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Esperançoso? Inconformado? Realizador? Estudo de valores e atitudes é revisto em curso inédito de pós-
graduação
Luciana Garbin
Sabe essas pessoas que adoram dizer que em seu tempo tudo era melhor? E as que só pensam em
trabalhar? Ou adoram aparecer? Todas têm algo em comum: encaixam-se em um (ou mais) dos perfis
psicográficos, ferramentas de estudo do comportamento que valem ouro no mercado publicitário. Eles
acabam de ser revistos, como parte de um curso de pós-graduação inédito no País.
A base dos perfis é um estudo sobre valores e estilos de vida que o americano Arnold Mitchell apresentou
nos anos 80 - Vals (Values and Life Styles). O trabalho ganhou versões no mundo todo. A que será
mostrada no curso Ciências do Consumo Aplicadas, que a Escola Superior de Propaganda e Marketing
(ESPM) começa na terça-feira, foi assinada pelo coordenador Mario René Schweriner. Tem nove grupos:
Esperançosos, Inconformados, Batalhadores, Afiliados, Emuladores, Realizadores, Inquietos, Vivenciais e
Societais. Além deles, há os Miseráveis, que ficam fora da classificação por não fazerem parte do
mercado.
Conhecer valores e estilos de vida é uma ferramenta básica para compreender o comportamento
humano. E isso envolve do lugar onde se vive ao da happy hour. "Há bairros que concentram
determinados perfis. Na Vila Madalena, estão inquietos, vivenciais e societais. Moema, Tatuapé, Mooca,
Vila Mariana, Aclimação e Santana concentram afiliados. Emulador sonha com prédio ou casa de fachada
chamativa nos Jardins ou Itaim. Realizador prefere Morumbi e condomínio fechado", diz Schweriner. E
quando o assunto é bebida, por exemplo? "Emulador, sem dúvida, vai pedir prosecco; realizador, uísque
12 anos; e afiliado, vinho alemão de garrafa azul."
Mas sempre se pode mudar de um perfil para outro. Que o diga o italiano Giuseppe Lilli, de 39 anos. Até
os 20, diz, vivia sem muitos questionamentos existenciais em Roma. Como um bom afiliado. Até que o
contato com outras culturas o fez trocar Economia por Astrologia e Fitoterapia. Há dez anos em São
Paulo, ele hoje é um dos responsáveis pelo Spa Terra Dourada, cuja proposta - "utópica, mas não
impossível" - é "dar significado mais nobre à existência humana". "O que me trouxe aqui foi a vontade de
viver a vida mais profundamente", diz. Quer coisa mais vivencial que isso?
É raro achar quem se encaixe num só padrão; classificação pode variar do ambiente doméstico para o
profissional
Luciana Garbin
Pode olhar por aí. Com um pouco de atenção, é fácil identificar quem se encaixa num determinado perfil:
algumas pessoas quase completamente, outras menos. Especialistas dizem que é difícil quantificar os
grupos, mas têm suas certezas. Uma delas é a de que o mundo está cheio de afiliados. Gente como a
simpática dona de casa Dirce Estevale Macrini, que acha que antigamente tudo era diferente. "As famílias
eram mais unidas, os filhos tinham mais consideração pelos pais. Hoje é tudo livre, bagunçado, pais são
bobos dos filhos, liberou geral", lamenta.
Os especialistas sabem também que societais, como o artista plástico Eduardo Valarelli, de 43 anos,
ainda são minoria. Embora façam diferença na sociedade. Após 25 dias internado num hospital público,
ele decidiu em 1996 usar a arte para humanizar o atendimento. E criou o Projeto Carmim. Com a ajuda de
voluntários, já deu 30 mil aulas em oito hospitais da cidade e montou uma escola de capacitação de
jovens e adultos. "Sempre me preocupei em ver e valorizar o lado positivo do ser humano,
independentemente de ser doente, travesti ou presidiário", explica. E de onde veio tal perfil? "Acho que eu
nasci com isso."
Opinião semelhante à de Adrian Ursilli, de 35 anos, diretor comercial de uma empresa italiana. "Isso aqui
parece meu horóscopo", diz, referindo-se ao perfil de realizador. Filho de microempresário e hoteleira,
sempre teve afinidade com planejamento. Na escola, ganhava elogios pela organização da lancheira; na
5ª série, decidiu cursar Administração. Seu sonho? Ser presidente de uma grande empresa. De
preferência, "dentro de 15 anos, no máximo".
Esse é o mesmo tempo que Maria Angela Mota, de 44 anos, levará para quitar o financiamento do
apartamento. O imóvel, na zona sul, é o prêmio por uma vida de luta. Mãe de três filhos, ela é a
batalhadora típica. Aos 10 anos, já cuidava do bebê da vizinha em troca de um dinheirinho. Aos 12, virou
doméstica; aos 14, operária de fábrica. Mais tarde, foi inspetora de alunos, professora de ginástica e, de
novo, doméstica. Sempre atrás de cursos gratuitos, aprendeu a trabalhar com crianças, idosos e
deficientes. Hoje cuida de uma mulher idosa e é massagista. "Sempre tive muita ambição e garra. Vim de
família muito pobre, mas desde criança pensava: um dia ainda vou ser alguém, estudar, trabalhar
honestamente."
Mudanças na vida são muitas vezes acompanhadas de mudanças de perfil. O coordenador de curso da
ESPM Mario Rene Schweriner diz, por exemplo, que, ao ganhar dinheiro, um batalhador tem grandes
chances de se tornar afiliado. E é fácil alguém ter diferentes estilos de vida, conforme o ambiente. Pode
ser realizador na empresa e afiliado em casa. "Os perfis são de certa forma universais, mas é raro achar
tipos puros. É como signo e ascendente na astrologia", explica.
Essa mescla pode ser até saudável. "Ser intensa e exageradamente puro pode significar problemas
emocionais", alerta o psicoterapeuta Marco Antonio de Tommaso. "Um contestador com comportamento
exacerbado pode ser bem impopular."
MIGRAÇÃO
Quem migra pode manter características de um perfil e outro. Que o diga o cantor gospel Antonio Oliveira,
de 37 anos. Ao conhecer os grupos, disse encaixar-se entre os esperançosos. "Fé tenho demais e, depois
de Deus, primo muito minha família." Mas ele também tem muito dos batalhadores. Estudou até a 5ª série
e, desde a roça de cana em Vitória de Santo Antão (PE), sonhava em cantar em São Paulo. Fiel da
Assembléia de Deus, casado há 17 anos, pai de três filhos e morador da Penha, zona leste, tem hoje
quatro discos gravados. "Creio no prover de Deus, mas também cabe a nós correr atrás."
Existem ainda os que parecem, mas garantem que não são. Como a arquiteta e consultora de arte Maria
Amália Schmidt de Oliveira, de 51 anos. Amiga de dasluzetes, a especialista em tapeçaria antiga vive em
bons restaurantes, colunas sociais, ambientes badalados. À primeira vista, parece uma emuladora. Mas
acha o rótulo preconceituoso. "Por trás de tudo tem muito trabalho. Quando você trabalha com coisas de
altíssimo nível, vestir grife é conseqüência", argumenta. "Vou a tudo quanto é lugar e gosto de aparecer,
no sentido de divulgar meu trabalho. Compro coisas boas pela qualidade, mas nunca fui perua de
comprar coleção inteira."
CAMPANHAS
Puros ou misturados, os perfis são a bola da vez do mercado publicitário. Sobretudo porque, desde que
se tenha um mínimo de renda, valores e estilo de vida podem pesar mais que dinheiro na hora da
compra. "Exemplo clássico é o do vendedor: não se pode medir potencial do cliente pela roupa", diz o
sociólogo, pesquisador e professor da ESPM Fábio Mariano.
Gerente de Inteligência de Mercado e Planejamento da agência Y&R, César Ortiz diz que se pode
segmentar público geograficamente, demograficamente (por sexo, idade e classe social) e por perfil
psicográfico, o que ele considera uma evolução. "Em mercados competitivos, como o de cervejas, fala-se
em estilo." Os perfis servem também para outras áreas? "Claro. São perfeitos, por exemplo, para um
político que quer adaptar seu programa para atingir determinado tipo de eleitor."
ESPERANÇOSOS
Palavras-chave: fé, resignação.
Características: É o mais conservador de todos os grupos e pouco afeito a mudanças. Religião, família e
lar dominam seu universo - provavelmente nesta ordem. São os grandes defensores da ordem, das
autoridades e das instituições. Comum entre pessoas mais velhas e de baixa escolaridade.
marginalização, desconfiança.
Características: Desconfiam do sistema e têm valores que apontam para a ruptura. Dedicam-se menos à
família que pessoas de outros perfis e buscam parâmetros no grupo de referência (ídolos musicais,
esporte, TV) ou em gangues. Vêem a si mesmos com status social baixo e buscam ascensão social, sem
medir esforços. Baixa auto-avaliação em felicidade.
Predominam entre: office boys, motoboys, rappers, pagodeiros e jogadores de futebol em início de
carreira.
BATALHADORES
Palavras-chave: ambição, autoconfiança, sacrifício.
AFILIADOS
Palavras-chave: segurança, dignidade, tradição, conservadorismo, convencionalismo, moralismo.
Características: Geralmente de classe média, preferem o status quo e cultivam valores ligados a
patriotismo, lar, religião, papel da mulher na sociedade brasileira. Muitos são saudosistas e adoram
começar uma frase com "no meu tempo..." Seguidores de normas e regras, são refratários a mudanças e
questionam novos valores e comportamentos. Têm na família a referência mais importante de sua vida e
costumam professar religiões tradicionais, como o catolicismo. Metódicos, têm baixa tolerância à
ambigüidade, o que os faz adotar posturas maniqueístas diante de problemas e de complexidades da
vida. São os últimos, entre todos os grupos, a adotarem novas tendências e modas: qualquer coisa que
for muito original geralmente põe em xeque seu conjunto rígido de valores.
Predominam entre: donas de casa, advogados, gerentes de banco, militares, executivos, contadores,
auditores.
EMULADORES
Palavras-chave desse grupo: sucesso, status, riqueza, fama, moda, consumismo.
Características: Preocupados com questões que envolvem dinheiro, sucesso e bens materiais, seguem
(ou produzem) moda a qualquer custo: grife é uma chancela para eles. Precisam ser notados a qualquer
preço. Muitas das mulheres são chamadas de patricinhas ou de peruas e têm necessidade de aparecer,
procurando, se possível, os "holofotes da mídia". Adoram cartões de crédito, gostam de ostentar e são
gastadores - e às vezes devedores - compulsivos. Sonham ser como as pessoas ricos e de sucesso e
adoram senti-se vips. Ambiciosos e exigentes consigo mesmos, não aceitam "ser comuns".
REALIZADORES
Palavras-chave: liderança, empreendedorismo, trabalho, educação/informação, prosperidade,
competição.
insegurança, criatividade.
Características: Pautados por incertezas e excessos, são radicais na crítica à autoridade e à estrutura
familiar. Contraditórios na vivência de emoções e atitudes, revezam-se entre amor e ódio, admiração e
rejeição, exibicionismo e contenção. Protestam, mais do que propõem. Inventivos e cheios de energia,
costumam valorizar atividades culturais, sociais e/ou físicas. São jovens, geralmente universitários, e
podem ter na inquietação apenas uma fase.
VIVENCIAIS
Palavras-chave: ousar, criar, experimentar, hedonismo, natural/natureza, independência, espiritualidade,
autoconhecimento.
SOCIETAIS
Palavras-chave: simplicidade, altruísmo, abnegação,
desprendimento.
Características: Têm foco nas questões sociais: pobreza, distribuição de renda, desemprego, minorias.
Organizam e lideram movimentos e ONGs ligados à defesa de direitos, da natureza, de crianças.
Altruístas, são modernos, bem-sucedidos e influentes. De certa forma, equivalem aos realizadores, mas
em vez de sonhar com lucro buscam a melhoria social. Politicamente de oposição, têm algumas crenças-
chave: a humanidade deve viver em harmonia com a natureza, em vez de dominá-la, e a simplicidade
exterior corre paralela à riqueza interna.