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História e historiografia das políticas educacionais1

History and historiography of educational policies


José Luís Sanfelice*
*Professor Titular em História da Educação no DEFHE/FE/
UNICAMP. Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas
‘História, Sociedade e Educação no Brasil’ (HISTEDBR).
E-mail: sanfelice00@yahoo.com.br

Resumo
A presente comunicação é um exercício de historiografia. O estudo elege, para objeto de análise, três
coletâneas organizadas, respectivamente, por Neves (2005), Dourado (2009) e Saviani (2010). Revela que
a primeira coletânea busca a unidade teórica e metodológica na qual todos os autores se utilizam do
mesmo referencial, ou seja, categorias gramscianas e marxistas. A segunda coletânea tem por eixo uma
questão-problema a que se tenta responder com os recursos de várias disciplinas ou ciências sociais. A
terceira coletânea é pautada pela organização diacrônica: “das origens aos dias atuais”. Aproximando-se
as três obras referenciadas, e guardando-se as suas diferenças, é possível concluir que, em conjunto,
oferecem precioso material para a análise das políticas educacionais brasileiras do passado e do presente.
Há ampla diversidade de temas e de abordagens.
Palavras-chave
Historiografia. Política educacional. História da educação.

Abstract
This communication is an exercise in historiography. The study elects to object analysis, three compila-
tions organized respectively by Neves (2005), Dourado (2009) and Saviani (2010). It reveals that the first
collection, quest theoretical and methodological unity, in which all authors have used the same reference,
Gramscian and Marxist categories. The second collection is a matter-shaft problem that tries to answer
with the resources of several disciplines or social sciences. The third collection is guided by diachronic
organization: “origins to the present day”. Approaching the three works referenced, and adhering to their
differences, it is possible to conclude that, together, they provide valuable material for analysis of the
Brazilian educational policies of the past and present. There is a wide diversity of topics and approaches.
Key words
Historiography. Educational policy. History of education.

1
Comunicação originalmente apresentada na mesa-redonda intitulada “História e Historiografia das Instituições
e das Políticas Educacionais”, no IX Seminário Nacional de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação
no Brasil” – “História da Educação Brasileira: Experiências e Peculiaridades” promovido pelo GT Paraíba do
HISTEDBR, em conjunto com os Programas de Pós-Graduação em Educação e História da Universidade Federal
da Paraíba, e realizado entre 31 de julho e 03 de agosto de 2012.

Série-Estudos - Periódico do Programa de Pós-Graduação em Educação da UCDB


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Como ocorre em situações seme- amostra razoável do ponto de vista quan-
lhantes, a proposta temática sugerida à titativo e qualitativo.
mesa-redonda é suficientemente ampla
para que os expositores façam suas es- I
colhas de como melhor abordá-la. Minha
opção recaiu, então, sobre a história e a A primeira coletânea eleita foi
historiografia das políticas educacionais. organizada por Neves (2005) e tem por
Não farei incursões na produção escrita título A nova pedagogia da hegemonia.
de uma possível história das políticas Estratégias do capital para educar o con-
educacionais de um passado recente ou senso. Encontrei, já no Prefácio de Carlos
longínquo e que vem sendo construída Nelson Coutinho à obra, os primeiros
por vários agentes e historiadores da edu- indicadores de que seria adequado à
cação. Já fiz na II Jornada do HISTEDBR presente mesa-redonda partilhar daquela
breve conferência em que tateava aspec- compreensão das políticas educacionais
tos relacionados às Fontes e história das no Brasil contemporâneo, resultante de
políticas educacionais (SANFELICE, 2004). reflexão teórica e pesquisa empírica do
Para agora, decidi trabalhar com obras que Coletivo de Estudos de Política Educacional
considero pertinentes ao campo da ciência da Universidade Federal Fluminense e da
da história e resultantes do tempo presente. Fundação Oswaldo Cruz.
O exercício de historiografia tentarei fazer Ao ler e reler o livro, tive que con-
por minha conta e risco. cordar plenamente com o seu prefaciador,
Em relação ao conceito de historio- Carlos Nelson Coutinho, de que nele cha-
grafia de que me utilizo, vou economizar a ma a atenção:
apresentação de maiores esclarecimentos, [...] o mote metodológico que o inspira
pois o assumi no transcorrer da IV Jornada e orienta: ignorando os falsos limites
do HISTEDBR com o texto Perspectivas impostos pela divisão universitária
atuais da História da Educação (SANFE- do trabalho intelectual, que tanto mal
LICE, 2006), reafirmei-o no transcorrer da têm causado a uma correta compre-
V Jornada do HISTEDBR com o trabalho ensão dos fenômenos sociais, temos
História das Instituições escolares (SAN- aqui o empenho para conceituar os
FELICE, 2007) e, posteriormente, com fenômenos estritamente pedagógicos
no quadro de uma ampla compreen-
o capítulo intitulado “O HISTEDBR e a
são da totalidade social, na qual tais
historiografia da educação brasileira” fenômenos encontram sua gênese
(SANFELICE, 2009). e sua explicação. Como todos os
Quanto às obras com as quais passo verdadeiros gramscianos, Lúcia e os
a dialogar, justificarei a escolha delas ao membros do seu Coletivo de Estudos
abordar cada uma. São três coletâneas são marxistas; e, como diria Lukács, o
com um expressivo número de autores que distingue o marxismo da ‘ciência
participantes, e isso me pareceu ser uma burguesa’ é precisamente o recurso

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metodológico ao ponto de vista da e R. Sant’anna, fica explícita a noção de
totalidade (NEVES, 2005, p. 12). que “as formações sociais capitalistas são
Incorporo o mote identificado: o que um bloco histórico formado por estrutura
distingue o marxismo da ciência burguesa e superestrutura, havendo, pois, ‘uma
é precisamente o recurso metodológico ao necessária reciprocidade’ entre ambas,
ponto de vista da totalidade. ‘reciprocidade que é o processo dialético
Em tempos de estudos e trabalhos real’, conforme a teoria gramsciana. As
mais aligeirados e não muito preocupados sociedades capitalistas são analisadas
com as questões de caráter metodológico, sob uma ótica de dupla contradição: “a
a proposta do livro organizado por Neves contradição entre socialização do trabalho
(2005) é no mínimo alvissareira e inde- e apropriação privada do trabalho social
pendentemente de se concordar ou não e a contradição entre socialização da po-
com as teorias gramscianas ali utilizadas. lítica e apropriação individual ou grupista
Surpreendeu-me também a coerên- de poder” (NEVES, 2005, p. 21-22). É dada
cia interna da coletânea uma vez que todos também a conotação de bloco histórico
os autores, dos vários capítulos, buscaram à junção do Estado stricto sensu com a
efetivamente se apropriarem das catego- sociedade civil (organismos políticos da
rias de análise do pensamento de Gramsci sociedade civil): ‘sociedade política + so-
para desenvolverem os seus respectivos ciedade civil, isto é, hegemonia couraçada
temas de pesquisa. O eixo central da obra de coerção’ (p. 25).
é “a ampliação do Estado brasileiro a partir Sob a hegemonia burguesa, o Estado
dos anos 1980 no contexto de implantação capitalista vem realizando a adapta-
e aprofundamento do modelo societário ção do conjunto da sociedade a uma
neoliberal”, conforme ficou explicitado por forma particular de civilização, de
cultura, de moralidade. No decorrer do
Neves (2005, p. 15) na Apresentação. O
século XX, diante das mudanças qua-
argumento a ser desenvolvido é o de que o litativas na organização do trabalho e
neoliberalismo que veio se desenvolvendo nas formas de estruturação do poder,
no Brasil resultou de um programa político o Estado capitalista, mundialmente,
específico – o programa da denominada vem redefinindo suas diretrizes e prá-
Terceira Via, conforme sistematizado por ticas, com o intuito de reajustar suas
Anthony Giddens. O livro pretende ser uma práticas educativas às necessidades
crítica a esse modelo a partir do conceito de adaptação do homem individual
gramsciano de ‘Estado ampliado’ e que e coletivo aos novos requerimentos
assume, cada vez mais, o papel de Estado do desenvolvimento do capitalismo
monopolista.
educador.
Na condição de educador, o Estado
Na Introdução: Gramsci, o Estado capitalista desenvolveu e desenvolve
Educador e a nova pedagogia da hege- uma pedagogia da hegemonia, com
monia, sob a responsabilidade de Neves ações concretas na aparelhagem

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estatal e na sociedade civil. (NEVES, – “determinaram a elaboração de um novo
2005, p. 26-27). tipo humano, de um novo homem coletivo,
É bastante acentuada, apesar da conforme aos novos requerimentos da
citação acima, a compreensão de que a reprodução das relações sociais vigentes”.
pedagogia da hegemonia não se impõe Mas junto veio “o desemprego estrutural,
sem que ocorram inúmeras contradições a precarização das relações de trabalho e
e conflitos decorrentes das sociedades de das condições de vida de um contingente
classes. Pode-se mesmo afirmar que as cada vez maior de trabalhadores”. Tornou-
resistências geram, no Estado stricto sen- se necessário, por parte do capital, “redefinir
su e majoritariamente na sociedade civil, suas estratégias de busca do consenso
uma pedagogia da contra-hegemonia. As da maioria das populações no limiar do
pedagogias da contra-hegemonia foram século XXI” (NEVES, 2005, p. 32). E o Estado
abordadas na conferência de abertura do buscou novas formas para o seu papel de
presente seminário. educador na medida em que, onde houve
As pedagogias da hegemonia e da antes o Estado de bem-estar social, agora
contra-hegemonia se deparam em especial se implantou o Estado neoliberal.
no espaço da escola, tendo em vista a De produtor de bens e serviços, o
dimensão contraditória que a instituição Estado passou a assumir a função de
recebeu nas sociedades capitalistas con- coordenador das iniciativas privadas
temporâneas. da sociedade civil. De promotor direto
da reprodução do conjunto da força
Sendo o Estado capitalista um Estado
de trabalho, admitindo-a como sujeito
de classes, tende a organizar a escola
de direito, o Estado passou a provedor
em todos os níveis e modalidades
de serviços sociais para uma parcela
de ensino, conforme a concepção
da sociedade definida agora como
de mundo da classe dominante e
‘excluídos’, ou seja, aquele contingen-
dirigente, embora, contraditoriamente,
te considerável que, potencialmente,
dependendo do grau de difusão da
apresenta as condições objetivas para
pedagogia da contra-hegemonia na
desestruturar o consenso burguês.
sociedade civil, a mesma escola es-
Para o restante da população, o Es-
teja permeável à influência de outros
tado transfigura-se em estimulador
projetos político-pedagógicos. (NEVES,
de iniciativas privadas de prestação
2005, p. 29).
de serviços sociais e de forma de
O conjunto das substantivas trans- organização social que desatrelam
formações que o capitalismo proporcionou as várias formas de discriminação
no final do século XX – o nível de raciona- das desigualdades de classe. (NEVES,
lização do modo de produção, a mundiali- 2005, p. 33).
zação da produção, a introdução da micro- Após a Introdução, a coletânea orga-
eletrônica e da informática na organização nizada por Neves (2005) se divide em três
do trabalho e no cotidiano dos cidadãos partes: I – A nova pedagogia da hegemo-

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nia; II – A nova pedagogia da hegemonia seus ideais, ideias e práticas; a doutrina e
no Brasil e, III – A nova pedagogia da he- a prática filantrópica da Igreja Católica e
gemonia no Brasil: experiências concretas. a experiência da Vila Olímpica da Maré,
Em síntese, pode-se dizer que os au- implementada pela ONG União Esportiva
tores primeiro apresentam os pressupostos, Vila Olímpica da Maré (UEVOM).
os princípios e as estratégias do projeto Uma das conclusões a que se pode
neoliberal da Terceira Via, suas implicações chegar com a leitura da coletânea orga-
na formulação da nova pedagogia da nizada por Neves (2005) é a de que, no
hegemonia e a identificação objetiva da atual momento do capitalismo globalizado,
presença dela nas orientações e diretrizes inúmeros arranjos (políticas focadas) foram
dos organismos internacionais para que os se desenvolvendo no sentido da manu-
Estados, mundialmente, orientem de forma tenção do próprio capitalismo e em busca
prática suas políticas sociais e, óbvio, as de um consenso dos cidadãos para que
políticas educacionais. A crítica, reitero, é esse projeto se realize. A nova pedagogia
realizada a partir das principais categorias da hegemonia espraia-se, portanto, por
das teorias de Gramsci. todos os nichos da sociedade e em suas
Quanto ao Brasil, as principais alte- instituições. Não é impossível afirmar que,
rações que por aqui ocorreram desde os em decorrência dela, a subjetividade das
anos oitenta do século XX, até o início do pessoas também foi atingida.
século XXI, são analisadas como o contexto Outra conclusão, retiro-a das pala-
no qual se difundiu a nova pedagogia da vras do prefaciador da obra já citado e com
hegemonia e se buscou construir a socia- o qual concordo, de novo, integralmente:
bilidade neoliberal inspirada na Terceira
A extraordinária importância deste
Via. São focados os governos de FHC e livro não resulta apenas dos seus
os dois primeiros anos do governo Lula méritos enquanto pesquisa teórico-
destacando-se as estratégias burguesas empírica rigorosa e fundamentada.
para a obtenção do consenso social, a Resulta também do fato de que ele
reforma do Estado e os mecanismos re- confirma com brilho a extraordinária
gulatórios produzidos. fecundidade e atualidade das cate-
Finalmente, a pesquisa de natureza gorias do marxismo em geral e de
empírica contribui para que se visualize Gramsci em particular – quando bem
concretamente como atuam os aparelhos entendidas, como é precisamente o
privados na difusão da pedagogia da caso aqui – para a compreensão dos
hegemonia destacando os Parâmetros mais decisivos fenômenos do mundo
de hoje. (NEVES, 2005, p. 13).
Curriculares Nacionais para a educação
básica – diretrizes para a construção de Encerro a minha abordagem sobre
uma nova cultura cívica -; as ações da esta primeira coletânea assinalando que
Fundação Belgo-Mineira para educar as ela não foi produzida no campo da pesqui-
novas gerações de trabalhadores segundo sa histórica educacional ou da história das

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políticas educacionais, mas sim da política A apresentação final da coletânea
educacional, e o seu resultado final é extre- está composta de cinco partes, a saber:
mamente pertinente aos historiadores da
educação. É uma leitura filosófica do real. 1 Avaliando as políticas e gestão da
educação básica: marcos regulatórios
II e perspectivas

A segunda coletânea à qual quero Dois enfoques são dados ao tema.


me referir foi organizada e apresentada O primeiro é a busca das tendências
por Dourado (2009). Recebeu o título de atuais das políticas públicas sociais,
Políticas e gestão da educação no Brasil: com destaque às políticas educacionais
novos marcos regulatórios? A proposta do na realidade brasileira, mas dentro do
livro é: contexto latino-americano. O recurso é a
[...] abordar os múltiplos processos re-
sociologia e seus conceitos mais recentes
gulatórios que demarcam as políticas de ação pública, governance e regulação
e gestão da educação básica e supe- usados para interpretar as relações entre
rior no Brasil tendo por norte analítico Estado e sociedade civil na gestão das
uma importante questão: que novos políticas públicas. A tese é a de que são
marcos regulatórios vivenciamos na/ necessárias novas categorias de análise
para a educação básica e superior no para se entender a dinâmica social dos
Brasil? (DOURADOS, 2009, p. 7). últimos tempos.
Boa parte do conteúdo do livro foi O segundo enfoque privilegia as
previamente apresentada num seminário relações entre avaliação e gestão no âm-
promovido na Faculdade de Educação bito das políticas direcionadas à educação
da Universidade Federal de Goiás (UFG), básica efetivadas no Brasil, a partir dos
em abril de 2008. Pode-se dizer que o anos 1990.
eixo unitário da obra é garantido pela
pergunta acima destacada e a partir da 2 Políticas curriculares e educação
qual os autores desenvolveram suas res- básica: impasses e perspectivas
pectivas temáticas. O leque das temáticas
é bastante amplo e o mesmo se pode dizer Dois capítulos bem complementares
dos fundamentos teórico-metodológicos entre si compõem a temática. O primeiro
presentes no conjunto dos capítulos. busca uma ampla resposta para a pergun-
Portanto aqui não se buscou a unidade ta: por que as reformas curriculares têm
teórico-metodológica que orientou a cole- fracassado no Brasil? O outro considera o
tânea organizada por Neves (2005). Como currículo da educação básica um campo
já dito, a pergunta original foi o denomi- em movimento, um campo em permanente
nador comum a mover o desenvolvimento disputa, que merece o debate atual tendo
analítico dos vários textos. em vista a qualidade da educação.

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3 Plano Nacional de Educação (PNE) como foco de análise as mudanças
e Plano de Desenvolvimento da Edu- recentes que ocorrem no curso de
cação (PDE): limites e perspectivas Pedagogia e no âmbito da Capes,
bem como contribuir para ampliar o
Um primeiro texto busca identificar conhecimento sobre aspectos impor-
como se inserem as facetas universaliza- tantes dos processos políticos que
ção e qualidade nos dois instrumentos de engendram essa política de formação.
planejamento público da educação: o PNE, (NEVES, 2005, p. 135-36).
2001-2011 e o PDE, 2007... e, como eles
encaminham seis categorias temáticas: 5 Políticas e gestão da educação
“[...] insumos básicos para a qualidade superior atual: autonomia, avaliação e
universal: infraestrutura; gestão; jornada financiamento
escolar/organização pedagógica; avalia-
ção; financiamento; formação e valorização Um artigo desta última parte da
profissional” (NEVES, 2005, p. 76). coletânea busca recuperar na história da
O segundo texto volta-se para os educação superior brasileira os embates
mesmos dois documentos – PNE, PDE travados pela sua consolidação e por meio
– visando resgatar o “processo de sua da análise da legislação. “O pressuposto é
elaboração e aprovação, que expressa as que as políticas e a gestão da educação
disputas ou articulações entre diferentes superior no Brasil são marcadas por múl-
concepções e projetos para a educação tiplas regulações, envolvendo diferentes
nacional” (NEVES, 2005, p. 101). atores, interesses e prioridades” (NEVES,
2005, p. 149). Analisam-se as políticas dos
governos Fernando Henrique Cardoso e
4 Políticas de formação de profes-
Luís Inácio Lula da Silva, a interpenetração
sores: novos desafios e regulações
das esferas pública e privada, o patrimo-
Uma primeira abordagem do tema nialismo, a desigualdade social e a ação
privilegia a questão da formação inicial incisiva do Estado.
dos profissionais do magistério na dimen- Um segundo artigo elege o eixo
são da prática pedagógica e também da autonomia-financiamento-avaliação para
atividade intelectual, numa postura porta- analisar como ele foi tratado nos oito anos
dora do exercício consciente da crítica e do governo FHC e no período 2003-2008
humanista. do governo Lula no que tange a Universi-
A segunda abordagem busca: dade brasileira. Quais foram as vertentes
[...] apreender e explicitar, no atual marcantes que trataram do referido eixo?
contexto sociopolítico e econômico, os Público ou privado? Processo ou produto?
novos desafios presentes no processo Mercado ou sociedade?
de definição das políticas de formação Finalmente um terceiro artigo apre-
dos professores no Brasil, tomando senta algumas notas teóricas sobre re-

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gulação e educação superior, tomando É, sem dúvida, das três coletâneas
por referência a avaliação e distinguindo abordadas, aquela que mais está alicer-
as políticas de Estado das políticas de çada no campo da ciência da história. As
governo. coletâneas anteriores são imprescindíveis
O propósito da coletânea, a partir da para a história e historiografia das políticas
pergunta que a motivou, acredito ter sido educacionais, mas a presente é fruto de
alcançado. O seu conteúdo e as diferentes um grupo de historiadores da educação
abordagens adotadas pelos vários autores que já produziu e continua produzindo
trazem contribuições para a história e expressivo número de trabalhos na área.
historiografia das políticas educacionais Como anuncia Saviani (2010, p. 11)... “este
recentes. Não me parece razoável que os livro foi organizado em onze capítulos dis-
historiadores da educação a ignorem sob postos em ordem diacrônica, das origens
o argumento de que ela não foi produzida aos dias atuais”.
no campo e com o propósito da ciência da O livro é intitulado Estado e políticas
história2. Fica sinalizada, para o historiador educacionais na História da Educação
da educação e das políticas educacionais, Brasileira e tem um capítulo inicial, de
a necessidade da interlocução com a so- autoria do próprio organizador, onde se
ciologia, a economia e a política. discute a questão da promiscuidade entre
o público e o privado na história da edu-
III cação brasileira como uma imbricação
que é analisada no tempo longo. Embora
A terceira coletânea sobre a qual o texto de SAVIANI abranja tempos históri-
quero tecer alguns apontamentos foi orga- cos com os quais as coletâneas anteriores
nizada por Saviani (2010) por ocasião do não trabalharam, é possível afirmar que há
décimo aniversário da Sociedade Brasileira grande relação entre sua postura teórico-
de História da Educação e que, em parceira metodológica e a coletânea de Neves
com a Universidade Federal do Espírito (2005). Quanto ao tema, é desnecessário
Santo, produziu a coleção Horizontes da insistir, entre historiadores da educação, o
Pesquisa em História da Educação no quanto é relevante, para os dias de hoje,
Brasil. dias de privatização explícita da educa-
ção, refletir sobre as raízes históricas de
tal procedimento que vem ferindo a luta
2
Participaram da coletânea organizada por Dourado progressista em defesa da escola pública
(2009) os seguintes autores: Dalila Andrade Oliveira,
Sandra Zákia Lian Sousa, João Ferreira de Oliveira, de qualidade, laica, gratuita e para todos.
Marcelo Soares P. da Silva, Catarina de Almeida Santos, Na forma diacrônica anunciada, dois
Regina Vinhares Gracindo, Andréia Ferreira da Silva, capítulos do livro abordam o contexto da
Mirian Fábia Alves, Antonio Flávio B. Moreira, Márcia atuação jesuítica no Brasil. Discute-se a
Angela da S. Aguiar, Luís Fernandes Dourado, Nelson
Cardoso Amaral, Alfredo Macedo Gomes e Janete noção de Estado, o Estado português e
Maria Lins de Azevedo. consequentemente do Brasil, e a política

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educacional naquele modelo. Nesse caso, leis e das Reformas. As leis são concebi-
os textos acabam se complementando das como registros de valores e de ideias
pelo conjunto de fontes e bibliografia que característicos de um determinado período
agregam, ou pela ênfase que cada autor histórico. O objetivo é tornar mais claro
atribui a determinados aspectos. como as reformas educacionais represen-
O período colonial é ainda objeto tam o espírito de uma época e um jogo
de investigação num capítulo que elege o de forças políticas.
pombalismo como tema, ou seja, “estudar A seguir, avançando cronologica-
o projeto da ação pombalina em matéria mente, é feito um estudo das relações
de ensino público à luz de sua relação entre o Estado e a Escola Nova. Várias
com o movimento ilustrado que interagia das manifestações da Escola Nova são
com o Marques de Pombal no tempo de apresentadas e se destaca o Manifesto
sua atuação política” (NEVES, 2005, p. dos Pioneiros.
108-109). O texto seguinte é dedicado à políti-
As políticas da educação no Império ca educacional do Estado Novo estudando
brasileiro são abordadas por meio da sua o sistema educacional colocado a serviço
expressão “nas principais leis que regula- da implantação da política autoritária.
mentaram a educação escolar no período” Ressalta-se a concepção da educação
(NEVES, 2005, p. 153). São analisadas como problema nacional, a ligação entre
as primeiras iniciativas imperiais para a educação e saúde, bem como a ênfase na
difusão da instrução pública, a Reforma educação moral. Nos debates da época
Couto Ferraz de 1854 e o Decreto n. 7.247 envolvem-se o Estado, os militares, a Igreja
de Leôncio de Carvalho. e os educadores, sendo os três últimos
A seguir temos um capítulo que é diferentes forças da sociedade civil.
mais temático do que focado em uma O período da ditadura civil-militar do
determinada conjuntura. Trata-se de movimento de 1964 é abordado com uma
discutir e analisar o “confessionalismo discussão inicial sobre as divergências em
versus a laicidade no ensino público”. Há torno da forma de interpretá-lo: golpe ou
inicialmente um apuro conceitual sobre o revolução? Segue uma caracterização do
que é laico ou leigo e sobre o status da Estado pós-64 com destaque à Doutrina
laicidade, para propor a questão: “desde de Segurança Nacional e Desenvolvimento
quando procede arguir o Estado brasilei- para explicitar, naquele contexto, a política
ro quanto à laicidade?” (NEVES, 2005, p. educacional aplicada de imediato pela
187). O tratamento do tema se estende por ditadura.
toda a história do Brasil até chegar à sua Finda-se a coletânea com uma
configuração nos dias atuais. discussão sobre o conceito de reforma e
A Primeira República (1889-1930) uma quase avaliação do produto histórico
é também apresentada, na dimensão da resultante de várias reformas educacionais
sua política educacional, pelo exame das ao longo das diferentes conjunturas da his-

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tória do Brasil e das políticas educacionais de história das políticas educacionais no
implementadas pelo Estado3. Brasil. Na somatória condensada das con-
A coletânea organizada por Saviani tribuições que se pode tirar de cada uma
(2010) não mantém uma unidade teórico- delas, a primeira grande vantagem é a
metodológica entre seus autores. A pro- quantidade de informações que se adquire
posta parece não ter sido esta. O produto e que, no cotidiano, quando estamos mais
final oscila desde opções pelo marxismo, voltados para uma atividade acadêmica
interlocuções com o marxismo ou o apelo específica, nos passam um tanto desperce-
à Nova História. A organização diacrônica bidas. Ali temos a contribuição de múltiplos
para um período de longa duração, com autores que se orientaram pelas coordena-
coerência temática, assegurou a historici- das dos organizadores para trazerem suas
dade dela. contribuições específicas do ponto de vista
teórico-metodológico, no uso e manuseio
IV de fontes, no agregamento crítico de bi-
bliografia e em inúmeros temas resultantes
Encerro agora o breve exercício aqui do passado remoto, do passado recente e
proposto com o apontamento de algumas do presente das políticas educacionais, do
questões gerais. Estado e da sociedade civil, que foram e
Os ouvintes e possíveis leitores do vêm se constituindo no Brasil.
presente texto devem ter observado que As distintas orientações das cole-
não apresentei, a cada capítulo de cada tâneas não são necessariamente exclu-
uma das coletâneas, o resultado obtido dentes no que diz respeito à produção do
pela análise desenvolvida pelos autores conhecimento. É claro que isso poderia
dos respectivos temas. Seria extremamente ocorrer se o material analisado fosse outro.
longo procurar fazê-lo. A ideia que me Entretanto aqui prevaleceu no meu propó-
moveu foi a de aproximar as três coletâ- sito uma ideia que traduzo livremente de
neas, por exemplo, para ministrar um curso Wallerstein (2007, p. 106): ser histórico não
é uma propriedade exclusiva das pessoas
chamadas historiadores, mas é uma obri-
3
Apresentam a coletânea organizada por Saviani gação de todos os cientistas sociais. Ser so-
(2010) Wenceslau Gonçalves Neto, Regina Helena ciológico não é uma propriedade exclusiva
Silva Simões, como organizadores da coleção Ho- de certas pessoas chamadas sociólogos,
rizontes da Pesquisa em História da Educação no mas uma obrigação de todos os cientistas
Brasil. O organizador prefacia a obra e é autor de um
dos seus capítulos. Os demais autores participantes sociais. Os problemas econômicos não são
são: José Maria de Paiva, Ana Palmira Bittencourt propriedade exclusiva dos economistas, as
Santos Casimiro, Carlota Boto, Maria Cristina Gomes questões econômicas são centrais para
Machado, Luiz Antonio Cunha, Geraldo Inácio Filho, qualquer análise científico-social. Não é
Maria Aparecida da Silva, Marcus Vinicius da Cunha,
José Silvério Baia Horta, José Luís Sanfelice e Carlos seguro que os historiadores profissionais
Roberto Jamil Cury. Sobre a obra, cf. Castanho (2011). saibam mais sobre as explicações históri-

24 José Luís SANFELICE. História e historiografia das políticas educacionais


cas, nem os sociólogos saibam mais sobre coletânea. O exercício de historiografia que
os problemas sociais, nem os economistas aqui fiz, por minha conta e risco, pode ser
sobre as flutuações econômicas que ou- considerado a tentativa de uma nova sínte-
tros cientistas sociais ativos. Não existem se que resulta de contribuições filosóficas,
monopólios de sabedoria nem zonas de sociológicas, do campo da economia, da
conhecimento reservadas às pessoas com política e da própria história à compreen-
determinado título universitário. são das políticas educacionais no Brasil.
Posso então concluir que as três Se podemos entender que as sínte-
coletâneas incorporaram características ses mentais buscam traduzir totalidades
de síntese. No primeiro caso são abran- reais e que as tendências pós-modernas
gentes as contribuições para um mesmo na pesquisa histórico educacional se
referencial teórico. No segundo, são amplos encaminharam para um procedimento
os aportes para uma pergunta-problema oposto, é oportuno lembrar o mote: o que
formulada. No terceiro caso, a diacronia distingue o marxismo da ciência burguesa
histórica conduziu os autores para a é precisamente o recurso metodológico ao
temática explicitada no título da própria ponto de vista da totalidade.

Referências

CASTANHO, S. Estado e políticas educacionais na educação brasileira. Revista Brasileira de


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Recebido em novembro de 2012


Aprovado para publicação em janeiro de 2013

26 José Luís SANFELICE. História e historiografia das políticas educacionais

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