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Brent D. Slife
Brigham Young University
Stephen C. Yanchar
Morningside College
Brant Williams
Brigham Young University
RESUMO: Há muito tempo o determinismo tem sido uma suposição nuclear em muitas
formas de behaviorismo, incluindo o behaviorismo radical. Entretanto, essa suposição tem
sido um obstáculo para muitos – tanto dentro quanto fora do campo do behaviorismo radical –
resultando em mal-entendidos e deturpações. O seguinte artigo fornece uma taxonomia
descritiva de quatro tipos de determinismo assumidos ou defendidos na literatura behaviorista
radical. Esta taxonomia objetiva organizar tais posições determinísticas, fornecer definições
práticas, e explorar suas implicações. Por meio deste trabalho, espera-se que tanto
behavioristas quanto não-behavioristas possuam uma compreensão mais clara do
determinismo na Análise do Comportamento.
1
Nota do tradutor: Na presente tradução, o uso do termo “comportamentalismo” será evitado em função de sua
crescente utilização na literatura analítico-comportamental brasileira. Tal “apropriação” linguística da palavra
original visa, em certo sentido, destacar a particularidade teórico-conceitual das produções científicas brasileiras
no âmbito da Análise do Comportamento. Em se tratando de um trabalho dessa natureza, e reconhecendo-se a
fragilidade de traduções em um sentido mais amplo (Eco, 2014; Laurenti & Lopes, 2016), a escolha por não se
utilizar a versão brasileira do termo reflete o compromisso filosófico e conceitual que guia a construção da
versão em língua portuguesa.
2
Slife, B. D., Yanchar, S. C., Williams, B. (1999). Conceptions of determinism in radical behaviorism: a
taxonomy. Behavior and Philosophy, 27(2), 75-96.
3
Nota do tradutor: Tradução livre confeccionada pelo coordenador do Grupo de Estudos em Epistemologia da
Análise do Comportamento (GEpAC), Prof. Me. Christian Silva dos Reis (PUCPR – Campus Toledo). Uso
exclusivo para fins didáticos.
4
Nota do tradutor: Tradução livre do título original: “About Behaviorism” (Skinner, 1974).
respostas a estímulos, então representando uma pessoa como um autômato, robô, fantoche ou
máquina” (Skinner, 1974, p. 4)5.
Não surpreendentemente, Skinner procurou clarificar a posição behaviorista radical
acerca do determinismo por meio de seus muitos escritos. Entretanto, tais entendimentos
sobre o seu trabalho persistiram, particularmente fora do behaviorismo radical (cf., Rychlak,
1981; 1988; Ryckman, 1989; Viney & king, 1998). Outros behavioristas lamentaram a
aparente permanência de tais entendimentos questionáveis, argumentando que suas
proposições acerca de causalidade, determinismo, e concepções correlatas foram regularmente
mal construídas (Chiesa, 1992; Moore, 1990). Além disso, muitos autores observaram que os
mal-entendidos sobre o behaviorismo radical, incluindo aqueles pertencentes à causalidade,
são extremamente resistentes à mudança, mesmo em um curso universitário que foi planejado
para desfazer estes mitos (DeBell & Harless, 1992; Lamal, 1995).
Estes mal-entendidos levantam duas questões óbvias: (a) Por que os críticos tão
persistentemente não entenderam o determinismo implícito no behaviorismo radical? E (b)
Qual exatamente é a posição behaviorista radical sobre o determinismo? Embora uma
resposta completa à primeira questão seja mais complexa do que o espaço permite, uma parte
importante desta resposta originar-se-á de nossa resposta à segunda questão. Como este artigo
irá ilustrar, parece não haver uma definição padrão de determinismo na literatura behaviorista
radical. Alguns pesquisadores debateram o significado, a importância e as implicações de uma
perspectiva determinística na Análise Experimental do Comportamento (Chiesa, 1992; Marr,
1982; Moore, 1990; Rockwell, 1994; Vorsteg, 1974). De fato, concepções variadas dessa
ideia nuclear são ignoradas por diferentes autores, fomentando uma ambiguidade que pode, de
fato, impedir uma compreensão mais ampla na disciplina como um todo.
O propósito deste artigo, portanto, é clarear o que significa determinismo na literatura
behaviorista radical. Uma breve e descritiva taxonomia é proposta, visando sistematizar
quatro tipos básicos de determinismo encontrados na literatura – determinismo metafísico,
probabilismo metafísico, determinismo científico, e interdependência funcional – fornecendo
aos psicólogos, assim, uma estrutura conceitual para interpretar as alegações behavioristas
5
Nota do tradutor: A versão original deste excerto contém um recurso próprio da língua inglesa que é impossível
de reproduzir em português brasileiro. O uso dos termos “não” entre parênteses não deve ser ignorado, pois este
foi o recurso utilizado para “fazer jus” ao significado expresso no texto original. Assim, deve-se entender que
Skinner não defende a tese de que o behaviorismo, ou o behaviorista radical, interprete o comportamento
somente como um estado de respostas a estímulos, representando o indivíduo como um fantoche ou robô. Pelo
contrário, o uso da dupla negativa representada pelos termos “não” em parênteses procura, justamente, dirimir tal
contradição. Na passagem original em inglês lê-se: “He showed, for example, how many had (mis)understood
behaviorism to mean that a radical behaviorist ‘formulates behavior simply as a state of responses to stimuli,
thus representing a person as an automaton, robot, puppet, or machine” (Skinner, 1974, p. 4)”.
radicais. Acompanhando essa taxonomia, há uma discussão das implicações de várias
categorias de determinismos. Estas categorias, assim como suas implicações, podem ajudar
pesquisadores e teóricos a selecionar a posição determinística mais aplicável à sua própria
orientação teórica e filosofia da ciência, enquanto, ao mesmo tempo, clarificam um tema
nuclear do behaviorismo radical para seus estudantes e críticos.
A Natureza da Taxonomia
Determinismo Metafísico
6
Nota do tradutor: O termo “nômico” é relativo a “nómos”, do grego, “lei”. Assim, uma relação nômica
descreve uma relação entre elementos regida por leis, e na qual não há possibilidade de variações, ou desvios. No
excerto original lê-se: “[Science] is more than the mere description of events as they occur. It is an attempt to
discover order, to show that certain events stand in lawful relation to other events . . .”.
7
Nota do tradutor: Na filosofia da ciência, a noção de “agência” denota uma instância iniciadora (comumente
postulada como sendo interna ao organismo) das ações de indivíduos (Ferrater Mora, 2004); exemplos
tradicionais seriam as noções de mente, inconsciente, volição etc. No comportamentalismo radical, no entanto, a
tese de que comportamentos sejam iniciados por qualquer instância interna aos organismos é sistematicamente
criticada tanto por Skinner quanto por comentadores (Skinner, 1969, 1971, 1974, 1981; Leão & Laurenti, 2012;
Lopes, 2008; Reis & Laurenti, 2019). Assim, na passagem, ao utilizar a expressão “atos caprichosos de qualquer
agente livre”, Skinner parece propor que a adoção de pressupostos científicos para o trato dos assuntos
comportamentais impugna a suposição de que há uma instância iniciadora interna aos indivíduos, o que culmina
na tese de que a explicação (e possível determinação) do comportamento deve ser compreendida no âmbito da
própria relação organismo-mundo.
Embora Moxley (1992) tenha notado corretamente que Skinner tentou mover-se de um
behaviorismo mecanicista para um funcionalista em seus trabalhos tardios, ele também
mostrou como Skinner continuou a ter simpatia pelo determinismo metafísico, como a seguir:
. . . [a] história ambiental ainda está no controle; a dotação genética das espécies
somada das contingências as quais o indivíduo foi exposto ainda determina o que ele
irá perceber. (Skinner, 1974, p. 82, itálicos adicionados)
O comportamento ocorre porque mecanismos apropriados foram selecionados no
curso da evolução. Os sentimentos são meros produtos colaterais das condições
responsáveis pelo comportamento. (Skinner, 1974, p. 52, itálicos adicionados)
Nevin (1991) e Baum (1994) também proferiram afirmações que parecem ser
compatíveis com o determinismo metafísico. Nevin (1991), por exemplo, deixou claro: “De
acordo com os princípios mais centrais de nossa crença, todo comportamento é determinado
por processos genéticos e ambientais” (p. 36). Similarmente, as observações diretivas de
Baum (1994) sobre o determinismo são facilmente interpretadas como de natureza metafísica.
Baum é destemido em considerar o determinismo como sendo “a noção de que o
comportamento é determinado somente pela hereditariedade e ambiente” (p. 11, itálicos
adicionados). Baum inclusive rejeita tentativas de conciliar o determinismo com o “livre-
arbítrio libertário” (p. 11-14), porque “o determinismo assevera que o livre-arbítrio é uma
ilusão baseada na ignorância acerca dos fatores que determinam o comportamento” (p. 15).
Para Baum, assim como para Nevin, a ciência em si mesma requer a “ideia de que todo
comportamento se origina de herança genética e de efeitos ambientais” (p. 15).
Embora não possamos saber ao certo que tipo de determinismo qualquer um destes
acadêmicos estava pretendendo defender a partir somente das passagens, o determinismo
metafísico parece uma interpretação válida. Esta interpretação é sustentada por afirmações
claras de que pessoas são organismos governados geneticamente, a serem futuramente
moldados por meio da experiência com o ambiente. De acordo com estes behavioristas, as
capacidades de uma criança, por meio de seu desenvolvimento, resultam da confluência de
pressões ambientais e genéticas. Nenhuma terceira categoria de variáveis auto iniciáveis (e
internas), tais como o livre-arbítrio (e.g., Howard, 1994) é postulada8. O comportamento é o
resultado necessário de dois conjuntos de forças causais, a ambiente e os genes. Essa
abordagem direta ao determinismo pode ser a mais comumente criticada ou caricaturizada em
8
Nota do tradutor: Ver nota 7.
explicações humanísticas ou cognitivas (e.g., Bandura, 1989; Rogers, 1970; Rychlak, 1981,
1998).
Entretanto, autores que parecem assumir este tipo de determinismo metafísico
discordam a respeito de quão exigente nosso conhecimento sobre este mundo determinístico
pode ser. Alguns autores (e.g., Baum, 1994; Czubaroff, 1991; Moore, 1990, 1992; Nevin,
1991) argumentam que um conhecimento completo e perfeito (ou quase perfeito) pode ser
obtido se a Análise do Comportamento tiver tempo suficiente para isolar as variáveis
relevantes, exercer controle, e fazer previsões informadas. Esta abordagem epistemológica
corresponde aproximadamente à visão tradicional de ciência, que sustenta que regularidades
nômicas, tal como discernidas por análises empíricas rigorosas, podem acuradamente
representar a realidade física (Moore, 1985, 1992; cf. Polkinghorne, 1983).
Outros analistas do comportamento argumentam que os aparelhos de medição e
instrumentação atuais limitam severamente a precisão com a qual previsões comportamentais
podem ser feitas (Espinosa, 1991; Fraley, 1994; Kanekar, 1992). Ainda assim, muitos destes
pesquisadores reconhecem que estimativas probabilísticas relativamente acuradas de eventos
físicos são alcançáveis. Assim, estes analistas do comportamento buscam cada vez mais
previsões acuradas com respeito ao comportamento, enquanto visam superar as limitações de
medição no futuro.
A despeito de tais discordâncias sobre a acurácia de medições e instrumentação, todos
os deterministas metafísicos parecem concordar que a natureza em si mesma é
fundamentalmente determinante, e que todos os eventos físicos ocorrem como um resultado
de causas naturais nômicas. Fraley (1994) explica:
A noção de que limitações físicas em processos de medidas comprometem o
determinismo parece exigir um salto inferencial injustificado que posicionaria a
natureza (o ambiente) como uma função do conhecer – este status ontológico é
adquirido somente a partir do conhecimento de alguém sobre ele . . . Mas os princípios
comportamentais postulam a direção reversa no controle, a saber, a de que o conhecer
é comportamento e, portanto, é controlado por uma natureza existente. (p. 73, itálicos
adicionados)
Assim, o determinismo metafísico permanece comprometido à determinação de
eventos naturais, incluindo o comportamento humano, e rejeita a alegação mais radical de que
a realidade física é, em si mesma, inerentemente probabilística. Esta alegação, feita por alguns
físicos e psicólogos, é assumida na segunda de nossas quatro categorias taxonômicas.
Entretanto, devemos primeiro explicar as implicações do determinismo metafísico.
Implicações do Determinismo Metafísico
9
Nota do tradutor: A expressão “agir de outro modo”, aqui, faz referência ao fato de que, na visão de mundo
(cosmologia, ontologia) que sustenta a noção de livre-arbítrio, indivíduos humanos seriam capazes de contrariar
as determinações genéticas e ambientais decidindo seu futuro por conta própria.
10
Nota do tradutor: A palavra self, na língua inglesa, é utilizada para designar um “recurso a si mesmo”,
exibindo um caráter reflexivo, no sentido mais próximo da língua portuguesa da palavra “auto”. No entanto, o
termo original em inglês também pode significar o que em português se designa pelo termo “eu”. Nesse sentido,
quando os autores utilizam a expressão “se origina antes (e fora) do self”, pode-se entender que estão se
referindo à noção psicológica de “eu”, ou àqueles comportamentos que indivíduos identificam como sendo
próprios (ou naturais) de sua própria constituição individual.
mesma razão, um assassino não deveria ser culpado por comportamentos de assassinar.
Alguma interação entre genética e ambiente deve ter causado essas ações assassinas.
Devemos notar que nem todos os aspectos da responsabilidade são descartados por tais
concepções determinísticas. Como Staddon (1995) mostrou, previsibilidade é importante a
algumas formas de responsabilidade legal. Ele afirma:
Se o comportamento criminoso é previsivelmente desencorajado pela punição, o
criminoso punido justamente está menos propenso a desobedecer a lei novamente, e
serve de exemplo a outros potenciais infratores da lei. Esta é a única justificação
objetiva para a punição. Mas se o comportamento fosse imprevisível e não afetado por
“contingências de reforçamento” – se ele fosse não-causado, na caricatura de Skinner
da liberdade – não haveria absolutamente nenhum ponto em favor da punição ou
qualquer outra forma de controle comportamental, porque não haveria efeito
previsível. Em poucas palavras, responsabilidade legal requer determinismo
comportamental. (p. 93)
É claro, este recurso do “determinismo comportamental” não nos diz qual tipo de
determinismo é o determinismo comportamental. Este é um dos propósitos do presente artigo
– clarificar quais opções determinísticas são viáveis e disponíveis ao behaviorista radical.
Nessa conjuntura, o determinismo metafísico é somente uma de quatro formas diferentes de
previsibilidade. Seja o comportamento metafisicamente determinado para ser previsível ou
não, e seja ou não a responsabilidade a mera utilização de certas contingências reforçadoras
ou punidoras, ainda é uma questão em aberto. Em qualquer evento, a noção habitual de
responsabilidade pessoal, em que uma pessoa é considerada responsável como um agente
iniciador, é evitada no determinismo metafísico.
Aqueles behavioristas radicais que endossam esta forma de determinismo não
esmoecem perante estas implicações provocativas. De fato, aqueles teóricos argumentam que
tais implicações devem ser aceitas, e que noções convencionais de livre-arbítrio e volição
devem ser abandonadas se quisermos ter uma compreensão acurada da condição humana.
Baum, por exemplo, assevera que: “Analistas do comportamento argumentam que enquanto
assumirmos o livre-arbítrio, iremos falhar em resolver nossos problemas sociais” (1994, p.
152; ver também Howard, 1994; Rychlak, 1979; Sappington, 1990). B. F. Skinner, é claro, é
também famoso por sua aceitação de implicações similares (e.g., Skinner, 1971, 1974). Como
veremos, entretanto, a abordagem de Skinner ao determinismo é mais complicada e mais
ambígua do que o simples determinismo metafísico.
Probabilismo Metafísico
11
Nota do tradutor: Em teoria probabilística, o padrão estocástico é aquele cujo estado é indeterminado, com
origem em eventos aleatórios.
endossam o probabilismo metafísico debatem que este é frequentemente o caso. Muitos destes
pesquisadores tentaram mostrar que comportamentos espontâneos ou imprevisíveis ocorrem
frequentemente dentre os comportamentos dos organismos, e que somente estimativas
probabilísticas ou agregadas do comportamento podem ser obtidas em princípio (Marr, 1982;
Zeiler, 1979). Como sugere um autor: “Variações aleatórias no comportamento são
claramente reveladas mesmo sob condições altamente controladas utilizadas para estudar as
contingências de reforçamento” (Marr, 1982, p. 206).
O probabilismo metafísico então assume que a psicologia nunca irá ser capaz de
atingir previsibilidade perfeita e que algumas relações variáveis serão sempre incertas e
desconhecidas. Pelo menos algum comportamento é imprevisível em princípio. Uma
implicação óbvia dessa posição é a limitação que ela coloca na compreensão científica e no
que pode ser conhecido sobre a realidade física, incluindo comportamentos individuais.
Embora nosso conhecimento possa aumentar conforme técnicas de medição e equipamentos
científicos se tornem mais acurados e precisos, tal acurácia e precisão são inerentemente, e em
última análise, limitadas pela natureza da observação e/ou realidade em si mesma.
Aparentemente, o próprio Skinner reconheceu as propriedades probabilísticas de seus
dados. Em um aparente contraste às suas declarações sobre o determinismo metafísico
(acima), Skinner (1974) descreveu o processo de condicionamento operante dessa forma:
Quando uma parte do comportamento tem o tipo de consequências denominadas de
reforçadoras, ela é mais provável de acontecer novamente. Um reforçador positivo
fortalece qualquer comportamento que o tenha produzido: um copo de água é
positivamente reforçador quando temos sede, e se então pegamos e bebemos um copo
de água, estamos mais propensos a fazê-lo novamente em ocasiões similares. Um
reforçador negativo fortalece qualquer comportamento que o reduz ou elimina: quando
tiramos um sapato apertado que está machucando, a redução na pressão é
negativamente reforçadora, e estamos mais propensos a fazê-lo novamente quando um
sapato apertar. (p. 51)
Nesse sentido, Skinner pareceu claramente reconhecer que os dados produziram
probabilidades em vez de determinações exatas. A questão é: Skinner assumiu que tais
probabilidades eram o resultado de medições (um determinismo metafísico limitado por
instrumentação), ou, de fato, o estado atual das variáveis em questão (probabilismo
metafísico)? A resposta parece ser a primeira, embora iremos discutir a possibilidade da
segunda também.
Considerando a primeira, Skinner parece ter a assumido que para que uma ciência do
comportamento fosse possível, e para que cientistas pudessem prever e controlar, o
comportamento humano deve ser completamente determinado (e.g. Skinner, 1974, p. 208).
Embora ele prontamente admita que ele não poderia conhecer tal determinação
absolutamente, a pesquisa o convenceu de sua veracidade. Como ele coloca em Sobre o
Behaviorismo:
Não podemos provar, é claro, que o comportamento humano é completamente
determinado, mas a proposição se torna mais plausível conforme os fatos se
acumulam, e eu acredito que se atingiu um ponto em que suas implicações devem ser
seriamente consideradas. (1974, p. 208, itálicos adicionados)
Se Skinner assumiu que o comportamento humano era, em última análise,
“completamente determinado”, tal como a passagem sugere, então é interessante notar que se
chegou a essa posição sem observação. Como ele mesmo admite, os dados de seus
experimentos não podem provar o determinismo; eles podem apenas mostrar que o
reforçamento aumenta a probabilidade de certo comportamento ser emitido no futuro. Estes
dados nunca podem mostrar que as variáveis são metafisicamente determinadas, porque
somente probabilidades estão disponíveis a partir do método empregado. O que Skinner fez,
como a passagem indica, foi fazer inferências com base nos dados, porque ele não podia, de
fato, observar o que ele inferiu. Nesse sentido, Skinner poderia ser descrito como sustentando
uma posição sobre como ele acreditava que a natureza estaria operando – de modo oposto ao
que ele podia, de fato, observar em seus dados (Moxley, 1992).
Por outro lado, se Skinner fosse um probabilista metafísico, então outras implicações
potencialmente problemáticas surgem. Como notamos, o probabilismo metafísico alega que
fatores ambientais específicos não eliciam exatamente a mesma resposta todas as vezes.
Fatores ambientais podem inclinar um organismo na direção de certo comportamento sem que
isso seja necessário12. Isto permite previsões cruas ou grosseiras, mas deixa de fora previsões
exatas, porque eventos probabilísticos poderiam sempre ter ocorrido de outra maneira,
conforme Rockwell (1994) observou. É claro, se eventos de fato podem ocorrer de outra
forma, então o comportamento de uma pessoa pode ocorrer de modo diferente do que seria
12
Nota do tradutor: Aqui, o uso do termo “necessário” faz referência à cláusula da necessidade de relações de
causalidade entre eventos. Quando há uma relação de necessidade entre dois termos, a existência de um é
obrigatória para que se constate a existência de outro.
previsto probabilisticamente. Isto é, o behaviorista radical somente seria capaz de prever
certas tendências gerais, ou inclinações da pessoa, dada a sua história de condicionamento,
mas mesmo tal previsão poderia ser violada em qualquer instância13 particular.
Assim, a pessoa seria imprevisível em princípio, porque o comportamento da pessoa é
sempre e em todo lugar composto de instâncias particulares. O experimentador nunca poderia
saber com certeza quando a pessoa iria se comportar em consonância com as tendências por
ele ou ela previstas, e quando a pessoa iria se comportamento de modo diferente das
tendências previstas. De fato, de acordo com o probabilismo metafísico, a pessoa poderia agir
diferentemente em cada momento, e então frustrar mesmo afirmações de “probabilidade
crescente”, porque a pessoa pode sempre agir de outra forma em relação ao comportamento
que é mais provável.
A maioria dos probabilistas metafísicos alegariam que esse “agir de outra maneira” é
improvável; eles acreditam que as pessoas tendem a permanecer consistentes com suas
tendências (Alessi, 1992; Neuringer, 1991b). Ainda assim, essa é uma suposição em vez de
um fato empírico, porque o probabilismo metafísico nunca pode descartar a possibilidade de
uma reviravolta de eventos completamente imprevisível em qualquer ponto. Nesse sentido, a
pesquisa pode somente indicar o que já ocorreu, não o que irá ocorrer. E embora previsões do
comportamento podem se tornar razoavelmente acuradas – com, digamos, uma pessoa agindo
de acordo com sua história de condicionamento por anos – essa pessoa pode agir de outro
modo em relação ao previsto em qualquer ponto com a ajuda de um fator perpétuo de acaso.
Já foi sugerido que essa imprevisibilidade e o fator “agir de outra forma” fornecem aos
pesquisadores o espaço conceitual necessário para admitir a possibilidade do livre-arbítrio.
Rockwell (1994) argumentou, por exemplo, que, como o condicionamento operante é apenas
probabilístico, não fornece razão para se rejeitar o livre-arbítrio. Ele afirmou: “Mas se o
impacto do condicionamento operante é somente probabilístico, cada [organismo] poderia ter
agido diferente mesmo se seus ambientes fossem exatamente os mesmos” (p. 64). De fato,
“ser capaz de agir de modo diferente, mesmo com tudo em volta sendo igual” é uma definição
comum de livre-arbítrio (cf. Howard, 1994; May, 1969; Rychlak, 1992, 1993; Slife & Fisher,
no prelo; Slife & Williams, 1995; Valentine, 1992, p. 8; Van Inwagen, 1986; Viney &
Crosby, 1994). Rockwell prossegue, argumentando que os próprios dados de Skinner
13
Nota do tradutor: Quando utilizam o termo “instância”, os autores se referem à uma forma específica de
produção de consequências no âmbito do comportamento operante. Segundo Reis e Laurenti (2019), operantes
podem ser entendidos como instâncias quando estamos nos referindo à emissão de uma única resposta que
produz consequências. Como explicam os autores: “Uma instância é definida pela ocorrência de dada ação com
tempo e local determinados, e nota-se que só poderá ser tratada como tal quando em relação com um estímulo
controlador ou com uma consequência por ela produzida (Skinner, 1953, 1969)” (Reis & Laurenti, 2019, p. 100).
mostram que o comportamento humano e animal, diferentemente do movimento de objetos
inanimados, não é determinado causalmente do mesmo modo naturalístico e determinístico.
O problema é que o livre-arbítrio tipicamente representa algum tipo de causa não-
causada, algum tipo de agência interna14 que é, em si mesma, a causa iniciadora dos eventos
(cf. Slife & Fisher, no prelo). Behavioristas radicais que endossam o probabilismo metafísico
geralmente postulam algum gerador de imprevisibilidade que determina a variação (e.g.,
Neuringer, 1991a). Embora essa variação seja, em princípio, imprevisível, ainda é produzida
por outra fonte que determina como é sua imprevisibilidade. Nenhum livre-arbítrio em
qualquer sentido convencional parece ser possível. Ademais, mesmo aqueles que advogam em
favor do livre-arbítrio (e.g., Howard, 1994; Rychlak, 1979; 1994) não o veem como uma
imprevisibilidade completa, mas sim como um tipo diferente de causalidade e, portanto,
determinismo (e.g. “causalidade final”, em oposição à “causalidade eficiente”15). O livre-
arbítrio, para eles, requer um propósito16 (e uma teleologia17) que processo caóticos e
estocásticos teriam dificuldade em produzir (Howard, 1994; Rychlak, 1981; 1988).
Determinismo Científico
14
Nota do tradutor: Ver nota 7.
15
Nota do tradutor: A causa final representa o propósito da realização de um ato. Por exemplo, jogar a pedra na
janela para quebrar o vidro; o vidro estilhaçado representa a causalidade final. A causa eficiente representa o
agente que determina o fenômeno considerado, aqui no caso, o indivíduo humano.
16
Nota do tradutor: O termo original em inglês aqui é purposefulness, que em uma tradução mais direta seria
equivalente ao termo determinação. No entanto, neste contexto de discussão, a palavra propósito parece
expressar melhor o argumento delineado pelos autores, qual seja, o de que a noção de livre-arbítrio rejeita
qualquer tipo de determinação – seja ambiental ou genética – baseando-se, somente, na “vontade” ou “desejo”
individual.
17
Nota do tradutor: Do grego “finalidade” e “logia”, o termo se refere ao estudo filosófico dos fins, ou seja, do
propósito ou objetivo. Em linhas gerais, a noção de teleologia indica qualquer tipo de finalidade, meta, ou
objetivo que guiaria as ações individuais, considerando tal fim como princípio explicativo das ações em questão.
conforme tendências históricas são utilizadas para antecipar as respostas ainda não evocadas
do organismo.
Entretanto, essas premissas (e.g., previsibilidade) são puramente metodológicas para o
determinista científico; elas são inerentes ao método científico e seu uso, e não precisam ser
estendidas à realidade em si mesma. Deterministas científicos então sustentam que a previsão
de futuros estados de um sistema é possível, mas nenhuma declaração concernente ao status
metafísico da realidade ou ao status ontológico do determinismo é requerida. Mazur (1986)
argumentou dessa forma:
É necessário ser um determinista [metafísico] para perseguir o tipo de análise
científica do comportamento que é descrita [aqui]? Certamente não.
Independentemente de sua crença religiosa, ou de suas convicções filosóficas, você
pode se beneficiar de ler este livro contando que esteja disposto a observar que há
alguma regularidade e previsibilidade no comportamento de ambos, humanos e não
humanos . . . Podemos proceder dessa maneira sem tomar partido em relação à
controvérsia do livre-arbítrio/determinismo. (p. 17)
Outros na literatura concordam com Mazur. Gazda e Corsini (1980), por exemplo,
argumentaram que o livre-arbítrio não terá lugar na Análise do Comportamento como um
aspecto gerado evolutivamente de nossa dotação genética. Ainda assim, eles afirmam que o
status metafísico do livre-arbítrio ou do determinismo é, em sua maioria, irrelevante ao
avanço da Análise do Comportamento:
Que o comportamento humano é determinado, ou ao menos previsível, não é, é claro,
um fato empírico a ser confirmado ou refutado. É uma suposição com a qual a
abordagem científica geralmente procede . . . Entretanto, a teoria operante forneceu
muitas aplicações de seus princípios em situações humanas práticas. Prever e controlar
o comportamento humano em tais contextos é um teste severo de adequação dos
princípios comportamentais. (1980, p. 170)
O determinismo científico (ou probabilismo científico18) fornece uma posição que
muitos na disciplina podem considerar ser a mais palatável, porque assume um método
18
Nota dos autores: Uma divisão entre o determinismo científico e o probabilismo científico poderia ser paralela
à divisão entre o determinismo metafísico e o probabilismo metafísico. O determinismo científico faria
psicólogos perseguirem compreensões completas e perfeitas em princípio, enquanto o probabilismo científico
argumentaria que somente correntes probabilísticas podem ser aduzidas (mesmo que se assuma que a natureza
em si mesma seja determinada). Isto é, alguns pesquisadores poderiam assumir o determinismo como uma
conveniência metodológica e ainda acreditar que somente estimativas e previsões probabilísticas – em vez de
perfeitas – de comportamentos futuros podem ser obtidas a partir de nossa metodologia e instrumentação atuais.
Assim, a subcategoria do determinismo científico (como descrita neste artigo) incluiria teóricos que veem o
determinismo como um ponto de partida metodológico razoável, mas que não desejam fazer afirmações acerca
“neutro” – um método que supostamente não faz alegações (ou afirmações) sobre o mundo
que investiga. O método converge com fatos científicos, mas o faz sem decidir de antemão a
natureza destes fatos, ou legislando em favor de qualquer visão metafísica da realidade a
priori. Tal abordagem foi reclamada por uma variedade de psicólogos, de humanistas (e.g.,
Rychlak, 1988) a behavioristas (e.g., Mazur, 1986), como uma forma de evitar a metafísica
especulativa.
Essa evitação da metafísica é atraente para alguns behavioristas radicais por muitas
razões. A primeira delas seja talvez representada pela unidade e objetividade que poderiam
ser trazidas para a psicologia e para a Análise do Comportamento. Proponentes de até mesmo
teorias não convencionais em psicologia, tais como o livre-arbítrio e a espiritualidade,
poderiam presumivelmente trabalhar dentro da comunidade de analistas do comportamento,
porque a natureza metafisicamente neutra da Análise do Comportamento não excluiria tais
concepções a priori. Nesse sentido, advogados do determinismo científico poderiam
promover um tipo de unidade científica por meio da aderência a regras e premissas da ciência
comumente aceitas em vez de em função de qualquer instância filosófica ou metafísica em
particular. Ademais, a investigação – em vez da filosofia – seria a juíza primária de validação.
Por mais positivo que isso pareça ser a alguns, muitos obstáculos teriam de ser
superados antes que este tipo de unidade e juízo pudessem ser alcançados. Alguns psicólogos,
por exemplo, argumentaram que métodos experimentais têm sido inapropriadamente
confundidos com certas teorias (e.g., Rychlak, 1988). Isto é, a neutralidade básica destes
métodos – necessária a qualquer determinismo científico – foi, em alguns contextos,
comprometida pela superposição ilícita de teoria sobre método. Como o historiador e filósofo
Edwin Burtt (1954) uma vez afirmou, há “forte e constante tentação em fazer uma metafísica
a partir do método [de alguém]” (p. 229). Em outras palavras, pesquisadores são tentados a
confundir suas próprias teorias e filosofias com seus métodos, e então enviesar uma
ferramenta de investigação que, não fosse isto, seria neutra.
das causas últimas dos seres humanos e que não acreditam que a Análise do Comportamento irá produzir nada
além de estimativas probabilísticas sobre o comportamento de um organismo.
Rychlak (1988), por exemplo, argumentou que o pareamento essencialmente neutro
VI-VD19 do método experimental foi historicamente confundido com a teoria do estímulo-
resposta de certos tipos de behaviorismo. Método e teoria se tornaram, com efeito, sinônimos:
variáveis independentes são simplesmente estímulos, e variáveis dependentes são
simplesmente respostas (e.g., Rychlak, 1988). Como resultado, uma noção metafísica (a de
que estímulos e respostas de fato existem, e que um determina o outro) foi forçada a se tornar
um arranjo experimental VI-VD supostamente neutro.
Como tal, o método pode somente corroborar a hipótese estímulo-resposta, e teorias
que não subscrevem a estímulos e respostas são excluídas antes que qualquer investigação
ocorra. Além disso, abordagens estímulo-resposta tornam-se difíceis de se falsear, porque são
assumidas a priori e confundidas com o método em utilização. Nesse sentido, um obstáculo
principal ao projeto do determinismo científico é o desentrelaçamento de tais compromissos
teóricos (e metafísicos) de uma ferramenta investigativa ostensivamente neutra.
Outros acadêmicos contemporâneos problematizaram a própria questão da
neutralidade metafísica (Hesse, 1980; Kuhn, 1970; Kukla, 1989; Lakatos, 1970; Robinson,
1985; Slife, 1993; Slife & Williams, 1995, 1997). De fato, tais acadêmicos argumentaram que
é ingênuo, se não inteiramente ilusório, argumentar que o método – qualquer método – age
como uma ferramenta investigativa metafisicamente neutra (cf. Czubaroff, 1991). Para serem
efetivos, todos os métodos fazem afirmações sobre a natureza do mundo que têm intenção de
investigar. Todos os métodos foram formulados para serem efetivos em um mundo particular
que foi assumido antes de que os métodos fossem utilizados para se investigar tal mundo.
De acordo com estes comentadores, todos os métodos são produtos de filosofias, e
todas as filosofias têm certos vieses que os métodos incorporam, estejamos nós (usuários dos
métodos) cientes deles ou não. Estas premissas – ontologia, causalidade, tempo,
epistemologia, e assim por diante – são elas mesmas noções metafísicas que informam e
modelam os tipos de abordagens apresentadas a partir da aplicação desses métodos.
Diferentes métodos, baseados em suposições fundamentalmente diferentes sobre o mundo,
produzirão diferentes tipos de resultados. Suposições metodológicas e, portanto,
compromissos metafísicos, não podem ser evitadas.
19
Nota do tradutor: As siglas VI e VD representam, neste trecho, os conceitos de Variável Independente (VI) e
Variável Dependente (VD). VIs e VDs são conceitos utilizados em contexto experimental para designar os tipos
de variáveis que estão sendo estudadas. VDs representam, tipicamente, elementos do comportamento estudado,
tais como respostas do organismo. VIs são, por sua vez, representantes das variáveis a serem manipuladas pelo
experimentador em contextos de investigação acerca de seus efeitos sobre o comportamento.
Dessa perspectiva, a tentativa de deterministas científicos de objetificar o método, ao
menos para desembaraçar a metafísica do método, está condenada ao fracasso. Como o
filósofo Karl Jaspers (1954) certa vez observou, “Não há escape da filosofia. A questão é
somente se [a filosofia] é consciente ou não, se é boa ou má, confusa ou clara. Qualquer um
que rejeita a filosofia está, ele mesmo, inconscientemente praticando uma filosofia” (p. 12).
Nesse sentido, a noção de que alguém tem um método metafisicamente neutro é pior do que
um audacioso comprometimento metafísico, porque representa a prática de um
comprometimento sem consciência.
Se tais comprometimentos realmente existem, e não são especificamente reconhecidos
no behaviorismo radical, então eles não podem ser discutidos, examinados, ou comparados no
contexto mais amplo de se aprender teoria. Um comprometimento metafísico explícito é,
portanto, preferível a um comprometimento metafísico implícito que é manifestado sem se ter
conhecimento em um método particular. Se estes acadêmicos estão corretos, e
comprometimentos metafísicos são inevitáveis, então a alegação em favor do determinismo
científico deve ser considerada com cuidadosa deliberação.
Interdependência Funcional
20
Nota do tradutor: O termo originalmente utilizado aqui é covary. Como não há palavra correspondente no
português que se aproxime de seu significado original, convencionou-se traduzir desta maneira. O termo
covariação, portanto, neste contexto, lança luz sobre o fato de que a relação entre organismo e ambiente ocorre
em termos de variações simultâneas, não sendo possível isolar um do outro, nem tampouco analisá-los sob a
lógica de causa-efeito.
perspectiva da interdependência funcional, o pesquisador pode somente focar em como
eventos se correlacionam ou covariam.
As implicações da interdependência funcional para o behaviorismo radical foram
exploradas por Chiesa (1992, 1994), que alega que a interdependência funcional requer uma
mudança no foco e visão de mundo de muitos analistas do comportamento. Pesquisadores
afeitos à interdependência funcional devem evitar conceder qualquer tipo de status
privilegiado (ou causal) a certas variáveis sobre outras variáveis. O trabalho de um cientista é
descobrir relações entre variáveis observáveis, enquanto evitando as muitas variações de
relações causa-efeito, tais como “responsáveis por”, “determinante de”, e assim por diante.
O próprio Skinner aclamou Mach como uma de suas influências primárias. Skinner
considerou a interdependência funcional? Chiesa parece acreditar que sim (ver também
Moxley, 1992, sobre este ponto). Por exemplo, ela menciona Skinner dizendo que:
Podemos agora considerar aquela visão de explicação e causalidade mais modesta que
parece ter sido sugerida primeiramente por Mach e é agora uma característica comum
do pensamento científico em que, em uma palavra, explicação é reduzida à descrição e
a noção de função substitui aquela da causalidade. (1994, p. 113)
Uma das dificuldades da interdependência funcional ainda permanece consistente com
seus princípios. Como Hume (1911) e comentadores mais recentes observaram (e.g., Moxley,
1992), há uma grande tentação em garantir status causal a certos fatores. O próprio Skinner
pode ter sofrido dessa inconsistência. (Isto pode explicar sua possível inclusão em pelo menos
três de quatro categorias de determinismo). Mesmo no trabalho mais tardio de Skinner, vemos
todo tipo de declaração de causa-efeito:
O comportamento operante é chamado de voluntário, mas não é realmente não-
causado; a causa é simplesmente mais difícil de se localizar. (Skinner, 1974, p. 60)
A Análise Experimental do Comportamento vai diretamente para as causas
antecedentes no ambiente. (Skinner, 1974, p. 34)
A própria abordagem de Chiesa à interdependência funcional também parece
evidenciar essa inconsistência. Similarmente à Skinner, ela não parece resistir à tentação de
garantir status causal ao ambiente. Isto é talvez mais claro em sua alegação de que “O
comportamento (a pessoa) está em posição de variável dependente com relação aos eventos
ambientais entendidos como variáveis independentes” (p. 122). Embora ela não utilize as
terminologias determinística ou de causa-efeito per se, sua terminologia metodológica
claramente trai o status que ela garante ao ambiente.
Estabelecer o ambiente como uma variável independente o atribui status causal por
dois motivos. Primeiro, a variável independente é manipulada, e pensa-se que seja
responsável por determinar as mudanças na variável dependente. Essa dependência em
relação à variável independente é, afinal, a razão pela qual essa variável é chamada de
variável “dependente”. Segundo, não há reciprocidade na relação variável independente-
variável dependente. Conforme o campo do delineamento experimental passou a ser
conhecido e compreendido, a variável dependente nunca foi considerada como sendo a causa
da variável independente, nem se pensou que a relação metodológica entre variáveis
independentes e dependentes era recíproca ou bidirecional. Nesse sentido, o uso de Chiesa das
metáforas para descrever uma relação funcional sugere que os significados de causa-efeito da
ciência tradicional foram, ao menos, implicitamente apoiados pela interdependência
funcional.
Outro problema da interdependência funcional diz respeito à questão do antecedente.
Antecedentes envolvem a tentação de atribuir algum tipo de status – seja pela causalidade,
determinismo ou uma variável independente – ao evento que ocorre primeiro (Slife, 1993).
Como o ambiente parece agir primeiro sobre o organismo, e então (em momento posterior)
uma mudança comportamental acontece, a tentação é considerar o ambiente como agente
causal. Um teórico da interdependência funcional, entretanto, não pode endossar eventos com
status causal somente porque eles precedem outros eventos no tempo (e.g., a primeira bola de
bilhar a rolar). Mach (1959) utilizou as engrenagens enredadas de um moinho para ilustrar
este problema. Apenas porque nós observamos uma das engrenagens se movimentar primeiro,
isso não significa que ela causa o movimento mútuo das engrenagens. A observação desse
movimento poderia ser o primeiro evento de uma interdependência funcional em vez de uma
relação causal.
O físico e filósofo Mario Bunge (1963) nota como frequentemente essa confusão entre
antecedente e causa ocorre: “A confusão entre antecedente e causa é tão comum que filósofos
acharam necessário, há muito tempo, cunhar uma frase para demarcar essa falácia – qual seja,
post hoc, ergo propter hoc” (depois disto, então por causa disto) (p. 189). O ponto é que
aqueles que argumentam em favor de uma visão de interdependência funcional do
determinismo não podem cair nessa tentação falaciosa. O principal ponto da interdependência
funcional é que eventos são apenas isso, interdependentes funcionalmente. Todos os fatores
na questão requerem que outros fatores existam funcionalmente, para que nenhum clame um
status privilegiado, independentemente de sua ordem observada ao longo do tempo (Slife,
1993).
Parte da tentação de atribuir um status privilegiado (ou causal) pode vir da natureza de
uma apreciação de interdependência funcional pura do mundo: ou seja, não é muito
heurística. Em algum nível, a asserção (ou conclusão) de que o comportamento e o ambiente
são “funcionalmente interdependentes” alega o óbvio. O se ganha com tal asserção? Essa
pode ser a razão pela qual pesquisadores, tais como Skinner e Chiesa, inevitavelmente
escorregam e caem em uma linguagem de causa-efeito e metáforas em suas abordagens. Estes
pesquisadores podem sentir que a funcionalidade não explica completamente a
interdependência de variáveis, ou não acrescenta o suficiente ao que já sabemos. Algum tipo
de metafísica determinística ou causal pode ser necessária para uma compreensão empírica
útil e heurística. Como o próprio Skinner afirmou:
[A ciência] é mais do que a mera descrição de eventos conforme ocorrem. É uma
tentativa de descobrir ordem, de mostrar que certos eventos estão em relação nômica
com outros eventos . . . Se vamos utilizar os métodos da ciência no campo dos
assuntos humanos, devemos assumir que o comportamento é nômico e determinado.
(Skinner, 1947, p. 6)
Nesse sentido, os problemas da interdependência funcional podem se originar do
desejo de se escapar de conceitos metafísicos. Este desejo é refletido nas tentativas de alguns
pesquisadores de serem puramente descritivos, e então evitar de vez a metafísica (e.g., Chiesa,
1994, p. 113). Como mencionado com respeito ao determinismo científico, muitos filósofos
da ciência, entretanto, questionam se esse desejo poderá, algum dia, ser realizado (e.g.,
Popper, 1959; Lakatos, 1970). Eles afirmam que o método científico é em si mesmo um
instrumento de metafísica (e.g., que a variável dependente é “dependente”). Este instrumento
não foi em si mesmo criado a partir de uma descrição pura ou método objetivo; o método
científico não foi em si mesmo empiricamente validado. O método científico tradicional foi
inventado por filósofos com certas premissas sobre o mundo (Polkinghorne, 1983). Como tal,
o método não é uma janela transparente à realidade, e por isso não pode gerar uma descrição
transparente para ela.
O resultado é que o método científico pode não ser capaz de uma proposição de
interdependência funcional pura da relação comportamento/ambiente. O método pode ter
muitas concepções metafísicas impregnadas nele para que seja possível tal empreitada
descritiva. Mesmo que tais elementos metafísicos pudessem ser libertos dos métodos
utilizados, não está claro, de modo algum, que uma descrição pura seria desejável. A ciência,
e por extensão, a Análise do Comportamento, pode precisar fornecer mais do que as muitas
formas a partir das quais o comportamento e o ambiente são funcionalmente interdependentes.
A investigação científica pode requerer alguma explicação dessa “interdependência
funcional” e, portanto, uma compreensão mais rica sobre seu uso em contextos terapêuticos e
educacionais.
Conclusão
21
Nota do tradutor: Em relação às categorias de determinismo expressas neste artigo.
evanescência da ciência, e a contínua exploração e descoberta, demandam que qualquer
taxonomia teórica esteja aberta à revisão ou definitiva rejeição. A natureza flexível da
presente taxonomia assegura que alteração e revisão são possíveis à medida que prossiga o
diálogo acerca destas questões.
Referências