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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas


Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas

Rafael Schneider (Primeiro horário) Nº USP: 12564930


Mariana de Amorim Oliveira (Primeiro Horário) Nº USP: 12520865
Valéria Alves Gonçalves (Segundo Horário) Nº USP: 5940144
Pedro Piascentini Feitosa (Primeiro Horário) Nº USP: 12521702

Neologismos não integrados ao acervo léxico da língua portuguesa: a inventividade


literária a serviço da expansão lexicográfica

Docente: Professora Dra. Mariângela de Araújo


Disciplina: FLC0276 - Morfologia do Português I

São Paulo
2022
SUMÁRIO

1. Objetivo do Trabalho e Corpus Utilizado..................................................................2


2. Metodologia..................................................................................................................2
3. Fundamentação teórica – Textos de Referência.......................................................3
3.1. Derivações e Composições (Neologismos Sintáticos).................................3
3.2. Estrangeirismos e textos técnicos (Neologismos por Empréstimo)..........4
3.3. Palavra-Valise...............................................................................................4
3.4. Demais Processos..........................................................................................5
4. Considerações finais..................................................................................................44
5. Referências Bibliográficas........................................................................................46

1
Neologismos não integrados ao acervo léxico da língua portuguesa: a inventividade
literária a serviço da expansão lexicográfica

1. Objetivo do Trabalho e Corpus Utilizado

O presente texto procura analisar a presença massiva de neologismos no corpus


de revistas literárias, baseando-se na prestigiada revista uspiana “Literatura e
Sociedade”, produzida em um ambiente acadêmico de tradição e retratando, mais
especificamente neste volume de número 35, autores conhecidos por suas capacidades
de inovação no campo da linguagem, como João Guimarães Rosa, e da renovação de
gêneros textuais, como Samuel Beckett.
Cabe destacar que desconsideramos as primeiras 37 páginas da edição nº 35 de
“Literatura e Sociedade", pois continham um artigo escrito integralmente em língua
espanhola, que não é o idioma alvo deste trabalho, que se ateve às demais 183 páginas
da revista.

2. Metodologia

O trabalho conta com as etapas de seleção de termos candidatos a neologismo,


que foram, posteriormente, submetidos a uma etapa extensiva de verificação para que
pudessem ser feitas as exclusões dos termos já dicionarizados, facilitando a
classificação dos termos restantes em classes de neologismos correspondentes, tanto
quanto possível, aos seus processos de formação. Utilizou-se como base para a exclusão
dos termos dicionarizados o banco de dados de três dicionários on-line bastante
conceituados: Priberam, Aulete e Michaelis.
Durante o processo foram descartados alguns termos da análise por estarem
dicionarizados, optando-se por termos mais inovadores, ainda que exista o entendimento
de que certas expressões mais ou menos utilizadas podem integrar arbitrariamente os
dicionários. Concorda-se, portanto, com Ieda Maria Alves quando se afirma que a
inserção de um termo em tais obras permanece sendo o melhor parâmetro para
considerá-lo como parte do acervo lexical de uma língua (2004, p.85).

2
Em vista disso, consideraram-se os neologismos ainda não integrados ao corpus
oficial da língua portuguesa, não favorecendo expressões consagradas ou raras, mas
buscando excluir de nossa base de dados aqueles termos já reconhecidos e que não
representam a potencial ampliação do léxico.

3. Fundamentação teórica – Textos de Referência

Basicamente, dois textos serviram como base teoria para a análise e classificação
do corpus levantado: Formação de Palavras, de Valter Kehdi e Neologismo: Criação
Lexical, de Ieda Maria Alves, embora outras fontes tenham sido consultadas
pontualmente – como o Dicionário de Tupi Antigo, de Eduardo Navarro e os estudos
acerca do léxico de Guimarães Rosa, de Nilce Sant’Anna Martins – devido à
complexidade de certos termos. Por fim, utilizou-se ainda de pequeno excerto de
Guimarães Rosa no qual elucida a criação do termo “hipotrélico”.
Ambos os textos principais da fundamentação de nossa análise são bastante
similares no tocante à classificação, mas em alguns pontos a clareza motivou a escolha
de um termo usado por Kehdi, como a “translação em primeiro grau”, que não é tão
límpida no texto de Alves.

3.1 Derivações e Composições (Neologismos Sintáticos)

Abundam, nesta seleção de dados, os neologismos advindos da derivação e da


composição. Tal fato pode ser decorrente da tendência que a produção literária possui
de inovar por meio do que já possui registro no léxico de uma língua. A criação de
novas palavras com base em derivações prefixais, sufixais e parassintéticas – estas com
menor frequência – são tão constantes quanto a presença da palavra-valise.
O presente trabalho apresenta alguns termos bastante produtivos como as
derivações prefixais relacionadas aos prefixos “anti–” e “não–”, que se fazem presentes
em corpora por meio de neologismos como “não-prosaico”, em que o prefixo não se une
ao termo “prosaico” com o sentido de oposição – como ocorreria com “anti–” –, mas
com o intuito de não compactuar com as características atreladas ao adjetivo (ALVES,
2004, p17).

3
A composição subordinativa presente em expressões como “roda-mestra” refere-
se a compostos substantivos justapostos por substantivos determinados e substantivos
determinantes com função adjetival (ALVES, 2004, p.42). A classificação se repete
sempre que substantivos se unem em uma relação de determinante/determinado e os
dados apresentados possuem casos interessantes como “narradores-narrados”, “roda-
mestra” etc.

3.2. Estrangeirismos e textos técnicos (Neologismos por Empréstimo)

No caso dos estrangeirismos, consideraram-se como, de fato, neologismos por


empréstimo, todos aqueles que apresentaram uma forte impressão de deslocamento e
“não pertencimento” dentro do campo terminológico corriqueiramente empregado em
textos de língua portuguesa.
Em alguns poucos casos foi realizada a tradução de estrangeirismos, por se
tratarem de expressões cuja tradução de um estrangeirismo já estava nitidamente
descrita dentro do contexto em que foram encontradas no corpus, como no caso da
expressão “vindo de fora”, presente na página 195 do material analisado.
Além disso, de acordo com os textos de apoio selecionados, optou-se pela
manutenção de termos que definimos como “termos técnicos” juntamente com os
estrangeirismos, sempre que os termos fossem advindos de uma língua estrangeira e
conservassem suas características mórficas, deixando clara a “cor local” da língua de
origem (ALVES, 2004, p.73).

3.3. Palavra-Valise

Quando se analisam dados de textos literários, costuma-se deparar com maior


número de palavras-valise. Embora se espere mais casos resultantes desse processo, é
possível justificar a ausência de um número tão elevado neste trabalho pelo fato de que
o corpus consiste de textos voltados à crítica literária muito mais do que textos
propriamente literários e que remontam a um “estado de arte” da produção textual.

4
Não obstante, termos como “russertanejas” foram registrados como palavras-
valise, por apresentarem bases que cedem sílabas para a criação de um novo item lexical
(ALVES, 2004, p.69).

3.4 Demais Processos

Os casos de neologismos fonológicos como as criações onomatopaicas e os


processos de reduplicação foram, conforme se esperava, bem menos numerosos. No
caso dos neologismos fonológicos, a sua presença se justifica pelo conteúdo analisado
ser voltado a um campo de maior experimentação da linguagem.
Sabe-se que a criação onomatopaica advém, por vezes, de significantes inéditos
(ALVES, 2004, p.12) e tal fato justificou o cuidado com que se buscou classificar ou
mesmo mencionar termos que possam ter uma origem onomatopaica, como é o caso de
“balalaicas”, embora o contexto em que aparece o termo não tenha sido caracterizado
como criação onomatopaica e também a classificação não taxativa que se atribuiu ao
termo “retintin”.

4. Apresentação e Análise dos Dados

Significado do
Neologismo termo/Justificativa da Classificação Contexto Página
Classificação
"Quiçá surpreendidos
O prefixo opositivo “anti- pela eficácia de sua
“, une-se ao termo prosa e a madurezs de
“totalitário”, produz o sus ideias pacifistas e
Derivação
Anti-totalitárias efeito de oposição ao anti-totalitárias, os 38
prefixal
totalitarismo e de apoio editores colocaram
aos ideais coletivistas e “Um pouco de
liberais. história” como
continuação do

5
editorial".
"Talvez nessa posição
crítica, o jovem
Candido deva alguma
coisa a Rodó,
embora, diferente
Ao termo "ariel", que no
dele, nunca será um
contexto tem um sentido
acabado exemplo
de moralismo, junta-se o
Derivação arieliano, nunca vai
Arieliano sufixo "-ano" que atribui o 38-39
sufixal se transformar “de
valor de "próprio de que
crítico literário em
ou quem defende
moralista”, segundo o
princípios moralistas".
certeiro juízo de
Henríquez Ureña
sobre o “Mestre de
América” (Henríquez
Ureña, 1949: 183)".
"E ainda acrescenta:
r: “[o] motivo capital
do ensaio [é] –alertar
O termo transmite a ideia contra a nordomanía
uma "paixão ou obsessão que o êxito material
Nordomanía pelo país Estados Unidos, Palavra-valise da grande nação do 39
a parte da junção do termo Norte suscitava no
"norte" com "mania". mundo hispano-
americano”
(Bandeira, [1949]
1969: 176, 177)".

6
"O realismo importa
a Candido pelo
menos desde seus
trabalhos sobre
Trata-se de derivação Graciliano Ramos até
parassintética por juntar as notas sobre Lopes
simultaneamente o prefixo Neto e, já para
"super-", que exprime incorporar á zona de
Derivação
Superregionalismo superioridade ou grandeza colonização hispana 46
parassintética
e o sufixo "ismo", de América, o artigo
designando um conceito, de 1972, no qual
filosofia ou propôs o conceito de
posicionamento. “superregionalismo”,
que mudou o sentido
da leitura de uma boa
parte da narrativa
daquele momento".
"Essa leitura,
marcada como nunca
Termo que, no contexto,
antes pela teoria da
assume o sentido próximo
dependência e o
de “sintetizador da ideia e
conceito de
conteúdo relacionados ao
subdesenvolvimento,
regionalismo”. Possui uma
acaba situando-se na
clara relação semântica Composição
Chave rural chave rural e, em 47
entre os termos que sintagmática
consequência, se
assumem sentido único
afasta de uma
quando juntos, com cada
apreciação
elemento condicionado a
“americana” da
sua posição na oração para
literatura cosmopolita
preservar o sentido.
e menos
supostamente

7
envolvida, dilema
típico dos anos
quarenta até os
setenta, atravessado
pelo pensamento e
pelas opções políticas
de Jean-Paul Sartre".
"As referências às
literaturas pós-
autônomas (Ludmer,
2010), a arte fora de
marco (Richard,
2001), as ficções
O prefixo “pós-“ une-se ao errantes (Speranza,
termo “autônomo” e Derivação 2012), a arte
Pós-autônomas 56
produz efeito de prefixal inespecífica
temporalidade posterior. (Garramuño, 2015),
as formas híbridas
(Gutiérrez, 2017),
dentre outras,
indagam sobre essas
transformações na
arte contemporânea".
"Não obstante essa
multifacética
O prefixo diversificador produção, a sua maior
“multi-“, une-se ao termo projeção acontece a
Derivação
Multifacética “face” e ao sufixo "-ico" e partir dos anos de 57
Parassintética
produz o efeito de 1990, quando a sua
diversidade de aspectos. escrita atenua a
invenção ficcional e
se desloca em direção

8
de formas discursivas
de caráter
autobiográfico".
"Hugo Verani
sustenta que, assim
como o universo
imaginário de Kafka
e seus indivíduos em
perpétuo estado de
estranhamento, ou
como as atmosferas
irreais do comedido
Ao termo "Levrero", junta-
mundo por onde
se o sufixo "-ano" ao nome
circulam as
do autor de "Irrupciones" Derivação
Levrerianas personagens dos 60
para atribuir o sentido de sufixal
relatos de Felisberto
"próprio ou pertencente a
Hernández, as ficções
Mario Levreiro".
levrerianas “abren
puertas a fondos
desconocidos del ser
humano, donde todo
es inestable,
imprevisible y
desconcertante”
("Irrupciones", p.
60)".
"Enrique Fogwill
Alteração gráfica no termo
afirma que o universo
"tiques", sem modificação
Neologia levreriano desdobra
Tics no nível do significante no 62
fonológica uma trama de tics,
sentido de "hábito
manias, obsessões,
desagradável".
superstições que

9
levam a uma
figuração
perturbadora do
mundo real".
"O artigo compara os
contos “Rolézim”
Alteração gráfica no termo (Geovani Martins, O
"relozinho", com intuito de sol na cabeça) e Dois
mimetizar a fala carioca, Neologia amores (Paulo Lins),
Rolézim 66
sem modificação no nível fonológica discutido o modo
do significante no sentido como se configura a
de "um passeio de lazer". representação do
cotidiano de pessoas
pobres".
"“As caravanas”, de
Chico Buarque
(2017), gira em torno
da presença de jovens
vindos dos morros ou
dos subúrbios nas
Justaposição de bases na praias da Zona Sul do
qual o substantivo Rio, e parece
"cidadãos" tem a função Composição antecipar “Rolézim”;
Cidadãos de bem 67
determinado e os termos subordinativa mas, invertendo o
"de bem" exercem o papel ponto de vista,
determinante. escancarando com
ironia o preconceito
violento dos
moradores da orla
que se supõem
cidadãos de bem: “A
gente ordeira e

10
virtuosa que apela /
Pra polícia despachar
de volta / O
populacho pra favela
/ Ou pra Benguela, ou
pra Guiné”".
"À diferença de
outros contos de O
sol na cabeça, nos
quais diferentes
padrões linguísticos
se misturam – a
linguagem popular
convivendo com a
norma culta –, em
“Rolézim” o registro
Alteração gráfica no termo
se mantém
"menor", com intuito de
homogêneo (oral,
mimetizar a fala carioca,
Neologia coloquial), seja
Menó sem modificação no nível 68
fonológica quando o narrador-
do significante no sentido
protagonista não
de "pessoa que ainda não é
nomeado relata ações
maior de idade".
presentes ou passadas
– “Nem acreditei
quando voltei e vi o
bonde todo com mó
cara de cu” (p. 12) –
seja quando comenta
seus pensamentos ou
sentimentos – “Sem
neurose, gosto nem
de lembrar, tu tá

11
ligado, o menó era
bom” ("Rolézim", p.
12)".
"Quase de noite, já
Linguagem popular
chegando no ponto
característica do Rio de
Criação para pegar o ônibus
Caô Janeiro que é usada com 70
onomatopaica de volta, é que “rolou
sentido de mentira ou
o caô” ("Rolézim", p.
enganação.
15).
"Também são
bastante prosaicas,
nada extraordinárias,
suas motivações: o
personagem de
Geovani Martins “só
Alteração gráfica no termo
queria curtir mermo
"mesmo", com intuito de
uma praia, fumar meu
mimetizar a fala
Neologia baseadinho na
Mermo característica carioca, sem 70
fonológica humilde” (p. 14);
modificação no nível do
Lulu e Dudu querem
significante no sentido de
juntar dinheiro para
"enfatizar".
comprar tênis “de
marca” e ir para o
baile funk conquistar
as irmãs Soninha e
Celinha"
("Rolézim").
Não há alteração na forma "Eu sei que o Luiz
da unidade lexical não era X9, meu
Neologia
Bucha "bucha", entretanto, irmão nunca ia 71
semântica
semanticamente ela é xisnovar ninguém,
usada com sentido de morreu foi de bucha,

12
engano ou equívoco. no lugar de um
vacilão desses daí que
o mundo tá cheio.
Isso sempre me enche
de ódio (“Rolézim”,
p. 15-16)".
Não há alteração na forma
(“Mano, os pará
da unidade lexical "pará",
peidou na hora,
entretanto,
Neologia saíram voando,
Pará semanticamente ela é 71
semântica descendo a laje. Foi
usada com sentido
muito engraçado!”,
genérico e como sinônimo
"Rolézim", p. 11)
de nordestino.
"Ele manifesta sem
disfarces sentimentos
de hostilidade contra
policiais (“os verme”)
– “Tem mais é que
encher esses cu azul
Abreviação do termo
de bala” (p. 12) – e
"playboy" a partir da
Play Truncação contra os jovens de 73
eliminação da parte final
classe média ou alta
"boy".
que estão na praia
(“os play”) – “Tem
mais é que ser
roubado mermo,
esses filho da puta”
("Rolézim", p. 13).

13
“Veiga, entre outros,
tem-se aqui e acolá
obras que provocam,
no leitor, certo
Trata-se de neologia sentimento
semântica, tendo em vista inquietante,
que a palavra já é retomando o conceito
utilizada, mas com um de Freud das
significado distinto. Nesse Unheimliche6,
caso, “recalcado” retoma o bastante conhecido e,
conceito freudiano da Neologia a meu ver, relevante
Recalcado 78
psicanálise de “recalque” Semântica para apreender algo
que consiste num da atmosfera desses
mecanismo de defesa que escritos, pois permite
o indivíduo estabelece com perceber a construção
as próprias ideias ou do pacto ficcional e o
memórias que não são trabalho verbal em
compatíveis com o ego. torno de “algo
familiar” que não
deveria retornar, pois
recalcado, mas o faz,
angustiando o leitor”.
“Dentre várias
Observa-se que o uso da narrativas nas quais
palavra não se refere à se percebem
repercussão sonora, um Neologia ressonâncias da
Ressonâncias 78
fenômeno da física, mas Semântica invenção de Poe, três
seu significado equivale à delas serão
palavra “influência”. enfocadas, a saber,
(...)”

14
“O próprio título
A palavra, nesse contexto,
aponta para um
assume duplo sentido,
enigma a desvendar.
sendo um deles
Mas, os vínculos
dicionarizado e o outro
entre os textos desses
não. O primeiro se refere
autores e o do norte-
ao ato de emparedar, que
americano se
seria “meter algo entre
sustentam, sobretudo,
paredes” de acordo com o
Neologia pela intensidade e
Emparedamento dicionário Priberam. Mas, 79
Semântica relação de temas
tratando de Edgar Allan
fundamentais a serem
Poe, também se refere à
destacados, a saber, a
forma como o assassinato
vingança, articulada
ocorre na narrativa
ao emparedamento,
referida, na qual a vitima
constituindo-se este
assassinada tem o seu
último o modo
cadáver escondido na
específico de
parede.
executar àquela.”
“Sua negação em
desistir por causa da
tosse é, no fundo, a
afirmação do desejo
O termo é um neologismo
de Montresor, para
para designar um item que
quem não basta
existe especificamente no Neologismo por
construir uma parede
Muralha de ossos universo ficcional e, composição 82
e sobre ela erguer
portanto, precisa que se sintagmática
uma antiga ‘muralha
crie um novo nome para
de ossos’,
defini-lo.
aprisionando o
inimigo; ele precisa
também que o
imolado saiba e

15
lembre de onde está,
isto é, num lugar frio,
com cavernas
extensas, isoladas,
ossos empilhados e
acorrentado, em uma
palavra, no espaço
irreversível da
morte.”
“Além disso, a
relação afetiva entre
os Usher e a casa
desliza para a relação
Neologismo que significa Neologismo por especular entre John e
Emuralhado algo fortificado por derivação seu castelo, 86
muralhas. sufixal ‘emuralhado’ como o
dono, mas sem
mostras claras de
empatia de sua
parte”.
Neologismo que remete as “Se o diabo –
características das segundo Paulo, o
religiões “panteístas” e “deus deste mundo”
mistura o termo com o (2º Coríntios, 4–4) –
“diabólico”, mesclando a está mesmo
figura do diabo judaico- Derivação misturado a tudo, ele
Pandiabolismo 110
cristão aos elementos da Parassintética terá se imposto a
natureza. Riobaldo, no episódio
Trata-se de derivação em que buscou o
parassintética por juntar selamento do pacto,
simultaneamente o prefixo também pelo influxo
"pan", que exprime de uma espécie de um

16
universalidade ou pandiabolismo, se for
totalidade e o sufixo permitido esse
“ismo”, designando um neologismo em
conceito, filosofia ou contrafação a
posicionamento “panteísmo”.
ideológico.
“Como mostra
O prefixo opositivo
Alfredo Bosi
“contra-“ se junta ao
Derivação (apoiando-se em
Contraideologia substantivo “ideologia” 116
Prefixal Horkheimer), no
com o sentido de
volume Ideologia e
“oposição à ideologia”.
contraideologia”.
O termo “balalaica” se
refere a Instrumento
musical russo de nome
onomatopeico.
Tratar-se-ia de “Balalaicas no sertão:
Composição
Balalaicas no Sertão estrangeirismo, mas está João Guimarães Rosa 124
sintagmática
combinado a termo que o e os russos”.
acompanha conferindo
sentido novo de junção da
cultura popular russa com
a brasileira.
Junção dos termos “tuta”, “Neste texto,
que significa “quase nada acompanho uma
ou pouca coisa” e “meia”, “conversa” entre João
Composição
com o sentido de Guimarães Rosa e
coordenativa
Tutameia “metade”. Tem o sentido dois grandes autores 124
(por
de “metade de pouca coisa da literatura em
justaposição)
ou de nada; ou ainda, o língua russa, Nikolai
sentido de ‘tudo e Gógol e Fiódor
metade’”. Dostoiévski, a partir

17
do conto “Estória no
3”, de Tutameia”.
O termo transmite a ideia
de junção da cultura
regional russa com a
sertaneja.
“Estórias
A base do adjetivo “russo”
Russertanejas Palavra-valise russertanejas” 125
cede a vogal temática “o”
[in: título]
para a criação de um novo
item lexical combinado a
outro adjetivo da mesma
natureza gentílica.
“Em dois de seus
contos surgem
Junção do numeral “três” e
personagens mirins
do termo “aventura”. Composição
lidando com a
É o título de um conto de coordenativa
Tresaventura possibilidade ou a 126
Guimarães Rosa em que a (por
efetividade da morte
simbologia do número três justaposição)
de animais ou pessoas
é preponderante.
(‘Tresaventura’ e
‘Mechéu’)”.
Trata-se de neologismo de
“No segundo deles,
conto homônimo de João
“Hipotrélico”, Ivan
Guimarães Rosa, que
Turgêniev é lembrado
destina o uso para definir
a partir de seu gosto
indivíduos pedantes e que
Derivação por neologismos;
Hipotrélico não aceitam neologismos. 126
prefixal apreende-se por essa
Pode-se arriscar um
menção que Rosa não
processo de formação
só apreciava os textos
semelhante à derivação
do criador de Pais e
prefixal dos termos “hipo”,
filhos [...]”.
com sentido de “grau

18
reduzido” e a adjetivação
do verbo “treleio”. Com
isso, criar-se-ia um sentido
próximo ao mencionado.
Trata-se de substantivo
abstrato que remete às
“O conhecimento de
características próprias do
Rosa desse idioma o
que provem da cultura
levou a começar um
russa, mais
ensaio, intitulado
especificamente a escrita
“Russismos”, no qual
quando introduzida em Derivação
tratava da presença de
Russismos outra língua, remetendo ao sufixal (sufixo 127
vocabulário russo na
conceito gramatical nominal)
língua portuguesa. O
“estrangeirismos”.
texto inacabado
O sufixo “ismo” se
contém nove páginas
adjunge ao adjetivo
e se encontra no IEB-
“russo”, substantivando-o
USP”.
e transformando-o em um
conceito.
“Rosa também
mostrou o lume dos
apagados
socialmente,
colocando em
evidência os
Apagados Utilizado com o sentido de Composição
boiadeiros, os loucos 133
socialmente “marginalizados”. Sintagmática
(como Gógol), as
crianças e outros,
bem como valorizou
o humor, inclusive
nos seus significados
mais fundos”.

19
“E que, na prática de
arte, comicidade e
humorismo atuem
como catalisadores
O prefixo “não-“, une-se
ou sensibilizantes ao
ao termo “prosaico” sem o
alegórico espiritual e
sentido de oposição, mas
Derivação ao não-prosaico, é
Não-prosaico com o intuito de não 133
prefixal verdade que se
compactuar com as
confere de modo
características atreladas ao
grande. Risada e
adjetivo.
meia? Acerte-se nisso
em Chaplin e em
Cervantes. (ROSA,
1967, p. 3)”.
“Esse número surge
Força a duplicação da igualmente no miolo
vogal que encerra o radical dos contos,
para fins prosódicos e estampado em frases
semânticos, com o intuito como “o silêncio
Estoriinha de realçar a flexão de grau Reduplicação triplicado”, vide 135
no diminutivo e “Estoriinha”, ou
intensificar o sentido de mergulhado no tema
concisão e brevidade do do triângulo amoroso,
termo "estórinha”. que aparece na
mesma “Estoriinha””.
“Assim, a história
A composição dos dois
gira em torno dessa
elementos assume um Composição
tríade: “Mira e
sentido muito difundido na coordenativa
Roda-mestra Joãoquerque e 136
teologia, com rodas que (por
Ipanemão cada qual
guiam caminhos, como a justaposição)
em seu eixo giravam,
“roda do dharma”.
que nem como

20
movidos por tiras de
alguma roda-mestra”.
“Passa por um
Termo que, no contexto galinheiro, no qual
inserido, assume unidade brilha o lume de um
lexical com sentido objeto: “renteava o
próximo de “a tatear na outro quintal, para o
escuridão”. beco. Frouxos latiam
Existe uma clara relação uns cachorros.
semântica entre os termos Diante, o galinheiro
Composição
(de) Palpa Treva que assumem sentido velho; e ele, ali, de 136
sintagmática
único quando juntos, com palpa treva. Tirou
cada elemento risco o fino de
conservando as suas alguma luz: em
classes gramaticais bem machado, encabado,
como as posições na encostado, tal vez até
oração para preservar o enferrujado terrível”
sentido. (ROSA, 1967, p.
51)”.
“Suas mãos se veem
Relativo ao ato de tocar, seduzidas pelo objeto,
trata-se de substantivação Derivação que parece atraí-las
Tangimento do verbo “tanger” e, sufixal (sufixo como um ímã, até que 136
portanto, consiste em nominal) se dá o “tangimento”
derivação. (ROSA, 1967, p.
51)”.
O contexto e a forma com Criação “Agora, porém,
que foi empregado faz onomatopaica portintim, ele
com que o termo possua o (com [Joãoquerque] a
Portintin 137
sentido equivalente à significantes quem queira ouvir
junção de duas expressões conhecidos) inesquecivelmente
dicionarizadas: a /composição narra, retintim, igual

21
expressão popular “tim tim coordenativa ao do que os livros
por tim tim”, que significa (por falam”.
“detalhadamente” e da justaposição)
interjeição “tim-tim”,
usada para brindes e que
reproduz o som de taças de
vidro ou cristal.
O termo pode ter sido
criado para espelhar a
palavra posteriormente
empregada - e também
dicionarizada - “retintim”,
que também causa um
efeito de reprodução de
sons.
Sabe-se, no entanto, que
criações onomatopaicas
advém de significantes
inéditos, o que leva a
considerar a possibilidade
de uma “simples”
composição de “por tim
tim”, ”, respeitando-se a
regra fonológica de não
utilização da consoante
nasal bilabial surda [m]
antes de uma consoante
oclusiva alveolar surda [t].
Trata-se da modificação de Composição “Exalta-se, então,
um fato, ficcionalizando-o. subordinativa essa espécie de
Real inventado 138
Juntos, os termos (por oxímoro, que é o real
executam a função de justaposição) inventado ou o exato

22
determinado/determinante. aumentado”.
Trata-se da modificação de “Exalta-se, então,
Composição
um fato, ficcionalizando-o. essa espécie de
subordinativa
Exato aumentado Juntos, os termos oxímoro, que é o real 138
(por
executam a função de inventado ou o exato
justaposição)
determinado/determinante. aumentado”.
A contradição
abrilhanta a frase:
O prefixo “não-“, une-se
todo o restante da
ao termo “inteireza” com o
narrativa (“o resto”) é
sentido de “incompletude”.
apresentado na sua
Não se trata de uma Derivação
Não inteireza não inteireza (“em 138
antítese, mas de uma não prefixal
parte”), o que remete
conformidade com as
para o título do livro
características atreladas ao
no qual o conto se
substantivo.
encontra: tutameia
(toda e meia).
Dois termos que, no
contexto inserido,
assumem a ideia de
“objeto ou criatura de Na cena fatal, é o
proporções gigantescas”. Ipanemão que se
Existe uma clara relação torna o “avergado
de interdependência homenzarrinho”, pois
Composição
Tamanho do mundo semântica entre os termos está “acocorado” 144
sintagmática
que assumem sentido diante de um outro
único quando na forma de Joãoquerque, o qual
unidade lexical e uma parece assumir o
ligação sintática que faz “tamanho do mundo”.
com que suas posições não
sejam intercambiáveis e a
presença da preposição

23
seja imprescindível.
Curiosa concorrência entre
sufixos de flexão de grau
aumentativos “arro” e “ão”
com o sufixo de grau Na cena fatal, é o
diminutivo “-inho”, Ipanemão que se
(iteração de afixo torna o “avergado
Derivação
apreciativo). homenzarrinho”, pois
sufixal
Homenzarrinho Sabendo da concorrência está “acocorado” 144
(concorrência
existente entre esses diante de um outro
entre sufixos)
sufixos, o autor os Joãoquerque, o qual
empregou no mesmo parece assumir o
termo, criando um “tamanho do mundo”.
neologismo a ideia de um
“homenzarrão tornado
homenzinho”.
“Vê sua imagem
especular apresentar-
se, ao final desse
Trata-se da adjunção de texto, como um
Composição
dois adjetivos de dois “rostinho-
coordenativa
Infernal-Sublime gêneros sem qualquer de-menos-que- 145
(por
relação de determinação menino”; seriam duas
justaposição)
dos elementos. faces da mesma
fisionomia infernal-
sublime (PACHECO,
2006, p. 243)”.

Pequeno filete d’água. “Inda então andou


Composição
O termo “Miri”, que se mais. Deu com
coordenativa
Miriquilho refere a uma planta nativa miriqüilho de vala, 150
(por
brasileira e ao termo tupi ajoelhou-se, bebia
justaposição)
“Mi’ri” (NAVARRO, água e sol. Mas – no

24
2013, p.280) que significa relancear viu!
“pequeno” foi justaposto Desregulado
ao substantivo “quilha”, enxergara, a sombra,
que remete ao fundo das assomo de espectro?”
embarcações. (ROSA, 1967, p. 42)”
Com isso, tem-se uma
expressão que designa um
pequeno elemento náutico,
que pelo contexto pode ser
definido como córrego
estreito.
De acordo com Nilce
“protagonista de um
Sant’Anna Martins,
outro conto de
Droenha corresponde a uma Palavra-valise 150
Tutameia:
combinação das palavras
“Droenha””.
pedra e brenha (2001,176).
Palavra francesa designada
“Contasse ela com
para um carro compacto.
um bonito coupé,
É um claro caso de
cavalos brancos,
Coupé estrangeirismo, uma vez Estrangeirismo 159
cocheiros de farda até
que temos uma língua
abaixo e galão no
estrangeira introduzida no
chapéu”.
texto em português.
Relacionada com a
“Em 1884, já tendo
“notável exatidão, pela
publicado número
verdade das personagens e
razoável de contos,
das descrições da
Excrementos Contraposição escreve a seu editor:
natureza”. 167
literários sintagmática “Domingo, enviarei
Relação semântica entre os
ao senhor meus
termos, contando com uma
excrementos
disposição única na forma,
literários”.
visto que qualquer

25
alteração na configuração,
resultaria em alteração no
significado.
“Em 1884, já tendo
publicado número
Refere-se a um momento razoável de contos,
em que produzimos ironia escreve a seu editor:
sobre nós mesmos. Trata- “Domingo, enviarei
Composição por
Autoironia se da junção de dois ao senhor meus 167
justaposição
termos, mas sem que haja excrementos
alterações nos fonemas literários”. Adiante se
originais. verá que o uso do
termo “excremento”
não é só autoironia".
Trata-se de uma felicidade
fruto da loteria, ou seja,
“Ivan Dmitrich não
incerta.
acreditava na
A relação semântica entre
Composição felicidade lotérica.
Felicidade lotérica ambos os termos é notável. 171
sintagmática Noutra ocasião, nem
É possível pontuar que a
olharia para a
mudança na ordem dos
lista…”.
lexos implicaria numa
mudança de significado.
Está relacionada com a “Do ponto de vista da
plenitude da imaginação,
autoconsciência, a entretanto, tais limites
passagem da ignorância se alargam a ponto de
Autoconsciência Composição
para o conhecimento. promover a 172
cabal sintagmática
Os dois sintagmas estão autoconsciência cabal
ligados semanticamente, a da personagem, até
alteração de sua ordem então cega para sua
implicaria na alteração do realidade".

26
sentido. Cada termo é
encontrado, facilmente,
nos corpus citados,
entretanto, a composição
não.
Indica patriotismo em
relação ao solo, que
funciona como uma “Esse defensor da
metonímia do local, neste nacionalidade, do
caso, indica devoção “solo pátrio” e das
Composição
Solo pátrio patriótica pela Rússia. Os raízes cristãs do 177
sintagmática
termos não podem ser povo, que apostou
invertidos ou separados num czarismo
por termos adicionais sem reformador…”
que o significado seja
alterado.
Normalmente entendido O contexto
como “Pessoa que furta, apresentado utiliza-se
especialmente de maneira do termo “mão leve”
dissimulada; mão-boba”, de forma irônica a
segundo Michaelis. fim de criticar o
Entretanto, neste contexto, Governo. “E assinala,
é um adjetivo que indica Composição com ironia, que na de
leveza, ausência de subordinativa Petersburgo até
Mão leve 179
brutalidade e (por parece que “já somos
autoritarismo. justaposição) plenamente europeus
Refere-se a junção de dois e já crescemos o
vocábulos que necessitam suficiente”. São os
permanecer nesta mesma tempos de “tirania de
estrutura para que seu mão leve” ou de
significado não seja “tudo sem socos e
alterado. O segundo termo com mais êxito

27
funciona como um ainda”.
caracterizador do primeiro.
É utilizado para se referir a “O “tema da ordem”
forma de regência. Para costura o diário de
definir como são os viagem de
procedimentos de Dostoiévski. O
determinado local ou andamento da vida
objeto. prática e mental (uma
Refere-se a junção de dois ordem desordenada
vocábulos que necessitam Composição ou viceversa) implica
Tema da ordem 180
permanecer nesta mesma sintagmática desejos, fantasias e
estrutura para que seu ilusões que empurram
significado não seja para o que virá”
alterado. Ambos os termos [...]Em Londres, o
são, facilmente, “tema da ordem” é o
encontrados nos corpus pressuposto material
trabalhados, entretanto, os da desordem
dois combinados, não. aparente.”
O contexto aborda
uma crítica ao
parlamentar, uma vez
Termo em francês que se
que este vai contra
traduz por “sufrágio
aos ideias do sufrágio
universal”. Assim, refere-
universal, ou seja, age
se ao acesso universal e
contra a maioria dos
Suffrage universel democrático ao voto, Estrangeirismo 181
homens. “Brilha o
ligado ao do Iluminismo.
“amor à eloqüência”
É um estrangeirismo já
que, vindo de Luis
que se trata de um termo
XIV, reconhece no
francês.
velho guia do
Panteão, no embuste
parlamentar

28
sustentado pela
aparência de
“suffrage universel ”,
na sedução gentil das
relações do comércio
que embrulham o
cliente…”
“Como corte
Trata-se de um período histórico, está a
exato da história que vitória do burguês
marca eventos específicos. nos massacres de
Os dois sintagmas estão junho: ele se sentiu
ligados semanticamente, a “o único sobre a
alteração de sua ordem Composição terra”. Nesse sentido,
Corte histórico 182
implicaria na alteração do sintagmática o burguês foi salvo
sentido. Cada termo é por Napoleão III, que
encontrado, facilmente, “lhes caiu do céu,
nos corpus citados, como única saída das
entretanto, a composição dificuldades e única
não. possibilidade do
momento”.
Artigo examina os
dilemas da perda da
identidade, do
estranhamento e do
exílio, junto com
Sinônimo de
Missbildung Estrangeirismo questões do campo da 194
“deformação”
narrativa, da
linguagem e da
paródia, sugerindo
que estejamos
testemunhando uma

29
Missbildung; não um
processo de
formação, mas de
deformação.
“Sem ser especialista
nem em Kafka nem
em literatura alemã,
proponho em
Pode ser traduzido como
Outsider Estrangeirismo segundo lugar uma 195
“vindo de fora”.
leitura que funcione
como impressões de
alguém vindo de fora,
um outsider”,
“Sem ser especialista
nem em Kafka nem
Poderia ser definido como
em literatura alemã,
composição sintagmática
proponho em
não fosse o contexto em Tradução de
Vindo de fora segundo lugar uma 195
que está inserido, que Estrangeirismo
leitura que funcione
denota a tradução de um
como impressões de
estrangeirismo.
alguém vindo de fora,
um outsider”,
Termo técnico empregado “Estamos diante de
pela crítica literária em um quase que apenas
que o substantivo erzählendes Ich, um
masculino “eu” com Composição “Eu narrante”, para
sentido de sintagmática emprestarmos a
Eu narrante 196
“individualidade humana” (nos vocábulos terminologia de
é colocado para designar técnicos) Spitzer, retomada por
um narrador em primeira Genette, sem
pessoa caracterizado como erzähltes Ich, embora
“aquele que realiza o ato vislumbremos ali esse

30
de narrar” e, portanto, está “Eu narrado”,
como “narrante”. aparentemente
Não existiria harmonia constrangido pelo
semântica ou sintática se “‘aprendizado’ da
os termos fossem vida” que lhe impõe o
suprimidos ou tivessem primeiro”.
suas posições alteradas.
Termo técnico empregado
pela crítica literária em
que o substantivo
masculino “eu” com
sentido de
“individualidade humana”
é colocado para designar
um narrador em primeira
pessoa caracterizado como
“aquele que realiza o ato
de narrar” e, portanto, está
como “narrante”.
Não existiria harmonia
semântica ou sintática se
os termos fossem
suprimidos ou tivessem
suas posições alteradas".
Termo técnico empregado Estamos diante de um
pela crítica literária em quase que apenas
que o substantivo “eu” Composição erzählendes Ich, um
possui o sentido de sintagmática “Eu narrante”, para
Eu narrado 196
“individualidade humana”, (nos vocábulos emprestarmos a
sendo posto para designar técnicos) terminologia de
um “personagem narrado” Spitzer, retomada por
em primeira pessoa, talvez Genette, sem

31
por ele próprio. erzähltes Ich, embora
O substantivo acaba por vislumbremos ali esse
ser determinado pelo “Eu narrado”,
substantivo “narrado”. aparentemente
Não existiria harmonia constrangido pelo
semântica ou sintática se “‘aprendizado’ da
os termos fossem vida” que lhe impõe o
suprimidos ou tivessem primeiro.
suas posições alteradas.
Possui o sentido de coisa
revelada, narrada, exposta Composição
“Mas no balanço de
etc. subordinativa
Coisa-contada Pedro, apreendemos 196
O termo genérico “coisa” é (por
uma coisa-contada”.
acrescido de uma justaposição)
adjetivação “contada”.
“Segundo Anders,
não há nos romances
de Kafka o que os
ingleses chamam de
Pode ser traduzido como plot, o que é verdade.
Plot Estrangeirismo 196
“enredo” ou “trama”. Mas, nesta nossa
história, encontramos
um pequeno sjuzet,
uma espécie de
intriga”.
“Segundo Anders,
Termo técnico da crítica não há nos romances
literária russa que opõem o de Kafka o que os
Sjuzet enredo de uma obra Estrangeirismo ingleses chamam de 196
narrativa em relação aos plot, o que é verdade.
eventos da estória. Mas, nesta nossa
história, encontramos

32
um pequeno sjuzet,
uma espécie de
intriga”.
“Estamos diante de
um quase que apenas
erzählendes Ich, um
“Eu narrante”, para
emprestarmos a
terminologia de
Spitzer, retomada por
Significa algo como “eu
Genette, sem
Erzählendes Ich narrante”; termo técnico de Estrangeirismo 196
erzähltes Ich, embora
crítica literária.
vislumbremos ali esse
“Eu narrado”,
aparentemente
constrangido pelo
“‘aprendizado’ da
vida” que lhe impõe o
primeiro”.
“Estamos diante de
um quase que apenas
erzählendes Ich, um
“Eu narrante”, para
emprestarmos a
Significa algo como “Eu terminologia de
Erzähltes Ich narrado”; termo técnico de Estrangeirismo Spitzer, retomada por 196
crítica literária. Genette, sem
erzähltes Ich, embora
vislumbremos ali esse
“Eu narrado”,
aparentemente
constrangido pelo

33
“‘aprendizado’ da
vida” que lhe impõe o
primeiro”.
"De resto, só temos
isso, a pura voz de
Pedro, desconectada
da cena, a ocasião de
Termo técnico que sua palestra. A cena
representa o ato de estaria ocorrendo no
Jeztz-Zeit Estrangeirismo 196
determinar o momento jetz-Zeit do discurso
presente de uma ação. ou ocorreu muito
tempo antes?
Ocorrerá ainda ou
nunca se
concretizou?".
Pedro chama esse
resultado de
“evolução”
(Entwicklung, ao pé
da letra,
desenvolvimento) e
Sinônimo de “evolução” seus avanços duas
Entwicklung Estrangeirismo 197
ou de “desenvolvimento”. vezes de “progressos”
(Fortschritt), não
guardando sobre eles
nenhuma ilusão (não
os superestimava) e
tratando-os com
alguma ironia.

34
Pedro chama esse
resultado de
“evolução”
(Entwicklung, ao pé
da letra,
desenvolvimento) e
seus avanços duas
Fortschritt Sinônimo de “progresso”. Estrangeirismo 197
vezes de “progressos”
(Fortschritt), não
guardando sobre eles
nenhuma ilusão (não
os superestimava) e
tratando-os com
alguma ironia.
"A via para atingi-los
é pedagógica. O texto
está repleto de
alusões ao
aprendizado – mestre,
aprendiz, exagero
didático, aula, aula
Lernen Sinônimo de “aprender” Estrangeirismo 197
teórica, exercício
prático, professor,
aprender (lernen) –
talvez em parte para
atender aos anseios
da fantasmagórica
plateia".

35
Conceito técnico
empregado no teatro,
cinema e literatura.
“A privação da
É a ideia de que uma
liberdade é
parede imaginária estaria
naturalmente
separando a audiência de
reforçada pela
um auditório e o
Composição estranha jaula em que
Quarta parede performer. 198
sintagmática é aprisionado: três
Existe uma dependência
paredes gradeadas
semântica e sintática entre
unidas a um caixote,
os termos, que não
que forma a quarta
poderiam estar ausentes ou
parede”.
inverter o seu
posicionamento na
construção frasal.
“Se só pode retraçar
de forma distorcida
Possui o sentido de
suas reações como
“natureza primordial ou
símio por meio de
primitiva”.
“palavras humanas”,
O termo genérico Composição
não é capaz de relatar
“natureza” é acrescido de subordinativa
Natureza original a vida pregressa de 198
uma adjetivação (por
macaco porque, nos
“original”. justaposição)
cinco anos em que
Os termos são
decorre sua
interdependentes para o
(de)formação, ele
sentido a que se propõem.
perde acesso à sua
natureza original”.
Trata-se de um termo que “O estranhamento
Derivação
designa algo como não diz respeito
Semiamestrada prefixal (por 198
“medianamente ou apenas a quem ele
justaposição)
parcialmente ensinado. foi, a ponto de

36
instruído, doutrinado etc”. precisar de
O neologismo é construído testemunhos de
pela junção do prefixo terceiros para
“semi-“ com o adjetivo descrever a ocasião
“amestrada”. da captura, mas a
outros que se
mantiveram na antiga
condição, como a
chimpanzé
semiamestrada”.
“Sobretudo, como
não seguir adiante
quando se é
Sinônimo de “tormenta ou irresistivelmente
Sturm Estrangeirismo 198
tempestade”. impelido para frente
por uma tormenta
(Sturm), que sopra do
passado?”.
“Se a condição de
símio representa a
liberdade, ela também
Ohne Ausweg Sinônimo de “sem saída” Estrangeirismo evidencia o fato de 199
ele agora estar ‘sem
saída’ (ohne
Ausweg).”
“O processo de
educação merece
Conceito técnico de crítica estudo à parte.
Mîmesis rhêtorichê literária empregado por Estrangeirismo Baseia-se em uma 199
Erich Auerbach instância de imitação,
que podemos associar
ao modo como a

37
escola helênica
preconizava a
mîmesis rhêtorichê de
ensino”.
"Na narrativa de
Kafka, onde o
correlativo de imitar é
Äffen Sinônimo de “macaquear”. Estrangeirismo 199
äffen (macaquear e
também zombar,
fazer de tolo)".
Sinônimo da expressão “[...] O caminho para
The way out Estrangeirismo 199
“rota de saída”. fora, the way out”.
Sinônimo da expressão Tradução do “[...] O caminho para
O caminho para fora 199
“rota de saída”. Estrangeirismo fora, the way out”.
Poderia ser traduzido
literalmente por outro
neologismo:
“homemacacismo".
Trata-se de termo que une
“Affentum” (“origem
a ideia de “humano” por
de macaco”, na
meio do prefixo “antro-“,
tradução, ou ainda,
que provém do grego
Derivação condição de
Antropopitecismo “anthropos” somado à base 200
parassintética macaco/relativo a
“piteco”, que também
macaco, sua
provém do termo grego
“simiecidade”, seu
“pithekos”.
“antropopitecismo”).
Ambos os termos são
juntados ao sufixo “ismo”,
que conceitua a nova
expressão como
substantivo abstrato.

38
Significa: “condição de
“Affentum” (“origem
símio”.
de macaco”, na
Une a base “símio”, que
tradução, ou ainda,
significa macaco, com o
Derivação condição de
Simiecidade sufixo “edade”, que 200
sufixal macaco/relativo a
exprime condição ou
macaco, sua
qualidade.
“simiecidade”, seu
Significa: “condição de
“antropopitecismo”).
símio”.
“Affentum” (“origem
de macaco”, na
tradução, ou ainda,
Sinônimo do neologismo condição de
Affentum Estrangeirismo 200
“simiecidade”. macaco/relativo a
macaco, sua
“simiecidade”, seu
“antropopitecismo”).
Está relacionado com
“Affentum” (“origem
possuir as características
de macaco”, na
de um macaco, ser
tradução, ou ainda,
aparentado fisicamente a
Translação de condição de
Origem de macaco um macaco. 200
Primeiro Grau macaco/relativo a
Ocorre a transferência do
macaco, sua
termo “macaco” de
“simiecidade”, seu
substantivo a adjetivo por
“antropopitecismo”).
meio do translativo “de”.
O termo “militante” “Mas podemos ver a
determina a ironia como Composição conjuntura segundo
expressão “insistente e subordinativa outro registro: o do
Ironia Militante 202
obstinada ao ponto de (por cômico ou da sátira
apresentar tendências justaposição) (esta, chamada por
belicosas”. Northrop Freye, de

39
“ironia militante”)”.
Anders cita o tipo do
imigrante como
aquele que (como K.)
vê os hábitos e
costumes como
Pode ser traduzido como
Religiously Estrangeirismo convenção, como 202
“religiosamente”.
regras burocráticas,
às quais, porém, em
sua ânsia de
pertencimento, “tente
acudir religiously”.
“À falta de espaço
para desenvolver
adequadamente um
cotejo de caso
específico, tornamos
à ideia de que esse
Termo técnico de crítica
modelo nada mais é
Bildungsroman literária, sinônimo de Estrangeirismo 203
do que própria
“romance de formação”.
Bildung ou mesmo a
forma do
Bildungsroman como
projeto literário de
legitimação
burguesa”.
Termo técnico que designa “Molloy também é
a relação entre memória e Composição um antirromance,
tempo como manifestação coordenativa porque paródia o
Tempo-memória 204
íntima ao ponto de se (por realismo formal,
caracterizar como unidade justaposição) reconfigura
lexical única e negativamente a

40
interdependente. estrutura tempo-
memória, engendrada
por Proust, e evoca
por meio de derrisão
as matrizes originais
da literatura
ocidental”.
“Na Odisseia, para
Erva mítica com
escapar de Circe, o
propriedades mágicas na
deus Hermes dá a
mitologia grega. O termo é
Mólis Estrangeirismo Odisseu uma planta 204
derivado do grego “μῶλυ”,
chamada mólis,
que é transcrito como
contraveneno da
“mólis”.
poção da feiticeira”.
De fato, o romance
expõe seu caráter
ficcional-mentiroso,
quando estabelece, de
entrada, um
No contexto em que está distanciamento
empregado, o neologismo desconcertante:
apresenta o ato de mentir Composição “Estou no quarto de
dentro da própria narrativa coordenativa minha mãe. Sou eu
Ficcional-Mentiroso 208
fantasiada. (por que moro lá agora.
Essa dupla farsa da justaposição) Não sei como cheguei
narrativa é arquitetada por lá” (p. 23), afirma
dois adjetivos justapostos. Molloy. Note-se se o
desdobramento do
personagem que está,
ao mesmo tempo,
“aqui” – como
narrador – e “lá” –

41
como personagem”.
“À duplicação de
Molloy, entre lá e
aqui, acrescente-se,
por exemplo,
Em literatura, trata-se de espelhamentos,
neologismo utilizado por metamorfose e um
André Gide para definir o inquietante recurso
Mise en abyme Estrangeirismo 209
conceito da repetição de vertiginoso –
uma obra dentro dela chamado por André
mesma. Gide (1948) de mise
en abyme –, que
inclui o autor Samuel
Beckett no universo
da fábula”.
Termo técnico da crítica
Composição “Molloy e Moran são,
literária que se refere ao
subordinativa como se disse,
Narradores-narrados narrador que é mencionado 210
(por narradores-
como personagem dentro
justaposição). narrados”.
da própria narrativa.
O íntimo do indivíduo “O que se projeta, a
encontrado do lado de fora partir desta
(neologismo de um afirmação, é uma
conceito lacaniano). estrutura paradoxal,
Formado pela junção do que faz Moran –
prefixo “ex” com o sentido narrador narrado por
Êxtimo Palavra-valise 210
de “movimento para fora” Beckett – acolher no
ao conceito grego de mais íntimo ou oco
“thumós”, que pode de si mesmo (sua
significar “alma”; ou cabeça) as criações de
ainda, ao conceito seu “êxtimo”
derivado do latim absoluto, o autor”.

42
“thymus”, que significa
“glândula”.
O intuito seria criar a
antítese para a palavra
“íntimo”, que possui o
prefixo “in” com o sentido
de “movimento para
dentro”.
Como a palavra “íntimo”
perde elementos para a
criação da antonímia,
pode-se considerar a
existência de palavra-
valise.
“Mas, pode-se
entender também que
“Se estou enganado, Beckett privilegie o
Si fallor, sum Estrangeirismo 213
existo”. Si fallor, sum, de
Agostinho ao Cogito
ergo sum”.
“Vê sua imagem
especular apresentar-
Rosto extremamente se, ao final desse
jovem, quase angelical. texto, como um
Composição
Trata-se de uma “rostinho-
Rostinho-de-menos- coordenativa 144-
composição de base de-menos-que-
que-menino (por 145
oracional (substantivo + menino”; seriam duas
justaposição)
preposição + advérbio + faces da mesma
preposição + predicativo). fisionomia infernal-
sublime (PACHECO,
2006, p. 243)”.

43
“Qual o nexo entre a
literatura e a
educação? Que resta 194/20
Bildung Sinônimo de “formação” Estrangeirismo
da Bildung quando 3
ela é deflagrada a
tiros?”
Apesar de estar
acompanhado de
estrangeirismo “Se a condição de
correspondente, o termo símio representa a
apresenta uma composição liberdade, ela também
Composição 198-
Sem saída de duas palavras presentes evidencia o fato de
sintagmática 199
no léxico e que juntas, e na ele agora estar ‘sem
exata ordem em que saída’ (ohne
aparecem, exprimem Ausweg).”.
relação íntima, tanto
semântica quanto sintática.

4. Considerações finais

Percebe-se que a análise de um corpus literário encerra dificuldades


consideráveis com relação a termos advindos da criatividade de grandes “domadores da
língua”, capazes de tornar infecundas as tentativas de análise menos detidas ou
decorrentes da inexperiência. A palavra “hipotrélico” é um bom exemplo, sendo tratada
no conto homônimo do próprio autor como:

“termo novo, de impesquisada origem e ainda sem


definição que lhe apanhe em todas as pétalas o
significado [...] tome-se hipotrélico querendo dizer:
antipodático, sengrançante imprizido; ou, talvez,
vice-dito: indivíduo pedante [...] embirrando o
hipotrélico em não se tolerar neologismos ” (ROSA,
2009, p.131).

44
A definição, que carrega a intrincada escrita do autor, mostra-se como vasta
fonte de criação neologistica de dimensão quase intransponível. Observou-se
dificuldade análoga em termos como: “droenha” e “mirriquilho”, este só podendo ser
solucionada com auxílio do Dicionário de Tupi Antigo, de Eduardo de Almeida Navarro
e aquele com base no estudo de Nilce Sant’Anna Martins acerca do léxico rosiano.
Além disso, termos com alguma relação onomatopaica, ainda que apenas em sua
origem, causam maior dificuldade de classificação. Entende-se que esta como todas as
demais dificuldades de classificação provém de uma clara tentativa de inovação
linguística e preciosismo estilístico e narrativo presente em textos voltados ao campo da
literatura, ainda mais quando abordam a escrita de autores famosos pela criação
neologistica.

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5. Referências Bibliográficas

ALVES, Ieda Maria. Neologismo: Criação Lexical. 2ª Ed. São Paulo: Editora Ática,
2004.

AULETE, Caldas. Aulete Digital – Dicionário contemporâneo da língua portuguesa.


Lexicon editora digital. Disponível em: https://aulete.com.br/. Acesso em: 05/12/2022.

KEHDI, Valter. Formação de Palavras em Português. 2ª Ed. São Paulo: Editora Ática,
1997.

MARTINS, Nilce Sant’Anna. O léxico de Guimarães Rosa. 3ªed. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2021.

MICHAELIS. Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos.


Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/. Acesso em: 05/12/2022.

NAVARRO, Eduardo de Almeida. Dicionário de Tupi Antigo: a língua indígena


clássica do Brasil. 1ª ed. São Paulo: Global, 2013.

PRIBERAM. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. [em linha], 2008-2022,


https://dicionario.priberam.org/ Acesso em: 05/12/2022.

REVISTA LITERATURA E SOCIEDADE. São Paulo: 1º Semestre, 2022. nº 35. 220


páginas. Apoio edição: AGUIA, Edição Digital.

ROSA, João Guimarães. Tutameia (Terceiras estóras). 9ª ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2009.

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