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Introdução
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Doutoranda em Estudos da Linguagem no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bolsista CAPES/REUNI. E-mail: liacremonese@gmail.com.
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Este trabalho é um recorte de nossa dissertação de mestrado, Bases epistemológicas para a elaboração
de um dicionário de Lingüística da Enunciação (Cremonese, 2007), defendida no Programa de Pós-
Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
3
Notamos que não abordaremos neste recorte a influência saussuriana na constituição do campo da
Linguística da Enunciação. Tal influência, contudo é essencial, e sobre ela nos debruçamos na primeira
seção do segundo capítulo de nossa dissertação (Cremonese, 2007).
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Para maiores detalhamentos acerca dessa caracterização do campo, consultar o segundo capítulo de
nossa dissertação de mestrado (Cremonese, 2007).
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A palavra evolução é aqui utilizada com o sentido de transformação, de movimento. Isso significa que
não buscamos emitir qualquer tipo de juízo de valor em relação às teorias. Isto é, não estamos dizendo
que uma teoria é melhor ou pior do que outra, mas que cada teoria em si decorre de reflexões anteriores.
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Nesta dissertação, o termo epistemologia deve ser entendido no sentido de “condições de pertinência de
uma ciência existente” (Bouquet, 2004, p.14).
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Traduzimos todas as citações que não estavam em língua portuguesa.
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meio de agir sobre o mundo e sobre os seres” (Desbordes, 1992, p.154), visão ligada às
crenças religiosas e mágicas.
Desbordes destaca que a passagem da concepção da fala como ação (relação
com a poética) a uma análise dessa fala se dá com Aristóteles e Platão. Com o primeiro,
teriam surgido as primeiras noções do que hoje se estuda como Fonética. É a Platão que
Desbordes dá um grande destaque. Segundo a autora, em tal pensador “a fala não é mais
vista em sua relação com a poesia, a escrita ou a leitura, mas sim na capacidade de
representar corretamente ou não o real” (Desbordes, 1992, p.161).
Na mesma direção, Catherine Fuchs (1985) faz uma reflexão acerca da origem
do pensamento enunciativo em que traz como precursores do campo, com uma
influência de importância decrescente, a retórica aristotélica, a gramática e a lógica.
Considerando que a retórica atentava para fatores como a imagem que o orador
pretendia dar de si mesmo, o tipo de argumentos em função da situação, o
encadeamento de seu discurso em relação ao discurso do opositor, podemos afirmar que
“de fato essa retórica se sustenta, enquanto princípio, na consideração daquilo que
chamamos hoje „a situação de enunciação‟” (Fuchs, 1985, p.112). Fuchs ainda ressalta
que Aristóteles dividia o discurso em três elementos: aquele que fala, o assunto sobre o
qual se fala e aquele para quem se fala.
A gramática, viria a afirmar Saussure, visava “unicamente a formular regras para
distinguir as formas corretas das incorretas” (Saussure, [1916], p.7). Para Fuchs,
contudo, ela poderia ser considerada precursora dos estudos enunciativos porque,
“apesar de estar interessada pelas regras constitutivas do sistema da língua comum a
todos os utilizadores e não aos mecanismos de produção do discurso por um sujeito em
situação” (Fuchs, 1985, p.113), trata da problemática do sujeito quando versa sobre
temas como, por exemplo, a dêixis e as modalidades. A partir do estudo da dêixis, a
gramática “reconheceu a especificidade de alguns termos que só obtêm valor
determinado através da atualização momentânea que lhes confere a produção da
enunciação em que aparecem” (Fuchs, 1985, p.113-114).
As modalidades8, por sua vez, são abordadas por diferentes gramáticos. Um dos
exemplos dados por Fuchs são os estudos dos estoicos e aristotélicos, que separam “o
funcionamento „cognitivo‟ (a asserção, que permite transmitir uma informação
verdadeira ou falsa) e o funcionamento „apelativo‟ (todos os outros tipos, em que há um
locutor dirigindo-se a um receptor que lhe pareceu em condições de satisfazer seus
desejos)” (Fuchs, 1985, p.114). Outros exemplos citados pela autora são a distinção,
feita por Varrão, dos três tipos de ação a que as palavras pertencem (pensar, dizer e
fazer), o estabelecimento, por Aristóteles, de “regras de equivalência por dupla negação
contraditória, não somente entre proposições assertivas, mas também entre proposições
modais” (Fuchs, 1985, p.114), e, na Idade Média, a decomposição da proposição em
modus e dictum – tema após retomado em Port Royal. 9
Por fim, a lógica tem seu percentual de influência sobre os estudos enunciativos,
ainda que em menor escala, através, por exemplo, da necessidade percebida por
algumas linhas atuais dessa área de estudar alguns fenômenos semânticos pelo viés do
sentido e não da referência e de tomar por objetos “as problemáticas das „funções da
8
Conforme Dubois (1973, p.413-416), “a modalização define a marca dada pelo sujeito a seu enunciado”
(p.414), e as modalidades são os elementos utilizados para fazê-lo.
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E, ainda mais tarde, como veremos adiante, também por Charles Bally.
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Bally. Ressaltamos também que Bally tem um status diferenciado em relação a Bréal e
Humboldt, já que toma a enunciação como objeto mesmo, e não tangencialmente. Dessa
maneira, marcamos Bally como o mais representativo precursor da área.
Bally teve como guia a preocupação acerca do ensino de língua estrangeira e, em
especial, de língua materna. O autor acreditava que o ensino de línguas era realizado de
uma maneira equivocada, por enfocar apenas os aspectos metalinguísticos, através de
obras literárias. Para Bally, a língua literária era secundária, derivada da língua falada –
essa espontânea. Segundo o autor, o estudo de línguas feito a partir da língua literária
era uma inversão, já que a língua falada teria a estética apenas como meio para chegar a
um fim, a comunicação dos pensamentos e da afetividade, enquanto a literatura teria a
estética por fim.
O autor, então, cria uma nova disciplina, a Estilística, à qual cabe estudar o que
do pensamento do sujeito está expresso no uso que ele faz da linguagem e como o uso
da linguagem age sobre a sua subjetividade, sempre a partir das marcas linguísticas
desse uso.
Esse pioneirismo de Bally, que, portanto, já trata dos temas relacionados à
enunciação de maneira menos específica em suas obras iniciais11, de fato se concretiza
quando, em 1932, publica Linguística geral e linguística francesa, texto esse que traz,
entre os parágrafos 26 e 212, o capítulo intitulado Teoria geral da enunciação.
Em sua Teoria geral da enunciação, Bally diz que “toda enunciação do
pensamento pela língua é condicionada lógica, psicológica e linguisticamente. Esses três
aspectos somente se recobrem em parte; seu papel respectivo é muito variável e muito
diversamente consciente nas realizações da fala” (Bally, 1965, p.35). Um enunciado (ou
frase, termo equivalente na obra), então, é constituído linguisticamente e tem em si um
lado lógico e um psicológico.
A enunciação é o ato que um sujeito realiza ao comunicar os seus pensamentos.
Pensar é “reagir a uma representação constatando-a, apreciando-a ou desejando-a”
(Bally, 1965, p.35), e a representação consiste em uma noção da realidade que cada
sujeito tem em si mesmo. Bally adverte que “é preciso cuidar para não confundir
pensamento pessoal e pensamento comunicado” (Bally, 1965, p.37).
Assim, um sujeito tem uma noção de realidade, criando uma representação do
mundo, dos outros e de si mesmo. Para exprimir seus pensamentos pessoais, ele faz com
que conceitos virtuais, do sistema linguístico (equivalentes aos signos saussurianos),
sejam atualizados, tornando-se conceitos reais, isto é, ligados à sua representação da
realidade. Ou seja, o sujeito toma os conceitos da língua – que são criados na mente de
todos os sujeitos de uma comunidade linguística – e faz com que se identifiquem com a
sua representação de mundo, pois “para se tornar um termo da frase, um conceito deve
ser atualizado. Atualizar um conceito é identificá-lo a uma representação real do sujeito
falante” (Bally, 1965, p.77). Ou seja, o sujeito, ao enunciar, faz um uso individual e
único do sistema linguístico.
Retomando o que foi dito mais acima, a frase – ou enunciado, a realização da
fala – é composta linguística, lógica e psicologicamente. Se a sua porção linguística é a
materialização da enunciação, onde estão as porções lógica e psicológica?
11
Précis de stylistique (1905), Traité de stylistique française (1909) e Le langage et la vie (1913). Para
maior detalhamento da Estilística de Bally, ver a primeira seção do primeiro capítulo de nossa dissertação
de mestrado (Cremonese, 2007).
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A forma lógica da frase é a noção direta e objetiva que o sujeito tem em contato
com os signos da língua antes que opere subjetivamente sobre elas. Bally chama essa
parte da frase de dictum. Já a porção psicológica é justamente aquela referente à
“operação psíquica que o sujeito opera sobre ela” (Bally, 1965, p.36), isto é, o ato de
atualização em si, que o autor denomina modus ou modalidade. Tal operação pode
marcar entendimento, julgamento de valor ou julgamento de vontade. É através do
modus que a representação formal da frase (o dictum) é atualizada, isto é, ganha sentido
pelo falante.
Bally adverte que seria vantajoso estudar separadamente as três partes da
enunciação,
Considerações finais
O que podemos constatar, a partir do que precede, são os elementos que são
estudados desde o início propriamente dito do que se chama Linguística da Enunciação
em uma espécie de “incubadora teórica”. A partir dos mais variados tipos de estudo,
diversos autores, em distintos períodos, foram moldando as temáticas que hoje podem
ser consideradas como pertencentes a um mesmo quadro teórico. Desde as primeiras
reflexões dos gregos até a teoria de Bally, muitos são os aspectos que podem ser
relacionados aos estudos enunciativos.
Abordamos os estudos dos gregos, que trazem, com a retórica, não só a situação
de enunciação como a fala vista como a manifestação de um parecer, do pensamento do
falante. A Gramática, por sua vez, trata da problemática do sujeito, através dos estudos
em dêixis e em modalização. Já a lógica traz as primeiras reflexões mais aprofundadas
em termos de argumentação na linguagem. Os árabes, em contrapartida, são os que
tomam grande parte dos aspectos relevantes para as teorias enunciativas ao estudar a
linguagem levando em conta a problematização do sujeito enunciador, de seu
interlocutor e da situação de enunciação, notando que havia marcas de todos esses
elementos na estrutura formal do enunciado.
Vimos, ainda, que Humboldt trata de componentes de vital importância para a
Enunciação, como a subjetividade, vista como fonte de constituição das experiências
sob o ponto de vista do sujeito, e a dualidade da linguagem, além de a linguagem só ser
compreendida partindo-se da fala. Bréal igualmente afirma que a linguagem não pode
ser desligada do homem. A partir da linguagem, afirma o autor, não se consegue
apreender o real em sua totalidade, mas apenas uma transposição da realidade é
acessível por meio do uso da língua. Também em Bréal se ressalta que as palavras
ganham valor no seu uso. Por fim, Bally, o mais significativo precursor da Enunciação,
é quem aborda a enunciação como objeto mesmo.
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