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SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 3
UNIDADE 1 - MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRADUÇÃO ...................................... 4
UNIDADE 2 – TRADUÇÃO E QUESTÕES CULTURAIS ..................................... 13
UNIDADE 3 - A INTRADUZIBILIDADE DA TRADUÇÃO E AS RELAÇÕES DE
PODER: AS ESCOLHAS DO TRADUTOR .......................................................... 20
CONCLUSÃO ....................................................................................................... 31
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 33
INTRODUÇÃO

A tradução se configura como uma atividade humana de grande importância


e responsabilidade. Ao traduzir, além de necessitarmos de conhecimentos
referentes as línguas com as quais trabalhamos, precisamos conhecer possíveis
estratégias para se realizar uma tradução e não podemos esquecer de considerar
as relações de poder que norteiam, modificam e fazem parte do processo tradutório.

Nesta disciplina esperamos ajudar aos alunos a construir conhecimento


pratico e teórico sobre o oficio da tradução e os meios e contextos nos quais os
tradutores exercem seu trabalho lidando com as mais diferentes questões politicas,
éticas e culturais.

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UNIDADE 1 - MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRADUÇÃO

Fonte: https://br.depositphotos.com/

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Nesta Unidade discutiremos e exemplificaremos os principais procedimentos
técnicos utilizados pelos tradutores durante a confecção das traduções.

Heloisa Barbosa, em sua obra Procedimentos técnicos da tradução: uma


nova proposta (1990), afirma que “a tradução não se restringe à da palavra
divina, da poesia ou da grande obra literária. No mundo de hoje, na aldeia global
forjada pelos meios de comunicação de massa, ela se torna corriqueira, cotidiana
e fundamental nos mais variados campos do conheCimento e das atividades
do homem” (BARBOSA, 1990, 7).

A TRADUÇÃO PALAVRA-POR-PALAVRA

Segundo Barbosa, a tradução palavra-por-palavra corresponde à


expectativa que muitos têm a respeito da tradução. É, segundo a definição de
Aubert, em seu artigo “A tradução literal: impossibilidade, inadequação ou meta?”
(1987), a tradução em que determinado segmento textual (palavra, frase, oração)
é expresso na LT1 mantendo-se as mesmas categorias numa mesma ordem
sintática, utilizando vocábulos cujo semanticismo seja (aproximadamente) idêntico
ao dos vocábulos correspondentes no TLO2, por exemplo:

She ate a sandwich at school.

Ela comeu um sanduiche na escola.

O uso da tradução palavra por palavra é restrito, pois é rara uma


convergência tão grande entre as línguas, principalmente em textos de maior
extensão, onde ha períodos compostos.

1
Lingua de tradução
2
Texto na lingua original

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A TRADUÇÃO LITERAL

Aubert considera a tradução literal como aquela em que a fidelidade


semântica estrita é mantida e adequa-se a morfossintaxe as normas gramaticais da
LT.

Exemplo:

It is a beautiful house.

E uma casa bonita.

The mother counted and recounted the two suitcases...

A mãe contava e recontava as duas malas...

Embora seja repudiada por muitos autores, a tradução literal se faz


necessária em casos como o de traduções que tem como objetivo uma tradução
com o texto original e na tradução de certos documentos.

A TRANSPOSIÇÃO

A transposição consiste na mudança de categoria gramatical de elementos


que constituem o segmento a traduzir. Heloisa Barbosa utiliza os seguintes
exemplos para explicar a transposição:

She said apologetically. - advérbio

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(ela) disse desculpando-se. - verbo reflexivo

(ela) disse como justificativa. - adjunto adverbial

She said reproachfully. - advérbio

(ela) disse censurando. - verbo

(ela) disse em tom de reprovação. - adjunto adverbial

A transposição pode ser facultativa ou obrigatória. Facultativa quando ha


outras possibilidades de tradução além da transposição em si. Obrigatória quando
não ha outra construção equivalente na língua alvo mais próxima da língua fonte.
Na transposição também pode ocorrer a fusão, o desdobramento ou inversões de
ordem.

A MODULAÇÃO

Consiste em tentar reproduzir na tradução a mensagem original, mas levando


em consideração a maneira como os falantes das línguas interpretam a realidade.

It is difficult to understand.

Não é fácil de entender.

Like the back of my hand.

Como a palma da minha mão.

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Deaf as a door nail.

Surdo como uma porta.

He is as blind as a bat.

Ele não enxerga nada.

Assim como a transposição, a modulação pode ser facultativa ou obrigatória.

EQUIVALÊNCIA

É o procedimento através do qual um segmento do texto original é substituído


por outro que não o traduz literalmente, mas lhe é funcionalmente equivalente. Este
procedimento é utilizado quando precisamos traduzir expressões idiomáticas,
provérbios, ditados populares, estruturas cristalizadas,...

Bless you!

Saúde!

You’re welcome.

De nada.

As easy as pie.

Molezinha.

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OMISSÃO

Consiste em cortar elementos da TLO desnecessários ou repetitivos do ponto


de vista da L.T.

Clara was a cop and she had a gun.

Clara era uma policial e tinha uma arma.

No exemplo acima o pronome she é omitido por ser repetitivo e desnecessário na


língua portuguesa na frase em questão.

EXPLICITAÇÃO

Processo inverso ao da omissão, no qual pronomes ou outras palavras são


inseridos para garantir a coesão e a coerência do texto em sua tradução ou versão.
Muito comum na versão de textos da língua portuguesa para a inglesa.

Clara era uma policial e tinha uma arma.

Clara was a cop and she had a gun.

COMPENSAÇÃO

Segundo Heloisa Barbosa este recurso seria reproduzir um recurso estilístico


de um texto em outro ponto do texto quando não é possível faze-lo no mesmo.

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RECONSTRUÇÃO POR PERIODOS

Implica na redivisao ou reagrupamento dos períodos e orações originais na


tradução. Longas orações podem ser partidas em períodos mais curtos e o
contrario também pode ocorrer.

MELHORIAS

Consiste em não repetir na tradução os erros cometidos na TLO. Heloisa


Barbosa cita exemplos de traduções que fez:

O trabalho será desenvolvido em 04 etapas a 1.º etapa do trabalho consta da


sensibilização dos professores, nesta etapa cada grupo apresenta relize de seus
trabalhos que serão discutidos em reunião com todas às diretoras e professores de
educação artística, comunicação e expressão e Estudos Sociais. (sic)

The work will be developed in four stages. The first is to make teachers aware of the
issues. At this stage each group will present an oral summary of their work to be
debated at meetings with the school principals, and art, language, and social studies
teachers. (Farias, 1988 apud Barbosa, 1990, p. 71)

TRANSFERÊNCIA

Quando há a introdução de material textual da L.O. na L.T. Pode ocorrer


como:

- estrangeirismo: “empréstimo” . Quando usamos vocábulos ou expressões do


TLO referente a algo desconhecido para o falante da L.T. Pode ser uma
palavra referente a um conceito, objeto, figura, um nome próprio, ... O
vocábulo poderá ser colocado em itálico, entre aspas ou sublinhado para se
destacar do resto do texto.

- transliteração: quando uma convenção gráfica substitui outra em casos onde


duas línguas não usam nem mesmo o mesmo alfabeto.

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- aclimatação ou decalque: adaptação dos empréstimos a língua que os
recebe.

- estrangeirismo e glosa intratextual ou extratextual: quando o tradutor sente a


necessidade de explicar o estrangeirismo via notas ( de rodapé, fim de
capitulo, glossário,...) ou explicações diluídas no meio do texto como apostos,
entre parênteses ou travessões, ou entre aspas por exemplo.

He loved to see the Golden Gate before going back home.


Ele amava ver a Golden Gate, uma famosa ponte da cidade de São
Francisco, antes de voltar para casa.

EXPLICAÇÃO

Substituição de um estrangeirismo por sua explicação.

Ela estava comendo açaí.

She was eating a Brazilian fruit.

DECALQUE

Segundo Heloisa Barbosa consistiria na tradução literal de sintagmas ou


tipos frasais da L.O. na L.T.

task force = força tarefa

textbook = livro texto

People’s Republic of China = República Popular da China (Barbosa, 1990, p. 76)

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ADAPTAÇÃO

Segundo Heloísa Barbosa seria “o limite extremo da tradução: aplica-se em


casos onde a situação toda a que se refere a TLO não existe na realidade
extralinguística dos falantes da LT. Esta situação pode ser recriada por uma outra
equivalente na realidade extralinguística da LT”. (Barbosa, 1990, 76)

The book was released last spring.

O livro foi publicado no terceiro trimestre do ano passado.

Hobgoblin = Saci-Pererê

Sheriff = Delegado de Polícia

MA in Linguistics = Mestrado em Letras

Essa estratégia tradutória e considera altamente domesticadora, e , portanto, e


recomendável evita-la sempre que possível.

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UNIDADE 2 – TRADUÇÃO E QUESTÕES CULTURAIS

Fonte: https://br.depositphotos.com/

Lawrence Venuti, em seu livro Escândalos da tradução: por uma ética da


diferença chama a nossa atenção para as questões culturais que estão presentes
no processo tradutório. Lawrence Venuti, baseado na reflexão de Schleiermacher

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cunhou dois termos de grande importância para a disciplina: tradução
domesticadora e tradução estrangeirizante. Segundo Venuti, a tradução é vista com
suspeita porque domestica textos estrangeiros, inscrevendo neles valores
linguísticos e culturais inteligíveis para comunidades domésticas específicas. Esse
processo de inscrição opera na produção, circulação e recepção da tradução dentro
e fora da academia. A seleção de textos estrangeiros e o desenvolvimento de
estratégias de tradução podem estabelecer cânones peculiarmente domésticos
para literaturas estrangeiras, que revelam exclusões e admissões, centros e
periferias que se distanciam daqueles existentes na língua estrangeira. Os textos
estrangeiros são reescritos de forma a se encaixarem em estilos e temas que
prevalecem naquele período nas literaturas domésticas, em detrimento de discursos
tradutórios mais caracterizados pela historicidade, que recuperam estilos e temas
do passado, inserindo-os nas tradições domésticas, ou seja, do lugar onde o texto
está sendo traduzido e não de onde ele foi escrito (VENUTI, 2002, 129 -130).

Venuti declara que seu objetivo é levar em consideração o modo como a


tradução forma identidades culturais específicas e as mantém com um relativo grau
de coerência e homogeneidade, mas também como ela cria possibilidades para a
resistência cultural, a inovação e a mudança em qualquer que seja o momento
histórico. “Pois, não obstante o fato de que a tradução é obrigada a voltar-se para
as diferenças culturais e linguísticas de um texto estrangeiro, ela pode, com a
mesma eficácia, promover ou reprimir a heterogeneidade na cultura doméstica”
(VENUTI, 2002, 131-132).

Venuti defende que um projeto tradutório precisa considerar a cultura onde o


texto estrangeiro tem sua origem e se dirigir a várias comunidades domésticas. Ele
afirma que ao tentar abarcar as culturas estrangeira e doméstica bem como os
públicos leitores das duas culturas, uma prática tradutória não pode deixar de
produzir um texto que seja uma fonte potencial de mudança cultural (VENUTI, 2002,
158-167).

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Uma tradução domesticadora seria aquela que procura apagar as opacidades
geradas pela diferença entre as duas culturas e línguas em contato, de forma a
tornar a leitura mais fluente, menos desafiadora. A domesticação transmite a ilusão
de que lemos o texto escrito pelo autor original e não uma tradução. Venuti critica a
estratégia de domesticação embora reconheça que a tradução inevitavelmente
realiza um trabalho de domesticação pela condição de estar escrita na língua
“doméstica”. Venuti advoga a favor da tradução de um texto sem que se apague
totalmente o “ar de estrangeiridade” dele (VENUTI, 2002, 17).

Em seu livro Escândalos da tradução, (2002), Venuti classifica os escândalos


em culturais, econômicos e políticos. Segundo ele, as traduções inevitavelmente
realizam um trabalho de domesticação. Aquelas mais poderosas em recriar valores
culturais e as mais responsáveis para responder por tal poder, geralmente engajam
leitores graças às palavras domésticas que foram de certo modo desfamiliarizadas
e se tornaram fascinantes devido a um embate revisório com o texto estrangeiro
(VENUTI, 2002, 18).

Venuti propõe utilizar “elementos minoritários” ou “minorizantes”, deixando


marcas da cultura de origem no texto traduzido. Ele destaca a noção da entica do
“respeito” em Bermann e afirma que “essa ética da tradução não impede a
assimilação do texto estrangeiro, mas objetiva ressaltar a existência autônoma
daquele texto por trás (no entanto, por meio) do processo assimilativo da tradução”.
Venuti fala de sua experiência em adotar um “projeto minorizante” ao traduzir para
o inglês uma seleção da obra de I. U. Tarchetti, escritor italiano do século XIX. Ele
caracteriza esse projeto como minorizante porque Tarchetti teria uma posição
marginal no cânone italiano, e por acreditar que “sua escritura seja capaz de
desordenar valores domésticos predominantes no inglês ao mover-se entre
comunidades culturais”. Ao confeccionar a tradução de alguns trabalhos de
Tarchetti para o inglês, Venuti utiliza o que chama de elementos minorizantes em
“pontos significativos” do texto traduzido. Esses elementos são escolhas do tradutor
que lhe permitem “salientar as diferenças linguísticas e culturais do texto – dentro

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da língua maior” (Venuti, 2002, 28 - 34).

Venutti ressalta que processo de inscrição de valores linguísticos e culturais


inteligíveis para comunidades domésticas específicas que ocorre na tradução opera
em cada um dos estágios: na produção, circulação e recepção da tradução. A
formação de identidades culturais é “ a maior fonte potencial de escândalos”, visto
que: “A tradução exerce um poder enorme na construção de representações de
culturais estrangeiras.” (Venuti, 2002, 129).

“Ao criar estereótipos, a tradução pode vincular respeito ou


estigma a grupos étnicos, raciais e nacionais específicos,
gerando respeito pela diferença cultural ou aversão baseada
no etnocentrismo, racismo ou patriotismo. A longo prazo, a
tradução penetra nas relações geopolíticas ao estabelecer as
bases culturais da diplomacia, reforçando alianças,
antagonismos e hegemonias entre nações” (Venuti, 2002,
130).

Venuti afirma que seu objetivo é levar em consideração o modo como a


tradução forma identidades culturais específicas e as mantém com um relativo grau
de coerência e homogeneidade, mas também o modo como ela cria possibilidades
para a resistência cultural, a inovação e a mudança em qualquer momento histórico.
Segundo o autor, a tradução é obrigada a voltar-se para as diferenças culturais e
linguísticas de um texto estrangeiro, ela pode com a mesma eficácia, promover ou
reprimir a heterogeneidade na cultura doméstica (Venuti, 2002, 137).

“Os projetos tradutórios não só constroem representações


exclusivamente domésticas de culturas estrangeiras, mas,

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uma vez que esses projetos se dirigem a comunidades
culturais específicas, estão simultaneamente engajados na
formação de identidades domésticas.” (Venuti, 2002, 145).

Segundo Venuti há um processo de espelhamento que é basicamente narcisista:


o leitor identifica-se com um ideal projetado pela tradução, geralmente valores que
alcançaram autoridade na cultura doméstica e que dominam aqueles de outras
comunidades culturais (Venuti, 2002, 148).

Sobre a tradução da Septuaginta por São Jerônimo, Venuti observa que o


discurso tradutório de São Jeronimo revela sua diversidade cultural. Por um lado,
ele latinizou traços característicos do texto hebraico, por outro, cristanizou temas
judaicos. “Ao adotar tais estratégias discursivas, a tradução de S. Jerônimo atraiu
cristãos, que como ele, eram instruídos em cultura literária latina” (VENUTI,
2002,153).

Venuti afirma que a tradução de boa qualidade visa a limitar a negação


etnocêntrica, representando “ uma abertura, um diálogo, uma hibridização, uma
descentralização”, e dessa forma, forçando a língua e a cultura domésticas a
registrarem a estrangei idade do texto estrangeiro (VENUTI, 2002, 155).

“Instituições, sejam elas acadêmicas ou religiosas, comerciais


ou políticas, mostram uma preferência por uma ética tradutória
de igualdade, uma tradução que possibilite ou ratifique
discursos e cânones, interpretações e pedagogias,
campanhas publicitárias e liturgias existentes - pelo menos
para assegurar a reprodução contínua e tranquila da
instituição. No entanto, a tradução é escandalosa porque pode

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criar valores e práticas diferentes, qualquer que seja o cenário
doméstico” (VENUTI, 2002, 156).

Venuti advoga em favor de um projeto tradutório motivado por um ética da


diferença que altera assim a reprodução das ideologias e instituições domésticas
dominantes que proporcionam um representação parcial das culturas estrangeiras
e marginalizam outras comunidades domésticas.

“ O tradutor de tal projeto, contrariamente à noção de


‘fidelidade’ desenvolvida por teóricos como Nord (1991), está
preparado para ser infiel às normas culturais domésticas que
governam o processo tradutório de formação de identidade,
chamando atenção para o que elas permitem e limitam,
admitem e excluem no encontro com os textos estrangeiros”
(VENUTI, 2002,158).

Venuti considera que as diferenças linguísticas e culturais introduzidas por


qualquer tradução podem permitir que um texto estrangeiro que parece
esteticamente inferior e politicamente reacionário no âmbito nacional, represente
valores opostos fora do país. O fator-chave para que isso ocorresse seria a
ambivalência do tradutor em relação às normas domésticas e às práticas
institucionais nas quais elas são implementadas, uma relutância em identificar-se
completamente com elas aliada a uma determinação em dirigir-se a comunidades
culturais diversas, elitizadas e populares. “Ao tentar abarcar as culturas estrangeira
e doméstica bem como públicos-leitores domésticos, uma prática tradutória não

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pode deixar de produzir um texto que seja uma fonte potencial de mudança cultural.”
(VENUTI,2002, 167)

Nos países hegemônicos, Venuti destaca que a tradução modela imagens


de seus Outros subordinados, que podem variar entre os pólos do narcisismo e da
auto-crítica, confirmando ou interrogando os valores domésticos dominantes,
reforçando ou revendo os estereótipos étnicos, os cânones literários, os padrões de
mercado e as políticas estrangeiras às quais outra cultura possa estar sujeita. Ja
nos países em desenvolvimento, Venuti observa que a tradução modela imagens
de seus Outros hegemônicos e deles próprios, que podem tanto clamar por
submissão, colaboração ou resistência, que podem assimilar os valores
estrangeiros dominantes com a aprovação ou aquiescência ou revê-los criticamente
para criar auto-imagens domésticas mais oposicionistas como nacionalismos e
fundamentalismos (Venuti, 2002, 299).

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UNIDADE 3 - A INTRADUZIBILIDADE DA TRADUÇÃO E AS RELAÇÕES DE
PODER: AS ESCOLHAS DO TRADUTOR

Fonte: https://br.depositphotos.com/

São frequentes nos estudos da tradução as discussões em torno das


questões de traduzibilidade e intraduzibilidade numa obra. A antiga problemática
em torno das questões da traduzibilidade e intraduzibilidade não está relacionada
ao êxito/ou não do tradutor em encontrar um equivalente da língua fonte na língua
de chegada, mas sim na transposição da linguagem de uma língua para outra em

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termos de conceitos, metáforas, questões culturais e assim por diante. Palavras
podem ser traduzíveis, mas certos conceitos e sentimentos, por exemplo, talvez
não. Todavia, mais importante que fixar-nos nas impossibilidades, no que é
intraduzível, seria fixarmos no que de fato é, pois se nos prendêssemos apenas a
conceitos como fidelidade e intraduzibilidade, no fim, não haveria tradução alguma.

Rosvitha Friesen Blume e Patricia Peterle organizaram em 2013 um livro que


reúne artigos de diversos estudiosos da tradução intitulado Tradução e relações de
poder, que aborda questões muito pertinentes sobre as relações de poder visíveis
e invisíveis que afetam o processo tradutório. Blume e Peterle afirmam que uma
questão fundamental que se coloca no que diz respeito ao processo tradutório é,
portanto, como são as amarras da(s) trama(s) que envolvem tradução e relações
de poder, que visíveis ou ocultas são sempre uma presença, mesmo que na
ausência. As autoras citam Michel Foucault em uma famosa conversa com Gilles
Deleuze: “Onde há poder, ele se exerce. Ninguém é, propriamente falando, seu
titular; e, no entanto, ele sempre se exerce em determinada direção com uns de um
lado e outros do outro; não se sabe ao certo quem o detém; mas se sabe quem não
o possui.” (BLUME &PETERLE, 2013, p. 8).

Como uma forma de compreender a relação entre poder e consentimento,


dois conceitos foram repetidas vezes explorados nas primeiras pesquisas da área
dos Estudos Culturais, embora sejam menos dominantes hoje em dia: ideologia e
hegemonia. O conceito de ideologia é comumente compreendido como mapas de
significados que, enquanto pretendem ser verdades universais, são historicamente
compreensões compartilhadas específicas que obscurecem e mantém o poder. O
processo de elaboração, manutenção e reprodução ascendente de significados e
práticas é chamado de hegemonia. O conceito de hegemonia compreende uma
situação em que um 'bloco histórico' de grupos poderosos exerce autoridade social
e liderança sobre outros grupos subordinados através da conquista de seu
consentimento (BARKER, 2008, p. 10-11).

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A tradução promove a circulação de textos, um fluxo, tanto material quanto
não material, simbólico, já que o processo tradutório é um complexo de escolhas e
atitudes diante da forma e do conteúdo que se apresentam ao tradutor. A tradução
pode ampliar as visões, criar novas e também exercer um papel delimitador. Ela
alimenta, renova e dá sobrevida ao texto traduzido. Traduzir significa perviver,
conceito-chave de Walter Benjamin em seu texto A tarefa do tradutor (BLUME
&PETERLE, 2013, 8).

Precisamos sempre lembrar que ao lado das questões literárias e culturais


estão outras igualmente importantes, como podem ser as questões relativas ao
âmbito político, econômico e social. As escolhas das palavras feitas pelos tradutores
também envolvem uma rede de relações não neutra. O tradutor faz a sua leitura do
texto e ao produzir deve escolher, dar uma opção que não necessariamente é a
mesma que outros tradutores usariam. A linguagem tem a capacidade de controlar,
moldar pensamentos e comportamentos por toda uma rede que está ao seu redor
e da qual ela faz parte. Traduzir é sempre um processo, um conjunto de tensões e
relações que pode comportar uma série de consequências. Uma tradução é o
resultado de um intenso processo de interação e troca, uma negociação. A tradução
é uma reescrita (BLUME &PETERLE, 2013, p. 12-13).

Ao jogar luz sobre a análise de aspectos importantes das literaturas do


mundo como as questões ideológicas e mercadológicas que norteiam o
desenvolvimento e a sobrevivência dos sistemas literários, os Estudos de Tradução
também chamam a nossa atenção para questões importantes para os estudos
literários, no que diz respeito ao reconhecimento de obras e autores que
anteriormente nunca seriam cogitados como integrantes do cânone, pois muitas das
obras dos autores que hoje são considerados clássicos ou canônicos tiveram
problemas no que diz respeito a sua recepção em diferentes momentos da história.

De acordo com Tymoczko, os tradutores tem sido e podem ser agentes de


mudanças sociais significativas. O ativismo tradutório tem apoiado o

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desenvolvimento de movimentos relacionados a língua, mudanças em valores
culturais, à liberdade de gênero e movimentos de arte avant-garde, e outros.
Igualmente, a amplitude das estruturas de poder as quais a tradução tem se oposto
é impressionante, incluindo regimes coloniais e ditatoriais, com tradutores
desafiando a morte e a prisão; governos e interesses militares; leis, políticas oficiais
e valores do estado; instituições religiosas; histórias oficiais; estabelecimentos
literários; limitações de discurso; corporações multinacionais; e as estruturas do
neocolonialismo e da globalização difundidas. Essa ampla gama de opositores e
instituições escolhidas como alvo pelos tradutores precisam ser temas das
discussões em geral sobre tradução, resistência e ativismo (TYMOCZKO, 2002, p.
227-229).

Pensar na tradução é também pensar no processo e de como nele são


estabelecidas as forças e as tensões. A tradução não é um texto autônomo, ela se
insere dentro de uma determinada rede de ligações e relacionamentos, ela possui
assinatura(s) que fala(m) dela. Eliana Avila, em seu artigo “Pode o tradutor ouvir?”,
discute a vulnerabilidade tradutória a partir do pensamento de Gayatri Spivak. Em
The Politics of Translation (2000), Spivak concebe a tradução fora do controle do
sujeito soberano, ou seja, ali onde o evento imprevisível irrompe a linguagem
previsível, já codificada e nomeada pelo conhecimento histórico vigente. Avila
declara que o fato de que a tradução chega perto de “onde o ‘eu’ perde suas
fronteiras” é perigoso para o sujeito soberano bem como para a superfície textual,
ou seja, a sistematicidade lógica redutora da retoricidade, “as fronteiras-amarras do
tecido-linguagem”. Isso implica, segundo Avila, que a tradução é constituída na
vulnerabilidade da tensão fronteiriça – “tanto uma barreira quanto uma passagem”
(SPIVAK,1998a, p. lxxxvi) – não só entre duas línguas, mas também entre o que é
sistemático e o que é retórico em cada uma delas; entre o sujeito soberano e sua
vulnerabilidade em relação ao potencial retórico de ambas as línguas; e, como
veremos adiante, entre os interesses e os desejos do (im)próprio tradutor (BLUME
&PETERLE, 2013, p. 27 - 28).

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Avila ressalta que para Spivak o segundo texto, tradutório, é também um
primeiro texto, autoral, e, portanto, também investido em reconstituir o lugar
soberano do sujeito à medida que sua suposta supremacia se vê ameaçada. Avila
relembra o conceito de pharmakón de Derrida – “um remédio e ao mesmo tempo
um veneno” que faz de toda tradução “uma inevitável ‘tradução incorreta’. É na
medida em que a tradução se implica como pharmakón (veneno) que ela se constitui
também – portanto, nunca puramente – como pharmakós (remédio). O remédio
quando bem administrado é benéfico e quando não é veneno. Essa duplicidade
confere à tradução o poder não de transcender, mas sim de habitar e transformar a
assimetria cultural que tende a reger o tradutor em sua mediação linguístico-cultural
da violência epistêmica – dissimulada, como logo veremos, na transcodificação
(BLUME &PETERLE, 2013, p. 29 - 30).

Avila afirma que a tradução como poder de implicar-se enquanto


pharmakós/pharmakón na duplicidade representacional da
tradução/transcodificação torna possível agenciar o processo de constituição do
sujeito ético na violência da cultura (BLUME &PETERLE, 2013, p. 50).

Rosemary Arrojo, em seu artigo “Escrita, interpretação e a luta pelo poder no


controle do significado”, enfatiza que tradução é uma atividade que proporciona um
cenário paradigmático para a luta velada pelo controle do significado que inclui
escrita e interpretação. Isso se da porque a tradução envolve a produção de outro
texto: a escrita do tradutor resulta da leitura de um texto alheio, numa outra língua,
num momento e meio cultural diferentes. Arrojo considera que como a tradução
constitui prova material da passagem do tradutor pelo original e como oferece prova
documental das diferenças resultantes de tal passagem, qualquer tradução está
predestinada a ser um local exemplar para a natureza competitiva da atividade
textual. A autora enfatiza que em uma tradição que geralmente enxerga o texto
original como recipiente fixo e fechado de significados intencionais de seus autores,
a luta pelo poder para determinar a “verdade” de um texto é obviamente decidida
em favor daqueles considerados os “senhores de direito” dos significados de seus

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textos e que supostamente merecem respeito incondicional de qualquer um que
ousa entrar na sua “propriedade” textual. Arrojo considera que nessa tradição,
tradutores não apenas são alijados dos direitos e privilégios da autoria, mas também
têm que suportar a reputação de serem traidores e incompetentes, ao mesmo tempo
em que lhes pedem que sejam invisíveis e o mais humildes quanto possível (BLUME
&PETERLE, 2013, p. 85 - 86).

Segundo Rosemary Arrojo, a tradução e a leitura não são atividades que


protegem os significados ‘originais’ da obra de um autor. Elas são produtoras de
significados, pois protegê- los seria impossível. Para exemplificar sua afirmação, a
autora cita o personagem Pierre Menard, criado pelo autor argentino Jorge Luis
Borges, que em Pierre Menard, autor de Quixote é visto pelo narrador como o
criador de um Quixote superior ao do autor original (ARROJO, 1999, p. 24).
Contudo, sabemos que a história que Pierre Menard narra é exatamente a mesma
escrita por Cervantes. O que ocorre é que ela é escrita em um outro momento da
história, trazendo assim novos questionamentos e outros significados.

Marilyn Gaddis Rose afirma que uma tradução desafia os leitores com uma
fronteira provisória e um espaço interliminar de som, alusão e significado com o qual
eles devem colaborar, criticar e reescrever. Fazendo isso, eles enriquecem sua
experiência literária. Para Rose, seguindo essa perspectiva, a literatura só tem a
ganhar com a tradução (ROSE, 1997, p.2).

O conhecimento da ressonância de uma tradução, das leituras críticas que


ela provoca diz muito sobre a obra e também sobre o sistema literário que a acolhe.
A tradução de um texto raramente é independente do sistema que está destinado a
acolhê-la e os elementos que a acompanham são significativos, seja o próprio
processo da tradução quando o tradutor esclarece por que o livro foi traduzido ou
como foi, seja a crítica que a analisa e tem, por vezes, papel decisivo na orientação
da recepção daquele texto, situando os leitores e preparando-os para a sua leitura
(CARVALHAL, 1986, p. 69-71).

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Kanavillil Rajagopalan, em seu artigo “Política do pós-colonialismo e lutas de
poder: sobre os ocasionais e muito conhecidos ataques do revisionismo nos estudos
da tradução”, afirma que a política do poder aparece em primeiro plano na tradução
quando o tradutor subverte a ordem das coisas exibida em um dado texto e tenta
preservá-las como são. Esse é, de fato, um gesto totalmente consciente e
deliberado, o subalterno falando em alto e bom tom. E o subalterno pode subverter
a lógica da opressão à qual foi sujeito precisamente em virtude do fato de ser capaz
de compreender totalmente as implicações do fato do seu lugar atribuído. Quando
a tradução ocorre em condições de relações desiguais de poder, torna-se algo como
uma briga por significados, uma luta para alavancar significados como se eles
estivessem abrigados no texto fonte, forçando-os contra a vontade de seus autores
– autoproclamados proprietários e custódios. Isso necessariamente envolve
ressignificar as colocações no texto fonte (BLUME &PETERLE, 2013, p.104-105).

Maria Tymoczko, em seu artigo “Ideologia e a posição do tradutor: em que


sentido o tradutor se situa no “entre”(lugar)?”, ressalta que:

“A ideologia de uma tradução é apenas parcialmente


determinada pelo conteúdo de um texto de partida – o sujeito
e sua representação – mesmo que esse conteúdo possa ser,
ele mesmo, abertamente político e incrivelmente complicado
enquanto ato discursivo, com aspectos locutórios, ilocutórios
e perlocutórios do texto de partida, todos contribuindo para dar
efeito no contexto de partida. O valor ideológico do texto de
partida é por sua vez complementado pelo fato de que a
tradução é um “meta-enunciado”, uma declaração sobre o
texto de partida que constitui uma interpretação de tal texto.
Isso é verdade mesmo quando aquele “meta-enunciado” é
aparentemente apenas uma forma de relato (JAKOBSON,

26
1959, p. 233) ou citação expressa num contexto novo, pois
citando um texto de partida, um tradutor cria, por sua vez, um
texto que é uma representação com sua própria força
locutória, ilocutória e perlocutória que é determinada por
fatores relevantes no contexto de chegada. Desse modo,
mesmo num modelo simplificado, a ideologia de uma tradução
será uma mistura do conteúdo do texto de partida e dos vários
atos discursivos instanciados nesse texto que são relevantes
no contexto de partida, dispostos em camadas com a
representação do conteúdo, com sua relevância para o público
receptor, e os vários atos discursivos da própria tradução
dirigida ao contexto de chegada; bem como ressonâncias e
discrepâncias entre esses dois “discursos”” (BLUME
&PETERLE, 2013, p. 116-117).

Tymoczko destaca que a ideologia de uma tradução não reside


simplesmente no texto traduzido, mas no modo de expressão e na postura do(a)
tradutor(a), bem como na relevância dessa tradução para seu público. Esses últimos
aspectos são influenciados pelo lugar de enunciação do tradutor e esse “lugar” é
uma posição ideológica, bem como uma posição temporal e geografica. Tais
aspectos da tradução tambem são motivados e determinados pelas afiliações
culturais e ideológicas do tradutor(a) (BLUME &PETERLE, 2013, p.118).

Maria Tymoczko, ao refletir sobre a ideologia da tradução e a lealdade do


tradutor, ressalta que questões sobre a lealdade do tradutor surgem não porque o
tradutor habita um entre-espaço e está, a ele, aliado; mas porque o tradutor, na
realidade, é totalmente comprometido com uma estrutura cultural, seja aquela
estrutura a cultura fonte, a cultura de chegada, uma terceira cultura ou, ainda, uma
estrutura cultural internacional que inclua ambas: as sociedades fonte e de chegada.

27
Leal a ideologias dissidentes internas de uma cultura ou filiações e programas
externos a elas, o tradutor pode se tornar tanto o traidor interno como o agente
estrangeiro. O problema com tradutores para os centros de poder dominantes não
é que eles estejam entre as culturas e lealdades culturais, mas que eles se tornam
envolvidos demais com ideologias divergentes, programas de mudança, ou planos
de subversão que evitam o controle dominante. De fato, a ideologia da tradução é
um resultado da posição do tradutor (BLUME &PETERLE, 2013, p.144).

Michael Cronin, em seu artigo “A era da tradução: tecnologia, tradução e


diferença”, afirma que o pós-vida do texto depende de elementos do terceiro
sistema, os artefatos de tinta e papel, que também dependem da ferramenta-
linguagem e, por extensão, da tradução, por sua habilidade de alcançar “leitores”
em diversos pontos do tempo e do espaço. A expansão do comércio global
encarregou a tradução de transportar as mensagens de um ponto a outro, o que
resultou no desenvolvimento de toda uma indústria para a localização de produtos
e serviços. Como resultado da revolução digital no final o século XX, o texto se
tornou parte do conteúdo digital disponível. Tal conteúdo, além de texto, contém
também “imagens, áudio, vídeo, software” enquanto o software, por sua vez,
“compreende websites, programas, videogames – e, assim, implementando
igualmente gráficos, animações, etc” (BLUME &PETERLE, 2013, p. 213 - 217).

Martha Cheung, em seu artigo “Repensando o ativismo: o poder e a


dinamica da tradução na china durante o final do periodo Qing (1840 – 1911)”,
afirma que a tradução é um meio de efetuar mudança social e/ou realizar
transformação cultural. Ela pode minar, contestar e subverter estruturas de poder
na sociedade, podendo desempenhar um papel crucial em situações de conflito –
através de manipulação, fabricação e até mesmo de falsificação. A tradução pode
ainda funcionar como uma ferramenta de resistência – contra as políticas de
regimes repressivos, ou a invasão de ideologias consideradas inaceitáveis ou
ameaçadoras. Mas também pode ser um ato de cumplicidade – que serve para

28
armar o poder militar e/ou político, por exemplo – e engano ” (BLUME &PETERLE,
2013, p.310).

Em seu artigo, “tradução, simulacro, resistência” , Venuti enfatiza:

“A prática tradutória será sempre, necessariamente,


condicionada pelas restrições culturais e fatores sociais que
emergem do contexto de recepção. Tratam-se de valores,
crenças e representações ancoradas em uma hierarquia de
poder e prestígio. A própria seleção de textos estrangeiros a
serem traduzidos, bem como o desenvolvimento de
estratégias discursivas para traduzi-los, inevitavelmente
exigirá, em certo ponto e da parte do tradutor, uma tomada de
posição: um alinhamento com certos grupos e instituições.
Muito embora esse contexto de recepção dos textos
traduzidos esteja além de qualquer possibilidade de controle
absoluto por parte do tradutor, faz-se necessário ponderar que
ele talvez não se invista de tamanho grau de imprevisibilidade,
mas que seja, efetivamente, informado pelas divisões sociais
que constituem qualquer situação de chegada. Devido a isso,
e a despeito da possibilidade de que a valência ideológica e
os efeitos sociais das escolhas do tradutor possam assumir
formas concomitantes ou contraditórias, uma tradução pode
adquirir grande força política – se bem que subjugada pelas
contingências que informarão sua recepção por parte de uma
determinada audiência. Na cultura pós-moderna do simulacro,
onde circulam, céleres, as imagens mais díspares, onde as
redes de produção reproduzem e incrementam o que há de
contraditório e disjuntivo na natureza mesma das formas e
práticas culturais, as audiências se fragmentaram em nichos
e segmentos que se interpenetram. Do popular ao culto ou

29
sofisticado, as possibilidades de intervenção política também
se segmentam – circunscritas que estão pelo meio e pela
própria audiência. Mas persistem, ainda então possuidoras de
possíveis afiliações, de desenvolvimentos mais amplos,
inesperados, e que possam resultar em mudanças
socioculturais (BLUME &PETERLE, 2013, p.379).

Mona Baker, em seu artigo, “Interpretes e tradutores em zonas de guerra:


narrados e narradores”, ao falar da condição e dos desafios dos tradutores que
atuam em guerras enfatiza que os tradutores atuam como “jornalistas
intermediários” nas guerras, selecionando e descartando entrevistados e situações,
e, em alguns casos, elaborando e executando as entrevistas por conta própria. Eles
suprimem narrativas pessoais capazes de perturbarem agendas institucionais ou
complicarem a conjuntura da guerra como os militares ou forças da “manutenção
da paz” que querem que elas sejam arquivadas. Eles reforçam ou enfraquecem
divisões sectárias e étnicas, comportando-se apenas de acordo com sua própria
compreensão dos acontecimentos. Eles “interpretam” a essência daquilo que seus
interlocutores dizem ao invés de traduzi-lo de forma próxima, utilizando, assim, uma
margem considerável na sua moldagem da narrativa que se desenvolve. Há muita
coisa que acaba por depender da capacidade dos tradutores de comunicarem as
nuances do que eles escutam e daquilo que testemunham – uma habilidade que
está além do alcance de pelo menos alguns dos intérpretes que trabalham em zonas
de batalha, como alguns relatos sugerem (BLUME &PETERLE, 2013, p.423).

Andre Lefevere, em sua obra Tradução, reescrita e manipulação da fama


literária, alerta para o fato de que Ezra Pound inventou a poesia chinesa para o
ocidente por meio de uma antologia de poemas "traduzidos", da dinastia de poetas
T'ang, e Samuel Johnson influenciou a recepção dos poetas que incluiu (e dos que
ele não incluiu) em sua Lives of the English Poets (Vida dos poetas ingleses). No

30
passado, assim como no presente, reescritores criaram imagens de um escritor, de
uma obra, de um período, de um gênero e, às vezes, de toda uma literatura. Essas
imagens existiam ao lado das originais com as quais elas competiam, mas as
imagens sempre tenderam a alcançar mais_pessoas do a original correspondente
assim como hoje acontece (LEFEVERE, 2007, p.18-19).

Lefevere afirma que a tradução é uma reescritura de um texto original e que


toda reescritura reflete uma certa ideologia e uma poética e, como tal, manipula a
literatura para que ela funcione dentro de uma sociedade determinada e de uma
forma determinada. Reescritura é manipulação, realizada a serviço do poder, e em
seu aspecto positivo pode ajudar no desenvolvimento de uma literatura e de uma
sociedade. Reescrituras podem introduzir novos conceitos, novos gêneros, novos
artifícios e a história da tradução é também a da inovação literária, do poder
formador de uma cultura sobre outra (LEFEVERE, 2007, p.18-19).

Lefevere destaca que o processo que resulta na aceitação ou rejeição,


canonização ou não canonização de trabalhos literários não é dominado pela moda,
mas por fatores bastante concretos que são relativamente fáceis de discernir assim
que se decide procurar por eles, isto é, assim que se evita a interpretação como o
fundamento dos estudos literários e se começa a enfrentar questões como o poder,
a ideologia, a instituição e a manipulação (LEFEVERE, 2007, p.14).

CONCLUSÃO

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Como observamos nesta disciplina, Metodologias da Tradução, além de precisar
se preocupar com as línguas com as quais trabalha, o tradutor precisa fazer uso de
estratégias que possibilitem e melhorem a qualidade da tradução ao mesmo tempo
em que precisa lidar com questões ideológicas, pessoais, politicas, culturais e
mercadológicas, por exemplo, sempre estando incluído entre diversas tensões e
questões referentes a aquisição e manutenção de poder.

O tradutor, o reescritor, precisa ser bem instruído quanto as questões


técnicas e metodológicas, mas também precisa estar sempre atento as estruturas
e tentáculos manipulatórios do mundo que o cerca.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bibliografia Básica

BAKER, Mona; SALDANHA, Gabriela (orgs.). Routledge Encyclopedia of


Translation Studies. 2.ª ed. Nova Iorque: Routledge, 2009.

BARBOSA, Heloísa. Procedimentos técnicos da tradução: Uma nova proposta.


Campinas: Pontes, 1990.

BLUME, Rosvitha Friesen & PETERLE, Patrícia (orgs.). Tradução e relações de


poder. Tubarão, SC: Copiart; Florianópolis: UFSC, 2013.

LEFEVERE, André. Tradução, reescrita e manipulação da fama literaria. Trad.


Claudia Matos Seligmann. Bauru: EDUSC, 2007.

VENUTI, Lawrence. Escândalos da tradução: por uma ética da diferença. Trad.


Laureano Pelegrin et al. Bauru: EDUSC, 2002.

Bibliografia Complementar

ARROJO, R. Oficina de tradução: a teoria na prática. São Paulo: Ática, 1999.

CARVALHAL, T. Literatura comparada. São Paulo: Ática, 1986.

ROSE, M. G. Translation and literary criticism. Manchester: St. Jerome Publishing,


1997.

33
TYMOCZKO. M. (Ed.). Translation, resistance, activism. Amherst: University of
Massachusetts Press, 2002.

BENJAMIM, W. A tarefa do tradutor. Rio de Janeiro: EdUerj, 1994.

rd
BARKER, C. Cultural studies theory and practice. 3 . Ed. London: Sage
Publications, 2008.

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