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Jorge Bidarra22
Tania Aparecida Martins23
Keli Adriana Vidarenko da Rosa24
RESUMO
Para Steiner (2005), a existência de milhares de línguas diferentes
“mutuamente incompreensíveis” em nosso planeta põe às claras e desafia a
interminável e difícil tarefa que envolve a tradução interlíngua. Embora seja
uma prática antiga, ainda persistem muitas dúvidas e impasses sobre os
mecanismos e as formas de tratamento que precisam ser adotadas pelos
tradutores. Dentre as muitas complexidades presentes nesse trabalho, uma
delas nos chama mais a atenção: a ambiguidade lexical. Num segundo
plano, mas não menos importante e como não poderia deixar de ser, surge
em nossa pesquisa a questão da equivalência. Esse artigo tem como objetivo
principal discutir a ambiguidade lexical, bem como o problema da
equivalência, no contexto Português-Libras, as dificuldades e os impasses
impostos sobre o processo tradutório. Mais especificamente, abordamos
aqui o comportamento de signos lexicalmente ambíguos em Libras numa
situação particular em que o contexto não se mostra suficiente para a
desambiguação. Para ilustrar, vale citar o caso das palavras “julgamento,
julgar e juiz” que em Libras são representadas por um mesmo signo. À
primeira vista, pode-se dizer que os marcadores, tais como a alteração de
movimento das mãos ou de expressões não manuais, seriam recursos
suficientes para desambiguar. Todavia, não apenas para esse caso, mas para
muitos outros que ao longo do trabalho teremos a oportunidade de
explicitar, o que se pode observar é que, embora útil, eles não são capazes
de resolver o problema. Partindo-se desse ponto, com base num
levantamento prévio, que inclui consultas a dicionários impressos e online,
bem como pesquisas realizadas junto à literatura especializada, já nos foi
possível não apenas identificar um conjunto significativo de signos em
Libras com comportamentos semelhantes aos das palavras acima citadas,
como também mapeá-las. No momento, estamos em fase de análise e
discussão do material já coletado. Para permitir uma análise mais acurada,
trabalhamos sobre textos extraídos de jornais, revistas e livros didáticos.
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Doutor; Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
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Aluna de Mestrado; Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
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Aluna de Mestrado; Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
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Para o estudo, além de Steiner, dentre outros, dão suporte a esse trabalho
Jakobson (2007), Cruse (1986), Quadros (2004), Arrojo (1986) e Kahmann
(2011).
Introdução
De acordo com Souza (1998), a falta de uma teoria unificada da
tradução dificulta uma definição universalmente aceita para o termo. Assim
que, segundo ele, por tradução podemos entender várias coisas, o que a
torna, ela mesma, uma palavra polissêmica. Para o autor, a tradução ora
pode se referir a um produto,ou o texto traduzido; a um processo,ou o ato
tradutório;a um ofício,ou a atividade de traduzir e ainda a um estudo
interdisciplinar. Se fosse somente por esse aspecto, discutir os meandros da
tradução já seria suficiente para o levantamento de uma quantidade
significativa de questões para serem resolvidas. Contudo, como o nosso
objetivo nesse artigo não é discutir a polissemia da palavra e seus efeitos,
deixaremos de lado o debate, assumindo como conceito básico de tradução
o trabalho que consiste em produzir numa língua de chegada uma
mensagem equivalente ou mais próxima, em termos de significado, da
informação contida na língua de partida.
No que diz respeito à tradução, Jakobson (1992) considera que o
processo se enquadra em três tipos, a saber: intralingual, interlingual ou
intersemiótica. A tradução intralingual, de acordo com o autor, é aquela que
acontece dentro de uma mesma língua em que determinados signos verbais
são substituídos por outros equivalentes. É um processo que envolve o texto
de partida, o leitor-textualizador e o texto de chegada. Com frequência, os
falantes de uma língua se utilizam deste tipo de tradução de forma
automática e, não raro, sem a devida consciência sobre o grau de
complexidade formal envolvido nesse trabalho. Diz-se da tradução
interlingual o processo tradutório que envolve duas (ou mais) línguas
diferentes, em que os signos linguísticos da língua de partida são
substituídos por signos, na medida do possível, equivalentes da língua de
chegada. Para realizar esse trabalho, há a figura do tradutor que, nesse caso,
atua, simultaneamente, como leitor e intérprete. A tradução intersemiótica,
também denominada transmutação, diferentemente dos tipos antecedentes,
consiste na interpretação de um determinado sistema de signos linguísticos
para outro sistema distinto constituído por signos não linguísticos ou não
verbais (Jakobson, 1992, p. 65). Esse tipo de tradução é aplicado mais
frequentemente em obras de ficção, muito usada na linguagem adotada pelo
cinema, na produção de vídeos e histórias em quadrinhos. Mas também se
aplica quando do processo tomam parte duas línguas de modalidades
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Embora muitas vezes as palavras significado e sentido sejam tratadas como
sinônimos, Lyons (1963) estabelece uma diferença, e que adotamos neste trabalho.
Para Lyons (1963, p. 102), significado é muito mais que o “conteúdo” da palavra,
ele é independente da sinonímia, é concebido como um “conjunto de relações
(paradigmáticas) que a unidade em questão estabelece com outras unidades da
língua (no contexto ou contextos em que ocorre), sem que se faça qualquer
tentativa para estabelecer conteúdos para essa unidade”.
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O sentido é o modo de apresentação através do qual uma expressão indica sua
referência, o modo como uma expressão apresenta a entidade que ela nomeia.
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A co-referência em Libras pode ser realizada pelo uso de pronomes pessoais,
demonstrativos e possessivos, como nas línguas orais, mas também através do uso
do termo comparativo, da mudança de posição do corpo, do uso de classificadores
e também do olhar (FERREIRA-BRITO, 1995, p. 120-122).
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A dêixis é uma característica das línguas de sinais.Em Libras, os dêiticos são
usados com frequência para referirem e correferirem; esclarece que a
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QUADRO 01
SINAIS / Em Libras estes sinais podem TIPIFICAÇÃO DA
PALAVRAS EM se referir: AMBIGUIDADE
LIBRAS
BANCO (Estabelecimento
onde se guarda dinheiro e }HOMONÍMIA (banco
presta serviços de ordem e Juiz; Banco e
Tribunal)
financeira)
}POLISSEMIA (Juiz e
JUIZ (Magistrado da justiça
Tribunal).
que tem autoridade e poder
Fig. 1: extraída do para julgar e sentenciar;
Novo Deit-Libras. árbitro, julgador.);
Capovilla, Raphael, TRIBUNAL (Espaço onde são
Maurício. (2012, p. discutidas e julgadas as
492). questões judiciais; lugar onde
uma pessoa é julgada).
JUSTIÇA (Faculdade de
garantir a cada um o que por
direito lhe pertence, o que é
seu; conformidade com o POLISSEMIA
direito.)
JULGAMENTO(Situação em
que alguém é julgado pelo juiz,
para que seja proferida sua
sentença de condenação ou
absolvição).
JULGAR(Formar juízo ou
Fig. 2: extraída do opinião acerca de alguém ou de
dicionário on line alguma situação; avaliar,
LIBRAS dicionário da decidir como juiz ou árbitro).
Língua Brasileira de
Sinais (versão 2.1-
2008).
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(02) “O juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas
para julgar segundo as leis”. (Platão).
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Texto extraído a partir do recorte da transcrição de uma aula de História no
terceiro ano do Ensino Médio em um Colégio Público do Estado do Paraná.
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QUADRO 02
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“Na Libras, não há desinência para gênero (masculino e feminino). O sinal,
representado por palavra da língua portuguesa que possui marcas de gênero, está
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LEI. (P-L-A-T-Ã-O)
2 Considerações Gerais
A investigação sobre as ocorrências de ambiguidade lexical ainda
carece de muitos aprofundamentos e muita reflexão. Apesar de o fenômeno
não ser novo, são poucos os trabalhos desenvolvidos sobre Libras que têm
se debruçado sobre o assunto. No entanto, temos observado que, para além
dos exemplos citados aqui, há muitos outros casos de ambiguidade lexical
para os quais nem sempre o contexto é capaz de resolver.O nosso estudo,
cabe enfatizar, encontra-se num estágio bastante inicial, mas já dá mostras
de que a investigação, além de necessária, é teoricamente motivada e,
portanto, merecedora de atenção. Não tivemos e nem temos a intenção de
trazer para o debate soluções para o problema. Antes, estamos interessados
em levantar as questões que temos encontrado e, em conjunto, debatermos o
problema, cujo intuito não é outro senão buscarmos pistas, ideias e
sugestões que permitam a evolução da pesquisa, como forma de contribuir
para os estudos que se desenvolvem em torno de Libras e suas aplicações.
Nesse artigo, tentamos mostrar que o processo tradutório
envolvendo línguas de modalidades diferentes não é uma tarefa simples. Os
recursos linguísticos que existem numa língua nem sempre se aplicam a
outra língua. O que nos chama a atenção é o fato de como os falantes de
Libras conseguem lidar com algumas dificuldades que normalmente
ocorrem em todas as línguas, como no caso específico da ambiguidade
lexical. A questão de fundo é mesmo saber ou pelo menos tentar descobrir
maneiras de as ambiguidades lexicais de signos em Libras serem
adequadamente desambiguados. Ao longo do texto trouxemos alguns
exemplos em que essa desambiguação nem sempre consegue ser executada
com os recursos disponíveis em Libras. Mas, se isso não é suficiente, o que
mais seria preciso?
3 Referências
ARROJO, R. Oficina de Tradução a teoria na prática. São Paulo: Ática.
Série Princípios, 2007. 5ª ed.
BERNARDINO, E. L. Absurdo ou Lógica? Os surdos e sua produção
linguística. Belo Horizonte: Profetizando vida, 2000.
BIDERMAN, M. T. C. As ciências do léxico. In: As ciências do léxico:
lexicologia, lexicografia, terminologia. 2 ed. Campo Grande: Ed. UFMS,
2001.
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