

78-0266 CDD-410
·412

índices para catálogo sistemático:


1. Lingüística 410
2. Semântica : Lingüística 412
3. Semiologia : Lingüística 410
Esta obra é publicada em co-edição
com a Secretaria da Cultura, Ciência e
Tecnologia do Estado de São Paulo.
EDWARD LOPES

DISCURSO,
TEXTO E
SIGNIFICAÇÃO
uma teoria do interpretante

EDITORA CULTRI
SÃO PAULO

SECRETARIA DA CULTURA,
TECNOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
MCMLXXVIII

Direitos Reservados
EDITORA CULTRIX LTDA.
Rua Conselheiro Furtado, 648, fone 278-4811, 01511 São ;Paulo, SP

Impresso no Brasil
Prínted in Brazil
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

PRIMEIRA PARTE
O Quadrado Semiótico como Espaço Tópico da Leitura 13
A Organização do "Corpus" 16
A Localização de Isotopias na Dimensão Actancial
Não-Humana 19
A Isotopia Temporal Prática e o Arcabouço Narrativo 19
Homologação Intradiscursiva da Leitura 20
Homologação Extradiscursiva da Leitura Efetuada 21
A Isotopia Espacial 24
A Isomorfia Exterioridade : Interioridade :: Espaço : 25
O Espaço e o Tempo Cosmológicos. O Espaço
e o Tempo Noológicos 30
Utilização dos Interpretantes 33
Interpretação de "Baixar" pelo Interpretante do Código.
A Função como Expressão Mínima do Arcabouço
Narrativo 38
lnterr>ret:aç~io
de "Baixar" pelo Interpretante do Contexto 40
Interpretação de 'Baixar' pelo Interpretante ld•eológJ.co.
A Constituição Visual de um Signo 41
A Configuração como Reinterpretação de uma Interpretação 45
O Fazer Narrativo do Ator "Luz Crepuscular" 49
Defmição Formal dos Mediadores e do Percurso Narrativo 52
O Mecanismo da Intertextualidaqe 53
As Isotopias Funcionais em Fraga e Sombra 59

SEGUNDA PARTE- HOMOLOGAÇOES


O Processo Semíótico 69
O Código Extradiscursivo 73
O Código Intradiscursivo 76
O Código Heterodiscursivo 80
O Semema do Dicionário, o Semema do Contexto, e o
Semema Ideológico 85
A Teoria dos Interpretantes e as Funções da Linguagem.
A Pluri-Leitura e a Funcionalidade dos Interpretantes 87
A Configuração Paradigmática e Sintagmática da Metáfora 103
A Teoria dos Interpretantes e os Níveis de Descrição 108
INTRODUÇÃO

O presente trabalho procura unificar em uma teoria coe-


rente algumas das reflexões dispersas no ensaio "Interpretação
do Interpretante". 1 A despeito do que possa sugerir o nome
interpretante, ele não tem nenhum compromisso com as idéias
de Peirce ou de Morris; tomando a interpretação como um<
fato da leitura, ele se limita a descrever . os procedimentos
empíricos através dos quais um discurso conotado se trans-
forma em texto(s) denotado(s).
Orientado, na sua maior parte, por uma metodologia hipo-
tético-dedutiva que está a serviço de um discurso teórico:, este
estudo tem a intenção de especificar as bases de um projeto
semiótico que se situa, de certo modo, a meio caminho de uma
semântica genética, dedicada às pesquisas das condições de
produção do significado, e de uma semântica pragmática,
interessada em investigar "o sentido do sentido" para chegar
a conhecer, funcionalmente, para que serve o sentido.
Todos sabem, contudo, que no mundo utilitário de nossos
dias é desejável que o discurso teórico da ciência, centralizado.
como se acha no abstrato pressuposto de um fazer saber, seja
o quanto antes possível traduzido nos termos mais concretos
de um discurso tecnológico, que privilegia um saber fazer;
cedendo ao que parece ser uma imposição da moda escolhe-
mos, por isso, um discurso-objeto de dimensões reduzidas -
o soneto Fraga e Sombra, de Carlos Drummond de Andrade
-, para servir de suporte à aplicação prática dos instrumentos
operacionais que, umas vezes, foram forjados pela teoria e

( 1) Publicado em . Significação ~ Revista .Brasileira de Semiótica,


n.• 1, agosto de 1974.

1
que, outras vezes, acabaram por sugerir, indutivamen te, uma
correção à própria teoria.
Mas, seria um grave equívoco supor que se pretenda for-
necer, aqui, um modelo de leitura para o discurso poético;
nada mais afastado das nossas preocupações. De fato, a es-
colha do poema obedeceu a uma série de injunções, algumas
obscuras - por que preferimos, em certos momentos, a poesia,
e a poesia de tal ou qual autor e não de outro, à prosa? -,
outras mais ou menos claras - o caráter "compacto" do .dis-
curso, uma maior familiaridade com esse soneto em particular
-, mas entre elas não se conta, certamente, nenhum desejo
de examinar as características especificamente poéticas do dis-
curso, coisa que acabaria por imprimir outros rumos ao nosso
trabalho. ·''Estamos convencidos de que o discurso poético so-
brepõe, à estruturação da relação extradiscursiva que une o
significante ao significado para organizar os "signos da prosa",
uma típica estruturação dos "signos da poesia", mercê do
engendrame nto de uma relação intrandiscursiva entre o plano
de expressão "anterior" e o plano de expressão "posterior",
para o efeito de criar, no eixo sintagmático do poema, uma
isomorfia interna, responsável pelo surgimento dos elementos
poéticos (rima, aliteração, metro, etc.); a recodificação seg-
mental de elementos como a pausa, o acento, a entonação,
etc., que o código lingüístico já codificou extra-segmental-
mente e que subjaz à métrica, por exemplo, constitui um con-
junto de traços distintivos que estabelecem as estruturas dife-
renciais da "prosa" e da "poesia". Acreditamos que, se, me-
diante o recurso à abstração, neutralizarmos a pertinência de
tais conjuntos diferenciais, então as subclasses do discurso
em prosa e do discurso poético possam ser reduzidas à con-
dição mais elementar de uma única classe que as domina, a
dos discursos, simplesmente, sem adjetivos; e é assim, despo-
jado de suas marcas tipicamente poéticas, mantendo, por isso
mesmo, intocadas as características matriciais comuns a qual-
quer discurso, que o soneto Fraga e Sombra vai nos inte-
ressar aqui.

Tal como qualquer outro ensaio de semântica, este que se


vai ler. parte de certas premissas intuitivas, não necessaria-
mente fundamentadas de modo for~al, mas cuja pertinência,

2
no entanto, é costume justificar nas "Introduções", através da
invocação do seu caráter de postulados epistemológicos. Via
de regra, as teorias semânticas se assentam implicitamente em
um pequeno elenco de postulqdos não provados, entre os quais
os miiis comumente utilizezdos afirmam (a) a sensatez da men-
sagem, (b) o caráter oculto do sentido, e, não obstante isso,
(c) a inteligibilidade dele.
O primeiro postulado, o da
afirma que o discurso tem um sentido.
asserção não é para ser entendida ao pé
o discurso contivesse, realmente, algum sentido iman1mte,
haveria necessidade de nenhuma interpretação.

O segundo postulado, o do "caráter~Qculto @~§jgnifiçgdo",


frisa que o sentido é algo que se procm:_l:l.· Afastada a hipó-
tese de uma falta de sentido no discurso, afirma-se, agora,
em conseqüência, um excesso deles. Assim é que a teoria
semântica de todos os tempos reconheceu como axiomática a
multissignificação do disc'l;!t:§O, objeto de conhecimento aberto
a uma pluralidade deJeituw~, continente, pois, de It~te~Q!.
Tudo se passa como se, assim como a floresta esconde a árvore,
uma pluralidade de sentidos ocultasse um sentido único.
Objetos alegóricos, a floresta e o discurso seriam modos da
manifestação figurativa de um "não saber" que é eminente-
mente perturbador.
O discurso perturba po.!!IY_(J_ ele é do outroJque é, vir-
tualm!3nte, um oponente),~!:le ele é, como o "outro", enig-
mático, Q.Onstituíndo um probl~'i!J,a __Q_.feSQ[Qer:·na.. pãSsati,em
4_q discm:~9~J!.Q te~QQfl~Q~~~-~!!l:zjgcef!!~m~f!t!3,..YI!l-.t:t~'ftJl.f:f.ilt.i.'!la..
que vai do não-saber ao saber. Ora, ser enigmático não quer
dizer ser desprovido de sentidos, mas, pelo contrário, ter sen-
tidos demais - ser conotado -, e escapar, assim, ao meüdõ-
mínio: s6 posso dominar o que conheço; procurar o sentido do
discurso é uma das maneira~ pelas quais as pessoa~ manifestam

3
um envergonhado desejo de dominação. Como diz Humpty
Dumpty a Alice, "a questão não é tanto saber o que é que as
palavras querem dizer, mas, sim, saber quem é que manda".
Supomos que uma teoria semântica que se dedicasse a
observar, atentamente, o que é que as pessoas fazem com as
palavras quando se comunicam com outras pessoas, desembo-
caria, fatalmente, em uma teoria da ideologia, em cujo âmbito
se esclareceria o que é que as pessoas fazem com outras pes-
soas quando se utilizam de palavras. Analisados, um a um,
todos os modos de ·dominação que o homem inventou ao longo
dos séculos para relacionar-se com o seu próximo, nenhum é
mais eficiente do que o da manipulação dos sentidos. Aquele
que manipula os sentidos do discurso transforma-se no árbitro
todo-poderoso da comunidade para a qual define o que venha
a ser valor e antivalor; é ele quem assinala os objetivos a
serem perseguidos pelo grupo, dita as regras de comporta-
mento que hão de dirigir a ação singular dos indivíduos na
tentativa de realização de seus valores, pune e recompensa.
Pois como os mitos de sempre demonstraram, só o que sabe
quer, só o que sabe pode, só o que sabe faz.
Os antigos resolveram expeditamente o problema de saber
a quem atribuir o privilégio da interpretação. Considerando
que o discurso é o1ljfto d:f!~qY:_l!_?~~-ue o produz, atrib'L!ir_qm::no
invariavelmen!!'L!!Q <!~~ti~l!<!9t:,c:lg_m~!!êll~ill· Eles enunciavam,
assim, o axioma do terceiro postulado a que fizemos refe-
rência, o da inteligibilidade do sentido, jegundo o qual se
reconheceria no "autor" do discurso a única "autoridade" (o
autor é o titular da autoridade) para dizer o que é que seu:
discurso significa. A locação da autoria do discurso fazia-se
acompanhar, então, de uma espécie de sublocação de "autoria
do texto", pois que só ao produtor da men8agem era reconhe-
cida a competência necessária para definir, de um lado, o
que seu discurso queria dizer, ou o que ele podia dizer, e,
por outro lado, o que ele, efetivamente, dizia. Diante de
interpretações indesejáveis, feitas por um destinatário, o desti-
nador da mensagem poderia sempre atribuir o subentendido à
malevolente inépcia do ouvinte, qperando, desse modo, a des.-
qualifícação do subentendido para requalificá-lo de mal-enten-
dido. O dado da multissígnificação do discurso estava, então
- e ainda está, para aqueles que níSS()acreditam -:, a ser-·

4
viço de um privilégio da significação que é a camuflagem
· do privilégio do mando de uma auctoritas única e indiscutível.
Um dos maiores serviços prestados pela Lingüística à ciên-
cia moderna foi, certamente, o de ter contribuído tão podero-
samente para modificar essa situação, ao insistir no fato de
que a semântica deve se preocupar com o sentido do discurso
tal como ele se deixa decodificar no interior do código que
serviu para a sua codificação. O desenvolvimento do conceitó .
de função metalingüística permitiu compreender o sentido
como uma propriedade do código, não de uma pessoa, e po&-
sibilitou, em conseqüência, na medida em que os· códigos são
bens coletivos, possuídos, igualmente, pelo destinador e pelo
destinatário da mensagem, dlinunciar o monopólio do sentido
que era exercido pelo sujeito da enunciação. Sabe-se, hoje,
que se um diséurso admite n sentidos, eles podem ser redu-
zidos, todos, em um nível superior, a um meta-sentido que os
reabsorva conjuntamente, estando eles, portanto, hierarqui-
zados por relações de dominação intradiscursiva.
A atual recolocação do velho tema da plurissignificação
representa, sem dúvida, um ganho; o "sentido ideológico", en-
quanto instância definitiva do processo de significação, é enca-
rado, agora, como um nível heterodiscursivo, cujo estatuto é
semiológico e cuja declaração deixou de ser uma variável de-
pendente do intérprete para ser, enquanto propriedade dos
códigos sociais, uma variáver dependente do interpretante;
Pois afirmar que o discurso tem uma pluralidade de textos
equivale a invocar uma teoria no interior da qual esteja pos-
tulada a possibilidade inversa, segundo a qual o discurso con-
tenha, como conjunto-universo X, uma pluralidade de dis:r-
cursos (os subconjuntos de X: X 1, X 2 •• • Xn), cada um dos quais
dará origem a um texto. Isto importa em dizer que a unidade
semântica tem um plano de expressão que assume, a nível da
leitura, dimensões muito variáveis, que vão do zero (nenhum
significante, caso do morfema zero da gramática) à totalidade .
dos elementos de expressão encerrados na mensagem - caso
em que o discurso todo é normalizado para o efeito de pro-
duzir uma única ísotopia -. Daí que ao mesmo plano de
expressão correspondam não só vários significados, mas, tam-
bém, vários significantes, cada um dos quais se extrai a partir
de uma diferente partição da cadeia contínua do plano de.

5
expressão. É a partir dessa multiarticulação de vários signi-
ficantes sobrepostos no mesmo plano de expressão com vários
significados que se pode explicar o caso, particularmente exem-
plar, do anagramatismo; assim, o verso "no mar maravilhoso,
amargo" (Cruz e Souza) contém um único plano de expressão
jno'marmaravi' À,oza'marguj que se deixa segmentar em vários
significantes /mar/ "mar" (repetido três vezes, em mar, mara-
vilhoso, amargo) e jamarj"amar" (sobreposto a amargo) que,
como morfemas descontínuos incrustados no continuum linear
do verso, dão origem a um discurso figurativo em que os signos
mar e amar dão ensejo à leitura simultânea de duas isotopias
e autorizam, portanto, a convivência, em um discurso X, de
dois "subdiscursos", X1 e X2, cada um dos quais se corresponde
com um texto (X 1 = o texto refere-se à isotopia do "mar"; X 2
- o texto refere-se à isotopia do "amar"),
É isso que nos autoriza a definir o _discurso como o~o
gas semios§L virtuais. Numa . pri~ira colomçiio (a ser,· em
seguida, matizada), o discurso aparece como O~!f!§'!tl!!!E.Q.c!o
fazer do destinador. Em conseqüência, por ~ entendere-
mos o espaço da semiose realizada. À nrimeiraiiill.aLJ.ambém,
o te.~!PJ!:?:eCf!!.. ~comq_.!Lresulfado.f1Qjg,_w...JJJL~~tin&Jário.,... ao
ref{lzerL."!:f!:_]ei~ura, __C:LLa.Z:E.r..tJ-o ~.rJestinador. Por cl;u:a, enfim,
enten<Ieremos o espaço -ºl!.~mçi~:qªL.Yll~~!!!f.i~ªçªQ~.Ql.l_seia,
a~l2I>.ia da tra~sformação_<:lit1> ~('lmioses~y!!!!!ªJª··º'º cH~çmso
nas semioses realizadas d~..JJ.m_textoie, depois, em outro texto,
e assim sucessivamente, num processo de ressemiologizaçãO
sempre renovado). A Óbra é, destartg, um nroduto _§_oci_qJ...JL
da colabora ão elli!f!.gfuer di§_cursivq_ifO:.i!?§Linqdor
e tinatário ..QQ'!!lQC!Jldó, ambPS,.Q.a.utor
da .Qh!:!!_ como eS§!!_ "sujf!.ito p_lur.fl:J':....93:1:!!_~_"!a expr~~são_!J!!..J::.:.
Goldmann, o autor de quaJt:J!!:..€.!.!1-.X.âo_~SE.C:i{l.f:-
A obra encerra uma escritura que a manifesta como algo
sensível no modo significante e uma leitura que a manifesta
como algo inteligível (mas não sensível), no modo significado.
Ela se organiza pela escolha de elementos combináveis que,
no interior de um código de significantes, têm a função de .
denominar sentidos que se localizam em outro código (o có-
digo dos significados); mas uma obra s6 está a:ca]Jada lill.ª.T!do
~·lida, quer dizer, quando é reoj_ganizqdfLmJJJiiante.JL..e~.alha

6
~ elementos que,. no. interior de '!l!!'!.~~2._c!!K~~.<!~-~!~!f.i..c~c!()s,
têQLAÍ:\!!1-Q~~~Ui~fJ!ÜL~.Q~ . !).Ql!I,~S.. ~9.1:!~ . . . ~E:l......E:lJ:lC.Q!l.~!al!li]<? .....C.Ó·
digQ de significante!?.· Um elemento ideológico, a relação, que
é o produto das convenções de uma comunidade, tem a fun-
ção de correlacionar esses dois códigos de modo a estabelecer
uma dupla implicação entre um elemento significante e um
elemento significado. 1t a relação, portanto (um elemento ideo-
lógico), que engendra a semiose intrassígnica, possibilitando.
ao significante denominar um sentido, e ao significado definir
uma denominação.
Um mesmo ator figurativo é o operador da semiose, em
um nível paradigmátíco. Esse· ator aparece, no domínio noo-
]ógico interoceptivo - na mente dos falantes de uma língua
~ sob o aspecto da competência, assumindo, no domínio cos-
mológica exteroceptivo, o aspecto de um dicionário da língua
(mais uma gramática). A competência dos falantes pode ser
vista, então, como uma espécie de dicionário (gramática) me-
morizado.
No ato da escritura, a competência funciona como um
dicionário de palavras cruzadas, traduzindo conjuntos de signi-
ficados em conjuntos de significantes; no ato da leitura, porém,
a competência executa a operação inversa, convertendo signifi-
cantes em significados. Uma obra manifesta-se, assim, sob o
seu aspecto significante, como um discurso que, ao se explici-
tar, implicita, ao mesmo tempo, o signific;ado para os virtuais
textos que dela se possam extrair.
Entre um discurso e o texto que lhe corresponde (co-res-
ponde), instala-se um jogo dialógico· de perguntas e respostas.
Sendo da ordem da competência, o discurso propõe perguntas
acerca dos sentidos dos nomes que fornece: ele é, mais, um
querer dizer, um poder dizer, um saber dizer, em busca de
um dizer, a solução que só lhe pode ser atribuída por um texto.
Este é da ordem da performance, um dizer: o texto d'
que l:l discurso guer dizer e._ª§sim_ fa~~!!do~s~qmJ215ltaa

f!_ma obrq!!,!JCerra ~Y!!l atQ_de gQm.'Mnic.~Jl.QjVj§rior_J!,Q____ _


q~al . SfLYm~§.x.to ~di;;_ __Q_g_y~_Q_._di§Q.ul~.Q. . X ..~.JJMis_J;]_i1&z._.e.s.stt
mesmo dis~JL1Lt~m..J'l.11Limc.ª~1LPf2Ss:ibiliila.df_ .de..s:.ontir:ma:r_._ ..
o_u de infirmm:.._r?tr.osp~tit;;qme_nte., __C!int?rpretªç@ que dele_
forneceu o texto. De um lado, o texto responde às indagações

7
de um discurso, propiciando a passagem de um não-saber a
um saber; de outro lado, esse: discurso (co-)responde à inter::
pretação do texto, reabsorvendo-a como um saber ou rejei-
tando-a como um não-saber, um parecer saber, etc.; assim,
entre as qualificações que compõem a competência conatural
ao discurso está a de poder dizer (outro sentido).
Qs mecanismos pelos quais a, discurso controla a vere-
dicção do ,sentido que lhe foi atribuído por um texto, acei-
tando-a ou não, demonstra duas coisas:
(a) que o teste da verdade de um sentido deve ser praticado
através de um retorno da interpretação ao discurso que
ela pretenda interpretar, ou seja, a veredicção é da ordem
intradiscursiva, não extradiscursiva;
(b) que se o texto se pensa prospectivamente, a partir de um
macrodiscurso X, os microdiscursos X1, X2 ... Xm con-
tidos em X, se pensam retrospectivamente, a partir dos
textos Xl, x2 . .. Xn, que os .discursos xl, x2 ... Xm estão en~
carregados de referendar.

Assim, a obra SU!.K~.~()Ofr!Q.Q" .~~as.Q~d~ ~11PQ1!~ de. uma


prática significante {lm _Ç!ljQ..•ªml>.itQ.ªlgº~.Pro.d~dQ...ÚL texto)
ll m:od]ltor dan.Yilo I@smo_9,!!!UL.Jl!'.QQ.!1~iR.!o~<:lis.cq.rs.o). À
luz dessa dialética é que se esclarece toda l!.i!tw.2!tância do,_
projeção da mensage m sobr~..JLJ11ensage~gy,t?._ç;Qf!ª"tit114.... no_
pqrecer de .Jakof2~on, JJ.Í.'lfJ1Ção .12QJ1icrb ..JLQJMLconsti:t:ui ....no
nosso modo de ver, o intemretante.dl::Lcontexto.
Se em um primeiro movimen to metalingüístico a inter-
pretação baseada no interpretante do código lê o sentido do
discurso projetando-o contra o c6digo que o transcende e des-
cobre, assim, um sentido de X 1 que constitui o texto x , em
1
um segundo movimen to o interpretante do contexto lê o sen-
tido do discurso projetando-o contra esse mesmo discurso -
promove ndo o seu contexto ao status de código intradiscursivo
-; de modo que o texto xv anteriormente produzido, se
transforma de plano do conteúdo do discurso xl em plano de
expressão do texto x2 • E,· assim, se no primeiro movimen to,
o sentido que originava o texto x1 era. descoberto ·no código,
no segundo movimen to interpretativo que o devolve ao dis-
curso ~2, ele ·é instaurado, mai$ que descoberto.

8
Essa propriedade da reinserção de um discurso já-inter-
pretado no interior de outro discurso a interpretar está inti-
mamente relacionada com o problema da leitura interdíscur-
siva (ou intertextual), proporcionada pelo interpretante ideo-
lógico. Pois se a leitura principia com um primeiro discurso
que parece ser um texto, e culmina na produção de um texto
que, ao se declarar, parece ser um segundo discurso, isso se
deve ao fato de que o texto que parece ser outro discurso é, .
na realidade, o discurso do "outro", da sociedade que instaurou
o dicionário em que se codifica todo o saber de uma língua,
quer como um repertório dos "sentidos lingüísticos" dos nomes
utilizados pelo grupo, quer como um repertório ideológico que
fixa o "sentido pragmático" dos sentidos lingüísticos de uma
língua: desde o momento em que falo e não invento as pa-
lavras que falo, repito as palavras do outro.
Nem é por outra razão que o texto produzido por atores
individuais aparece como a projeção do fazer da coletividade,
em cujo seio cada discurso individual se deixa decodificar
tanto nos seus· valores lingüfsticos quanto nos seus valores
pragmáticos. Assim, se do ponto de vista lingüístico, o dis-
curso é um objeto semiótico utilizado para dizer alguma coisa,
do ponto de vista pragmático ele é um objeto prático utili-
zado para fazer alguma coisa. Criar um antagonismo ou uma
solidariedade entre os comunicantes (função fática), criar uma
suposta situação de comunicação (história) no interior de uma
verdadeira (discurso), ou vice-versa, mais do que modos de
falar são modos de agir, de uma pessoa agir sobre outra pes-
soa, ou, mais profundamente, de o grupo agir sobre os indi-
víduos que o compõem.
O fato de que duas pessoas só se comuniquem - só se
tornem "semelhantes" - no interior da mesma língua, põe à
mostra o jogo de espelhos em que se arma a situação comu-
nicativa, dentro da qual uma ideologia coisifica os comuni-
cantes, instrumentalizando-os para poder exprimir-se através
deles, mediante a língua. comum que mais os usa do que é
usada. Pois fora das regras de uma língua, que são a tra-
dução, a nível semiótico, das regras do comportamento prag-
mático do indivíduo no grupo, só se pode comunicar a radical
incomunicabilidade do ser humano; fora da ideologia que me
prende nas malhas da rede de sentidos que é o universo ima-

9
ginário do meÚ grupo, o meu "eu" toma-se o espaço vazio de
um não-sentido que, por ser absoluto, é nadificante.
Por isso, o interpretante, qualquer que ele possa ser, des-
cobre-se como o operador de uma ideologia que jamais se
põe a nu porque se tento isolá-la, mediante uma interpre~
tação, do discurso conotado em que ela se mascara, e a denoto
como um texto, para declará-la, esse texto terá de converter-se
em um outro discurso - e o discurso é, enquanto entidade
conotada, o abrigo por excelência da ideologia -.
Essa observação obriga-nos a questionar a propriedade da
nomenclatura que aqui utilizamos para denominar os três tipos
de ínterpretantes. Se todos são ideológicos, por que utilizar a
denominação de interpretante ideológico para designar um
único tipo de ínterpretantes? Ocorre que todos os discursos,
desde o momento em que se plasmam como um objeto cul-
tural do presente, devem pagar inevitavelmente um tributo
aos objetos culturais do passado, já que eles o modelizaram
e fizeram dele aquilo que ele é (ou parece ser) e não outra
coisa. Mesmo no caso dos discursos científicos que, alçados
na aparente neutralidade de um metanível descritivo, possam
pretender estar dotados da propriedade de "zerar" a ideologia,
essa impregnação ideológica é inarredável. No presente livro,
esse tributo transparece na adoção de uma nomenclatura e de
premissas doutrinárias que o inserem no contexto dos discursos
passados da ciência semântica, confessando a adesão implícita
ou explícita do autor (só a discordância é argumentativa) a
um conjunto de discursos prestigiosos que conformam, por
ll$SÍm dizer, o macrotexto em cujo âmbito se há de definir
o "sentido histórico" do discurso presente.
último referente de qualquer interpretação, a explicita-
ção de uma ideologia importa na construção de outra ideo-
logia. No fundo, a sua explicitação é tabu porque ela implica
a denúncia da função modelizante dos discursos da tribo que,
sob aquilo mesmo que os manifesta (o significante), ocultam
o que significa isso que os manifesta (o sentido). 1!: sintomá-
tico que, na plássica representação diagramática do signo sob
a forma arquetípica de um (mítico) espaço fechado, o signi-
ficado se encontre separado do significante por uma barra.
À semelhança de Lacan, poderíamos nos perguntar o que é
que esconde essa fronteira infranqueável que aliena o sentido

10
daquilo mesmo que deveria exprimi-lo, mas que o reprime.
Pois, para ser comunicado, um plano de conteúdo deve sub·
meter-se às distorções que lhe impõe a instância de censura
dessa barra que, como os conteúdos que o inconsciente pro-
jeta no sonho, o obriga a disfarçar-se nos símbolos que dis-
simulam aquilo que ele realmente é: para poder ser comuni-
cado, um texto deve outrar-se em um discurso; para poder ser
comunicado, um plano de conteúdo deve transformar-se na-
quilo que ele não é, um plano de expressão. Assim, ·é lite-
ralmente "inconfessável" o verdadeiro sentido que repousa na
inefabilidade de algo que não se pode dizer (afinal, qualquer
que possa ser a interpretação através da qual possamos denotar
um significado para um significante, essa interpretação pode
ser, outra vez, interpretada).
Sabemos que só uma pragmática poderia organizar uma
"semântica do que não se diz", mas ainda estamos longe de
poder enunciar as premissas a cujo cargo ficará a construção
das bases teóricas dessa disciplina. No entanto, os poucos
elementos de que dispomos, atualmente, indicam que, no nível
pragmático dos subentendidos, o não-dizer possui, às vezes,
mais sentido do que o dizer. Os que avaliarem atentamente
este estudo, pelo que ele diz como projeto semiótico, estão
convidados, por isso, a tentai compreender o que ele não
lançando-se na aventura temerária de ultrapassar os limites
formais para além dos quais a semântica deixa de ser
ciência do sentido para ser, mais amplamente, uma ciênciâ
antropológica - literalmente, uma ciência do. homem.

11
PRIMEIRA PARTE

O QUADRADO SEMlúTICO COMO


ESPAÇO TúPICO DA LEITURA

O discurso proposto à análise é o do seguinte soneto de


Carlos Drummond de Andrade:

Fraga e Sombra

( 1) A sombra azul da tarde nos confrange.


(2) Baixa, severa, a luz crepuscular.
( 3) Um sino toca, e não saber quem tange
( 4) :E: como se este som nascesse do ar.
(5) Música breve, noite longa. O alfanje
( 6) Que sono e sonho ceifa devagar
( 7) Mal se desenha, fino, ante a falange
( 8) Das nuvens esquecidas de passar.
( 9) Os dois apenas, entre céu e terra,
( 10) Sentimos o espetáculo do mundo,
( 11) Feito de mar ausente e abstrata serra.
( 12) E calcamos em nós, sob o profundo
( 13} Instinto de existir, outra mais pura
( 14) Vontade de anular a criatura.

A nossa primeira tarefa consistirá em normalizar o dis-


curso alheio a fim de transformá-lo em "nosso discurso",
corpus. A normalização procederá à explicitação de elementos

13
implícitos e rejeitará os elementos pertencen tes quer à ins-
tância subjetiva da enunciaçã o - os atualizado res das marcas
pessoais do destinador e do destinatári o -, quer aos níveis
de descrição considerados ad hoc como não pertinente s pelo
descritor.
Isso feito, projetarem os contra o plano de expressão dis-
cursivo a estrutura elementar s 1 vs s2 • Ela funcionará , aí, ini-
cialmente, como o demarcad or das unidades sintagmáti cas
comparáve is, possibilitando a partição da cadeia em segmentos
que são discretos, do ponto de vista linear, e que são, ao
mesmo tempo, hierarquic amente ordenados , do ponto de vista
paradigmá tico. Trataremo s de reproduzir , nesse particular, o
procedime nto taxionômico já utilizado por Lévi-Strauss na sua
famosa leitura do mito de Édipo.
É evidente, a esta altura, que contrariam ente ao que pos-
tulava Zellig Harris, o estabeleci mento de unidades discretas
do discurso não pode ser regido unicament e pelo princípio
dos contrastes distribucionais no plano da expressão. Qual-
quer distinção baseada no mecanismo elementar s1 vs s inclui,
2
inevitavelm ente, quando projetamo s essa relação sobre um dis-
curso já feito, um dos investimentos semântico s que esse dis-
curso efetuou sobre a pura forma lógica dessa relação, satu-
rando-a inteligivelmente. Em outras palavras, a estrutura ele-
mentar s1 vs S2 utiliza-se como forma articulado ra da subs-
tância semântica de um microuniverso de significação, já
que é precisame nte por serem isótopos um de outro, que os
termos da estrutura elementar encerram, como demarcado res,
todo um universo de sentido: quer se diga macho (s 1), quer
se diga fêmea (s 2 ), reitera-se, sempre, o mesmo universo se-
mântico situado na isotopia da sexualidade (S), visto que s
1
e s2 , assim como seus homólogos subalterno s s1 , não-mach o,
e 52 , não-fêmea, só adquirem um significado quando os pro-
jetamos no interior do eixo semântico S, sexualidade. Desse
modo, o quadrado semiótico de Greimas e Rastier equivale a
um espaço tópico em que:
(a) OS eiXOS horizontais (s 1 VS S2 ; S1 VS S2 ) articulam-se em dois
lugares isotópicos, um positivo, outro negativo, funcionan -
do cada um deles, horizontal mente, como o pólo com-
plementar do outro; acima encontram -se os compleme ntos
positivos, abaixo os compleme ntos negativos;
(h) os eixos oblíquos (s 1 vs s1 ; s2 vs s2) articulam-se como
dois lugares neg-isotópicos (são pólos contraditórios); a
isotopia afirmada pelos pólos positivos é "zerada" pelo
pólo contraditório;
(c) os eixos verticais ou dêixis (s2 - sl; sl - s2) articulam-se
como dois lugares heterotópicos (são pólos implicados, de
modo que os termos negativos podem ser lidos como a ·
tradução eufemística dos positivos implicados).

O inventário dos traços sêmicos redundantes fixará, clas-


sematicamente, uma única isotopia, o que nos permitirá ler a
. instância lexemática conotada como um texto denotado; dando
conta das relações antonímicas existent~s no contexto entre,
por exemplo, s1 e S2 , qualquer pólo da relação determinará
hiponimicamente, pelo mecanismo lógico das pressuposições,
o. eixo semântico que domina e rotula esse universo de sentido:
s, (ou s.) s
Topias con- Eixo se-
plementares mântico
determinantes determi-
nado

A hipótese de que partimos, aqui, afirma que o mesmo


método poderá ser utilizado na descrição de qualquer moda-
lidade de discurso, não sendo pertinentes, nessa fase do tra-
balho, as subespecificações modélicas ou etnocêntricas que
organizam as tipologias dos objetos culturais, enquadrando
um discurso de determinadas características nas espécies tra-
dicionalmente denominadas "prosa" e "poesia".
Afirmando o seu caráter "reducionista", este estudo con-
duzirá ao "rec()nhecimento das estruturas narrativas subja-
centes aos discursos, organizando-os mediante uma regula-
mentação sintagmática que comporta transformações previ-
síveis e formalizáveis". ll

( 2) GREIMAS,A. ]. ( org.) Ensaios de Semiótica Poética, São Paulo,


Cultrix - USP, 1976, 15.

15
A ORGANIZAÇÃO DO "CoRPUS"

A análise de um primeiro fragmento do corpus possibili-


tará a demarcação dos segmentos sintagmáticos que ali conw
trastam horizontalmente como s1 I s2 • Cada um desses seg-
mentos sintagmáticos contrastantes será tomado, em seguida,
como a base de uma coluna que se lerá verticalmente, como
um paradigma que inclui, apenas, os segmentos possuidores
da mesma marca da base. Assim, uma das colunas incluirá
elementos dotados da marca s1, mas não da s2 , ao passo que
a coluna seguinte incluirá elementos dotados da marca s2,
mas não da S1, e assim por diante.
O primeiro verso
"A sombra azul da tarde nos confrange"

fornecerá o ponto de partida. Trata-se de um enunciado fun,.


cional que confronta dois atores, 8 a 1 e a 2
A sombra a:r.ul da tarde vs

relacionados por um fazer ("confranger"), cujo destinador é a 1 •


Conformemente a essa análise, uma vez realizada a neces-
sária normalização, os versos da primeira estrofe se disporiam
assim

( 3) Ator: lugar lexemáti2o através do qual se atualiza um actante


no nível da manifestação discursiva. O ator é a topia sobre a qual co-
-incidem as predicações estáticas (ou qualificações) e dinâmicas (ou fun-
ções) do discurso. Os enunciados que contêm qualificações são constitu-
tivos da competência dos atores para um determinado fazer; assim, os
enunciados qualificacionais dizem respeito ao querer, ao saber, ao poder.
Os enunciados que contêm funções são constitutivos da performance dos
atores: eles são enunciados do fazer.

16
( 1) a sombra da tarde confrange nos
(2) a luz do crepúsculo baixa.
(3) um sino toca
(3) nós não saber
(3) quem4
(3) tange é como se
(4) este som do ar nascesse
I n HI IV v
L........v---l L--..r---J '----v-----i
Atores Não-Humanos Funções Atores Qualific. Relator de
Humanos Ats. Hums. Comparabilid.

Empregando a técnica de redução preconizada por


Hjelmslev, podemos reduzir o conjunto dos atores do mesmo
paradigma (cada uma das colunas) à condição unitária de
membros da mesma classe actancial. Os diferentes atores hu-
manos e não-humanos são atualizações discursivas variáveis
de duas classes actanciais subjacentes e invariantes: os atores
não-humanos da primeira coluna são diferentes manipulações
lexemáticas de uma classe, a do Actante Não-Humano, que se
opõe como s1 à classe do Actante Humano, s2, manifestada
por diferentes lexemas actoriais na segunda coluna. Represen-
tando conjuntamente actantes (com letras maiúsculas), e atores:
sombra da tarde, luz do crepúsculo, sino, som, ar;
A, noite, música, alfanje, nuvens;
{ céu, terra, mundo, mar, serra;
vs
nos, nós, quem;
{ nós ( = os dois. . . sentimos);

O actante A1 é representado por atores cosmológicos, do


espaço exteroceptivo, que aludem a rim microuniverso prá-
tico, ao passo que A2 é representado por atores noológicos,

( 4) Quem integra a categoria actancial dos substantivos gerais, tal


como a entende Tesniere: " ... distinguiremos os substantivos gerais (quem,
pinguém) e os substantivos particulares (cavalo, Alfredo)."· (TESNIERE,
L. (1969) Eléments de Syntaxe Structurale; Paris, Klincksieck, 66.)

17
do espaço interoceptivo, que se inscrevem em um universo
mítico.

Actante
Não-Humano Atores cosmológicos

(a) - tarde, crepúsculo, noite


(b) - nuvens, céu, terra, mar, serra
(c) - som, ar, música

Uma primeira subchtssificação dos atores cosmológicos


poderia introduzir um grau de maior acuidade em nossa aná-
lise; (a), (b), (c), são subdasse s de atores agrupados de acordo
com um mesmo marcado r semântico (classema) que está na
sua base:
os atores agrupados em (a) possuem o classema /temporalidade/;
os atores agrupados em (b) possuem o dassema /espadalid ade/;
os atores agrupados em (c) possuem o dassema I dinamicidade/.

O poema fornece uma visão do universo prático dentro


das coordenadas de um ser (actante A1) situado em um tempo
(a), um espaço (b), e um movimento (c).
Tais coordenadas se convertem umas em outras. Assim,
o tempo é visualizado espacialmente pelos qualificadores
sombras (da tarde) que se opõe a luz (do crepúsculo) e, dina-
micamente, pelo alongamento (da noite) que se ao encur·
tamento (da música) (cf. v. 5: "Música breve, longa ... ").
Como se percebe pela expansividade sombras e luz,
não se trata de um tempo estático, um estado, mas, sim, de
um tempo em movimento, isto é, da transformação de um
estado em outro estado posterior do Essa
dinâmica é, de resto, explicitamente indicada pelo grupo de
atores que reunimos sob o índice (c), som, ar, música, afetados
dassema /dinamic idade/.
ltfLta··se. pois, de um tempo de mudança cósmica.
Antes de abandonar, por instantes, os atores do grupo
(c), assinalemos que eles são redundantes em relação à expan~
sividade sombras vs luz, por exemplo. Essas redundâncias
que pertencem, parcialmente, à esfera das decisões do codifi-

18
cador e, também, parcialmente, às injunções determinadas pelo
mecanismo das interações semântico-contextuais, localizam o
microuniverso de sentido da obra.

A LocALIZAÇÃo DE IsoTOPIAs NA DIMENSÃO AcTANC!AL


NÃo-HuMANA

São essas redundâncias que, como traços semânticos repe-


tidos, organizam as várias isotopias actanciais:
(a) - situa, através do classema jtemporalidade/, uma iso-
topia temporal prática (ou cosmológica, exteroceptiva);
(b) - situa, através do classerna /espacialidade/, urna iso-
topia espacial prática (ou cosmológica, exteroceptiva);
(c) - através do classerna /dinamismo/, o
rnento entre (a) e (b), tempo e espaço, localizando a
isotopia de um movimento de transformação no cos-
mos prático.

A IsoTOPIA TEMPORAL PRÁTICA E o ARCABOUÇo NARRATIVO

A isotopia temporal está no plano da história


(aquele em que se supõe ocorrerem os acontecimentos rela-
tados), e no plano do discurso (aquele que relata os aconte-
cimentos da história).
no campo de sentido ~a através
um momento presente do discurso se correlaciona com um
momento presente da história (cf. v1 "A sombra azul da tarde
nos confrange"), urna distribuição antes vs u'"]"u'"•
que é constituinte do arcabouço narrativo, já que tal
buição é diretamente correlacionável com um percurso da
significação expresso mediante o processo retórico que constrói
o tropo da gradação crescente, o qual se inicia no tarde e
culmina no v 5 noite, passando pela etapa
crepúsculo, no v2 :
a1 - tarde
~a2 - crepúsculo
a3 - notte

19
O eixo formado por

define o tempo de uma transformação cosmológica (do mundo


exterior): trata-se, aqui, da história de um crepúsculo narra-
da em três etapas de desenvolvimento: de a 1 para a2 e daí
para a 3 •
Essas três etapas da história são relatadas por três etapas
simétricas do discurso: no verso 1 narra-se a etapa a 1, no verso
2 narra-se a etapa a 2 , no verso .5 narra-se a etapa a 3

Plano da História ...


tarde -+
2
r r
a 1 ----~a -----+a

crepúsculo ->
3
noite
Correlacionam-se, aqui, através do movimento (/dinamis-
mo/), de um lado, uma anterioridade discursiva com uma
anterioridade histórica e, de outro lado, uma posterioridade
discursiva com uma posterioridade histórica, o que nos per-
mite construir o seguinte arcabouço narrativo:

Arcabouço Narrativo
Manifestação
antes depois
Pl. Discurso verso 1 verso 5
Pl. Hist6rfa tarde noite

Essas simetrias e homologações nos permitem ler o frag-


mento discursivo compreendido entre os versos 1 e 5 sobre
a isotopia temporal prática como o texto que descreve o mo-
vimento de passagem do tempo cósmico do dia para a noite.

HoMOLOGAÇÃo INTRADISCURSIVA DA LEITURA EFETUADA

Essa oposição entre duas topias polares, tarde I noite é,


por outro lado, reiterada intradiscursivamente na oposição de

20
sombra I luz, onde o primeiro termo é uma sinédoque parti-
cularizante de noite e o segundo é uma sinédoque particulari-
zante de dia. Ou, tal como se comprova no confronto entre
os vv. 1 e 2:

a sombra vs a luz do crepúsculo ( v2 )


3 4

1.• oposição

2.• oposição

Os termos 1 e 3 da 1.a oposição definem o 4. 0 termo (cre-


púsculo) da 2.a oposição como um termo complexo, simulta-
neamente sombra e luz. Por outro lado, se temos em conta
que esses dois termos são sinédoques particularizantes de noite
e dia, a definição intradiscursiva de crepúsculo continua a ser,
ainda assim, dada por um termo complexo [/noite + /dia/].
À transitoriedade do crepúsculo opõe-se a duratividade
da noite, que engloba o primeiro como seu ponto terminal,
o que nos permite extrair a relação entre atores jenglobantes/
vs atores /englobados/, de um lado, e atores /incoativos/ vs
atores /terminativos/, de outro lado:
crepúsculo vs noite
I
/englobado/ /englobante/
/incoatívo/ /terminativo/

HoMOLOGAÇÃo ExTRADISCURSIVA DA LEITURA EFETUADA

Acabamos de ver que a leitura da lexia crepúsculo produz


uma interpretação que se homologa no interior do próprio
discurso em que ela se encontra, o soneto Fraga e Sombra.
Trataremos de ver agora que é possível - e, nesta altura do
trabalho, até mesmo desejável -, efetuar uma homologação
extradiscursiva da mesma interpretação de crepúsculo. como
um termo complexo. ·

21
O Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa
define do seguinte modo o termo que nos interessa:
Crepúsculo = S.m. A luz frouxa que precede o nascer do sol e per-
siste algum tempo depois de ele se pôr. (Fig.) Deca-
dência, ocaso.

Trata-se, em princípio, antes e depois do sinal de identi-


dade (=) por nós colocado, do mesmo sem17ína. À esquerda
de = temos a forma condensada do semema, a sua denomi-
nação; à direita, temos o mesmo semema sob a forma expan-:
dida da sua definição.
As várias coberturas lexemáticas informam, de um lado,
que o mesmo plano de conteúdo pode ser manifestado me-
diante planos de expressão de diferentes dimensões e, de
outro lado, insinuam a hipótese de que possamos estudar,
através da forma expandida com que o semema se define, o
mecanismo pelo qual o seu plano de conteúdo é construído
sintagmaticamente. Entram na construção dessa definição:
(a) um morfossema classemático: S. /substantivo/ (definição
do elemento através do papel semântico-funcional da
classe a que ele pertence: é um classema);
(b) um morfossema diferenciador de (a): m. /masculino/;
(c) um sema actorial: jluzj;
(d) um sema qualifícacional-diferenciador de (c): /frouxa/;
(e) dois semas funcionais-práticos:
(e 1) -/que precede o nascer do sol/;
(e 2 ) -/que persiste algum tempo depois de ele se pôr/.

A relação estabelecida entre estes dois últimos semas (e 1)


e (e 2 ), está montada sobre o eixo de uma dupla oposição:
antes vs depois
I
nascer do vs
I
pôr do sol
sol

Essa dupla oposição fixa a função do ator não-confígu-


rativo luz a partir do seu fazer cósmico-temporal: antes vs
depois, nascer do sol vs pôr do sol possuem em comum .o das-

22
sema /temporalidade/. Se fixarmos a razão proporcional no
mesmo p6lo depois, podemos ler:
depois do nascer do sol = dia;
depois do pôr do sol :::: noite.

Dia e noite constituem, pois, os pontos fundamentais da


oposição e se comportam como termos sêmicos disjuntivos
(s 1 vs s2), em relação aos quais o crepúsculo, que tem algo·
do dia e tem, simultaneamente, algo da noite, constitui o
termo complexo, S (S = s1 + s2):
s
I
crepúsculo

dia noite

Mas observemos que a unidade dia tem uma


em português, já que ela pode ser empregada como
lexía (significando o tempo em que a Terra é pelo
sol), quer como arquilexia (significando, em
que a Terra faz uma rotação em torno do seu isto é, o
complexo [/dia/ + /noite/]. Exatamente
o dicionário crepúsculo como uma
através dos semas (e 1 ) e (e 2 ):
(e 1 ) -/que pre'cede o nascer do solj ::::: crepúsculo meztutino;
(e 2 ) -/que persiste algum tempo
depois de ele se pôr/ ...... _ crepúsculo vespertino;

Isso se dá porque o dicionário fixa o sentido uma


arquilexia, a palavra-tipo, de estatuto paradigmático; é claro
que como lexia, isto é, palavra-ocorrencial (word-token), o
crepúsculo pode aparecer como implicado bem ao dia, à
noite. Isso significa que precisamos estabelecer outros dois
tipos de articulações sêmicas, que se ligam ao que
chamou de complexo positivo e complexo negativo, estancio
ambos os cómplexos caracterizados pelo predomínio de um
ou outro sema no interior da unidade. Os eixos de implicação
do quadrado semiótico construído por Greimas e Rastier po-
deD;l nos auxiliar .a descrever ambas as coisas: 5
dia .noite
(A) - Crepús- ( B) - Crepúsculo
culo matutino vespertino
noite dia

O sema (e 1) situa-se no lado esquerdo do quadrado, equi-


valendo a não-noite, aproximada do dia; o sema (e 2) situa-se
no lado oposto, equivalendo a não-dia, aproximado da noite.
Aqui se esgota a definição prático-funcional do termo com-
plexo crepúsculo (no que diz respeito à notação (Fig.), volta..
remos, oportunamente, ao assunto).

A IsowPrA EsPACIAL

Os atores cosmológicos espac1a1s (b) deixam-se agrupar


facilmente em duas subclasses, dispostas nos pólos extremos
do eixo da verticalidade: ·
b1 -- céu, nuvens
~b2 --serra
b3 - terra, mar
A relação
bt->b2->ba
define o espaço do mundo, concebendo-o tridimensionalmente,
em um espaço aéreo (atores situados em b 1) vs um espaço de
superfície (atores situados em b 3), tendo ·como mediador entre

( 5) Diferentes significantes lexicalizados para o semema (A) de cre-


púsculo matutino são, em português: aurora, alba, dilúi:ulo, alvorecer,
amanhecer, etc.; diferentes significantes lexicalizados, em português, para
exprimir o semema ( B), de crepúsculo vespertino: entardecer, anoitecer,
lusco-fusco, boca da noite, etc. A explicitação do sentido (A) ou (B)
da arquilexia crepúsculo resulta, portanto, da absorção de semas contex-
tuais que compareçam na sua vizinhança sinta~ática.
os dois um espaço complexo (ator situado em b 2 ,
modo, serra ocupa, na dimensão espacial, o mesmo
mediador que vem sendo ocupado por crepúsculo, na duneil·
são temporal.

A IsoMORFIA ExTERIORIDADE : lNTER!ORIDADE .•


TEMPO

Os trabalhos de Lacan su:~:?;eJ:en1, nas várias passagens por


ele dedicadas à fase ~do uma teoria do espaço
poderia ser instruída, com por uma teoria gnoseo-
lógica no que ela revela de elementar no ato
da percepção.
Supomos, de nossa que a percepção possa ser enten-
dida como o momento em que se estabelece uma relação entre
dois funtivos actanciais, o eu (do Sujeito do conhecimento,
abreviadamente, S), e o outro (do Objeto do conhecimen~
to, 0):
s n o
~ ~ ~
eu R o outro

O actante objeto tem um estatuto ambíguo, na instância


de manifestação. Com efeito,
~ o outro objetual pode situar-se no espaço exteroceptivo,
como um ator cosmológico; a interação
s n o cosmológico
define-se como uma relação transitiva. A relação transitiva
é o resultado da colocação em relação de dois actantes
com dois atores autônomos. No enunciado lingüístico a
transitividade 2 atores : 2 actantes aparecerá sob a forma
de uma homologia (a 1 : a 2 : : A1 : A2 ); p9r exemplo:
João ama Maria

al a2

I r
Al A2

I
s o
I 25
A percepção da relação transitiva responde pela intuição
do espaço exterior, tridimensional, situado fora do. sujeito.
Mas,
- o outro objetual pode situar-se no espaço interoceptif(O,
equivalendo a um actante noológico. A interação .
s n O noológico

define-se como uma r~lação reflexi.va, _resultante da cor-


relação de dois actantes (A 1 , eu : A2 , o outro), com um
único ator autônomo. Isso se denuncia, no enunciado lin-
güístico, mediante a dupla actância de um mesmo ator
que ora desempenha o papel de Sujeito, ora o papel de
Objeto. Na frase João ama-se, por exemplo, o elemento
se é um relator anafórico que implicita o mesmo ator
(João) que está explicitado em uma parte anterior do mes-
mo contexto:
João ama - se

r
Al
il
A2

I
s
I
o
Cremos que é no cruzamento dessas duas estruturas
se pode explicitar toda a problemática concernente à fase
autorevelação da personalidade que os psicólogos conhecem
com o nome de fase do espelho.
Um indivíduo descobre a sua identidade quando reco-
nhece que uma relação reflexiva explica-se como a interiori-
zação nele, sujeito, do mesmo mecanismo responsável pela
relação transitiva: o Objeto exterior, em um caso, transforma-
-se em Objeto interior, no outro caso. Assim, o que se passa
no interior do indivíduo - entre o eu e o mim, ou o eu e
o outro dentro de mim, o consciente e o inconsciente. . . -,
reproduz o que se passa no seq exterior, entre o eu e o outro
fora do eu.
Algo semelhante se dá na fase do espelho. Ao mirar um
espelho (objeto) eu (sujeito) não vejo o espelho (objeto cos·

26
mológico), a mim mesmo (sujeito) sob
a forma de uma (parecer) outrada
Ao a do
realiza~o objetivamente como
própria identidade" significa,
mover essa capa aparencial que mE~dt~ia
a qual, ao mesmo tempo em
seu domínio em relação ao outro, toma-os es-
tranhos entre si. O espelho e o autoconhecimento por
isso, fascinantes: porque as entre
o sujeito ~ o objeto do

Esse fascínio do esp1elh:o


dutQ de uma
um sujeito
que é, ambig;uaJneJlte,
o outro sob o dís·tm-ce
do eu, do
eu); mas
desse
da mentira

ser paJ~ecE~). Na imagem


coincidem, assim, uma uma dissimulação, combi-
que funda uma tra1vaca narcisistica. 6

( 6) O mito de Narciso declara que a imagem do eu trapaceia com


o eu; Narciso ama-se, mas, ao ama mais a sua imagem - aquilo
que ele parece ser -, do que a si mesmo - aquilo que ele ser
-, do que a si mesmo - aquilo que ele verdadeiramente é - .
Narciso se inclina à flor das águas (à flor do espelho; à flor cons-
ciência), para tocar-se, o objeto do seu amor (aquilo que ele parece) se
desfaz, porque ele é uma pura imagem, sem nenhuma substancialidade.
Algo semelhante ocorre com a ninfa Eco, que é, no mesmo mito, um
parecer, também. Desse modo, nem Eco (que é uma imagem sonora)
pode realizar o objeto de seu amor (Narciso), nem Narciso pode realizar
o seu (que é uma imagem visual). O mito de Narciso é uma alegoria
do amor e, ao mesmo tempo, uma alegoria. do autoconhecimento.

27
A consciência e o espelho são igualmente temíveis porque
são, um no domínio do espaço exteroceptivo, outro no domínio
do espaço interoceptivo, dois modos de acesso ao autoconhe~
cimento, dois atores, ou se se preferir, duas modalidades Hgu~
rativas do saber. Assim, só perceberei o alcance do preceito
bíblico "amar o próximo (o outro) como a si mesmo" (um
outro-eu), quando eu for capaz de socrá~
tico "conhece-te a ti mesmo", conhecendo, eu

Quer como contemplação no espelho, quer como tomada


de consciência, o ato da reflexão (interior ou exterior) é o
produto da combinatória de relações, uma êxtero-tran-
sitiva, ao modo do parecer, e uma íntero-reflexiva, ao modo
do ser.
Uma estrutura que é êxtero-transitiva ao parecer
sendo íntero-reflexiva ao modo do ser parece ser dimensional
(isto é, da ordem do espaço) quando é, na verdade, nao-tttnler~­
sional (ou seja, da ordem do tempo). A. dialética da exterio-
dímensíonal I interiorídade não-dimensional resolve-se,
desse modo, como uma manifestação ila dialética espaço I
tempo. Em outras palavras: o espaço 'e~ o tempo são cate-
gorias do conhecimento mutuamen te conversíveis:

Ê comum, por isso, que o discurso inclua uma iconici~


dade isomórfica tal que um semema que contenha o class~a
/espaciali dadel seja a tradução, no domínio exteroceptivo, de
um semema contendo o classema ltemporal idade/. Assim, por
exemplo, o poema de Carlos Drummon d de Andrade que co-
meça com o verso "No meio do caminho tinha uma pedra"
pode ser lido sobre duas isotopias simultaneamente. De fato,
há uma reiteração do classema jespaciali dade/ nesse verso:

28
"No meio do caminho tinha uma pedra"
~ ~ ~
/espada-/ / espaciali-/ I espaciali-/
!idade/ dade/ dade/

mas se continuarmos a ler o poema, na se~


gunda estrofe, com uma reiteração do /temporali-
dade/:
"Nunca me esquecerei desse acontecimento
~ ~
/temporalidade/ /temporalidade/ /temporalidade/

Na vida de minhas retinas tão fatigadas"


~ ~
/ temporalidade/ /temporalidade/

Desse coexistem no poema duas isotopias que dão


a dois textos: um fala do espaço, outro
Mas é claro do
são maneiras variá veis
esse o valor semântico
IDICia o poema em causa, ecoando,
Divina Comédia de Dante. Isso
minha é um plano de ex]Jre,ss~io
que podem ser
/temporalidade/:

Plano de Expressão: caminho

Relação R R
I I
Plano de Conte_údo: /espadalidade/ /temporalidade/

A oposição hetero-categorial /espaço/ - /tempo/ pode


ser resolvida, portanto, a nível mais alto, como /espaciali-
dade/, termo comum para ambas, desde que mantenhamos
a distinção, a nível mais baixo, assinalando-a os
marcadores semânticos jexteroceptiva/ (= espaço), /intero-
ceptiva/ (= tempo):

29
Espacialidade

/ exteroceptiva/ vs /ínteroceptíva/
( = espaço) (= tempo)
claro que a solução inversa seria, igualmente, possível:
É
nos impede de considerar como cover-word a/tempora-
lidade/, subespecificando-a, a nível mais baixo, na oposição
homocategorial jexteroceptiva/ espaço), /interoceptiva/
(= tempo).
De não vem ao caso dí~;cutir,
calteg:ori.a primordial ou a forma on:gma!
çao humana. É possível, mesmo, que tal indagação não
absolutamente nenhum sentido se o espaço e o
como pensamos, diferentes modalidades de
uma relação invariante, formalizável, tecnicamente,
aspecto da estrutura elementar do conhecimento:

Sujeito

Objeto Cosmológico Objeto Noológico


I I
/Espacialidade/ /Temporalidade/

T ransversalidade Não-Trans- Presenti- Não-Presentidade


versalid. dade

Horizontalidade Verticalidade Preteridade Futuridade


O EsPAÇO E o TEMPO CosMOLÓGicos.
O EsPAÇo E o TEMPO NooLÓGicos.

No poema Fraga e Sombra espaço e tempo mantém entre


si uma relação de conversão. Assim é que o actante humano
situa-se em um espaço e em um tempo cosmológicos:
- há um espaço cosmológico que é tridimensional:
- horizontalidade : terra (e também mar);
- verticalidade : céu (e também nuvens);
- transversalidade serra (complexo de [/terra/ +
/céu/]);

30
há um tempo cosmológico, também "tridimensional":
- preteridade : dia (indiciado por tarde);
- futuridade : noite; ·
- presentidade: crepúsculo complexo de [jdia/ +
[noite/]).
Nesse espaço-tempo cosmológico situa-se a dimensão. cos-
mológica do actante humano, numa relação transitiva:

s n O cosmológico

Espaço Tempo
I exteroceptivo / I exteroceptivoI
! !
(d. v. 9, entre o céu e (cf. vv. 1-5, entre o día
e a terra) e a noite)
Mas o actante humano existe, na realidade, em dois
tempos:
(a) o tempo cosmológico, cujos se dentro
das 24 horas de um dia através dos pólos opostos do
dia e da noite;
(b) o tempo noológico, cujos limites se demarcam
tempo de uma existência, através dos extremos vida e
morte.

Em conseqüência, desde que se aceite a pr.oprie:da.de


convertibilidade entre fenômenos da ordem
fenômenos da ordem interoceptiva, podemos postular duas
isomorfias, as quais transcrevemos, provisoriamente (este ponto
será retomado logo mais), do seguinte modo:
l.a isomorfia: dia noite

Témpo.Cosmológico :::::: Tempo Noológico

2." isomorfia: vida morte

31
A 2.~ isomorfia supõe que a vida ( cf. v. 13 "instinto de
existir") situa-se no pólo superior de um eixo vertical imagi-
nário (noológico), situando-se a morte (cf. v. 14 "vontade de
anular a criatura"), no pólo inferior desse mesmo eixo. Assim,
a primeira estrofe descreve, na isotopia do espaço exterocep-
tivo, o movimento, executado sobre o eixo da da
passagem de um espaço superior a um espaço do
céu à terra: é este o primeiro sentido da função "baixar"'
(v. 2).
Já a última estrofe descreve, na isotopia do espaço inte-
roceptivo, o movimento homólogo a esse, executado sobre o
eixo de uma verticalidade imaginária, um "espaço interior", da
passagem de um ponto superior a um ponto inferior, ·da vida
à morte: é este o primeiro sentido de "calcar" (v. 12), função
homóloga, na espacialidade interior humana, à função "baixar",
na espacialidade exterior não-humana:
(12) "E calcamo$ em nós, sob o profundo
(13) Instinto de existir, outra mais pura
(14) Vontade de anular a criatura."

Esse entendimento corrobora a afirmativa anterior, se-


gundo a qual a interiorização, no actante humano, qo espaço
exteroceptivo, transforma esse espaço (existencial) E)m tempo
(existencial). Assim se referendam as oposições do espaço
(céu vs terra), do mundo exterior, e a do tempo (vida vs
morte), do mundo interior.

Postulada, uma leitura interdiscursiva, o texto espacial tor-


na-se o significante do texto temporal, de modo que ao plano
de expressão I céu/ corresponderá o plano do conteúdo vida,
e ao plano de expressão /terra/ corresponderá o plano de
conteúdo morte.
A relação entre a instância lexemática do discurso e a
instância semântica subjacente pode ser explicitada na figura
de dois quadrados semióticos relacionados por englobamento.
No quadrado englobante situaríamos os lexemas manifestantes
- os atores figurativos /céu/ : /terra/, /mar/ : /nuvens/;
no quadrado englobado situaríamos, em termos metalingüís-
ticos, os valores semânticos que os decodificam conforme-
mente a um código temporal:

32
sl s2

/céu/ /terra/
' /

' ~ida morte


/
/

I
não
I
não
morte vida
I
I ''
/nu~ens/ '
/mar/
52 sl
Pc1dE:rhtmos, do mesmo modo, comutar os pares
se tomam, no poema, como
tanto no nível da manifestação - onde a
vida : morte ser ilustrada por outras oposições
máticas, /terra/, /luz/ : /sombra/, /dia/
/instinto viver/ : /vontade de
nível subjacente, o dos marcadores
englobado. Desse modo, aqueles pares lexemáticos antit~§tic~os
poderiam assumir, investidos quer no interior
de um universo figurativo individual, quer no interior
universo figurativo social, o valor de plano
quatro elementos primordiais, o fogo, a terra, o ar,

sl s2

/céu/-------/ terra/
' ' I
v

''fogo terr/

I
,ar
,I
agua,
I '
/nuv~ns/ !'mar/

UTILIZAÇÃO DOS lNTERPRETANTES

No ensaio Interpretação do Interpretante que


o código que serviu para a codificação uma mensagem

33
(input), é também o código que serve, inicialmente, para a
sua decodificação, no output. Isolávamos, assim, um interpre-
tante que definimos do seguinte modo:
' (a) um interpretante do código, tem a função de traduzir a
mensagem à luz das informações fornecidas pelo código
de partida que a organizou. Assim, por exemplo, o pri-
meiro elemento segmentável da frase
"I vitelli dei romani sono belli"

- i -, deixa-se descrever como artigo, plural, etc., através


do código italiano, mas será descrito como imperativo de
eo, ivi, itum, ire, etc., se o decodificarmos de acordo com
o código latim.
O código, no entanto, informa demasiado (assim, Katz e
Fodor comprovaram quatro sentidos diferentes para a mesma
entrada léxica bachelor, no dicionário do inglês) e, ao mesmo
tempo, informa muito pouco (a regra gramatical do português
que veta a construção da frase
* Comer sopa
porque o verbo comer só se pode combinar com um comple-
mento que contenha os marcadores [/alimento/ + /sólido/],
não veta, contudo, a construção de frases como
O imposto come todo o meu salário,
Este carro come gasolina,

etc.). Por isso podemos pensar que o sentido de uma unidatde


lingüística tem de definir-se duplamente, no interior das cor-
relações paradigmáticas do código e no interior das combi-
nações sintagmáticas dos contextos em que ela ocorre.
Ocorre que parte das informações de saída (outpu:t) que
o interpretante do código fornece para a decodificação da
frase é reintroduzível na mensagem sob a forma nova infor-
mação computável para uma segunda decodificação, por um
procedimento análogo ao da realimentação (feedback) nos sis-
temas informacionais auto-regulados. Fragmentos da men-
sagem, fornecidos pelo interpretante do código, são promo-
vidos, desta forma, ao estatuto metalingüístico de princípio

84
de equivalência (Jakobson, para o efeito
seqüencialidade frásica. A mensagem terá
pois, num segundo momento, posterior ao momento da deco-
dificação propiciada pelo interpretante do c6digo,
com
(h) um do contexto,
na contigüidade sirJ1ta!~mática,
que ao
de uma certa reclulltdâncila irlfo:rm;;wi,:>mtl.

Essa pode apJres,ent:ar--se,


regular
aliteração, assonância. . . de 1

m{)tnca, ritmo}, ou, no


marcadores semânticos
algo pertencente ,à mensagem retoma à
ser novamente computado in-
saída, sobreposta à inter-
pretante do contexto, com a
à frase "I vitelli
contexto esc~laJreceria
de onze pés, de trocaica

I - vi - te - l1i - dei - ro - ma - ni • so - no - be - lli

possuindo rima interna etc.

Mas a essa

C0IItetld0 é UVJL>u•:u
ele não passa
contextuais.
como se o um sm.taj~m.a S, não
é igual à soma linear dos semas do A mais os semas
do elemento B que o constituem, isso se deve ao fato
contextualizados, tais contraírem
os coerentiza univocamente. Essa
níveis semânticos diferentes, efetua a comJJat:ibilb~aç:ão
lências diferenciais de A e B de tal
tivos possam ser apreendidos sob a forma
-sentido endocentricamente unificado. A participação de um
elemento em um contexto implica no estabelecimento de rela-
ção desse elemento para com os termos da sua vizinhança
na mensagem; em outras palavras, as relações contextuais são
da ordem da anáfora e da catáfora.
No mecanismo relaciona! que instaura esse conjugado bi-
nário que é o sintagma devem ser buscadas as interpretações
dos fenômenos combinatórios que regulam o agenciamento
anacatafórico, tornando possível o aparecimento, ao lado dos
· signos extradiscursivos da língua, de signos intradiscursivos,
específicos para cada contexto discursivo em particular.
Um pequeno exercício, praticado sobre os primeiros ver-
sos do poema Comendadores Jantando, de João Cabral de
Melo Neto, esclarecerá melhor esse ponto:
"Assentados, mais fundo que sentados,
eles sentam sobre as supercadeíras

Se aceitarmos que a leitura programada nos dicionários


fornece o interpretante do código para as unidades léxicas
envolvidas, temos, para a unidade assentados:
(a) interpretante do código: ( cf. Peq. Dic. Bras. d(l Lg. Port.):
Assentado = Sentado; firme; resolvido, etc.

Já o interpretante do contexto afirma que "assentados19 é,


nessa estrofe, algo diferente de "sentados"; na realidade, o
termo assentados traduz-se, aí, explicitamente, no sintagma
metalingüístico que o segue, como igual a sentados· mais o
sema jmais fundo/:
(b) interpretante do contexto: ( cf. contexto estrófico)
Assentados = [/sentados/ + /mais fundo/]

É assim que o interpretante do contexto transforma o


sentido anteriormente produzido pelo interpretante do código.
Observemos, contudo, que os enunciados da língua na-
tural só possuem sentido no interior da Zangue, assim como
esta só possui sentido no interior da estrutura maior da cul-

36
tura que a utiliza para expressar-se: a performance lingüís-
tica, afinal de contas, é uma prática social, um fazer cultural
entre tantos outros igualmente definíveis como "linguagens"
(sistemas semióticos), tendo todos eles em comum o fato
de serem a linguagem de uma ideologia.
Para dar conta desse último universo do discurso - o
das ideologias, contra-ideologias, etc. - podemos pensar em
um interpretante que, à falta de melhor denominação, cha- ·
maremos de ideológico. Teríamos, assim,
(c) um interpretante ideológico, cuj!J. função é a de
dificar a mensagem enquanto prática social, a partir dos
códigos e discursos alheios que formam o complexo dos
sistemas modelizantes através dos quais uma sociedade se
interioriza em cada um dos indivíduos que a integra. Pois
uma visão do mundo assume, para ser declarada, a forma
de um discurso. Assim, um discurso que outro
discurso ou que com outro discurso se autorize, toma esse
segundo discurso como seu interpretante ideológico.

Para exemplificar com os versos de Comendadores I an-


tando, observemos que o poema opõe, de múltiplos modos, um
te.rmo s1 a um termo s2 :

comendadores vs não-comendadores
I
assentados
r
vs sentados
I
super cadeiras
I
vs cadeiras

(sl) vs ( s2)

Por redução, temos os termos que declaram le:!i~enlaticíl·


mente o funtivo s1 dotados, todos, do classema /superioridade/,
ao passo que os lexemas que manifestam s2 possuem em
comum o classema /inferioridade/. Desse modo, dois atores
(comendadores e não-comendadores) são saturáveis ideologica-
mente como os representantes metonímicos das duas classes
de indivíduos que compõem a estrutura das dominações
sociais:

37
Sociedade
I
I
dominadores vs dominados
( comendadores) ( não-comendadores)
I I
(possuem supercad.
eiras. sen- (possuem cadeiras, sentam-
tam-se mais fundo. . . etc.) -se menos fundo. . . etc.)

O nosso problema é, agora, fazer a transposição desse


esboço de teoria dos interpretantes para a prática, na leitura
do verso 2 do poema-suporte, Fraga e Sombra,
"Baixa, severa, a luz crepuscular"

para a finalidade de descrever o semema de baixar, tal como


ele poderia ser decodificado pelo interpretante do código,
pelo ·interpretante do contexto, e pelo interpretante ideoló-
gico.

INTERPRETAÇÃO DE "BAIXAR" PELO lNTERPRETANTE DO CóDIGO.


A FuNÇÃO COMO ExPRESSÃo MÍNIMA DO ARcABouço NARRATIVO.

De acordo com um dicionário da língua portuguesa, a


lexia baixar pode traduzir:
(la) um se'fl!ido espacial, equivalendo a descenso, "movimento
através do qual se passa, no eixo da verticalidade, de um
ponto anterior e superior, A, para um ponto posterior e
inferior, B".
O sentido espacial aparece normalmente atribuído a um
ator material, cf.
"Baixei os olhos, incurioso, lasso"
(C.D.A. - A Máquina do Mundo);
( Ib) um sentido te~poral, equivalendo a atenuação, "movi-
mento através do. qual se passa, no eixo vertical imagi-
nário do tempo, de um ponto anterior e superior, A, a
um ponto posterior e inferior (em intensidade), B".
No sentido temporal, baixar aparece normalmente como
o fazer de um ator imaterial, cf.

38
"enquanto a banda vai baixando, baixando de tom"
(C.D.A. -Poema Patético)

Tendo em vista que representamos sentidos dicionarizados


de baixar, (la) e (lb) são os interpretantes do código que des-
vendam os sememas de partida constituintes da competência
do leitor para qualquer leitura possível dos enunciados em
que ocorra a lexia baixar. ·
Os interpretantes (Ia) e (Ib) mantém, invariante, uma
mesma correlação,
antes : superioridade : : depois : inferioridade
susceptível de ser diagramatizada como segue:
(antes)

..
r
B (depois)

Desse modo, os dois sentidos de baixar, decodificados


pelo interpretante do código, revelam possuir a mesma estru·
tura do arcabouço narrativo; uma função representa, aqui, o
plano de expressão mais condensado da estruturação narra-
tiva:
antes conteúdo invertido ("superior")
depois conteúdo colocado ("inferior"}

Enquanto sememas de partida para a decodificação de


um discurso, os interpretantes do código (Ia) e (Ib) se ins-
crevem na competência dos falantes da língua portuguesa e
integram, por isso, todos os discursos em que a palavra "baixar"
figure, de modo a constituir um sentido não-distintivo entre
um discurso X e um outro Y.
Mas, exatamente porque não são sememas teJ:mí.müs,
e (Ib) se submetem, no interior de todos os discursos, a um
processo de reconfiguração, que é ocasionado pelo fato
passando a integrar uma mensagem, sofrerem múltiplas inter-
ferências dos sememas das demais lexias concorrentes na sua
vizinhança contextual. .

89
INTERPRETAÇÃO DE "BAIXAR" PELO lNTERPRETANTE 00 CONTEXTO

Recordemos, de passagem, que o contexto dos consti-


tuintes de um discurso é o lugar intradiscursivo complementar
desses constituintes. Dado, por exemplo, um discurso-universo
S = letras de um alfabeto constituído só de vogais e con-
soantes, o complemento do conjunto s1 /vogais/ é o conjunto
s2 /consoantes/.
Isto significa que, isolado o cujo contexto se
quer determinar, é contexto desse elemento todos os demais
que participem da mesma construção que ele integra.
Como o contexto vem a representar um nível de signifi-
cação superior ao nível da significação isolada qualquer
de seus constituintes, já que o sentido do predomina
o de qualquer suas partes, os sentidos (Ia)
e ( Ib) produzidos pelo interpretante do código para "baixar"
serão reinterpretados pelo contexto que possua "baixar" como
um dos seus constituintes.
No caso que nos ocupa, o do discurso Fraga e Sombra,
céu e terra reinterpretam, contextualmente, na mensagem, os
pontos ântero-superior e póstero-inferior, respéctivamente, do
sentido espacial de baixar, fornecido por (Ia):
.. (antes)


'f
terra (depois)

Assim reinterpretado, baixar se revela como (lia) "um mo.


vimento de passagem do céu à terra", situando, na dimensão
exteroceptiva, a função prática do ator luz crepuscular:
F
(prática)
luz crepuscular = céu n terra

Já o dia e a noite reinterpretam, contextualmente, os pon-


tos ântero-superior e póstero-inferior do sentido temporal de
"baixar" fornecido pelo interpretante (Ib) do código. Fazendo
o devido investimento, temos:

40
.. dia (antes)

"
I
noite (depois)

Baixar mostra-se, agora, como (Ilb), "um movimento de


passagem do dia para a noite". Trata-se, na dimensão tem-
poral exteroceptiva, da outra função prática do ator luz cre-
puscular:
F luz crepuscular = dia n noite
(prática)

Falta-nos isolar a interpretação que vai ser produzida pelo


que chamamos de interpretante ideológico.

INTERPRETAÇÃO DE "BAIXAR" PELO INTERPRETANTE IDEOLÓGICO.


A CONSTITUIÇÃO VISUAL DE UM SIGNO IDEOLÓGICO.

O termo contexto alude, no nossa a um


lugar semiótico (lingüístico): ele se refere, sempre, a elementos
que existem no interior de um discurso, a elementos intractis-
cursivos. Já o termo ideologia é empregado, aqui, para
a elementos supostamente extradiscursivos (situados na
"situação" que cerca cada ato lingüístico de comunicação)
mas que, no fundo, só podem influir em um ato de comuni-
cação a partir do momento em que eles são declarados por
outro discurso, Y, diferente discurso X que se cons-
truindo. A ideologia é, portanto, um discurso heterodiscur-
sivo (em relação ao discurso X).
Por causa disso, podemos dizer que no interior do con-
junto-universo S = todos os discursos produzidos por uma
cultura determinada, ao longo da sua história, a "situação"
de um discurso X (no caso, Fraga e Sombra) se na
relação de X, tomado como s1, para com o seu complemento
Y, tomado como representativo de s 2 =
todos os demais dis-
cursos produzidos pela cultura em causa, S: ·

41
s
Discursos da
"Cultura Brasileira"
s

sl 52
Discurso Intitulado O Discurso Y, representativo
Fraga e Sombra de todos os demais discursos ·
da cultura brasileira, S.
Os discursos que se inscrevem em s2 constituem, por assim
dizer, a situação de que s1 participa. Definindo essa situação
a "realidade cultural" em que se inseré s 1 (a realidade é um
discurso sobre a realidade, insistimos), ela vem a equivaler ao
espaço privilegiado da ideologia.
Todos os outros discursos produzidos pela cultura brasi-
leira ao longo da sua história funcionam, pois, como o lugar
extradiscursivo complementar, s2 , em relação a Fraga e Som-
bra, s1 , e servem para definir o sentido ideológico desse soneto
de C. Drummond de Andrade nos quadros da cultura brasi-
leira. O interpretante ideológico encarrega-se de declarar esse
sentido, já indiciado, de resto, nas qualificações do tipo "so-
neto", "pertencente à fase tal do Modernismo", etc., efetuan-
do-o por meio de uma reinterpretação operada sobre as inter-
pretações (Ila) e (Ilb), anteriormente fixadas pelo interpre-
tante do contexto.
Nas páginas anteriores vimos que o interpretante do con-
texto localizava para a lexia baixar os seguintes sentidos, pe-
culiares a Fraga e Sombra:
(lia) um sentido. espacial, "movimento de passagem do céu
para a terra";
(Ilb) um sentido temporal, "movimento de passagem do dia
para a noite".
Ambos dizem respeito a um espaço e a um tempo cosmo-
lógicos, sendo, como são, efeitos de sentido isolados sobre uma
isotopia exteroceptiva. Mas, postulada a propriedade da con~
versão entre elas, o que se lê sobre uma isotopia ex<ter·oceptitla
pode ser lido, igualmente, sobre uma isotopia interoceptiva,
sempre qtJ.e se possa invocar a hipótese de uma isomorfia.
l
42
De fato, nos sistemas semióticos cuja substância de ex-
pressão é de natureza visual, o espaço exterior se
freqüentemente do papel de tornar sensível inteli.gítlel:
uma idéia, algo inteligível e, por isso, domínio int:er<DC4epitivo,
só se pode declarar se receber uma configuração
espaço exteroceptivo.
Assim é que, no que tange à espacialidade, a
da verticalidade encarrega-se de dar uma COJtltigura~;ão
sível à idéia do mundo imanente, habitat do home:m, op<oncjo-
-se, desse modo, à topia superior do mesmo eixo
traduz exteriormente a idéia do mundo transcendental, haJtntc2t
da divindade.
É claro que o investimento semântico que satura a opo-
sição formal espacial
oposição formal: /topia inferior vertical/ vs /topia superior vertical/
R ~ ~
investimento "mundo dos humanos" vs "mundo das divindades"

No caso se expressa
mediante seres humanos e
que há seres habit:am o mundo
homens um mundo transcen-
dental espaço
Tudo isso pode ser de~;crJito, R. Barthes e
PPfínPií:! Cafiizal,
no interior da
ou cosmológico se na pos1çao
sema invariante /espacialidade/, e se
Suporte da forma articulada sema
(no caso, a jverticalidade/); o Suporte /verticalidade/ mr1et1e-
-se, por sua vez, nas duas articulações /topia inferior/ vs

43
jtopia superior/ que ele domina, aparecendo, pois, tais arti-
culações a nível menor, como as Variantes da matriz; tudo
isto, enfim, constitui apenas o plano de expressão (E) extero-
ceptívo de um signo ideológico, quando se relaciona (R) com
um plano de conteúdo (C) ínteroceptívo que é declarado não
por um sistema semiótico visual - como aquele a que per-
tence o plano de expressão -, mas, sim, por um sistema semió-
tico verbal (uma língua natural). É precisamente essa tra-
dução de qualquer sistema semiótico não-verbal operada por
um sistema sígnico verbal que faz das línguas naturais os
sistemas metalingüísticos universais (capazes de decodificar
com adequação qualquer outro sistema sígnico) e lhes atribui
o caráter de sistema modelizante primário:

OBJETO + SUPORTE + VARIANTES = SENTIDO

inferior (terra) · Mundo do Homem


/espada- + /vertica- +
lidade / lidade/ superior (céu) Mundo da Divindade
~----------~----------~~
/e x t e r o c e p t i v o/ /interoceptivo/

p LAN o D E EXp R E ssà o I~~-!c o N T E ú D o


O Signo Visual

Como lembra Pefiuela um sistema semiótico apa-


rece quando se instaura entre um plano de expressão (E)
e um plano de conteúdo (C) o vínculo de uma relação (R)
associativa. O sistema sígnico acima construído possui um
plano de expressão visual.
Mas é claro que um sistema semiótico pode ter, também,
um plano de expressão constituído, no modo do parecer, por
elementos "temporais", desde que tais elementos sejam da
ordem do tempo cosmológico, isto é, estejam afetados pelo
classema jexteroceptividade/ , porque sabemos ( conf. páginas
29-30) que uma temporalidade exteroceptiva é, ao modo do
.ser, apenas um outro modo de manifestação da espacialidade.

44
É assim que podemos falar em um tempo cm;m(Jl61gic1o,
cujos limites se demarcam dentro das vinte e
um dia, entre os pólos extremos da noite e dia, como o
plano de expressão de um tempo noológico ("tempo interior"),
cujos extremos se demarcam no interior de uma existência,
através dos pólos opostos da vida e da morte.
Feitas as devidas adaptações à figura anterior, a matriz
significante dessa outra isomorfia ficaria assim:

OBJETO + SUPORTE + VARIANTES SENTIDO


/preteridade/ (dia) vida
/tempo- + /não-presen- +
ralidade/ tidade/ /futuridade/ (noite) morte
/e x t e r o cep t i v o/ /interoceptivo/

PLANO DE EXPRESSÃO CONTEúDO

Signo Temporal (ao modo do parecer),


Signo Visual (ao modo do ser)

Se retornarmos aos sentidos que o interpretante do con-


texto atribuiu a baixar, em Fraga e Sombra, e os reinterpre-
tarmos pelos ideologemas isolados nas duas matrizes signifi-
cantes acima, que colocam as correlações
céu : terra : : mundo da divindade : mundo do homem;
dia : noite : : vida : morte
podemos traduzir do seguinte modo o interpretante ideológico
de baixar, em Fraga e Sombra:
(IIIa) um sentido espacial, "movimento de passagem do mun-
do das divindades para o mundo dos homens";
(Illb) um sentido temporal, "movimento de passagem da
para a morte".

A CoNFIGURAÇÃo coMo REINTERPRETAÇÃo DE UMA


INTERPRETAÇÃO

O interpretante do código .localizou os dois sememas dido-


narizados de baixar:

45
Baixar
~---------1----------~
Sentido Sentido
Espacial Temporal
~ ~
s1 - passagem s1 -passagem
s2 - de um ponto ân- s2 -de um ponto ân-
tero-superior tero-superior
s3 - para um ponto s;l - para um ponto
póstero-inferior póstero-inferior
s4 - no espaço s4 - no tempo

!
Outras Lexicalizações : Outras Lexicalízações:
"descer", "descenso", "Atenuação", "abran-
etc. damento", etc.

Na medida em que descenso e atenuação são dois sen-


tidos que transcodificam, por sinonímia, o sentido de baixar
no interior do código da língua portuguesa (eles se
assim no dicionário), a leitura acima convém a qualquer dis-
curso que, exprimindo-se em português, contenha a lexia baixar
como um de seus constituintes. Mas, eor isso mesmo que tais
se11tic~os são dicionarizados, nenhum deles caracteriza de modo
e nenhum sentido de um discurso em par-
ticular: tanto assim que apenas um sentidos aparece,
comumente, em qualquer discurso (dificilmente os dois ao
mesmo tempo). Diremos, portanto, que a utilização do inter-
do código para a decodificação de um discurso pro-
uma extratextuar desse discurso. Em conseqüên-
cia, a fórmula do interpretante do código ~ ERC e sua função
é metalingüística.
No entanto, o poema Fraga e Sombra é um discurso sui-
-generis, dotado de um sistema orgânico de características
tais que nenhum outro discurso poderá jamais reproduzir,
sob pena de vir a repetir o discurso Fraga e Sombra, desca-
racterizando-se, pois, como "outro discurso". Assim, esse soneto
faz um investimento semântico contextual das oposições sê-
micas

46
s>- de um ponto ântero-superior vs s. - para um ponto póstero-inferior

do semema espacial de "baixar", nos termos das lexias céu e


terra, e investe as mesmas oposições sêmicas no semema tem-
poral de "baixar" mediante as lexias dia e noite.
O interpretante do contexto localiza, agora, dois sememas
contextuais (ou performanciais) de em Fraga e Sombra
e esses sememas, por não estarem dicionarizados, não perten-
cendo, pois, à esfera de competência dos decodificadores, são
o produto do fazer lingüístico irrepetível que produziu esse
discurso único:
Baixar

Sentido Sentido
Espacial Temporal
i J,
s1 - passagem s1 - passagem
s2 - docéu s2 - do dia
s3 - para a terra s8 - para a noite

~ i
Outras Lexicalizações: Outras Lexicalizações:
"queda"; "tombo", etc. "Crepúsculo", "anoite-
cer", "boca da noite",
etc.

Os sememas contextuais de "Baixar",


em "Fraga e Sombra"

Na em que o interpretante do contexto reinter-


preta as leituras extratextuais do interpretante do
explicitando no espaço, o descenso da primeira
sendo "uma queda do céu para a terra" (e não, por
"a passagem do degrau mais alto de uma escada para o deJ:?:rau
mais baixo", "queda de um fruto da árvore para o
etc .... ) , e explicitando, no tempo, a atEmttaç'ao pr()d11zida
primeira leitura como sendo a passagem para
("atenuação da luminosidade" e não, por exemplo, "atem1aç~ão
da sonoridade") - como na seqüência do Poema

47
"baixando, baixando de tom" -, o interpretante do contexto
faz duas operações:
- funcionalmente, ele pratica uma segunda operação metaw
lingüística, em que o elemento a ser interpretado (o plano
de expressão) vem a ser o interpretante do código (Ia)
e (Ih) e o elemento decodificado r (o código, no caso),
vem a ser constituído pelas bases fornecidas pelo contexto
céu : terra, dia : noite; desse ponto de vista, o interpre·
tante do contexto executa uma função poética (o discurso
se volta para o próprio discurso);
- formalmente, o do contexto transforma um
texto extradiscursivo, anteriormente pela apli·
cação do interpretante do código à mensagem, em novo
discurso-objeto, de uma nova leitura, atribuindo-lhe
a condição de plano de expressão de uma mensagem intra-
discursiva. O texto intradiscursivo obtém-se, assim, _(!entra-
lizando-se a leitura na fórmula ERC (RC).
Finàlmente, o interpretante ideológico investe as interpre-
tações produzidas pelo interpretante do contexto da condição
de plano de expressão para a declaração de uma ideologia.
Desse modo, "queda do céu para a terra", sentido contextual
de baixar, em Fraga e Sombra, vem a explicitar-se como "que-
da do mundo das divindades para o mundo dos homens"
- ou seja, reinterpretadamente , como uma catástrofe: a nar-
rativa de uma degradação original, em tudo e por tudo seme-
lhante àquela que se expressa em uma série bastante extensa
de mitologias (mitos de f caro, Sísifo, Adão, etc.) .
De modo análogo, a "passagem dia para a noite" - ou
crepúsculo -, vem a explicitar-se como uma passagem da
vida para a morte, uma "agonia"; portanto, no .interior da
mesma ideologia (observe-se que "queda do mundo das divin-
dades para o mundo dos homens" e "passagem da vida para
a morte" traduzem-se mutuamente: isto quer dizer que a
circularidade típica das ideologias toma ora uma conformação
espacial - "queda do mundo das divindades para o mundo
dos homens" -, ora uma conformação temporal - "passagem
da vida para a morte" -, o que vem corroborar, mais uma
vez, o acerto de nossas postulações anteriores a respeito da
mútua conversão entre o espaço e o tempo):

48
Baixar

Espacial Temporal
t t
s1 - passagem s1 - passagem
s2 - do mundo das di- s2 - da vida
vindades
s3 - para o mundo. dos s3 - para a morte
homens

!
Outras Lexicalizações:
!
Outras Lexicalizações:
"catástrofe", "degrada- "agonia", etc.
ção", etc.

Os Sememas Ideológicos de "Baixar",


em "Fraga e Sombra"
Se o interpretante do contexto, pelo fato de se localizar
sobre uma isotopia exteroceptiva, produzia textos práticos -
a queda e o crepúsculo são fenômenos físicos, da ordem
espaço exterior -, o interpretante ideológico, que vai atribuir
a tais textos a condição de plano de expressão de uma ideo-
logia, efetua leituras sobre uma isotopia interoceptiva, produ-
zindo, assim, textos míticos. Desse modo, a queda e o cre-
púsculo, sig:q.ificados do interpretante do contexto, passam a
ser significantes de uma catástrofe e de uma agonia, respecti-
vamente, no intedor de textos míticos (ou mitológicos).
Na medida emque o interpretante ideológico reinterpreta
os textos intratextuais lendo-os sobre os textos extraídos de
outros discursos produzidos pela mesma cultura, diremos que
ele produz uma leitura·· intertextual (ou heterodiscursiva) do
discurso-objeto: o verdadeiro plano de conteúdo de um texto
heterodiscursivo é, por isso, uma ideologia ou uma mitologia.
Sua fórmula semiótica é [(ERC)RC]RC.

O FAZER NARRATivo oo AroR "Luz CREPuscuLAR"


O ator "luz crepuscular" está dotado de uma funcionali-
dade prática e de uma funcionalidade mítica. A primeira é

49
localizável como um fazer exterior, podendo ser traduzida pela
leitura do semema de baixar sobre a isotopia exteroceptiva. O
ator "luz" possui, aí, um duplo encargo:
(a) efetuar, com a transformação do espaço cosmológico, uma
conjunção do céu à terra
F luz crepuscular = céu n terra
(prática)

em que se verifica a indistinção do anoitecer, entre os espaços


contrastantes do crepúsculo:
Espaço do crepúsculo == [/esp. do céu/ + /esp. da terra/];

(b) efetuar a transformação do tempo cosmológico, promoven-


do, co:m a conjunção do dia com a noit?
F luz crepuscular dia n noite
(prática)

a indistinção do anoitecer entre os tempos do dia e da


noite:
Tempo do crepúsculo == [/tempo diurno/ + /tempo noturno/].

a função mítica aparece como um fazer interior, nos


atores humanos. é produzida pela leitura do semema de
baixar sobre a ísotopia exteroceptiva, de modo a atribuir à
"luz" um papel:
(a) efetuar a transformação no espaço mítico-noológico, pro·
movendo, com a conjunção de um locus divino a um
locus humano
F luz crepuscular = locus divino n locus humano
(mítica)

a indistinção, típica da agonia, entre o mundo dos deuses


e o mundo dos homens. Produz-se, assim, a configuração do
espaço mítico:
Espaço mítico = [/espaço divino/ + /espaço humano/];
a transformação no tempo mítico-nooló'gico, pro-
m<>vendo, com a conjunção da vida e morte
F luz crepuscular = vida n morte
(mítica)
a indistinção, característica da agonia, entre o tempo
vida e o tempo da morte. Essa suspensão de limites
gura do seguinte modo o tempo mítico:
Tempo mítico == [/tempo da vida/ + /tempo da morte/J.

Ressaltemos, uma vez mais, se um universo


gico propõe a correspondência isomi')rtica
fazer prático : fazer mítico :: plano expressão : plano conteúdo

então, o poema "Fraga e Sombra" pode ser como


um discurso biisotópico, que contém um mínimo de dois
textos:
(a) uma isotopia ele se
como um texto prático,
de actante cosmológico,
(b) uma isotopia
como um texto mítico, que diz respeito dos atores
humanos.
Assim é que agonia vem a int:erltextu::~.ln:lerlte, o serttidlo
da lexia crepúsculo, o que trEms:torma e Sombra" em
uma metáfora discursiva da temporalidade existência hu-
mana.
O quadro a seguir resume uma visão conjunta de quant:o
vimos:

Isotopia Interpretante Dimensão Focalizada


Selecionada Utilizado Espacial Temporal
INTERPRETA ÇõES PRODUZIDAS
I. do Código descenso atenuação
Exterocep- queda do céu para passagem do dia pa-
tiva I. do Contexto
a terra ra a noite

Interocep- passagem do mundo


ti va I. Ideológico divino para o mundo passagem da vida pa-
humano (catástrofe) ra a morte (agonia)

Sentidos da Função "Baixar" em "Fraga e Sombra"

51
DEFINIÇÃo FoRMAL DOS MEDIADORES E DO PERCURSO NARRATivo

É possível, a esta altura, precisar uma definição formal


do investimento semântico de ambos os textos, o prático e o
mítico. Na instância da manifestação discursiva, as lexias
céu e dia constituem, uma na dimensão espacial, outra na
temporal, do texto o plano de expressão para o con~
teúdo vida, do texto mítico. Elas se opõem, assim, às lexias
terra e noite que, uma na dimensão espacial, outra na dimen-
são temporal, constituem o de expressão no texto
tico do conteúdo morte, do texto
Desse modo, o texto prático que descreve, no crepúsculo,
a passagem do dia para a noite (s 1 vs s2), funciona como o
plano de expressão do texto mítico, o qual descreve, na agonia,
uma passagem da vida para a morte. É essa passagem de
s1 para s2 que o poema narra formalmente, através da media-
ção S, um termo complexo que reúne [/s 1 / + /sd]:

Investi- ARCABOUÇO NARRATIVO


Dimensão e
mentos Início Meio Fim Isotopia

/céu/ .... [/céu/ + /terra/] .... /terra/ Espacial-Ex-


teroceptiva
Texto
Prático Temporal-Ex-
/dia/ .... [/dia/ + /noite/]-+ /noite/ teroceptiva

I superior/ -+ [/super./ + /infer./)-+ Espacial-In·


/inferior/ teroceptiva
Texto
Mítico
/vida/ ... [/vida/ + /morte/]-+ /morte/ Temporal-In-
teroceptiva
Redução à
Invariante /s1/ ~ [/sd + /s2/]-+ /s2/

As Transformações Narrativas do Texto Prático


e do Texto Mítico de "Fraga e Sombra"

Formalmente, o que o poema narra é essa transformação


de s1 em seu contrário, s2 : de céu em terra, de dia em noite,
de superior e!Il inferior, de vida em morte, passando pela
mediação de uma topia complexa que reúne, sincreticamente,
os termos contrários, os quais se explicitam, no poema, nas
duas dimensões:
- dimensão espacial, através de serra (=[/céu/ + /terra/],
v.
- na dimensão temporal, através de cu.1pitsc·ulo (v. 2), sendo
esse termo uma das lexicalizações possíveis do complexo
[/dia/ + /noite/].
Crepúsculo pois, como o que sobre a iso-
exteroceptiva designa um acc)nl:ecim•ent:o
mas funciona como um mero na isotO})ia
interoceptiva, para o conteúdo agonia, que des:ígrta um aconte-
cimento humano.
Colocando as coisas em termos de intefjJre>taxltes,
possível ver, nesse discurso a
já interpreta do, a à intert:exitua1lidlad.e.
o MECANISM O DA

intert<extuaJ.idatde como a cornbina-


o percurso inverso ao
discm:so, que é mero

chc~gatda um único ete:ito-d<~-s1mtido cteJrwtacto,


mamos de interpretação.
O mecanismo "estrutural" da
mesmo trajeto no sentido inverso:
(ERC), desqualificando-o inicialmente na sua
algo já interpreta do para requalificá-lo, em cm1seqüên<~ia,
como algo passível de nova interpretação, o que faz com que
o texto (ERC) se converta em outro discurso (E) a interpreta r.
Desse modo, um primeiro texto, produzido por uma primeira
leitura, pode ser relido como o plano de expressão (E), ou
discurso de outro texto.
Assim encarada, a intertextua lidade empenha uma retó-
rica e uma ideologia. A conversão de um discurso em um
texto é a operação ideológica típica da "leitura", que afirma
a existência de um sentido.

53
Por tudo o que já vimos, sabemos que o plano de expres-
são um signo do contexto - e o de um signo ideológico
- pode ocorrer sem nenhuma variação n vezes, no interior
do mesmo contexto, mas não o seu plano de conteúdo; assim,
do ponto de vistâ das transações anáforo-catafóricas do con-
texto, um mesmo plano de expressão pode ser o significante de
dois signos diferentes, pois que o sentido de uma unidade é
uma variável dependente do contexto. (Normalmente, con-
tudo, só na poesia o plano de expressão de uma mensagem é
uma variável dependente do contexto.)
O que acabamos de escrever requer elucidação.
Seja, por exemplo, o enunciado grifado que abre "O Duelo",
de Guimarães Rosa:
"Altos são os montes da Transmantiqueira, belos os seus rios, calmos os
seus vales e boa é a sua gente. Mas os homens são os homens . .. "

Normalizado no singular e absolutizado, o último enun-


ciado
"Um homem é um homem"
demonstrará o que vimos de afirmar.
Se "homem 1" (a primeira ocorrência da lexia "homem")
pudesse ser igual a "homem 2" (a segunda ocorrência), então
o enunciado todo seria tautológico
"Um homem é um homem" (A= A)
'---v--' 1..-...y---1
A A
e, esquivando-se à definição, mediante um círculo vicioso, ele
não ·teria nenhum sentido.
O falar, no entanto, é um ato sígnico intencional: a fala
é interpretável. Quando ouvimos uma conversação em língua
estranha para nós, ainda que não consigamos apreender o seu
significado, sabemos que ela tem um significado. É o que
nos lembram os postulados 1 e 3 a que já fizemos referência
na Introdução. Ora, se não podemos entender o enunciado
"Um homem é um homem" em seu sentido literal porque ele
seria, como vimos, um círculo vicioso, e se, não obstante, esse
enunciado deve ter um significado - de outro modo as pes-
soas não produziriam mensagens desse tipo -, então a con-
clusão que se impõe é que "homem 2" possui um sentido

54
diferente de "homem 1". E isso quer dizer, afinal,
na realidade, uma palavra nunca se repete com invariabi-
absoluta no interior do mesmo enunciado: colocada em
uma distribuição contextual diferente a cada momento, ela é
o ponto de incidência de diferentes dependências.
Assim, se uma palavra aparece duas vezes no mesmo enun-
ciado, a sua segunda ocorrência a transforma numa
diferente da primeira, porque a coloca' numa relação
mente aberta:
(a) primeiramente, se relaciona, na
tica, com o código extratextual, que lhe serve
tante; por exemplo:
"Ela fa)ou, /alou, e: falou . .. "
1 2 3
Suponhamos que o semema à lexia "falar 1" se
analise assim, a partir do interpret ante do código:

"Falar 1" == ~1 - produção de voz]


s2 - humana
. s3 - em função fática ( 7)

(7) O traço sêmico "s3 - em função fática" constituiria, frente ao


sema "em função referencial", o traço distintivo a opor, em português,
"falar" a "dizer"; desse modo, dizer se analisaria:

Dizer" = - produção de voz ]


-humana
- em função referencial

Daí a atual expressão popular e disse".


(b) mas ela se também, na função poética, com a
sua primeira ocorrência no contexto, de modo que, se o
contexto lhe serve de interpret ante, teríamos a seguinte
análise sêmica para o semema de "Falar 2":

"Falar 2" = - produção de voz


- humana
- em função fática
- iterativa
J
55
ou seja:
Semema de "Falar 2" = [(Semema de "Falar 1") + (iteratividade)]
Daí que, se podemos interpretar
"Ela falou e falou"
1 2

como
"Ela falou durante muito tempo"

podemos, também, interpretar


".Ela falou, falou ~:; /alou"
1 2 3

como
"Ela falou interminavelmente."

O que deve ser ressaltado é que essa segunda abertura


relaciona!, para o contexto, revê o significado traduzido pelo
interpretante do código, tornando-o ambíguo. Portanto, "ho-
mem 2", a segunda ocorrência do mesmo plano de expressão
no âmbito do mesmo enunciado, transforma-se em sign,ificante
para outro conteúdo e, assim, "homem 2" é um signo dife-
rente de "homem 1".
De fato, "homem 2" é
(a) signo de um código designativo (designa algo a mesmo
título que "homem 1"); mas é, também, simultaneamente,
(h) signo de um código citativo (pois a sua mera presença
cita o signo "homem 1", que tem o seu mesmo plano de
expressão).

"Homem 2" é, na realidade, um signo retórico ou inter-


textual, entendendo-se por intertextualidade, aqui, o fato de
que esse signo cita um signo anterior, presente no mesmo dis-
curso, sob o m~smo modo de manifestação.

56
Desse modo, o enunciado
"Um homem é um homem ·•

é um enunciado retórico, um conotador que é o modo de


expressão de uma ideologia; no fundo, enunciados desse tipo
são utilizados para o propósito de dizer aparentando não
o dizer, pois que
- de "4m lado, "homem 2" aparenta ser uma afirmação literal,
já que ela afirma, ao modo do parecer, que "um homem
é (igual a) um homem"; mas como sabemos que isso é
um círculo vicioso, um não-sentido, então,
- "homem 2" equivale, por outro lado, a uma afirmação
subentendida, que não se sabe exatamente o que significa
de modo positivo, mas que indicia, negativamente, sem
nenhuma dúvida, que "um homem não é igual a um ho-
mem" (mas a outra coisa qualquer, que se lhe possa
atribuir). Este é o seu sentido ao modo do ser (um sentido
ideológico, destarte).

No fundo, cada leitura, ao afirmar a "sensatez" de um


discurso, realiza uma operação ideológica, ao passo que cada
escritura, ao converter o texto produzido por uma leitura em
novo discurso, a ser relido, executa uma operação retórica.
A operação retórica consiste no apagamento da interpretação
proposta para a finalidade de postular a possibilidade de
outras reinterpretações.
Ao questionar a organização de uma relação intrassígnica
(ERC), colocando dúvidas sobre a pertinência do vínculo
. estabelecido pela leitura entre um plano de expressão e um
significado, a retórica põe em questão, disfarçadamente, a pró-
pria pertinência da ideologia que orientou aquela leitura e
que é, afinal, o único elemento que assegura a coesão entre
as duas partes componentes do signo.
Assim, quando se utiliza (como no poema de Carlos
Drummond de Andrade), os planos de expressão "caminho"
e "pedra" para aludir aos conteúdos vida e acontecimento
traumático, constituindo metáforas, a ruptura da semiose estra-
tificada no código extratextual

57
E lka'miíiul
R-------
C
---------------
s1 - espacialidade
s2 - horizontal
s3 - contínua
s4 - em que se des-
locam seres .. .
55- . . . . . . . . . . . . .

implica na ruptura com a ideologia que forjou essa semiose


integrante do dicionário do p01:tuguês.
O mesmo plano de expressão pode, pois, conter diferentes
significantes para diferentes significados; no poema "No Meio
do Caminho" sobre o mesmo plano de expressão integram-se
os dois significantes para uma biisotopia, a que se lê sobre
o classema /espacialida de/ e a que se lê sobre o classema
jtemporalid ade/:
"No meio do caminho I tinha uma pedra ... "
~ ~ ~
I espacialid .f / espacialidadeI lespacialidade/ (Texto I)
~ ~ ~
/temporalid./ ltemporalidadel I temporalidadel (Texto li)
O texto I fala do mundo; o texto li fala da vida; mais, ainda:
postulada uma intertextualidade, o texto I torna-se o signifi-
cante do texto II, de modo que
"No meio do caminho" (E)
(R)
"Na metade da vida" (C)

e
"Tinha uma pedra" (E)
(R)
"Houve um acontecimento traumático" (C)

A intertextuali dade mobiliza inicialmente uma ideologia,


em seguida uma retórica que, ao propor um efeito suspensivo
sobre a pertinência dessa ideologia, abre caminho para a ter-
ceira fase do processo intertextual, ocupada pela afirmação
de uma nova ideologia.

58
Uma exemplificação calcada nas leituras propostas pelos
diferentes interpretant es para a lexia baixar, em Fraga e Som-
bra, revelará concretamen te esse processo.
As decodificações de "baixar", isoladas a partir, apenas,
da dimensão temporal, produziriam as seguintes leituras:

(a) Léitura Extra discursiva.


F E R c
~
(ínt.cód.)
! !
. ( /bajsar/ n "atenuar" )
.
(b) Leitura Intra·
discursiva.
F
( ínt. cont. )
=
I
E R c
( /bajsar/ n "atenuar")
l ln l
"passagem do dia para a noite")

(c) Leitura Inter·


discursiva (In-
tertexto ).

F E R C
(int. ideol. )

n
l l
r[(/bajsar/ "atenuar") n ("passagem d~n "passagem da vida p/ a morte"
l
Ldia para a noite" l]
O Processo Configurador do Texto
As IsoTOPIAS FuNCIONAIS EM "FRAGA E SoMBRA"

O actante humano é objeto de uma dupla visão em Fraga


e Sombra. Os atores figurativos "nós" situam-se, numa visão
exteroceptiva, no cruzamento do eixo vertical projetado por
céu com o eixo por terra:
"Os apenas, entre céu e terra"

/vertlidaqe/ /horizonfalida de/


atores
manos, em
visão exte-
I
"o mundo'\ em visão,
I
roceptiva exteroceptiva

59
Os atores exteroceptivos "nós" se desdobram, contudo,
numa forma figurativa interiorizada - cf. "em nós", v. 12
( = "nos") -, estando ambos numa relação de inclusão: dis-
tinguiremos, pois, no actante humano, os atores exteroceptivos
englobantes ("nós") dos atores interoceptivos englobados ("em·
nós" - "nos"):

"E calcamos em nós ... n (v. 12)


~- I
( = nós) ( = nos)
I
atores extero- atores
Iinterocep-
ceptivos en- tivos englobados
globantes

Essa mesma relação de englobamento (que, como vimos, se


reitera na oposição "sono" I "sonho", "vontade" I "instinto",
"noite" / "música") pode ser apresentada no gráfico a seguir:
céu

terra
60
Observamos o caráter ambíguo do actante humano "nós",
no âmbito de uma topologia: se o encaramos na relação para
com o actante não-humano representado pela verticalidade
demarc ada entre o céu e a terra, ele nos aparece como um
lugar tópico englobado (sendo o actante não-humano o lugar
heterotópico engloba nte); postulando o engendramento de uma
função entre esses dois funtivos espaciais - "aqui" vs "lá".
construímos uma relação transiUva:
Relação
Transitiva

lugar tópico lugar heterotópico


"aqui" "lá"
I
actante humano
I
actante não-humano

I englobado/
I
/engloba nte/
Se encararmos, contudo, o actante humano na relação
intratópica que opõe os atores exteroceptivos "nós" e intero-
ceptivos "nos", ele nos aparece como o lugar paratópico englo-
bante, dando origem a uma relação reflexiva:
Relação

lugar paratópico lugar utópico


"aqui" exterior "aqui" interior
I
ator humano exte-
I
ator hnmano inte-
roceptivo "nós" · rocepí.ivo "nos"
I I
/engloba nte/ /englobado/

Fraga e Sombra constrói uma homologia entre as relaç•ões


reflexivas e as relações transitivas: o v. 1 mostra sobre a
relação transitiva que um /fazer/ do actante
englobante incide sobre o actante humano englobado; o

61
actante englobant~ é um destinado r ( D 1 ), ao passo que o
actante englobado é o destinatário ( D2) da ação de confran-
ger, a qual inclui o marcador semântico /contração/. Visto
isso, analisaremos do seguinte modo o primeiro verso, devida-
mente normalizado:
"A sombra azul da tarde confrange nos"
I i -,
a1----/contração/ - - - - - - a2
I I
ator não-humano ator humano
I I .
/englobante/ /englobado/
I I
A1 Ary
I ,~

Dl D2
1 Relação Transitiva 1
Já o verso 12 mostra, normalizado sobre a relação refle-
xiva, um movimento análogo a esse, só que, desta vez, pró-
cessado na intimidade do mesmo actante humano:
"E (nós) calcamo nos
T I T
a ---/contração/ - - - - - a
1 1

I I ~
ator humano ator humano
/englobante/ /englobado/
I I
Al A2
I I
D 1 - - Relação Reflexiva D2

Nos dois casos temos predicados funcionais dotados do


classema /contração/ a descrever "o movimento de fora para
dentro, que parte de um destinador englobante para um des-
tinatário englobado".
Uma tal leitura obriga-nos a ler, coerentemente, o semema
do antônimo funcional de /contração/, ou seja, a /expansão/,
como "o movimento de dentro. para fora, que parte de um
destinador englobado para um destinatário englobante", cf.

62
v. 4 - "E como. se este som nascesse do ar"

/:CoT
D 1 não-humano
Os predicados funcionais da primei ra estrofe de Fraga e
Sombra deixam-se descrever, assim, na forma de uma oposição.
elemen tar reduzid a a duas subclasses de funções antonímicas,
que designam ou uma /contra ção/ ou uma /expan são/:
Funções
da 1.• Estrofe

dassema classema
/contraç ão/ /expans ão/
I I
"confranger" "tocar" (o sino)
"baixar" "tanger" (o sino)
"nascer"
É constante, no poema, a formação da relação transitiva
a partir ·do mecanismo [expansão do actante não-humano
D 1 + contração do actante human o
expansão de A1 contração de A2
destinador destinatário
Ora, esse, precisamente, é o mecanismo de uma com1.mi:caça,o.
Ao expandirem-se no seu fazer prático, os atores não-humanos
sombra, som, lexemas que manifestam o actante A , transfor-
1
mam-se em destinadores de uma /contra ção/ no actante hu-
mano A2 ; assim, confranger, no verso 1, significa "contração
de A2 provocada pela expansão de " ·
A relação transitiva serve para hipostasiar uma comuni-
cação entre o cosmos e o homem, median te a inlterim:izl:tç~io,
neste, do crepúsculo. Este passa à condição de um fenômeno
da ordem mítico-simb6lica. A transformação,
fenômeno físico-cosmológico => fenômeno mítico-simbólico
que converte um crepúsculo em uma agonia, já está completa
na altura dos versos 10 e 11, em que já não nos deparamos
com um mundo físico (A 1 ), mas sim com uma lembrança do

63
mundo físico; essa transformação é obtida mediante a desquá-
lificação da substancialidade concreta de mar e serra, por meio
dos modificadores ausente e abstrata:
(v .10) ''E sentimos o espetáculo do mundo
I
Actante
I
Actante
Humano Não-Humano
I I
[/exterocept./ + /interocept./] /exterocept./

( v.ll) Feito de mar ausente e abstrata serra"


-1 - 1 -~ -~-
a1 qualificação qualificação a2
I de"a(' de "V' I
/+horizontal./] f/-exterocep./] [ /-exterocep./J [ /+vertical./ ]
[ + / +exterocep./ L+/ +interoc./ + / +interoc./ +I +exterocep./
Com efeito, o verso 11 dá a definição do actante deno-
minado mundo em termos de atores exteroceptivos interiori-
zados nos atores humanos, sendo a interiorização ·demonstrável
no caráter noológico de ausente e abstrata. Damos, .abai.xo,
a figura diagramática dessa comunicação:
Relação
Transitiva
I
I Topía
I
Heterotopia
"lá" "aqui"
I l
Actarite Não- Actante 'Humano
Humano I
(Relação
Reflexiva)

Paratopia Utopia
"aqui exterior" "aqui interior"
I I
Atores Humanos.
Atores Humanos
/ exteroceptivos/ /interoceptivos/
("nós") ("nos")
Fraga e Sombra como o discurso que narra uma
dupla .comunicação: do mundo para o homem.
O mecanismo das desqualificações e das requalificações pro-
cessa-se em três etapas:
(a) o ator mar e o ator serra possuem, a nível do, interpretante
do código, as qualificações:
mar = [/ + horizontalidadel + I+ exteroceptividade/);
serra = [/+verticalidadel + l+exteroceptividade/];
(b) o modificador ausente, aplicado a mar, e o modificador
abstrata, aplicado a serra, propõem, em um primeiro mo-
mento, a nível do interpretante do contexto, a desquali-
ficação do sem a I+ exteroceptividade I: /
mar = [l+horizontalidadel + 1-exteroceptividade/);
serra = [I +verticalidadel + 1-exteroceptividade/);
(c) tendo em vista que só se pode conceber a dimensão es-
pacial, a nível de um interpretante ideológico, quer como
/+exteroceptiva/, quer como !+interoceptiva/, a desqua-
lificação do primeiro marcador (operada em (b) ) , importa
numa automática requalificação dos atores em causa como
I+ interoceptivos/:
mar = [/ + horizontalidadel + I+ interoceptiva/];
serra = [/ +verticalidadel + I+ interoceptiva/).

Observemos, agora, que as comunicações configuradas no


gráfico anterior obedecem à manutenção do mecanismo de uma
comunicação orientada: elas têm seu ponto de partida na
/expansão/ do actante não-humano situado no espaço /exte-
roceptivo/ e têm seu ponto de chegada no espaço /intero-
ceptivo/ do actante humano, em quem a /expansão/ do mundo
físico causa uma /contração/.
Assim, os vv. 3-4 declaram a /expansão/ do ator não-
-humano sino como sendo provocadà pelo /fazer/ "tocar" de
um ator humano, o "sineiro" (indiciada por quem tange, no
v. 4); esse esquema que contrariaria o mecanismo da comu-
nicação orientada - do espaço cosmológico não-humano para
o espaço noológico humano - é apagado, no entanto, no
v. 4, através da desqualificação seguida de uma requalifi-
cação operada pelo modificador não saber que incide sobre
o destinador humano da funç~o tanger (:;:::= tocar o sino) :
(v.3) "Um sino toca
T T
Ator Não- função
Humano /expansão/
I
·nl
( v.3) "e não sabermos
I
quím ta,ge"
I
Desqua- Ator Hu- Ator-Hu- F/expansão/
lificação mano mano
/saber/
de D2 re-
1
I
Dt
lativam.
a D1

A essa desqualificação segue-se, como vimos há pouco, uma


requalificação; desse modo, o mecanismo das comunicações
processa-se, no v. 3, a partir da /expansã o/ de um D ator
1
não-humano que logo é desqualificado na sua condição de
destinador (Dl) ( cf. quem tange) e é, em seguida, requalifi-
cado, ao modo do parecer ("é como se") como ator não-hu-
mano D 1 (v. 4):
(v.4) "É como se

Qualificador do
este som

a1
-,- I -r
nascesse

F/ expansão
do ar."

a2
enunciado: I I
enunciado ao Ator Não- Ator Não-
modo do parecer· Humano Humano
I
Dl
Em resumo, a primeira estrofe narra a comunicação entre
o actante não-humano e o actante humano, conformemente
ao mecanismo
Comunicação A1 :A2 ~ F/expansão/A 1 + F;contração/A2
- do ponto de vista dos actantes envolvidos no processo,
temos uma comunicação transitiva;
-·do ponto de vista da modalidade do sistema de trocas
envolvido, temos uma doação (uma troca unilateral, em

66
que o actante não-humano doa algo ao actante humano,
nada recebendo deste) ;
do ponto de vista do objeto doado nessa comunicação,
temos o momento conflituoso do crepúsculo que anun.ch1,
na exterioridade do mundo, o fim do dia e o começo
noite; e que anuncia, na interioridade do homem, o fim
da vida e o começo da morte:

crepúsculo agonia

Actante Objeto
-r
Actante Objeto
Cosmológico Noológico
I I
I+ ínteroceptivol
I +exteroceptivol

67
SEGUNDA PARTE

HOMOLOGAÇOES

o PROCESSO SEMIÓTICO

O leitor que toma contato, pela primeira vez, com um


poema, encontra-se em uma situação análoga à do adepto de
palavras cruzadas que se vê diante de um problema a resolver.
Assim, pode ser proveitoso para o entendimento do discurso
poético - np fundo, de qualquer discurso -, considerar a
hipótese de que a poesia ·seja uma modalidade a mais das
comunicações enigmáticas, que têm como objeto a realização
de um /saber/. ·
O aficionado de palavras cruzadas sabe que em cada uma
das linhas verticais e horizontais do problema consta, virtual-
mente, um signo lingüístico, isto é, uma entidade formada por
um plano de conteúdo relacionado com um plano de expressão.
Por hipótese, as palavras cruzadas tipificam uma espécie de
exercício semiótico regido pelas regras narrativas que incidem
sobre os contratos de adjuvância: nele se comunicam dois
atores, simplificadamente o "autor" e o "leitor" do problema,
para compor um único actante, o Sujeito comúnicante, cujo
Objeto-Valor é constituído pela realização de uma semiose
intrassígnica.
Para alcançar esse objetivo, o de realizar o s(lu valor,
autor e leitor colaboram um com o outro, assumindo papéis

69
actanciais complementares, os quais se montam sobre uma
estrutura em quiasmo:

(Actante) ... Sujeito


da Semiose
( Comunicante)

(atores)... "Autor" "Leitor"


I
D 1 do PC D2 do PC
(Papéis) ...
D 1 ·do PE
O "autor" fornece o plano de conteúdo (C) do signo ao
"leitor", declarando-o explicitamente através do conjunto de
traços semânticos mínimos (semas) apto para organizar um
único efeito-de-sentido (um semema). Cabe ao "leitor", des-
tinatário (D 2 ) desse PC, fornecer ao autor o plano de expres-
são ( PE ou E, simplesmente) adequado para denominar o
semema dado.
Denominand o as definições alheias, o leitor é um actante
retórico, cujo papel faz pendant com o papel desempenha do
pelo autor; este último, definindo as denominações alheias,
equivale a um actante ideológico.
No entanto, nem as definições que o leitor denomina,
nem as denominações que o autor define são produzidas por
eles: ambos são, apenas, veículos ou porta-vozes das denomina-
ções e definições existentes, anteriormen te à existência de qual-
quer problema de palavras cruzadas em particular, em um códi-
go, a língua, que foi, por sua vez, produzida por um actante
coletivo e indetermina do, a sociedade que fala essa língua.
A sociedade encarna, no âmbito da narrativa sêmio-prag-
mática representada pela proposta e resolução de um problema
de palavras cruzadas, o actante Árbitro, uma espécie de meta-
-personagem dotado da função de definir as regras do jogo,
observar o seu cumpriment o (ou descumprimento) por parte
dos jogadores, testar a pertinência das perguntas e das res-
postas produzidas, e, finalmente, fornecer a recompensa ( "re-
solução correta") ou a punição ("resolução errada") devida
para cada caso.

70
Um problema de palavras cruzadas está corretamente re-
solvido quando a semiose ERC produzida a nível do discurso
pela atividade conjunta do autor (que fornece o C do signo
a ser configurado) e do leitor (que relaciona - R - esse
conteúdo - C - com uma expressão - E -) for .idêntica
à semiose produzida, antes, a nível do código.
Suponhamos, para melhor entendimento, que o autor de
um discurso cruciverbista forneça a definição conteudística
C = "sabre de folha curta e larga"

e que um leitor qualquer, assumindo o papel de decodificador,


relacione (R) tal conteúdo (C) com a expressão (E) jalfanje/;
a semiose produzida pelo discurso engendrado nesse diálogo
entre pergunta-e-resposta
C == "sabre de folha curta e larga" (pergunta)
R (e)
E = /alfanje/ (resposta)

será considerada "'correta" apenas porque ela é idêntica à se-


miose antes produzida pelo código da língua portuguesa ( cf.
a entrada léxica alfanje, no Pequeno Dicionário Brasileiro da
Língua Portuguesa). Graficamente:
Semioses

Primeira Semiose: Segunda Semiose:


signo produzido signo produzido
pelo código pelo discurso
cruciverbista

(E)
I
/alfanje/ Conteúdo (C) (R) Expressão (E)
(R) fornecido pelo fornecida pelo
(C) "sabre de fo- destinador do destinatário do
lha curta e discurso discurso
larga" I I
"sabre de folha /alfanje/
curta e larga"

Em conclusão, o código que serviu para a codificação de


um discurso equivale ao primeiro mterpretante apto para
efetuar a correta decodific(lção desse discurso.

71
Isso significa
- que o signo de um ·discurso X é sempre, antes, o signo de
um código X;
- que, em conseqüência, o plano de expressão de um signo
do discurso X equivale ao plano de expressão de um signo
do código X;
- que, do mesmo modo, o plano de conteúdo de um signo
do discurso X equivale ao plano de conteúdo de um signo
do código X.

As duas últimas observações mereceriam ser detalhadas ,


mas. s~erá suficiente, por ora, que nos detenhamos na conside-
ração da que se refere ao plano de conteúdo, tendo em vista
que ela nos encaminha para a resolução dos problemas ligados
ao sentido dos discursos. De fato, se a aceitarmos como uma
premissa válida, então o problema de saber quantos sentidos
tem um discurso se reduz ao problema de saber quantos có-
digos podem participar da codificação desse discurso; ou seja,
caberia perguntar, já que um discurso consta, objetivamente,
só de um plano de expressão, que, conforme se viu acima, equi-
vale ao plano de expressão dos signos de um código, o que é
que um discurso X pode expressar?
De um ponto de vista puramente teórico, três afirmações
são possíveis:
(a) o discurso X é expressão de um código X, anterior a ele;
(b) o discurso X é expressão de si mesmo (discurso X);
(c) o discurso X é expressão de um outro discurso (dis-
curso Y);

Se se aceitam tais hipóteses, uma exigência da ordem da


coerência interna do metadiscurso científico impõe-nos a acei-
tação da existência de três códigos subjacentes a um discur~­
-objeto X, qualquer que ele seja (em prosa/ em poesia):
(a) há um código extradiscursivo, para a primeira hipótese
acima;
(b) há um código intradiscursivo, para a segunda hipótese;
(c} há um código heterodiscursivo, para a terceira hipótese.

72
O CÓDIGo ExTRADISCUR SIVO

O código extradiscursivo assume, nos discursos verbais, a


forma de uma língua natural, que se objetualiza, concreta-
mente, nos dicionários monolíngües. A palavra encontrada em
um discurso verbal figura, antes, em um dicionário e ela é,
por isso, um signo da língua.
Os signos da língua são "entidades velhas", pois que são
o produto de uma semiose já-feita por uma comunidade de
falantes, os quais reúnem todo o repertório dos signos de que
dispõem para as suas comunicações em um dicionário cujos
elementos devem ser aprendidos em maior ou menor parte e
memorizados um a um por cada falante do idioma; assim, no
ato de parole, cada falante se limita a combinar, na sua fala,
um certo número de signos da língua.
Desse ponto de vista, os actantes envolvidos em um dis-
curso reproduzem, mediante a configuração discursiva da re-
lação intrassígnica ERC, o processo semiótico através do qual
um código lingüístico já efetuou o relacionamento de denomi-
nações (plano de expressão) com planos de conteúdo ( defi-
nições).
O destinatário de um discurso como o representado na
segunda estrofe de Fraga e Sombra
(v. 5) "Noite longa, música breve. O alfanje
(v. 6) Que sono e sonho ceifa devagar,
(v. 7) Mal se desenha, fino, ante a falange
(v. 8) Das nuvens esquecidas de passar."

encontra-se diante de perguntas semelhantes às que se colocam


para o autor de um problema de palavras cruzadas: ele deve
fornecer uma definição (C) para a expressão /alfanje/, (E),
digamos. Levando em consideração que essa expressão fÕi
codificada, na sua origem, a partir do código lingüístico do
português, é suficiente verificarmos que conteúdo aquele có-
digo prevê para essa mesma expressão para obtermos, como
que automaticam ente, o conteúdo relacionável com a mesma
expressão, nesse discurso.
No código de nossa língua, à expressão (b) jalfanje/ cor-
responde o conteúdo (c) "sabre de folha curta e larga"; logo,

73
à mesma expressão no discurso-objeto (a) deve corresponder
idêntico conteúdo discursivo; o que podemos ilustrar assim:
Código X: E(códígo) n C(código)
I
(b)
I
(c)
Discurso X: E (discurso) n C( discurso)
I
(a)
I
(x)
Pelo que dissemos, o interpretante do código deve produzir
o sentido (x) através da operação
Se (a) = (b), e se (b) n (c), então (a) n (c), sendo (c) = (x)

(o símbolo n transcreve a relação (R) de conjunção entre a


expressão significante e o conteúdo significado do signo).
Aplicada à lexia alfanje, integrante do discurso represen-
tado pela segunda estrofe de Fraga e Sombra, teríamos o
seguinte investimento dessa fórmula:
Código X: /alfanje/ n "sabre de folha curta e larga"

~ (c)

Discurso X: /alfanje/ n "sabre de folha curta e larga"

-r (a) (x)
pois estão cumpridas as condições (a) =
(b) e (b) n (c).
A operação estabelece uma semiose entre o discurso-
-objeto X e o código X (a língua).
De um ponto de vista retórico poderíamos afirmar que
o discurso X é apenas o plano de expressão do código X
(ele denomina o código X); de um ponto de vista ideológico,
poderíamos dizer que o código X é o plano de conteúdo do
discurso X (ele define o discurso X). Desse modo, o discurso
X se ilustra como segue:
Discurso X

Plano de Plano de
Expressão vs Conteúdo
!
Discurso X vs Código X
!
e a interpretação vem a ser, no caso, a operação que esta-
belece o relacionamento ( vs) entre uma retórica e uma ideo-
logia; daí provém o modelo do signo metalingüístico que des-
creve qualquer interpretante (no caso, o ínterpretante do có-
digo):
E(disc.X) /alfanje/ (E)
(R)
C(cód.X) "sabre de (C)
folha cur-
ta e larga"

Enfim, o ínterpretante ·do código mostraria que a palavra,


encontrada em um discurso X é apenas o plano de expressão
de um signo cujo plano de conteúdo não está no discurso,
está no código X. O interpretante do código focaliza, por isso,
um texto que é extradiscursivo na medida em que o plano de
conteúdo (texto) "sabre de folha curta e larga" é comum a
todos os discursos da língua portuguesa que contenham o
plano de expressão /alfanje/.

Por outro lado, os signos de um discurso possuem, sempre,


um caráter ambíguo, derivado do fato de serem eles tanto
signos do código - o que lhes atribui um estatuto paradigmá-
tico -, quanto signos de um discurso - o que lhes empresta
um estatuto sintagmático -. Por causa disso, tomados isola-
damente, todos os signos de um discurso, enquanto os obser-
vamos paradigmaticamente, como não participantes de nenhu-
ma construção maior, possuem um sentido autônomo, definível,
como acabamos de ver, no interior de um dicionário. No
entanto, como não falamos por palavras, signos isolados, mas,
sim, por discursos (isto é, por conjuntos de frases interna-
mente coerentizados para transmitir um único efeito-de-senti-
do), cada signo da língua vale, contextualizado na linearidade
sintagmática de uma mensagem, unicamente como um cons-
tituinte entre vários outros da unidade máxima constituída que
é o discurso.
Desse modo, a significação de cada signo de um discurso
depende do sentido total desse discurso; e, desse ponto de vista,
o discurso X funciona como um código intradiscursivo para a
decodificação do sentido contextual de qualquer de seus cons-
tituintes.

75
o CÓDIGO lNTRADISCURSIVO

O código intradiscursivo é representado, no caso de cada


discurso verbal concreto (discurso X, discurso Y, etc.) pelo con,.
texto desse mesmo discurso: o código intradiscursivo do dis-
curso X é o discurso X, o código intradiscursivo do discurso
Y é o discurso Y, etc.
Mensagem que (se volta para si mesma, o discurso apre-
senta a propriedade inerente à função que Jakobson deno-
minou de "poética": o "próprio poético" do discurso é, por
isso, a sua capacidade de engendrar uma polêmica semiótica
entre os signos da língua, que ele vai buscar em um dicio-
nário, e os signos do contexto; os primeiros caracterizam-se por
ser o fruto de uma semiose intrassígnica invariante, que o
falante,refaz, na memória da língua que integra a sua compe-
tência; já os signos do contexto se caracterizam por uma se-
miose intrassígnica processual, que o destinatário do discurso
"faz" cada vez e sempre que possa associar, a determinados
fragmentos do discurso tomados como plano de expressão,
determinados fragmentos do contexto do mesmo discurso, to-
mados como plano de conteúdo.
Na reelaboração a que submeteu o modelo do signo pro-
posto por Saussure, Hjelmslev explicitou a unidade sígnica
como uma função contraída entre dois funtivos formais, o do
plano da expressão e o do plano do conteúdo. Comentando
esse fato, no Prefácio da edição brasileira dos Prolegômenos,
Peiíuela Caiíizal e Lopes sublinharam o imenso alcance da
reformulação doutrinária de Hjelmslev, em conseqüência da
qual o signo não se vê mais, como se via algo ambiguamente,
no modelo saussuriano, concebido como uma entidade fechaáa,
pré-construída e estática, resultante de uma semiose extradis-
cursiva (aquela, exatamente, que está em causa quando se lida
com o que aqui denominamos de interpretante do código);
em vez disso, no modelo glossemático, o signo é visto como
a unidade em configuração no discurso X, através de umd
semiose intradiscursiva que se esgota nos limites desse disburso.
X e é, por isso, - tal como esse discurso X -, única e
irrepetível.
Em conseqüência, o signo do contexto equivale a uma
entidade aberta, a .ser dinamicamente constituída pelo desti-

76
naúirío através de uma reescrita, a operação que reescreve o
discurso de uma língua sob a forma de 'uma língua do dis-
c'!lrso. Ao passo que a leitura isola o interpretante do código
vendo no discurso X o conjunto repetível dos signos de uma
língua, a reescrita (que é uma releitu~) isola o interpretante
do contexto, vendo no discurso X o conjunto irrepetível dos
signos de um contexto, signos estes que não existem nem na
língua nem em qualquer outro discurso que não seja X; e
isso é natural quando nos lembramos de que o contexto do
discurso X encontra-se exclusivamente no discurso X.
O co-engendramento do discurso e do contexto responde
pela irreproduzibilidade dos signos contextuais, através dos
quais o interpretante do contexto aparece como o sentido irre-
petível que, isolado na releitura, se sobrepõe ao sentido infi-
nitamente repetível, isolado na leitura, pelo interpretante do
código.
A irredutível ambigüidade dos discursos provém do fato
de que cada um dos signos que neles comparece comÕ unidade
configurada pode ser submetido à ruptura da relação semió-
tica já-feita a nivel de código para se tornar o ponto de partida
de uma nova configuração, a nível do contexto. A ruptura de
uma semiose configurada anteriormente por todo o grupo
social, que se compraz na repetição infinita do mesmo dis-
curso- que é, no fundo, o discurso do Mesmo, uma ideologia
-, exterioriza um gesto de rebeldia contra a História, contra
o conservadorismo de uma História já passada (a do mesmo
ideológico); esse gesto funda a possibilidade de uma nova
História, aquela precisamente que o discurso X vem fundar
e para a narração da qual esse discurso tem de engendrar
novos signos. Na dialética da ruptura com a semiose antiga
mais a sutura da nova semiose, o discurso aparece como o
lugar do fazer semíótico que põe em confronto, em cada signo,
de um lado, um signo da língua, palavra de todos os discursos,
e, de outro lado, um signo contextual, palavra de um único
discurso.
Ao estudar o que denominamos de código extradiscursivo,
vimos que, enquanto signo da língua, cada palavra de um
discurso não é mais. do· que um plano de expressão para um

77
contéúdo que não está no discurso, está na língua; vemos,
agora, que, enquanto signo contextual, cad~ palavra de um
discurso X, pelo fato de não figurar em um dicionário, terá
de se decodificar em outra parte do mesmo discurso X. Este
se cinde, assim, em dois discursos complementares: tJm dis-
curso-objeto, que é plano de expressão, mais seu complemento
contextual, funcionando, este último, como o discurso metalin-
güístico que contém o plano de conteúdo para aquele discurso
objeto:
Discurso X

Plano de vs Plano de
Expressão Conteúdo

DisclrsoX vs
. !
D1scursoX

De um ponto de vista intradiscursivo, o discurso-objeto


X, identificado com o interpretante do código, passa a equi-
valer, unicamente, ao plano de expressão para a nova semiose
que resultará da releitura do signo contextual:
/alfanje/ (E)
(R) ~ (E) do signo contextual
"sabre de fo- (C)
lha curta e
larga"

Obedece-se, aqui, às regras de uma hierarquização segun-


do a qual um texto (plano de conteúdo) extradiscursivo se
transforma em pré-texto (plano de expressão) para um novo
texto, o texto intradíscursívo. Assim, se no interior do código
lingüístico do português, a expressão (E) /alfanje/ relaciona-se
(R) com o semema do dicionário "sabre de folha curta e
larga", no interior de um código intradiscursivo (a segunda
estrofe de Fraga e Sombra), a mesma expressão jalfanje/
relaciona-se com o semema contextualmente organizado pela
somatória dos traços [/s 1 - o desenho imprecis<;> de um
alfanje/ + /s2 - no céu/ +
/sa - à noit(;!/]:
i8
(I) (Il)
/alfanje/ (E)
(R) (E)
"sabre de folha
curta e larga" (C)
(R)
"o desenho de um
alfanje, no céu, (C)
à noite"
Observe-se que o nosso discurso X
(v.5) "Noite longa, música breve. O alfanje
(v.6) Que sono e sonho ceifa devagar
(v.7) Mal se desenha, fino, ante a falange
(v.8) Das nuvens esquecidas de passar."

fornece, de um lado, o nome (plano de expressão) de um ator


- /alfanje/ -, e fornece, também, de outro lado, uma defi-
nição (plano de conteúdo) para o sentido contextual desse
ator: este jalfanje/ é "o desenho de um alfanje, no céu, à
noite".
Assim, ao passo que a semio&.e extradiscursiva
(a) disc. X n cód. X

E
I I I
R C

organiza o interpretante do código para decodificar o sentido


paradigmático da mensagem por meio do dicionário que ser-
viu para a sua codificação, a semiose intradiscursiva
(b) disc. X n disc. X
I I I
E R C

organiza o interpretante do contexto para decodificar o sen-


tido sintagmático de uma parte da mensagem tomada como
plano de expressão de um signo, valendo-se, para tanto, de
outra parte da mesma mensagem promovida ad hoc à condição
de plano de conteúdo para o mesmo signo contextual.
O sentido paradigmático, isolado pelo interpretante do
código para o signo da Ungua /alfanje/ aparece em (I), na

79
figura anterior, ao passo que o sentido sintagmático, isolado
pelo interpretante do contexto, para o signo do contexto
/alfanje/, aparece em (II), na mesma figura.
Insistamos em dois fatos:
- primeiramente, o signo interpretante do código é idêntico
a um signo da língua;
- e, em segundo lugar, o plano de conteúdo do signo inter-
pretante do código vem a equivaler ao plano de expressão
do signo do contexto.
É isso que nos leva a supor, a partir da postulação de
uma hierarquização transformatória entre os diferentes níve~
sígnicos, que o mesmo mecanismo da transformação do plano
de conteúdo .de nível inferior em plano de expressão do sign(}
de nível imediatamente superior, ocorra tanto no caso da re-
lação que une o signo da língua ao signo do contexto, quanto
no caso da relação que une o signo do contexto ao signo ideo-
lógico. Foi pensando nesta última relação que propusemos o
nome de código heterodiscursivo.

Ü CóDiGO HETERODISCURSIVO

De fato, o plano de conteúdo do signo do contexto vem


a equivaler ao plano de expressão de um signo ideológico:
/o desenho de um
alfanje, no céu, à (E)
noite/
(R)
"lua" (C)

Percebemos, agora, que "'o desenho de um alfanje, no céu,


à noite", plqno de conteúdo do signo contextual, traduz, no
interior de um sistema sígnico verbal, o plano de expressão
de um signo de outro sistema sígnico, desta vez não-verbal
- no caso "um signo figurativo pictórico" -, cujo plano de
conteúdo s6 se pode traduzir no interior do sistema verbal
como "'lua".
Passamos, pois, insensivelmente, da problemática das
mensagens cruciverbistas (da ordem das comunicações lingüís-
ticas enigmáticas) para a problemática dos discursos charadís-
ticos (que são da ordem das comunicações figurativas enigmá-
ticas).
Trata-se de saber, agora, "o que é, o que é, uma coisa
que se desenha no céu; à noite, como um alfanje?"
Comprova-se, aí, que o código lingüístico funciona, em um
discurso verbal, como o plano de expressão de um código
figurativo: no caso em tela, "o desenho de um alfanje, no
céu, à noite" é o modo pelo qual signos da língua portuguesa
traduzem o significante de um signo pictórico, cujo signl.ficado
correspondente ("lua") se encontra no interior de um código
figurativo da cultura ocidental.
Tudo isso nos autoriza a resumir quanto dissemos, ante-
riormente, na figura abaixo, refazimento da figura anterior,
mais esquemática:
{I) (li) (lii)
/alfanje/ [E]

"sabre de folha
curta e larga" } [R]
[C]
(E)

(R) E
"o desenho de um
alfanje, no céu, (C)
à noite"
R
"lua" c
Representação Conjunta de
{I ) signo extradiscursivo,
( II ) signo intradiscursivo,
(IH) signo beterodiscursivo.

A figura demonstra:
(a) que o signo extradiscursivo (I) tem seu plano de expres-
.são em um discurso X e seu plano de conteúdo em um
código extradiscursivo X (no caso, a língua portuguesa);
o plano de conteúdo de um signo extradiscursivo constitui
o interpretante do código:
/alfanje/ (E)

( Interpretante do "sabre de folha (R)


Código) curta e larga" (C)

81
(b) que o signo intradis cursivo (H) tem seu plano de expres·
são em .um discurso X e seu plano de conteúd o em um
código intradiscursivo X, que vem a ser o contexto do
próprio discurso X; o plano de conteúdo de. um signo
intradiscursivo constitui o interpretante do contexto:

/sabre de folha/ (E)


/curta e larga/
ou
/alfanje/
(R)
"o desenho de um
( Interpretante do alfanje, no céu, (C)
Contexto à noite"

(c) que o signo heterod iscursiv o (UI) tem seu plano de ex·
pressão em um discurso X e seu plano de conteúd o em
um código heterodiscursivo, Y (no caso, o código pictó-
rico); o plano de conteúdo de um signo heterodiscursivo
constitui o in,terpretant(f ideológico:

/o desenho de um/
/alfanje, no céu/ (E)
/à noite/
ou
/alfanje/
(R)
( Interpretante Ideológico) "lua" (C)

Os dois primeiros tipos de signos não constitu em pro-


blema. Já o terceiro encontr a a sua justifica ção epistem ológica
no interior de uma teoria semânti ca que numa dada comuni -
dade postula a existência de um código da figurati vidade que
pode se exprimir tanto autonom amente quanto pela mec;liação
do código lingüístico dessa comuni dade:
- o código da figurati vidade expressa-se autonom amente num
sistema sígnico não-ver bal (pictórico, escultórico, etc.);
assim, m~m código pictóric o teríamos a lua pintada na tela
com a forma aproximada de um alfanje, no céu, de noite;
..,.... o código figurativo expressa-se indireta mente através da
mediaçã o de um sistema sígnico verbal (língua portug1,1esa,
espanho la, etc.) capaz de dar a traduçã o lingüíst ica da

82
pintura: "trata-se de alguma coisa desenhada com o for-
mato de um alfanje, no céu, à noite".
Ora, um código heterodiscursivo aparece, para discursos
verbais concretamente realizados, o discurso X, digamos, sob
a forma de outro discurso, Y; concretamente realizado, em
ção metalingüística.
O código hete~Õdiscursivo Y do discurso X, Fraga e Som-
bra, é dado por todos os demais discursos que formam o
complemento virtual de X no interior da totalidade dis-
cursos que constituem o conjunto-universo da "cultura brasi-
leira" (complementos virtuais de X: todos os discursos que
nossa cultura nos deu e que recordamos frente a X).
Se aceitarmos que o que estamos chamando de "cultura
brasileira" se define como "o conjunto de n discursos" produ-
zidos pela sociedade brasileira ao longo da sua História, pode-
remos dizer que todos os outros discursos brasileiros que não
Fraga e Sombra são os responsáveis pela definição do sentido
cultural (ideológico) de Fraga e Sombra. Isto explica que
o presente poema só "faz sentido" a confronto que
estabelecermos entre ele e qualquer outro discurso, nos ter-
mos do contraste observável entre X e Y (outro discurso), con-
traste esse que é, tecnicamente, uma combinatória (le con-
junções e disjunções: X é parcialmente idêntico a Y (aspecto
conjuntivo) e é, ao mesmo tempo, diferente de Y (aspecto dis-
juntivo). Pois se trata de um soneto, (e a qualificação
soneto lhe é dada pelos discursos anteriores que
o identificam como soneto porque já foram identificados como
tal), idêntico ou semelhante, pela métrica, pelo esquema
rimas, pelo tema, pelo vocabulário, pelo ritmo, etc., a miJlhares
de outros sonetos: esse conjunto de igualdades é o que nos
autoriza a denominá-lo de soneto, exprimindo, um
seus sentidos ideológicos; mas sendo o discurso
cular, ele é também diferente, por um conjunto
tintivos (pela métrica, esquema rimas,
quer outro soneto já produzido em nossa
junto total de diferenças contrastado com o
juntivo de igualdade basta, por si só, para inciivildu.alizar
e Sombra como um discurso sui:-l.!Eme~ris
Em suma, Fraga e Sombra é o produto
sividade (ou de uma "intertextualidade", para usar o termo
de Kristeva).
Damo-nos conta dessa interdiscursividade quando obser-
vamos que
- a,palav ra /alfanje /, significante de "sabre de folha curta
e larga", encontrada no discurso X, desde o momento em
que não foi criada pelo discurso X, é ·signo de um código
e;çtradiscursivo;
- a palavra /alfanje /, significante de "desenho de um alfanje,
no céu, à noite", encontrada no discurso X, desde o mo-
mento em que· foi criada pelo discurso X, é signo de um
código intradiscursivo;
- a palavra /alfanje /, significante de "lua", encontrada no
discurso X, desde o momento em que não foi criada pelo
discurso X nem por um código extradiscursivo, é signo
de um código heterodiscursivo (ou seja, é signo de outro
discurso, Y).
O que deseJamos fazer notar, aqui e agora, não é o fato,
de resto incontestável, de que essa palavra seja um signo
do código lingüístico extradiscursivo; é, antes, o fato de que
a palavra /alfanje / tem um plano de expressão no discurso X
mas tem um significante e um significado "'lua"' em outro
discurso que não X (em Y). Desse modo, uma terceira inter-
pretação pode st!r representada sob a forma de uma projeção
do discurso X (como plano de expressão) sobre o discurso Y
(como plano de conteúdo) :

Discurso .X
l
I
Plano de
l
Plano de
Expressão vs Conteúdo
4- 4-
Discurso X vs Discurso Y
A s~miose .heterodiscursiva
Discurso X n .Discurso Y
f I I
E R C
84
produz um interpretante ideológico, que decodifica o sentido
do discurso X tomando-o, na sua totalidade, como o plano
de expressão de outro discurso, Y.

O SEMEMA oo DicioNÁRIO, o SEMEMA ro CoNTEXTO, E o


SEMEMA li>EOl.Ó<;ICO

O signo do código heterodiscursivo, de que aqui trata-


mos, não pode ser confundido nem C'om o signo da língua nem
com o do discurso. Eles são diferentes, pois seus planos de
conteúdo estão compostos por diferentes sememas:
- o semema do dicionário, plano de conteúdo do signo extra-
discursivo, caracteriza-se por conter, virtualmente, um sema
juncional prático (no caso, um virtuema, como prefere
dizer Pottier), capaz de declarar o valor-de-uso do objeto
denominado alfanje, e ao qual poderíamos expressar me-
diante o traço /para cortar algo material/:

PE
I
/alfanje/R
n
I
PC

~
-sabre
-
-
de folha curta e larga
J
para cortar algo material

Esse semema diz respeito a um ator prático, cujo valor


se explicita no interior do universo econômico que compõe
a infra-estrutura material de uma sociedade;
- o semema do contexto, plano de conteúdo do signo intra-
discursivo, caracteriza-se por conter, realmente, semas qua-
lificacionais bem determinados "desenho impreciso de um
alfanje fino; no céu, à noite":

PE n PC

~
-
I I
/alfanje/R desenho imprecis?J
- de um alfanje fino
-no céu
- à noite
Trata-se da definição de um atór figurativo, focalizado a
partir daquilo que ele é (não, como no caso anterior, daquilo
que ele é e faz), cujo valor se explícita no interior do universo
imaginário das figurações quP. compõem a estrutura semió-
tica da sociedade;
- finalmente, o semema ideológico, plano de conteúdo do
signo heterodiscursivo, caracteriza-se por conter, realmente,
um sema funcional mítico "que ceifa sono e sonho"
(verso 6):

PE n PC
I I
/alfanje/R r±--
li_- algo
que ceifa

O que temos, agora, é a definição de um ator mítico,


dada através do seu fazer simbólico, e cujo valor se decodifica
como valor-de-troca no interior do universo mitológico que
compõe a supra-estrut ura ideol,ógica de uma sociedade.

Se não soubéssemos, de antemão, que o discurso está


dotado da capacidade de interiorizar elementos originariamente
situados no espaço que lhe é exterior - como a palavra
/alfanje/, signo de um código extradiscursivo, que esse soneto
assimila, convertendo-a em elemento das significações intra-
discursivas -, poderíamos, talvez, estranhar o fato de o dis-
curso X, "Fraga e Sombra", ter interiorizado o discurso
representado na forma de uma micronarrativa mítica, que
vem indiciada pelo verso 6: (" o /alfanje/" "que sono e sonho
ceifa devagar ... ")
Mas o fato é que esse verso basta, por si só, para nos
fazer ler, na intertextuali dade que trama o texto prático refe-
rente ao crepúsculo, o heterotexto mitológico que narra o
fazer simbolicamente destrutivo da "lua", enquanto alfanje
- ator-mítico: ceifar, à maneira de um alfanje em movi-
mento e à medida em que vai descrevendo, no céu, à noite,
uma trajetória sincronizada com o "percurso noturno"', o
sono e o sonho das criaturas adormecidas (os seres dormem e
sonham enquanto alua viaja pelo céu, à noite; ao findar, pela

86
manhã, o seu percurso, os seres que dormiam despertam do
seu sono e interrompem o seu sonho: a lua- figurativamente
representada sob a forma alusiva do alfanje de Kronos, o Tem-
po, instrumento de mutilação e de morte -, ceifa-os devagar,
enquanto caminha pelos céus).
Em resumidas contas, é esta fábula - que é outro dis-
curso Y, exterior à fábula que narra o "crepúsculo" no dis-
curso X - que o discurso X interioriza, ideologicamente.

A TEORIA DOS lNTERPRETANTES E AS FUNÇÕES DA LINGUAGEM.


A PLURI-LEITURA E A FuNCIONALIDADE oos INTERPRETANTES.

Ao atribuir, no célebre ensaio que intítulou Linguistique


et Poétique, a cada um dos seis fatores intervenientes no pro-
cesso da comunicação verbal, uma função específica, R. Ja-
kobson chamava a atenção para o fato de a compreensão
semântica de uma mensagem é uma dependente das
múltiplas correlações que os actantes do discurso possam esta-
belecer entre a mensagem tomada como um fator invariante,
e <:ada um dos seis fatores (o destinado r, o destinatário, o
contexto, o canal, o código, e a própria mensagem), tomados
como variáveis. estabelecia, assim, o que poderíamos
mar de princípio das covariações significativas do discurso:
o sentido de uma mensagem varia (este seria o enunciado
desse "princípio") na razão direta das variações do fator que
ela focaliza, privilegiando-o como um funtivo para a
nização de uma função, uma relação.
Em conseqüência, Jakobson propõe distinguir as
funções a seguir:

Funtivo Em Rela- Funtivo Variá- Função


Invariante ção com vel Focalizado Resultante
Mensagem n Contexto Função referencial
Mensagem n Destinado r Função Emotiva
Mensagem n Destinatário Função Conativa
Mensagem n Canal Função Fática
Mensagem n Código Função Metalingüística
Mensagem n Mensagem Função Poética

No mesmo ensaio (e em vanas passagens de outros tra-


balhos), Jakohson tinha o cuidado de apontar alguns

87
pontos não suficientemente explanados da teoria que então
apresentava: assim, por exemplo,_ o destinatário de uma men-
.sagem pode ser um ator humano ou um ator não-humano.
À relação
Mensagem n Destinatário /humano/
(tipo: "Maria, fecha ll portal"), Jakobson atribui uma f'«nção ·
conativa, ao. passo que à relação
Mensagem n Destinatário /não-humano/
(tipo: "Oh, temps, suspend ton vol!"), ele atribui uma fun-
ção mágica ou encantatória.
Tal distinção acarreta certas dificuldades. Se se entende,
por exemplo, que a função conativa integra os enunciados de
natureza volitiva ou coercitiva (por isso Bühler denominou-a
de Appellfunktion, "função de apelo"), que visam a influenciar
o comportamento do destinatário da mensagem, e se tivermos
em conta que ela parece incluir, assim, um persuadere que é
da ordem dos discursos pragmáticos - só se pode alterar o
comportamento de pessoas vivas e presentes no ato da comu-
nicação - não seria necessário distinguir mensagens dirigidas
a um interlocutor /presente/ (do tipo: "Maria, fecha a portal",
que endereço à pessoa com quem falo atualmente) das men-
sagens dirigidas a um interlocutor /ausente/ (do tipo: "Co-
lombo! Fecha a porta de teus mares!"), visto que este não
pode, evidentemente, alterar o seu comportamento? Ou, para
colocar a questão em outro pé, até que ponto será legítimo
presumir que um destinatário ausente ou morto - como é o
caso da célebre invocação de Castro Alves a Colombo - se
comporte 1 lingüisticamente, como um ser /humano/ , quando
sabemos que em certas construções o morto adquire o traço;
contextual de /não-hum ano/? (Do corpo de um cadáver diz-
-se, por e~emplo, estando na água, que ele "bóia" ou que
"flutua" - como uma coisa, um pedaço de pau, digamos -,-
e não que ele "nada",)
Por outro lado, não sabemos por que motivo Jakobscm
preconiza a distinção entre destinatários /humanos / e desti-
natários /não-hum anos/ e deixa de lado a postulação da dis-
tinção homóloga entre os destinadores /humanos / e os desti-
nadores. /não-hum anos/ que é, evidentemente, ÜJ:liposta pela
do discurso Pois

n Destinador /humano/

a função com que nome a


Mensagem n Destinador

que está presente, muitas vezes, nos mitos das


e que é tão impo1rta1t1te a de caracterizar
riaveJlmt:Jnt.e certa de as fábulas, em que
o destinador das mensagens é um
O saber se a áí1er1mc~a
em uma
entre tm1ca.o
encantatória /não-humana/, ou
devemos considerar uma delas como uma sult>es;pectti-
cação da outra, havendo entre uma relação ele-
mento a classe. Mas, na o problema é insolúvel
nos termos em que está e já veremos por que.
Essa colocação é, no permite demcmstrELr
a precariedade das teorias que se
como a de Jakobson, nas isoladas por uma Lin-
güística Frasal. O defeito que as vicia na base é o de supor
que a função se inscreva no domínio da frase (enunciado iso-
lado) quando é certo que, por ser uma relação de covariação
significativa, ela se inscreve no domínio do discurso, ou seja,
no interior do conjmlto constituído por n frases solidárias,
internamente coerentizadas para a obtenção de um
efeito-de-sentido. Se sabemos que qualquer que possa ser o
sentido de um elemento constituinte do discurso, quando o
consideramos isoladamente, tal sentido vem a ser objeto de
uma transformação no interior do discurso, parece lógico admi-
tir que as funções devam ser estudadas no interior da macro-
construção em que cada frase perde a sua autonomia sintático-
-semântica de unidade constituída para valer, apenas, como
parte constituinte de outra unidade maior, (o discurso). Assim,
~ de um lado, a integralidade do sentido repousa no texto
que a interpretação extrai de um discurso; uma coisa é
eu dizer a meus alunos "Façam silêncio!", outra é eu narrar

89
a eles que o professor João disse aos seus alunos "Façam
silêncio!"; instanciada, no primeiro caso, como um discurso,
o meu discurso, essa frase está dotada da funçãO conativa;
mas, instanciada, no segundo caso, como um discurso que
é relatado pelo meu discurso (logo, como parte do meu
discurso), a mesma frase "Façam silêncio!" aparece dotada
da função que Jakobson chama de referencial;
- por outro lado, o sentido textual é uma decorrência das
distinções através das quais uma cultura determinada opera
a classificação dos seus discursos, definindo-os, por meio
de uma comparabilidade mútua entre as suas estruturas
matriciais, nos termos de prosa I poesia, discurso cientí-
fico I discurso de ficção, etc., classificações essas que ad-
mitem variadas subcategorizações.
Em conclusão, as covariações significativas a que Jakobson
dá o nome de funções são funções do discurso, não funções
das frases isoladas. Acreditamos que elas possam ser conside-
radas como o resultado da articulação diferencial de uma dupla
relação:
- a relação entre um discurso X, determinado, e todos os
demais discursos produzidos pela mesma cultura, de um
lado (isso mesmo que os Formalistas denominavam de fun-
ção autônoma);
- a relação entre o discurso X, como um todo constituído,
e uma frase (ou fragmento qualquer), Z, que o integre
como parte constituinte (o que os Formalistas chamavam
de função sínoma).
Vejamos de que modo a relação ideológica (a "função
autônoma" dos Formalistas) influi na percepção funcional qos
enunciados.
O diqionário (no sentido algo impróprio de "língua") e
a frase efetuam distinções do tipo /humano/ : /não-htm1ano/,
mas tais distinções. não são necessariamente válidas a nível do
discurso e rião devem, por isso, orientar decisões no tocante
ao estabelecimento das funções. Um exemplo claro é o forne-
cido pelos versos de Os Lusíadas: '
"De noite, em doces sonhos que mentiam,
De dia, em pensamentos que voavam.".

90
Ao nível do dicionário e, também, freqüentemente, ao .
nível da frase isolada, os nomes sonho e pensamento possuem
o marcador semântico actorial /ator não-humano/; no entanto,
comparecendo como partes. constituintes do discurso conhe-
cido como o Episódio de Inês de Castro, subespécie do dis-
curso narrativo que integra o discurso poético de Os Lusíadas
(UI, 121), o primeiro nome transforma-se, intratextualmente,
de plano de expressão de um /ator não-humano/ em plano
de expressão de um /ator humano/ (ou "humanizado"), pois
ql.le a predicação contextual lhe atribui um /fazer humano/
(o "mentir"); de modo parecido, o segundo nome, pensamentos,
que se definia, extradiscursivamente, como /ator não-animal/
transforma-se, intratextualmente, em /ator animal/ (ou "ani-
malizado"), pois que a predicação contextual lhe atribui um
/fazer animal/ (o "voar").
Ora, a propriedade animalização e da personificação
de atores extradiscursivamente definidos como /não-animais/
ou /não-humanos/ é um dado inerente aos discursos que
incluem uma narratividade subjacente, pois que a narrativa
goza do privilégio de desqualificar ou de requalificar, contex-
tualmente, as qualificações produzidas pela língua. Assim, a
antropomorfização do primeiro nome e a animalização do se-
gundo é produto de uma relação ideológica que define o epi-
sódio de Inês de Castro como "uma narrativa em verso", e é, ao
mesmo tempo, produto da inserção tópica dos versos em causa
no interior dessa narrativa. De modo que é impossível deci-
dir, a priori, atentos unicamente para as definições classemáti-
cas produzidas a nível da língua e a nível da frase, se um deter-
minado elemento como, por exemplo, Adamastor, na frase
"Chamei-me Adamastor ... " (Os Lusíadas, V, 51)

possui o classema /humano/ ou o classema /não-humano/,


coisa que parece necessária para a correta identificação das
funções, a crer na distinção preconizada por Jakobson entre a
função conativa e a função encantatória. Só poderá fazê-lo cor-
retamente quem conheça o discurso intitulado, tradicionalmen-
te, Episódio do Gigante Adamastor, em que essa frase ocorre.
Lembrémo-nos de que em Fraga e Sombra ocorre,
mente, a atribuição de qualificações e performances humanas
a atores não-humanos. Assim, às nuvens - atores jnão-hu-

91
manos/ -, se atribui uma competência ("esquecer-
-se de passar"), e à lua - ator /não-hum ano/ se
uma atividade humana, "ceifar", logo promovida condição
de atividade mítica (isto é, [/humana /
mesmo tempo), "ceifar sono e sonho".
+ /não-hum ana/] ao

A antropomorfização contextual de atores definív(~is,


de contexto, como /não-hum anos/, fixa-os, m()mentarlea,mc~nt:e,
como ator('!s míticos, já que é próprio do mito
uma só unidade classemática
fato de serem contraditórios entre
disjuntos; eis porque os atores típicos mito
tempo, [/não-anim ados/ + /animados /] (caso
Adamastor), [/não-hum anos/+ /humanos /]
que mentiam").
Neste particular
conjunto duas unid!td~~s
rentes categorias paraciigmátícas,
outra na cadeia sin1ta1~mática,

de:tiniçâlo intradiscursiva lua como -cEnta,dora..


uma mítica que se
atrav«~s do exercício do poder que é um oriivilée:iio
tantes do espaço utópico, as divindades: na topia su-
perior do ebw da verticalidade - no céu, locus divino -, a
lua é, mítica, uma destinadora da morte.
Como o discurso jakobsoniano acerca das
funções se tais são, muito simplesmente, afastados?
Mas a sua deixa na sombra vários outros pontos que
nos parecem merecedores de n1aior debate. Ela não é muito
clara, por exemplo, no que tange ao problema da fixação do
estatuto categorial das funções; a despeito de sua afirmação

92
de que em qualquer mensagem ocorre, normalmente, "um feixe
de funções", não sendo esse feixe "uma simples acumulação"
de modo que "é sempre muito importante saber qual é a
função primária e quais são as funções secundárias", todas
essas observações incidem, apenas, sobre a existência de uma
hierarquia funcional no interior de cada mensagem, ignorando
um problema de princípio, de cuja solução depende, inicial-
mente, o encaminhamento da solução desse mesmo problema
que Jakobson aponta; este problema é o de saber se não
existe urna hierarquia funcional "autônoma", fora da própria
mensagem e anterior à própria hierarquia "sínoma" (con-
textual), de modo que determinadas funções se subordinem
extradiscursivarnente a outras.
Será correto colocar no mesmo nível a função fática, por
·exemplo, que focaliza o canal de comunicação entre dois co-
rnunicantes, e a função poética, que focaliza o próprio comu-
nicado? Se não, que espécie de função (relação) mantêm elas
entre si?
O problema se toma particularmente agudo quando per-
cebemos que as mensagens em função fática apresentam um
repertório de características singulares: elas comportam-se
como "mensagens velhas", elementos de protocolos, já que, ao
contrário das frases que compõem a parole dos autênticos
discursos, elas não necessitam ser construídas pelo falante
(que já as memorizou de urna vez para sempre) em cada ato
concreto de comunicação. Ora, se a produção da parole e do
sentido, qualquer que venha a ser a definição que a essas
palavras· se dê, exige, necessariamente, urna liberdade de
escolha, por parte do falante I ouvinte, de elementos sujeitos
a, pelo menos, duas alternativas eqüiprováveis ("só há signi-
ficação onde há liberdade de opção", Assis Silva), e se essa
liberdade inexiste, corno ocorre no caso das frases fáticas pro-
tocolares, então as frases fáticas não possuem o estatuto da
"parole" nem possuem, rigorosamente falando, qualquer sen-
tido lingüístico.
Nos rituais de apresentação, é forçoso que as pessoas
apresentadas, apreciem-se ou não, digam "muito prazer", "en-
cantado", ou algo semelhante. Esse comportamento. de previ-
sibilidade total e, por isso, de informação nula, contrasta com

98
o comportam ento não previsto, altamente significativo, da
pessoa que, sendo apresentada a uma terceira, fique em si·
lêncio. O silêncio que é, nesses casos, não-previsto, sente-se
como algo afrontoso porque ele isola as pessoas em um com-
portamento autista que ameaça a manutenção dos vínculos
comunicativos que suportam a coesão de uma sociedade.
É curioso observar que, nesses casos, o está carre-
gado de é o não-falar, não o só pode dar
a entender que a mensagem fática é usada não tanto
significar alguma coisa, a nível lingüístico, como, mais vr,ontn-
damente, "fazer alguma coisa"', a nível pr4:lg1ná;tíccCJ:
gurar, a das condições para o diá~
, logo, a solidariedade entre os do mesmo grupo.
De fato, um sentido pragmático na opc:>sí1~ao
falar vs não-falar

no interior de
de injunções
tivas (proibições), art>itrad::ts
modalidades de reuniões
plo -, certos indivíduos

os conversar entre si, ou não


ma coisa para comunicar aos ouvintes: recorrer ao que
enredos fáticos acerca do
brílhEmtisnw da festa, etc.), é, então, um de
ou seja, é o ritual através do qual damos cumt~ri­
mento a uma injunção do grupo sem nos comprometermos,
ao mesmo tempo, com nenhuma transmissão de saber.
Por tudo a função fática não é, absolutamente, fun-
ção uma frase específica, nem mesmo de um tipo de frases;
ela é, mais exatamente, a característica básica do discurso,
de todas as fráses de qualquer discurso, queremos dizer, na
medida em que todas as frases de um discurso opõem-se ao
egocentrismo do silêncio e mantêm os vínculos do relaciona-
mento interpessoal.
" A função fática opõe-se a uma função simétrica, não con-
siderada por Jakobson, para a qual poderíamos reservar o

94
nome de função polêmica. Ambas aparecem como o res:uH:ado
de uma relação entre o comportamento or(tet~1aa:o
e o. comportamento adotado pelo domí1nio
uma situação protocolar regulamentada.
esclarece as condições de aparecimento uma e outra:

Comportamento RE- ~

Função
Ordenado pelo AA,.,,,.,jn pelo
Grupo ÇA:o Resultante
Indivíduo

Falar
n Falar Função Fática

n Não-Falar Função Polêmica

Não-Falar
n Falar Função Polêmica

n Não-Falar Função Fática

se expressar.

95
as funções são fáticas, o que, a rigor, a inscreve em um nível
metafuncional.

Se estivéssemos interessados em privilegiar um debate


em torno das propostas de Jakobson, esse tema poderia ser
aprofundado. Mas o que aí fica é suficiente para os nossos
propósitos imediatos, que estão voltados mais para os pro-
blemas ligados à possibilidade. de integração entre essa teQria
e a teoria dos interpretantes. ·

Do esboço acima fica claro que a teoria dos interpretantes


inclui, uma a uma, todas as "funções jakobsonianas" da lin-
guagem. Incluindo, intuitivamente, a relação
Discurso n Canal
todos os interpretantes estão dotados da função fática e in-
cluem, também, do mesmo modo, uma função metalingüística,
desde o momento em que esta se define, na visão jakobsoniana,
como a projeção da mensagem sobre o código. Ora, essa mes-
ma relação
Discurso n Código
é a premissa básica de que parte a nossa teoria, no âmbito
da qual cada interpretante é encarado, explicitamente, como
o resultado de um de três tipos possíveis de semiose entre
o discurso e o código (extradiscursivo, · intradiscursivo, hetero-
discursivo) .
O discurso é visto, em nossos termos, como um plano de
expressão (E) invariante, virtualmente relacionável (R) com
um plano de conteúdo (C) variável, a ser fornecido ou pelo
código extradiscursivo ( C1 ), ou pelo código intradiscursivo
( C2 ), ou pelo código heterodiscursivo ( C 3 ) :
E
R
c I "sabre de fol~a 11 ','desenho,de ~m al~a~~~· 1 1"Lua]'
L_:urta e larga_j 1._22 no ceu, a n01t~ L
t . t . t
cl c2 cR
Integradas, assim, à teoria do interpretante, as funções fá-
tica e· metalingüística (a primeira, pela existência do plano

96
de expressão, a segunda pela existência dos planos de con-
teúdo); resta-nos convalidar essa teoria mediante a integração,
nela, das funções restantes, a referencial, a poética, a emotiva,
e a conativa.

Observemos, inicialmente, que a semiose extradiscursiva,


ERC 1 , organiza os signos da língua, que se encontraram, des-
contextualizados, em um dicionário modelizante. Pela expres-
são "dicionário modelizante" entenderemos o código lingüís-
tico que modeliza qualquer discurso feito em dada língua, e
que transcende qualquer discurso em particular, porque,- en-
quanto elemento constitutivo da competência, ele existe antes
e existe depois de qualquer discurso. Assim, os signos da lín-
gua são signos de todos os discursos feitos nessa língua. Con-
forme já se viu, o ínterpretante do código é constituído pelo
plano de conteúdo dos signos da língua.
O interpretante do código extrai o sentido designativo de
um discurso X: ele mostra o discurso X falando de uma língua
(ou código) X.
Achamos, portanto, que se há de distinguir entre uma
função designativa e uma função referencial (só a segunda é
prevista por Jakobson). Segundo pensamos, o~ signos de um
discurso .designam os signos de uma língua, ao passo que 08
signos da .língua referem-se a uma "realidade" (que é "outro
· discurso"). Â relação
Signo. do discurso n Signo da língua
atribuímos uma função designativa (a primeira "realidade"
para um signo é o interior do seu próprio código) ; à· relação
Signo da língua n· "realidade"
atribuímos uma função referencial.
Insistimos no entendimento de que os signos do. discurso
designam os signos da língua e esteJ;, por sua vez, se referem
a uma "realidade" (que, enquanto "realidade interpretada"
é uma "reaHdade ideológica", uma imago semiotica, e se ex-
prime, portanto, como discursos comunais), porque não que-
remos incidir na falácia cratilíana dos semanticistas realistas
que acabam identificando .o nome que designa um signo da

97
língua com a coisa designada pela língua. Em outra obra
(Fundamentos da Lingüística Contemporânea), escrevíamos
que, assim como o signo não é o objeto ou coisa da qual ele
é nome, a linguagem não é o mundo; ela é, apenas, um saber
sobre o mundo, capaz de fazer-se intersubjetivo e de relacionar
consciências. Por isso só tem sentido falar-se de "objeto" como
o saber ou quadro de referência comum ao remetente e ao
destinatário da mensagem, que se entendem através· do código ·
que conhecem (não através do mundo); em definitivo, só se
pode falar do "objeto" do conhecimento como um ser da lin-
guagem, como um "designatum", portanto, não como um "de-
notatum". ·O designatum é, como queria Morris, não uma
coisa, mas uma classe de objetos, isto é, um modelo ou simu-
lacro de objetos, e,_assim, ao passo que os referentes ou "deno-
tata" são coisas que existem extralingüisticamente, os "desig-
nata" são conceitos que (como "Minotauro", "Perseu", "Dom
Quixote") existem intralingüisticamente, como lembranças dos
discursos de nossa cultura, que ouvimos ou lemos, e aos quais
não corresponde, necessariamente, uma. existência fora da
gua e da cultura;

A sefniose intradiscursiva~ ERC 2 (no gráfico


sentado), organiza os signos do contexto, quer aqueles
existem no interior de cada discurso, mas são diferentes de
di5:curso para discurso. Isto que eles se localizam
dii~ioná:rio modelizado pelo não no dicionário m<>CU1U-
zante que o transcende. Assim, enquanto signo contexto
dis(~unm "Fraga e Sombra" o elemento que tem o plano de
exJ?ressii;o jalfanjej nada tem a ver com outro elemento que,
outro discurso, manifesta-se, também, pela expressão
taJtar,~JeJ naturalmente, o fato de ambos possuírem o
mesmo expressão);
- tais elementos constituem um único signo· da língua, sendo
dois do contexto· inteiramente diferentes.

O código de que tratamos, agora, é um conjunto sui ge-


neris; organizado no discurso X, pelo discurso X, para o dis-
curso X, em cujo âmbito ele se origina e se esgota. Diferente-
mente do dicionário da língua que é o código modelizante pri-
- :tnário de todos os discursos, reais ou virtuais, dessa língua, e

98
que se implicita como uma pressuposição necessária · para a
interpretação de todos os discursos feitos nesse idioma, o dicio~
ndrio do contexto é sempre o código explícito de um único
discurso, aquele mesmo que o modelizou, co11stituindo-o como
um código intradiscursivo. O é que o dicionário m(WE?U-
zado por um discurso X confunde-se com o próprio discurso X.
O interpretante do contexto é constituído de
conteúdo dos signos desse contexto. Ele está áoitadlo
ção de extrair o sentido poético de um discurso
a função poética mostra um discurso X falando de
· discurso X. ·

signos
não se encontram nem no áH~lOnáno
língua nem do dicionário modelizado
sim, em outro discw'so.
o

uma
cobrem, na veJrdaáe,
tiva (na rel.açilio
conativa (na rel:açi!io
A coJmutni<~aç:ão lín.gü.ística é uma versão semiótica da re-
lação social entre urn o "eu" do
destinador e o "tu" do de:stiilatário, que trocam entre
si um Esse
que tem a de a ideologia de urna cmnu1nidad1e;
assim, uma de expressão de uma iá~~ol1Jgia
no seu significante do mundo modo
recer), quando,· no fundo, de si mesma (ideologia), ao
modo do ser. Por isso, é preciso reconhecer que o dis:curso
um de manifestação da língua que é um
manifestação de uma ideologia. É exatamente
o plano de de um discurso X pode racUcEtr
plano de conteúdo de uma língua quanto no
teúdo discurso X ou do discurso Y. Na pol.êirlica "o

99
mesmo modo de dizer outra coisa", típica da ideologia, e "o
outro modo de dizer a mesma coisa", típica do discurso, é que
se instala a língua: língua, discurso, ideologia, três modalidades
sernióticas: tudo está para ser dito (língua), tudo está sendo di~
to (discurso), tudo o que pode ser dito já foi dito (ideologia).
A ideologia me aparece corno aquilo que eu penso (função
emotiva); mas o que eu penso repete impensadamente aquilo
que o meu grupo pensa e obriga~e a pensar (função cona-
tiva). Na medida em que pertenço (no sentido forte) ao meu
grupo, um subentendido. (aquilo que eu penso que meu grupo
pensa) é o sentido radical do meu discurso. Por isso, o sen-
tido do meu discurso é outro discurso, que é o discurso do
outro, o meu grupo, de que me faço porta-voz, atribuindo-lhe
um plano de expressão que é tanto mais trapacean te quanto
eu o considero "meu".
Combinando urna simulação com uma dissimulação, o dis-
curso é uma trapaça: ele simula ser meu para dissimular que
é do outro. Inicialmente, ele simula ser meu naquilo que nele
não tem sentido nem valor autônomo, o plano da expressão,
nisso mesmo, portanto, que me foi imposto pelo grupo através
das operações modelizantes da aprendizagem. Por outro lado,
na condição alienante do seu sentido, desse sentido que é,
sempre, urna atribuição, um sentido do outro, o discurso dis-
simula a alienação do meu "eu". A alienação do meu dis-
curso é, enfim, a tradução lingüística da condição social alie-
nada do meu eu: assim como o meu discurso é a manifestação
trapacean te do discurso oculto do outro, o meu eu é a mani~
f estação do eu ·oculto do outro.
Por 'isso, o signo produzido por urna semiose heterodis-
cursiva
E /alfanje/
R
C3 "lua"
deixa-se decodificar, ambiguamente, de dois modos:
- ele é, do ponto de vista da expressão, um signo retórico,
ou seja, tendo em vista que o plano de expressão é o
único . dado lingüístico que se manifesta fisicamente, de
modo sensível, o. signo retórico parece ser um signo da
língua (do código extradiscursivo, ERC 1 );

100
- mas ele é, também, visto sob o prisma do conteúdo, um
signo ideológico, isto é, um signo de outro discurso, Y,
que ingressa no interior do discurso X (os signos do dis-
curso X referem-se a "um sabre de folha curta e larga"
ao. passo que os signos do discurso Y referem-se a enti-
dades outras como a "lua"; do cruzamento do discurso X
com o discurso Y nasce essa complexificação a que chama-
mos de discurso mítico, no interior do· qual "a lua é um
sabre de folha ct:~rta e larga"),
Enquanto retórico, esse signo é a figura através da qual
o plano de expressão do discurso X expressa-se ao modo do
parecer para exprimir um sentido extratextual, ERC 1
E /alfanje/
R
cl "sabre de folha
curta e larga"
quando, na realidade, ao modo do ser, ele exprime um sentido
heterotextual, ERC 3 :
E /alfanje/
R
C3 "lua"

Esse parecer ser o que não é, no plano da expressão, torna


um sistema semiótico "retórico": é retórico o sistema sígnico
que se inscreva no âmbito da "mentira" (mentira: parecer ser
o que não é). O plano de expressão do signo retórico situa-se
na dêixis negativa do quadrado semiótico;

t><D
não-parecer não-ser
PE do signo
retórico

No que diz respeito ao significado, o signo retórico opera


. a substituição do conteúdo extradiscursivo (ERC 1 ) por um
conteúdo de outro discurso (heterodiscursivo, ERC 3 ), origi-
nando as conotações dentro da obra. Parece claro que o dis~
curso ideológico apresenta fronteiras imprecisas, que se situam,
como conotadores, entre o domínio do inefável (que não se
pode saber) e do mistério (o que não se sabe): assim, o signo

101
retórico é um signo de outro discurso (ERC 3 ) mas não parece
sê-lo (porque, ao assumir o mesmo plano de expressão 'de um
signo extradiscursivo ERC1, ele parece ser um signo ERC1).
Desse modo, podemos situar o plano de conteúdo do signo
retórico na dêixis positiva do quadrado semiótico, o eixo que
define o mistério como o complexo [/ser/ +
/não parecer/]
(ao passo que a mentira fora definida, linhas aclma, como o
complexo [/não-ser/ + /parecer/]):
ser parecer
/alfanje/
PC do signo <1~1
retórico -~-
"lua"
não pii!recer não ser
Eis porque diz Joseph Bya que "a retórica aparece como
a face significante da ideologia". ·
Com esses dados podemos compreender as
razões pelas quais denominamos enunciados do tipo que esta-
mos estudando (ou do tipo já visto, páginas atrás, "Um homem
é um homem") de enunciados retóricos. É que signos como
alfanje (ou homem 2 ) são conotadores, quer dizer, possuem ao
mesmo dois planos de conteúdo:
possuem um plano de conteúdo ao modo do
parecer; tal plano de conteúdo constitui o seu sentido li-
teral (no caso de /alfanje/, o sentido literal está no signo
da língua "sabre de folha curta e larga");
- mas possuem, também, um plano conteúdo ERC 8 ,
ao modo do ser; tal plano de conteúdo constitui o seu
sentido (ou alegórico); no caso de /alfanje/, o
sentido é "lua".
O do código nos o "sentido
passo que o interpretante ideológico nos dá o "sentido
rado"; já o interpretante do contexto (ERC 2 ) opera a con-
versão do sentido literal em plano de expressão para o sentido
figurado: ·
E /sabre de folha/
I curta e larga/
ou, simplesmente,
/alfanje/
R
"desenho de um
Ca alfanje, no céu,
à noite"
CoNFIGURAÇÃo PARADIGMÁTICA E S!NTAGMÁTICA DA METÁFOM

Vimos que o signo retórico é a figura através da o


plano de expressão do discurso X se expressa não para mani-
festar o discurso X mas, mais profundamente , para ocultar
o plano de expressão de outro discurso, o discurso Y, Assim,
o plano de expressão /alfanje/, que pertence ao discurso X,
Fraga e Sombra, ocupa o lugar do plano expressão /lua/,
do discurso Y, ao qual oculta.
Precisamente porque o conjunto /aw'fãzi/ foi
selecionado num virtual eixo paradigmático para o
sintagmático que deveria ser ocupado pelo
significante /lwa/, fundando o signo retórico E /alfanje/ C 3
"lua" é que dizemos que essa modalidade de signos constitui
uma figura, ou, no caso presente, uma me~tájfora.
Essa substituição de significantes é acc)mpanh,ad:a,
por uma correspondente de
do conteúdo. Assim, onde quer que uma
surge uma retórica, no plano de expressão, vinculada a uma
(outra) ideologia, no plano do conteúdo.
A esta poderíamos a metáfora como a fi-
gura que relaciona uma retórica com o de uma
ideologia. a "lua" de
um ideologema metafórico, através consiste
em efetuar a ruptura de uma semiose ext:rac::lis,cm:shra para efe-
tuar, em seguida, a sutura de uma or1gu1a1
discursiva. Dá-se, aí, a para uma tra:ns:ref.eremciali-
pois que um discurso X passa a ser o discurso citativo
outro discurso, Y.
Essa para a se efetua me~
uma reestruturação semiótica que é trivial. Como Saus-
sure argumentava, o vínculo que une o ao
ficado é imotivado: não há uma relação necessária entre
do ponto de vista da semiose. Por isso, expressar o
significado Y através do plano de Y (/lwa/ R
mas podemos expressá-lo, também, através qualquer outro
plano de expressão, X, por exemplo (/alfanje/ R "lua"). No
fundo, é uma questão de convenção, e a convenção não é
uma propriedade da matéria ou da substância através da ·
um sistema semiótico se exprime: a convenção é um. contrato

103
entre pessoas, um dado ideológico, e pode, por isso, ser alte-
rada (não seria sígnica se não pudesse). A reconvenção semió-
tica pode ser entendida como uma ruptura da semiose extra-
textual, da competência, mais uma sutura da semiose hetero-
textual, na performance do discurso. Eis porque consideramos
o texto como "o espaço da semiose realizada", na Introdução
deste ensaio.
Desse modo, as operações figurativas podem ser conce-
bidas como uma modalidad e a mais de realização do meca-
nismo da leitura que combina a disjunção negadora da se-
miose extradiscursiva, responsável pela ruptura

com uma conjunção que afirma, no lugar da semiose cance-


lada, uma nova semiose, heterodiscursiva desta vez, na sutura
E /alfanje/
R
c:J "lua"

,.,... A metáfora, assim, consiste, como viu Jakobson, em uma


'•· ~Í>stituição de paradigmas, desde o momento em que, no
, ,,/interior da cadeia dos elementos que compõem o plano de
cj/' expressão do discurso X, determinados conjuntos possam atuar
\ (a) como significantes de significados da língua X, forma9do
signos extradiscursivos, do tipo ERC 1 ; e, ao mesmo tempo,
(b) como significantes de significados de outro discurso, Y,
formando signos heterodiscursivos, do tipo ERC 3 •

Colocada a coisa nestes termos, a substituição paradigmá -


tica a que alude Jakobson consiste na troca de C 1 por C 3 ;
mas essa descrição paradigmá tica contempla unicamente os
efeitos de uma figura que é, na sua essência, o resultado de
uma configuração sintagmática. Logo, para que não seja uni-
lateral, essa descrição paradigmá tica deve ser completad a com
a descrição do processo de configuração sintagmática que a
engendra em uma performance concreta.

104
De fato, o jogo da substituição paradigmática de C 1 por
C 3 executa-se, sempre, no interior de um discurso bem deter-
minado e é, a esse título, um fen&meno devido às interações
sintagmático-contextuais do discurso. Ocorre que tais inte-
rações é que respondem pela produção de signos intradiscur-
sivos, do tipo ERC 2 (/alfanje/ n "desenho de um alfanje,
no céu, à noite").
É nesse signo intradiscursivo que vemos o mediador entre
o signo extradiscursivo ERC 1 e o signo heterodiscursivo ERC 3 ;
a sua função seria, precisamente, a de converter ERC 1 em
ERC 3 , coisa que faz através de duas operações:
(a) inicialmente, ERC 2 desqualifica ERC 1 , enquanto signo,
para requalificá-lo, unicamente, como o seu plano de
expressão; ERC 1 converte-se, assim, em significante de
ERC 2 , signo cujo significado encontra-se definido no in-
terior do próprio discurso X;
(b) em seguida, ERC 2 desqualifica-se a si pr6prio como signo
para requalificar-se unicamente como plano de expressão
de outro signo, ERC 3 ; ERC 2 converte-se, pois, em signi-
ficante de ERC 3 , signo de outro discurso, Y, cujo signifi-
cado encontra-se no interior desse outro discurso, Y, não
no interior do discurso X.

Desse modo, a metáfora surge como o resultado de uma\


substituição entre paradigmas operada por transformações pro- '
cessadas no interior da cadeia sintagmática de um discursO;J
A associação de uma ruptura com uma sutura semiótic~a
correspondente equivale à denúncia de um código "velho", o
da língua, no interior do qual a expressão /alfanje/ vem
sendo imemorialmente associada com o conteúdo C 1 "sabre
de folha curta e larga". A figura é, portanto, uma rebelião
semíótica contra algo que é imposto pelo grupo a todos os
falantes indistintamente (o signo ERC 1 ). Considerando que
as metáforas aparecem como o momento da criação de uma
homonímia original, toda metáfora apresenta esse caráter sub-
versivo perante aquilo que representa, na língua, a projeção
conativa da ideologia conservadora do sistema dominante.
É necessário perceber, contudo, que, executando-se através
da performance de um discurso, es~a subversão resulta do

105
noite", em que se situa, numa isotopia complexa que re.sulta
da somatória [/isoto pia cultura l/ +
/isotop ia natura l/], um
objeto figurativo; assim, um dicionário ou código figurativo
da nossa sociedade organi za a postulação semiológica. da iso-
morfia ·
objeto cultural ::::::: objeto natural

no interior da qual o primeiro plano de conteúdo funcionará


como o plano de expressão do segundo plano de conteú do,
para o efeito de produz ir a metáfora
alfanje = lua

A TEOR.IA oos INTERP RETANT ES E os NívEIS DE DESCRI ÇÃo

Nos termos em que vimos pensando a nossa teoria, os


três interpr etantes apresentam-se hierarquizados em níveis re-
gidos por relações de dupla implicação.
Haveria um limiar mínimo da significação, representado,
no caso dos discursos verbais, pelo ínterpretante · do código
lingüístico, e um limiar máximo, representado pelo interpre-
tante ideológico; à língua, primeira instânc ia do sentido nos
quadros de uma cultura, opõe-se, . portanto, uma ideologia,
última instância de sentido de uma língua.
Nos limites desse entendimento, o interpr etante do con-
texto assume o estatuto categoria! de mediad or entre uma
língua e uma ideologia, uma semiótica (disciplina do plano
de expressão) e uma semiologia (disciplina do plano de con-
teúdo) ; desse modo, teríamos os seguintes níveis de descrição:
l - nível máximo: Interpretante Ideológico
2 - nível médio : Interpretante do Contexto
3 - nível mínimo: Interpretante do Código

Os diferentes níveis podem ser compreendidos, através. das


suas relações estruturais de constituição, sob os dois aspectos
que Benveniste isolou para estudar a forma e o sentido dos
elementos que integram os diferentes níveis da configuração
lingüística (Fonologia, Morfologia, Sintaxe):

108
(a)

um nível como a sua ca:pa1cidlad.~


cm:nb,imu com outro mesmo
nível
dois do
mesmo constitui um contexto, e a comllin1at1ória
dois elementos do mesmo contexto constitui uma id1sol.og;ia;
em termos o sentido se define
relação de que
mentos constituintes para um
ao mesmo e define o

(b) que
para o limiar mínimo
elemento de um nível como a sua
dissociar em dois constituintes menores
a forma de uma está na sua
possibil:ida.de de ser em dois elementos mes-
mo contexto; e a forma de um contexto está na sua
de ser analisado em dois elementos do mesmo
Em termos a forma se
uma rel:açato de que
mento em
seus que

Em um exemplo simp,les,
rativo como o da t"''"""' pro]Jpilan.a Jller'es1;ão reiJOtlsa
de analisar-se
de dois
que a
um contexto; de
mento contextual agressor
sarmos como sendo o
nador/ + de uma ação, no interior do
nível mínimo de um código (o código dos papéis actanciais
.de uma narrativa, no caso) :
nível ideológico (função) Agressão
l
·nível do contexto (papéis 4
agressor vs agr'béd'd
1 o
ac.tanciais investidq s)
I
nível do código t.
destmado r +
~
não-destinatáriÇ>
(papéis actandais
não-investidos)

De modo análogo,
(a) o interpre tante do código interpre ta o designativo
( cf. pág. 97) ou literal (cf. pág. 102) de um discurso-
-objeto falando de uma língua e ele é, por sua vez, inter-
pretáve l por um interpre tante do contexto, para o qqal
serve plano de expressão;
(b) o interpre tante do contexto interpre ta o interpre tante do
código demons trar o sentido poético do discurso X
falando mesmo (discurso X); o interpre tante do con-
texto é, por sua vez, interpre tável por um interpre tante
ideológico para o serve de plano de expressão;
(c) o interpre tante ideológico, finalmente, interpre ta o inter-
pretante do contexto para demons trar o sentido retórico
do discurso X falando de outro discurso, Y. Mas, o inter-
pretante ideológico já não serve de plano de expressão
para nenhum outro interpre tante, visto que duas ideo-
logias contraditórias excluem-se mutuam ente, e, por isso,
a réalização de .uma delas acaba forçand o a virtualização
da outra.

:É tempo de observa r que o desenvolvimento do discurso


teórico acerca de uma Pragmá tica - o desenvolvimento de
uma Praxiologia - só terá êxito na medida em que a
realizar o projeto da semiologia saussuriana, passand o a estu-
dar "a vida dos signos no seio da vida social". No
dessa Praxiologia acabaremos por reconhecer, um dia, que uma
ciência das ideologias ·é a referência última da Semântica,
enquantO ciência dos sentidos: pois o que atribui sentido ao
sentido é, em última análise, o que atribui sentido à cultura:
~ ideologia que ela excreta e na qual vive megulh ada em uma

110
espécie de sonho dogmático em que o .·"sentido" se idEmt:itic:a
com a "verdade". Pois, como se acabou de ver, na
instância da significação confundem-se "a verdaâé" e "o sen-
tido", razão à observação de Ramsey e de Strawson
a propósito da redundância da verdade. Por isso, vez
que reinterpretamos uma interpretação (que é um exe-
cutamos uma operação ideológica, pois que a co-notamos; e a
conotação é, nas palavras de Barthes, "um fragmento ideo.
logia". Cada vez que reinterpretamos um texto já
tado, transformamos esse texto em ( pretexlto)
um segundo o que só se pode fazer nel~antdo
a sua ·condição texto, para
de discurso, plano de
de outro texto, incessantemente perseguido.
Assim, é enquanto plano de expressão, não en,qw~mt:o
de conteúdo, que uma obra tem muitos textos; o
natário pressupõe da existência de um discurso
o destinador disse, um texto, um é o
dizer, a intenção de comunicar que resta
pn~tada para que o discurso, finalmente, faça
subentendido, capaz de se definir como "aquilo que o
naltárilo do discurso pensa que o destinador do discurso
ao emitir seus enunciados" (o autor quis dizer que . . .)
o processo da interpretação através de uma re!;semiolc>gi:za!~ão
sempre renovada, à medida que se sobe interpreta-
tivo: um nível inferior será sempre o expressão
um sentido que não está nesse nível, está no nível imediata-
mente superior.
Subjacente a esse diálogo entre uma retórica que em
cada significado de um texto, o significante de outro discurso,
e uma ideologia que vê, em cada significante de um discurso,
o significado de um texto, subjacente ao próprio fazer discur-
sivo, portanto, abriga-se a estrutura narrativa de uma luta
entre dois actantes (os actantes do discurso) cujo fazer se
contrapõe na polêmica sempre renovada entre a atividade de
definir e a atividade de denominar.

111
.•

*
Este livro foi composto e
imPresso pela EDIPE Artes
Gráficas, Rua Domingos
Paiva, 60 - São Paulo.
CURSO DE LINGOfSTICA GERAL*
Ferdinand de Saussure

ASPECTOS DA LINGOfSTICA MODERNA*


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