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Introdução à Tradução de Textos Especializados e/ Técnico-

científicos

Introdução

`No afã de manter o original numa redoma, ilude-se na procura de


soluções que se aproximem do literal, linear, unívoco. Porém, a
convicção de que o texto é inabalável revela-se ilusória, visto que
esse é, na verdade, uma forma resultante de elementos múltiplos,
sujeita, a todo tempo, a um número elevadíssimo de variáveis`
(Roscoe-Bessa, 2010).

Capítulo 1 - Introdução

As línguas percorreram um longo trajeto até chegarem à forma atual; as


histórias de diferentes comunidades foram diversas e levaram cada sistema linguístico
a ter seus recortes semânticos, com combinações de palavras próprias e únicas,
fenômeno esse que nos parece ser ignorado com frequência durante o processo
tradutório. As combinações de palavras em uma sequência, sejam sintagmas ou frases
inteiras, se fizeram assim ao longo da história e se deram, na maioria das vezes, de
forma aleatória (ROSCOE-BESSA, 2011), o que fez com que as línguas se diferenciem
muito umas das outras. Como resultado, as línguas têm combinações de diferentes
tipos.
Logo, essas combinações fazem parte intrínseca da língua e estão bem
arraigadas no repertório linguístico de cada falante nativo, ficando armazenadas em
sua memória, porém esses agrupamentos não fazem necessariamente sentido para
falantes estrangeiros de outras línguas. Esses blocos de combinações léxicas são
repetidos tantas vezes até que formam unidades quase indissolúveis, o que é natural
para os seus falantes, embora não houvesse necessariamente regras ou deduções
lógicas na combinação dessas palavras, visto que, como citado, ocorreram de forma
aleatória e espontânea. Assim, o domínio desse repertório é relativo e difuso.

Um tradutor, mesmo um falante nativo da língua de chegada, pode traduzir sob


a influencia do que denominamos interferência da língua de partida e terminar
desenvolvendo, por vezes, uma transposição linear do texto original. Não obstante,
essas expressões supostamente fixas, quando alteradas, soam `erradas’, estranhas,
não fluidas, não agradáveis e se tornam, dessa forma, um dos grandes óbices a um
bom resultado de tradução. Isso se aplica, em princípio, a todos os gêneros textuais,
incluindo, foco de nosso estudo aqui, os textos especializados, ou os textos técnico-
científicos.

Na literatura sobre tradução ou na própria teoria da tradução, encontramos


termos como tradução especializada, tradução técnico-científica, tradução de textos
utilitários (REISS; VEERMER, 2003), ou de texto veiculares (LARANJEIRA, 2003) ou de
textos de caráter pragmático (ROSCOE-BESSA, 2010), textos não-literários, entre
outros. Não é nosso objetivo advogar o uso de um desses termos em detrimento dos
outros. Em linhas gerais, observamos que autores dão preferência a um dos termos,
porém geralmente a mesma carga semântica lhes é atribuída, com pequenas nuances
diferentes em alguns casos. Faremos uma exposição geral dos dois termos mais
comuns empregados na atualidade: textos especializados (capítulo 2) ou textos
técnico-científicos (capítulo 3), analisando as nuances atribuídas a um ou ao outro
termo por autores contemporâneos, em sua maioria. Devemos ter em mente de que
eles não são excludentes entre si; propomos, ao contrário, o aceite de que eles podem
aparecer paralelamente, ou mesmo concomitantemente, na teoria da tradução.
Primeiramente, mostraremos que um texto especializado, ou um texto técnico,
configura-se como uma produção linguística que expressa conhecimento especializado
de uma área específica do conhecimento. Apesar de o primeiro termo ser mais
abrangente do que o segundo, ao longo da obra constataremos que autores chegam a
usar um ou outro indiscriminadamente.

Tradicionalmente, uma das características predominantes desses textos são o


fato de conterem uma terminologia específica ou vocabulário específico de uma
determinada área do saber, que seria desconhecida a não especialistas. Dedicamos
boa parte da tradução desses textos, de fato, à pesquisa da terminologia específica, o
que é justificável, em função do grau de tecnicidade de muitos dos textos em questão.

Entretanto, defendemos aqui que as armadilhas da tradução estão, ao


contrário do que podemos pressupor de imediato, não na terminologia específica, para
a qual se faz uma pesquisa, mas exatamente naquilo que parece mais factível,
translúcido, claro, ou mesmo mais fácil, pois o tradutor geralmente segue um processo
de decodificação, sem titubear, sem avaliar e refazer aquelas combinações de
vocábulos que ocorrem apenas na língua de partida. Como resultado de um processo
de decodificação e recodificação linear num texto especializado, assim como nas áreas
ficcionais, também se chega a um texto esquisito, artificial e não fluido. A investigação,
o exame e a observação da linguagem de especialidade de uma área, sua preferências
gramaticais e estilísticas, com as colocações inerentes àquela língua, aliada à sua
terminologia específica, são indispensáveis para um bom resultado. Isso evitará frases
e expressões mal elaboradas. Se o original era um texto fluente e harmônico aos
ouvidos dos leitores originais, a tradução final deve surtir o mesmo efeito em seu
leitor, a não ser que haja uma encomenda específica para a tradução em questão.

Depois dos três capítulos iniciais de cunho mais geral, apresentaremos capítulos
com análises mais específicas. Como dito, não pretendemos propor aqui o uso de um ou
outro termo, mas sim aceitar e mesmo defender que ambos podem existir
concomitantemente. Nosso objetivo é, na verdade, ao expor peculiaridades das áreas
técnicas ou especializadas, demonstrar como pode ser diversificada a realidade da
produção desses textos e, consequentemente, de suas respectivas traduções, e, como
isso, promover melhorias nos produtos finais. Assim, esperamos, com esta obra, uma
contribuição para a qualidade de traduções tanto no que concerne à produção acadêmica
como à profissional em áreas e domínios que se ocupam da tradução técnico-científica,
ou especializada, dada sua importância no cenário global atual e nas carreiras dos
tradutores brasileiros.

Temos um quarto capítulo de cunho geral dedicado às características e à


tradução de artigos científicos no Brasil e os capítulos seguintes são dedicados à
tradução de gêneros textuais que fazem parte considerável e representam um grande
volume de traduções feitas no mundo em termos de traduções especializadas. Textos
especializados incluem uma vasta gama de gêneros textuais, dos quais provavelmente os
mais citados na literatura sejam as várias engenharias, física, química, matemática, entre
outros. Nesta obra, trabalharemos com textos especializados, cuja natureza, por vezes,
não está tão clara assim para leigos ou mesmo tradutores. Nosso exame mais detalhado
será de textos que House (1997) denominou “de consumo rápido”, não de forma
pejorativa, como sendo aqueles textos vinculados ao mercado, venda e compra de
produtos. Geralmente circunstâncias adversas condicionam a forma que a tradução
desses textos deve ocorrer, o que quer dizer que eles podem abarcar outros gêneros
textuais também. Estamos nos referindo aqui a rótulos, manuais, marcas, slogans,
games, guias de viagem e publicidade em geral.

Esses capítulos representam investigações maiores que são aqui relatadas apenas
em parte, no tocante ao que nos revela importante para o objetivo desta obra. O capítulo
5 constitui numa descrição e explicações do gênero textual rótulos, que é seguido por
dois capítulos (6 e 7) mais específicos sobre a tradução de rótulos, com características e
conceitos associados, como a globalização, a estrangeirizaçã o e a localizaçã o. O
ú ltimo capítulo retoma esses conceitos, e mostra o estado da arte dos estudos
relacionados à localizaçã o de games no Brasil.

Cristiane Roscoe-Bessa
Alessandra de Oliveira Harden

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