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O ENSINO DE HISTÓRIA:
do saber a ser ensinado ao saber ensinado

José Mário de Oliveira Britto

20 REVISTA INTERAÇÃO | São Paulo • v. 1 • edição 15 • ano 2015 • ISSN (1981-2183)


O ensino de história: do saber a ser ensinado ao saber ensinado
José Mário de Oliveira Britto

RESUMO

O presente artigo traz um recorte da dissertação “Inextrincavelmente envolvido


naquilo que somos e naquilo que nos tornamos: o ensino de história em um
assentamento do MST”, pesquisa que teve como objetivo discutir a transposição
didática no ensino da disciplina história em um assentamento do Movimento
Sem Terra, ou seja, como o saber a ser ensinado determinado pelos documentos
orientadores do Movimento se torna saber ensinado no processo de ensino
aprendizagem do espaço da sala de aula. Neste texto, o objetivo é discutir sobre
as relações entre o ensino de história e as concepções historiográficas que
o fundamentam, e apresentar alguns dos objetivos que justificam ao longo a
história a importância da História como disciplina escolar.

Palavras-chave: Ensino; história; disciplina escolar.

ABSTRACT

This article presents an excerpt of the dissertation “inextricably involved in what


we are and what we have become: the history teaching in a settlement of MST,”
research aimed to discuss the didactic transposition in the teaching of discipline
history in a nesting Landless movement, that is, as the knowledge to be taught
determined the guiding documents of the movement becomes taught knowledge
in the teaching learning of classroom space. In this text, the purpose and discuss
the relationship between the teaching of history and historiography conceptions
which it is based, and present some of the objectives justifying the long history
the importance of history as a school subject.

Keywords: XXX,

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O ensino de história: do saber a ser ensinado ao saber ensinado

A produção dos saberes escolares, isto é, dos conhecimentos que são


vivenciados em sala de aula, fazem parte de um processo sociocultural cuja
natureza é essencialmente histórica. Assim, nesse recorte a finalidade é discutir
o processo de construção da História como conteúdo de ensino, que implica
também em olhá-la numa perspectiva global, que contribua para o entendimento
de aspectos de sua constituição como disciplina escolar, especialmente a partir
dos objetivos e finalidades educativas a ela atribuídas e na sua relação com as
concepções historiográficas construídas ao longo do tempo e que lhes serve de
sustentação.

O ENSINO DE HISTÓRIA FACE ÀS CONCEPÇÕES HISTORIOGRÁFICAS

Num primeiro momento ‒ França da III República ‒, quando o ensino é


tornado obrigatório e público, assumindo “como missão ‘civilizar’ as populações
consideradas como mais ou menos ‘atrasadas’”, o ensino de história é
compreendido como “cimento da ideologia de integração na cultura dominante
considerada, em simultâneo, como superior e nacional” (CITRON, 1990, p.21).
Essa disciplina escolar tinha um objetivo bem definido: “o de fazer
interiorizar nas crianças das escolas a imagem de uma França eterna, campeã
das liberdades e, no ensino secundário o de iniciar a futura elite dirigente no
conhecimento do ‘génio francês’” (CITRON, 1990, p.21). Assim, “a História
surgiu como disciplina curricular no interior do sistema público de ensino no
contexto das lutas burguesas na França do século XVIII. (...) À História coube,
enquanto disciplina curricular, buscar no passado a justificação da importância
da classe social emergente, bem como dos objetivos da sua luta. O século XIX
acrescentou, paralelamente aos grandes movimentos que ocorreram visando
construir os Estados Nacionais sob a hegemonia burguesa, a necessidade
de retornar-se ao passado, com o objetivo de identificar-se a ‘base comum’
formadora da nacionalidade. Daí os conceitos tão claros às histórias nacionais:
Nação, Pátria, Nacionalidade, Cidadania.” (NADAI, 1985/86, p.106).
No Brasil, o ensino de História surgiu a partir das experiências desenvolvidas
no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, desde meados do século XIX. Com a

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proclamação da República, este ensino consolidou-se tendo como referência a


História da Europa e a formação da nacionalidade. A ênfase era posta na História
Política e no movimento histórico realizado por indivíduos – os heróis nacionais.
Ainda, a concepção de história sofria a influência do positivismo: “O conceito
de fato, a neutralidade do historiador-professor ao tratar do social, a posição
do herói na construção e organização da Pátria, a associação entre o ‘método
positivo’ dado pelas ciências naturais e o ensino da História permearam tanto
a organização da escola secundária quanto a dos estudos históricos”. (NADAI,
1985/86, p. 110)
Sob a influência positivista, ao centrar-se nos “grandes” fatos políticos e
seus personagens, a História excluiu das suas análises outros sujeitos, bem
como as realidades sociais e econômicas. E, segundo NADAI (1985/86), “a crise
deste modelo hegemônico tornou-se aguda quando a escola passou a receber
alunos e jovens das camadas populares” (p.111).
Paralelamente, na primeira metade do século XX, ocorreu uma intensa
renovação historiográfica que contribuiu para o surgimento de novas abordagens,
temas e fontes. A escola francesa dos Annales trabalha com uma perspectiva
centrada na renovação dos temas, objetos e problemas a serem tratados pela
história. Traz novas contribuições metodológicas, como a constituição de um
novo conceito de documento histórico, o qual ampliava esta definição para
todos os vestígios deixados pela ação humana, como, por exemplo, os quadros,
fotografias, resquícios arqueológicos. Agora, o documento deixa de ser a prova
do real, para ser considerado como um vestígio que auxilia na compreensão do
real.
Por outro lado, com bases predominantemente no pensamento marxista,
surge a perspectiva historiográfica social inglesa, que “faz uma reinterpretação
do materialismo histórico colocando em relevo a categoria trabalho e cultura,
articulada aos diversos aspectos da vida humana”. (SANTOS, 1987, p.287).
Essa perspectiva historiográfica emerge no cenário europeu ‒
principalmente na Inglaterra ‒, depois da Segunda Guerra Mundial, fruto de uma
relação intrínseca de historiadores dessa época com o pensamento marxista,
mas direcionando os seus olhares para outros objetos de investigação. Desta

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forma, privilegia estudos sobre a cultura popular, a formação da classe operária,


a história dos homens comuns.
O historiador inglês HOBSBAWM (1990), no seu texto intitulado “A outra
História”, que trata da história que tem origem no povo, ou como ele mesmo
denomina, “a história vinda de baixo”, chama a atenção dos historiadores
socialistas que, na busca pelo resgate da história do homem comum, se sentiam
tentados a estudar, “não apenas o homem comum, mas o homem comum que
pode ser considerado como ancestral do movimento: não trabalhadores como
tais, mas principalmente como artistas, sindicalistas, militantes trabalhistas. E
sentiram também a tentação ‒ igualmente muito natural ‒ de supor que a história
dos movimentos e organizações que lideram a luta dos trabalhadores e, portanto,
em sentido bem real, “representaram” os trabalhadores, podia substituir a história
das próprias pessoas comuns”. (HOBSBAWM, 1990, p. 20).
Nesse cenário, são nomes que representam esse “novo” olhar: Edward
Palmer Thompson, Raymond Williams, Eric Hobsbawm e Cristopher Hill. Tomando
como referência THOMPSON (1981), a sua perspectiva de análise histórica que
tem como categoria a “experiência6”, entendida por ele como consequência de
um processo de relações humanas, que não é neutro, mas histórico, e, além
disso, diferentemente de outras perspectivas de análise dentro deste campo, o
conceito de experiência evidencia a participação dos sujeitos na história.
Outra contribuição importante de THOMPSON (1981) para a perspectiva
historiográfica inglesa, e que tem relação direta com sua compreensão da
categoria experiência, foi a criação de uma nova leitura para o conceito marxista
de “classe social”, concebendo-a como produto de um movimento relacional
humano e histórico, e não estrutural e categórico. Para chegar até esta nova
forma de compreender a classe social, há como elemento determinante para
THOMPSON (1981), a “cultura”, que se tornou foco de investigação em seu
estudo sobre o processo de resistência política e organização social da classe
operária inglesa no século XVIII7, e a consequente construção de elementos

6   “...
compreende a resposta mental e emocional, seja de um indivíduo ou de um grupo social, a
muitos acontecimentos inter-relacionados ou muitas repetições do mesmo tipo de acontecimento”.
(THOMPSON, 1981, p.16).
7   Neste período, a Inglaterra estava vivenciando um forte conflito entre a plebe e a gentry.

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culturais como rituais e símbolos, que para ele tornam-se também importantes
elementos de análise.
Outra concepção que se apresenta nesse conjunto de renovações
historiográficas e abre uma importante perspectiva de discussão neste campo de
estudo, é a história do cotidiano oriundo das discussões do grupo denominado
Escola de Budapeste8, o qual tem como principal representante Agnes HELLER,
que apresenta em seu estudo sobre O Cotidiano e a História, a seguinte
compreensão de vida cotidiana: “A vida cotidiana é a vida do homem inteiro;
ou seja, o homem participa da vida cotidiana com todos os aspectos de sua
individualidade, de sua personalidade. Nela, colocam-se “em funcionamento”
todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades
manipulativas, seus sentimentos, paixões, ideias, ideologias”. (HELLER, 1970,
p.17)
Nesta perspectiva historiográfica, é dentro da cotidianidade que o
sujeito histórico atua como construtor de sua história na relação com as várias
atividades que constitui essa esfera ‒ a vida cotidiana ‒ e as diferentes estruturas
econômico-sociais.
Essas correntes da historiografia possibilitaram uma renovação do saber
histórico escolar, no sentido de oferecer novas perspectivas de redimensionamento
do sentido da história e dos objetivos e finalidades desta, como disciplina escolar.
É a possibilidade que se cria de um ensino mais plural, que permite a construção
de identidades para que as pessoas se reconheçam como sujeitos individuais e
coletivos. O ensino volta-se ao desenvolvimento do espírito crítico, ao trabalho
com as diferentes memórias e estabelece como objetivo fazer com que os
indivíduos assumam a sua condição de sujeitos históricos.

PARA QUE SE ENSINA HISTÓRIA: DISCUTINDO OBJETIVOS

De modo geral, o caminho de construção da História como saber a ser


ensinado remete à ideia da “invenção da tradição” (HOBSBAWM e RANGER,
1984). Segundo CUESTA (1998) esta construção é um processo gradativo e
8   A Escola de Budapeste caracteriza-se por fazer oposição ao historicismo subjetivista.

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sempre recriado, e constitui o “código disciplinar” da História.


Para esse autor: “O “código disciplinar” é, portanto, uma tradição social que
se configura historicamente e que se compõe de um conjunto de ideias, valores,
suposições e rotinas, que legitimam a função educativa atribuída à História e
que regulam a ordem da prática de seu ensino. Abarca, pois, as especulações
e retóricas discursivas sobre seu valor educativo, os conteúdos de ensino e os
arquétipos da prática docente, que se sucedem no tempo e que se consideram,
dentro de uma cultura dominante, valiosos e legítimos”. Em suma, o “código
disciplinar” compreende o que se diz acerca do valor educativo da História, o
que se regula expressamente como conhecimento histórico e o que realmente
se ensina no marco escolar. Discursos, regulamentos, práticas e contextos
escolares impregnam a ação institucionalizada dos sujeitos profissionais (os
professores) e dos destinatários sociais (os alunos) que vivem e revivem, em
sua ação cotidiana, os usos da educação histórica de cada época”. (CUESTA,
1998, p.8-9).
Esta perspectiva sócio-histórica da produção do conhecimento escolar
insere-se no quadro de referência dos novos estudos acerca da história do
currículo (GOODSON, 1995) e das disciplinas (CHERVEL, 1999). A partir desses
autores, pode-se afirmar que a História, como as demais disciplinas do currículo,
possui uma natureza própria, resultante de um conjunto de elementos, entre
os quais sobressaem as relações entre as condições estruturais do contexto
institucional e a intervenção cotidiana dos sujeitos do universo escolar9.
Nesta direção, a construção do “código disciplinar” da História situa-se num
tempo de longa duração e deve ser entendida como parte integrante dos modos
de educação e dos interesses dominantes em cada época histórica. Segundo
autores como FURET (s/d), NADAI (1992/1993), BITTENCOURT (1998), o
marco de referência fundador do “código disciplinar” da História, inclusive no
Brasil, situa-se no século XIX.
Na esteira destes autores, CERRI afirma que o ensino dessa disciplina é
“fruto dos desdobramentos da história no século XIX, principalmente, sendo um
9   Naconcepção de EDWARDS, já indicada anteriormente, que entende o sujeito a partir de
suas condições cotidianas de vida, do grupo imediato e da classe social a que pertence, por sua
história (1997, p. 15).

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componente importante da própria evolução histórica do período contemporâneo.”


(CERRI, 1999, p.138).
É importante compreender que esse momento é marcado pelas lutas das
burguesias nacionais, do discurso nacionalista e da formação dos estados ‒
nações. Dentro desse contexto, a disciplina de história passa a ser vista como
uma “arma”, nesse processo, como um instrumento para a criação de “uma
identidade única, a nacional, sobre todas as outras, que homogeneiza cultural
e juridicamente os cidadãos, a partir de um passado comum”. (CERRI, 1999,
p.138).
Numa mesma perspectiva, no Brasil do século XIX no qual se vivenciava
o processo de consolidação da independência política e administrativa – não
a econômica ‒, o ensino de História também se apresentava com o objetivo
maior de criar uma identidade nacional, tendo em vista os interesses das classes
dominantes e as expectativas de construção do Estado Nacional.
A ideia que se pretende destacar aqui, é que os objetivos de uma disciplina
escolar só podem ser compreendidos na estreita relação com os diferentes
momentos históricos e considerando as perspectivas de determinado grupo
social.
Torna-se particularmente importante entender estas questões dentro do
contexto contemporâneo brasileiro, no qual se faria a seguinte questão: para que
serve o ensino de História? Diferentes autores apontam elementos que podem
contribuir para se dar uma resposta atual a essa questão.
CERRI (1999, p.142) afirma que “a história quando ensinada serve para
que os homens possam pensar historicamente, adicionando à sua reflexão
os elementos que não estão presentes no imediato, mas sim no tempo longo,
médio e curto”. Ainda, sem esgotar as demais respostas que, segundo o autor,
poderiam ser apresentadas à questão das finalidades do ensino de História,
pode-se afirmar que: “A história ensinada serve para ajudar a criar identidades,
mas serve principalmente para que as pessoas reconheçam-se como sujeitos,
como parte também de um coletivo, conheçam suas possibilidades e limitações
de ação na história. Desta forma, serve também para questionar identidades
inventadas (...) para estimular a participação dos indivíduos nas práticas da

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cidadania”. (CERRI, 1999, p.142).


Por outro lado, PROENÇA (1990, p. 166) justifica a História como disciplina
escolar pelo fato desta ser uma forma específica de saber que, além de investigar
o passado, visa a finalidades específicas, algumas das quais não podem ser
alcançadas por outras disciplinas. Nessa perspectiva, a autora aponta como
finalidades específicas do ensino de História:
• Promover o desenvolvimento das capacidades de análise e síntese
através duma abordagem científica da realidade;
• Proporcionar o desenvolvimento do espírito crítico;
• Desenvolver a capacidade de formular hipóteses fundamentadas;
• Contribuir para o desenvolvimento da criatividade, da sensibilidade e das
capacidades de expressão;
• Assegurar uma melhor formação cívica visando à preparação para o
exercício consciente da cidadania;
• Desenvolver atitudes de tolerância em face de ideais, crenças, culturas,
opiniões e valores diferentes dos próprios;
• Proporcionar a compreensão da relatividade e multiplicidade dos valores
em diferentes tempos e espaços;
• Contribuir para a inserção do aluno na realidade social, política e cultural
que o rodeia;
• Despertar atitudes de respeito e colaboração com outros seres humanos
como pessoas e como membros de grupos sociais e nacionais.
Esse conjunto de finalidades permite afirmar a importância da História
como disciplina escolar e aponta para a necessidade de se discutir a forma como
ela tem sido ensinada.
CITRON (1990), ao discutir a forma como a História aparece estruturada
nos programas didáticos, chama a atenção para o fato de que, neles, o tempo
é apresentado como um objeto estranho ao sujeito (p. 77). Nos programas, as
referências são “as datas e os capítulos do manual ‘logicamente’ dispostos, que
não se articulam com as histórias particulares daquele sujeito”. ( p. 78).

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Para essa autora, a história, como ensinada nas escolas, não pode ser
uma memória para as crianças e jovens, pois ela “não lhes fala acerca dum
passado que lhes diga respeito”. (CITRON, 1990, p. 113).
Ao analisar o que denomina de crise do ensino de História, CITRON (1990)
indica que isso ocorre num processo de crise mais amplo, da cultura escolar, da
sociedade como um todo, situação que “contém em germe uma desestruturação
vertiginosa da humanidade”. (p.106). Uma das dimensões dessa crise, para a
autora, é a “ruptura da memória social, das tradições, dos saberes, das práticas
que, desde há séculos ou milênios marcavam as formas de comportamento do
grupo”. (CITRON, 1990, 106).
Desse ponto de vista, CITRON (1990) defende uma educação e ‒ por
consequência ‒ um ensino de História centrado no sujeito (p.116), rompendo a
visão de História como memória coletiva única que reprime as outras memórias
sociais. (p.22).
Assim, as finalidades do ensino de História, para CITRON (1990), estão
relacionadas à ideia de que não se pode “tecer uma história universal a partir de
um só foco, até mesmo de uma só instituição”. (p.114). Trata-se, diferentemente,
de entender que: “... a história é até o presente uma memória de homens, de
guerras e de dominações. Está por reencontrar uma memória da vida quotidiana,
memória de mulheres, da terra que dá o pão, da cozinha, da canção e da poesia
dos objetos. Memória, enfim, dos abandonados da história, camponeses,
pescadores, artesãos, operários, culturas desprezadas, cujos gestos e trabalhos
são estranhos à memória da escola”. (CITRON, 1990, p.114).
Propostas de ensino desta natureza levam em consideração os conteúdos
que partem da realidade e, nesta perspectiva, a vida cotidiana e os saberes
produzidos pelos seus sujeitos ganham grande importância.
Tais objetivos se diferenciam de outras perspectivas que propõem o
ensino de uma História Universal, no sentido de uma “memória coletiva única” ‒
expressão usada por CITRON (1990) ‒, e buscam trazer o sujeito para o centro
do ensino. Esse deslocamento requer, obviamente, que se repense também do
ponto de vista metodológico o trabalho escolar com os conteúdos da História.
Por fim, a questão que permanece a partir dessa discussão teórica é:

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No cotidiano das unidades escolares, o que predomina: Um ensino de história


voltado para a construção de uma memória coletiva única, ou um ensino voltado
para colocar o sujeito no centro do processo histórico?

REFERÊNCIAS

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