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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Geociências

FERNANDO ANTONIO DA SILVA

A POBREZA NA REGIÃO CANAVIEIRA DE ALAGOAS NO SÉCULO XXI:


DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA À DINÂMICA DOS CIRCUITOS DA
ECONOMIA URBANA

CAMPINAS
2017
FERNANDO ANTONIO DA SILVA

A POBREZA NA REGIÃO CANAVIEIRA DE ALAGOAS NO SÉCULO XXI:


DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA À DINÂMICA DOS CIRCUITOS DA
ECONOMIA URBANA

TESE APRESENTADA AO INSTITUTO DE


GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE
CAMPINAS PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE
DOUTOR EM GEOGRAFIA NA ÁREA DE ANÁLISE
AMBIENTAL E DINÂMICA TERRITORIAL

ORIENTADORA: PROFA. DRA. ADRIANA MARIA BERNARDES DA SILVA

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL


DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO FERNANDO
SILVA E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. ADRIANA
MARIA BERNARDES DA SILVA.

CAMPINAS
2017
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES, 1490940
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-3664-1518

Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Geociências
Marta dos Santos - CRB 8/5892

Silva, Fernando Antonio da, 1991-


Si38p SilA pobreza na Região Canavieira de Alagoas no século XXI : do Programa
Bolsa Família à dinâmica dos circuitos da economia urbana / Fernando Antonio
da Silva. – Campinas, SP : [s.n.], 2017.

SilOrientador: Adriana Maria Bernardes da Silva.


SilTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Geociências.

Sil1. Cidadania. 2. Pobreza - Alagoas. 3. Economia urbana. 4. Programa Bolsa


Família (Brasil). I. Silva, Adriana Maria Bernardes da,1967-. II. Universidade
Estadual de Campinas. Instituto de Geociências. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Poverty in the Sugarcane Region of Alagoas - Brazil in the 21st
century : from the Bolsa Família Program to the dynamics of the circuits of urban economy
Palavras-chave em inglês:
Citizenship
Poverty - Alagoas
Urban economy
Bolsa Família Program (Brazil)
Área de concentração: Análise Ambiental e Dinâmica Territorial
Titulação: Doutor em Geografia
Banca examinadora:
Adriana Maria Bernardes da Silva [Orientador]
Marcos Antonio de Moraes Xavier
Catia Antonia da Silva
Márcio Antonio Cataia
Rosana Icassatti Corazza
Data de defesa: 23-08-2017
Programa de Pós-Graduação: Geografia

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)


UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

AUTOR: Fernando Antonio da Silva

A pobreza na região canavieira de Alagas no século XXI: do programa bolsa


família à dinâmica dos circuitos da economia urbana

ORIENTADORA: Profa. Dra. Adriana Maria Bernardes da Silva

Aprovado em: 23 / 08 / 2017

EXAMINADORES:

Profa. Dra. Adriana Maria Bernardes da Silva - Presidente

Prof. Dr. Marcos Antonio de Moraes Xavier

Profa. Dra. Catia Antonia da Silva

Prof. Dr. Marcio Antonio Cataia

Profa. Dra. Rosana Icassatti Corazza

A Ata de Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora,


consta no processo de vida acadêmica do aluno.

Campinas, 23 de agosto de 2017.


Dedico este trabalho aos meus pais, Helena e
Geraldo.

À memória do meu amigo haitiano Francky


Altineus, ex-aluno do IG-Unicamp, que
infelizmente nos deixou tão cedo e de maneira
tão trágica.

E, por fim, à memória do meu amigo Ubiratan


Loureiro, geógrafo alagoano dos mais
esperançosos que já conheci. Infelizmente
também perdeu tragicamente a vida, mas suas
esperanças em um futuro melhor continuam
vivas nas mentes dos seus amigos.
AGRADECIMENTOS

A realização deste trabalho só foi possível graças à contribuição (direta e indireta; emocional,
financeira e intelectual) de muitas pessoas.

Primeiramente agradeço aos meus pais, Helena e Geraldo. É bastante difícil dizer (se é que é
possível, ou mesmo necessário) se a maior contribuição de vocês dois para este trabalho foi
emocional, financeira ou intelectual, já que vocês me ensinam sem pronunciar uma palavra
sequer, tiram recursos financeiros de onde não existe para que eu possa estudar e me dão
forças para enfrentar situações difíceis. É preciso registrar que se não fosse a coragem de um
trabalhador negro, analfabeto, para enfrentar o eito de cana de sol a sol, e a valentia de uma
mulher que enfrentou todas as privações possíveis para garantir a permanência dos filhos na
escola, este trabalho não teria jamais sido concebido.

À Professora Adriana Bernardes pela confiança depositada em mim, pela paciência e rigor na
condução do trabalho e pela amizade. Procurarei imitar a paciência e o rigor, assim como
preservar a amizade construída. Quanto à confiança, espero que o trabalho atenda pelo menos
algumas de suas expectativas...

Ao CNPq e à Capes pelas bolsas concedidas nos últimos quatro anos.

Aos Professores Márcio Cataia e Marcos Xavier pelas sugestões apresentadas durante o
exame de qualificação.

Às beneficiárias do Bolsa Família do interior de Alagoas pelas longos e emocionantes relatos


que forneceram nas entrevistas que realizamos.

Aos trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das cidades alagoanas pela
prontidão em responder aos nossos questionários.

Aos técnicos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (assim


denominado até maio de 2016), especialmente ao Sr. Bruno Câmara Pinto, pela prontidão em
fornecer esclarecimentos sobre o Bolsa Família. Neste sentido, devo agradecer também ao Sr.
Luis Henrique Paiva (Secretário de Renda de Cidadania do MDS quando de nossa visita a este
ministério em 2014) pela recepção calorosa e indicação dos técnicos que poderiam contribuir
com a pesquisa.

À geógrafa Marina Montenegro pela leitura do projeto que originou esta tese quando ele ainda
estava em construção.

Ao amigo Luciano Duarte pela elaboração dos mapas que compõem esta tese. Sua disposição,
paciência e habilidade foram fundamentais durante a etapa final do doutorado.
À equipe da Secretaria de Pós – Graduação do Instituto de Geociências da Unicamp,
especialmente à Valdirene, Gorete, Cristina e ao Valdir.

Aos Professores Vicente Eudes Lemos e Ricardo Castillo pela oportunidade de participar
como estagiário em suas disciplinas ministradas na graduação.

Ao amigo André Pasti pela oportunidade de participar como estagiário de geografia no Cotuca
– Unicamp. O período em que estive com os alunos desse Colégio foi constituído de
momentos bastante alegres, cheios de bons debates.

À amiga Melissa Steda pela disposição de sempre em traduzir meus resumos, inclusive o
desta tese.

Aos meus irmãos Laura, Lucas (futuro geógrafo de grande talento!), Cicera, Sivaldo e Josefa,
todos sempre presentes nos momentos bons e ruins.

À minha companheira, amiga, namorada, Wedja Nubia. Mulher verdadeira, flor das mais
belas que já se viu no interior das Alagoas.

Aos familiares que viabilizaram minha permanência inicial aqui em São Paulo, especialmente
minha tia Cleonice, minha irmã Cicera e meu cunhado Marcelo.

Aos amigos-irmãos Amistson, Antônio, Kleyton e Reinaldo, por vivenciarem comigo tantos
momentos importantes da vida acadêmica. Neste sentido devo um agradecimento especial ao
Reinaldo (orientador de iniciação científica e de monografia da graduação), que me conduziu
nos meus primeiros passos da vida acadêmica na geografia.

Aos amigos ex-professores Carlos Eduardo Nobre (Cadu), Clélio Santos e Jairo Campos pelo
incentivo constante.

À queridíssima amiga-irmã Gabriela Costa, amiga de todos os momentos em Campinas.

Às amizades que construí na Universidade de São Paulo - USP, especialmente Rafael


Almeida e Isabel Perides.

Aos amigos de São José Laje Jussan, Edvaldo e Josina pela recepção calorosa sempre que
retorno a esta cidade.

Aos amigos de Santana do Mundaú Denes, Karla e Nilo pelo carinho de sempre.

Aos amigos do Grupo de Estudos Territoriais – GETERRI da Universidade Estadual de


Alagoas: Cristiane, David, Silmara, Thaís, Wildeglan, Claúdio e Gabriel.
Aos colegas e amigos do grupo de pesquisa coordenado pela Professora Adriana Bernardes:
Cristiano, Sérgio, André, Eduardo, Raphael, Helena, Sueli, Mauricio, Gabriela, Claudiane e
Bruna. Agradeço de maneira especial à Helena, ao Raphael e Maurício pelos debates no grupo
de estudos sobre o livro “Teorias da Ação”, de Ana Clara Torres Ribeiro, fundamentais para
as reflexões que apresentamos ao longo da tese.

Aos amigos haitianos, verdadeira família aqui em Campinas: Frantz, Diumettre, Berno,
Wesner, Ismane, Philémon, Ralph, Francois, Lanousse, Tomy, Guerby, Johnny, Josaphat,
Enock, Brisson, Oreste, Mackendy, Kelan, Sudly, Chandeline e André (um brasileiro quase
haitiano).
RESUMO

Na presente tese procuramos oferecer uma leitura geográfica do Programa Bolsa Família –
PBF, debatendo sua construção, funcionamento e implicações face à dinâmica da pobreza.
Preocupados em apreender as especificidades dessa política sem, no entanto, perder de vista o
contexto de modernização periférica no qual se insere o território brasileiro, buscamos problematizar
os significados da garantia de direitos sociais para o processo espacial no Brasil a partir de um esforço
direcionado a perceber as mudanças nos sistemas de objetos e de ações sob o processo de
racionalização capitalista.
Defendemos a tese de que a oferta de recursos, bens e serviços coletivos por parte do Estado
depende de um processo de racionalização não somente da ação social, mas do próprio espaço
geográfico. Para efetivar garantias sociais não basta apenas difundir certos valores na sociedade, é
necessário também concretizar esses valores através da presença de sistemas técnicos que devem
alcançar as pessoas nos lugares onde elas habitam. Neste caso não é suficiente, portanto, falar de ação
racional conduzida por valores, como fez Max Weber (1999), mas de um acontecer solidário
(SANTOS, 2009 [1996]), mais precisamente de um acontecer político-institucional. Sugerimos
compreender o PBF como uma manifestação desse acontecer na atual etapa de modernização do
território brasileiro.
Para fundamentar nossa tese estudamos as transformações no fenômeno da pobreza na Região
Canavieira do estado de Alagoas. Trata-se de uma das “velhas” regiões monocultoras do Nordeste, que
participando ao seu modo das sucessivas modernizações que alcançaram o território brasileiro, chegou
ao começo do século XXI como uma das regiões mais empobrecidas do País. Apresentamos as
mudanças na forma e, principalmente, no conteúdo dessa Região com o intuito de apontar como e por
que vão se acumulando as dívidas sociais. O destaque é dado para o período pós-Segunda Guerra
Mundial, quando a dinâmica da pobreza e da riqueza no Brasil se revela como “Espaço Dividido”,
cuja expressão mais fiel são os dois circuitos da economia urbana abrigados pelas cidades (SANTOS,
2008 [1975]). Dessa forma, problematizamos os significados de programas púbicos para a realidade
desse espaço dividido e compartilhado a partir da análise das transformações causadas pelo PBF na
Região Canavieira de Alagoas.
Os resultados demonstram mudanças importantes na forma como vivem, trabalham e
consomem as camadas sociais mais empobrecidas dessa Região. Essas transformações decorrem das
singularidades regionais da pobreza e da riqueza, do modo como o acontecer político-institucional
vem se conformando no Brasil e das especificidades do PBF. As populações que recebem as
transferências monetárias passaram a ter acesso a certos bens básicos, o que somente ocorreu também
em função da combinação de técnica, capital e organização particular das atividades econômicas que
vêm procurando atender a essa nova demanda. Concluímos que a falta de controle, por parte da
população beneficiária, sobre os sentidos dos sistemas de ações e sobre o funcionamento dos objetos
técnicos que operacionalizam o PBF tem dificultado sua transformação efetiva em um direito social e,
por isso, contribuído para perpetuar a subordinação das formas de trabalho desenvolvidas pelos
pobres.

Palavras-chave: cidadania; pobreza - Alagoas; economia urbana; Programa Bolsa Família (Brasil).

***
ABSTRACT

This PhD thesis seeks to provide a geographical approach of the Bolsa Família (PBF)
Program, debating its construction, functioning and implications facing the dynamics of poverty.
Concerned with apprehending the specificities of this policy without, however, losing sight of the
context of peripheral modernization in which the Brazilian territory is inserted, we seek to
problematize the meanings of the guarantee of social rights for the spatial process in Brazil. This is an
effort aimed at perceiving changes in the systems of objects and actions under the process of capitalist
rationalization.
We defend the thesis that the supply of resources, goods and collective services by the State
depends on a process of rationalization not only of social action but of geographic space itself. To
implement social guarantees, it is not enough to spread certain values in society; it is also necessary to
materialize such values by means of the presence of technical systems that must reach people in the
places where they live. In this case it is not enough, therefore, to speak of rational action driven by
values, as Max Weber (1999) did, but rather of a solidary event (SANTOS, 2009 [1996]) or, more
precisely, of a political-institutional event. We suggest the understanding of the PBF as a
manifestation of this event in the current stage of modernization of the Brazilian territory.
In order to ground our thesis, we investigated the transformations in the phenomenon of
poverty in the Sugarcane Region of the state of Alagoas – Brazil. It is one of the “old” monoculture
regions of the Brazilian Northeast, which, in its own way, participated in the successive
modernizations that reached Brazilian territory, and reached the end of the 20th century as one of the
most impoverished regions of the country. We present the changes in the form and, mainly, in the
content of this region, with the intention of pointing out how and why social debts accumulate.
Emphasis is given to the post-World War II period, when the dynamics of poverty and wealth in Brazil
are revealed as a “shared space”, whose most faithful expression are the two circuits of urban
economy (SANTOS, 2008 [1975]). Thus, we problematize the meanings of public programs for the
reality of this divided and shared space, from an analysis of the transformations caused by the Bolsa
Família Program in the Sugarcane Region of Alagoas.
Results show important changes in the way the most impoverished social strata in the region
lives, works and consumes. Such transformations come from the regional singularities of poverty and
wealth, from the way in which political-institutional events have taken shape in Brazil and from the
specificities of the PBF. Populations that receive money transfers now can access certain basic goods,
which was also due to the combination of technique, capital and a particular organization of the
economic activities that have been trying to meet this new demand. We conclude that the lack of
control of the meanings of the systems of actions and of the operation of the technical objects that
operationalize the PBF by beneficiary population has made it difficult to effectively transform it into a
social right and, therefore, contributed to perpetuate the forms of labor subordination developed by the
poor.

Keywords: citizenship; poverty - Alagoas; urban economy; Bolsa Família Program (Brazil).

***
LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Região Canavieira de Alagoas .............................................................................................. 34

Mapa 2 – Alagoas: traçado das linhas férreas segundo o período de construção.................................. 45

Mapa 3 – Região Canavieira de Alagoas: Principais rodovias por década de conclusão da


pavimentação......................................................................................................................................... 70

Mapas 4 a 7 – Região Canavieira de Alagoas: Porcentagem de área colhida de cana sobre a área total
dos estabelecimentos agropecuários (1975-1995) ................................................................................. 87

Mapas 8 a 13 - Região Canavieira de Alagoas: Produto Interno Bruto (PIB) Municipal a preços de
2000 (1975-2010) .................................................................................................................................. 92

Mapas 14 a 19 - Região de Canavieira de Alagoas: imigrantes que antes residiam no Estado de


Alagoas (1960-2010) ........................................................................................................................... 104

Mapas 20 a 25 - Região Canavieira de Alagoas: População urbana (1970-2010) .............................. 105

Mapas 26 a 29 - Região Canavieira de Alagoas: aposentados e pensionistas de instituto oficial da


previdência (1991-2010) ..................................................................................................................... 110

Mapas 30 e 31 – Região Canavieira de Alagoas: rendimentos nominais das pessoas com 10 anos e
mais (1980-1991) ................................................................................................................................ 111

Mapas 32 e 33 - Região Canavieira de Alagoas: rendimentos nominais das pessoas com 10 anos e
mais (2000-2010) ................................................................................................................................ 111

Mapas 34 a 39 – Região Canavieira de Alagoas: Domicílios com instalações sanitárias (1970-2010)


............................................................................................................................................................. 112

Mapas 40 a 45 - Região Canavieira de Alagoas: Domicílios com água canalizada (1970-2010) ....... 113

Mapas 46 a 51 – Região Canavieira de Alagoas: Domicílios com energia elétrica (1970-2010) ....... 114

Mapas 52 a 55 – Região Canavieira de Alagoas: hierarquia dos centros urbanos segundo o estudo
“Divisão do Brasil em Regiões Funcionais Urbanas” (1972) e “Regiões de Influência das Cidades -
REGIC” (1983, 1993, 2007) ............................................................................................................... 117

Mapas 56 – Porto Calvo: Localização de fixos selecionados em 1972 ............................................... 121

Mapas 57 – Porto Calvo: Localização de fixos selecionados em 1994 ............................................... 122

Mapas 58 – União dos Palmares: Localização de fixos selecionados em 1971 .................................. 130

Mapas 59 – União dos Palmares: Localização de fixos selecionados em 1994 .................................. 131

Mapas 60 – São Miguel dos Campos: Localização de fixos selecionados em 1972 ........................... 139

Mapas 61 – São Miguel dos Campos: Localização de fixos selecionados em 1994 ........................... 140

Mapas 62 e 63 – Região Canavieira de Alagoas: Usinas e destilarias que faliram nos anos 1990 e após
2000 ..................................................................................................................................................... 148
Mapa 64 – Alagoas: traçado dos principais cabos de fibra ótica (2016) ............................................. 158

Mapas 65 e 66 – Brasil: Estados e municípios com programas de transferência condicionada de renda


(2002) .................................................................................................................................................. 180

Mapas 67 e 68 – Mundo: Países com programas de transferência condicionada de renda (1997 e 2008)
............................................................................................................................................................. 189

Mapa 69 – Brasil: porcentagem da população beneficiária do Programa Bolsa Família (dezembro de


2015) entre a população total estimada para 2015 por unidade da federação ..................................... 201

Mapa 70 – Porto Calvo: distribuição dos fixos da Caixa Econômica Federal (2016) ........................ 210

Mapa 71 – União dos Palmares: Fixos da Caixa Econômica Federal (2016) ..................................... 213

Mapa 72 – União dos Palmares: Rota do transporte urbano (2016).................................................... 215

Mapa 73 – São Miguel dos Campos: Fixos da Caixa Econômica Federal (2016) .............................. 220

Mapa 74 - São Miguel dos Campos: Rota do transporte urbano (2016) ............................................. 222

Mapa 75 – Porto Calvo: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos trabalhadores do


circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área central (2015) ................... 235

Mapa 76 – União dos Palmares: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos


trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área central
(2015) .................................................................................................................................................. 248

Mapa 77 – União dos Palmares: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos


trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área periférica
(2015) .................................................................................................................................................. 249

Mapa 78 – São Miguel dos Campos: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos
trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área central
(2015) .................................................................................................................................................. 258

Mapa 79 – São Miguel dos Campos: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos
trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área periférica
(2015) .................................................................................................................................................. 259

Mapa 80 - Região Canavieira de Alagoas: distribuição dos fixos da Caixa Econômica Federal (2016)
............................................................................................................................................................. 273

Mapa 81 – Região Canavieira de Alagoas: cidades de origem das beneficiárias do Bolsa Família que
costumam receber em Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos (2015) ............. 275

Mapas 82 e 83 – Região Canavieira de Alagoas: Cidades de procedência dos consumidores para os


negócios do circuito inferior da economia urbana pesquisados em Porto Calvo, União dos Palmares e
São Miguel dos Campos (2015) .......................................................................................................... 278

Mapa 84 - Região Canavieira de Alagoas: Porcentagem de beneficiários do Bolsa Família sobre a


população total estimada para 2015 .................................................................................................... 284
Mapa 85 - Região Canavieira de Alagoas: distribuição dos supermercados filiados à Rede Smart
(2016) .................................................................................................................................................. 287

Mapas 86 a 89 – Região Canavieira de Alagoas: Cidades em que atuam as empresas atacadistas


distribuidoras de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos (2015)...................... 291

Mapa 90 - Região Canavieira de Alagoas: Distribuição das lojas das principais redes de
supermercados que atuam na região (2015) ........................................................................................ 293

Mapa 91 - Região Canavieira de Alagoas: Distribuição das lojas das principais redes de farmácias que
atuam na região (2017)........................................................................................................................ 296
LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Região Canavieira de Alagoas - Indústrias têxteis segundo o município de localização e ano
de início do funcionamento ....................................................................................................................47

Quadro 2: Alguns aspectos da condição de vida do trabalhador da indústria têxtil na Região Canavieira
de Alagoas a partir de 1920 ................................................................................................................... 53

Quadro 3: Síntese de alguns índices sociais de Alagoas em 1950 ........................................................ 56

Quadro 4: Alguns aspectos da condição de vida do trabalhador rural na Região Canavieira de Alagoas
entre 1936 e 1937 segundo pesquisa do economista Humberto Bastos ................................................ 62

Quadro 5: alguns aspectos da condição de vida do trabalhador/morador na Região Canavieira de


Alagoas a partir de três usinas em 1971, segundo pesquisa do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas
Sociais ................................................................................................................................................... 77

Quadro 6 – Origem e algumas características do serviço de transporte interurbano surgido em Porto


Calvo e nas cidades do entorno ........................................................................................................... 124

Quadro 7: década e formas de ocupação dos bairros de Porto Calvo - AL ......................................... 127

Quadro 8 – Origem e algumas características do serviço de transporte interurbano surgido em União


dos Palmares e nas cidades do entorno ............................................................................................... 133

Quadro 9: década e formas de ocupação dos bairros de União dos Palmares - AL ............................ 136

Quadro 10 – Origem e algumas características do serviço de transporte interurbano surgido em São


Miguel dos Campos e nas cidades do entorno .................................................................................... 141

Quadro 11: década e formas de ocupação dos bairros de São Miguel dos Campos - AL ................... 143

Quadro 12: Síntese de algumas informações sobre o “Acordo dos Usineiros” assinado pelo Governo
de Alagoas em 1988 e 1989 ................................................................................................................ 150

Quadro 13: Empresas alagoanas de economia mista que deixaram de existir em 2000 ..................... 155

Quadro 14: Origem e algumas características atuais do serviço de moto-táxi surgido em Porto Calvo e
nas cidades do entorno ........................................................................................................................ 162

Quadro 15: Origem e algumas características atuais do serviço de moto-táxi surgido em União dos
Palmares e nas cidades do entorno ...................................................................................................... 167

Quadro 16: Origem e algumas características atuais do serviço de moto-táxi surgido em São Miguel
dos Campos e nas cidades do entorno ................................................................................................. 171

Quadro 17: características de alguns programas de transferências de renda municipais e estaduais em


outubro de 2001................................................................................................................................... 181

Quadro 18: algumas características dos empréstimos feitos pelo Governo Federal ao Banco Mundial e
ao Banco Interamericano de Desenvolvimento destinados ao Programa Bolsa Família .................... 193

Quadro 19: consumo dos beneficiários do Bolsa Família nos elementos dos dois circuitos da economia
urbana de Porto Calvo – AL (2015) .................................................................................................... 230
Quadro 20: consumo dos beneficiários do Bolsa Família nos elementos dos dois circuitos da economia
urbana de União dos Palmares – AL (2015) ....................................................................................... 239

Quadro 21: Consumo dos beneficiários do Bolsa Família nos elementos dos dois circuitos da
economia urbana de São Miguel dos Campos – AL (2015)................................................................ 253

Quadro 22: alguns dados sobre a mobilidade da população beneficiária do PBF das cidades do entorno
de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos ........................................................ 280

Quadro 23: principais características das caravanas que saem das cidades de Porto Calvo e União dos
Palmares com destino ao Atacadão de Maceió e Caruaru (PE) .......................................................... 295
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Alagoas: Número de estabelecimentos industriais e pessoal ocupado (1907-1950) ........... 47

Tabela 2 – Região Canavieira de Alagoas: Cidades por Classes de Habitantes (1950) ........................ 49

Tabela 3 – Região Canavieira de Alagoas: População Economicamente Ativa por setor* (1920-1950)
.............................................................................................................................................................. .50

Tabela 4 - Alagoas: capital investido e valor da produção das fábricas têxteis em alguns anos (1907-
1931) ..................................................................................................................................................... 51

Tabela 5 - Alagoas: Evolução da produção de açúcar segundo safras selecionadas (1933/34-1987/88)


............................................................................................................................................................... 55

Tabela 6 - Região Canavieira de Alagoas: Produção de algumas culturas (1920-1960) ...................... 55

Tabela 7 – Alagoas: Alguns números sobre emigração (1940-1950) ................................................... 57

Tabela 8 – Brasil: Média de salário diário de um trabalhador de usina em alguns Estados (1942) ...... 60

Tabela 9 – Alagoas: Preço da diária do trabalhador rural em alguns municípios da Região Canavieira
de Alagoas entre 1936 e 1937 ............................................................................................................... 61

Tabela 10 – Alagoas: Estimativa de saldo migratório(1960-2010) ....................................................... 83

Tabela 11 – Região Canavieira de Alagoas: grau de urbanização (1970-2010) ................................... 83

Tabela 12 – Região Canavieira de Alagoas: número médio de hectares para cada trator (1960-1980) 88

Tabela 13 – Região Canavieira de Alagoas: porcentagem irrigada da área total dos estabelecimentos
agropecuários (1975-1985) ................................................................................................................... 88

Tabela 14 – Região Canavieira de Alagoas: principais indústrias vinculadas ao setor sucroalcooleiro


(1984) .................................................................................................................................................... 94

Tabela 15 – Região Canavieira de Alagoas: Indústrias Químicas segundo número de trabalhadores


(1989) .................................................................................................................................................... 97

Tabela 16 – Região Canavieira de Alagoas: Indústria ligadas ao beneficiamento do coco segundo


número de trabalhadores (1984) ............................................................................................................ 99

Tabela 17 – Região Canavieira de Alagoas: Número de cidades por grupos de habitantes e população
(1970-2010) ......................................................................................................................................... 103

Tabela 18 – Região Canavieira de Alagoas: Usinas com destilarias anexas, usinas e destilarias
autônomas segundo o município, a localização do escritório e o número de trabalhadores em 1984 e
1994 ..................................................................................................................................................... 106

Tabela 19 – Alagoas: Dívida total e das usinas e destilarias com a Companhia Energética de Alagoas -
CEAL (1996/2013).............................................................................................................................. 151

Tabela 20 – Alagoas: Alguns dados sobre o Banco da Produção do Estado de Alagoas – PRODUBAN
no momento de sua liquidação ............................................................................................................ 151
Tabela 21 – Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: Porcentagem de pessoas
consideradas pobres pelo critério da renda per capita (1991-2010) ................................................... 160

Tabela 22 – Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: Índice de Gini (1991-2010)
............................................................................................................................................................. 160

Tabela 23 – Brasil: Valores repassados pela União, número de municípios, valor médio do benefício e
número de famílias beneficiadas do Primeiro Bolsa Escola Federal (outubro de 2000) ..................... 184

Tabela 24 – Brasil: Número de benefícios em dezembro e valores anuais repassados pelos programas
de transferência de renda criados no Governo Fernando Henrique Cardoso (2001-2003) ................. 187

Tabela 25 – Brasil: Recursos repassados pelo Governo Federal aos municípios para gestão do
Programa Bolsa Família (de abril/2006 a dezembro/2014)................................................................. 196

Tabela 26 – Brasil: Evolução do número de famílias beneficiárias, dos valores repassados e dos
valores médios do benefício do Programa Bolsa Família (2004-2016) .............................................. 199

Tabela 27 – Brasil: Evolução dos valores e benefícios do Programa Bolsa Família (2003 – 2016) ... 200

Tabela 28 - Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: Evolução do número de
famílias e valores anuais repassados pelo PBF (2004 – 2016)............................................................ 206

Tabela 29 – Brasil: Valores destinados ao agente operador do Programa Bolsa Família* (2005 – 2015)
............................................................................................................................................................. 207

Tabela 30 – União dos Palmares: Número de carros e valores das passagens no transporte urbano
(2016) .................................................................................................................................................. 217

Tabela 31 – Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: Principais gastos com o
dinheiro do Programa Bolsa Família – PBF por parte das famílias beneficiárias (2015) ................... 225

Tabela 32 - Porto Calvo: formas de trabalho dos (as) chefes de famílias beneficiárias do PBF
pesquisadas (2015) .............................................................................................................................. 232

Tabela 33 - União dos Palmares: formas de trabalho dos (as) chefes de famílias beneficiárias do PBF
pesquisadas (2015) .............................................................................................................................. 242

Tabela 34 – São Miguel dos Campos: formas de trabalho dos (as) chefes de famílias beneficiárias do
PBF pesquisadas (2015) ...................................................................................................................... 252

Tabela 35 – Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: % de crianças e adolescentes
de 6 a 17 anos que tiveram frequência escolar acompanhada pelo Programa Bolsa Família sobre a
população total da mesma idade (2010) .............................................................................................. 262

Tabela 36 – Alagoas: Evolução do número de estabelecimentos e pessoal ocupado nos comércios


atacadista e varejista de Alagoas (1997, 2002 e 2007)........................................................................ 283
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Porto Calvo: Evolução da População Urbana (1960-2010) ............................................. 125

Gráfico 2 – Porto Calvo: Evolução da População Economicamente Ativa* por Setor (1960-2010) .. 126

Gráfico 3 – União dos Palmares: Evolução da População Economicamente Ativa* por Setor (1960-
2010) ................................................................................................................................................... 137

Gráfico 4 – São Miguel dos Campos: Evolução da População Urbana e Rural (1960-2010) ............. 142

Gráfico 5 – São Miguel dos Campos: Evolução da População Economicamente Ativa* por Setor
(1960-2010) ......................................................................................................................................... 144

Gráfico 6 – Alagoas: Evolução da taxa (%) de desemprego (1995-2014) .......................................... 149

Gráfico 7 – Circuito da economia urbana onde gastam as beneficiárias do Bolsa Família de cidades
locais que costumam receber em Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos (2015)
............................................................................................................................................................. 277

Gráfico 8 – Alagoas: Índice de volume de vendas no comércio varejista ampliado – base 100: 2003
(2003-2011) ......................................................................................................................................... 282
LISTA DE FOTOS

Foto 1 - Transporte interurbano de passageiros no terminal rodoviário de União dos Palmares (década
de 1980)............................................................................................................................................... 134

Foto 2: Transporte interurbano de passageiros no terminal rodoviário de União dos Palmares (2015)
............................................................................................................................................................. 134

Foto 3 - Ponto de transporte construído por trabalhadores do circuito inferior em União dos Palmares -
AL ....................................................................................................................................................... 216

Foto 4 – Uso de antiga estação ferroviária como ponto de transporte em União dos Palmares - AL . 217

Foto 5 – Mercadinho do circuito inferior no centro de Porto Calvo especializado na venda de cesta de
alimentos ............................................................................................................................................. 236

Foto 6 – Farmácia de União dos Palmares (início de 2000)................................................................ 241

Foto 7 – Franquia da Farmácia do Trabalhador em antigo ponto de uma farmácia local (2016) ....... 241

Foto 8 – Uso da calçada por barracas e carrinhos do circuito inferior no centro de União dos Palmares
............................................................................................................................................................. 244

Foto 9 – Venda de produtos de bomboniere em uma Casa Lotérica do centro de União dos Palmares
............................................................................................................................................................. 244

Fotos 10 e 11 – Lojinhas de preço único no centro de União dos Palmares ....................................... 245

Foto 12 – Carrinho do circuito inferior na periferia de São Miguel dos Campos ............................... 256

Foto 13 – Supermercado do circuito superior na periferia de São Miguel dos Campos ..................... 256

Foto 14 – Comercialização de doces, balas e pipocas em frente em escola municipal de Porto Calvo
............................................................................................................................................................. 267

Foto 15 – Comercialização de doces balas e pipocas dentro de uma escola municipal de União dos
Palmares .............................................................................................................................................. 267

Foto 16 – Comércio de doces e balas em frente uma escola municipal de São Miguel dos Campos . 268

Foto 17 – Atacadista distribuidor de Porto Calvo ............................................................................... 289

Foto 18 – Atacadista distribuidor de União dos Palmares .................................................................. 289

Foto 19 – Atacadista distribuidor de São Miguel dos Campos ........................................................... 290


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABF – Associação Brasileira de Franchising

ACADEAL – Associação do Comércio Atacadista e Distribuidor do Estado de Alagoas

ACUP – Associação de Costureiras de União dos Palmares

AMAS – Associação de Motoqueiros Autônomos de São Miguel dos Campos

ARSAL – Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas

ASSOCIART – Associação das Costureiras de Porto Calvo

ATUMUP – Associação de Transporte Municipal Urbano de União dos Palmares

BACEN – Banco Central do Brasil

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

BIEN – Basic Income Earth Network

BIRD – Banco Mundial

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

BPC – Benefício de Prestação Continuada

BSP – Benefício para Superação da Extrema Pobreza do Programa Bolsa Família

BVJ – Benefício Variável Vinculado ao Adolescente do Programa Bolsa Família

CAD.ÚNICO – Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal

CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados

CAIXA – Caixa Econômica Federal

CARHP – Companhia Alagoana de Recursos Humanos e Patrimoniais

CASAL – Companhia de Saneamento de Alagoas

CEAL – Companhia de Eletricidade de Alagoas

CFLNB – Companhia Força e Luz Nordeste do Brasil

CHESF – Companhia Hidrelétrica do São Francisco

CINAL – Companhia Alagoas Industrial

CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas


CODEAL – Companhia de Desenvolvimento de Alagoas

COHAB-AL – Companhia de Habitação Popular de Alagoas

COMAG – Companhia de Desenvolvimento Agropecuário

COMEIA – Associação das Artesãs da Usina Roçadinho

CONTEL – Conselho Nacional de Telecomunicações

COONE – Coordenadoria Regional do Nordeste do PLANALSUCAR

CTA – Companhia Telefônica de Alagoas

DER – Departamento de Estradas e Rodagem

DNER – Departamento Nacional de Estradas e Rodagem

ECINF – Pesquisa Economia Informal Urbana do IBGE

EDRN – Empresa de Recursos Naturais do Estado de Alagoas

ELC – Estatuto da Lavoura Canavieira

ELETROBRÁS – Centrais Elétricas Brasileiras S.A.

EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Alagoas

EMATUR – Empresa Alagoana de Turismo S/A

EMBRATEL – Empresa Brasileira de Telecomunicações S. A.

EPEAL – Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado de Alagoas

ETURB – Empresa de Transportes Urbanos do Estado de Alagoas

FUNRURAL – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural –

GERAN – Grupo Especial para a Racionalização da Agroindústria Canavieira no Nordeste

GTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste

IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool

IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Econômicas e Sociais

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

IGD – Índice de Gestão Descentralizada

II PND – II Plano Nacional de Desenvolvimento


INPS – Instituto Nacional da Previdência Social

INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MDS – Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MDSA – Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário

MEC – Ministério da Educação

MEI’s – Micro – Empreendedores Individuais

MPE’s – Micro e Pequenas Empresas

MS – Ministério da Saúde

NIS – Números de Identificação Social

PBF – Programa Bolsa Família

PEA – População Economicamente Ativa

PEC – Proposta de Emenda Constitucional

PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PFL – Partido da Frente Liberal

PGRM – Programa de Garantia de Renda Mínima

PLANALSUCAR – Programa Nacional de Melhoramento da Cana de Açúcar

PMCMV – Programa Minha Casa Minha Vida

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PND – Programa Nacional de Desestatização

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PROÁLCOOL – Programa Nacional do Álcool

PRODUBAN – Banco do Estado de Alagoas

PROGRESA – Programa de Educación, Salud e Alimentación

PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PT – Partido dos Trabalhadores


PTCR – Programa de Transferência Condicionada de Renda

RAIS – Relação Anual de Informações Sociais

REGIC – Regiões de Influência das Cidades

RENPAC – Rede Nacional de Comunicação de Dados por Comutação de Pacotes

SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresa

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem

SEPLAN – Secretaria de Planejamento do Estado de Alagoas

SERGASA – Serviços Gráficos de Alagoas S/A

SIAPE – Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos

SICON/PBF – Sistema de Condicionalidades do Programa Bolsa Família

SISOBI – Sistema de Controle de Óbitos

SISVAN – Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional

SMTT – Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito

SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

SUS – Sistema Único de Saúde

TELASA – Telecomunicações de Alagoas S. A.

TELEBRÁS – Telecomunicações Brasileiras S. A.

TRANSPAM – Transportadora de Passageiros Miguelense Ltda

UFSCar – Universidade Federal de São Carlos

VSAT – Very Small Aperture Terminal


Sumário

INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 27

PRIMEIRA PARTE: AS FORMAS DE POBREZA NA REGIÃO CANAVIEIRA DE


ALAGOAS AO LONGO DO SÉCULO XX.................................................................................. 40

CAPÍTULO 1: Os inícios da racionalização do meio geográfico e a ação política no uso dos


sistemas técnicos: as situações diversas de pobreza na Região Canavieira de Alagoas (1880-
1945)................................................................................................................................................. 41

1.1. A mecanização da produção e da circulação: a imposição de uma racionalidade externa ao


meio geográfico regional ............................................................................................................... 43

1.2. Entre o velho e o novo: transformações na rede urbana de uma região voltada para fora ..... 48

1.3. As situações diversas de pobreza na Região Canavieira de Alagoas ..................................... 51

1.4. A estrutura da propriedade no campo e a predominância da pobreza rural ........................... 59

CAPÍTULO 2: A pobreza na Região Canavieira de Alagoas como Espaço Dividido (1946-


1980)................................................................................................................................................. 64

2.1. A integração da Região Canavieira de Alagoas ao território nacional e sua nova constituição
como um acontecer homólogo ...................................................................................................... 67

2.2. A valorização de sistemas de objetos e ações externos: a proposta do acontecer político-


institucional ................................................................................................................................... 81

2.3. A instrumentalização de subsistemas de objetos e ações regionais: as grandes firmas e a


seletividade do acontecer hierárquico ........................................................................................... 91

2.4. As novas especificidades locais da pobreza: o acontecer complementar campo-cidade e


cidade-cidade............................................................................................................................... 102

2.5. A Apreensão do Espaço Dividido: pobreza urbana em Porto Calvo, União dos Palmares e
São Miguel dos Campos .............................................................................................................. 119

2.5.1. Porto Calvo.................................................................................................................... 119

2.5.2. União dos Palmares ....................................................................................................... 129

2.5.3. São Miguel dos Campos ................................................................................................ 138

CAPÍTULO 3: A ação global/instrumental como parâmetro para a política e a naturalização


do Espaço Dividido: a Região Canavieira de Alagoas no período da Pobreza Estrutural
Globalizada (da década de 1990 até hoje) ................................................................................. 145

3.1. A aceleração do acontecer hierárquico na Região Canavieira de Alagoas: novíssimas e velhas


causas de expansão da pobreza ................................................................................................... 147
3.2. Transformações nos circuitos da economia urbana em Porto Calvo, União dos Palmares e
São Miguel dos Campos: a expansão do circuito inferior e a renovação do seu papel no acontecer
complementar .............................................................................................................................. 160

3.2.1. Porto Calvo: entre a expansão generalizada da pobreza e as facilidades de entrada no


circuito inferior da economia urbana....................................................................................... 161

3.2.2. A busca por acelerar o acontecer hierárquico e a necessidade de maior organização das
atividades do circuito inferior da economia urbana em União dos Palmares .......................... 164

3.2.3. São Miguel dos Campos: entre a política das empresas e a expansão do circuito inferior
................................................................................................................................................. 169

SEGUNDA PARTE: PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E CIRCUITOS DA ECONOMIA


URBANA NA REGIÃO CANAVIEIRA DE ALAGOAS......................................................... 173

CAPÍTULO 4: A transferência de renda como acontecer político-institucional no Brasil 174

4.1. O debate brasileiro sobre transferência de renda e sua transformação em política nos anos
1990 ............................................................................................................................................. 176

4.2. A política brasileira de transferência de renda na busca por garantir direitos sociais aos mais
pobres: o Programa Bolsa Família .............................................................................................. 188

CAPÍTULO 5: A nova dinâmica dos dois circuitos da economia urbana em Porto Calvo,
União dos Palmares e São Miguel dos Campos ....................................................................... 203

5.1. Os dois circuitos da economia urbana na concretização do Programa Bolsa Família.......... 205

5.1.2. O Bolsa Família entrecruza a economia urbana portocalvense ..................................... 209

5.1.2. O Bolsa Família em União dos Palmares: entre a capacidade de orientar os fluxos do
circuito superior e a renovação do papel político do circuito inferior ..................................... 212

5.1.3. A concretização do Bolsa Família em São Miguel dos Campos em meio à busca por
normatizar elementos do circuito inferior ............................................................................... 219

5.2. O Programa Bolsa Família e as novas formas de reprodução do Espaço Dividido ............. 224

5.2.1. A reafirmação do circuito inferior na geração de trabalho e as novas formas de atuação


do circuito superior em Porto Calvo........................................................................................ 228

5.2.2. O avanço do circuito superior em áreas selecionadas e a pulverização dos pequenos


negócios no espaço urbano de União dos Palmares ................................................................ 238

5.2.3. A atuação do circuito superior no centro e na periferia de São Miguel dos Campos e a
expansão subordinada do circuito inferior .............................................................................. 251

5.3. As contradições das condicionalidades do Programa Bolsa Família na perspectiva do Espaço


Dividido....................................................................................................................................... 261

CAPÍTULO 6: Bolsa Família e circuitos da economia na rede urbana da Região Canavieira


de Alagoas ..................................................................................................................................... 270
6.1. Os fixos da Caixa Econômica Federal e as novas e velhas formas de empobrecimento das
cidades locais .............................................................................................................................. 272

6.2. O atacado distribuidor como nexo entre os dois circuitos da economia na rede urbana
regional ........................................................................................................................................ 282

6.3. Formas recentes de atuação do circuito superior da economia: a rede urbana regional face à
política das empresas ................................................................................................................... 292

CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 299

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 306


27

INTRODUÇÃO

“Não é tanto ao modelo econômico que devemos o extremo grau de pobreza


de uma enorme parcela da população, o nível de desemprego, as migrações
maciças em todas as direções e a urbanização concentradora gerando
metrópoles insanas. Sustentamos que tudo isso se deve, em avantajada
proporção, ao modelo de cidadania que adotamos”.
Milton Santos. O espaço do cidadão. (2007 [1987], p. 15).

“Se é possível falar de um paradoxo da sociedade brasileira, este não está


propriamente no descompasso entre a existência formal de direitos e a
realidade da destituição das maiorias, mas no que esse descompasso revela
da lógica que preside a atribuição de direitos. O paradoxo está nesse
modelo de cidadania que proclama a justiça como dever do Estado, mas
desfaz os efeitos igualitários dos direitos e repõe na esfera social
desigualdades, hierarquias e exclusões.
Vera da Silva Telles. Pobreza e cidadania. Dilemas do Brasil
contemporâneo (1993, p. 12).

A
discussão sobre as chamadas políticas de transferência de renda (isto é, políticas
que realizam transferências monetárias para pessoas que não contribuíram de
forma direta para algum fundo, mesmo que elas estejam capacitadas fisicamente
para vender sua força de trabalho), ganhou bastante força nos países do centro do sistema
capitalista depois dos anos 1970, em virtude da necessidade de encontrar saídas para a
desestruturação do Estado de Bem-Estar Social provocada pelo avanço do neoliberalismo.
Nessa mesma década, a ideia começou a se difundir no Brasil pela descrença na tese de que o
crescimento econômico apresentado pelo País resolveria automaticamente o problema da
pobreza e da desigualdade de renda. Mas foi somente com as novas situações de pobreza dos
anos 1990, originadas pela implantação das políticas neoliberais, que o debate sobre o tema se
robusteceu, levando à criação dos primeiros programas locais de transferência de renda em
Campinas (1995) e no Distrito Federal (1995). Dessa forma, o chamado “combate à pobreza”
terminou por se tornar a justificativa principal apresentada pela ciência e pela política para a
adoção de programas de transferência de renda no Brasil. Hoje, o País tem uma das principais
políticas desse tipo no mundo, o Programa Bolsa Família – PBF, com 13,5 milhões de
famílias beneficiárias (dados de dezembro de 2016), praticamente um quarto de toda a
população brasileira.
28

Sem desconhecer as muitas contribuições que já foram dadas para a compreensão


desse Programa por diversas ciências (notadamente pela ciência política e sociologia),
assumimos na presente tese o desafio de oferecer uma leitura geográfica sobre a temática. Ao
defrontarmo-nos com esse desafio durante o desenvolvimento desta pesquisa, levantamos os
seguintes questionamentos: como analisar o Bolsa Família face à dinâmica da pobreza no
Brasil? O que o Bolsa Família significa para a dinâmica das regiões mais empobrecidas do
País? Ou melhor, o que a distribuição de recursos, bens e serviços públicos por parte do
Estado significa para a realidade da pobreza no contexto da modernização periférica
brasileira? Existe uma lógica espacial que preside essa distribuição? Em caso afirmativo, em
que medida o Bolsa Família alterou essa lógica?
Para refletir sobre tais questionamentos à luz do sistema de conceitos da geografia,
uma primeira preocupação diz respeito à própria definição do objeto de estudo dessa ciência.
Partimos da compreensão do espaço geográfico como “um conjunto indissociável de sistemas
de objetos e de sistemas de ações” (SANTOS, 2008 [1994], p. 86), que assim definido pode
ser considerado, conforme a proposta desse mesmo autor, como sinônimo de território usado,
instância social capaz de revelar a dinâmica concreta de cada sociedade historicamente
determinada. Por isso, consideramos que “os componentes do espaço são os mesmos e
formam um continuum no tempo, mas variam quantitativa e qualitativamente segundo o lugar,
do mesmo modo que variam as combinações entre eles e seu processo de fusão. Daí vêm as
diferenças entre espaços” (SANTOS, 2008 [1975], p. 20). Nesse sentido, procuramos nesta
tese contribuir para o debate sobre as especificidades do espaço geográfico no Brasil, que
decorrem da maneira como as diversas regiões desse País vêm participando das diferentes
fases do sistema capitalista.
A difusão para os países periféricos das transformações operadas pelo projeto de
modernidade europeu na economia, na política, no Estado, enfim, na ação social, assim como
a renovação dessa dinâmica a cada nova fase do capitalismo, permite tratar a modernidade
enquanto processo, que pode ser apreendido através das sucessivas modernizações que um
território acolhe. Em outras palavras, podemos considerar a modernidade no território como
“[...] o resultado de um processo pelo qual um território incorpora dados centrais do período
histórico vigente [...]” (SILVEIRA, 1999, p. 22), manifestando-se, como identificou Max
Weber (1999), pelo avanço da racionalização nas diversas esferas da vida social, isto é, pela
“[...] extensão dos domínios da sociedade que se acham submetidos aos critérios de decisão
racional”, somente possível graças à “[...] institucionalização do progresso científico e
técnico” (HABERMAS, 1997 [1968], p. 45).
29

No seu texto “Reflexão Intermediária”, Max Weber (2013) destacava as tensões que o
avanço desse processo pelo tecido social originava, uma vez que a ação racional tem a
capacidade de invadir todos os interstícios da sociedade, mudando, deste modo, as
articulações entre as diversas esferas em que as relações societárias se realizam. A
problemática da ação social (RIBEIRO, 2014), caríssima aos estudos do espaço geográfico,
adquire toda a centralidade, pois permite ir além de separações aparentes geradas pelo
capitalismo, já que as modernizações no Estado, na economia, na cultura etc. condicionam e,
acima de tudo, indicam processos de racionalização da própria sociedade. Nos países
periféricos, onde o impulso modernizador vem de fora, dos países que comandam o fluxo de
capital e as técnicas mais avançadas de cada período histórico, a modernização termina sendo
social e geograficamente seletiva, isto é, nem todas as regiões, e nestas, nem todas as pessoas,
participam diretamente do processo (SANTOS, 2009 [1978], pp. 121-130; SOUZA, 2000). Aí
as tensões de que falava Max Weber têm reproduzido cisões na sociedade e no espaço (ainda
que este deva ser visto e analisado como totalidade), sendo tais cisões funcionais à reprodução
do modo de produção capitalista e reveladoras do uso do território na periferia do capitalismo.
Alterando as ações e os objetos, as modernizações autorizam novas formas de
organização técnica e social da produção e do trabalho, permitindo assim mudar os
mecanismos de produção da riqueza e sua repartição social e geográfica. É um processo que
revela toda a sua conflituosidade na capacidade desigual que os agentes envolvidos têm para
usar o território. Em outras palavras, a dinâmica dos sistemas de objetos e dos sistemas de
ações demonstra como os conteúdos da pobreza e da riqueza modificam-se a cada novo
período do capitalismo, variando também segundo a região e o país que se considere. É
imprescindível ter em conta que “[...] da mesma forma que a riqueza é ágil, e cada vez mais
volátil, a pobreza é um fenômeno complexo, dinâmico e mutante, não sendo possível a sua
compreensão como um objeto estanque” (RIBEIRO, 2001, p. 84).
Ao buscarmos explicar a pobreza por intermédio do espaço geográfico, tarefa não
somente possível como também extremamente necessária, deparamo-nos com a necessidade
de encontrar conceitos capazes de acompanhar o movimento da realidade. Nesse sentido,
entendemos que:

Os conceitos de recursos e necessidades são dinâmicos. A ideia de escassez,


um corolário dessas duas categorias, faz parte de sua própria natureza. Os
recursos postos à disposição do homem, em termos de sua posição na escala
social, mudam com o tempo e o lugar. O valor dos recursos é igualmente
relativo, dependendo em grande parte da estrutura da produção e de seus
objetivos fundamentais (SANTOS, 2013 [1978], pp. 17-18).
30

Trata-se do exercício constante de situar, por exemplo, dados sobre rendimentos,


consumo, migração, condições de habitação etc., dentro da dinâmica de cada período e em
cada contexto regional, pois sem essa atualização ficamos sem saber o peso de cada variável
na definição de uma situação de pobreza, o que, no limite, impossibilita fazer comparações
entre diferentes períodos. Até mesmo as variáveis e os elementos que usamos para definir a
pobreza mudam conforme o período, e é justamente neste ponto que está centrada a presente
tese.
O processo de racionalização de que falava Max Weber (1999) conhece uma nova fase
com a implantação das tecnologias da informação e comunicação ao meio geográfico de
diversas regiões a partir do pós-Segunda Guerra Mundial. Utilizando os termos de Gaston
Bachelard (2007, p. 49), podemos afirmar que essas técnicas permitiram nada menos do que
alterar o “compasso do mundo”, que é dado “pela cadência dos instantes”, uma vez que a
partir delas tornou-se possível conduzir os sentidos da ação social e também dos objetos
geográficos à distância. Trata-se, para usar a expressão de Max. Sorre (1948), de uma
mudança nos “fundamentos técnicos” do espaço, já que para o autor tais fundamentos
envolvem tanto elementos materiais como imateriais. A tese defendida por Milton Santos
(2009 [1996], p. 293) é de que, desde então, é não só correto como também necessário falar
de uma racionalidade do próprio espaço geográfico, porque “essa informacionalização do
espaço tanto é a dos objetos que formam o seu esqueleto material, como a das ações que o
percorrem, dando-lhe vida”.
Assistimos, então, à convergência das “[...] múltiplas histórias de coisas e de homens”
(ATTALI, 1982, p. 11), ou seja, a uma verdadeira cooperação racional entre lugares e regiões,
que não é dada pelos acontecimentos naturais, mas pelos eventos sociais, onde ações e objetos
são racionalizados, sob o capitalismo, para servir especificamente a esse fim. Ao propor a tese
da existência de uma racionalidade do espaço geográfico, Milton Santos (2009 [1996])
verifica que essa interdependência entre os eventos se manifesta no território dos países
periféricos por meio dos aconteceres hierárquico, homólogo e complementar. Para o autor, na
fase atual é a partir desses aconteceres que podemos apreender o processo espacial em toda a
sua complexidade, porque eles se definem pelas especificidades dos sistemas de objetos e de
ações contemporâneos. Assim,

O acontecer homólogo é aquele das áreas de produção agrícola ou urbana,


que se modernizam mediante uma informação especializada, gerando
contigüidades funcionais que dão os contornos da área assim definida. O
acontecer complementar é aquele das relações entre cidade e campo e das
relações entre cidades, conseqüência igualmente de necessidades modernas
31

da produção e do intercâmbio geograficamente próximo. Finalmente, o


acontecer hierárquico é um dos resultados da tendência à racionalização das
atividades e se faz sob um comando, uma organização, que tendem a ser
concentrados (SANTOS, 2009 [1996], pp. 166-167).

À medida que as regiões vão perdendo a capacidade de comandar a dinâmica do seu


conteúdo material e social, a própria definição do conceito de região precisa ser revista. É
possível compreender o edifício regional a partir dessas três manifestações do acontecer
solidário, considerando que,

No caso de acontecer homólogo e do acontecer complementar, isto é, nas


áreas de produção homóloga no campo ou de produção homóloga na cidade,
o território atual é marcado por um cotidiano compartido mediante regras
que são localmente formuladas ou reformuladas. Neste caso, as informações
utilizadas tendem a se generalizar horizontalmente. Quanto ao acontecer
hierárquico, trata-se, ao contrário, de um cotidiano comandado por uma
informação privilegiada, uma informação que é segredo e é poder.
(SANTOS, 2009 [1996], p. 167).

Em outras palavras, a nova forma de penetração do capital internacional nos países


periféricos, alimentada pela ideologia do consumo e viabilizada pelo aparelhamento do
Estado (IANNI, 1977), levou à modernização de certas regiões, ou de parcelas destas, para
servirem quase que exclusivamente às ações de um certo número de empresas, que controlam
de fora o que se passa nesses subespaços. Nestes casos, em que um subsistema de ações
instrumentais (WEBER, 1999) encontra os objetos adequados à sua finalidade, podemos falar
de aconteceres hierárquicos. A região assim modernizada muda de conteúdo, pois perde o
comando político sobre a produção e a distribuição da riqueza ao se ver incapacitada de
controlar os sentidos de suas ações e dos seus objetos, podendo assim ser compreendida como
um acontecer homólogo. Mas a cooperação externa exige, no mais das vezes, certas relações
na contiguidade, pela necessidade que as atividades modernas instaladas na região (e
funcionalizadas nas cidades) têm de determinados serviços, bens ou insumos. Neste caso
estamos diante do acontecer complementar.
Diretamente nem todos os lugares são afetados por essa nova etapa da modernização,
mas indiretamente o são em decorrência das possibilidades abertas à circulação da informação
a serviço do Estado e das grandes empresas. Assim, o processo espacial que vimos
apresentando terminou sendo responsável pela formação de dois circuitos da economia urbana
nas cidades de países como o Brasil (SANTOS, 2008 [1975], pp. 35-48). Definidos pelo
conjunto de atividades econômicas e pela parcela da população que nelas trabalha ou então
32

consome, os circuitos se diferenciam pelos graus de técnica, capital e organização de suas


atividades. No circuito superior, resultado direto da modernização tecnológica, os níveis de
capitais, tecnologia e organização são elevados, e seus elementos são os bancos, indústrias,
comércios e serviços modernos, comércio e indústria de exportação, atacadistas e
transportadores. Por sua vez, o circuito inferior resulta indiretamente da mesma modernização
e suas atividades apresentam baixo nível de capital, tecnologia e organização. Os principais
elementos desse subsistema são: os pequenos comércios, as formas de fabricação que se
utilizam de pouco capital e os serviços não-modernos fornecidos a varejo.
Problematizamos que além da seletividade social dos direitos civis e políticos,
característica da formação socioespacial brasileira antes mesmo da unificação dos mercados
regionais pelo comércio e do território pelos sistemas técnicos, a ausência de garantias sociais
tornou-se uma das principais características da população vinculada ao circuito inferior da
economia urbana, uma vez que as formas de organização das atividades desse circuito não são
tomadas como referência para a política. Por isso, o desenvolvimento da presente pesquisa foi
guiado pela ideia de que a forma de penetração do capital nos países periféricos no pós-
Segunda Guerra Mundial contribuiu para desorganizar não só a economia, mas a sociedade, o
espaço e a política, prejudicando fortemente a atualização da cidadania pelos direitos sociais.
Defendemos a tese de que a oferta de recursos, bens e serviços coletivos por parte do
Estado também depende de um processo de racionalização do espaço geográfico, porque se
baseia não somente na difusão de valores sociais como igualdade, respeito à diversidade etc.,
mas na concretização desses valores através da presença de sistemas técnicos que devem
alcançar as pessoas nos lugares onde elas habitam. Para tanto, o Estado (considerando-o na
perspectiva gramsciana) assume o processo de transformação da sociedade a partir de
alterações racionais no curso da ação social que foi naturalizada em determinada sociedade,
ou seja, ele assume a condução da vida social, abandonando a ideologia da neutralidade, e usa
o seu poder de produzir normas explicitamente para isso. Trata-se de unir a ação racional
conduzida por valores – outro tipo ideal proposto por Max Weber (1999, p. 15), onde a ação
social é determinada pela crença consciente em um valor – às formas-conteúdo específicas
dos lugares. É o que estamos chamando de acontecer político-institucional, uma forma de
cooperação racional entre os subespaços que se manifesta por intermédio de programas
públicos, principalmente pelas políticas de Estado, ainda que políticas como o Bolsa Família,
um “quase direito” (COHN, 2012) da população classificada como pobre, possam também ser
analisadas como uma manifestação desse acontecer.
33

Sem esquecer a funcionalidade do Estado racional-burocrático (WEBER, 1970 [1918])


para a reprodução do modo de produção capitalista (ENGELS, 1974) (como potencialmente o
é todo o processo de racionalização da sociedade que os territórios incorporam), nem
tampouco as múltiplas contradições que disso decorrem, procuramos aqui vê-lo na sua
dialética constante com a sociedade e com o território, ressaltando como a imposição de uma
racionalidade ao espaço geográfico muda essa dialética. Neste sentido, é imprescindível
considerar o Estado não somente como produtor de normas, mas também como lócus da ação
política, ligado à sociedade pelos valores embutidos na ação social que ele fomenta
(GRAMSCI, 1978), assim como pelos sistemas técnicos atuais que permitem a comunicação
instantânea entre os lugares.
A hipótese que percorreu o desenvolvimento da pesquisa foi a de que a modernização
tecnológica no Brasil implicou a valorização de sistemas de objetos e sistemas de ações
forâneos, aqueles capazes de atender as exigências das grandes empresas, de modo que foi
apenas nos lugares onde esses agentes passaram a atuar que as garantias públicas se fizeram
um pouco mais presentes. A pobreza no Brasil, desde então, se manifesta não somente nos
baixos níveis de rendimento e de consumo da maior parcela de sua população, no volume das
migrações e nas condições de habitação. Mas, se revela também na estruturação de múltiplas
e diversas manifestações do circuito inferior da economia urbana associada, por sua vez, à
ausência de bens, recursos e serviços públicos para grande parcela da sociedade e dos lugares.
E é sobre essas condições qualitativas e quantitativas da pobreza que se difunde o PBF na
escala nacional.
Para empiricizar a tese e, ao mesmo tempo, debater e refletir sobre nossa hipótese,
investigamos as transformações na pobreza na Região Canavieira do estado de Alagoas (mapa
1), que sendo uma das “velhas regiões de monocultura açucareira” (PRADO JÚNIOR, 1975)
do Nordeste, chegou ao começo do século XXI como uma das regiões mais pobres do Brasil.
O destaque é dado para a forma como esse subespaço do estado de Alagoas participa das
últimas vagas de modernização que alcançaram o território brasileiro, perscrutando sobre
como tal modernização condicionou a garantia ou não de bens coletivos por parte do Estado.
Daí enfatizarmos o significado do PBF para a pobreza na Região.
34

Mapa 1 – Região Canavieira de Alagoas

Organização das informações: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

E, para operacionalizar a pesquisa, adotamos a posição defendida por Mary Poovey


(1998, p. 12), no seu livro A History of the Modern Fact, segundo a qual todo o processo de
desenvolvimento de uma pesquisa, desde a escolha do objeto a ser estudado até a forma de
apresentação dos resultados, é um processo teórico-empírico, pois até mesmo o levantamento
de dados primários, seja qual for a técnica utilizada, parte de uma interpretação da realidade
que acaba selecionando o que deve ou não ser contabilizado. Durante os mais de 4 (quatro)
anos de duração do doutorado realizamos: i) revisão bibliográfica sobre o tema; ii) visitas
35

técnicas ao Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS (assim chamado


até maio de 2016); iii) levantamento de dados secundários; iv) levantamento de dados
primários, estes últimos a partir de extensos trabalhos de campo (realizados entre agosto de
2014 e setembro de 2016).
A visita ao MDS, realizada no mês de novembro de 2014, foi fundamental para
entendermos melhor as mudanças técnicas e normativas que o PBF sofreu desde 2003, bem
como seu funcionamento atual. Também foi de suma importância a troca de e-mails com
técnicos desse Ministério para o esclarecimento de questões que foram surgindo com o
avançar da pesquisa. Vale ressaltar que estamos tratando de uma política que, apesar do seu
curto período de existência, já passou por grandes alterações, sendo que o anseio de oferecer
uma leitura atualizada do Programa (o que esperamos ter alcançado, pelo menos
parcialmente) exigiu bastante esforço de nossa parte.
Quanto aos trabalhos de campo para o levantamento de dados primários, uma primeira
explicação diz respeito ao que chamamos de “Região Canavieira de Alagoas”.
Compreendendo essa porção do território alagoano como uma realidade dinâmica, tanto na
forma como no conteúdo, fizemos uma delimitação inspirada nos trabalhos de Joaquim
Correia de Andrade Neto (1984, p. 139) e Manuel Correia de Andrade (1997, p. 78). Esta
delimitação destaca, além da fragmentação interna pela criação de novos municípios, a
expansão horizontal da plantação de cana ocorrida com as políticas para o setor
sucroalcooleiro a partir dos anos 1970, processo que culminou na incorporação de novos
territórios municipais à Região. Os contornos regionais que apresentamos constituem,
portanto, uma síntese provisória, pois apesar da atividade canavieira ocasionar certo
“engessamento” do uso do território (CASTILLO, 2015, p. 98) nos municípios onde se
desenvolve, a dinâmica recente do setor tem provocado a falência de várias unidades
industriais.
Como se trata de uma Região com 52 (cinquenta e dois) municípios (mais da metade
dos municípios alagoanos, estando a capital entre eles), a realização dos trabalhos de campo
exigiu a escolha de certas cidades, através das quais pudéssemos apreender a dinâmica
regional. Essa escolha foi informada principalmente pela história da Região, como
pretendemos demonstrar ao longo da tese, e confirmada ao estabelecermos as seguintes
exigências:
(i) Desempenhar papel importante na rede urbana regional. O benefício do PBF é pago
através da Caixa Econômica Federal - CAIXA. Embora tenha havido enorme crescimento do
número e dos tipos de correspondentes desse banco nos últimos anos, há funções como
36

distribuição de cartões do Programa, pagamento de benefícios sem cartão etc., que só podem
ser realizadas nas agências bancárias. Tomando como base o estudo “Região de Influências
das Cidades” (BRASIL, 2007), as principais cidades da Região Canavieira são: Maceió
(capital regional A), São Miguel dos Campos (centro de zona A), União dos Palmares (centro
de zona A), Penedo (centro de zona A) e Porto Calvo (centro de zona B);
(ii) Não fazer parte da Região Metropolitana de Maceió. Embora a Região
Metropolitana de Maceió chegue ao início do século XXI como uma das mais pobres do País
entre as capitais, as transformações pelas quais seus circuitos da economia urbana vêm
passando estão relacionadas a um expressivo número de eventos, não sendo certamente a
política do Bolsa Família o principal deles;
(iii) Por fim, ter sua dinâmica interurbana contígua explicada no contexto da Região
Canavieira de Alagoas. Nesse sentido, a cidade de Penedo, alcançada pela expansão
canavieira da década de 1970, ao passo que se vincula a cidades da Região Canavieira como
Feliz Deserto, tem sua dinâmica interurbana vinculada também à cidade de São Brás, agreste
do Estado, e Santana do São Francisco, estado de Sergipe.
Optamos, então, pelas cidades de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos
Campos. Nessas cidades aplicamos questionários às beneficiárias do Bolsa Família e aos
trabalhadores do circuito inferior da economia urbana, buscando assim apreender mudanças
causadas pelo PBF na dinâmica da pobreza. No total foram aplicados 329 (trezentos e vinte e
nove) questionários, distribuídos da seguinte forma:
(i) Porto Calvo: 42 (quarenta e dois) questionários para beneficiárias do PBF e 40
(quarenta) para proprietários de pequenos negócios do circuito inferior da economia urbana.
(ii) União dos Palmares: 67 (sessenta e sete) questionários para beneficiárias do PBF e
80 (oitenta) para proprietários de pequenos negócios do circuito inferior da economia urbana.
(iii) São Miguel dos Campos: 50 (cinquenta) questionários para beneficiárias do PBF e
50 (cinquenta) para proprietários de pequenos negócios do circuito inferior da economia
urbana
Também nessas cidades realizamos entrevistas, a partir de roteiros semi-estruturados,
com beneficiárias do PBF, procurando ouvi-las sobre as mudanças provocadas pelo Programa
em suas vidas, o acesso aos locais de recebimento, o entendimento do Bolsa Família enquanto
direito ou não etc. No total foram 16 (dezesseis) beneficiárias entrevistadas, sendo 6 (seis) em
Porto Calvo, 6 (seis) em União dos Palmares e 4 (quatro) em São Miguel dos Campos, o que
completou pouco mais de 4 (quatro) horas de gravação.
37

Ainda em Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos entrevistamos
certos agentes do circuito superior da economia urbana (principalmente do comércio varejista
de alimentos e atacadista distribuidor) e do circuito inferior não contemplados pelos
questionários (principalmente presidentes de associações municipais de mototaxistas e de
sistemas de transporte por vans).
O avanço da pesquisa demonstrou a existência de um fluxo considerável de
beneficiárias de pequenos centros urbanos para as três cidades citadas no período de
pagamento do PBF, fluxo que se explicava pela impossibilidade de receber o benefício no
próprio município. Isso nos levou a aplicar um novo questionário para essas beneficiárias,
cuja quantidade ficou assim distribuída: 12 (doze) para beneficiárias de pequenas cidades que
estavam recebendo em Porto Calvo; 38 (trinta e oito) para beneficiárias de pequenas cidades
que estavam recebendo em União dos Palmares; e 25 (vinte e cinco) para beneficiárias que
estavam recebendo em São Miguel dos Campos. Posteriormente, visitamos cada uma dessas
cidades para realizarmos entrevistas, a partir de roteiros semi-estruturados, com as
beneficiárias aí residentes. Foram visitadas 12 (doze) cidades e gravadas pouco mais de 5
horas de conversas.
Por fim, fizemos um levantamento sistemático sobre a origem das associações de
mototaxistas e de transporte por vans nessas pequenas cidades, considerando o papel que elas
desempenham na mobilidade das beneficiárias que entrevistamos no período de pagamento do
Bolsa Família.
A maior parte dos dados primários são apresentados ao longo da tese em forma de
mapas, quadros, tabelas ou mesmo de texto, enquanto outras informações e relatos,
enriquecidos por leituras de livros, teses, dissertações e artigos, serviram de inspiração para
determinadas análises.
Portanto, a partir da problematização e da metodologia apresentadas procuramos
debater a construção, o funcionamento e as implicações do PBF face à dinâmica da pobreza
na Região Canavieira de Alagoas. Essa opção nos levou a trabalhar com dois planos de
análise: primeiro tratamos das mudanças que a pobreza conheceu em função dos novos
conteúdos técnicos e sociais que a Região foi incorporando ao longo do século XX; em
segundo lugar abordamos a construção política do PBF e as novas coesões geográficas
necessárias à sua concretização e/ou autorizadas pelo seu funcionamento. Dessa forma, a tese
foi organizada em duas partes, cada uma contendo três capítulos.
Na primeira parte, intitulada “As formas de pobreza na Região Canavieira de Alagoas
ao longo do século XX”, propomos uma periodização para o fenômeno da pobreza nessa
38

Região considerando a dinâmica dos sistemas de objetos e dos sistemas de ações. Para tanto,
procuramos levar em conta as transformações na forma e no conteúdo desse subespaço
promovidas pelas sucessivas modernizações, destacando as principais maneiras como esse
processo terminou empobrecendo a maior parcela da população. A linha de raciocínio adotada
nessa primeira parte pretende revelar nossa discordância com a bibliografia sobre Alagoas
que, destacando somente a permanência da produção sucroalcooleira como principal atividade
econômica ao longo do século XX, impede a atualização das causas explicativas da pobreza.
Nesse sentido, o primeiro capítulo aborda como, depois de quase três séculos de
transformações lentas, ritmadas pela produção realizada nos velhos engenhos de açúcar, a
Região Canavieira de Alagoas passou a conhecer, a partir das últimas décadas do século XIX,
mudanças fundamentais na produção da riqueza, autorizadas por certa mecanização do meio
geográfico, o que acabou por conferir nova dinâmica ao fenômeno da pobreza. Esta, na
ausência de regulação das condições de trabalho no campo, se manifestava pelos baixos
salários, pela fome, pelas migrações para o estado de Pernambuco e para o Sudeste etc. O
segundo capítulo trata da Região no período de racionalização do espaço geográfico, onde a
pobreza se manifesta como “Espaço Dividido”. A expulsão dos “moradores de condição” das
terras das usinas e a produção “racional” do desemprego fazem crescer o volume das
migrações, que agora se direcionam também para as principais cidades da própria Região,
alimentando o circuito inferior da economia urbana. O último capítulo dessa parte discute a
“pobreza estrutural globalizada” na Região Canavieira de Alagoas, ressaltando os fatores que
levaram esse subespaço a chegar ao final do século XX abrigando situações de pobreza das
mais graves do País.
Na segunda parte, sob o título “Programa Bolsa Família e circuitos da economia
urbana na Região Canavieira de Alagoas”, apresentamos nossa leitura sobre o PBF e as
transformações que esse Programa vem causando e autorizando na dinâmica dessa Região.
Para isso, o capítulo 4 (quatro) discute a incorporação das políticas de transferência de renda
pela formação socioespacial brasileira (SANTOS, 1977), a gênese e a conformação do PBF
enquanto um acontecer solidário de escala nacional. Cremos que com o Bolsa Família as
políticas de transferências de renda assumiram um papel na integração dos pobres aos direitos
sociais, passando a revelar, além das contradições derivadas da incompletude da cidadania no
País, as pressões oriundas do alargamento do acontecer hierárquico provocado pelo avanço da
globalização no território brasileiro. O capítulo 5 (cinco) procura avaliar as consequências do
PBF para a pobreza a partir da Região Canavieira de Alagoas. Para tanto, consideramos a
dinâmica dos circuitos da economia urbana nas três principais cidades do interior dessa
39

Região, demonstrando os principais elementos desses circuitos que participam da


concretização da política e as oportunidades que tal concretização originou para os diferentes
agentes da economia urbana. O último capítulo da tese busca identificar as novas articulações
dos dois circuitos da economia na rede urbana regional, as novas formas de utilização dessa
rede urbana pelo circuito superior da economia e a reprodução subordinada do circuito
inferior.
Na conclusão retomamos brevemente algumas discussões da tese e apontamos os
principais achados da pesquisa.
40

PRIMEIRA PARTE: AS FORMAS DE POBREZA NA REGIÃO CANAVIEIRA DE


ALAGOAS AO LONGO DO SÉCULO XX
41

CAPÍTULO 1: Os inícios da racionalização do meio geográfico e a ação política no uso


dos sistemas técnicos: as situações diversas de pobreza na Região Canavieira de Alagoas
(1880-1945)

“Não tivemos todo o passado da Europa, mas reproduzimos de forma


peculiar o seu passado recente, pois este era parte do próprio processo de
implantação e desenvolvimento da civilização ocidental moderna no
Brasil”.
Florestan Fernandes. A revolução burguesa no Brasil. (1975, p. 20).

“O trem entra em terras de Alagoas, as estações fervilham de gente, cai uma


tarde poeirenta, vêm meninos vender água a cem réis o copo [...].
Passam casas de farinha, canaviais, o rio, mulungus, ingazeiros cheios de
ninhos de caga-sebo, estradas de rodagens avançam, atravessam os trilhos
de ferro, senhores usineiros viajam nos Hudsons e nos Studebakers até as
estações da Great Western, saltam dos autos como se esses carros lhes
pertencessem mesmo, tudo hipotecado, automóveis, usinas, safras, aos
fornecedores da capital, intermediários dos Geo-Squire e dos L. Smith de
USA. Para isso tanta desgraça planejada, bangüês comidos, senhores
reduzidos à miséria, e atrás de tudo o homem do eito, da bagaceira, das
limpas, das fornalhas, cambiteiros, metedores de cana, caldeireiros,
trabalhadores de enxada, mal-alimentados, malvestidos, descalços,
trabalhando noite e dia para agüentar o bangüê, pro bangüê ser devorado
pela usina e, por sua vez, o usineiro ser devorado por USA”.
Jorge de Lima. Calunga. (1997 [1935] pp. 14-15).

E
ntre as últimas décadas do século XIX e meados do século XX, o Estado de
Alagoas, e neste particularmente sua “velha região de monocultura açucareira”
(PRADO JÚNIOR, 1975), conheceu situações de pobreza das mais graves do Brasil.
Conforme registraram alguns pesquisadores (BASTOS (2010 [1938]; ANDRADE, 1973
[1963]; CASTRO, 1961 [1946]), a fome e a emigração, que apresentavam os piores índices
mesmo entre os estados açucareiros do Nordeste, eram manifestações comuns dessa
gravidade.
Podemos assegurar que são novas situações de pobreza, pois resultam de adaptações
locais às transformações na economia, na política e no território que alcançaram o País a
partir da segunda metade do século XIX (PRADO JÚNIOR, 1975; FERNANDES, 1975;
SANTOS E SILVEIRA, 2011 [2001]). Neste sentido, é correto afirmar que uma nova
necessidade imposta pelo sistema capitalista então em vigor, comandado a partir da Europa,
42

encontrou resposta na transformação de uma região preexistente e criou um “espaço


derivado”1 de novo tipo (SANTOS, 2009 [1978], p. 123).
Uma nova organização técnica, política, econômica e social da produção foi
impulsionada pelas novas autorizações do meio geográfico dadas pela construção das
ferrovias, do telégrafo e melhoria do Porto de Maceió. A instalação de usinas e fábricas
têxteis alterou profundamente as formas de produção da riqueza e, ao lado da Abolição da
Escravatura, alterou também as formas de repartição espacial e social dessa riqueza. É,
portanto, uma nova organização técnica da produção possibilitada pelos condicionamentos
recíprocos dos processos de racionalização da economia, da política, da sociedade e do meio
geográfico.
Essa “fluidez relativa do território” (SANTOS, 2009 [1994], p. 292), alcançada pela
“mecanização da circulação” (SANTOS E SILVEIRA, 2011 [2001], p. 34), modifica ainda os
papéis das cidades na rede urbana (antes fortemente condicionados pela possibilidade natural
que os rios ofereciam ao transporte do açúcar para os portos de Maceió e de Recife). Sem a
constituição de um mercado propriamente nacional permanece o sentido de uma rede urbana
voltada para a exportação de açúcar, mas a nova distribuição do excedente nas cidades se dá,
em boa medida, de acordo com as vicissitudes técnicas do meio geográfico.
Se o Estado se fazia presente para subsidiar o capital financeiro inglês, para reprimir,
para normatizar algumas esferas da produção e do trabalho, pouco fazia no direcionamento de
parte da riqueza para bens e serviços coletivos. No caso do trabalhador rural a situação era
bem mais grave, porque mesmo depois do decênio de 1930 as relações de trabalho não foram
verdadeiramente reguladas. Uma parcela apreciável do comando político da produção e
distribuição da riqueza ficava ainda na própria Região. Como os diversos agentes sociais
foram atingidos diferentemente pelo novo impulso capitalista, bem como revelaram graus de
permeabilidade e adaptação diferenciados a tal impulso, tivemos como resultado situações
locais diversas de pobreza (em nenhum caso menos grave), acompanhadas de formas
particulares de perpetuá-las.
Nesse sentido, ao lado da mecanização da produção e da circulação, não haveria
também uma incipiente “racionalização por valores” (WEBER, 1999) do meio geográfico?
Senão como compreender as concessões em termos de objetos técnicos (melhores moradias,
creches, equipamentos de saúde etc.) que resultaram da luta política de trabalhadores da

1
“A cada necessidade imposta pelo sistema em vigor, a resposta foi encontrada, nos países subdesenvolvidos,
pela criação de uma nova região ou a transformação das regiões preexistentes. É o que chamamos espaço
derivado, cujos princípios de organização devem muito mais a uma vontade longínqua do que aos impulsos ou
organizações simplesmente locais” (SANTOS, 2009 [1978], p. 123. Itálico no original).
43

indústria têxtil (LESSA, 2013)? Como entender o chamado “sistema de morada”


(PALMEIRA, 1977), e nele particularmente as disputas entre senhores de engenho e usineiros
por mão de obra, a partir, por exemplo, da oferta de melhores condições de moradia
(HEREDIA, 1988)?
Todavia, como algumas melhorias das condições de vida dos trabalhadores/moradores
entravam na disputa entre os agentes da produção, as situações diversas de pobreza tendiam a
se reproduzir. Uma vez que prevalecia um padrão limitado de necessidades e o desemprego
não era ainda um dado inerente à organização da produção (o que, aliás, revela o nível de
exploração dos trabalhadores, já que mesmo nessas condições a fome era das mais graves e o
número de emigrantes era proporcionalmente um dos maiores entre os estados brasileiros),
podemos dizer que forças centrípetas atuavam na perpetuação da pobreza.

1.1. A mecanização da produção e da circulação: a imposição de uma racionalidade


externa ao meio geográfico regional

Até boa parte da segunda metade do século XIX o meio técnico na “velha região”
Canavieira de Alagoas ficou praticamente restrito à mecanização da produção (DIÉGUES
JÚNIOR, 2006; SANT’ANA, 1970; CORRÊA, 1992). Em 1879, por exemplo, existiam cerca
de 632 engenhos produzindo açúcar, distribuídos por aproximadamente 16 municípios da
Zona da Mata e do litoral. Apesar da existência de alguns engenhos a vapor, a grande maioria
deles era movida à tração animal e buscava se localizar próximo aos pequenos portos, como o
de Porto Calvo, Porto de Pedras, Barra Grande (atual Maragogi) e o de Maceió (este já
começava a ganhar vulto e se diferenciar dos demais). Nessas condições, o crescimento da
produção decorria “[...] do crescimento do número dos engenhos e da expansão da área
cultivada e nunca do melhoramento da produtividade agrícola e/ou industrial” (ANDRADE,
1997, p. 30).
Segundo Florestan Fernandes (1975, pp. 24-25), é com a Independência do Brasil que
estamos devidamente autorizados a falar de uma acumulação interna do excedente. No caso
das regiões que tinham sua economia fundada na exportação do açúcar, havia pelo menos três
razões que, alimentando-se mutuamente, limitavam tal acumulação: 1) as oscilações do preço
deste produto no mercado externo; 2) a lentidão na absorção de inovações técnicas (tanto na
área agrícola como na industrial); e 3) a concorrência de outros produtores (especialmente de
44

Cuba, Java e do açúcar de beterraba europeu) (FURTADO, 2005 [1959]; ANDRADE, 1973
[1963]; PRADO JÚNIOR, 1975; RAMOS, 2007).
Agregavam-se a essas razões, de caráter mais geral, particularidades da Região
Canavieira de Alagoas. Sua “situação geográfica [...] colocada entre dois importantes centros
comerciais – Pernambuco e Bahia – nunca permitiu [que] tivesse o seu comércio a expansão
que seria de esperar, correspondente ao desenvolvimento agrícola”. Isto porque “pelo interior
escoavam-se os produtos para as Províncias vizinhas; o comércio da Capital não atraía os
produtos do interior, e isto talvez tivesse na existência de estradas más a sua causa principal”
(DIÉGUES JÚNIOR, 2006, pp. 133 e 138).
Essa acumulação interna era também fortemente condicionada pela escravidão, cujo
papel na repartição social da riqueza era, de fato, imensurável (SOUZA, 2000). Neste sentido,
lembra Manuel Correia de Andrade (1973 [1963], p. 108), que o trabalhador livre já era
largamente utilizado em Alagoas antes da Lei Áurea (1888), e que havia correlações, por
exemplo, entre fatores de mercado (oscilações no preço do açúcar, concorrência externa,
maior disponibilidade de mão de obra liberada pelo algodão etc.) e o salário desse
trabalhador. No entanto, sem a universalização do trabalho assalariado, numa sociedade em
que o número de escravizados beirava a cifra dos 49.000 para uma população total de 310.585
(1879), tais fatores certamente encontravam sérios obstáculos (FERNANDES, 1975, p. 20).
Em síntese, podemos afirmar que o meio geográfico limitava a localização dos
engenhos, a circulação, a expansão da produtividade e, por isso, junto ao sistema econômico,
limitava também a acumulação; por outro lado, notadamente o sistema político-social
obstaculizava a repartição social da riqueza porventura gerada.
A situação mudou bastante a partir do impulso do capital financeiro-industrial inglês
nas últimas décadas do século XIX. A bibliografia sobre o período não deixa dúvidas sobre a
profundidade das mudanças (DIÉGUES JÚNIOR, 2006; SANT’ANA, 1970; TENÓRIO,
1979; ANDRADE; 1997; LINDOSO, 2015). Os aportes do capital inglês, ao lado de novas
condições político-normativas, forneceram novas possibilidades de exploração dos recursos
naturais e da força de trabalho. Porém, uma vez que esse capital tinha como finalidade a sua
própria reprodução, viabilizá-lo significava também assegurar a drenagem de parte importante
do excedente regional na forma de juros. Trata-se de uma forma de “penetração planejada” do
capital a partir da ideologia do progresso (SANTOS, 2003 [1979], pp. 28-29), que cria na
Região um “espaço derivado” de novo tipo (SANTOS, 2009 [1978]).
À navegação a vapor nas lagoas Mundaú e Manguaba, realizada pela Companhia
Baiana de Paquetes a Vapor desde o final da década de 1860, vem juntar-se os primeiros
45

quilômetros de ferrovia em Maceió (1868), a criação de novos impostos para viabilizar a


construção de ferrovias e, finalmente, a garantia de juros ao capital inglês para construção da
“Estrada de Ferro Central de Alagoas” (TENÓRIO, 1979, pp. 106-115). Essa estrada, a
princípio, ligou Maceió a Imperatriz (atual União dos Palmares) em 1884. Foram
acrescentados a esses 88 km iniciais mais 35 km até a fronteira com Pernambuco e, já no
século XX, mais 62 km até Assembléia (atual cidade de Viçosa). De acordo com o mapa 2,
estava então conformado o traçado que as ferrovias tomaram na Região Canavieira de
Alagoas. Não chegaram a representar 1% de toda a rede ferroviária nacional.

Mapa 2 – Alagoas: traçado das linhas férreas segundo o período de construção

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Ao lado da nova temporalidade imposta à circulação, inaugura-se na Região a era da


telecomunicação instantânea (CASTILLO, 1999, p. 24) com o telégrafo. Em 1884
“construídos igualmente se achavam 63 quilômetros de linhas telegráficas, com fio duplo, que
funcionavam com 7 aparelhos “Siemens” instalados provisòriamente em Jaraguá, Maceió,
Pedreiras, Cachoeira, Bom Jardim, Itamaracá e Murici” (SANT’ANA, 1970, p. 315).
46

Face à modernização da navegação, o Porto de Maceió começa a ganhar vulto e se


diferenciar dos demais ao estabelecer navegação direta com o exterior em 1878 (LINDOSO,
2015; CORRÊA, 1992, p. 100). Assim, “em 1880 a Província da Bahia, e certamente também
a de Pernambuco, já deixara de ser o empório do comércio de importação e exportação de
Alagoas [...]” (SANT’ANA, 1970, p. 320). Portanto, esse novo meio técnico, fazendo
convergir em Maceió uma “circulação mecanizada” (SANTOS e SILVEIRA, 2011 [2001], p.
34), termina por autorizar certa acumulação de excedente na capital. Aí se alargará uma
burguesia mercantil (LINDOSO, 2015), com destaque para os “comissários do açúcar” que
financiavam os senhores de engenho (ANDRADE, 1997, p. 30), apta a aplicar o excedente de
acordo com as novas racionalidades do meio geográfico.
Mas, essas racionalidades eram, ainda, muito limitadas. Milton Santos (2009 [1996],
p. 292), ao propor sua tese de que durante o século XX o próprio espaço geográfico vai se
tornando racional, pondera que é possível

[...] como fez E. A. J. Johnson (1970), falar de racionalidade do espaço a


partir do momento em que este conhece sua mecanização. Mas a estrada de
ferro, o automóvel, o telégrafo criaram apenas uma fluidez relativa do
território, pois o âmbito geográfico de ação dessas novidades era
relativamente limitado.

Para a Região Canavieira de Alagoas essa afirmação é ainda mais verdadeira porque,
como vimos, nem mesmo todas as áreas de produção açucareira foram conectadas à cidade de
Maceió pelas ferrovias.
Assim, entre 1892 e 1950 foram instaladas cerca de 46 usinas em Alagoas (embora
algumas só tenham moído poucas safras), “[...] construídas, quase sempre, por proprietários
de engenho ou por comerciantes radicados em Maceió e ligados ao comércio exportador do
açúcar. Poucas foram construídas por capitais estrangeiros” (ANDRADE, 1997, p. 40).
Aproximadamente 45% delas estavam localizadas em municípios ferroviários, “[...] o que
indica a grande importância desempenhada por esse meio de transporte na sua localização.
Elas iriam usar largamente a Great Western como transportadora de cana dos engenhos para a
usina e do açúcar e álcool para os portos de Maceió” (ANDRADE, 1997, p. 39).
Paralelamente, havia ainda uma produção expressiva realizada nos engenhos (em número de
587 em 1935) e de usinas cuja temporalidade da produção e da circulação não conheceu
grandes modificações.
Mas, as novas vicissitudes do meio geográfico orientaram também a localização da
“[...] outra metade dos capitais disponíveis nas Alagoas [que] foi aplicada na indústria têxtil”
47

(LESSA, 2013, p. 116). Se havia até 1890 apenas uma fábrica têxtil localizada em Maceió,
em função do mercado consumidor e da mão de obra aí existentes, até 1949 foram instaladas
mais 9 fábricas na Região Canavieira de Alagoas. “As fábricas procuravam estar perto dos
maiores mercados consumidores locais e das estradas que traziam o algodão do interior e
levavam tecidos para os municípios mais distantes e o Porto de Jaraguá, na capital 2” (LESSA,
2013, p. 120).
Conforme a tabela 1, o número de estabelecimentos industriais e de pessoas ocupadas
aumentou expressivamente nas primeiras décadas do século XX.

Tabela 1 – Alagoas: Número de estabelecimentos industriais e pessoal ocupado (1907-1950)


Ano Estabelecimentos Pessoal ocupado
1907 44 3.775
1920 352 6.989
1940 687 14.775
1950 1.261 24.792
Fonte: BRASIL (1917; 1927; 1952; 1956)
Organização: Fernando Silva (2017)

Os dados do Censo Industrial de 1950 (BRASIL, 1956) demonstram que um total de


10.998 pessoas estavam ocupadas nas indústrias têxteis, que acusavam 106 estabelecimentos,
enquanto as indústrias de produtos alimentares (onde incluíam-se as usinas) ocupavam 8.124
pessoas em 552 estabelecimentos. Isso porque, como demonstrou João Craveiro Costa (1932),
nestas últimas havia uma quantidade significativa de pequenos estabelecimentos, que
distribuíam-se de forma muito mais desconcentrada.

2
A distribuição das fábricas têxteis nos municípios da Região Canavieira de Alagoas era a seguinte:
Quadro 1 - Região Canavieira de Alagoas - Indústrias têxteis segundo o município de localização e ano de início
do funcionamento
Município Fábrica Ano que começou a funcionar
Maceió (Fernão Velho) Fábrica União Mercantil 1863
Rio Largo Fábrica Progresso 1890
Rio Largo Fábrica Alagoana 1893
Pilar Fábrica Pilarense 1893
Pilar Fábrica Pilarense 1909
Maceió (Bom Parto) Fábrica Alexandria 1911
São Miguel dos Campos Fábrica São Miguel 1913
Maceió (Jaraguá) Fábrica Santa Margarida 1914
São Miguel dos Campos Fábrica Vera Cruz 1926
Maceió (Saúde) Fábrica Norte de Alagoas 1926
Fonte: Relatórios Anuais das Fábricas Têxteis de Alagoas apud Lessa (2013, p. 118)
Organização: Fernando Silva (2017)
48

Em síntese, podemos afirmar que a explicação para as novas formas de exploração e


distribuição dos recursos estão, em boa medida, na racionalidade limitada do meio geográfico
regional. Mas, na realidade, a explicação sobre a repartição espacial e social da riqueza só é
completa se considerarmos também as novas combinações na economia, na política e na
sociedade.

1.2. Entre o velho e o novo: transformações na rede urbana de uma região voltada para
fora

São, deveras, avassaladoras as transformações operadas na rede urbana da Região


Canavieira alagoana a partir das novas vicissitudes técnicas do meio geográfico (CORRÊA,
1992; GEIGER, 1963, pp. 385-386 e 392). As novas formas de repartição do excedente, da
população e da força de trabalho nas cidades não se explicam sem considerarmos a
permanência de uma economia fundada essencialmente na exportação de açúcar (o fato de
que a princípio essa exportação estivesse mais voltada ao mercado externo e, já a partir das
primeiras décadas do século XX, tenha-se voltado ao centro-sul do País não altera o
raciocínio) e das velhas estruturas sociais. Até mesmo as novas especificidades técnicas da
produção usineira sofreram certa adequação às dinâmicas sociais pretéritas (PALMEIRA,
1977; ANDRADE, 1973 [1963]; ANDRADE NETO, 1984).
Praticamente todos os autores que comentaram sobre tais transformações concordam
que a ascensão de Maceió e o declínio de cidades antigas ligadas a pequenos portos
(principalmente Porto Calvo, Pilar e Marechal Deodoro) (CORRÊA, 1992; ANDRADE, 2010
[1958]; ANDRADE, 2010 [1968]) foram o principal saldo do período. Ao tratar das cidades
do Norte de Alagoas, Manuel Correia de Andrade (2010 [1968], pp. 145-146) resumiu bem o
que ocorreu:

A construção das estradas de ferro e, posteriormente, de rodagem, fez com


que a produção do interior passasse a convergir diretamente para as capitais,
para os grandes centros, provocando, a decadência da navegação à vela, de
cabotagem e a morte dessas pequenas cidades e portos.

Quanto à ascensão de Maceió, que esteve ligada também à sua função administrativa
(DIÉGUES JÚNIOR, 2001 [1939]), os números sobre o crescimento populacional são
esclarecedores: se apenas 6,16% da população estadual vivia na capital em 1890, essa
porcentagem era de 11,07% em 1950. Isto apesar de a população estadual ter aumentado
113,74% no mesmo intervalo. Embora no período as taxas de crescimento de Maceió variem
49

bastante, o que, aliás, é uma característica comum às capitais brasileiras que dependiam
economicamente da agricultura (SANTOS, 2008 [1993], p. 27), os números absolutos
demonstram que o crescimento foi sustentado. De 31.498 habitantes em 1890 alcançou
120.980 em 1950. Antes de 1890, Maceió tinha esperado dezoito anos para aumentar 3.795
habitantes quando, por exemplo, entre 1900 e 1920 a população mais que dobrou.
Conforme a tabela 2, no Censo Demográfico de 1950 a Região Canavieira, então
formada por 19 cidades, tinha quase 90% dos seus centros com um total de população que não
ultrapassava 10 mil habitantes. Dessa forma, estava delineada uma característica dessa rede
urbana que Roberto Lobato Corrêa (1992) encontrou na década de 1960: de um lado uma
forte concentração urbana em Maceió e, de outro, a existência de um grande número de
pequenas cidades, simples centros locais sem importância econômica.

Tabela 2 – Região Canavieira de Alagoas: Cidades por Classes de Habitantes (1950)


Classes de Número de Percentual de População % da população
habitantes cidades cidades total total
Até 5.000 11 57,89% 38.468 19,16%
5.001 a 10.000 6 31,58% 40.795 20,32%
10.001 a 20.000 1 5,26% 16.580 8,26%
Mais de 20.000 1 5,26% 104.947 52,27%
Total 19 100,00% 200.790 100,00%
Fonte: BRASIL (1955a)
Organização: Fernando Silva (2017)

Podemos citar, no mínimo, dois fatores importantes que contribuíam para a


reprodução dessas características: 1) as relações diretas das usinas com Maceió, em função da
localização do porto, de armazéns etc. e 2) a perpetuação do chamado “sistema de morada”
surgido nos engenhos (este assunto será melhor abordado no item 1.4). Assim, se de um lado
a garantia de preços do açúcar, especialmente a partir de 1933, acelerava o fluxo de
mercadorias e de capital em Maceió; de outro, a ausência de proletarização do trabalhador
rural (ANDRADE, 1973 [1963]) limitava o crescimento dos outros centros urbanos da
Região. Neste sentido, os números sobre a população urbana são reveladores: em 1950 a
população urbana era de 31,60% de um total de 635.357 habitantes, mas para Maceió essa
porcentagem era de 86,75%. Portanto, sem incluir a capital, o grau de urbanização na Região
caía para 18,63%, mesmo que a população total alcançasse a cifra de 514.377.
A indústria têxtil, dependente de mão de obra e mercado consumidor (PRADO
JÚNIOR, 1975), não alterou a situação. Juntos, os municípios de Maceió, Rio Largo, São
Miguel dos Campos e Pilar, onde se localizavam as fábricas têxteis, somavam mais de 50%
50

do pessoal ocupado na indústria (com destaque para Maceió com 33% do total). Por isso
havia apenas um centro urbano próximo a Maceió, Rio Largo, com uma população entre
10.000 e 20.000 habitantes.
Conforma-se, portanto, um quadro em que Maceió passa a concentrar os capitais, os
serviços, a população urbana da Região etc.3 Ao apreciarmos a tabela 3, isto fica bastante
nítido: enquanto Maceió acusava 33,06% de população ativa no setor secundário e 60,79 no
terciário, essas porcentagens eram respectivamente de 11,15% e 9,68% para os outros
municípios da Região. Mesmo que entre 1920 e 1950 os percentuais para estes últimos
tenham, proporcionalmente, aumentado de maneira significativa (contribuiu para isso a
instalação de usinas e de certos serviços atraídos pelas ferrovias, por exemplo) as cifras da
tabela deixam claro o papel da capital na rede urbana da Região no período em análise.

Tabela 3 – Região Canavieira de Alagoas: População Economicamente Ativa por setor* (1920-1950)
Região Canavieira de Alagoas (sem Maceió)
1920 1920 1940 1940 1950 1950
(Total) (Percentual) (Total) (Percentual) (Total) (Percentual)
Setor 109.194 86,78% 146.171 81,59% 128.512 79,16%
primário
Setor 10.796 8,58% 16.870 9,42% 18.106 11,15%
secundário
Setor 5.841 4,64% 16.102 8,99% 15.722 9,68%
terciário
Total 125.831 100% 179.143 100% 162.340 100%
Maceió
Setor 4.230 24,63% 2.338 8,72% 2.459 6,15%
primário
Setor 6.436 37,48% 8.154 30,40% 13.217 33,06%
secundário
Setor 6.506 37,89% 16329 60,88% 24.305 60,79%
terciário
Total 17.172 100% 26.821 100% 39.981 100%
* População de 10 anos e mais, excluídos os ativos em atividades domésticas, donas de casa, estudantes e
inativos
Fonte: BRASIL (1927; 1952; 1956)
Organização: Fernando Silva (2017)

Em síntese, podemos dizer que o “meio técnico da circulação mecanizada”, aliado à


perpetuação de uma economia fundada na exportação, explicam muitos elementos sobre a
nova conformação da rede urbana regional. No entanto, com o trabalho livre e esse início de
racionalização do meio geográfico parece-nos correto pensar que, doravante, a repartição

3
De um total de aproximadamente 15 (quinze) instituições bancárias instaladas na Região entre as décadas de
1900 e 1940, 10 (dez) estavam localizadas em Maceió. As outras 5 (cinco) ou eram pequenos bancos locais, ou
agências do Banco do Brasil (CARVALHO, 2015, p. 250; MEDEIROS, 2013, várias páginas).
51

social da riqueza regional passa a ser, em alguma medida, uma questão político-espacial. É o
que pretendemos demonstrar nos próximos dois itens.

1.3. As situações diversas de pobreza na Região Canavieira de Alagoas

Nova causas acabariam por assegurar a reprodução da pobreza: condições favoráveis


na economia (principalmente a partir de 1933), modernizações técnicas na produção
açucareira (ainda que parciais), constituição de mercado de trabalho etc. Em uma sociedade e
um território que, como vimos demonstrando, se modernizava seletivamente (SOUZA, 2000;
SANTOS 2009 [1978]), parece sensato supor que a reprodução dessa pobreza estivesse, em
alguma medida, na ação política que o espaço condicionava e da qual resultava.
Nas fábricas têxteis, a acumulação crescente estava ligada a vários fatores, dentre os
quais: garantia do mercado regional (e externo em alguns momentos), disponibilidade de
matéria prima a baixo preço e disponibilidade de mão de obra. (LESSA, 2013; TENÓRIO,
2013). Por isso, a produção crescia e a apropriação do excedente como lucro também 4. Neste
sentido, Golbery Lessa (2013, p. 125 e 142) fala de dois momentos: o primeiro, que vai do
surgimento das fábricas até as primeiras duas décadas do século XX, caracterizado pelo
“lucro capitalista e miséria operária”; e o segundo, a partir de 1920, marcado pelas concessões
do capital em função da resistência operária. As lutas dos operários haviam se convertido
“[...] na construção de casas para todas as famílias empregadas, na organização de creches, no
melhoramento de ruas e nas estruturas de lazer, como o cinema e os recreios operários” (p.

4
As 12 fábricas alagoanas chegaram a ter 8.941 operários, 3.391 teares e 112.132 fusos em 1945. Para
compreendermos melhor a evolução dessas fábricas, a tabela a seguir traz alguns dados sobre a evolução do
capital investido e o valor da produção. Vale lembrar que 9 delas estavam no que consideramos como a Região
Canavieira de Alagoas.

Tabela 4 – Alagoas: capital investido e valor da produção das fábricas têxteis em alguns anos (1907-1931)
Ano Capital (contos de Valor da produção (contos de réis)
réis)
1907 5.489:887 x
1912 8.450:000 x
1920 15.293:870 31.079:445
1931 57.633:800 32.652:717
X – Não foi possível obter dados
Fonte: BRASIL (1936) e COSTA (1932, p. 113)
Organização: Fernando Silva (2017)
52

142). Trata-se do sistema de vila operária estudado detalhadamente em Pernambuco por


Lopes (1988).
O quadro a seguir busca sintetizar alguns dos principais aspectos da condição de vida
dos operários das fábricas têxteis. A referência é a década de 1920, quando o resultado das
lutas políticas era garantido pelas próprias fábricas na distribuição de alguns bens e melhores
salários.
53

Quadro 2: Alguns aspectos da condição de vida do trabalhador da indústria têxtil na Região Canavieira de Alagoas a partir de 1920

Relações de trabalho
Contrato As formas e condições de contrato variavam bastante, principalmente antes da década de 1930. O que era comum era o uso da
mão de obra de mulheres e crianças, bem como um disciplinamento rigoroso dos trabalhadores.
Condições oferecidas aos Casa na vila operária, escola, assistência médica, creche e cinema. Não se permitia fazer roçado, como no caso dos engenhos
trabalhadores pelas fábricas e usinas.
Retribuição exigida pelo Exclusividade do trabalho.
proprietário
Habitação
Características gerais da A maioria das casas eram construídas de alvenaria e coberta de telha. As vilas chegaram a dispor de certa infra-estrutura
habitação como sistema de esgoto, abastecimento de água e luz etc. Em troca, às vezes, se cobrava aluguel pela moradia e as taxas de
água e luz.
Salário
Salário médio diário Entre 1$500 e 3$000 (média para o fim da década de 1920).¹
Variação do salário Há indicações de variações significativas dos salários e dos benefícios indiretos (moradia, escola, creche etc.) segundo a
fábrica. Ainda com respeito ao salário, havia variações também de acordo com as condições técnicas das fábricas, já que
problemas na paralisação de alguma seção, com a consequente paralisação do trabalho, geravam descontos no salário do
trabalhador.
Comparação do salário médio
com outros Estados do
Nordeste
Consumo
Onde compram os Armazém da vila operária
trabalhadores
Principais alimentos consumidos e % do salário gasto com alimentação
Ceará (charque)
Bacalhau
Feijão
Açúcar bruto
Café
Farinha
Carne fresca
Rapadura
% do salário gasto com Geralmente chegava próximo aos 100%
alimentação
Principais consequências da pobreza
Como faz em tempo de Complementava os rendimentos com a pesca nas lagoas (principalmente no caso de trabalhadores de Maceió).
diminuição do trabalho
Medidas tomadas para lutar Greves; busca de trabalho em engenhos ou usinas (onde era permitido ter um pequeno roçado) e emigração.
contra a pobreza e exploração
do trabalho (trabalhadores)
Medidas tomadas para Nas primeiras décadas do século XX há indicações de repressões, mas depois os proprietários fizeram algumas concessões,
perpetuar a pobreza dos como: diminuição da jornada de trabalho, melhoria da moradia, das condições das vilas e da assistência médica, etc.
trabalhadores (proprietários)
Principais conclusões
Relações de trabalho e Tanto as relações de trabalho como o sistema de vila operária se colocavam como novos elementos de dominação. Os estudos
habitação não negam as boas condições das casas fornecidas pelas fábricas, a qualidade e facilidade do acesso às escolas, creches e
assistência médica, mas ressaltam como esses elementos aumentavam o controle dos proprietários das fábricas sobre a vida
dos trabalhadores.
Salário Como todo o salário era pago em dinheiro, e também pelo fato de trabalharem mulheres e crianças, principalmente antes do
advento da CLT, havia uma maior circulação monetária nas vilas operárias. O salário, porém, mal era suficiente para o
orçamento básico (alimentação e taxas referentes à aluguel, água etc. nas vilas operárias).
Consumo Resumia-se ao essencial para sobrevivência. Como não se permitia cultivar roçados, a dependência em relação ao salário era
bem grande. Novas necessidades de consumo são criadas pelo próprio trabalho, como a necessidade de trabalhar com roupas
limpas e específicas no espaço da fábrica.
¹Média com base em relato de Otavio Brandão (2007, pp. 303-305) trazido por Lessa (2013, pp. 130-132)

Fonte: Lessa (2013 várias páginas); Tenório (2013 várias páginas); Documentário “Tramas da memória, urdidura do tempo” (disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Zbwcmx9fOrk); Documentário: “O comendador do povo” (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WtNUBcaxsy4).
Organização: Fernando Silva (2017)
54

Desse modo, as habitações das fábricas apresentavam condições melhores que a


grande maioria do campo, da periferia de Maceió, ou das pequenas cidades do interior
(ANDRADE, 1973 [1963], p. 123), pois além de construídas de alvenaria dispunham de
certas instalações sanitárias. Na opinião de Golbery Lessa (2013, pp. 142-143), a construção
de melhores casas “[...] tinha a função de [...] fazer o operário submeter-se ao duro regime de
trabalho fabril em troca de um teto mais bem localizado e melhor construído do que a casa da
maioria dos outros assalariados ou moradores de fazenda”. O salário era baixo, mas acima do
rural (especialmente no período pós-30) (LESSA, 2013, p. 143). Por isso, a alimentação era
deficiente e, também por depender quase totalmente do salário, se aproximava da alimentação
das populações rurais (BASTOS (2010 [1938]).
Na ausência do Estado na distribuição de bens coletivos, o resultado de lutas políticas
dos operários poderia entrar na disputa entre fábricas e usinas por mão de obra, por exemplo.
Essa disputa tem a ver com a situação diferente de pobreza nas usinas e engenhos.
A bibliografia consultada deixa claro que os inconvenientes das oscilações do preço do
açúcar no mercado externo continuaram, mas agora estavam sendo contornados pela expansão
do mercado do centro-sul (PRADO JÚNIOR, 1975; ANDRADE 1973 [1963], pp. 110-111;
RAMOS, 1991 p. 136). Dessa forma, a economia açucareira do Nordeste pôde se expandir:
até 1933 porque o Sudeste esteve mais voltado à produção do café e, depois disto, a criação
do Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA garantiu um mercado para o açúcar nordestino pela
criação de cotas estaduais. Entre as décadas de 1930 e 1950, as cotas reservadas para Alagoas
giravam na média de 11% do total nacional, sendo a segunda maior entre os estados do
Nordeste, atrás apenas da média de Pernambuco (RAMOS e PIACENTE, 2010, p. 7).
Em virtude dos conflitos entre proprietários de engenho e usineiros, que a
modernização técnica desencadeou e a garantia de preços pelo IAA agravou (ANDRADE,
1973 [1963], p. 113; HEREDIA, 1988, pp. 163-170), promulgou-se também o Estatuto da
Lavoura Canavieira - ELC em 1941 (Decreto nº 3.855 de 21 de novembro de 1941) para
normatizar as relações entre fornecedores e usineiros. Mas, “se o Estatuto protegia seriamente
o produtor agrícola, o fornecedor, ele não levava em conta, senão formalmente, a grande
massa de trabalhadores rurais, visto que, apenas em seu art. 90, lhes garantiu o direito ao
salário mínimo. Salário mínimo que nunca foi respeitado com base nesse Estatuto [...]”
(ANDRADE, 1997, p. 74).
Em síntese, podemos repetir a conclusão a que chegaram diversos estudiosos dessa
situação: garantia-se a expansão da produção açucareira nordestina sem alterar suas condições
55

técnicas dependentes dos capitais regionais5. Por outro lado, o comando político sobre as
condições de vida dos trabalhadores continuava na própria Região. Algumas consequências
desses dois processos foram apontadas por Manuel Correia de Andrade (1973 [1963] pp. 108-
109):

[...] o escravo que se viu liberto de uma hora para outra, sem nenhuma ajuda,
sem terras para cultivar, sem assistência dos governos, sentiu que a liberdade
adquirida se constituía apenas no direito de trocar de senhor na hora que lhe
aprouvesse. Transformou-se em assalariado, em “morador de condição”,
continuando a habitar choupanas de palha ou senzalas, a comer carne seca
com farinha de mandioca e a trabalhar no eito de sol a sol por um salário que
oscilava entre 400 e 600 réis.

Os estudiosos apontam ainda o papel que teve a incipiente racionalização do meio


geográfico no campo para a reprodução do chamado “sistema de morada”, originado nos
engenhos, especialmente na Região Canavieira de Alagoas (ANDRADE, 2010 [1958];
ANDRADE, 1997; HEREDIA, 1988; ALBUQUERQUE, 2003; PALMEIRA, 1977). Várias
parcelas das propriedades nos tabuleiros de São Miguel dos Campos, por exemplo, eram
consideradas impróprias para o cultivo da cana e, dessa forma, deixadas ao “morador de
condição”.6

5
Conforme a tabela a seguir, o crescimento da produção de açúcar em Alagoas foi constante. É somente na
década de 1970, porém, que a produção vai ter grande ímpeto, em função dos novos capitais disponibilizados
para o setor.
Tabela 5 – Alagoas: Evolução da produção de açúcar segundo safras selecionadas (1933/34-1987/88)
Ano/safra Produção (sacos de 60 kg)
1933/34 752.915
1943/44 1.706.789
1953/54 2.433.842
1958/59 3.629.546
1968/69 7.839.076
1973/74 22.011.169
1983/84 27.453.193
1987/88 24.879.165
Fonte: IAA apud Andrade (1997, p. 101)
Organização: Fernando Silva (2017)

6
Desse modo, nos municípios da Região Canavieira, pelo menos até 1950, o aumento na produção de cana não
impedia a manutenção de outras culturas, como a mandioca, o milho e o feijão. A partir daí o quadro começou a
mudar, conforme mostra a tabela a seguir.
Tabela 6 – Região Canavieira de Alagoas: Produção de algumas culturas (1920-1960)
Produção em tonelada 1920 1940 1950 1960*
Cana 1.121.063 1.766.734 1.771.495 3.600.913
Mandioca 94.484 111.672 141.697 104.311
56

Beatriz Heredia (1988, p. 169), estudando exatamente essa situação, aponta ainda que
as disputas entre senhores de engenho e usineiros contribuíam para aumentar o número dos
chamados “moradores de condição”. Os senhores de engenho controlavam não somente a
terra, mas também a mão de obra: se as táticas de acesso à terra por parte das usinas
envolviam a invasão de propriedades pelas ferrovias, por exemplo, o acesso à mão de obra
envolvia a reprodução do “morador de condição”. Ofertas de melhores habitações nas usinas,
melhores salários em época de escassez de mão de obra e outros elementos que faziam parte
da condição de vida do morador também entravam nessa disputa.
Portanto, no campo encontravam-se, deveras, outras situações de pobreza, em nenhum
caso menos grave.
Em 1950, conforme apresenta o quadro 3, Alagoas estava entre os estados brasileiros
com as maiores taxas de natalidade, mas também de mortalidade. Essa dinâmica, somada às
altas taxas de emigração, apresentadas na tabela 7, explicam em boa medida o porquê de,
entre 1890 e 1950, Alagoas ter tido o segundo menor crescimento populacional entre todas as
unidades da federação: 113,74%, enquanto o Brasil cresceu 262,61%. Pelas mesmas razões
explica-se o crescimento lento, e às vezes até negativo, da população economicamente ativa.
Ente 1940 e 1950, enquanto Maceió aumentava a PEA em 49,07%, os outros municípios da
Região tiveram um decréscimo de 9,38%.

Quadro 3: Síntese de alguns índices sociais de Alagoas em 1950


Índice Média Posição entre os estados brasileiros
Natalidade por 47 3ª Maior do Brasil, atrás apenas dos Estados do Ceará e Piauí
1.000*
Mortalidade por 147 2ª maior do Brasil, atrás apenas do Estado do Mato Grosso
1.000 habitantes*
Vida média (anos)* 38,4 5º menor média entre os estados do Brasil, sendo que a média
para homem é a 2º menor (36,5), atrás apenas do estado do
Mato Grosso
% de Pessoas de 10 23,65% A menor porcentagem do Brasil, sendo que entre a população
anos e mais que rural a porcentagem cai para 13,28% (a segunda pior posição
sabem ler e escrever da população rural é do Maranhão, com 16,86)
*Estimativa com base no decênio de 1/07/1940 a 30/06/1950
Fonte: BRASIL (1954 várias páginas; 1958, p. 11)
Organização: Fernando Silva (2017)

Feijão 6.075 6.050 4.445 2.414


Milho 14.857 13.310 15.306 14.420
*É preciso ressaltar que no decênio de 1950-60 foram instalados treze novos municípios na Região Canavieira de Alagoas
Fonte: BRASIL (1917; 1952; 1956; 1962)
Organização: Fernando Silva (2017)
57

Tabela 7 – Alagoas: Alguns números sobre emigração (1940-1950)


1940 1950
Saldo migratório negativo 74.773 140.575
% de natos de Alagoas fora da unidade da federação 16,81*
Número de nascidos em Alagoas vivendo em São Paulo 23.671 56.788
Número de nascidos em Alagoas vivendo em Pernambuco 43.622 60.387
*Tratava-se da 2ª maior porcentagem entre os estados brasileiros, atrás apenas do estado Rio de Janeiro.
Fonte: BRASIL (1955a; 1955b)
Organização: Fernando Silva (2017)

Na Região Canavieira, sem dúvida alguma, a pobreza se manifestava principalmente


no campo (este assunto será melhor tratado no próximo item). Em 1950, se no município da
capital apenas 13,54% dos domicílios eram rurais, e destes 39,51% tiveram a condição de
ocupação registrada como “outra condição”7, para os outros municípios da Região essas
porcentagens eram, respectivamente, de 79,28% e 79,74%. Isto quer dizer que,
provavelmente, 63,22% dos domicílios nos municípios do interior eram cedidos por
proprietários de engenhos e usinas, a maior parte no chamado “sistema de morada”. As
condições dos domicílios eram bastante precárias: 2,41% tinham energia elétrica, 1,86%
possuíam aparelho sanitário e somente 0,68% tinha água encanada (BRASIL, 1955a). Manuel
Correia de Andrade (1973 [1963], p. 123) relata que a maioria dessas casas era de palha, o
chão de terra batida e não dispunha de nenhuma instalação sanitária, o que contribuía para os
altos índices de mortalidade.
Para Milton Santos (2011 [2000], p. 54), como os processos de racionalização na
economia, na política e na sociedade eram ainda bastante limitados, a produção da riqueza e
da pobreza não podia ser imputada somente a eles. Era uma pobreza “[...] vista como
desadaptação local aos processos mais gerais de mudança, ou como inadaptação entre
condições naturais e condições sociais”, porque “a presença das técnicas, coladas ao território
ou inerentes à vida social era relativamente pouco expressiva, reduzindo, assim, a eficácia dos
processos racionalizadores porventura vigentes na vida econômica, cultural, social e política”.
Admitindo que o espaço geográfico oferece uma síntese privilegiada da incompletude
dos processos de racionalização então em curso, como compreender as soluções “[...]
privadas, assistencialistas, locais [...]” (SANTOS, 2011 [2000], p. 54) para a pobreza que,
algumas vezes, resultavam na construção de melhores habitações, escolas, ambulatórios etc.?
Visto que tais soluções eram, muitas vezes, resposta às lutas dos trabalhadores, não haveria aí
uma incipiente “racionalização por valores” (WEBER, 1999) do meio geográfico? A questão

7
Segundo a explicação metodológica do Censo (1950), abrange “outras formas de ocupação, como a cessão de
moradias a famílias de trabalhadores que freqüentemente ocorre nos meios rurais” (BRASIL, 1955a, p. XXI).
58

é complexa, porque mesmo nessas situações sobressalta o problema da estrutura da


propriedade rural. Vale reproduzir a bem conhecida opinião de Celso Furtado (1964, pp. 141-
142) sobre a condição de morador na grande propriedade:

Na grande plantação, o homem que sai ou entra em sua casa está saindo ou
entrando em uma parte da propriedade. Assim, nenhum aspecto de sua vida
escapa ao sistema de normas que disciplina sua vida de trabalhador. Dessa
maneira, a experiência da vida prática não lhe permite se desenvolver como
cidadão e se conscientizar de sua responsabilidade a respeito do seu próprio
destino. Todos os atos de sua vida são atos de um agregado, de um elemento
cuja existência, em todos os seus aspectos, integra a grande unidade
econômico-social que é a plantação de cana. Aqueles homens têm pouca ou
nenhuma consciência de integrar um município ou um distrito, que são as
formas mais rudimentares de organização política; mesmo quando suas
habitações estejam grupadas em algum vilarejo, esta se encontra dentro de
uma ‘propriedade’, razão pela qual a vinculação impessoal com uma
autoridade pública perde nitidez frente à presença ofuscante da autoridade
privada.

Neste sentido, Tereza Sales (1992, p. 6), pensando especialmente nos trabalhadores
rurais das regiões canavieiras do Nordeste, fala em “cidadania concedida”, que estaria “[...]
vinculada, contraditoriamente, à não-cidadania do homem livre e pobre, que dependia dos
favores do senhor territorial, que detinha o monopólio privado do mando, para poder usufruir
dos direitos elementares de cidadania civil”. O ajustamento da modernização à manutenção da
grande propriedade, na opinião da autora, teria prolongado esse tipo de cidadania até os anos
1960, quando ocorreu de fato a proletarização do trabalhador rural e sua expulsão das grandes
propriedades.
Mais conhecido ainda é, certamente, o conceito de “cidadania regulada” de Wanderley
dos Santos (1979, p. 75 grifos nossos), proposto para “[...] entender a política econômico-
social pós-30, assim como fazer a passagem da esfera da acumulação para a esfera da
equidade [...]”. Segundo o autor, o conceito quer expressar que no caso do Brasil são
considerados “[...] cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram
localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei” e “[...] pré-
cidadãos, assim, todos aqueles cuja ocupação a lei desconhece”. Como bem notou Tereza
Sales (1992), o peso demasiado que o conceito de “cidadania regulada” conferiu às normas
ficou evidente quando Wanderley dos Santos, em texto posterior (1985), teve de dizer que
somente a criação do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – FUNRURAL rompeu com
a ordem regulada da cidadania brasileira.
59

Não há dúvidas quanto à importância das normas, por isso, não seria de todo correto
igualar as situações das “profissões reguladas” àquelas do trabalhador rural no período pós-
30. Todavia, como construir uma “vinculação impessoal com uma autoridade pública” se
mesmo depois da regulamentação de algumas profissões a moradia e certos serviços
continuaram na propriedade ou na vila operária? Como a falta de regulação pesou (e ainda
pesa) na “ausência de cidadania” para alguns trabalhadores, e o quanto a vinculação pessoal
herdou das velhas estruturas sociais e se projetou nas políticas posteriores são questões
importantíssimas. Mas não se pode esquecer que a garantia de bens e recursos passa agora a
envolver um conjunto de objetos técnicos pensados para esse fim. Daí que o problema seja o
tipo de racionalização que se imporá ao espaço, se este terá ou não um sentido para a
sociedade.
Em síntese, podemos afirmar que uma parcela apreciável do comando sobre a
repartição da riqueza acabava por ficar na própria Região. Em outras palavras, o Estado não
assumia essa repartição na forma de bens e recursos tidos como públicos, até mesmo porque
isso envolveria um sistema de objetos técnicos conectados pela informação, desvinculados da
propriedade privada e, em alguma medida, valorizados pela sociedade.

1.4. A estrutura da propriedade no campo e a predominância da pobreza rural

A estrutura perversa da propriedade no campo, agravada pela criação de usinas


sequiosas por terra, é responsável, em larga medida, pela predominância das situações rurais
de pobreza. As condições favoráveis do mercado, a criação de ferrovias, a importação de
máquinas e equipamentos para produção e o refino do açúcar incompatíveis com a
produtividade agrícola, tudo isso contribuiu para uma maior concentração da propriedade
(ANDRADE, 1973 [1963], pp. 113-114; RAMOS, 1991).
Dos 22.276 estabelecimentos rurais que a Região Canavieira de Alagoas contabilizava
em 1950, 76,46% tinham área de menos de 10 hectares, mas ocupavam tão somente 5,70% da
área total. Por outro lado, os estabelecimentos de 500 hectares e mais, que representavam
1,86% do total, reuniam 53,57% da superfície total, isto é, mais da metade. Mesmo se
compararmos com os dados para Alagoas como um todo, a concentração mostrava-se elevada,
porque no Estado os estabelecimentos de menos de 10 hectares ocupavam uma área de 8,41%
e os proprietários dos maiores de 500 hectares possuíam 41,71% da área total (BRASIL,
1956; 1962).
60

Vasconcelos Torres (1945), em estudo realizado na década de 1940 sobre as condições


de vida dos trabalhadores do setor canavieiro, constatou que tais condições, de maneira geral,
eram expressivamente piores no Nordeste em comparação com o Sudeste. Essa diferença se
manifestava na situação das habitações, na assistência médica e escolar fornecida pelas
empresas, nos salários e na alimentação. Ainda que o estudo não tenha incluído os estados de
Alagoas e Pernambuco, as diferenças de salários entre o Nordeste e o Sudeste são reveladoras
de como estava se dando a produção e a repartição da riqueza em cada uma das regiões.
Vejamos a tabela 8.

Tabela 8 – Brasil: Média de salário diário de um trabalhador de usina em alguns Estados (1942)
Estado Nº de usinas pesquisadas Média rural (Cr$) Média industrial (Cr$)
Rio de Janeiro 10 5,35 7,8
Minas Gerais 9 4,61 6,64
São Paulo 10 6,47 10,3
Bahia 10 3,2 4,65
Sergipe 9 3,56 4,89
Fonte: Torres (1945 pp. 129-139)
Organização: Fernando Silva (2017)

Tanto no setor industrial quanto no agrícola, a média salarial de um trabalhador


paulista chegava a alcançar mais que o dobro do que era pago a um trabalhador baiano ou
sergipano. Mesmo em relação aos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais as diferenças dos
estados nordestinos são consideráveis.
Para Alagoas, a referência que conseguimos vem da pesquisa de Humberto Bastos
(2010 [1938]), realizada na segunda metade da década de 1930. Embora o intervalo entre as
duas pesquisas não nos autorize a estabelecer comparações, Humberto Bastos (2010 [1938])
constatou que o salário de um trabalhador rural alagoano na época era igual e, às vezes, até
menor do que era pago na Paraíba, Bahia e Ceará. Desse modo, é correto supor que na década
de 1940 Alagoas estivesse em condições semelhantes às da Bahia e Sergipe.
61

Tabela 9 – Alagoas: Preço da diária do trabalhador rural em alguns municípios da Região Canavieira
de Alagoas entre 1936 e 1937
Municípios Trabalhador de enxada Cortador de cana
Capela 3$000 2$500
Viçosa 2$000 2$000
Atalaia 3$000 2$500
S. José da Lage 2$500 2$500
Murici 3$000 3$000
S. Luzia do Norte 2$000 *
Porto Calvo 2$500 3$000
União dos Palmares 3$000 4$000
S. Miguel dos Campos 3$200 2$500
Porto de Pedras 2$500 2$000
*Sem informação
Fonte: Bastos (2010 [1938], pp. 104-106)
Organização: Fernando Silva (2017)

O salário variava conforme os períodos do ano, a disponibilidade de mão de obra e, até


mesmo, de acordo com o município (ainda que não de maneira expressiva, como demonstra a
tabela). Mas, no chamado “sistema de morada” o salário era somente um dos nexos de uma
relação complexa, que envolvia praticamente todos os aspectos da vida do trabalhador
(ANDRADE, 1973 [1963]; ANDRADE, 2010 [1968], pp. 134-135; PALMEIRA, 1977). A
casa, o barracão, o pedaço de terra para cultivar sintetizava na propriedade o controle das
condições de vida do morador. Neste sentido, o quadro 4 busca apresentar alguns dos
principais aspectos das situações de pobreza rurais na Região Canavieira de Alagoas no final
da década de 1930. Trata-se de uma síntese dos principais achados da pesquisa de Humberto
Bastos (2010 [1938]).
62

Quadro 4: Alguns aspectos da condição de vida do trabalhador rural na Região Canavieira de Alagoas entre 1936 e 1937 segundo pesquisa do economista
Humberto Bastos

Informações sobre a pesquisa


Amostra da pesquisa 100 famílias
Municípios da pesquisa Atalaia, Murici e União dos Palmares
Relações de trabalho
Contrato "De boca"
Condições oferecidas pelos Pequeno pedaço de terra para construção de uma casa e cultivo de algumas lavouras temporárias (milho, feijão, fava, algodão
proprietários etc.)
Retribuição exigida pelo Exclusividade do trabalho; duas semanas de trabalho no mês "de graça"
proprietário
Habitação
Características gerais da Construída de palha ou de barro (com varas e taipa), geralmente com telhado de palha
habitação
Salário
Salário médio (diário) de 3$000 (o salário varia bastante durante o ano. Para a mulher a média seria mais ou menos a metade, 1$500, e para os “menores”
um trabalhador de enxada chegaria até a menos da metade do que era paga às mulheres, ou seja, $500).
Variação do salário "É verdade também que, como varia de municipio para municipio, o valor do salário varia também de propriedade para
propriedade. Há usineiros que pagam mais e outros que pagam menos. Mesmo assim esses salarios, como é fácil imaginar, não
cobrem as despesas feitas" (p. 107).
Comparação do salário Paraíba: entre 2$800 e 3$200; Ceará: entre 2$400 e 3$000; Bahia: chega até 3$500.
médio com outros Estados
do Nordeste
Consumo
Onde compra Bodega ou barracão do engenho/usina
Preços dos principais alimentos consumidos (preços de Maceió, nos barracões de usinas e engenhos o preço seria mais elevado)
Bacalhau (kg) 3$500
Farinha de mandioca (L) $800
Café de 2ª (kg) 2$800
Assucar mascavo (kg) 1$000
Feijão (L) 1$400
Carne do ceará (kg) 3$800
Outros consumos Roupa (chita, madapolão e o brim ordinário)
Alimento das crianças Mingau e garapa de açúcar bruto
Principais consequências da pobreza
Como faz em tempo de Acumula dívida na bodega ou no barracão; “se vira” com suas pequenas produções
diminuição do trabalho no
engenho/usina
Medidas tomadas para Principalmente emigram. Bastos constatou que em 1937 cerca de 300 famílias de uma fazenda de Murici haviam embarcado
lutar contra a pobreza para São Paulo
(trabalhadores)
Medidas tomadas para Aumento temporário do salário (“Em 1937, porém, com a diminuição assustadora do trabalhador rural, houve usineiro que
perpetuar a pobreza dos elevou o salário para 6$000 e até 7$000 diarios. Passado o susto, a diaria desceu para a quantia normal e antiga” (p. 103));
trabalhadores "prender" o trabalhador à propriedade por meio de dívidas no barracão.
(proprietários)
Principais conclusões da pesquisa
Relações de trabalho e “Si viver 50 anos trabalhará por todo esse tempo duas semanas por mês sem receber um tostão. E não ha horario. O relogio é o
habitação sol. Principia a tarefa ás 6 horas da manhã e termina ás 6 horas da tarde”. “[...] o proprietario teve trabalho sem dispender um
tostão [...] e continúa dono do pedaço de terra que “deu” ao caboclo... Está aí um detalhe do modo de viver do camponês” (pp.
94-95).
Salário “Um homem com a diaria de 3$000 como organizará êste orçamento?” (p. 96).
Consumo “Os mais energicos emigram. O que fica é um bagaço, osso de gente. Que será das novas gerações dos campos? Respondam os
estudiosos” (p. 98).

Fonte: Bastos (2010 [1938], pp. 93-110)


Organização: Fernando Silva (2017)
63

Como já mencionado no item anterior, as habitações apresentavam instalações


sanitárias desalentadoras, “[...] sendo os rios utilizados para o banho e as touceiras de mato
mais compactas, para o atendimento das necessidades fisiológicas” (ANDRADE, 1973 [1963]
p. 123). O salário era insuficiente até para uma alimentação de fome (CASTRO, 1961 [1946],
p. 49 e seguintes). Mesmo com o trabalho no roçado desenvolvido junto com a família, não
era possível sair dessa dieta de fome, e os outros consumos que porventura apareciam, como
no caso de vestimentas em épocas festivas, eram por demais restritos (BASTOS, 2010 [1938],
pp. 93-110).
Em períodos de aumento da emigração, “em um grande número de municípios
pernambucanos e alagoanos é com incrível procura que se consegue obter trabalhadores para
a faina rural. Os salários das bases militares e das fábricas de tecidos são mais elevados e as
perspectivas de melhores condições de vida são tentadoras” (TORRES, 1945, p. 40). Como
relatou Moreno Brandão (1936, p. 20 apud CARVALHO, 2015, p. 197):

A vida dos camponeses no interior de Alagoas explica essas diásporas


quotidianas. Como os operários rurais nem sempre se deixam submeter à
escravidão, nem vergar a cabeça às espoliações e aos ultrajes de que são
vítimas, emigram para a metrópole, em procura de melhorias que raros
encontram.

Dessa forma, restava ao trabalhador que pretendesse sair da condição de morador


poucas opções: trabalhar nos engenhos e usinas mas morar nas pequenas cidades do interior,
“onde não recebem qualquer assistência dos proprietários rurais [...]” (ANDRADE, 2010
[1968], p. 134) nem muito menos do Estado, ou migrar para Maceió ou para fora do estado.
Porém, fortemente condicionado pelas velhas estruturas sociais, o “sistema de morada”
prendia o trabalhador à propriedade por meio de dívidas e de repressão e, frequentemente,
essa “liberdade” de emigrar não estava à disposição de todos (ANDRADE, 1973 [1963], pp.
126-127; HEREDIA, 1988, p. 122).
64

CAPÍTULO 2: A pobreza na Região Canavieira de Alagoas como Espaço Dividido


(1946-1980)

“Parece ser essencial distinguir atividade de ação. Pode-se dizer, sem a


análise do discurso, que existe um sistema de atividades, que está articulado
a um sistema técnico.
Todavia, isto é diferente da ação – a ação envolve sentido, envolve
desígnio”
Ana Clara Torres Ribeiro. Teorias da ação. (2014, pp. 78/183).

“O modelo político e o modelo cívico foram instrumentais ao modelo


econômico”.
Milton Santos. O espaço do cidadão. 2007 [1987] (p. 15).

N
o período pós-Segunda Guerra Mundial a pobreza terminou por ser, novamente,
uma das mais claras expressões dos novos processos de racionalização impostos à
sociedade e ao espaço na Região Canavieira de Alagoas. Às migrações, mais
volumosas e violentas, e ao crescimento populacional de Maceió, muito mais acelerado que
no período anterior, junta-se o crescimento, ainda que relativamente lento, de várias cidades
do interior. Assim, a pobreza se agrava tanto na capital como em um elenco de pequenas
cidades da Região. Em ambas as situações condicionadas pela perpetuação de uma estrutura
injusta da propriedade no campo, as cidades são chamadas a se adaptarem, não sem conflitos,
às formas de ocupação do espaço urbano possíveis a populações de baixíssimos rendimentos.
Isto somado à sazonalidade do trabalho nas usinas fazem avultar as formas de produção,
circulação e consumo dessas mesmas populações. As novas e velhas formas de manifestação
da pobreza são, desse modo, resultado do novo conteúdo social e geográfico da Região.
A maior dependência da produção açucareira alagoana do mercado interno, já desde as
primeiras décadas do século XX, aliada à pouca expressividade das ferrovias na Região,
requisitaram melhoras nos meios de transporte. Essas melhoras tornaram-se ainda mais
urgentes a partir das restrições impostas à navegação pela Segunda Guerra Mundial
(ANDRADE NETO, 1984, pp. 70-72). Mas, quando a circulação de mercadorias foi
facilitada, logo evidenciaram-se as fragilidades técnicas da produção regional e, desse modo,
novas racionalidades foram exigidas tanto na produção como nas relações sociais entre
usineiros e trabalhadores.
65

Dessa forma, alarga-se a demanda por racionalidades. Essa demanda seria doravante
um dos principais nexos das relações entre os velhos e os novos sistemas de objetos e sistema
de ações. As novas racionalidades impostas ao meio geográfico regional possibilitaram a
ampliação sem precedentes da escala de produção das usinas, a exploração dos recursos
minerais da Região (especialmente sal-gema e calcário) e, com isso, avolumou-se a riqueza
produzida. Mas, o comando político sobre a distribuição social e espacial dessa riqueza passa
a escapar cada vez mais da Região, o que se reflete no esgotamento do “sistema de morada”,
no novo papel assumido pela rede urbana regional etc. A questão seria, então, como, quem e
de que forma se reparte a riqueza.
Essa questão, no contexto da crescente integração da Região Canavieira de Alagoas ao
mercado e ao território brasileiros (ANDRADE, 1997, p. 79 e seguintes; FURTADO, 2005
[1959]; SANTOS e SILVEIRA, 2011 [2011]), torna-se, sobretudo, política (FERNANDES,
1975, p. 13; BRANDÃO, 2004, p. 53; RAMOS, 1991). O Estado nacional acaba assumindo a
distribuição de alguns bens, serviços e recursos, tanto para conciliar os conflitos entre as
diversas produções regionais de açúcar, como para conciliar os conflitos entre usineiros e
trabalhadores. Isto ocorreu ao mesmo tempo em que esse Estado estava ocupado em viabilizar
uma racionalização do território brasileiro a partir de sistemas técnicos externos. Essa
racionalização se torna um convite, ora tácito ora explícito, à transferência de uma parcela do
comando sobre a vida regional para agentes externos privados.
Estaríamos em face de uma nova forma de penetração do capital internacional nos
países pobres (SANTOS, 2003 [1979], p. 29; IANNI, 1977, p. 276), que por ocorrer com a
colaboração do Estado deforma não só a estrutura da produção e do consumo, mas também
condiciona de inúmeras maneiras a oferta de recursos, bens e serviços coletivos (SANTOS,
2007 [1987]). O resultado é a formação de dois circuitos da economia nas cidades, o circuito
superior e o circuito inferior da economia urbana (SANTOS, 2008 [1975]). Embora estejam
ligados entre si através de relações de complementariedade e de concorrência, cada um dos
circuitos tem lógicas próprias e se relaciona de maneira particular com o Estado, com a
sociedade e com a cidade. No circuito superior, onde o consumo é movido pelas camadas
sociais de altos ingressos, as atividades econômicas são desenvolvidas com altos graus de
técnica, capital e organização, geralmente com o apoio do Estado. Por outro lado, as
atividades do circuito inferior são realizados com baixos níveis de técnica, capital e
organização, e sobrevivem apoiadas na dinâmica societária e nos níveis de consumo dos mais
empobrecidos da cidade. Esta, então, pode ser compreendida como um verdadeiro “Espaço
66

Dividido”, evidenciado muito fortemente pela ausência de direitos sociais por parte da
população vinculada ao subsistema inferior da economia urbana.
Altera-se profundamente a dialética pretérita entre Estado – mercado e interno –
externo (SANTOS, 1997 [1988], pp. 95-101). Essa dialética se torna mais complexa, porque
mesmo no caso dos objetos e normas que atendem às solicitações políticas regionais
(inclusive dos trabalhadores do setor canavieiro), uma parte do comando político e das ações
que eles autorizam escapam ao controle da Região. Em outras palavras, as normas e os
objetos técnicos externos implantados localmente podem ter ou, no caso de representarem
interesses alheios, buscam impor um sentido à Região, mesmo que a sociedade local não os
tenha produzido nem os controle totalmente.
Se os novos objetos técnicos implantados na Região Canavieira de Alagoas, ainda que
muito restritos a alguns pontos, possibilitam um comando político por agentes externos, é
possível falar que pelos menos uma parcela do subsistema de objetos e ações locais coopera
com um sentido alheio. Mas, como pensar aqueles bens garantidos pelo Estado que resultam,
inclusive, de lutas políticas de trabalhadores, por exemplo? Esse Estado Ampliado
(GRAMSCI, 1978, p. 232) não envolveria agora, para garantir o resultado de tais lutas
políticas, vários sistemas técnicos que se misturariam ao aparato de dominação e às
instituições políticas?
Daí que uma possibilidade bastante fecunda de pensar as novas relações interno-
externo e Estado-mercado esteja na proposta do acontecer solidário apresentada por Milton
Santos (2009 [1996]). Trata-se de analisar o processo espacial a partir das qualidades dos
sistemas de ações e de objetos contemporâneos, racionalizados sob o capitalismo.
67

2.1. A integração da Região Canavieira de Alagoas ao território nacional e sua nova


constituição como um acontecer homólogo

Aproximadamente a partir de 1945, a pobreza na Região Canavieira de Alagoas vai


deixando cada vez mais de constituir situações locais. Defendemos que entre as principais
causas responsáveis por isso estaria o fato de que o sistema de objetos e de ações que
cooperam localmente não mais teriam sua regulação e seu sentido dados somente por agentes
regionais.
Os mais de 180 quilômetros de ferrovias que subiram os vales açucareiros dos rios
Mundaú e Paraíba do Meio, o telégrafo e o porto de Maceió estabeleceram uma solidariedade
técnica restrita, acelerando a temporalidade da circulação somente entre algumas frações da
Região Canavieira alagoana. A disposição desses sistemas técnicos, resultado de disputas
regionais, logo revelou-se não somente insuficiente, mas também limitada para uma produção
açucareira que buscava cada vez mais se inserir no mercado interno, ainda que funcionasse
como proteção para outras produções regionais, como é o caso da produção têxtil por
exemplo.
Segundo explica Joaquim de Andrade Neto (1984, pp. 70-72), a Segunda Guerra
Mundial impôs restrições à exportação do açúcar alagoano para o Sudeste pelo mar. Isto levou
o Instituto do Açúcar e do Álcool - IAA a autorizar a instalação de novas usinas no Sudeste, o
que para Pedro Ramos (1991, pp. 145-146) acabaria por levar ao fracasso definitivo a
tentativa desse Instituto de equilibrar produções açucareiras regionais tão díspares sem
considerar os conteúdos técnicos, econômicos e políticos dessas disparidades. Desfrutando de
condições técnicas e políticas mais favoráveis e de um contexto social menos conflituoso, a
produção paulista passou a se desenvolver impulsionada por um mercado contíguo e
volumoso, alavancando consigo a produção de equipamentos para usinas e influenciando a
produção de normas pelo IAA.
Para Milton Santos (2009 [1996]), à medida que as técnicas resultam em objetos
técnicos, e estes vão sendo acoplados ao meio geográfico, elas mesmas podem também ser
consideradas um meio. Mesmo que tais objetos funcionem em estreita harmonia com objetos
herdados da natureza (como no caso de muitas usinas e engenhos em Alagoas que tiveram de
continuar transportando seu açúcar por rios, ou por outros meios até a estação ferroviária mais
próxima), o importante é levar em conta as formas de cooperação que o novo meio,
incompletamente realizado, autoriza ou não.
68

Pensando dessa maneira, podemos dizer para a situação em análise que a configuração
territorial (SANTOS, 1997 [1988], p. 75), isto é, a disposição do conjunto de objetos
existentes estava se impondo como uma verdadeira limitação às normas oficiais emitidas pelo
IAA. Isso não só indicava que novas normas jurídicas precisavam ser formuladas por essa
instituição para possibilitar, em alguma medida, o funcionamento concertado entre
subsistemas de ações de diversas regiões (como foi, aliás, a medida imediata tomada pelo
IAA); indicava mesmo a impossibilidade de alcançar um “desenvolvimento equilibrado”
diante de heranças sociais, culturais, econômicas e técnicas tão desiguais (RAMOS, 1991, p.
145).
Aprofunda-se, desse modo, a necessidade de uma maior integração da Região
Canavieira de Alagoas ao território nacional, para além da circulação de mercadorias e da
equiparação de normas (ANDRADE, 1997, pp. 53-76; IANNI, 1977, pp. 23-24; RAMOS,
1991). As complementaridades econômicas e políticas que essa Região já estabelecia,
principalmente com os estados do Sudeste, passam a exigir, cada vez mais, o funcionamento
concertado entre os sistemas de objetos e o sistema de ações (o que envolveria a articulação
crescente entre as normas e as técnicas) (ANDRADE, 1997; RAMOS, 1991).
Novas racionalidades terminariam por se impor ao meio geográfico regional com a
implantação de objetos técnicos aptos a assegurar o movimento mais rápido de pessoas e
mercadorias, assim como a circulação instantânea de informações por voz e texto. Agora
amparados por uma verdadeira “tecnoestrutura estatal” (IANNI, 1977, p. 25), que faz
convergir uma unicidade técnica, normativa e organizacional, e cujo nexo político-ideológico
é a ideia de desenvolvimento (SANTOS, 2003 [1979], p. 29), as rodovias, as linhas de
transmissão de energia elétrica partindo de Paulo Afonso, o novo sistema de telefonia e o
telex vêm juntar-se às ferrovias e ao telégrafo. Numa Região tão pobre, como seria orientada a
implantação de tais sistemas técnicos? A que tipo de cooperações econômicas e sociais
serviriam e quem comandaria os sentidos de tal cooperação?
Consideradas por Manuel Correia de Andrade (1981) como pré-requisitos para a
integração da economia do Nordeste às demais regiões brasileiras, as rodovias federais
reorientaram a circulação de pessoas e mercadorias na Região Canavieira de Alagoas a partir
da década de 1950. Viabilizadas pelo Departamento Nacional de Estradas e Rodagem –
DNER e impulsionadas principalmente pelo Plano de Reaparelhamento Econômico (1951-
1954) e pelo Plano de Metas (1956-1961) (IANNI, 1977, p. 153; XAVIER, 2011 [2001], p.
334), as rodovias BR – 101 (antiga BR – 11) e BR – 104 (antiga BR 10) cortaram a Região no
69

sentido norte-sul, revelando no seu próprio traçado os objetivos geopolíticos do Estado


nacional.
Assim, no final de 1950 Alagoas já acusava 205 km de rodovias federais
pavimentadas, sendo quase metade na sua Região Canavieira. Essa cifra aumentou
modestamente para 254 km em 1969, saltou para 571 km em 1979 e atingiu 735 km no fim da
década de 1980 (BRASIL, 1970; 1980; 1990). Foram contempladas pelas rodovias algumas
velhas cidades açucareiras como Maceió, São Miguel dos Campos, Pilar, Rio Largo, Murici,
União dos Palmares e São José da Laje, assim como novas cidades surgiram ao longo das BR
– 101 e 104, como Teotônio Vilela, Joaquim Gomes, Novo Lino, Branquinha e Messias.
Se com a criação do Departamento de Viação e Obras Públicas em 1924 já se começa
a construir várias rodovias estaduais em Alagoas seguindo as especificações técnicas do
Ministério da Viação e Obras Públicas (SANT’ANA, 1970, pp. 312-313), é somente com o
impulso dado pelo Programa de Ação Governamental Integrada (1969-1971) e pelo Plano
Estadual de Desenvolvimento (1972-1975), agora com a viabilização técnico-organizacional
do Departamento de Estradas e Rodagem – DER (1966) e o apoio financeiro da
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, que grande parte dessas
rodovias ganha pavimentação (CABRAL, 2005, pp. 50-67). Assim, enquanto em 1969 havia
apenas 73 km de rodovias estaduais pavimentadas, do total de 2.273 km, esses números eram
respectivamente de 778 km e 1.964 km em 1979, e em 1989 Alagoas atingiu 1.231 km de
rodovias estaduais pavimentadas (BRASIL, 1970; 1980; 1990).
Essa nova possibilidade aberta à circulação era, no entanto, restrita, porque as estradas
municipais, apesar de constituírem ao final da década de 1980 77% dos 12.902 km de
rodovias que integravam o estado, tinham apenas 49 km do seu total com pavimentação.
Dessa forma, em larga medida as rodovias contribuíram para perpetuar a fraca articulação
entre as cidades da Região.
70

Mapa 3 – Região Canavieira de Alagoas: Principais rodovias por década de conclusão da


pavimentação

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Para Luiz Cabral (2005, p. 62), as rodovias visavam beneficiar principalmente o setor
sucroalcooleiro, que necessitava escoar sua produção. Isto é verdade especialmente para o
caso dos municípios açucareiros da porção norte, como Porto Calvo, Maragogi, São Luís do
Quitunde etc., que não tinham sido contemplados pelo traçado das ferrovias. Mas, não se
pode, de forma alguma, equiparar essa situação ao que se passou no caso das ferrovias, já que
as rodovias autorizam acontecimentos que escapavam ao comando da Região (CORRÊA,
1992, pp. 108-110).
71

Os objetos técnicos que seriam acoplados ao meio geográfico da Região Canavieira de


Alagoas a partir do decênio de 1950 para transmissão de energia elétrica também terminariam
modificando as relações pretéritas entre o interno e o externo que sustentavam o edifício
regional. Se o acesso à energia podia até então ser considerado um dos elementos principais
na concorrência local entre as fábricas têxteis e entre as usinas, já que as próprias empresas
produziam eletricidade (LESSA, 2013, p. 113; ANDRADE, 1997), doravante esse mesmo
acesso não garantiria vantagens importantes, porque agentes externos à Região também
poderiam utilizar tal eletricidade.
A criação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) em 1945, assim
como da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (ELETROBRÁS) em 1961, completa, ao lado da
Companhia de Eletricidade de Alagoas (1961)8, o novo aparato normativo-institucional
necessário à integração de Alagoas ao sistema elétrico nacional (IANNI, 1977, p. 122;
CABRAL, 2005, p. 49).
Assim, se até o início da década de 1960 a oferta de energia elétrica nas cidades
alagoanas estava praticamente restrita a Maceió, através da Companhia Força e Luz Nordeste
do Brasil (CFLNB), empresa concessionária da American Foreign Power (AMFORP), ao
final dessa mesma década a energia elétrica estava disponível em todos os centros urbanos do
estado9. Tal rapidez foi viabilizada pelo Plano de Eletrificação do Estado de Alagoas (1959),
que encanava os anseios de industrialização que passou a guiar a construção de planos
estaduais para o setor elétrico, e não seria possível se a SUDENDE não tivesse entrado com
mais de 70% dos recursos (CABRAL, 2005, p. 36).
Cortando algumas porções do norte do estado de Alagoas no sentido leste – oeste,
partiu da Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso uma Linha de Transmissão (LT) de 230 KV.
Garantiu-se a transmissão graças, ainda, à solidariedade técnica de treze subestações de 69 /
13.8 KV. Nove dessas subestações localizavam-se em municípios da Região Canavieira, a
saber: Maceió, Rio Largo, Viçosa, Capela, Atalaia, União dos Palmares, Matriz de
Camaragibe, Pilar e São Miguel dos Campos. A potência instalada na subestação de Maceió
representava, ao longo da década de 1970, cerca de 30% do total estadual e cerca de 40% do
total da Região Canavieira (GOVERNO DO ESTADO DE ALAGOAS, 1975, pp. 180-182).
Desse modo, estamos diante de uma divisão do trabalho fortemente condicionada pela
rigidez dos sistemas técnicos elencados pelo Estado para produção, distribuição e transmissão

8
Em 1983 passou à denominação de Companhia Energética de Alagoas – CEAL.

9
Vide reportagem “Alagoas Eletrificada”. Jornal de Alagoas – Quarta Feira, 7 de maio de 1970.
72

de energia elétrica, que coloca a Região Canavieira de Alagoas numa cooperação


praticamente obrigatória com outros subespaços nacionais (SANTOS e SILVEIRA, 2011
[2001], pp. 53-66). Ao mesmo tempo, o papel assumido pela CEAL na subtransmissão e
distribuição, comprando e revendendo energia da CHESF, possibilita a permanência nas mãos
de agentes regionais (especialmente do setor açucareiro) de certo comando político do setor
(CARVALHO, 2009, p. 53; MESTRE, 2015, p. 93).
No que se refere às novas possibilidades que o meio geográfico regional acabaria por
oferecer aos sistemas de ações externos, merecem destaque, sem dúvida alguma, os objetos
técnicos para comunicação à distância e circulação da informação em forma de texto. A partir
dos anos 1970, tais técnicas participariam “[...] vigorosamente do jogo entre separação
material das atividades e unificação organizacional dos comandos” (SANTOS e SILVEIRA,
2011 [2001], p. 67).
Invenção da década de 1870 (invenção de Bell em 1876), e introduzido no Brasil em
1883, o telefone começa sua história na Região Canavieira de Alagoas em 1927, quando foi
inaugurada a telefonia em Maceió. A partir daí a telefonia local evoluiu por aproximadamente
quatro décadas de maneira lenta e desconexa nas principais cidades da Região, como Maceió,
São Miguel dos Campos e União dos Palmares (CARVALHO, 2015, p. 197; MINISTÉRIO
DO INTERIOR, 1971, p. 48; MINISTÉRIO DO INTERIOR, 1972, p. 27). As primeiras
possibilidades de conexão desses sistemas locais seriam abertas pela criação da Companhia
Telefônica de Alagoas - CTA (1958), mas daí em diante já estamos em face da integração da
telefonia alagoana ao sistema nacional.
Dessa forma, colaborando com os esforços do Conselho Nacional de
Telecomunicações – CONTEL (1961), através do Ministério das Comunicações (1967), a
CTA elaborou no final da década de 1960 o Projeto de Telecomunicações do Estado de
Alagoas, ativando com ele o sistema interurbano entre algumas cidades do estado (BARROS,
2005, p. 37)10. Em abril de 1970, antes mesmo de completar a execução desse Projeto, foi
inaugurada a conexão dos canais da CTA com o tronco de micro-ondas Norte/Nordeste da
Empresa Brasileira de Telecomunicações S. A. – EMBRATEL (1962). Assim, enquanto
muitas cidades do interior da Região Canavieira ainda estavam sendo incorporadas lentamente
ao sistema interurbano, Maceió já se ligava ao Sistema de Discagem Direta – DDD. A
transformação da EMBRATEL (em 1972) e da CTA (em 1973), que passou a denominar-se
Telecomunicações de Alagoas S. A. – TELASA, em subsidiárias da Telecomunicações

10
Vide reportagem “Projeto de Telecomunicações do Estado”. Jornal de Alagoas – Quarta Feira, 8 de abril de
1970.
73

Brasileiras S. A – TELEBRÁS (1972) completou o aparato normativo-organizacional


necessário à circulação rápida de voz entre a Região Canavieira de Alagoas e as demais.
O número de telefones instalados em Alagoas passa de 7.100 em 1970 para 72.434 em
1991. No mesmo intervalo, a relação do número de habitantes para cada telefone passou de
223,67 para 34,71. O maior crescimento foi entre 1970-80, quando a relação
habitantes/telefone despencou de 223,67 para 46,35. Em todo o período a disponibilidade de
telefones permanece bem abaixo da média brasileira e nordestina, que iniciam a década de
1990, respectivamente, com cerca de 10 e de 15 habitantes por telefone (BRASIL, 1970;
1980; 1992). A situação é agravada em Alagoas porque, embora inicialmente as diferenças
entre a capital e o interior tenham diminuído, Maceió sempre concentrou entre 60% e 70% do
total de telefones instalados.
A participação de Alagoas no novo aparato normativo-organizacional para as
telecomunicações teve como uma das principais consequências a diminuição do lapso de
tempo entre a chegada de uma nova técnica nas regiões mais industrializadas do País e na
Região Canavieira alagoana. Desse modo, o telex, que chegou ao Brasil em 1957, foi
instalado em Maceió já em 1971 (GOVERNO DO ESTADO DE ALAGOAS, 1975, p. 196).
Com a conexão dos terminais de Maceió à Rede Nacional de Telex, criada em 1973
pela Embratel (SANTOS e SILVEIRA, 2011 [2001], p. 67), estariam abertas as possibilidades
político-geográficas para que empresas sediadas nos diversos estados do Brasil ou no
estrangeiro que se instalassem na Região fizessem circular facilmente documentos com suas
respectivas sedes. Por isso, na opinião de Helena Kohn Cordeiro e Denise Aparecida Bovo
(1990, p. 108), como “[...] o telex é usado quase que exclusivamente para negócios”, diferente
do que ocorre com o telégrafo e o telefone, ele “abre o espaço regional às influências
exógenas, reduzindo sua autonomia”.
Em 1975, na Região Canavieira de Alagoas, havia terminais de telex ativados somente
em Maceió. Revelando uma tendência nacional de aumento do número de terminais nas
pequenas cidades, sobretudo no Nordeste, no ano de 1986 mais seis cidades haviam sido
contempladas: União dos Palmares, Rio Largo, Murici, Matriz de Camaragibe, Porto Calvo e
São Miguel dos Campos. Nestas últimas cidades, todos os terminais estavam conectados a
centrais locais e, desse modo, realizavam chamadas por meio da central de comutação da
capital. Mas, mesmo em Maceió tratava-se de uma central sem trânsito, que necessitava de
Recife para transmitir e receber mensagens escritas para outros pontos do território brasileiro
(CORDEIRO; BOVO, 1990, p. 117).
74

Em síntese, podemos afirmar que o novo meio geográfico regional estaria apto a
assegurar novas complementaridades locais campo-cidade e mesmo entre as próprias cidades
(ainda que de forma mais restrita), o que, em larga medida, terminaria atendendo às
necessidades dos usineiros da Região. Mas, ao mesmo tempo, novas possibilidades foram
abertas aos sistemas de ações externos, ou seja, estavam dadas as condições para que tais
sistemas se concretizassem localmente com certa precisão.
No limite, diríamos que estamos na presença da imposição/adoção sistemática de um
parâmetro externo não somente no âmbito da economia, da política, da sociedade, mas do
próprio espaço geográfico (PRADO JÚNIOR, 1975; FLORESTAN, 1975; SANTOS, 2008
[1975], pp. 293-305; SOUZA, 2000; BRANDÃO, 2004, pp. 85-86). Isto significa que
doravante não seriam apenas as populações que não se sujeitassem/acompanhassem o
parâmetro ocidental que empobreceriam (SOUZA, 2000, p. 266), mas os próprios lugares e
regiões estruturados por tais populações terminariam por ser desvalorizados e, portanto,
conheceriam situações de pobreza.
Por essas razões, as racionalizações impostas ao meio geográfico da Região
Canavieira de Alagoas podem ser vistas, ao mesmo tempo, como causa e consequência da
exigência de novas racionalidades na economia, na política e na sociedade.
Dependentes de uma matéria-prima oriunda de produtores que haviam incorporado
diferentes graus de técnica ao processo agrícola, estando o cultivo na maioria das situações
ainda sujeito aos tempos da natureza, e dependentes também dos esporádicos crescimentos do
mercado externo para expandir a produção, as fábricas têxteis se veem agora diante da
exigência de um novo patamar técnico-organizacional na produção (ANDRADE, 1973
[1963], p. 102; LESSA, 2013, p. 179; TENÓRIO, 2013). Desse modo, as condições regionais
que haviam num momento anterior assegurado o baixo custo da produção, a partir da segunda
metade do século XX vão se colocar como um verdadeiro empecilho à adaptação das fábricas
têxteis (OLIVEIRA, 1993, p. 47). Ainda que as relações de trabalho na indústria já tivessem
sido reguladas antes disso, até então na equação de lucros das empresas ainda continuava a
pesar bastante fatores ligados às especificidades regionais.
Com a constituição de um mercado propriamente nacional, momento a partir do qual a
organização da produção e do trabalho vigente no Sudeste do País passa a servir como
parâmetro para as demais regiões, assiste-se, então, à decadência da indústria têxtil e da
produção de algodão em Alagoas. O número de pessoas ocupadas nos estabelecimentos
industriais desse setor no estado despencou de 8.714 em 1960 para 2.669 em 1980 (BRASIL,
1960; 1984). As populações das vilas operárias agora habitariam especialmente as cidades da
75

Região Canavieira (TENÓRIO, 2013, p. 73). Tudo isso ocorre em meio a disputas políticas
regionais entre agentes do setor canavieiro e do têxtil (TENÓRIO, 1995), mas está claro que a
questão de fundo não é preponderantemente setorial. Trata-se de uma questão socioespacial.
Por isso, a demanda por racionalidades acabaria transformando também as situações de
pobreza no campo.
Segundo Joaquim de Andrade Neto (1984, p. 82), no pós-Segunda Guerra Mundial a
expansão dos preços do açúcar no mercado internacional e as facilidades trazidas às usinas
pelas estradas levaram à expansão da área cultivada de cana em Alagoas, “[...] medida que se
traduziu na tomada do sítio ao trabalhador ou na substancial diminuição dos mesmos [...]”. Os
tabuleiros, antes considerados impróprios para o cultivo da cana, passariam a ser a principal
área de expansão canavieira e, quando houvesse recursos financeiros, tal fato alteraria
profundamente a geografia do entorno de São Miguel dos Campos. Tinha ganhado impulso,
então, um gradativo processo de proletarização do trabalhador rural, porque à proporção que
“[...] a área cultivada com cana vai aumentando e os proprietários não só restringem os sítios
dos moradores, tirando-lhes as áreas mais favoráveis, como exigem dos mesmos cinco ou seis
dias de serviço por semana nos seus canaviais, o que impede os trabalhadores de cuidarem
dos seus roçados” (ANDRADE, 1973 [1963], p. 123).
Mas, não apenas isso contribuiria para transformar as velhas relações sociais na qual
originou-se a “cidadania concedida” (SALES, 1992). A construção das rodovias federais e a
expansão da produção no Sudeste não tardaram a revelar as deficiências técnicas do processo
agrícola em Alagoas, assim como as “irracionalidades” econômicas do chamado “sistema de
morada” (PALMEIRA, 1977; ANDRADE, 1973 [1963]). Dessa forma, na leitura dos
usineiros alagoanos duas principais medidas seriam necessárias: 1) aprimorar os diversos
aspectos do processo agrícola (aproveitamento do solo, planejamento das safras, etc.); e 2)
evitar “[...] as táticas oficiais, que, manhosamente, vão transferindo para a alçada das
empresas, certas obrigações de caráter marcadamente sociais, escusando-se o poder público
de exercitar a sua função tutelar, para exigi-la de entidades de finalidade econômica,
impróprias, portanto, para essa atuação” (LOUREIRO, 1970, p. 34).
Os trabalhadores/moradores passam a ser expulsos das propriedades e, desse modo,
intensificam-se os conflitos. Para Joaquim de Andrade Neto (1984, pp. 84-86), esse processo,
que na Região Canavieira de Alagoas foi maior do que em Pernambuco, teve três
consequências principais: 1) diminuição expressiva da oferta de alimento nas cidades; 2)
crescimento dos pequenos centros urbanos da Região, pois estes passaram a abrigar os
76

trabalhadores das usinas; e 3) diminuição expressiva dos padrões de alimentação do


trabalhador, que agora dependeriam exclusivamente do salário.
Buscando apresentar algumas das principais implicações das novas racionalizações do
meio geográfico regional para o fenômeno da pobreza, o quadro 5 traz uma síntese da
pesquisa “Situação sócioeconômica em áreas da zona canavieira de Pernambuco e Alagôas”
(AZEVÊDO, CALDAS E CHACON, 1972), coordenada pelo Instituto Joaquim Nabuco de
Pesquisas Sociais. Os dados de campo da pesquisa foram coletados no início da década de
1970, momento oportuno para perceber como a pobreza estava se transformando, e em
Alagoas foram investigadas as condições de vida de trabalhadores/moradores dos setores
industrial e agrícola de três usinas. Além dos aspectos “relações de trabalho”, “habitação”,
“rendimentos” e “consumo” já pontuados nos quadros anteriores (quadros 2 e 4), incluímos
também a “previdência social”, que constitui a principal novidade do período.
77

Quadro 5: alguns aspectos da condição de vida do trabalhador/morador na Região Canavieira de Alagoas a partir de três usinas em 1971, segundo pesquisa do
Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais
Informações sobre a pesquisa
Amostra da pesquisa 838 famílias, sendo 660 chefiadas por trabalhadores do setor agrícola e 178
chefiadas por trabalhadores do setor industrial
Usinas que serviram de amostra para a pesquisa Usina Cachoeira do Mirim (município de Maceió); usina Conceição do Peixe
(município de Flexeiras) e usina Santo Antonio (município de São Luís do
Quitunde)
Relações de trabalho
Contrato A maioria era regido pelo Estatuto do Trabalhador Rural
Condições oferecidas pelos proprietários Habitação, assistência médica, auxílios e donativos e, às vezes, possibilidade
de cultivar alimentos (p. 132).
Habitação
Regime de ocupação Mais de 99% das habitações eram cedidas
Estado de conservação Mais de 73% das habitações estavam mal conservadas
Material do piso, parede e cobertura Cerca de 70% das habitações tinham piso de chão batido; 81% tinham parede
de taipa e 71% eram cobertas de telha (mas ainda existia mais de 27%
cobertas de palha, sobretudo dos trabalhadores do setor agrícola).
Esgoto e procedência da água 77% das casas dispunham apenas do “mato” para necessidades fisiológicas
dos moradores e 58% utilizavam água do rio.
Rendimentos
Renda per capita (Cr$) A renda familiar média per capita era de Cr$ 38,29, sendo de Cr$ 50,46 para
os trabalhadores do setor industrial e Cr$ 34,57 para os trabalhadores do setor
industrial
Consumo
Principais gêneros alimentícios consumidos
Farinha
Banana
Açúcar
Café
Feijão
Laranja
Xarque
Pão
% dos rendimentos gastos com alimentação Em média 73,26% da renda era destinada à aquisição de alimentos, média que
chegava a 76,5% no caso dos trabalhadores do setor agrícola e caía para
67,3% no caso dos trabalhadores do setor industrial. Vale registrar que entre
as menores faixas de renda per capita (em média Cr$ 8,25) os gastos com
alimentação ultrapassavam os 100%.
Previdência social
Contribuição para o INPS (especialmente FUNRURAL) Em torno de 98% dos trabalhadores industriais e 62% dos trabalhadores
agrícolas contribuíam para a previdência. “A quase totalidade dos
trabalhadores, em ambas as áreas, contribui porém para o INPS, através do
FUNRURAL” (p. 172).
Principais consequências da pobreza
Principais medidas que os trabalhadores pretendem tomar contra a pobreza “A maioria veio de perto, porque não dispõe de condições para pretender ir
longe, almejando em geral a próxima cidade de Maceió como sua provável
esperança de êxodo, ficando o próprio Recife numa posição muito inferior,
apesar da distância não ser grande, nem os transportes difíceis” (p. 178).
“Com seu baixo nível de qualificação, suas aspirações de mobilidade vertical
surgem também precárias: a quase totalidade não deseja mudar de profissão,
até quando ela se apresenta a mais desqualificada possível, no manuseio
primitivo da terra. São poucos os especializados (motoristas, mecânico,
tratorista, operário em geral), o que evidencia um muito restrito mercado de
trabalho, que não pode enfim desportar bastante emulação. Quase todos
recebem a paga semanalmente, na clássica sexta-feira, quando a destinam ao
escasso consumo antes descrito, completando o círculo vicioso da sua vida
sem horizontes [...]” (p. 181).
Principais conclusões da pesquisa
Relações de trabalho e habitação “Frise-se que os complementos indiretos de renda, em especial no que tange à
habitação e assistência médica, concentram-se, qualitativa e
quantitativamente, em benefício dos trabalhadores industriais, diminuindo à
medida que se deslocam à periferia rural” (p. 133).
“Quase tôdas as residências colhem sua água no rio, o que explica, em grande
parte a persistência das endemias rurais, dada a poluição industrial, além do
natural deslizamento subterrâneo dos excrementos despejados em geral nas
proximidades fluviais. Também se pode suspeitar da contaminação dos poços,
uma vez que a rotação de abastecimento e dejetos se efetua num cômodo
circuito nas imediações das casas” (p. 159).
Renda per capita e consumo “Inexiste oferta suficiente e regular de alimentos, tanto ao nível de produção
quanto de comercialização, seja por conta da dedicação quase exclusiva dos
campos ao cultivo extensivo da cana-de-açúcar, seja por causa do pouco
atrativo que oferece tão frágil demanda de alimentos; as limitações de renda
impedem também a importação provinda doutras áreas”
“A referida demanda de alimentos, embora absorva parte substancial dos
rendimentos, restringe-se ao mínimo, por conta da baixa renda per capita” (p.
155).
Fonte: Azevêdo, Caldas e Chacon (1972, pp. 110-186)
Organização: Fernando Silva (2017)
78

Em relação ao período anterior, o quadro revela permanências e transformações, tanto


nas causas como nas formas de manifestação da pobreza. A pequena proteção social e o
pedaço de terra para cultivar fornecidos pelos proprietários de usinas e engenhos aos
trabalhadores rurais tendiam a desaparecer das relações de trabalho. As habitações
continuavam a apresentar péssimas condições sanitárias, e o baixo nível dos rendimentos,
como antes, prendia o trabalhador rural ao barracão. Mas, agora uma parte dos trabalhadores
tinha suas relações com os proprietários reguladas pelo Estatuto do Trabalhador Rural (1963),
assim como contribuía para a Previdência Social.
Nessas condições, permanecer no campo implicaria um empobrecimento cada vez
maior. À semelhança do que ocorria antes, uma estrutura de propriedade extremamente
injusta estaria entre as principais causas da pobreza, mas a diferença é que o comando sobre
os diversos aspectos da vida do trabalhador não mais seria dado pelos limites da propriedade
(ANDRADE, 1997; HEREDIA, 1988). Podemos assegurar que estamos em face do
surgimento de situações complexas de pobreza, relacionadas diretamente à maneira como
cooperam os sistemas de objetos e de ações regionais.
Ao propor sua explicação para o processo de mudança das ações sociais sob o
capitalismo a partir do conceito de racionalidade, compreendendo a ação social como sendo
inescapavelmente dotada de um sentido, Max Weber (1999, p. 5) explicava como poderíamos
considerar as diferentes classes de objetos:

Todo artefato, uma máquina por exemplo, somente pode ser interpretado e
compreendido a partir do sentido que a ação humana (com finalidades
possivelmente muito diversas) proporcionou (ou pretendeu proporcionar) à
sua produção e utilização; sem o recurso a esse sentido permanecerá
inteiramente incompreensível. O compreensível nele é, portanto, sua
referência à ação humana, seja como “meio” seja como “fim” concebido
pelo agente ou pelos agentes e que orienta suas ações (grifo no original).

Mas o que dizer quando o que serve como “meio” ou “fim” à racionalidade do outro é
o próprio meio geográfico de uma região? Ou melhor, na situação em análise, não seria a
própria Região que estaria sendo chamada a cooperar com um sentido alheio, já que a
racionalidade externa busca se inscrever tanto nos sistemas de objetos como nos sistemas de
ações?
Para Milton Santos (2009 [1996], pp. 290-294), a tese (como vimos, defendida por ele
mesmo) de que existe uma racionalidade do próprio espaço geográfico só pode ser aceita se
este for considerado como um híbrido de objetos e ações, sendo a racionalidade dos objetos
79

condição sine qua non para a racionalidade das ações, e vice versa. Por isso, “[...] a realidade
do “espaço racional” não seria possível sem que a técnica se desse tal como ela hoje se dá,
isto é, como “técnica informacional”” (grifo no original). Sem os objetos informacionais,
como vimos no capítulo 1, foi possível implantar uma racionalidade técnica europeia em
várias regiões da periferia capitalista, mas o controle sobre a disposição e o uso dos objetos
técnicos ainda ficava, em grande medida, nas próprias regiões. Não havia grandes
possibilidades para a circulação da informação à longa distância. Por isto, tal racionalidade
acabava sendo bastante limitada, tanto social como geograficamente.
Segundo Milton Santos (1994, p. 17; 2009 [1996], pp. 143-168), uma possibilidade de
pensar a materialidade e imaterialidade de maneira indissociável na geografia, a partir da
teoria da ação social (RIBEIRO, 2014), é dada pela teoria do evento. Os eventos,
obrigatoriamente, colocam em cooperação objetos e ações: uma manifestação contra um
governo, um congresso acadêmico, ou outro evento qualquer, todos ocorrem num espaço-
tempo específico. Para o autor, o processo de racionalização do espaço geográfico tornou
possível também colocar em cooperação regiões até mesmo distantes umas das outras,
sobretudo a partir das tecnologias da comunicação e informação. Neste caso da cooperação
entre diferentes subespaços, que implica assegurar a solidariedade ao mesmo tempo dos
objetos e das ações, seria possível falar de um acontecer solidário.
Levando em conta os fundamentos dessa cooperação (a contiguidade ou a
organização), assim como as variáveis do espaço que possibilitam que ela ocorra (as técnicas
e as normas), Milton Santos (2009 [1996], pp. 166-168) aponta três formas de acontecer
solidário no território: homólogo, complementar e hierárquico. Se os sentidos da cooperação
são dados e/ou incorporados localmente, temos o acontecer homólogo ou complementar, mas
quando ele é imposto de fora trata-se do acontecer hierárquico. O autor explica que

Numa região agrícola, esse acontecer solidário é homólogo. Mas, numa


mesma cidade, dominada por uma mesma produção industrial, é possível
identificar esse acontecer homólogo. Nas relações entre a cidade e o campo,
ele é complementar como também, nas relações interurbanas. E há, também,
o acontecer hierárquico, resultante das ordens e da informação provenientes
de um lugar e realizando-se em um outro, como trabalho (SANTOS, 2009
[1996], p. 166).

De fato, com o advento das técnicas da informação podemos dizer que estamos na
presença da imposição à Região Canavieira de Alagoas de uma racionalidade externa. Por
isso, o comando sobre a produção e distribuição da riqueza tende a escapar, cada vez mais,
80

dos agentes locais. Como a Região tende a empobrecer porque uma parcela expressiva dos
seus sistemas de objetos e sistemas de ações busca cooperar com um sentido alheio, podemos
doravante defini-la como um acontecer homólogo.
Dessa forma, a nova etapa de penetração do capital a partir da ideia de
desenvolvimento (SANTOS, 2003 [1979], p. 29; MARTTELART, 1994), no pós-Segunda
Guerra Mundial, se dá por meio da imposição sistemática de uma racionalidade externa que
intenta alcançar, simultaneamente, os sistemas de objetos e os sistemas de ações. De todas as
formas possíveis, as regiões seriam pressionadas a cooperar com essa racionalidade alheia, e
as regiões e lugares que ficassem de fora (não só pela seletividade do processo, mas também
pela falta de sentido do mesmo para a maior parte das populações) seriam desvalorizados,
suas populações reprimidas ou, no melhor dos casos, “ajudadas” a acompanhar o ritmo da
modernização. A pobreza daí resultante não poderia ser mais perversa, porque além de se
manifestar numa repartição social e geográfica extremamente injusta da riqueza, se verificaria
também na desvalorização e repressão das formas de trabalho dos pobres (SANTOS, 2008
[1975]; CACCIAMALI, 1991; TELLES, 1992; SILVEIRA, 2004).
Daí em diante, portanto, a pobreza na Região Canavieira de Alagoas resultaria, em
grande medida, da “[...] tendência à racionalização das atividades [...]” a partir de um
comando e de uma organização concentrados (SANTOS, 2009 [1996], p. 167), que leva a
Região a servir como “meio” para uma racionalidade instrumental alheia. É o acontecer
hierárquico, que une a racionalidade instrumental das ações (WEBER, 1999, p. 15) à
racionalidade instrumental dos objetos (SANTOS, 2009 [1996], p. 292). Mas, como pensar os
bens, recursos e serviços cuja distribuição o Estado é levado a assumir para garantir a
cooperação entre a produção açucareira da Região Canavieira alagoana e das demais regiões,
assim como entre os trabalhadores e usineiros?
A tese que defendemos, a ser melhor desenvolvida no próximo item e na segunda
parte do trabalho, é a de que com a racionalização do espaço a cooperação entre as diversas
regiões brasileiras implica também em um acontecer político-institucional, isto é, a ação
racional conduzida por valores (WEBER, 1999, p. 15; GRAMSCI, 1976), que no limite
confere coerência a uma sociedade racionalizada sob o capitalismo, passa a ser indissociável
dos sistemas de objetos.
81

2.2. A valorização de sistemas de objetos e ações externos: a proposta do acontecer político-


institucional

Tanto a aceleração da demanda por racionalidades no campo, como a necessidade de


uma racionalidade de outro tipo para contornar os conflitos que não tardaram a aparecer entre
os diversos agentes sociais, ambas passam a contribuir, cada uma de maneira específica, para
uma nova forma de apropriação e distribuição social e geográfica da riqueza na Região
Canavieira de Alagoas. Esses processos resultariam em migrações muito mais volumosas que
no período anterior para o Sudeste, em migrações campo-cidade e mesmo entre as próprias
cidades da Região. Por essas e outras razões, que serão melhor apresentadas daqui em diante,
pensamos ser correto afirmar que a reprodução da pobreza encontra suas causas também em
um acontecer político-institucional.
Para Milton Santos (2008 [1994], pp. 69-75; 2009 [1996], pp. 304-310), o processo de
racionalização do espaço geográfico no campo guarda diferenças consideráveis em relação ao
que ocorre nas cidades. Tais diferenças se relacionam, essencialmente, à especificidade da
estrutura da propriedade em cada caso, à maior rigidez dos objetos técnicos que passam a
constituir as cidades no período atual, assim como à tendência à maior concentração
populacional nas cidades. Por essas razões, de maneira geral “o campo pode adaptar-se mais
rapidamente às mudanças de uso, segundo os produtos, desde que haja recursos de capital e
inteligência” (2008 [1994], p. 70). Como tanto o campo como a cidade acabam se
subordinando a uma mesma lógica externa, é importante também compreender como são
costuradas as novas relações entre os dois.
Podemos afirmar que na Região Canavieira de Alagoas a imposição de racionalidades
ao campo encontrava três principais obstáculos, intimamente relacionados entre si: 1) as
relações sociais entre usineiros ou donos de engenho com trabalhadores/moradores, pequenos
proprietários e arrendatários; 2) a estrutura concentrada da propriedade; e 3) a escassez de
recursos financeiros (ANDRADE, 1973 [1963]; 1997; HEREDIA, 1988).
Conforme o relato de Manuel Correia de Andrade (1973 [1963], p. 127), a expansão
dos canaviais das grandes usinas para as terras antes ocupadas com culturas alimentares, ou
mesmo com cana de pequenos e médios arrendatários, levou ao surgimento de inúmeros
conflitos e de uma forte organização política em torno das Ligas Camponesas em Pernambuco
(1962). Moacir Palmeira (1963) constatou que, infelizmente, as Ligas não tiveram grande
repercussão em Alagoas, por conta da repressão violenta dos proprietários de terra.
82

As lutas resultaram na promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural (Lei 4.214 de


1963), que garantiu vários direitos sociais ao trabalhador do campo11. Entretanto, medidas que
visavam à Reforma Agrária, uma das principais pautas das Ligas Camponesas, não foram
levadas adiante, como foi o caso das propostas do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento
do Nordeste – GTDN (1958)12 e do Grupo Especial para a Racionalização da Agroindústria
Canavieira no Nordeste – GERAN (criado pelo Decreto 59.033-A de 1966).
Se por razões fortemente regionais acabou não se organizando um movimento político
nas usinas e engenhos alagoanos, os usineiros locais não podiam, até certo ponto, controlar as
consequências que teriam para sua equação de lucro as novas garantias feitas pelo Estado aos
trabalhadores rurais. Neste sentido, podemos mencionar especialmente o direito à Previdência
Social. O número de segurados do Instituto Nacional da Previdência em Alagoas era de
apenas 68.303 em 1969, ano em que o número de benefícios concedidos foi de 16.655,
enquanto havia 23.637 benefícios em manutenção. Menos de vinte anos depois, em 1987,
essas cifras tinham aumentado para, respectivamente, 312.817, 39.094 e 224.348 (BRASIL,
1970; 1988).
Como mostrou Joaquim de Andrade Neto (1984, p. 83) para a situação da Região
Canavieira de Alagoas, o Estatuto do Trabalhador Rural acabou por ter consequências
contraditórias: se por um lado garantia direitos sociais importantíssimos ao trabalhador do
campo, por outro acelerou a expulsão dos moradores das terras das usinas e engenhos, uma
vez que os proprietários passaram a evitar encargos sociais e a fiscalização da Justiça do
Trabalho.
Dessa forma, os novos processos de racionalização (que são, ao mesmo tempo, sociais,
políticos e geográficos) colocados entre usineiros e trabalhadores contribuíram para elevar a
um novo patamar o fenômeno migratório na Região. Segundo os dados da tabela 10, entre as
décadas de 1960 e 1980, a emigração em Alagoas apresentou os números mais elevados de
toda a sua história. Entre 1970 e 1980, por exemplo, o saldo migratório total no estado foi de -
182.025, sendo que para o campo chegou a mais que o dobro disto (-369.991).

11
Com o Estatuto do Trabalhador Rural os trabalhadores rurais passaram a ter direito ao salário mínimo, a férias
remuneradas, ao 13º salário, à Previdência Social etc.

12
Foi no âmbito do GTDN, sob a liderança de Celso Furtado, onde surgiram as propostas de desenvolvimento
econômico para a Região Nordeste que deram origem à Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste –
SUDENE.
83

Tabela 10 – Alagoas: Estimativa de saldo migratório(1960-2010)


Período Saldo migratório rural Saldo migratório urbano Saldo migratório total
1960/70 -216.975 92.897 -124.078
1970/80 -369.991 187.966 -182.025
1980/90 -132.021 81.430 -50.591
1991/2000 x x -71.983
2000/2010 x x -76.717
X – Não conseguimos dados.
Fonte: Carvalho e Garcia (2002, pp. 35-37; pp. 128-130; pp. 224-226) e Oliveira, Ervatti e O'Neill (2011, sem
página)
Organização: Fernando Silva (2017)

Novas relações começam a se estabelecer entre o campo e as cidades, porque agora


uma parcela expressiva dos fluxos migratórios destina-se não somente à cidade de Maceió,
mas também às pequenas cidades da própria Região. Nestas últimas, como mostra a tabela 11,
a porcentagem de população urbana, assim como o quantitativo total de população vivendo
nas cidades, crescem de maneira sustentada depois de 1970.

Tabela 11 – Região Canavieira de Alagoas: grau de urbanização (1970-2010)


Região Canavieira (sem Maceió)
Total Urbana % Urbana
1970 601.037 171.294 28,50%
1980 826.188 308.477 37,34%*
1991 984.651 485.502 49,31%**
2000 1.051.304 640.396 60,91%***
2010 1.154.242 805.258 69,77%****
Maceió
Total Urbana % Urbana
1970 263.670 251.713 95,47%
1980 399.300 392.265 98,24%
1991 629.041 583.343 92,74%
2000 797.759 795.804 99,75%
2010 932.748 932.129 99,93%
* 6 novos municípios foram incorporados à Região em relação à década de 1970 pela expansão da plantação de
cana
** 1 novo município foi incorporado à Região por emancipação
***2 novos municípios foram incorporados à Região por emancipação
**** 1 novo município foi incorporado à Região por emancipação
Fonte: BRASIL (1972; 1982; 1991, 2000; 2010)
Organização: Fernando Silva (2017)
84

É importante observar que entre 1970 e 1980 as pequenas cidades da Região acusaram
um aumento percentual da população urbana maior até mesmo que o de Maceió: enquanto
elas cresceram 80,09% a capital cresceu 57,54%. Mas o ritmo da urbanização nos demais
decênios foi sempre mais lento no interior, pois aí a população urbana alcançou apenas
60,91% do total no final do milênio, momento em que Maceió registrava tão somente 0,25%
de população rural. Tanto isso como a emigração têm a ver não apenas com a forma que os
trabalhadores rurais são integrados aos direitos sociais (ainda que muito parcialmente, como
veremos melhor nos próximos itens deste capítulo), mas também com o modo como os
usineiros e a estrutura de propriedade regionais passam a figurar no quadro nacional.
Na década de 1960, de acordo com a explicação de Pedro Ramos (1991), a expansão
do mercado internacional para o açúcar brasileiro, somada à necessidade de conciliar os
interesses dos usineiros do Nordeste e do Sudeste, levaram o Estado a eleger a adequação da
produção no setor a um parâmetro técnico externo como uma meta a ser perseguida pela
política econômica nacional. Por isso, esse setor acaba por conhecer profundas
transformações na sua dialética pretérita Estado-mercado. Como se não bastasse o impacto,
por demais negativo, da produção canavieira na estrutura da produção e do consumo
(especialmente com a tomada dos sítios dos trabalhadores rurais por parte dos usineiros para
plantarem cana), agora tratava-se também de mobilizar esforços coletivos e justificar o uso do
excedente gerado socialmente para “racionalizar” a produção canavieira.
Por isso, estamos autorizados a dizer que a valorização de sistemas técnicos alheios
aos quadros nacionais condicionaria, de inúmeras maneiras, a repartição social e espacial da
riqueza pelo Estado (SANTOS, 2008 [1975], pp. 161-177; IANNI, 1977, p. 276). Esse novo
nexo político-geográfico acaba se colocando, de certa forma, por cima das Regiões e nestas,
se soma à injusta estrutura de propriedade.
Alimentados por recursos oriundos da exportação de açúcar numa conjuntura
internacional bastante favorável, o Fundo de Recuperação da Agro-indústria Canavieira
(Decreto 51.104 de 1961), transformado no mesmo ano no Fundo de Consolidação e Fomento
da Agroindústria Canavieira (Decreto 156 de 1961), e o Fundo Especial de Exportação (Lei
4.870 de 1965), criaram as condições financeiras necessárias para satisfazer a demanda por
“racionalização” da produção açucareira alagoana (ANDRADE, 1997). Estamos diante da
busca pelo IAA de novas formas de cooperação entre as regiões açucareiras, que envolvem
principalmente a distribuição de recursos desses fundos por meio de programas. Como deve
ser sustada qualquer tentativa de Reforma Agrária, a tarefa agora assumida por esse instituto,
juntamente com vários ministérios, não poderia ser mais contraditória, porque no limite trata-
85

se de fazer uma estrutura de propriedade e de produção “irracionais” adquirirem algum


sentido para a política econômica nacional (ANDRADE NETO, 1984, p. 115; RAMOS, 1991,
p. 189).
Implantado com o objetivo de viabilizar pesquisas no campo da agronomia e da
genética, o Programa Nacional de Melhoramento da Cana de Açúcar - PLANALSUCAR
(1971) acabou transformando a produtividade agrícola da Região Canavieira de Alagoas.
Tendo a Superintendência no município de Piracicaba – SP, esse Programa implantou
estações de pesquisa agronômica nos municípios de São José da Laje, Murici, Maceió, São
Miguel dos Campos, São Luís do Quitunde, Jacuípe e, também, em Rio Largo onde ficou
sendo a sede da Coordenadoria Regional do Nordeste – COONE do PLANALSUCAR. Dessa
forma, diante do novo patamar de “racionalidade” que dirige a dinâmica do conteúdo social e
material da Região, se redefinem as relações campo-cidade sob um comando
“organizacional”. Encontrar novas variedades de cana, difundir o uso de fertilizantes,
melhorar o aproveitamento do solo na área dos tabuleiros, estes eram os principais objetivos
do Programa em Alagoas que, na avaliação de Joaquim de Andrade Neto (1984, pp. 120-121),
foram satisfatoriamente alcançados.
Nessa tentativa de adequar uma parcela dos sistemas de objetos e ações regionais aos
objetivos da política econômica sem alterar a estrutura da propriedade, nada poderia ser mais
contraditório do que criar um programa denominado “Programa de Racionalização da
Agroindústria Açucareira” (1971). Visando o aumento da produtividade industrial do setor,
entre as principais medidas desse Programa estava tanto o estímulo à incorporação, fusão e
relocalização de unidades industriais dentro da região (Decreto 1186 de 1971), como a
construção do terminal açucareiro do Porto de Maceió, ações que seriam financiadas pelo
Fundo Especial de Exportação criado em 1965. Dessa forma, a concentração fundiária
contamina não somente as normativas do IAA, mas também todos os seus programas.
Racionalizar torna-se praticamente sinônimo de concentração no campo e na indústria
(ANDRADE, 1997; RAMOS, 1991).
Sem dúvida alguma, o Programa Nacional do Álcool – PROÁLCOOL (Decreto nº
76.593 de 1975) é o que mais revela o intento de fazer as velhas estruturas regionais da
produção açucareira cooperarem com objetivos nacionais a partir da valorização de sistemas
de objetos e ações externos. Orquestrando interesses não somente dos usineiros das diversas
regiões (já que a retração do mercado mundial de açúcar na segunda metade dos anos 1970
tinha trazido uma nova crise para o setor), mas também das empresas de produção de
equipamentos para usinas e destilarias e do setor automobilístico, o PROÁLCOOL
86

incentivou, com vultosos recursos financeiros, a produção de álcool no Brasil (SHIKIDA e


BACHA, 1999, p. 73). Como se buscava com isso reduzir a importação de petróleo, num
momento em que a grande alta no preço desse produto desiquilibrava completamente as
contas do Estado, o Programa podia ser apresentado também como sendo de interesse
nacional.
Entre 1975 e 1990, cerca US$ 6,6 bilhões de dólares foram aplicados pelo
PROÁLCOOL. Deste total, cerca de 8,1% foram destinados ao estado de Alagoas, alterando
completamente a geografia agrária de sua Região Canavieira, especialmente do entorno de
São Miguel dos Campos (SHIKIDA e BACHA, 1999 várias páginas; CARVALHO, 2009;
LIMA, 2006). Nove destilarias autônomas foram instaladas na Região, enquanto a área
colhida de cana praticamente dobrou. De acordo com a explicação de Manuel Correia de
Andrade (1997, p. 124),

Alagoas foi o Estado do Nordeste que recebeu maiores benefícios do


PROÁLCOOL, como fora também do Programa de Racionalização da
Indústria Açucareira. Para isso contribuiu, sobretudo, a quantidade de terras
subutilizadas, por onde os canaviais se expandiram, afastando as culturas de
subsistência, de baixo rendimento, e feitas por pequenos produtores, e as
áreas ociosas e de florestas.

Nos mapas de 4 a 7 podemos apreciar duas das principais consequências desses


programas, registradas pelos vários autores que estudaram a geografia agrária da Região: 1)
expansão da área plantada de cana nos “velhos” municípios açucareiros; e 2) incorporação de
mais seis municípios à Região Canavieira pela expansão dos canaviais para a área do entorno
de Penedo, onde até então predominava a rizicultura (MONTEIRO, 2013 [1962]).
87

Mapas 4 a 7 – Região Canavieira de Alagoas: Porcentagem de área colhida de cana sobre a área total
dos estabelecimentos agropecuários (1975-1995)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

É importante registrar ainda que as condições técnico-normativas e político-financeiras


que vimos relatando, garantidas pelo Estado para assegurar a cooperação entre as regiões
açucareiras, permitiram o acréscimo de novos objetos técnicos ao campo, base de novas
cooperações campo-cidade na Região. O campo passa a demandar constantes consumos de
bens e serviços urbanos. Os dados sobre o número de tratores e a área irrigada podem fornecer
uma amostra desse processo.
88

Em 1960 existiam apenas 254 tratores nos municípios da Região, número que saltou
para 3.090 vinte anos depois. Enquanto isso, o número médio de hectares para cada trator
diminuiu consideravelmente.

Tabela 12 – Região Canavieira de Alagoas: número médio de hectares para cada trator (1960-1980)
Ano Área total dos estabelecimentos Número total de Número médio de hectares para
agropecuários (ha) tratores cada trator
1960 907.694 254 3.574
1970 991.308 716 1.385
1980 1.188.004 3.090 384
Fonte: BRASIL (1962; 1975; 1983)
Organização: Fernando Silva (2017)

O percentual de área irrigada também conheceu um aumento significativo, passando


de 1,53% para 14,50%. Tributárias de novos serviços urbanos, tanto a utilização de tratores
como a irrigação adquirem maior expressão nas áreas dos tabuleiros.

Tabela 13 – Região Canavieira de Alagoas: porcentagem irrigada da área total dos estabelecimentos
agropecuários (1975-1985)
Ano Área total dos Área irrigada no ano % da área irrigada sobre a área
estabelecimentos (ha) (ha) total
1975 1.037.842 15.899 1,53%
1985 1.142.120 24.094 2,11%
1995 1.042.284 151.180 14,50%
Fonte: site do IPEAdata
Organização: Fernando Silva (2017)

Na opinião de Milton Santos (2011 [2000], pp. 54-55), no pós-Segunda Guerra


Mundial o processo de racionalização busca se impor nas várias instâncias sociais e, desse
modo, é a sua presença, mesmo que seletiva nos países como o nosso, que explica, em grande
parte, o fenômeno da pobreza. Isto porque tal processo foi funcional ao modelo econômico
controlado pelos monopólios, para o qual a docilidade de uma parcela expressiva dos sistemas
de objetos e ações dos países periféricos seria tão somente um meio para resolver o problema
da baixa lucratividade nos países do centro do capitalismo. No entanto, o autor acrescenta que
a evolução concomitante dos sistemas técnicos e dos valores sociais freava o alastramento da
racionalidade instrumental na sociedade e no espaço (SANTOS, 2011 [2000], pp. 48-49). Isto
possibilitou que o Estado assumisse a garantia de vários bens, buscando assegurar que as
diferenças regionais históricas não impedissem formas de cooperação entre as regiões e
populações.
89

De fato, os processos de racionalização que se interpõe entre os usineiros, e entre estes


e os trabalhadores, aparecem, ao mesmo tempo, como causa do empobrecimento e como
forma de enfrentá-lo. Se os novos direitos do trabalhador rural impedem que este fique
completamente à mercê dos proprietários, o baixo nível do salário mínimo e a reação dos
usineiros com a expulsão de trabalhadores do campo e a expansão da cana para novas áreas,
propiciadas ou incentivadas também por essa racionalização, contribuem para perpetuar a
pobreza na Região.
A questão central, portanto, é como a ação instrumental e os novos valores externos
colocam em cooperação, a partir de sistema de objetos criados com finalidades especificas, as
velhas regiões açucareiras do Nordeste com o território nacional. Se “[...] toda teoria da ação
é, também, uma teoria do evento e vice-versa” (SANTOS, 2009 [1996], pp. 146-147)” tal
questão poderia ser pensada na geografia a partir da seguinte problemática: “como [...] levar
em conta o que, na linguagem sociológica, se chama uma ação racional?” (SANTOS, 2009
[1996], p. 81). Neste sentido, acreditamos que uma contribuição importante foi dada pela
socióloga Ana Clara Torres Ribeiro (2014) em suas “Teorias da Ação”13.
Para essa autora (2014, p. 250), é de suma importância considerar a distinção feita por
Max Weber entre a ação social “racional referente a fins” e a ação social “racional referente a
valores”. Max Weber (1999, p. 15 grifos no original), ao propor esses dois “tipos ideias”14
para explicar a ação social racional, explicou que, enquanto o primeiro seria determinado “[...]
por expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas,
utilizando essas expectativas como “condições” ou “meios” para alcançar fins próprios [...]”,
no caso das ações orientadas por valores a determinação seria “[...] pela crença consciente no
valor – ético, estético, religioso ou qualquer que seja sua interpretação [...]”.
Na intepretação de Ana Clara Torres Ribeiro (2014, pp. 250-251), essa explicação de
Weber é fundamental porque, no limite, significa que racionalização não é sinônimo de
instrumentalização15. Enquanto a racionalização por valores acaba sendo a base das lutas que

13
A obra é a transcrição de um curso ministrado pela socióloga Ana Clara Torres Ribeiro entre os dias 18 e 22
de novembro de 2002 no Departamento de Geografia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
14
Os outros dois “tipos ideias” da ação social são determinados “3) de modo afetivo, especialmente emocional:
por afetos ou estados emocionais atuais; 4) de modo tradicional: por costume arraigado” (WEBER, 1999, p. 15
grifos no original).

15
Segundo a explicação da autora: “o outro tipo ideal é a ação racional conduzida para valores, ou seja, eu
racionalmente tenho por meta a difusão de tal valor cultural. Eu quero difundir o valor da igualdade na minha
crença, sem o qual a sociedade é um desastre, vamos dizer assim. Isto é um valor, da mesma maneira que a
solidariedade é um valor cultural que precisa ser difundido senão não se afirma como um valor cultural. Como
eu farei para que isto aconteça? Esta é uma ação racional dirigida a difusão de um valor cultural. Portanto, nem
90

visam às transformações sociais, “boa parte da ação instrumental visa pura e exclusivamente à
materialidade, ou é uma ação instrumental que se prende nos instrumentos e já não se sabe
mais quais são os seus objetivos”. Argumentamos que ao aceitar a tese da racionalização do
espaço geográfico é importante levar em conta a distinção entre uma cooperação entre
subespaços estabelecida por uma racionalidade instrumental e outra estabelecida por uma
racionalidade orientada por valores.
É bem conhecida a análise de Antonio Gramsci (1987) a respeito da “Questão
Meridional” italiana, na qual o autor vê as desigualdades e as relações entre o norte e o sul da
Itália como uma questão de classes, especificamente como tais classes, a partir das alianças
feitas entre si, passam a governar a sociedade. O autor já considerava nesse texto que somente
os interesses específicos das classes não bastavam, era preciso fazer tais interesses avultarem
como valores coletivos, sem os quais seria impossível governar a sociedade nacional.
Carlos Brandão (2004, pp. 53-54) defende a tese de que a chave para compreender as
questões regionais e urbanas/rurais no Brasil, levando em conta que o País se estruturou sobre
heranças regionais extremamente diversas e desiguais, encontra-se no conceito gramsciano de
hegemonia. Para que cada região pudesse participar da dinâmica nacional tornou-se
necessário, de certo modo, retirar parte substancial do comando político que os agentes
hegemônicos locais exerciam sobre a economia e a sociedade. Para o autor, aí também se
acharia um caminho para desvendar uma das questões mais importantes quando se trata do
Brasil: compreender o significado e o porquê da persistência de uma massa de não-cidadãos
convivendo com uma pequena minoria de privilegiados que usufruem de várias garantias
sociais (BRANDÃO, 2004, p. 147).
De nossa parte, consideramos que colocar em cooperação subespaços nacionais, ainda
mais se tratando de regiões, lugares e populações tão desiguais como no Brasil, exige que o
Estado garanta o resultado das lutas políticas assumindo a distribuição de recursos, bens e
serviços. Para isso, são necessários fundos, programas etc. executados por diversas
instituições, exigindo assim que a ação racional conduzida por valores se conecte a um
sistema de objetos técnicos. Como esses programas revelam, então, os sistemas de objetos e
ações que se está buscando valorizar em uma sociedade, propomos que se acrescente às
formas do acontecer solidário propostas por Milton Santos (2009 [1996]) o acontecer político-
institucional.

toda ação racional é uma ação instrumental. Confundir racionalidade com instrumentalização da ação é um erro
do ponto de vista weberiano” (RIBEIRO, 2014, p. 250).
91

Neste sentido, pensamos ser de fundamental importância investigar a especificidade do


acontecer político-institucional no Brasil à medida que o processo de racionalização vai se
impondo ao espaço geográfico. Elegemos como uma das questões centrais da presente tese
analisar como tal acontecer solidário, ao mesmo tempo em que resulta da luta contra a
pobreza, contribui para perpetuá-la.

2.3. A instrumentalização de subsistemas de objetos e ações regionais: as grandes firmas e


a seletividade do acontecer hierárquico

O acontecer político-institucional acaba por alimentar na Região Canavieira de


Alagoas uma demanda por objetos e formas de fazer externos. Ainda que a satisfação dessa
demanda encontre limites de toda ordem numa Região tão pobre, sua existência e satisfação
pontual condicionam fortemente as migrações, a distribuição da população nas cidades, as
formas de uso dos capitais regionais, enfim, a produção e a repartição social da riqueza. De
várias maneiras, a valorização de sistemas de objetos e ações externos incentiva a utilização
de parcelas da Região como meros instrumentos para uma racionalidade alheia (WEBER,
1999, p. 15). Por isso, podemos falar que a pobreza resultaria também de um acontecer
hierárquico (SANTOS, 2009 [1996], pp. 165-168).
Entre 1975 e 1996 o Produto Interno Bruto - PIB dos municípios da Região
(considerado a preços de 2000) mais que dobrou, passando de R$ 2.438.085,32 (mil) para R$
5.982.689,49 (mil)16. Neste último ano, todavia, cerca de 66% da produção dessa riqueza
estava concentrada em Maceió e mais 13% nos municípios de Coruripe, Marechal Deodoro,
Rio Largo e São Miguel dos Campos. Conforme apresentam os mapas de 8 a 13, os maiores
acréscimos no PIB nas décadas posteriores a 1970 ocorreram na capital e nesses poucos
municípios do interior.

16
Para efeitos de comparação, o PIB brasileiro a preços de 2000 era de R$ 427.997.030,20 (mil) em 1975 e R$
869.256.194,00 (mil) em 1996.
92

Mapas 8 a 13 - Região Canavieira de Alagoas: Produto Interno Bruto (PIB) Municipal a preços de 2000 (1975-2010)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
93

Essa forma de produção da riqueza concentrada em pouquíssimos municípios resulta,


em boa medida, dos novos consumos exigidos pelas usinas e da exploração dos recursos
minerais da Região, e não se dá sem que parcelas da economia, da sociedade, do espaço e do
aparelho de Estado sejam mobilizados como meios para a racionalidade das empresas que
passam a atuar na Região (LUSTOSA, 1997; LIMA, 2006).
Os novos consumos exigidos pela imposição de uma racionalidade ao campo não
tardaram a demandar a presença de indústrias do setor químico, metalúrgico, metal mecânico
e de material de transporte. Entre as décadas de 1960 e 1980 foram instaladas cerca de vinte
grandes e médias indústrias na Região, sobretudo em Maceió.
Enquanto o PLANALSUCAR e o PROÁLCOOL criaram as condições financeiras
necessárias para tais consumos, o Governo Estadual, através da Companhia de
Desenvolvimento de Alagoas – CODEAL (criada em 1963) criou o Pólo Industrial de
Maceió17 justamente para atrair indústrias vinculadas ao consumo das usinas. Com
localização que dava fácil acesso às principais rodovias da Região (AL-101, BR – 101 e BR –
104) e ao Porto, esse Distrito Industrial, embora ocupado desde 1964, foi inaugurado
exatamente com o lançamento do PROÁLCOOL (FIEA, 2009, pp. 23-24).
Em uma área de mais de 200 ha, galpões foram construídos para locação às empresas
com recursos da SUDENE, energia elétrica foi rapidamente viabilizada a partir da subestação
de Rio Largo, assim como abastecimento de água pela Companhia de Saneamento de Alagoas
– CASAL. Como se trata de uma racionalidade que busca se impor, com bastante vigor,
também à sociedade, uma unidade do Serviço Nacional de Aprendizagem – SENAI/AL foi
instalada exatamente dentro do distrito para formar a mão de obra requerida pelas indústrias.
A racionalização instrumental do espaço tem como corolário seu uso corporativo (SANTOS,
1994).
Na tabela 14 apresentamos as principais indústrias ligadas ao consumo das usinas e
destilarias instaladas na Região Canavieira alagoana, destacando o ano de sua instalação e o
número de trabalhadores: 68,18% do total de empresas e 72,77% do total de trabalhadores
estavam no município de Maceió. Desse modo, observamos a Região se entrelaçar numa
cooperação hierárquica que, a partir de Maceió, alcança todos os municípios canavieiros.

17
Hoje Polo Multisetorial Governador Luiz Cavalcante, localizado no bairro Tabuleiro dos Martins, às margens
da BR - 101.
94

Tabela 14 – Região Canavieira de Alagoas: principais indústrias vinculadas ao setor sucroalcooleiro (1984)

Município Início das Indústria Setor Principais produtos Número de


atividades trabalhadores
Maceió 1939 LAGENSE - Indústria Comércio e Químico Fertilizantes, Herbicidas, Algodão em 106
Agricultura Pluma
Maceió 1939 Nova Fundição Alagoana LTDA Metalúrgico Acessórios para fogões, engrenagem de 23
usinas
Atalaia 1964 Companhia Siderúrgica de Alagoas - Metalúrgico Laminados, lingotes 285
COMESA
Maceió 1966 MPC- Mecânica Pesada Continental Metalúrgico Estruturas metálicas, turbinas hidráulicas, 283
fundição de ferro e bronze, pontes rolantes
Maceió 1967 Fives Lille Industrial do Nordeste S/A Metalúrgico Estruturas metálicas, cristalizador, 493
sementeiras, caldeiras
Pilar 1967 Irmãos Couto S. Wanderley Metalúrgico Sem informação 24
Maceió 1968 Estruturas Metálicas e Esquadrarias Metalúrgico Estruturas metálicas, divisórias modulares 34
LTDA
Maceió 1968 Indústria e Comércio São Judas Tadeu Material de Carroceria metálica, carreta agrícola 17
transporte
Maceió 1970 IMPLETEC LTDA Material de Carroceria metálica, carretas, reboque, 72
transporte tanque
Maceió 1973 AGROFÉRTIL - Indústria e Químico Misturas concentradas NPK 62
Comércio de Fertilizantes
Maceió 1974 SOMONE - Divergel Indústria e Metalúrgico Misturadores, peneiras 47
Comércio S/A
Maceió 1974 TRAMAG-Tratores e Máquinas Material de Carrocerias, carretas em geral, bombas, 42
Agrícolas LTDA transporte engates para caminhão e trator
Santa Luzia do 1975 PROFÉRTIL - Produtos Químicos e Químico Superfosfato de cálcio simples, ácido 112
Norte Fertilizantes S/A sulfúrico, enxofre em bastões

Maceió 1975 MOTOCANA - Máquinas e Mecânico Mecânica em geral 40


Implementos Agrícolas
Maceió 1975 PROCAR - Indústria e Comércio Metalúrgico Estruturas metálicas, abrigos e marquises 15
LTDA
95

Maceió 1976 MAGRASA - Máquinas e Material de Caçambas, Engates Automáticos, 37


Implementos Agrícolas S/A transporte Carrocerias Metálicas
Pilar 1978 MECA - Mecânica de Carroceira Material de Carrocerias 7
Alagoas LTDA transporte
São Miguel dos 1978 FAMACOL - Fábrica de Molas e Material de Molas e carrocerias 20
Campos Carrocerias transporte

Maceió 1980 SANTAL - Equipamentos S/A Material de Máquinas agrícolas em geral 51


Comércio e Indústria transporte
São José da Laje 1980 Agropecuária Vale do Catangy LTDA Madereiro Madeira 21
Maceió 1981 Turbipeças LTDA Metalúrgico Palhetas 17
União dos 1981 CIC – Comercial ind. De Correntes Metalúrgico Correntes de ferro 32
Palmares
Total 1840

Fonte: FIEA (1984, várias páginas)


Organização: Fernando Silva (2017)
96

Assim, a vocação extrovertida da atividade canavieira se renova, pois ao passo em que


empresas externas, sobretudo do Sudeste, se instalam na Região, como é o caso da Motocana
do Grupo Dedini, capitais regionais também são direcionados para o esforço de modernização
agrícola, como é o caso da Agrofértil do Grupo Carlos Lyra. Ainda podemos notar na tabela
que indústrias menos capitalizadas surgem em alguns poucos municípios do interior. De fato,
o acontecer hierárquico muda completamente a relação entre o interno e externo, porque as
formas de uso do excedente regional são pressionadas de todas as maneiras para servir a
objetivos determinados de fora.
Capitais oriundos sobretudo de grandes empresas estatais, como apontaram Leonardo
Guimarães Neto (1989) e Tânia Bacelar de Araújo (2016), também trabalharam na alteração,
ainda que muito pontual, das formas de produção da riqueza na Região Canavieira de
Alagoas.
Anunciado como a grande solução para superar o subdesenvolvimento, o Pólo
Cloroquímico de Alagoas constituiu, sem sombra de dúvidas, uma das provas mais cabais de
como poucos pontos da Região passaram a ser utilizados como meros instrumentos para uma
racionalidade alheia (LUSTOSA, 1997). Planejado para viabilizar a exploração das jazidas de
sal-gema descobertas na década de 1940, esse “foco de modernidade” (BACELAR, 2016, pp.
8-9) foi instalado no município de Marechal Deodoro pelo Decreto Presidencial nº 87.103 de
abril de 198218, alterando completamente o uso do território desse município. Buscando maior
integração da indústria química nacional dentro dos objetivos do II Plano Nacional de
Desenvolvimento – II PND (1975-1979), esforços conjuntos dos governos nacional, estadual
e municipal foram mobilizados para viabilizar essa cooperação hierárquica com a Região.
Conforme o relato de Maria Cecília Lustosa (1997, pp. 9-20), tais esforços se
iniciaram com a criação da Salgema – Indústrias Químicas S. A19. (1966) no município de
Maceió, empresa que forneceria o insumo básico (cloro) necessário às demais indústrias, e
tiveram continuidade com estudos técnicos feitos especialmente pelo Governo Estadual e do
município de Marechal Deodoro para a escolha do melhor terreno que seria destinado à
construção do Polo. Esse município, localizado a 16 Km de Maceió e servido pelas rodovias
18
A Lei Municipal nº 618, de 20/12/94, criou o Distrito Industrial de Marechal Deodoro, atual Pólo Multifabril
de Marechal Deodoro para abrigar empreendimentos de outros setores, além das indústrias do setor Químico e de
Plástico.
19
A Salgema, assim como a maioria das indústrias do Polo quando da sua instalação, tinha participação
acionária da Petrobrás Química S. A. (PETROQUISA) (subsidiária da Petrobrás), holding Nodeste Química S.
A. (NORQUISA), Companhia Petroquímica do Nordeste (COPENE) e da Empresas Petroquímicas do Brasil S.
A. (EPB) do Grupo Norberto Odebrecht (LUSTOSA, 1997, pp. 16-19). Com a inclusão do setor petroquímico no
processo de privatização na década de 1990, o controle acionário da Salgema e de outras indústrias do Polo é
assumido pelo Grupo Odebrecht.
97

AL-101 sul e BR – 316, acabou por apresentar as condições técnicas adequadas. Para fornecer
infra-estrutura básica para o Polo (iluminação, afastamento etc.) foi criada a Companhia
Alagoas Industrial – CINAL (criada em 1982), que logo depois tornou-se fornecedora de
água, gás etc. para as indústrias que lá se instalassem. Por fim, normas, capitais e organização
extra-regionais vêm juntar-se aos objetos técnicos apropriados para concretizar esse acontecer
hierárquico na Região.
A tabela 15 traz a relação das empresas que foram instaladas no Pólo Cloroquímico de
Alagoas segundo o número de trabalhadores: 60% do total desses trabalhadores estava no
município de Marechal Deodoro, e o restante em Maceió.

Tabela 15 – Região Canavieira de Alagoas: Indústrias Químicas segundo número de trabalhadores


(1989)
Município Indústria Principais produtos Início das Número de
atividades trabalhadores
Maceió SALGEMA Soda Cáustica, Ácido, Clorídrico, 1977 819
Indústrias Cloro, Dicoroetano, Sal Beneficiado,
Químicas s/a Hipoclorito de Sódio
Marechal ALCLOR - Epicloridrina 198? 258
Deodoro Química de
Alagoas S.A.
Marechal CPC - Companhia Monocloreto de Vinila e Policloreto de 198? 539
Deodoro Petroquímica de Vinila
Alagoas
Marechal CINAL - Serviços de infraestrutura básica para 1982 444
Deodoro Companhia outras empresas
Alagoas Industrial
Total 2.060
Fonte: Lustosa (1997, p. 23)
Organização: Fernando Silva (2017)

Dependência de grandes grupos empresariais para investimento, imposição de


complementaridades produtivas extra-regionais e fraca capacidade de comando por parte do
órgão estadual de coordenação (Coordenação do Pólo Coroquímico de Alagoas), constituem
os principais resultados da implantação do Pólo em Alagoas (LUSTOSA, 1997, pp. 55-57;
BACELAR, 2016, pp. 8-9). Numa situação como esta, em que, por exemplo, foi viabilizada
uma linha de transmissão de energia direto da CHESF para a Salgema, empresa que passou a
consumir sozinha mais eletricidade do que toda a Região Canavieira alagoana, podemos
afirmar com Milton Santos (2003, [1975], p. 167) que estamos diante do direcionamento de
esforços e recursos coletivos para uma preocupação com o “espaço econômico” (PERROUX,
1967 [1961], p. 149), mas não com o “espaço de todos”.
98

Novas cooperações locais e externas terminou conhecendo também o município de


São Miguel dos Campos com a imposição de uma nova racionalidade à exploração de suas
reservas de calcário. Ao mesmo tempo em que os programas para o setor sucroalcooleiro vão
possibilitando que a cana domine completamente a área rural desse município, a Companhia
de Cimento Atol, do grupo Pernambucano Brennand, aí se instala em 197720 para produzir
cimento Portland, impulsionada pela demanda criada pela construção de grandes sistemas de
engenharia na capital e em outros estados nordestinos. Desse modo, embora instalada em São
Miguel dos Campos, criou escritório em Maceió, de onde podia atender melhor a demanda
que levou à sua criação. Na fábrica trabalhavam cerca de 300 pessoas.
A situação das pequenas cidades do norte de Alagoas, como São Miguel dos Milagres,
Japaratinga, Porto de Pedras etc., que, segundo a detalhada descrição de Manuel Correia de
Andrade (2010 [1968], pp. 160-163), tinham nos coqueirais sua base econômica, seria
alterada sensivelmente com a instalação da Socôco S/A na cidade de Maceió em 1966. Além
da pressão advinda da expansão da cana sobre as propriedades ocupadas com os coqueirais,
formas de plantio e colheita do coco realizadas praticamente segundo o tempo da natureza são
forçadas a acompanharem os ritmos de funcionamento dessa indústria. Concentração da
propriedade, desvalorização acelerada das formas de trabalho herdadas, novas relações
campo-cidade, são o saldo desse processo (ROCHA, 2002). Uma atividade tão vinculada ao
cotidiano dessas pequenas cidades, já que o coco servia para diversos alimentos e a palha do
coqueiro era utilizada em inúmeras construções, acaba perdendo o sentido para a lucratividade
de capitais portugueses.
Duas outras indústrias, de menor porte, foram instaladas para beneficiamento do coco
na Região Canavieira de Alagoas, sendo uma no município de Pilar e outra também no
município de Maceió. Observamos na tabela 16 que 80% dos 660 trabalhadores desse ramo
industrial estavam na capital.

20
A concessão para a exploração das reservas de calcário do município foi dada à Companhia de Cimento Atol
pelo Governo Federal através do Decreto nº 80.008, de julho de 1977.
99

Tabela 16 – Região Canavieira de Alagoas: Indústria ligadas ao beneficiamento do coco segundo


número de trabalhadores (1984)
Município Início das Indústria Principais produtos Número de Escritório
atividades trabalhadores
Pilar 1961 Coco Alimentar de Óleo de coco industrial, 130 Pilar
Alagoas S/A coco ralado, farelo de
coco
Maceió 1966 SOCÔCO S/A Coco ralado, leite de 496 Maceió
indústrias coco, óleo de coco
alimentícias
Maceió 1976 BOMCOCO Leite de coco, coco 34 Maceió
indústria e ralado, óleo de coco
comércio LTDA
Fonte: FIEA (1984, várias páginas)
Organização: Fernando Silva (2017)

Em 1960 o número total de pessoas ocupadas na indústria em Alagoas era 19.759 num
total de 1.594 estabelecimentos, números que passaram para, respectivamente, 18.718 e 458
em 1970 e atingiram 39.776 e 1.802 em 1980. Dessa forma, é entre 1970 e 1980 que o valor
da transformação industrial dá um salto, saindo de 1.99.313 (mil cruzeiros) para 14.008.103
(mil cruzeiros). A queda verificada entre 1960-1970 ocorreu em virtude da falência das
fábricas têxteis (de 8.714 pessoas ocupadas nos estabelecimentos têxteis em 1960 restavam
somente 4.214 em 1970) (BRASIL, 1960; 1974; 1984).
Embora as estruturas produtivas que se erguem na Região tenham uma distribuição
muito parecida com a das fábricas têxteis, e ainda que a capacidade das elites do açúcar de
perpetuar a concentração fundiária limite, mais uma vez, a atuação de outros setores, estamos
na presença de uma situação deveras diferente21. Colocados como exigência para a
participação da Região Canavieira de Alagoas na política econômica nacional, os objetos
técnicos e as formas de fazer externos acabam servindo como parâmetro para todos os setores,

21
Araken de Lima (2006, p. 3) defende a tese de que em Alagoas “[...] a centralidade da produção açucareira na
estrutura produtiva do estado e suas determinações de cunho mercantis, conjugados a força social, política e
econômica dos grupos sociais dirigentes dessa atividade criaram um efeito de “fechamento” e isolamento de suas
estruturas de produção em relação a possíveis alternativas de organização econômica”. O autor argumenta
utilizando como comparação os estados de Sergipe, Bahia, Ceará e Pernambuco e buscando contradizer, em
parte, a ideia de Leonardo Guimarães Neto de que a integração da região nordeste ao território nacional teria
provocado mudanças substanciais na estrutura de produção nordestina sob o comando de capitais extra-
regionais, notadamente Estatais. Para Araken de Lima (2006, pp. 144-145 grifos no original). “[...] Alagoas não
passou por profundas alterações na sua estrutura econômica, a dinamização de suas atividades produtivas
continuou fortemente dependente da sua principal atividade tradicional e, ademais, a modernização desta
atividade não se deu sob o controle de capitais extra-regionais”. É difícil concordar com esta tese. Embora
Alagoas tenha se modernizado mantendo a preponderância do setor canavieiro, a economia, a política, a
sociedade e o espaço conheceram transformações profundas como resultado desse processo de integração. Além
dos “focos de modernidade” que vimos relatando, a economia urbana de todas as cidades, impulsionada pela
pobreza, mudou completamente, conforme abordaremos melhor no item 2.5.
100

subespaços e populações22. Nesta situação, a disputa pela repartição da riqueza se dá ao


mesmo tempo em que a maioria dos atores regionais buscam alcançar essa racionalidade
alheia, ou seja, essa disputa significa, desde o início, uma cooperação subordinada.
De fato, como no período anterior, as modernizações continuam sendo aí bastante
pontuais (SANTOS, 2009 [1978], p. 125), a diferença é que agora se trata de adaptar, ao
mesmo tempo, a economia, a política, a sociedade e o espaço para servirem como meios à
racionalidade de agentes do centro do capitalismo.
Por um lado, o número de empregos criados por essas novas atividades cresce em
pouquíssimos municípios, sobretudo em Maceió. Por outro, o trabalho intermitente nas usinas
não é mais compensado pela existência do roçado. Se em 1970 54% da PEA estava no setor
primário, 14% no secundário e 32% no terciário, em 1991 esses números eram
respectivamente de 32%, 17% e 51%. Essa variação ocorreu, principalmente, em virtude da
nova dinâmica dos municípios do interior, uma vez que Maceió já apresentava desde 1950 um
percentual muito pequeno de sua PEA ocupada nas atividades primárias. Dessa forma, o
campo desemprega e a grande indústria emprega pouco, fazendo aumentar, ao mesmo tempo,
um terciário de baixo nível de capitalização e o desemprego (SANTOS, 2008 [1975]). Em
1991, 572.467 pessoas de 10 anos e mais, isto é, 48% do total de pessoas nessa idade, não
apresentava rendimento algum.
Estamos, então, em face de um forma de produzir a riqueza que produz,
concomitantemente, altas taxas de desemprego (SANTOS, 2008 [1975]; SILVEIRA, 2005).
Esse desemprego condiciona fortemente a repartição social e geográfica da riqueza, uma vez
que joga um papel fundamental na definição dos salários e na mediação que faz o Estado
nessa repartição.
Assim, as atividades regionais não se adaptam, nem no mesmo ritmo nem da mesma
forma, a todo esse processo. Por isso, além das relações extra-regionais obrigatórias com os

22
Os principais autores que discutiram sobre a permanência e ampliação do fenômeno da pobreza em Alagoas na
segunda metade do século XX (TENÓRIO, 1995; ANDRADE, 1997; LIRA, 1998; LIRA, 2007; CARVALHO,
2009 entre outros) concordam que isso se deveu, em boa medida, à perpetuação da forte concentração fundiária e
da agroindústria canavieira como principal atividade econômica do estado. O ingresso na modernização
tecnológica sem romper com a antiga estrutura de propriedade foi responsável, de fato, por uma pobreza das
mais perversas do País. No entanto, muitas vezes o problema é apontado como sendo preponderantemente de
caráter setorial, como se a atuação de outros setores econômicos na região, como ocorreu em outras unidades da
federação, pudesse eliminar automaticamente o fenômeno da pobreza. Defendemos que, como o comando sobre
a produção e a repartição do excedente não é mais exclusivamente dado pelos limites da propriedade, como era
em grande parte quando vigorava o sistema de morada, a pobreza deixa de ser somente local para ser ao mesmo
tempo local, nacional e mundial (SANTOS, 2011 [2000], pp. 53-57). Ao lado da Reforma Agrária, a luta contra
a pobreza deveria incorporar a resistência contra a valorização de objetos e formas de fazer externos, porque
estes significam, ao mesmo tempo, a desvalorização dos lugares que não podem acompanhar tais formas
hegemônicas.
101

centros do acontecer hierárquico que a Região passa a estabelecer, novas atividades


comerciais e de serviços são convocadas a se instalar. Embora estas cooperem localmente ou
mesmo com o acontecer político-institucional, trata-se, na maior parte dos casos, de novos
aconteceres hierárquicos. Como exemplo podemos mencionar as agências bancárias. Em 1968
havia na Região 29 (vinte e nove) agências bancárias, sendo que 19 (dezenove) localizavam-
se em Maceió, enquanto o restante se distribuía pelas cidades de Capela, Rio Largo, São
Miguel dos Campos, União dos Palmares e Viçosa (SILVA et al, 1971, p. 32). Já em 1994, o
número total de agências tinha chegado a 84 (oitenta e quatro), estando 50 (cinquenta) na
cidade de Maceió e as outras 34 (trinta e quatro) distribuídas por 22 (vinte e duas) cidades
(site do Banco Central do Brasil).
A mesma adaptação parcial pode ser verificada no que se refere à sociedade. A
exigência de qualificação, assim como a possibilidade de se qualificar, acabam sendo bastante
restritas a poucas atividades localizadas em algumas cidades. Em 1970, a média de anos de
estudos das pessoas com 25 anos e mais era de 0,6 anos nos municípios do interior da Região
Canavieira e de 3,0 anos em Maceió, números que haviam subido, respectivamente, para 1,8
anos e 6,0 anos em 1991. Como nem sempre as atividades modernas esperam a mão de obra
local obter qualificação, podemos identificar a entrada de migrantes na Região, mas estes
procuram sobretudo Maceió. Entre 1960 e 1996 a Região Canavieira de Alagoas recebeu
190.564 imigrantes de outros estados, sendo que deste total 52%, ou seja, 98.172 buscaram o
município de Maceió. A porcentagem de imigrantes de fora do estado que procurou Maceió
foi aumentando ao longo das décadas: foi de 38% entre 1960-70, aumentou para 44% no
decênio 1971-80 e atingiu 64% entre 1981-90.
Parece-nos sintomático de uma sociedade que busca se constituir a partir de objetos e
ações importados que finalidades particulares de certos agentes sejam com tanta frequência
impostas como interessando à coletividade. Por isso, cria-se com bastante rapidez as
condições necessárias à concretização do acontecer hierárquico.
102

2.4. As novas especificidades locais da pobreza: o acontecer complementar campo-cidade e


cidade-cidade

Os processos que vimos discutindo, ao invés de homogeneizarem as formas de


manifestação da pobreza entre os diversos subespaços da Região Canavieira de Alagoas,
resultaram em manifestações locais específicas do fenômeno. Senão entre as diversas
propriedades rurais, já que aí o processo de racionalização do espaço tende a se impor com
mais facilidade, entre as cidades da Região essa constatação é por demais verdadeira.
Se o comando sobre a repartição do excedente não é mais essencialmente local, que
fatores explicariam tais especificidades? Defenderemos que, em boa medida, elas têm a ver
com as diferentes maneiras que o campo e a cidade, assim como as cidades entre si, cooperam
localmente (às vezes por pressão das normas e/ou condicionamento das técnicas) como
resposta ao acontecer hierárquico ou político-institucional. Nesse caso, em que o processo de
racionalização do espaço geográfico cria a necessidade “[...] do intercâmbio geograficamente
próximo”, trata-se do acontecer complementar, uma vez que esse intercâmbio supõe “[...] uma
extensão contínua, na cidade e no campo, sendo a contigüidade o fundamento da
solidariedade” (SANTOS, 2009 [1996], p. 166).
Esse acontecer se expressa nitidamente através das relações geradas entre atividades
econômicas instaladas para modernizar o campo ou mesmo as cidades. Mas, se considerarmos
que, na realidade, são subespaços que estão sendo colocados em cooperação localmente a
partir de um sentido controlado de fora, veremos que a questão está para além das atividades,
pois diz respeito ao espaço e à sociedade. Como nos países periféricos apenas alguns
subsistemas de objetos e ações passam a atuar diretamente como instrumento para a
racionalidade externa, as atividades que não se adaptam totalmente à modernização, ainda que
funcionem de maneira subordinada e desvalorizada pela sociedade, podem revelar princípios
sociais e espaciais de luta política, já que não se deixam instrumentalizar completamente pela
racionalidade dos agentes hegemônicos (SANTOS, 2008 [1975]; SILVEIRA, 2005;
RIBEIRO, 2005).
No contexto da conformação de uma rede urbana nacional, uma nova hierarquia
urbana se desenha na Região, sob o comando das metrópoles de São Paulo e de Brasília.
Expressão dos fatores de concentração e de dispersão derivados da instalação seletiva do meio
técnico-científico-informacional, a nova divisão territorial do trabalho termina por redefinir as
velhas funções atribuídas aos diferentes níveis de cidade, alterando assim os elementos sociais
e materiais responsáveis pela explicação da pobreza em cada um deles.
103

O número de cidades de até 5.000 habitantes na Região revelou tendência de aumento


até 1970. Entre outras razões, isto se explica pela instalação de novos municípios,
especialmente entre 1950 e 1970 quando foram emancipados 23 municípios. Já o total de
população que essas cidades abrigam cresceu apenas até 1980. A tendência das cidades com
cifras superiores é diferente. Neste caso, o crescimento populacional tende a ser mais rápido
nas cidades maiores. No decorrer do século XX, as principais cidades da Região, com exceção
de Maceió, não chegaram a ultrapassar a casa dos 50.000 habitantes, apenas no Censo de
2010 apareceram Rio Largo e São Miguel dos Campos com esse quantitativo. Na tabela 17
temos uma síntese dessa evolução.

Tabela 17 – Região Canavieira de Alagoas: Número de cidades por grupos de habitantes e população
(1970-2010)
1970 1980 1991 2000 2010
Classes de habitantes Cid. Pop. Cid. Pop. Cid. Pop. Cid. Pop. Cid. Pop.
Até 5.000 29 63.500 27 76.507 15 42.484 11 33.434 12 42.028
De 5.001 a 10.000 9 59.164 12 94.577 15 103.472 17 121.150 12 85.054
De 10.001 a 20.000 2 26.982 5 64.687 12 156.208 14 211.064 13 191.364
De 20.001 a 50.000 1 21.648 3 72.706 6 183.338 8 274.748 12 378.299
De 50.001 a 100.000 0 0 0 0 0 0 0 0 2 108.513
De 100.001 a 500.000 1 251.713 1 392.265 0 0 0 0 0 0
Mais de 500.000 0 0 0 0 1 583.343 1 795.804 1 932.129
Total 42 423.007 48 700.742 49 1.068.845 51 1.436.200 51 1.737.387
Fonte: BRASIL (1972; 1982; 1991, 2000; 2010)
Organização: Fernando Silva (2017)

A crescente expulsão dos trabalhadores/moradores das propriedades, os consumos


exigidos pelo campo e a distribuição demasiadamente seletiva das grandes firmas que se
instalaram na Região desencadearam, além de grandes fluxos migratórios para o Sudeste, um
processo de redistribuição da população na rede urbana regional. Podemos confirmar essa
redistribuição visualizando os mapas 14 a 19. A população urbana da Região tende a se
concentrar na capital e nas cidades de 20.000 habitantes e mais. Em 2010, estas respondiam
por 82% da população urbana total, sendo 54% em Maceió e 28% nas demais cidades. Nos
mapas 20 a 25 observamos que tal concentração passou a ocorrer, especialmente, no entorno
de Maceió e de São Miguel dos Campos (aí estavam 9 dos 15 centros de 20.000 habitantes e
mais).
104

Mapas 14 a 19 - Região de Canavieira de Alagoas: imigrantes que antes residiam no Estado de Alagoas (1960-2010)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
105

Mapas 20 a 25 - Região Canavieira de Alagoas: População urbana (1970-2010)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
106

Das 49 (quarenta e nove) cidades que compunham a Região Canavieira de Alagoas em


1991, 27 (vinte e sete) abrigavam alguma usina ou destilaria em seus municípios. Quanto aos
outros vinte e dois municípios que não sediavam nenhuma unidade industrial, embora
apresentassem uma parcela expressiva do seu território ocupada com lavoura canavieira, a
maior parte deles se localizava no entorno de Porto Calvo (7), Maceió (5), Penedo (4), União
dos Palmares (3) e Viçosa (3).
De fato, como mostra a tabela 18, os municípios do entorno de São Miguel dos
Campos foram não somente o foco da expansão da plantação de cana, mas também passaram
a sediar a maior parte das novas unidades industriais montadas após 1950. Aí estavam
também as maiores usinas e destilarias se considerarmos como critério o número de
trabalhadores: do total de 36.863 trabalhadores da agroindústria canavieira alagoana em 1994,
11.293 trabalhavam nos municípios de Boca da Mata, São Miguel dos Campos, Coruripe,
Campo Alegre, Junqueiro (a partir de 1989 em Teotônio Vilela) e Roteiro, isto é, 31% do total
estavam nestes seis municípios.

Tabela 18 – Região Canavieira de Alagoas: Usinas com destilarias anexas, usinas e destilarias
autônomas segundo o município, a localização do escritório e o número de trabalhadores em 1984 e
1994
Usinas com destilarias anexas
Localização Usinas e Localização Início das Número de Número de
destilarias do escritório atividades trabalhadores trabalhadores
anexas (1984)* (1994)*
Joaquim Alegria Maceió 1974 612 582
Gomes
Messias Bititinga Maceió 1937 418 239

Murici São Simeão Maceió 1967 606 629

Pilar Terra Nova Maceió 1957 400 870

Atalaia Ouricuri Maceió 1946 646 4.000

Flexeiras Peixe Maceió 1973 412 318

Porto Calvo Santana Maceió 1957 260 511

São Luís do Santo Antonio Maceió 1952 511 1.400


Quitunde

São José da Serra Grande Maceió 1933 1.100 2.620


Laje
União dos Laginha Maceió 1936 618 2.279
Palmares
Rio Largo Santa Cloitilde Maceió 1967 733 1.700
107

Rio Largo Utinga Leão Maceió 1940 1.221 1.413

Maceió Cachoeira do Maceió 1959 402 2.727


Meirim
Marechal Sumaúma Maceió 1962 558 639
Deodoro
Boca da Triunfo Maceió 1950 1.102 1.133
Mata
São Miguel Roçadinho Maceió 1952 677 920
dos Campos

São Miguel Sinimbu Maceió 1929 1.112 3.000


dos Campos

São Miguel Caeté Maceió 1959 923 983


dos Campos

Coruripe Coruripe Maceió 1925 1.291 2.506

Coruripe Guaxuma Maceió 1972 841 **

Campo Porto Rico Maceió 1957 970 1.485


Alegre
Junqueiro Seresta Maceió 1973 996 593

Usinas sem destilarias anexas


Localização Usinas Localização Início das Número de Número de
do escritório atividades trabalhadores trabalhadores
(1984)* (1994)*
Colônia Taquara Maceió 1950 300 310
Leopoldina

Matriz de Camaragibe Maceió 1943 417 400


Camaragibe

Atalaia Uruba Maceió 1922 577 975

Capela João de Deus Maceió 1964 485 400

Cajueiro Capricho Maceió 1944 580 713

Destilarias autônomas
Localização Destilarias Localização Início das Número de Número de
autônomos do escritório atividades trabalhadores trabalhadores
(1984)* (1994)*
Coruripe Camaçari Maceió 1979 475 450
Coruripe Pindorama Coruripe 1956 28 *

Porto Calvo Maciape Maceió 1974 122 232


108

Marechal Massagueira ** ** ** **
Deodoro
Roteiro Roteiro Maceió 1977 183 223

Joaquim Serrana ** ** ** 106


Gomes
Japaratinga São Gonçalo Maceió 1976 254 604

Colônia Porto Alegre Maceió 1977 1048 508


Leopoldina

Penedo Paisa Maceió 1976 392 567

Igreja Nova Marituba Maceió 1980 850 828

Total geral 22.120 36.863


* Não foi possível saber se os dados sobre o número de trabalhadores foi levantado em período de safra ou não.
** Não encontramos informações no Cadastro Industrial.
Fonte: FIEA (1984; 1994, várias páginas)
Organização: Fernando Silva (2017)

Avultam, desse modo, as especificidades geográficas da agroindústria canavieira e


suas implicações para a urbanização e para as diferenciações locais da pobreza. Baseando-nos
na explicação de Ricardo Castillo (2015, pp. 97-98), queremos destacar duas dessas
especificidades: 1) possibilidade de determinada usina moer cana localizada a certa distância
da planta industrial (até, em média, 40 km ou 50 km); e 2) limitação da produção industrial ao
período da safra (já que a cana não pode ser armazenada depois de colhida). Assim, as usinas
geram muitos postos de trabalhos temporários, e mesmo um município que não possua
unidade industrial pode ter sua economia urbana bastante condicionada pela duração das
safras.
Quando o processo de racionalização só se colocava timidamente nas relações entre
usineiros e trabalhadores, essas características do setor não emergiam com tanta força como
elemento de diferenciação entre as cidades. Não é mais o que ocorre. Doravante, ser pobre
numa pequena cidade das proximidades de Porto Calvo que não possui usina mas as terras do
município estão dominadas pela cana, como é o caso de Passo de Camaragibe, não seria a
mesma coisa de ser pobre em Campo Alegre, isto em virtude dos postos de trabalhos gerados
diretamente pela unidade industrial localizada neste município. Mas não somente por essa
razão.
A oferta dos novos bens e serviços requisitados pelas usinas também condiciona,
sobremaneira, a urbanização e as diferenciações da pobreza urbana na Região. Aqui,
novamente, presenciamos Maceió se destacar em relação aos demais centros, porque
109

[...] na região da mata alagoana, como ocorre nas demais regiões canavieiras
nordestinas, as cidades interioranas à exceção de umas poucas, não exercem
a função de entrepostos ou centros de convergência da produção rural. São
as usinas que exercem tal função o que reduz a dinamicidade e o poder de
comando espacial dos pequenos centros urbanos existentes na região.
Convém salientar que as relações externas das usinas são mantidas apenas
com a capital, já que é em Maceió que se localizam seus escritórios,
armazéns de açúcar, estabelecimentos bancários, o porto de embarque do
açúcar, e enfim, os serviços que a usina precisa, para seu funcionamento,
receber de centros urbanos (FIAM, 1978, pp. 16-17)23.

É preciso lembrar, porém, que além de Maceió alguns poucos centros urbanos, como
São Miguel dos Campos e União dos Palmares, produziam certos bens exigidos pelas usinas,
como vimos no item anterior. Além disso, comércios e serviços menos exigentes de capital,
como serviços de transporte de mão de obra das cidades para o campo, oficinas e serviços de
borracharia, entre outros, passaram a ser ofertados nalguns centros urbanos do interior.
Parece-nos razoável supor também que os serviços bancários, pouco a pouco,
passaram a ser buscados fora de Maceió: em 1994, das vinte e duas cidades do interior da
Região Canavieira que possuíam agências bancárias, somente cinco não tinham usinas em
seus municípios (Anadia, Viçosa, Junqueiro, Messias e Novo Lino). Por outro lado, 77% dos
municípios que não sediavam usinas não tinham qualquer agência bancária. Esse raciocínio
faz ainda mais sentido se lembrarmos que nove das trinta e duas agências bancárias do interior
eram do Banco do Estado de Alagoas – PRODUBAN, Banco sobre o qual os usineiros tinham
a maior parte do comando político (LIMA, 1992).
Nesses pequenos centros do interior originados “[...] em função de engenhos e usinas
[...]” (CORRÊA, 1992, p. 94), os direitos do trabalhador rural, agora assegurados pelo Estado,
vêm acrescentar novos elementos à diferenciação da pobreza. Neste sentido, apresentamos
nos mapas a seguir a distribuição do número de aposentados e pensionistas de Instituto Oficial
da Previdência no período de 1991 a 2010. Vemos que há maior densidade no entorno de
Maceió e São Miguel dos Campos, e certa rarefação nos municípios próximos a Porto Calvo.
Dessa forma, mais uma vez as cidades com menos de 20.000 habitantes, especialmente os
pequenos centros que não chegam a alcançar a cifra de 5.000, tendem a empobrecer e perder
população (tabela 17). Ser pobre aí significa, além de tudo o mais, não ter acesso aos bens

23
No século XXI essa dinâmica conheceria alterações não desprezíveis. O pagamento dos salários aos
trabalhadores por parte das usinas, por exemplo, antes realizado nos barracões das fazendas ou nas próprias
usinas, passaria a ser feito através de bancos, o que terminaria por aumentar as complementaridades do campo
com certas cidades do interior, ao mesmo tempo que contribuiria para o empobrecimento daquelas pequenas
cidades que não abrigam usinas em seus municípios nem muito menos agência bancária no espaço urbano.
110

garantidos pelo Estado ou, por exemplo, ter que ir todo mês a uma cidade vizinha para receber
a aposentadoria.

Mapas 26 a 29 - Região Canavieira de Alagoas: aposentados e pensionistas de instituto oficial da


previdência (1991-2010)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Na sequência de mapas a seguir, procuramos sintetizar as principais características e


especificidades locais da pobreza na Região: alto percentual da PEA sem rendimento algum,
ou com baixíssimos rendimentos, e escassez de infra-estrutura urbana básica.
111

Mapas 30 e 31 – Região Canavieira de Alagoas: rendimentos nominais das pessoas com 10 anos e
mais (1980-1991)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Mapas 32 e 33 - Região Canavieira de Alagoas: rendimentos nominais das pessoas com 10 anos e
mais (2000-2010)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
112

Mapas 34 a 39 – Região Canavieira de Alagoas: Domicílios com instalações sanitárias (1970-2010)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
113

Mapas 40 a 45 - Região Canavieira de Alagoas: Domicílios com água canalizada (1970-2010)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
114

Mapas 46 a 51 – Região Canavieira de Alagoas: Domicílios com energia elétrica (1970-2010)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
115

É impressionante o baixo nível de rendimento na Região: em 1980 apenas 5% das


pessoas de 10 e mais auferiam mais de três salários mínimos, porcentagem que chegou a 7%
em 1991, 9% nos anos 2000 e 7% em 2010. Por outro lado, a porcentagem da PEA com
rendimentos de até três salários mínimos conheceu mudanças importantes nas últimas duas
décadas representadas no mapa: em 2000 diminuiu para 39%, uma vez que cresceu o número
de pessoas sem rendimentos; e em 2010 aumentou para 54%, porque diminuiu
expressivamente a parcela da PEA que não auferia rendimentos. Esse crescimento nos níveis
de rendimento dos mais pobres, ocorrido durante os anos 2000, será melhor investigado na
segunda parte da presente tese.
Observamos que os serviços públicos mais dependentes da oferta municipal e/ou
estadual apresentavam situações bastante dramáticas na década de 1970 e, apesar de terem
melhorado significativamente até 2010, não lograram ainda alcançar todas as populações em
todas as cidades. Em 1970, somente 2% dos domicílios da Região apresentavam instalações
sanitárias, enquanto a porcentagem com água encanada alcançava 30%. Em 2010 essas
porcentagens eram, respectivamente, de 27% e 72%.
Quanto à energia elétrica, que com a distribuição da CEAL passou a estar disponível
em todas as sedes municipais da Região já na década de 1970, o problema do acesso se
colocava essencialmente do ponto de vista socioeconômico. Ocorria da forma como constatou
certo relatório da Secretária de Planejamento do Estado de Alagoas para os municípios
próximos a Porto Calvo: “a energia elétrica está presente em tôdas as cidades da região, mas
seu uso é limitado para os da classe média” (SEPLAN, 1968, p. 49). Por isso, apenas em
2010, com as novas possibilidades de obtenção de rendimentos por parte das populações
empobrecidas e em decorrência das políticas públicas criadas a partir de 200324, o acesso à
energia elétrica se apresentava praticamente universalizado
Em síntese, podemos afirmar que nem todas as cidades, nem nestas todos os seus
subespaços, foram diretamente instrumentais à racionalidade externa. Mas, como se tentava
inserir os lugares na dinâmica nacional a partir desse parâmetro importado, os demais
sistemas de objetos e ações são pressionados a participar de maneira subordinada. Daí que as
diferenciações da pobreza na rede urbana e no espaço urbano possam ser tratadas como
concretizações de um mesmo processo (SANTOS, 2008 [1975], pp. 345-363).

24
Destaca-se, nesse sentido, o “Programa Luz Para Todos”, oficialmente chamado de “Programa Nacional de
Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica”, criado pelo Decreto nº 4.873, de novembro de 2003. Até
2013, o estado de Alagoas teve cerca de 98 mil domicílios eletrificados através desse Programa. Dado disponível
em: http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/noticia.php?c=219756 Acesso em maio de 2017.
116

A rede urbana da Região Canavieira de Alagoas expressaria não somente as


cooperações locais exigidas pelo acontecer político-institucional ou pelo acontecer
hierárquico, mas também as formas diversas de participação nessa dinâmica dos subsistemas
de objetos e ações subordinados. A análise de Roberto Lobato Corrêa (1992, p. 93) a partir de
dados dos anos 1960, segundo a qual essa rede urbana se caracterizava pela grande
concentração demográfica em Maceió e pela presença de inúmeros centros locais sem
importância alguma, precisaria agora ser atualizada.
Os estudos “Divisão do Brasil em Regiões Funcionais Urbanas” (1972) e “Regiões
de Influência das Cidades - REGIC” (1983; 1993; 2007)25, do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE, possibilitam-nos apreender alguns aspectos do intercâmbio
entre as cidades da Região, ou seja, do acontecer complementar na rede urbana 26 (SANTOS,
2009 [1996], pp. 166-167). Vejamos a sequência de mapas a seguir.

25
Além desses, há mais dois estudos realizados pela Secretária de Planejamento do Estado de Alagoas –
SEPLAN em convênio com a SUDENE, sob a coordenação do geógrafo Ivan Fernandes Lima. São eles:
“Estrutura urbana de Alagoas – interação por funções urbanas” e “Estrutura urbana de Alagoas – interação por
fluxos telefônicos” (GOVERNO DO ESTADO DE ALAGOAS, 1977a; 1977b). Ambos chegaram a resultados
muito semelhantes àqueles do IBGE, mesmo porque a base teórico-metodológica adotada foi idêntica, qual seja,
a teoria dos Lugares Centrais. Pensamos que tais pesquisas apresentam duas limitações principais. A primeira,
que de certa forma vimos apresentando nos dois itens anteriores deste capítulo, é que ao considerar-se alguns
bens e serviços ofertados por uma cidade pode-se ter a impressão de que o comando sobre uma dada região
encontra-se nesta cidade, quando na realidade ambas podem estar cooperando com subespaços longínquos
(SILVA, 2001; DIAS, 1995). A segunda limitação, que procuraremos contornar no próximo item, é reconhecida
amplamente nas explicações metodológicas do IBGE e diz respeito ao fato de a Teoria dos Lugares Centrais não
permitir compreender devidamente como os subsistemas de ações subordinados dinamizam a rede urbana de
maneira particular.

26
Há diferenças metodológicas importantes entre o estudo “Divisão do Brasil em Regiões Funcionais Urbanas”
(1972) e as REGICs. Por exemplo, no estudo de 1972, que não partiu da teoria dos Lugares Centrais, foram
investigados, além da distribuição de bens e serviços nos centros urbanos, relacionamentos com base na
comercialização de produtos agrícolas. Acreditamos que se a questão de fundo for tão somente identificar as
cidades do interior que passaram a se destacar na oferta de alguns bens e serviços aos centros locais da Região,
como é o que pretendemos aqui, tais diferenças não impedem de estabelecermos certas comparações entre eles.
117

Mapas 52 a 55 – Região Canavieira de Alagoas: hierarquia dos centros urbanos segundo o estudo “Divisão do Brasil em Regiões Funcionais Urbanas” (1972) e “Regiões de Influência das Cidades - REGIC” (1983, 1993, 2007)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração cartográfica: Luciano Duarte
118

De acordo com os mapas, apesar de outras cidades terem aparecido num momento ou
noutro com certa importância (o caso mais persistente é o de Viçosa), quatro centros urbanos
despontaram no interior: São Miguel dos Campos, Porto Calvo, União dos Palmares e
Penedo. Na realidade, este último já exercia há muito tempo um papel importante na rede de
cidades do baixo São Francisco, no entanto somente com a expansão da cana e a instalação de
duas destilarias nessa área é que ficamos autorizados a incluí-lo na Região Canavieira
(MONTEIRO, 2013 [1962], pp. 92-102). Mesmo assim, fica claro quando olhamos as cidades
com as quais Penedo se relaciona que a sua dinâmica urbana está para além da Região
Canavieira, e mesmo do estado.
Dessa forma, notadamente as cidades de São Miguel dos Campos, Porto Calvo e
União dos Palmares, encravadas no meio do canavial, são pressionadas, por um lado, a
adaptarem uma pequena parcela dos seus sistemas de objetos e ações a uma racionalidade
externa e à viabilização dos direitos do trabalhador rural; por outro lado, a presença de um
número significativo de pessoas de baixos rendimentos e sem direitos sociais garantidos, tanto
do próprio município quanto migrantes de municípios vizinhos, impulsiona a adaptação da
economia, da política e do espaço dessas cidades.
É dessa forma que o acréscimo desigual de técnica e informação aos lugares se torna
responsável pelas novas cooperações campo-cidade, e entre as próprias cidades. São
cooperações devidas não somente às possibilidades oferecidas à ação humana pelo quadro
natural, ou então apenas por sistemas técnicos articulados na escala regional, conforme
ocorreu nos períodos anteriores da história da Região. Os meios informacionais desempenham
agora um papel fundamental, daí que as relações horizontais não se expliquem sem a
referência aos comandos externos. Estamos, assim, diante do acontecer complementar.
Como se manifestaria a pobreza no espaço urbano de Porto Calvo, União dos Palmares
e São Miguel dos Campos? Como as populações mais pobres iriam habitar e trabalhar? Teria
continuidade, agora fora da grande propriedade do usineiro, a percepção de uma “cidadania
concedida” (SALES, 1992), ou presenciaríamos daí em diante a lógica da “cidadania
regulada” (SANTOS, 1979) se perpetuar nas cidades do interior da Região Canavieira? Como
os diferentes subsistemas de objetos e ações que intentam adaptar as cidades se relacionam
com as pequenas cidades do entorno?
Inicialmente abordaremos essas questões no próximo item, mas elas continuarão sendo
problematizadas até o final da tese.
119

2.5. A Apreensão do Espaço Dividido: pobreza urbana em Porto Calvo, União dos
Palmares e São Miguel dos Campos

Alcançadas de diferentes maneiras pelos processos de mecanização da circulação e da


produção, as cidades de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos
acabaram participando, nos períodos anteriores, em graus diversos e em diferentes momentos
da vida urbana regional. As condições naturais ou artificialmente criadas para a circulação de
açúcar oferecidas, por exemplo, por Porto Calvo e União dos Palmares durante certo tempo,
deram às atividades e aos atores sociais que aí se instalaram possibilidades de contatos
privilegiados com outros subespaços. Nada que se comparasse, porém, às condições
oferecidas por Maceió. Em resumo, a distribuição pontual dos elementos e variáveis que
constituíam a vida urbana na Região podia ser atribuída, em larga medida, à racionalização
limitada do meio geográfico, particularmente dos meios de transporte (CORRÊA, 1992;
SANTOS, 2008 [1993], p. 9).
Os processos de racionalização do espaço geográfico derramariam sobre essas cidades,
agora de maneira sincrônica, ainda que novamente seletiva, novos conteúdos urbanos, que as
tornariam cada vez mais integradas à Região e ao território nacional (GEIGER, 1963). Como
vimos, os novos meios de transporte e de comunicação e a migração campo-cidade tornaram a
urbanização um fenômeno generalizado na Região; paralelamente, a seletividade dos
consumos exigidos pelo campo e, particularmente, a necessidade de viabilizar os direitos do
trabalhador rural passam a demandar sistemas de objetos específicos em Porto Calvo, União
dos Palmares e São Miguel dos Campos. Além disso, a pobreza passa a ser um fenômeno
sobretudo urbano, o que requer também adaptações nada desprezíveis dessas três cidades.
Acreditamos que, tratados de maneira indissociáveis, a cidade e o urbano desses três
municípios podem oferecer uma síntese privilegiada de como a realidade urbana da Região
Canavieira de Alagoas se insere no processo de racionalização do espaço brasileiro.

2.5.1. Porto Calvo

Originada de um pequeno porto para o transporte do açúcar na área canavieira mais


antiga de Alagoas, com ocupação iniciada em cima de um pequeno morro à margem esquerda
do Rio Manguaba a cerca de 20 km do litoral, a cidade de Porto Calvo, que havia perdido
expressividade urbana por não ter sido contemplada com as ferrovias, começa nos anos 1960
120

a ascender como o principal centro de distribuição de bens e serviços para minúsculas cidades
extremamente pobres do norte de Alagoas.
A emancipação dos municípios de Jacuípe, Jundiá, Matriz de Camaragibe e
Japaratinga ao longo da década de 1950, que cria cidades isoladas no meio do canavial,
somada à construção da AL -101 norte27 acabam por colocar Porto Calvo no entrecruzamento
de várias estradas vicinais e de novas e velhas cidades localizadas entre a BR – 101 e o litoral
norte de Alagoas.
Adicionalmente, com a falência da usina São Francisco (1961) de São Luís do
Quitunde e da usina Santa Amália de Passo de Camaragibe (1973), Porto Calvo torna-se o
município do norte a leste da BR – 101 com maior número de unidades industriais, abrigando
a usina Santana (1957) e a destilaria Maciape (1974).
Se é possível afirmar que Matriz de Camaragibe foi no pequeno intervalo entre sua
emancipação e meados dos anos 1960 a principal cidade da porção norte da Região
Canavieira, momento em que a pavimentação da AL – 101 norte ainda estava em andamento,
a construção do Hospital Municipal São Sebastião e a instalação de uma agência do
PRODUBAN (viabilizada com cessão do prédio pela prefeitura municipal) em Porto Calvo,
no final da década de 1960, terminaram alterando essa dinâmica (SEPLAN, 1968, pp. 50-51).
O espaço urbano de Porto Calvo passava, então, a abrigar serviços que não estavam
disponíveis em nenhuma cidade do entorno.
Presenciamos, desta forma, o surgimento de uma dinâmica deveras nova no alto do
morro da cidade de Porto Calvo. Aí, primeiramente, “[...] se construíram armazéns, os
trapiches, em que se acumulavam, à espera das barcaças, o açúcar e os outros produtos de
exportação” e as “[...] casas que negociavam com produtos importados – sal, tecidos, etc. [...]”
(ANDRADE, 2010 [1968], pp. 145-16); em seguida, a feira-livre instalada nessa área, apesar
de não ser muito expressiva por conta da existência de outras feiras nas fazendas das usinas,
atraía os produtos da praia (coco e peixe) e dos pequenos roçados (SEPLAN, 1968, p. 50).
Com a instalação do Hospital e da agência do PRODUBAN podemos assegurar que estamos
em face de um intercâmbio geográfico que se explica em função da própria racionalidade do
espaço urbano sintetizada nos novos fixos.

27
Para o período em análise, estamos considerando a AL – 101 norte como consta no documento “Estudo de
Viabilidade de Estradas Vicinais” (1972), do Departamento de Estradas de Rodagem - DER AL. Aí essa rodovia
compreende o trecho que vai de Maceió até Maragogi via Porto Calvo. A pavimentação até esta última cidade,
conforme consta no mesmo documento, já havia sido concluída em 1972. Atualmente a nomenclatura mudou e o
trecho que corta Porto Calvo é denominado de AL – 105 (ver mapa 3)
121

Nos dois decênios posteriores, com a instalação, também no alto do morro, de uma
agência do Banco do Brasil e um posto do antigo Instituto Nacional da Previdência – INPS
esse intercâmbio foi ratificado. Como é possível notar nos mapas 56 e 57, os principais fixos
públicos e econômicos que a cidade passou a abrigar foram instalados na mesma área.

Mapas 56 – Porto Calvo: Localização de fixos selecionados em 1972

Organização das informações: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
122

Mapas 57 – Porto Calvo: Localização de fixos selecionados em 1994

Organização das informações: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Um bom indicativo dessa nova dinâmica é, sem sombra de dúvidas, a maneira como
foi se organizando, pouco a pouco, um sistema de transporte regular entre os pequenos
centros urbanos da área e Porto Calvo. Se algumas empresas que passaram a realizar o
transporte de passageiro de Maceió até Recife podiam servir às cidades localizadas ao longo
da AL – 101, no caso das pequenas cidades, servidas por péssimas estradas, tratava-se de um
fluxo de pessoas bastante irregular que, ao que tudo indica, teve origem com as feiras e
123

começou a ganhar certa regularidade em função das necessidades de ir em busca de bancos,


INPS etc. Não deixou, todavia, de ser restrito a alguns dias do mês, o que criava
oportunidades para agentes econômicos locais que pudessem melhor se adaptar a essa
demanda. É o que procura mostrar o quadro 6.
124

Quadro 6 – Origem e algumas características do serviço de transporte interurbano surgido em Porto Calvo e nas cidades do entorno

Perfil dos passageiros que Ano em que passou a


Cidade de Década do Linhas que perfaziam quando Algumas características no período
circulavam no período de se organizar como Algumas características atuais (2016) *
origem surgimento surgiu de surgimento
surgimento associação
Na década de 1980 havia
São 35 carros, sendo que 3 fazem a linha Porto de
aproximadamente 64 carros (modelo
Pedras – Maceió e 32 se dividem entre as linhas Porto
Kombi) que se dividiam entre as
Calvo - Maceió e Porto Calvo -Maragogi. Não há linha
linhas Porto Calvo - Maceió e Porto Com destino a Maceió circulavam as
Porto Calvo-Maceió (via Matriz direta de transporte de Japaratinga nem de Porto de
Calvo - Maragogi. Os carros saíam à populações de maiores rendimentos,
de Camaragibe, São Luís do Pedras para Porto Calvo. Quem viaja de Japaratinga
medida que completavam o número com destino a Porto Calvo circulavam
Porto Calvo Década de 1980 Quitunde e Barra de Santo 1999 toma o transporte da linha Maragogi – Porto Calvo e
de passageiros, cada motorista tendo populações de todos os rendimentos
Antônio) e Porto Calvo - quem viaja de Porto de Pedras para Porto Calvo tem
sua vez. Apesar de não estarem em busca de bancos, INPS**,
Maragogi (via Japaratinga) que descer antes em São Luís do Quitunde. Toda a
organizados em associação, havia hospital, feira etc.
organização das linhas é, desde 2004, feita pela
certo controle por parte dos próprios
Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de
trabalhadores sobre a entrada e saída
Alagoas – ARSAL.
de novos transportadores nas linhas.
São 3 carros na linha Jacuípe-Porto Calvo e 3 na linha
Essencialmente populações de baixos
Jacuípe-Palmares-PE. O transporte é realizado em
Não foi possível Jacuípe – Porto Calvo e Jacuípe - rendimentos: trabalhadores de usinas
Jacuípe Não foi possível obter informações Não há associação carros do modelo Kombi e doblô. Não foi possível
obter informações Palmares (PE) e/ou seus familiares em busca de
saber se há alguma regulação da parte do poder
bancos, INSS**, hospital, feira, etc.
público.
Populações de baixos rendimentos São 4 carros na linha Jundiá - Porto Calvo, 3 na linha
Jundiá - Porto Calvo, Jundiá -
Não foi possível (trabalhadores de usinas e/ou seus Jundiá Palmares, 3 na linha Jundiá - Novo Lino e 1 na
Jundiá Novo Lino, Jundiá Palmares e Não foi possível obter informações Não há associação
obter informações familiares) em busca de bancos, linha Jundiá - Maceió. Não foi possível saber se há
Jundiá Maceió
INPS**, hospital, feira, etc.). alguma regulação da parte do poder público.
*Alguns dados sobre o número de praças atuais em cada linha, obtidos em nossas entrevistas, não conferem com os dados disponibilizados pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL. Nesses casos
optamos por manter os números colhidos no trabalho de campo.
** Preservamos a sigla informada nas entrevistas realizadas com o presidente de cada associação. Supõe-se que quando aparece “INPS” trata-se de uma linha de transporte mais antiga.
Fonte: Trabalho de campo (2015-2016)
Organização: Fernando Silva (2017)
125

Pelas informações apresentadas no quadro é possível dizer que as novas relações entre
as cidades expressam-se, sobretudo, na economia urbana de Porto Calvo, uma vez que foi
principalmente esta cidade que reuniu as condições necessárias para implementar o transporte
regular de passageiros entre as pequenas cidades do seu entorno.
Desse modo, o novo urbano de Porto Calvo é responsável, de várias formas, por um
processo de grandes mudanças nas atividades que esta cidade passa a abrigar. A redistribuição
da população total entre a cidade e o campo, assim como da população economicamente ativa
- PEA entre os setores da economia são, dentre outros, indicadores confiáveis de tais
mudanças.
Se no decorrer da década de 1960 a população urbana de Porto Calvo não conheceu
acréscimos, a partir de 1970 observamos que o crescimento da população total passa a ser
sentido, sobretudo, pela cidade (gráfico 1). Esta, adicionalmente, acolhe os migrantes do
campo, ainda que a migração campo-cidade aí ocorra lentamente devido ao peso das velhas
estruturas sociais, que contribuem para manter, ainda que com tendência ao desaparecimento,
algumas casas de moradores nas fazendas das usinas.

Gráfico 1 – Porto Calvo: Evolução da População Urbana (1960-2010)

Fonte: BRASIL (1960; 1972; 1982; 1991; 2000; 2010)


Organização: Fernando Silva (2017)

Quanto à distribuição da PEA, como mostra o gráfico 2, constatamos uma dinâmica


semelhante: a participação do setor primário no total da PEA, que praticamente não se alterou
entre 1960 e 1970, começa a declinar nesta última década. Daí em diante, são os comércios e
serviços que tendem a aumentar a participação na PEA, ao passo que a parte que cabe ao setor
126

secundário, ainda que tenha tido certo impulso entre 1970 e 1980 com a instalação da
destilaria Maciape, tende a manter-se (exceção feita a década de 1990, quando diminuiu
consideravelmente).

Gráfico 2 – Porto Calvo: Evolução da População Economicamente Ativa* por Setor (1960-2010)

* Excluídas as atividades não identificadas


Fonte: BRASIL (1960; 1972; 1982; 1991; 2000; 2010)
Organização: Fernando Silva (2017)

O lento acréscimo nos números totais, tanto da PEA como da população total, é
revelador da gravidade da pobreza em Porto Calvo. Estamos tratando de um município onde,
desde 1980, a porcentagem de pessoas que auferem mais de três salários mínimos, entre todas
aquelas de 10 anos e mais de idade, nunca alcançou sequer 4%. Se a partir dessa mesma
década formos considerar os que auferem rendimentos superiores a 10 salários mínimos,
chegamos ao número máximo de 84 pessoas alcançado em 2000. Na realidade, as grandes
variações nos rendimentos da população portocalvense, como em toda a Região Canavieira de
Alagoas, ocorrem entre os mais pobres: a primeira se dá entre 1991 e 2000, quando a
porcentagem de pessoas de 10 e mais sem rendimentos aumenta de 50% para 58%; e a
segunda, entre 2000 e 2010, quando essa porcentagem cai para 42%.
Paralelamente aos processos que vimos descrevendo, a cidade de Porto Calvo vai
sendo moldada de maneira mais flexível por outros sistemas de objetos e ações. Trata-se de
um processo que revela as especificidades do processo de racionalização das cidades dos
países periféricos (SANTOS, 2008 [1994], pp. 69-75). Acreditamos que um bom indicador
inicial dessa flexibilidade seja a forma de ocupação dos espaços urbanos pelas populações
127

pobres, ainda mais porque na situação em análise tais populações representam quase toda a
população urbana.
Pelas informações disponíveis no documento “Diagnóstico Habitacional” (FIPLAN,
1988), produzido pela Secretaria de Planejamento do Estado de Alagoas – SEPLAN em
convênio com a SUDENE, podemos dizer que durante a década de 1970 teve início a
ocupação de novos espaços na cidade de Porto Calvo. Vale lembrar que entre 1970 e 1980 a
população urbana desse município quase dobrou, passando de 4.977 para 8.480 pessoas.
Como o número da população urbana total ainda era pequeno, inicialmente essa ocupação
ocorreu descendo o morro em direção à várzea do Rio Manguaba. Em verdade, tratava-se da
criação apenas de novas ruas. Somente na década de 1990 é que observamos a criação do
Bairro da Mangazala e, nos anos 2000, do Oscar Cunha, ambos às margens da AL - 101.
Esses aspectos gerais da nova forma de constituição da cidade de Porto Calvo são
apresentados no quadro a seguir. Com ele, temos somente o objetivo de apontar como uma
característica do processo de racionalização das cidades brasileiras se revela nas cidades de
uma Região tão pobre.

Quadro 7: década e formas de ocupação dos bairros de Porto Calvo - AL


Bairro Década de surgimento Formas de ocupação
Centro Não foi possível obter Venda e doação de terrenos (não foi possível saber que
informações doou)
Mangazala Década de 1990 Doação de terrenos por parte da prefeitura e venda de
alguns terrenos por particulares
Oscar Cunha Década de 2000 Doação de terrenos por parte da prefeitura; venda de
terrenos por particulares; e Programa Minha Casa, Minha
Vida
Fonte: FIPLAN (1988) e trabalhos de campo (2014-2016)
Organização: Fernando Silva (2017)

Em resumo, podemos dizer que a própria evolução do espaço urbano de Porto Calvo,
assim como suas relações externas e internas, passam a resultar da convivência entre os
subsistemas de objetos e ações valorizados pela sociedade e todos os demais objetos e formas
de fazer. Estes últimos constituem, de longe, a grande maior parte da cidade, mas são
compelidos a se adaptar ou funcionar de maneira subordinada.
Uma expressão desse verdadeiro “Espaço Dividido” (SANTOS, 2008 [1975], p. 44) é
a diversidade de formas de organização social, espacial e política das atividades econômicas
que passam a conviver na cidade. Por isso, de acordo com Milton Santos, seria melhor de
agora em diante, tanto para fins operacionais como para buscar a compatibilidade das teorias
128

com a nova realidade urbana dos países periféricos, diferenciar tais atividades segundo os
graus de técnica, capital e organização a partir dos quais elas funcionam. Mesmo que, por
exemplo, o pequeno comércio e a feira-livre28 passem a funcionar em Porto Calvo na mesma
rua que o PRODUBAN e o Banco do Brasil, no caso dos primeiros o nível de capital é baixo,
e disso depende, em larga medida, suas possibilidades de organização. São atividades que
pertencem, na sua maior parte, ao circuito inferior da economia urbana, enquanto os bancos
fazem parte do circuito superior da economia urbana (SANTOS, 2008 [1975]).
Segundo o mesmo autor (2008 [1975], pp. 40-42), cada circuito pode ser definido a
partir do conjunto de atividades que abrange e da população que a ele recorre para trabalhar
e/ou para consumir. Não se trata de uma lista rígida de atividades que devem estar presentes
na cidade para que cada circuito seja delimitado, porque no caso de Porto Calvo, por exemplo,
ainda que não tenhamos o intuito de fazer um levantamento exaustivo de todas as atividades
que existiram nesta cidade no período em análise, já ficou claro que era pontual a presença do
circuito superior. Frequentemente ocorre de a população de um dos circuitos consumir um
bem ou serviço em outro, isto vai depender bastante da forma como se entrelaçam os dois
circuitos em cada contexto urbano-regional, assim como de cada época.
Os elementos do circuito superior são: os bancos, indústria e comércio urbano
modernos, indústria e comércio de exportação, serviços modernos, atacadistas e
transportadores. Cada um desses elementos relaciona-se de maneira específica com os demais,
com a cidade na qual está presente e com o outro circuito, o circuito inferior da economia
urbana. Este abrange o comércio não-moderno (geralmente de pequena dimensão), os serviços
não-modernos e as formas de fabricação que não exigem muito capital (SANTOS, 2008
[1975], p. 40).

28
Roberto Lobato Corrêa (1988, p. 72) lembra que, “no Nordeste brasileiro, os mercados periódicos ou feiras
constituem um dos componentes fundamentais da rede de localidades centrais, coexistindo com outros
componentes de localização fixa”. E que, “quanto maior for a importância da cidade, em termos de centralidade,
maior será a importância absoluta de sua feira, importância determinada segundo o número de participantes e a
área de atuação da mesma” (p. 73). Trata-se de um mercado tradicional do Nordeste, umbilicalmente ligado à
economia e à cultura dos lugares, que também se moderniza seletivamente e passa a participar ativamente da
conformação das redes urbanas nordestinas.
129

2.5.2. União dos Palmares

Mais jovem que Porto Calvo, a cidade de União dos Palmares, surgida às margens do
Rio Mundaú numa área em que a resistência negra havia inicialmente impedido a expansão da
cana (LIMA, 1992, pp. 81-83), acompanhou um pouco mais de perto a vida urbana regional
na primeira metade do século XX em função das possibilidades de circulação que foram-lhe
abertas pela chegada das ferrovias. A estação ferroviária, a cerca de 0,5 km das margens do
Rio Mundaú onde teve início a cidade, já havia direcionado a localização de alguns fixos,
como as agências do Banco do Brasil e dos Correios, para suas proximidades. Tudo isso
termina condicionando o ingresso de União dos Palmares no período de racionalização do
espaço urbano.
Entre as décadas de 1960 e 1990 a Praça Antenor Uchôa e a Avenida Monsenhor
Clovis Duarte de Barros passaram a abrigar mais duas agências bancárias (do PRODUBAN e
do Banco do Nordeste), além de um Posto do Instituto Nacional da Previdência – INPS, um
cinema etc. Nos mapas 58 e 59 podemos observar como se distribuíam no espaço urbano os
principais fixos que foram instalados nesse intervalo de tempo.
130

Mapas 58 – União dos Palmares: Localização de fixos selecionados em 1971

Organização das informações: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
131

Mapas 59 – União dos Palmares: Localização de fixos selecionados em 1994

Organização das informações: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Até mesmo os fixos mais antigos estavam agora ingressando numa nova dinâmica.
Uma instituição de caridade como o Hospital São Vicente de Paulo, por exemplo, inaugurada
em 1937 para lidar com situações locais de pobreza e indigência do entorno de União dos
Palmares, teria vários equipamentos necessários ao seu funcionamento adquiridos pelo
FUNRURAL, além de uma sala específica para atender aos segurados do INPS
(MINISTÉRIO DO INTERIOR, 1971, p. 61). Neste caso, como em vários outros, o acontecer
132

político-institucional mediava parte importante do novo papel que a cidade de União dos
Palmares passa a exercer face aos pequenos centros urbanos do entorno.
Esse papel não é compreensível sem mencionarmos a construção da BR – 104 e a
instalação da Usina Lajinha (1936) no município. Embora o vizinho município de São José da
Laje sediasse uma das mais antigas e maiores usinas da Região Canavieira, a emancipação
dos municípios de Santana do Mundaú (cuja principal estrada demandava a cidade de União
dos Palmares) e de Branquinha (a cerca de 10 km de União dos Palmares) durante a década de
1960, assim como a ampliação dos serviços bancários e de saúde sediados no espaço urbano
palmarino, confirmaram as novas formas de intercâmbio geográfico de União dos Palmares
com os centros urbanos do seu entorno.
No quadro 8 procuramos mostrar como esse intercâmbio propiciou o surgimento de
um sistema interurbano de transporte de passageiros. Vejamos.
133

Quadro 8 – Origem e algumas características do serviço de transporte interurbano surgido em União dos Palmares e nas cidades do entorno
Ano em que passou a se
Cidade de Década do Linhas que perfaziam quando Algumas características no período de Perfil dos passageiros que circulavam
organizar como Algumas características atuais (2016) *
origem surgimento surgiu surgimento no período de surgimento
associação
Rodavam em média 15 carros do modelo
Kombi na linha Branquinha - União dos
São 12 carros (modelos van e ducato) que fazem a linha
Palmares. Não há registro sobre a Essencialmente trabalhadores de usinas e 2002 (antes disso os
Branquinha - União dos Palmares. A linha Branquinha –
Branquinha - União dos Palmares e quantidade de carros na linha Branquinha seus familiares, aposentados e trabalhadores estavam
Branquinha Década de 1990 Murici não existe mais. Toda a organização da linha é, desde
Branquinha - Murici – Murici. Para trabalhar no transporte funcionários públicos que buscavam vinculados à associação
2011, feita pela Agência Reguladora de Serviços Públicos
bastava comprar um carro e sair pegando bancos, INSS**, hospital etc. de União dos Palmares)
do Estado de Alagoas – ARSAL.
passageiros, não havia qualquer controle
sobre a entrada e saída de transportadores.
Os carros eram do modelo F 4.000 e D-20
(em função das péssimas condições da
rodovia AL - 205). Não há registro na São 22 carros (modelos van e ducato) que fazem a linha
associação sobre o número de carros que Santana do Mundaú - União dos Palmares. Toda a
Santana do Santana do Mundaú - União dos Trabalhadores de usinas, pequenos
Década de 1970 rodavam nesse período. Para trabalhar no 1997 organização das linhas é, desde 2013, feita pela Agência
Mundaú Palmares agricultores e funcionários públicos.
transporte bastava comprar um carro e Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas –
sair pegando passageiros, não havia ARSAL.
qualquer controle sobre a entrada e saída
de transportadores.
Só há registro na associação de que o
São 14 carros na linha Murici - Maceió e 8 carros na linha
modelo de carro utilizado era Kombi.
Murici - União dos Palmares (modelos van, ducato e micro-
Para trabalhar no transporte bastava
Murici Década de 1980 Murici - Maceió Não soube informar. 1995 ônibus). Toda a organização das linhas é, desde 2010, feita
comprar um carro e sair pegando
pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de
passageiros, não havia qualquer controle
Alagoas – ARSAL.
sobre a entrada e saída de transportadores.
Rodavam em média 5 carros (modelos
caravan e veronez) dividindo-se entre as
linhas Ibateguara - União dos Palmares e
São 20 carros, sendo 15 na linha Ibateguara - União dos
Ibateguara - Maceió. Os carros não
Funcionários públicos, trabalhadores de Palmares e 5 na linha Ibateguara - Maceió (todos modelos
Ibateguara - União dos Palmares e rodavam todos os dias, e para Maceió iam
Ibateguara Década de 1980 usina e aposentados que buscavam 1993 van e ducato). Toda a organização das linhas é, desde 2011,
Ibateguara - Maceió somente 3 vezes por semana. Para
bancos, hospitais, feira e INPS**. feita pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do
trabalhar no transporte bastava comprar
Estado de Alagoas – ARSAL.
um carro e sair pegando passageiros, não
havia qualquer controle sobre a entrada e
saída de transportadores.
São 7 carros na linha São José da Laje – Maceió e 9 carros
na linha São José da Laje – União dos Palmares (todos
São José da laje – União dos Funcionários públicos, trabalhadores de 1990 (vinculada à
modelos van e ducatos). Toda a organização das linhas é
São José da Laje Década de 1970 Palmares e São José da Laje – Não foi possível obter informações. usina e aposentados que buscavam associação de União dos
agora feita pela Agência Reguladora de Serviços Públicos
Maceió bancos, hospitais, feira e INPS**. Palmares)
do Estado de Alagoas – ARSAL (não foi possível saber
desde quando).
Eram carros dos modelos caravan e São 44 carros na linha União dos Palmares - Maceió; e 23 na
Kombi, sendo a maior parte (cerca de 50 Na linha União dos Palmares - Maceió linha União dos Palmares - São José da Laje. A linha União
União dos Palmares - Maceió; União carros) na linha União dos Palmares – predominavam populações de dos Palmares – Murici hoje é feita por trabalhadores da
União dos dos Palmares - São José da Laje; Maceió. Apesar de não estarem rendimentos mais elevados, mas nas associação de Murici e a linha União dos Palmares – Usina
Década de 1970 1990
Palmares União dos Palmares - Murici; União organizados em associação, havia certo demais circulavam principalmente Lajinha foi extinta com a falência desta usina em 2013. Toda
dos Palmares - Usina Lajinha controle da parte dos próprios trabalhadores de usinas e aposentados em a organização das linhas é agora feita pela Agência
trabalhadores sobre a entrada e saída de período de pagamento. Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas –
novos transportadores nas linhas. ARSAL (não foi possível saber desde quando).
*Alguns dados sobre o número de praças atuais em cada linha, obtidos em nossas entrevistas, não conferem com os dados disponibilizados pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL. Nesses casos optamos por manter os
números colhidos no trabalho de campo.
** Preservamos a sigla informada nas entrevistas realizadas com o presidente de cada associação.
Fonte: Trabalho de campo (2015-2016)
Organização: Fernando Silva (2017)
134

A busca por adaptação à realidade de cada cidade se revelava, por exemplo, na escolha
do carro para o transporte: enquanto nas cidades localizadas ao longo da BR – 104 utilizavam-
se, principalmente, os modelos Kombi e Caravan, na linha de Santana do Mundaú, em função
das péssimas condições da estrada, predominavam os caminhões e pickups. A mudança que
essa dinâmica foi conhecendo com o tempo pode ser visualizada nas duas fotos a seguir.

Foto 1 - Transporte interurbano de passageiros no terminal rodoviário de União dos Palmares (década
de 1980)

Fonte: Arquivo Pessoal de


Dyva Silva
Adaptação: Fernando Silva
(2017)

Foto 2: Transporte interurbano de passageiros no terminal rodoviário de União dos Palmares (2015)

Fonte: Trabalho de Campo


realizado (2015)
135

Ainda no quadro 8 podemos observar que, diferentemente da área de Porto Calvo, aqui
esse sistema originou-se em cada centro urbano. Essa organização, contudo, não deixou de ser
sentida, sobretudo, pela economia urbana de União dos Palmares. Como ocorre até hoje,
notamos que os transportes de Branquinha e Santana do Mundaú tinham como destino, quase
que exclusivamente, a cidade de União dos Palmares. Dessa forma, passageiros com destino a
Maceió, por exemplo, passariam antes por União dos Palmares ou seriam levados pelos carros
que partissem desta cidade.
Ganharam ímpeto, deste modo, transformações importantes na economia urbana de
União dos Palmares, delineando um diverso e amplo circuito inferior da economia urbana.
Trata-se de uma das especificidades dessa cidade face às demais do interior da Região que
estamos focando. Veremos a população urbana crescer sustentadamente, assim como
observaremos o surgimento de bairros periféricos com quadros populacionais expressivos,
somente superados na Região por Maceió (FIPLAN, 1988).
A população urbana de União dos Palmares dobrou entre 1950 e 1970 (de 8.269 para
16.753), mesmo com o desmembramento de Santana do Mundaú, e dobrou novamente entre
1970 e 1991 (passou para 34.040). O maior crescimento ocorreu durante a década de 1980,
quando foram acrescentados 11.574 habitantes à população urbana. A partir de 1991 o
crescimento se deu de maneira mais lenta: em 2010 tínhamos o total de 47.651 habitantes
morando na cidade.
De acordo com o citado documento “Diagnóstico Habitacional”, União dos Palmares,
no final dos anos 1980, já tinha 15.480 moradores vivendo em condições precárias de
habitabilidade: quase todas as habitações sem título de posse da propriedade, sem
esgotamento sanitário, sem água encanada e sem energia elétrica. Para efeitos de comparação,
esse número de moradores era de 76.704 para Maceió, 8.100 para Penedo, 1.630 para Porto
Calvo e 300 para São Miguel dos Campos. No quadro a seguir, podemos observar as formas
de ocupação dos bairros criados em União dos Palmares.
136

Quadro 9: década e formas de ocupação dos bairros de União dos Palmares - AL


Bairro Década de Formas de ocupação
surgimento
Centro Não foi possível obter Venda e doação de terrenos (não foi possível saber
informações que doou)
Francisco Correia Não foi possível obter Venda e doação de terrenos (não foi possível saber
Viana (Jatobá) informações que doou)
Democrático Não foi possível obter Venda e doação de terrenos (não foi possível saber
Gracindo (Taquari) informações que doou)
Várzea Grande Não foi possível obter Não foi possível obter informações
informações
Presidente Kennedy Não foi possível obter Não foi possível obter informações
informações
Alto do Cruzeiro Década de 1940 Vendas de terrenos por particulares e doação de
terrenos por parte da igreja
Cohab 1 e 2 Década de 1960 Construídas pela Companhia de Habitação Popular
de Alagoas - COHAB
Nossa Senhora de Década de 1960 Casas construídas e vendidas pela Fundação
Fátima Alagoana de Serviços Assistenciais
Presidente Costa e Década de 1970 Venda de terrenos por particulares e doação de
Silva terrenos pela prefeitura.
Roberto Correia de Década de 1970 A maioria dos terrenos foi doada por políticos,
Araújo prefeitura e igreja.
Santa Fé Década de 1980 "Invasão" do prédio da antiga Colônia Penal “Santa
Fé”
Abolição Década de 1990 Venda e doação de terrenos (não foi possível saber
que doou)
Nossa Senhora das Década de 1990 "Invasões", doação e venda de terrenos (não foi
Dores possível saber quem doou)
Conjunto Sagrada Década de 1990 "Invasão", doação por parte da prefeitura e venda de
Família terrenos por particulares
Santa Maria Década de 1990 Venda e doação de terrenos (não foi possível saber
Madalena que doou)
Padre Donald Década de 2000 Programa de Reconstrução pós enchente de 2000
Conjunto Nilton Década de 2010 Programa de Reconstrução pós enchente de 2010
Pereira
Conjunto Nova Década de 2010 Programa de Reconstrução pós enchente de 2010
Esperança
Fonte: FIPLAN (1988); Ministério do Interior (1971); site do Programa da Reconstrução dos Atingidos pelas
Enchentes (http://www.reconstrucao.al.gov.br/) e trabalhos de campo (2014-2016)
Organização: Fernando Silva (2017)

Contribuem para a esse crescimento, sem dúvida alguma, as constantes enchentes na


bacia do Rio Mundaú, ou melhor, a forma como o poder público foi lidando ou não com esses
eventos “naturais”. Ocorreram, desde a década de 1960, cinco grandes cheias nos anos de
1969, 1988, 1989, 2000 e 2010 (FRAGOSO JÚNIOR, et al, 2010). Como até a década de
1970 os poucos mais de 16.000 habitantes urbanos estavam concentrados nas proximidades
do Rio Mundaú (SILVA E PIMENTEL, 2011), o saldo das enchentes era um grande número
de casas destruídas. Até o final do século XX, posteriormente às cheias ocorriam ocupações
137

de terrenos, ocupações de prédios públicos (caso da antiga Colônia Penal Santa Fé) ou doação
de terrenos por parte da prefeitura, igreja ou proprietários locais. Esse processo não contribuiu
para a continuidade da percepção de uma “cidadania concedida” (SALES, 1992)? Somente no
século XXI é que as casas para os desabrigados passaram a ser construídas por meio de
programas específicos direcionados às populações afetadas.
Ao processo de flexibilização da cidade, corresponde o crescimento de um terciário de
baixíssimo rendimento, que abriga tanto a PEA desempregada permanentemente como a que
trabalha apenas durante o período de safra da Usina Lajinha29. Observamos no gráfico 3 que a
partir da segunda metade do século passado a PEA do setor terciário cresce de maneira
sustentada, enquanto a do setor secundário cresce lentamente e, às vezes, até diminui.

Gráfico 3 – União dos Palmares: Evolução da População Economicamente Ativa* por Setor (1960-
2010)

* Excluídas as atividades não identificadas


Fonte: BRASIL (1960; 1972; 1982; 1991; 2000; 2010)
Organização: Fernando Silva (2017)

Em 1980, somente 67 (sessenta e sete) pessoas auferiam mais de 10 salários mínimos


em União dos Palmares, total que era de 137 (cento e trinta e sete) em 1991, de 341 (trezentos

29
A Companhia de Desenvolvimento de Alagoas – CODEAL, antes de ser extinta em 2000, ainda criou o
Distrito Industrial Floriano Rosa na cidade de União dos Palmares (Lei 760/1989). No Cadastro Industrial de
1993-94 a principal fábrica que aparece nesse Distrito é a Indústria de Laticínios São Domingos (com menos de
100 trabalhadores). Contudo, a dinâmica que o Distrito Industrial de União dos Palmares conheceu daí em diante
se explica, sobretudo, pela aceleração do acontecer hierárquico na Região, que veremos melhor no próximo
capítulo.
138

e quarenta e um) em 2000 e 172 (cento e setenta e dois) em 2010. Por outro lado, a
porcentagem de pessoas de 10 anos e mais que tinha rendimentos de até 3 (três) salários
mínimos nesse intervalo foi respectivamente de: 47%, 50%, 41%, 55%. Essa diminuição dos
anos 2000 se deu porque aumentou bastante o percentual dos sem rendimentos, ao contrário
do que verificamos em 2010.

2.5.3. São Miguel dos Campos

São Miguel dos Campos foi, sem dúvida alguma, a cidade do interior da Região
Canavieira de Alagoas que participou com mais vigor dessa nova fase da urbanização.
Embora esse centro tenha conhecido uma vida urbana importante como entreposto comercial
no século XIX, e ainda que a fábrica de tecidos de Vera Cruz tenha aí aportado alguns dos
mais novos elementos de racionalização da sociedade na primeira metade do século XX, é
somente com a viabilização dos tabuleiros para o cultivo da cana que a cidade de São Miguel
dos Campos vai assumir um papel de destaque face aos pequenos centros urbanos de suas
proximidades.
É correto afirmar que até os anos de 1960 o espaço urbano de São Miguel dos Campos
relacionava-se com o seu entorno em função, sobretudo, da existência da Santa Casa de
Misericórdia (criada em 1926), que buscava lidar com manifestações locais de pobreza
(MINISTÉRIO DO INTERIOR, 1972, p. 128), e de sua feira-livre tradicional. Como
explicava Manuel Correia de Andrade (2010 [1958], pp. 85/93), no final da década de 1950,
se a generalização do uso do caminhão poderia ocasionar a perda da importância de uma feira
que surgiu pelo uso do Rio São Miguel como meio de transporte, a proximidade da Usina
Caeté da cidade de São Miguel dos Campos contribuía, ao contrário, para reforçar tal
importância. Dizia o autor que, diferentemente das outras usinas da área, “a Caeté não possui
feira uma vez que, situada a 1 km da cidade de São Miguel dos Campos, podem os seus
empregados se abastecer na feira da cidade [...]” (pp. 90-91).
O grande crescimento das usinas mais antigas da área, assim como a instalação de
novas grandes usinas a partir dos incentivos fornecidos pelos programas federais, tornam a
urbanização aí mais acelerada do que em qualquer outra parte da Região Canavieira de
Alagoas. Adicionalmente, as emancipações de Boca da Mata e Campo Alegre durante a
década de 1950, e de Roteiro nos anos 1960 (todos desmembrados do território de São Miguel
dos Campos), contribuem também para alterar a geografia urbana da área, porque criam
139

pequenos centros urbanos nas proximidades de São Miguel dos Campos que vão ficando
incapazes de atender a demanda local exigida pelo período que então se inicia.
A relação de São Miguel dos Campos com esses centros foi redefinida quando no
espaço urbano miguelense foram instalados novos fixos geográficos para atender a demanda
das populações locais. Conforme os mapas a seguir, esses fixos passaram a localizar-se a
noroeste das margens do Rio São Miguel onde teve início a cidade, sobretudo nas ruas Barão
de Jequiá e Visconde de Sinimbu.

Mapas 60 – São Miguel dos Campos: Localização de fixos selecionados em 1972

Organização das informações: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
140

Mapas 61 – São Miguel dos Campos: Localização de fixos selecionados em 1994

Organização das informações: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Observamos, então, o surgimento de um sistema local de transporte. Com origem em


cada uma das cidades do entorno de São Miguel dos Campos, à semelhança do que se deu na
área de União dos Palmares, a especificidade desse sistema aqui parece ser, sobretudo, o
grande número de carros que rodavam em cada linha, o que demonstra que existia um fluxo
bastante volumoso de passageiros em direção à cidade de São Miguel dos Campos. Vejamos o
quadro 10.
141

Quadro 10 – Origem e algumas características do serviço de transporte interurbano surgido em São Miguel dos Campos e nas cidades do entorno

Ano ou década Ano em que passou a se


Cidade de Linhas que perfaziam quando Algumas características no período de Perfil dos passageiros que circulavam
aproximada do organizar como Algumas características atuais (2016) *
origem surgiu surgimento no período de surgimento
surgimento associação
Rodavam aproximadamente 20 do modelo
Kombi, concorrendo com uma empresa São 14 carros (modelos micro-ônibus, van e ducato) que
que fazia a mesma linha. Os carros iam Principalmente trabalhadores de usinas e fazem a linha Boca da Mata - São Miguel dos Campos. Toda
Boca da Mata - São Miguel dos
Boca da Mata Década de 1980 saído à medida que completava o número funcionários públicos que buscavam 1998 a organização da linha é agora feita pela Agência
Campos
de passageiros, não havia controle sobre o bancos e INPS**. Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas –
fluxo de entrada e saída de novos carros ARSAL (não foi possível saber desde quando).
na linha.
Exatamente antes de fundar a associação
havia 32 carros do modelo Kombi
Principalmente trabalhadores / moradores São 15 carros (micro-ônibus, vans e ducatos) que fazem a
fazendo a linha Campo Alegre - São
de usinas ou moradores de povoados linha Campo Alegre - São Miguel dos Campos. Toda a
Campo Alegre - São Miguel dos Miguel dos Campos. Para trabalhar no
Campo Alegre Década de 1980 rurais (principalmente Chã da Imbira). 1991 organização da linha é agora feita pela Agência Reguladora
Campos transporte bastava comprar um carro e
Buscavam bancos, INPS**, hospital e de Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL (não
sair pegando passageiros, não havia
feira. foi possível saber desde quando).
qualquer controle sobre a entrada e saída
de transportadores.
Rodavam aproximadamente 18 carros do
modelo Kombi e os próprios
trabalhadores organizavam a ordem de São 8 carros (modelos van e ducato) que fazem a linha
Essencialmente trabalhadores / moradores
saída dos carros. Apesar de não estarem Roteiro - São Miguel dos Campos. Toda a organização da
Roteiro Década de 1980 Roteiro – São Miguel dos Campos de usinas que moravam em fazendas ao 1993
organizados em associação, havia certo linnha é, desde 2014, feita pela Agência Reguladora de
longo da rodovia AL - 420
controle da parte dos próprios Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL.
trabalhadores sobre a entrada e saída de
novos transportadores nas linhas.
Rodavam em média 27 carros na linha
Teotônio Vilela - São Miguel dos
Campos; 7 carros na linha Teotônio Vilela São 25 carros na linha Teotônio Vilela - São Miguel dos
- Coruripe; e 7 carros na linha Teotônio Campos; 7 na linha Teotônio Vilela - Maceió; e 7 na linha
Teotônio Vilela - São Miguel dos
Vilela Maceió. Todos os carros eram do Essencialmente trabalhadores / moradores Teotônio Viela - Coruripe (todos são dos modelos van e
Teotônio Vilela Década de 1990 Campos; Teotônio Vilela - Coruripe; 1991
modelo Kombi. Para trabalhar no de usinas ao longo da rodovia BR - 101. ducato). Toda a organização das linhas é agora feita pela
Teotônio Vilela - Maceió
transporte bastava comprar um carro e Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de
sair pegando passageiros, não havia Alagoas – ARSAL (não foi possível saber desde quando).
qualquer controle sobre a entrada e saída
de transportadores.
São 17 carros (modelos van e ducato) na linha Luziapolis –
Luziapolis Essencialmente trabalhadores de usinas e São Miguel dos Campos. Toda a organização da linha é
Rodavam com carros do modelo Kombi
(Distrito de Década de 1980 Luziapolis - São Miguel dos Campos seus familiares, que buscavam bancos, 1994 agora feita pela Agência Reguladora de Serviços Públicos
(não foi possível obter mais informações)
Campo Alegre) hospitais, etc. em São Miguel dos Campos do Estado de Alagoas – ARSAL (não foi possível saber
desde quando).
São 27 carros na linha São Miguel dos Campos – Maceió.
São Miguel dos Toda a organização é agora feita pela Agência Reguladora
Década de 1970 São Miguel dos Campos - Maceió Não foi possível obter informações Não foi possível obter informações 1991
Campos de Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL (não
foi possível saber desde quando).
Apenas 1 carro (modelo ducato) faz a linha Coruripe-São
Não foi possível obter Miguel dos Campos via Jequiá da Praia. Toda a organização
Coruripe Não soube informar Coruripe-São Miguel dos Campos Não foi possível obter informações Não foi possível obter informações
informações da linha é, desde 2014, feita pela Agência Reguladora de
Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL.

*Alguns dados sobre o número de praças atuais em cada linha, obtidos em nossas entrevistas, não conferem com os dados disponibilizados pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL. Nesses casos optamos por manter os
números colhidos no trabalho de campo.
** Preservamos a sigla informada nas entrevistas realizadas com o presidente de cada associação.
Fonte: Trabalho de campo (2015-2016)
Organização: Fernando Silva (2017)
142

De acordo com o quadro, esse fluxo volumoso se explicava, principalmente, pelo


grande número de pessoas que moravam nas fazendas das usinas da área, ao longo das
rodovias que ligam pequenas cidades a São Miguel dos Campos. Morar em fazenda de usina
somente com direito à casa significava ter que ir constantemente à cidade para acessar os bens
básicos. Como o sistema local de transporte alimentava-se desse processo, podemos dizer que
o circuito inferior da economia urbana, ao mesmo tempo em que resultava da pobreza,
contribuía para perpetuá-la (SANTOS, 2008 [1975], p. 368).
Quanto à dinâmica interna do espaço urbano de São Miguel dos Campos, o
crescimento populacional, os fixos que visualizamos nos mapas 60 e 61 e a pavimentação da
BR – 101 passaram a condicionar um novo ritmo e uma nova direção para o crescimento da
cidade.
Desde 1970, a maior parcela do crescimento da população total do município de São
Miguel dos Campos começou a ser absorvida sobretudo pela cidade. Esta também acolheu
migrantes de municípios vizinhos. Por isso, até 2010, enquanto a população total miguelense
crescia numa média de 6.514 a cada dez anos, a população urbana crescia a um média de
10.584. São taxas superiores as de Porto Calvo e de União dos Palmares, e podem ser
consideraras altas para uma Região que no momento perdia bastante população. Observamos
no gráfico 4 que São Miguel dos Campos chegou em 2010 com 96% dos seus 54.577
habitantes vivendo na cidade. Na Região Canavieira, somente Maceió apresentava uma
porcentagem maior.

Gráfico 4 – São Miguel dos Campos: Evolução da População Urbana e Rural (1960-2010)

Fonte: BRASIL (1960; 1972; 1982; 1991; 2000; 2010)


Organização: Fernando Silva (2017)
143

Inicialmente, em razão da instalação dos equipamentos de serviços e de função


institucional que mapeamos, “[...] a cidade estendeu-se até o sítio limítrofe da rodovia
regional [BR – 101], onde se encontra o loteamento Paraíso” (MINISTÉRIO DO INTERIOR,
1972, p. 48). Depois, especificamente a partir de 1966, “[...] surgiram vários loteamentos
destinados à população de baixa renda” (p. 49) que, exatamente ao contrário do que ocorreu
em Porto Calvo, começaram a subir os morros. Temos uma síntese dessa expansão no quadro
11. A especificidade de São Miguel dos Campos nesse aspecto é que aqui a maior parte dos
terrenos nos bairros em que passaram a habitar as populações pobres foi doada, de forma
organizada, pela prefeitura. De modo que os problemas de infraestrutura urbana tornaram-se
bem menores do que nas demais cidades da Região.

Quadro 11: década e formas de ocupação dos bairros de São Miguel dos Campos - AL
Bairro Década de surgimento Formas de ocupação
Centro Não foi possível obter Venda e doação de terrenos (não foi possível saber que
informações doou)
Rui Palmeira Não foi possível obter Não foi possível obter informações
informações
Canto da Não foi possível obter Não foi possível obter informações
Saudade informações
Bela vista Não foi possível obter Não foi possível obter informações
informações
Novo São Não foi possível obter Não foi possível obter informações
Miguel informações
Coité Não foi possível obter Não foi possível obter informações
informações
Bairro de Fátima Década de 1960 Construção pela Companhia de Habitação Popular de
Alagoas - COHAB
Humberto Alves Década de 1960 Terrenos doados pela prefeitura
Conjunto Paraíso Década de 1960 Terrenos doados pela prefeitura
Geraldo Década de 1960 Terrenos doados pela prefeitura
Sampaio
Bairro de Década de 1970 Terrenos doados pela prefeitura
Lourdes
Edgar Soares Década de 1980 Terrenos doados pela prefeitura
Palmeira
Esther Soares I Década de 1980 Terrenos doados pela prefeitura
Hélio I Década de 1990 Terrenos doados pela prefeitura
Hélio II Década de 2000 Terrenos doados pela prefeitura
Hélio III Década de 2000 Terrenos doados pela prefeitura
Fonte: FIPLAN (1988); Ministério do Interior (1972); e trabalhos de campo (2014-2016)
Organização: Fernando Silva (2017)
144

Em virtude de termos em São Miguel dos Campos três grandes usinas, que
empregavam em 1994 quase 5.000 trabalhadores, além de uma fábrica de cimento,
verificamos uma distribuição da PEA diferente do que ocorre nas demais cidades da Região.
Como sintetiza o gráfico a seguir, em alguns anos a parte da PEA no setor industrial quase se
equiparou à dos outros setores.

Gráfico 5 – São Miguel dos Campos: Evolução da População Economicamente Ativa* por Setor
(1960-2010)

* Excluídas as atividades não identificadas


Fonte: BRASIL (1960; 1972; 1982; 1991; 2000; 2010)
Organização: Fernando Silva (2017)

Porém, pelos baixos rendimentos que essa PEA sempre apresentou podemos assegurar
que a grande maioria da população de São Miguel dos Campos pertence ao circuito inferior da
economia urbana e, portanto, pode ser considerada pobre. A porcentagem de pessoas de 10
anos e mais que auferiam mais de 3 salários mínimos nesta cidade nunca chegou a 10%: foi
de 5% em 1980, 4% em 1991, 7% em 2000 e 5% em 2010.
145

CAPÍTULO 3: A ação global/instrumental como parâmetro para a política e a


naturalização do Espaço Dividido: a Região Canavieira de Alagoas no período da
Pobreza Estrutural Globalizada (da década de 1990 até hoje)

“Ao reduzir os sentidos morre a vontade política, morre a vontade coletiva e


nós vamos reproduzir esta implosão de sentidos que corresponde à
hegemonia da ação instrumental”
Ana Clara Torres Ribeiro. Teorias da ação. (2014, p. 252).

“Esta exclusão atual, com a produção de dívidas sociais, obedece a um


processo racional, uma racionalidade sem razão, mas que comanda as
ações hegemônicas e arrasta as demais ações. Os excluídos são o fruto
dessa racionalidade”
Milton Santos. Por uma outra globalização. (2011 [2000], p. 57).

A
o final do século XX, a Região Canavieira de Alagoas apresentava situações de
pobreza que podiam ser incluídas entre as piores do Brasil. Sob o prisma de
diversos indicadores, tratava-se realmente das piores: a Região Metropolitana de
Maceió acusava o menor Índice de Desenvolvimento Humano – IDH dentre as vinte regiões
metropolitanas incluídas no Altas de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, e 71% da população total da Região Canavieira
tinha renda per capita inferior a meio salário mínimo. De fato, o quadro já bastante dramático
de pobreza que vimos apresentando no capítulo anterior agravou-se a partir de 1990.
Neste capítulo, demonstraremos que a reprodução das situações de pobreza na Região
passou por mudanças consideráveis na última década do século XX. Defenderemos que tais
mudanças estão diretamente ligadas à nova qualidade dos sistemas de objetos e de ações
hegemônicos através dos quais se busca colocar em cooperação os diversos lugares e regiões.
A princípio, vemos que essa nova forma revela-se nas relações externas e internas dos
agentes dominantes, isto é, do setor canavieiro. Mas como se trata de um parâmetro que
permeia, de diversas maneiras, todas as relações Estado-Sociedade (RIBEIRO, 1998),
pensamos ser extremamente necessário investigar também como ficam as formas de
distribuição da riqueza por parte do Estado para as populações pobres30.
Para seguir debatendo a tese da racionalização do espaço geográfico (SANTOS, 2009
[1994]), podemos afirmar que se busca, de várias formas, acelerar o acontecer hierárquico na
30
Como essa questão constitui o cerne de nossas preocupações, a segunda parte da tese será dedicada
exclusivamente ao seu tratamento.
146

Região. Presenciaremos o acirramento da competitividade entre os subespaços regionais,


falência de usinas e destilarias e, com isso, uma expansão deveras alarmante do desemprego.
Na verdade, a competividade assume a posição de novo paradigma catalizador das
modernizações (SANTOS, 2011 [2000]), fazendo perder de vista toda a problemática nacional
que se apoiava nos preceitos desenvolvimentistas.
Além de tudo isso, e também como resultado da extinção do IAA e das políticas por
ele desenvolvidas, os usineiros locais passam a acionar a parcela do comando político que
restou em suas mãos, drenando para o setor, em alguns casos até mesmo ilegalmente, recursos
que caberiam ao Governo Estadual repartir de forma democrática. Talvez o mais grave seja
que essa situação também passa ser usada para alimentar o discurso em favor da ação
instrumental em todas as demais relações que o Estado mantém com a sociedade.
A dinâmica econômica da Região Canavieira de Alagoas passar a nos revelar, então,
uma enorme centralização dos capitais, que somente se efetivou graças às novas articulações
políticas das principais elites regionais. Os maiores grupos empresariais que se formaram
principalmente a partir dos anos 1970, apoiados na política econômica nacional para o setor
sucroalcooleiro – como são o caso do Grupo João Lyra, Carlos Lyra, Tércio Wanderley,
Olival Tenório, dentre outros –, passam a requisitar a estrutura do estado alagoano para
soluções aos problemas econômicos particulares, aproveitando-se, para tanto, do novo
contexto político-econômico dado pela tensão entre democratização e abertura econômica.
Esse contexto é propício à projeção, na cena política nacional, de políticos como Fernando
Collor de Mello e Renan Calheiros.
Se as formas de cooperação hegemônicas na Região baseiam-se na instrumentalização
das ações, como pensar então a garantia de bens e recursos coletivos por parte do Estado? É
por isso que estamos em face não somente da expansão da pobreza, mas também do risco de
sua naturalização (SANTOS, 2011 [2001]). Daí crermos ser oportuno agora falar de uma
pobreza estrutural globalizada (SANTOS, 2011 [2001], pp. 55-57), uma vez que mudam as
formas políticas que visam garantir sua reprodução.
Nesse novo período, avança o movimento de expansão da pobreza em Maceió e em
várias cidades do interior. Por isso, pensamos que um bom caminho para analisar
concomitantemente as mudanças nas formas de manifestação da pobreza e suas novas causas
está em considerar como as novas cooperações que buscam se impor à Região transformam,
direta ou indiretamente, os elementos dos dois circuitos da economia urbana presentes nas
cidades Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos.
147

3.1. A aceleração do acontecer hierárquico na Região Canavieira de Alagoas: novíssimas e


velhas causas de expansão da pobreza

A partir de 1990, com a extinção do IAA através da lei nº 8.029, teve início um
processo de grandes consequências para as relações externas e internas da Região Canavieira
de Alagoas, que terminou transformando profundamente a organização da produção, os níveis
de emprego, a pobreza e, com isso, aportou novos conteúdos à urbanização regional. Mesmo
com equações de lucro bastante díspares, usinas e destilarias de diferentes portes, pertencentes
sobretudo a grupos empresariais da Região, podiam continuar funcionando devido aos
programas públicos e à fixação de cotas pelo IAA, como ocorria em boa parte das regiões
açucareiras nordestinas (ANDRADE, 1997). A desativação desses programas, a eliminação da
reserva de mercado para o açúcar nordestino e a liberalização, pouco a pouco, dos preços dos
principais produtos desse setor mudaram completamente a situação. Em várias dimensões do
processo agrícola, industrial e de comercialização, cada unidade industrial seria agora
responsável por melhorar sua eficiência para competir com as demais de dentro e de fora da
Região.
De acordo com os estudos de Cícero Péricles de Carvalho (2001) e Araken Alves de
Lima (2006), podemos destacar três principais consequências desses processos: a) falência de
pequenas usinas e destilarias, o que causou o aumento expressivo do desemprego; b)
fortalecimento dos maiores grupos empresariais, que passaram a concentrar a produção de
cana, açúcar e álcool, investir em outros setores da economia31 e na criação de novas unidades
industriais, sobretudo no Sudeste e Centro-Oeste do País32; e c) gravíssima crise financeira
estadual, tanto porque cresceu vertiginosamente a insolvência dos usineiros com as
instituições cujo controle político havia ficado praticamente em suas mãos (especialmente o
PRODUBAN e a CEAL), como pelo que ficou conhecido como “acordo dos usineiros”.

31
“Os grupos empresariais mais importantes diversificam radicalmente seus interesses, expandindo suas
intervenções econômicas em várias direções, transformando-se em holdings com presenças em ramos e regiões
diferentes. São vários os exemplos. Criação de gado leiteiro e beneficiamento do leite: Seresta (Leite Boa Sorte),
Roçadinho (Ilpisa), Grupo Olival Tenório (Agropecuária Porto Rico); empresas de táxis aéreos: João Lyra (Lug
Táxi Aéreo) e Carlos Lyra (Sotam Táxi Aéreo); indústria têxtil: Grupo Carlos Lyra (Fábrica da Pedra, em
Delmiro Gouveia); fábricas de fertilizantes: Grupo Tércio Wanderley (Usi-Fertil), Grupo João Lyra (Adubos JL),
Grupo Carlos Lyra (Agrofertil), Seresta (Adubos Boa Sorte) e Maranhão (Adubos Sanfertil); madeireira: Grupo
Toledo (Amadeu Barbosa); beneficiamento do coco: Seresta e Triunfo (Socôco); construção civil: Grupo Tércio
Wanderley (Cipesa) e Grupo Toledo (Epasa); engarrafamento de água mineral: Usina Sta. Clotilde; venda de
automóveis: Grupo Olival Tenório (Importadora Comercial), Nivaldo Jatobá (Toyota) e Grupo João Lyra
(Mapel); meios de comunicação: João Tenório/Triunfo (TV Pajuçara); criação de cavalos de raça: Seresta e
Grupo Olival Tenório (Haras Porto Rico).” (CARVALHO, 2001, pp. 666-667).

32
Segundo estudo da UFSCAR (2004) apud Lima (2006, p. 164), na década de 1990 os principais grupos
usineiros alagoanos investiram mais de R$ 859 milhões para instalação de 15 novas unidades industriais no
Sudeste e Centro-Oeste do País.
148

Observamos nos mapas 62 e 63 que durante a década de 1990 faliram seis usinas e
destilarias anexas, além de cinco destilarias autônomas. Segundo o Cadastro Industrial de
Alagoas de 1994 (ano em que algumas dessas unidades industriais estavam prestes a falir e,
portanto, supõe-se que estavam com um número reduzido de trabalhadores), quase 8.000
empregos diretos foram eliminados em dez municípios da Região. Isto sem contar os
empregos gerados indiretamente pelas próprias unidades industriais e pelos fornecedores de
cana.

Mapas 62 e 63 – Região Canavieira de Alagoas: Usinas e destilarias que faliram nos anos 1990 e após
2000

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Os mapas ainda mostram que a maior parte das unidades industriais que faliram estava
localizada nas áreas mais pobres da Região Canavieira. De 2000 para cá tivemos novas
falências, só que dessa vez faliram três unidades industriais de um dos maiores grupos do
estado (Grupo João Lyra), além de uma destilaria em Japaratinga que encerrou as atividades
em 2002. No total, quase 12.000 trabalhadores ficaram desempregados.
149

Conforme é possível notar no gráfico 6 a seguir, a taxa de desemprego em Alagoas


deu um grande salto no fim do século XX, caiu a partir de 2003 e começou a subir
lentamente, ainda que de maneira sustentada, a partir de 2011 (as unidades industriais do
grupo João Lyra tiveram falência anunciada em 2012, embora já viessem apresentando
dificuldade nos anos anteriores). Dessa forma, ainda que as taxas do gráfico sejam para todo o
estado de Alagoas, sem dúvida alguma expressam bastante a nova dinâmica na qual ingressou
a Região Canavieira.

Gráfico 6 – Alagoas: Evolução da taxa (%) de desemprego (1995-2014)

Fonte: site do IPEAdata


Elaboração: Fernando Silva (2017)

Durante a década de 1990, os níveis de emprego de todo o estado foram muito


afetados pela reorganização do setor sucroalcooleiro. Como apontaram diversos autores
(VERAS, 1997; LIMA, 1998; LIRA, 1998; LIMA, 2001; CARVALHO, 2001), isto se deu
também em virtude do chamado “acordo dos usineiros”. No quadro 12 apresentamos uma
síntese desse “acordo” e de suas principais consequências para as situações de pobreza.
150

Quadro 12: Síntese de algumas informações sobre o “Acordo dos Usineiros” assinado pelo Governo de Alagoas em 1988 e 1989

 Dois acordos assinados pelo então Governador Fernando Collor de Mello, respectivamente em julho de 1988 e abril de 1989, com 31
usineiros, pelos quais o estado reconhecia estar em débito com estas empresas por ter cobrado ICMS sobre cana plantada em terras
O que foi?
próprias. Nos acordos, o estado comprometia-se a devolver às usinas todo o ICMS que teria sido cobrado indevidamente nos últimos 5
anos, que segundo os cálculos totalizaria US$ 120.000.000 (cento e vinte milhões de dólares).
 O dinheiro seria devolvido em forma de isenções de ICMS em 120 parcelas, durante 10 anos.

 As usinas e destilarias que não utilizassem todo o crédito tributário poderiam transferi-lo para outras empresas (como muitos grupos
Principais termos do
usineiros já controlavam empresas de outros ramos, muitos deles transfeririam o crédito para empresas do próprio grupo. Por exemplo, o
acordo
Grupo João Lyra transferiu créditos de suas usinas Laginha, Gauxuma e Uruba para Mapel Maceió Veículos e Peças, Lug Táxi Aéreo etc.).

 Os valores da restituição seriam corrigidos segundo o mais alto dos índices de correção existente na economia.
 O acordo durou de 1988 até 1996, período no qual estima-se que foram transferidos para as usinas R$ 358,05 milhões, além de R$ 110,77
Vigência e valores
milhões de isenções usufruídas por empresas de outros ramos.
pagos pelo estado
 Como se trata de um imposto indireto, quando reconhecido direito à restituição, esta deveria ter sido feita ao contribuinte de fato (Instituto
do Açúcar e do Álcool e consumidores finais, onde repercute de fato o tributo).
Ilegalidades
 Os valores foram absurdamente superestimados em virtude da utilização do maior índice existente para correção do valor. Caso tivesse sido
utilizado índices oficiais para cobrança de créditos tributários, segundo cálculos realizados por técnicos da Secretária da Fazenda em 1996,
o valor total da restituição seria de R$ 131,80 milhões, ou seja, neste mesmo ano o estado já teria pago a mais R$ 291,81 milhões.
 Como o ICMS respondia pela quase totalidade das receitas tributárias do estado, estas caíram drasticamente e teve início uma grave crise
financeira da máquina pública em Alagoas.
Principais
 Os serviços públicos estaduais passaram a se deteriorar e os funcionários públicos chegaram a ficar oito meses sem receber salários. Em
consequências
1997 o Governador Divaldo Suruagy renunciou e o seu vice, Manoel Gomes de Barros, assumiu o governo.

 Toda essa situação foi usada para engrossar o discurso em favor das privatizações, da “racionalidade”, da eficiência etc.

Fonte: Lima (2001, pp. 87-96); Carvalho (2009, p. 53); Lira (1998 várias páginas); Veras (1997 várias páginas); Reportagem da Folha (julho de 1997) “Usineiros de Alagoas
ganharam R$ 468,8 milhões em isenção”. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fol/pol/po26071.htm
Organização: Fernando Silva (2017)
151

Nesse mesmo processo de acionar o controle político sobre a repartição da riqueza que
restou em suas mãos, os usineiros foram ficando cada vez mais inadimplentes com a CEAL e
com o PRODUBAN. Como podemos observar nas tabelas 19 e 20, os usineiros eram
responsáveis por quase metade da dívida total que a CEAL tinha a receber, e por cerca de
15% da inadimplência total com o Banco do Estado.

Tabela 19 – Alagoas: Dívida total e das usinas e destilarias com a Companhia Energética de Alagoas -
CEAL (1996/2013)
Dívida Total
2013 167,8 milhões
Dívida de usinas e destilarias
1996 40 milhões
2013 80,2 milhões
Fonte: Befort (2000)33; Alves (2015)34
Organização: Fernando Silva (2017)

Tabela 20 – Alagoas: Alguns dados sobre o Banco da Produção do Estado de Alagoas – PRODUBAN
no momento de sua liquidação
Número total de agências (1996) 24 agências
Número total de funcionários (1996) 1.128 trabalhadores
Débito total que o Banco tinha a receber (2002) 2,5 bilhões
Débito de usinas, grandes redes hoteleiras, empresas públicas e políticos 700 milhões
conhecidos (2002)
Débito somente das usinas (2002) 366,3 milhões
Fonte: Banco Central apud Salviano Junior (2004, p. 20); Carvalho (2012, p. 56); Alves (2014) 35
Organização: Fernando Silva (2017)

Além de tudo isso, se o chamado “sistema de morada” vinha sendo eliminado


lentamente em algumas usinas, assim como muitos trabalhadores continuavam habitando
fazendas mesmo sem direito ao roçado, a imposição de um parâmetro externo de
competividade levou os empresários a expulsarem praticamente todos os moradores de suas
terras. Estima-se que somente entre 1991 e 1995 tenham sido demolidas cerca de 40.000 casas

33
Disponível em: http://www2.uol.com.br/JC/_2000/1012/ec1012_2.htm Acesso em agosto de 2016.

34
Disponível em: http://novoextra.com.br/outras-edicoes/2015/817/16890/ceal-cobra-na-justica-mais--de-r-80-
milhes-de-usinas Acesso em agosto de 2016.

35
Disponível em: http://novoextra.com.br/outras-edicoes/2014/795/15443/estado-pede-r-75-milhes-
pelo-produban Acesso em agosto de 2016.
152

em fazendas36, o equivalente a 12% do total de moradias da Região em 1991 se


considerarmos Maceió, e 20% se não levarmos esta cidade em conta.
Um levantamento feito pela prefeitura de Maceió constatou que no curto intervalo
entre 1991 e 1995, o número de aglomerados urbanos considerados “favelas” nessa cidade
passou de 49 para 12037, um crescimento deveras impressionante. De acordo com o Atlas de
Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento –
PNUD, a Região Metropolitana de Maceió apresentou em 2000 o menor IDH entre as vinte
regiões metropolitanas pesquisadas. De fato, Maceió começa o século XXI como uma das
grandes cidades mais pobres do Brasil, indicando muito fielmente o que se passava numa
Região em que 71% da população total auferia renda per capita inferior a meio salário
mínimo. Se tomarmos como referência o período pós-Segunda Guerra, podemos assegurar
que a pobreza na Região Canavieira de Alagoas atingiu a situação mais grave durante os anos
1990.
Os dados da pesquisa Economia Informal Urbana – ECINF, realizada pelo IBGE nos
anos de 1997 e 2003 (BRASIL, 1999; 2005), também são bastante sugestivos da nova
dinâmica pela qual Alagoas, e muito particularmente sua Região Canavieira, chegou ao século
XXI. Nesse intervalo, o número de empresas classificadas como informais passou de 110.592
para 162.288, um aumento de 47%. Essa porcentagem só foi maior em três unidades da
federação pertencentes à Região Norte do País, mas entre todas as demais coube ao estado de
Alagoas a liderança. O mesmo podemos dizer sobre a quantidade de trabalhadores dessas
empresas, que era de 139.859 em 1997 e chegou a 205.267 em 2003. Em 1998, Fernando José
de Lira (1998, p. 101) estimou que o chamado setor informal era responsável por quase 70%
de toda a economia alagoana, porcentagem que muito provavelmente cresceu bastante até
2003. Já o circuito inferior da economia urbana (SANTOS, 2008 [1975]), que engloba
também as atividades formalizadas que apresentam baixo nível de capital, tecnologia e
organização, sem dúvida nenhuma tornou-se quase imensurável, especialmente nas cidades da
Região Canavieira que acolheram as populações do campo.
Uma vez que as economias das cidades da Região, especialmente do interior, estariam
agora, em boa parte, dependentes das medidas que adotariam os usineiros face às imposições
do novo contexto, pode parecer que voltamos àquela situação analisada no primeiro capítulo,
36
Ver reportagem de Ari Cipola “Usineiros destroem casas e criam favelas”. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/5/28/brasil/34.html Acesso em dezembro de 2013.

37
Ver reportagem de Ari Cipola “Usineiros destroem casas e criam favelas”. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/5/28/brasil/34.html Acesso em dezembro de 2013.
153

em que o controle sobre a produção e repartição da riqueza era ainda fortemente local.
Podemos assegurar, todavia, que a nova situação não encontra semelhante na história da
Região. E isto não somente porque agora toda uma economia municipal estaria em jogo
quando da falência de uma usina (CASTILLO, 2015), mas também em virtude da exigência
de que os próprios empresários cuidem de boa parte das suas relações externas. Agora é mais
apropriado dizer que, com a disponibilidade de sistemas de engenharia construídos com a
riqueza tirada dos braços do cortador de cana, as usinas defrontam-se com uma maior
exigência/possibilidade de elaborar sua política particular. O que isso significa?
Conforme demonstra a bibliografia sobre o processo de modernização da sociedade e
do território brasileiros (FERNANDES, 1975; SANTOS, 2008 [1975]; IANNI, 1977;
SOUZA, 2000; SANTOS e SILVEIRA, 2011 [2001]), até a década de 1980 a participação do
Estado nacional em diversos setores da economia, com sua ideologia “desenvolvimentista” e
vultosos recursos oriundos do centro do sistema capitalista, respondeu, ao mesmo tempo, à
necessidade de integração das diversas regiões à dinâmica nacional38 e de inserção de agentes
externos privados. Neste sentido, é possível dizer que muitas regiões brasileiras vinham cada
vez mais sendo governadas, ao mesmo tempo, pelo Estado e por grandes empresas (SANTOS,
1998a).
Como esclareceram, dentro outros, Celso Furtado (1968, p. 16 apud SANTOS, 2008
[1975], p. 175) e Octávio Ianni (1977, p. 272), a dominação do mercado brasileiro por
grandes firmas norte-americanas, europeias e japonesas, especialmente a partir dos governos
ditatoriais nos anos 1970, terminou conferindo a tais firmas capacidade de normatização da
vida social. De modo que as firmas passaram cada vez mais a assumir um papel comumente
reservado às instituições (papel que, aliás, iria ganhar bastante nitidez a partir das duas
últimas décadas do século XX) (SANTOS, M. 1985; ANTAS Jr., 2005). Mas, segundo nosso
entendimento, a ideia de política das empresas (e, por conseguinte, de acontecer hierárquico,
que é a sua versão geográfica) tem ainda outro elemento fundamental, a partir do qual
poderíamos compreender melhor a natureza das transformações que alcançaram o território
brasileiro notadamente nos anos 1990.
Segundo Octávio Ianni (1999), o amplo desenvolvimento da mídia de massa
transformou radicalmente as condições de exercício da política, porque possibilitou a
ascensão do “príncipe eletrônico”. No século XVI, Maquiavel havia proposto que o príncipe
seria, genericamente, uma figura política capaz de articular sabiamente suas qualidades

38
Como vimos no item 2.1 do capítulo anterior para a situação da Região Canavieira de Alagoas.
154

pessoais às condições sociais e políticas adequadas visando transformar uma dada realidade.
Gramsci, quatro séculos mais tarde, diante de novas contradições do capitalismo, afirmou que
o partido político poderia ser considerado o príncipe, ao qual caberia alterar os valores sociais
para governar não só as classes aliadas, mas toda a sociedade. Para Ocátvio Ianni (1999, p.
17), com a grande mídia isso muda sensivelmente, pois ela pode atuar, de maneira sutil e em
diversas escalas, na construção de visões de mundo que facilitam, por exemplo, a aceitação de
um produto de uma grande empresa no mercado, como faz a propaganda.
A questão central, porém, é que no caso do Brasil a grande facilidade que as grandes
firmas tiveram para instrumentalizar subsistemas de objetos e ações resultou em que, “em
lugar do cidadão formou-se um consumidor, que aceita ser chamado de usuário” (SANTOS,
2007 [1987], p. 25 grifos no original). Isto porque realizou-se “[...] a metamorfose [...] do
mercado em democracia, do consumismo em cidadania” (IANNI, 1999, p. 17). Como a
sociedade poderia, então, diferenciar o acontecer político que busca unir os lugares daquele
que procura colocá-los em disputa? Em outras palavras, sob o patrocínio ideológico do
“desenvolvimentismo”, foram sendo criadas as condições políticas não somente para a
reprodução do acontecer hierárquico, mas também para a sua ampliação.
Entre as décadas de 1980 e 1990, observamos a ação instrumental alargar-se em
alguns setores da sociedade e em parcelas selecionadas do território brasileiro com certa
rapidez (RIBEIRO, 2014; SANTOS e SILVEIRA, 2011 [2001])39. Os agentes externos
privados, notadamente as grandes firmas com o apoio dos organismos internacionais,
procuraram acelerar o avanço, social e geográfico, dos processos de globalização na
economia, na cultura e na política (SANTOS, 2011 [2000]; CHESNAIS, 2005). É a busca por
ampliar o processo de instrumentalização de subsistemas de objetos e ações para servirem aos
objetivos delineados cada vez mais a partir de fora do País.
Deste modo, estaríamos ante a aceleração do acontecer hierárquico, o que significa, na
prática, criar possibilidades para alargar a política das empresas. A questão, portanto, não é
setorial (ainda que na Região em estudo se revele sobretudo no setor sucroalcooleiro), porque

39
Ana Clara Torres Ribeiro (2014, p. 77) sugere que a intensificação do processo de globalização no Brasil,
especialmente depois da crise da dívida externa dos anos 1980, seja visto em seu sentido amplo, como um
processo de transformação social que embora demonstre todo o seu vigor na economia, não deixa de ter
consequências muitíssimo fortes para todos os sistemas contemporâneos de ação social e, muito particularmente,
para os subsistemas de ação que visam à transformação das relações sociais vigentes. A autora vê esse processo
como “[...] uma espécie de pensamento único dirigido à ação social. Não é a globalização da economia, é a ação
social que a globalização da economia estimula. Ou, por outro lado, é a ação social que facilita a globalização da
economia, mas não é o econômico stricto sensu, é o econômico naquilo que ele interage ou que se articula com a
ação social”. Essa ação foi sendo possibilitada pelo aperfeiçoamento das redes técnicas (CASTILLO, 1999;
SILVA, 2001), como veremos melhor adiante para a situação da Região Canavieira de Alagoas.
155

se manifesta, ainda que diferentemente, no aparelho de Estado, na economia, na política,


enfim na sociedade e no espaço.
Até mesmo as práticas tradicionais do setor sucroalcooleiro com as instituições
estaduais alagoanas começaram a ser usadas para engrossar o discurso da neutralidade da
“racionalidade” técnica, como se nos dois casos não se tratasse do mesmo problema da
apropriação antidemocrática da riqueza produzida coletivamente. O mais grave é que esse
discurso visa deslegitimar também as políticas que resultaram de lutas coletivas e as
instituições que possibilitavam o aparelho de Estado comandar recursos estratégicos
(RIBEIRO, 1998, p. 120). Neste sentido, podemos considerar a adaptação do aparelho de
Estado e a implantação de novas redes técnicas ao meio geográfico regional como partes de
um mesmo processo.
Além da CEAL, que teve todas as suas ações transferidas ao Governo Federal e ao
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES para que assim o
Governo Estadual pudesse quitar a dívida com os funcionários; e do PRODUBAN, que foi
transformado na Agência de Fomento de Alagoas “A Desenvolve” (e assim perdeu a
possibilidade de comandar recursos financeiros regionais, já que não podia mais captar
depósitos) (CONTEL, 2006, p. 179); nove empresas alagoanas de economia mista deixaram
de existir a partir da lei n.º 6.145, de janeiro de 2000, conforme mostra o quadro a seguir.

Quadro 13: Empresas alagoanas de economia mista que deixaram de existir em 2000
Lei de criação Sociedades de economia mista Destino
Lei estadual nº. 2.777. Companhia de Habitação Popular de Transformada na Companhia Alagoana de
Maio de 1966 Alagoas – COHAB-AL Recursos Humanos e Patrimoniais - CARHP
Lei estadual nº. 4.100. Companhia de Desenvolvimento de
Dezembro de 1963 Alagoas – CODEAL
Lei estadual nº. 3.198. Serviços Gráficos de Alagoas S/A –
Dezembro de 1971 SERGASA
Empresa de Assistência Técnica e
Lei estadual nº. 3.466.
Extensão Rural de Alagoas –
Outubro de 1975
EMATER
Lei estadual nº. 4.023. Empresa de Recursos Naturais do
Incorporadas pela Companhia Alagoana de
Maio de 1979 Estado de Alagoas – EDRN
Recursos Humanos e Patrimoniais - CARHP
Empresa de Transportes Urbanos do
x
Estado de Alagoas – ETURB
Lei estadual nº. 4.120. Empresa de Pesquisa Agropecuária do
Dezembro de 1979 Estado de Alagoas – EPEAL
Empresa Alagoana de Turismo S/A –
x
EMATUR.
Lei estadual nº. 5.380. Companhia de Desenvolvimento
Julho de 1992 Agropecuário – COMAG
* Não foi possível obter informações.
Fonte: Lei estadual n.º 6.145, de janeiro de 2000 e SEPLAN (1981 várias páginas)
Organização: Fernando Silva (2017)
156

Além disso, as privatizações levadas a cabo pelo Governo Federal abriram ainda mais
espaço nos setores mais rentáveis para a atuação de grandes firmas. Com o Programa
Nacional de Desestatização – PND (1990) (SILVA, 2009), isso ocorreu principalmente nos
setores petroquímico e de telecomunicações. O Grupo Odebrecht terminou assumindo o
controle acionário da Salgema Indústrias Químicas S.A. - SALGEMA e da Companhia
Petroquímica de Alagoas - CPC, e com a privatização das telecomunicações a empesa
Telecomunicações de Alagoas S. A. – TELASA foi extinta.
Portanto, trata-se de um impulso que visa expandir a capacidade decisória dos agentes
privados na Região, a partir do aval do Estado em suas diversas escalas. De certa forma,
procura-se criar a possibilidade de utilizar permanentemente alguns meios específicos do
aparelho de Estado para finalidades particulares difundindo a ideia de que é desnecessário este
ente elaborar política (WEBER, 1970 [1918], pp. 61-62; RIBEIRO, 1998, p. 117).
Processaram-se, dessa forma, grandes mudanças no aparato normativo-organizacional
que viabilizava a implantação de racionalidades ao meio geográfico regional. Como a
aceleração da inovação nas técnicas informacionais vem somar-se às novas condições
políticas, aprofunda-se uma lógica que já vinha ganhando vulto com a criação das primeiras
redes técnico-corporativas: aos agentes privados é dada a possibilidade de atuar nos poucos
pontos da Região que lhes interessam (CASTILLO, 1999, p. 180).
Se até o final da década de 1970 as firmas e instituições localizadas na Região
Canavieira de Alagoas que necessitavam usar a teleinformática eram obrigadas a buscar
soluções próprias a partir do telex e da rede de telefonia, a criação pela EMBRATEL do
Serviço de Comunicação de Dados Não-Comutados, a Rede Transdata, alterou
completamente essa realidade. Esse sistema “[...] inaugurado em 1980, baseia-se em circuitos
privados ponto-a-ponto e é destinado a grandes usuários – cada um constituindo sua própria
rede” (CASTILLO, 1999, p. 173). Em 1990, Alagoas acusava 368 terminações ativadas desse
serviço, número que subiu para 497 em 1992 e começou a cair desde então (BRASIL, 1991;
1993).
Já a Rede Nacional de Comunicação de Dados por Comutação de Pacotes – RENPAC,
criada também pela EMBRATEL cinco anos depois, segundo Ricardo Castillo (1999, p. 40)
encanava a busca por reduzir as desigualdades entre as diversas regiões no uso dos serviços de
transmissão de dados, porque tinha como objetivo atender “[...] pequenos e médios usuários –
clientes cujo tamanho não justifica a locação de uma rede privada de tipo Transdata [...]”. Se
em 1990 Alagoas tinha apenas 9 acessos dedicados ativados nessa Rede, esse número
157

aumentou consideravelmente até o final da década, de modo que em 1999 alcançou o total de
222 acessos (BRASIL, 1991; 2001).
Em ambos os casos, porém, o Estado preocupava-se em contrabalançar a política das
empresas (DIAS, 1995), e como no interior da Região Canavieira predominavam os bancos
públicos faz bastante sentido supor que tais redes facilitaram também a efetivação de direitos
sociais pelo Estado. Todavia, a aceleração do acontecer hierárquico que vimos descrevendo
acaba por conferir maior seletividade à lógica das redes.
É o caso da comutação de dados pelo sistema Very Small Aperture Terminal – VSAT,
que se expandiu sobretudo na segunda metade da década de 1990. Esse sistema, que funciona
a partir da tecnologia do satélite, permite transmitir dados, imagens e voz para pontos remotos
do território, a partir de uma estação central e de pequenas estações pertencentes às próprias
empresas (CASTILLO, 1999, pp. 182-184). Em 1997, havia em Alagoas 13 micro – estações
VSAT gerenciadas pela EMBRATEL, sendo 7 na Região Canavieira. A concentração era
muito forte: apenas 3 cidades tinham micro – estações (Maceió, Penedo e União dos
Palmares), sendo que 5 delas estavam em Maceió (CASTILLO, 1999, pp. 291-303). Na
opinião desse autor (1999, p. 193), “considerando que os terminais VSAT não servem para
comunicar-se entre si (ao contrário dos terminais telefônicos), mas somente entre o local e a
sede da empresa (majoritariamente localizada em São Paulo), podemos afirmar que a rigidez
desta técnica reafirma o corporativismo do uso do território brasileiro” e, por isso, “os
destinos de cada lugar podem ser, assim, mais facilmente corrompidos por interesses
externos”.
Ainda que menos seletiva, sobretudo por oferecer um serviço cuja lucratividade está
relacionada à sua popularização, a telefonia celular se expande em Alagoas já expressando a
nova lógica pela qual se busca conectar as regiões e lugares. Mesmo que a exploração tenha
começado sob o monopólio estatal no início dos anos 1990 – a Banda A de telefonia celular –,
a separação desse serviço (deixada a cargo da Tele Nordeste Celular) da telefonia fixa (nesta a
Telemar era a empresa responsável) para o processo de privatização em 1997, além da criação
da Banda B que já nasce privatizada, reafirmam o novo posto que assume a política das
empresas (TOZI, 2009, p. 56). Desde o final do século XX Alagoas conheceu uma difusão
muito rápida do serviço móvel: de um total de 87 mil acessos em serviço em 1998, alcançou 1
milhão em 2005 e 3.7 milhões em 2015. Dessa maneira, dispondo de uma tecnologia mais
flexível, as estações radiobase, e de condições político-normativas favoráveis, as empresas
concessionárias de telefonia celular, segundo Fábio Tozi (2009, p. 56), foram ganhando a
permissão para uma unificação privada do território.
158

É possível verificar a mesma lógica no sistema de cabos de fibra óptica implantado em


Alagoas. Esse sistema foi impulsionado pela concessão dos serviços à Aloo Telecom (criada
em 2003), empresa que passa a participar de uma complexa cooperação/competição com as
operadoras de telefonia móvel no que se refere aos serviços de telecomunicações no estado.
Conforme mostra o mapa 64, há forte concentração no entorno de Maceió.

Mapa 64 – Alagoas: traçado dos principais cabos de fibra ótica (2016)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Por um lado, a aceleração do acontecer hierárquico aumenta a exigência de rigidez na


Região, mas, por outro, a forte expansão da pobreza demanda ainda mais flexibilidade da
grande maior parte dos sistemas de objetos e ações. Como a racionalidade instrumental
avança mais facilmente no campo, face a ambos os processos as principais cidades da
Região40 são chamadas, mais uma vez, a se adaptarem.

40
As situações de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos ante a essa nova realidade serão
analisadas no próximo item.
159

Para Milton Santos (1998b), deixar que qualquer território seja conduzido por políticas
particulares de agentes privados significa, na realidade, anular a verdadeira política e procurar
esconder as dívidas históricas que a sociedade tem para com os pobres. Isto porque, como
explica Ana Clara Torres Ribeiro (2014, p. 43), a ação política “[...] é projetada para além da
reprodução, ou seja, para além da coisa como ela está agora, das relações sociais como elas
estão desenhadas neste momento”, e o que a política desses agentes visa, na grande maioria
das vezes, é tão somente à reprodução das relações atuais. Teríamos alcançado, então, “[...]
uma espécie de naturalização da pobreza, que seria politicamente produzida pelos atores
globais com a colaboração consciente dos governos nacionais [...]” (SANTOS, 2011 [2000],
p. 56). Trata-se da pobreza estrutural globalizada.
Cremos não ser exagero dizer que os novos processos com os quais o urbano da
Região Canavieira de Alagoas se depara buscam, no limite, naturalizar o “Espaço Dividido”
(SANTOS, 2008 [1975]).
Mas, esses novos processos terminaram mudando também a qualidade dos meios do
acontecer solidário, isto é, das técnicas e das normas (SANTOS, 2009 [1996], p. 167). A
telefonia celular e a internet, por exemplo, são sistemas técnicos que, diferentes das redes de
comutação de dados que apresentamos, autorizam um conjunto de ações muito amplo por
parte dos usuários (ações muitas vezes nem mesmo previstas pelas empresas que os
colocaram no mercado), mesmo que as normas tentem cada vez mais limitar suas formas de
uso (TOZI, 2012). Em outros termos, torna-se possível, mais do que antes, estabelecer formas
de cooperação entre os lugares que não são instrumentais ao acontecer hierárquico. Na maior
parte dos casos essas formas não têm sido legitimadas pelo Estado, ao contrário, têm sido
reprimidas.
Assim, se desde o término da Segunda Guerra Mundial a política passa a ter como
tarefa colocar em cooperação, ao mesmo tempo, sistemas de objetos e sistemas de ações no
processo de transformação da realidade, poderíamos dizer que o exercício da política passou
pelas mãos dos partidos, das empresas e agora se dá principalmente entre os pobres
(SANTOS, 1998b). Daí o papel político que adquirem cada vez mais os princípios sociais e
espaciais de organização das atividades do circuito inferior da economia urbana. No próximo
item, buscaremos aprofundar esta questão tratando o surgimento e as formas organizacionais
do serviço de mototáxi face à expansão da pobreza e à reorganização das economias urbanas
das cidades de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos.
160

3.2. Transformações nos circuitos da economia urbana em Porto Calvo, União dos
Palmares e São Miguel dos Campos: a expansão do circuito inferior e a renovação do seu
papel no acontecer complementar

Durante os anos de 1990, observamos aprofundar-se ainda mais a tendência à maior


diferenciação da pobreza entre as cidades do interior da Região Canavieira de Alagoas, como
resultado da ausência de uma política abrangente. A porcentagem de pessoas consideradas
pobres pelo critério da renda per capita em Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel
dos Campos pode fornecer uma primeira indicação desse processo. É o que traz a tabela 21.

Tabela 21 – Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: Porcentagem de pessoas
consideradas pobres pelo critério da renda per capita (1991-2010)
Ano Porto Calvo União dos Palmares São Miguel dos Campos
1991* 79,32 80,39 77,76
2000** 75,08 68,70 62,78
2010*** 37,71 36,82 28,11
*Percentual de pessoas com renda per capita inferior a 50% do salário mínimo vigente em 1º de setembro de
1991
**Percentual de pessoas com renda per capita inferior a 50% do salário mínimo vigente em agosto de 2000
***Percentual de pessoas com renda per capita inferior a R$140,00 (linha oficial de pobreza usada no Programa
Bolsa Família) a preços de agosto de 2010
Fonte: IPEAdata e Atlas de Desenvolvimento Humano - PNUD. (Vários anos)
Organização: Fernando Silva (2017)

Vale sempre relembrar que embora a porcentagem de pessoas com renda per capita
inferior a meio salário mínimo tenha diminuído entre 1991 e 2000, a porcentagem da PEA
sem rendimentos (como vimos no capítulo 2) e a concentração da renda também aumentaram.
O Índice de Gini, que já era alto, subiu ainda mais nessa década, conforme mostra a tabela 22.

Tabela 22 – Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: Índice de Gini (1991-2010)
Ano Porto Calvo União dos Palmares São Miguel dos Campos
1991 0,52 0,54 0,57
2000 0,54 0,56 0,58
2010 0,47 0,53 0,51
Fonte: site do Atlas de Desenvolvimento Humano - PNUD
Organização: Fernando Silva (2017)

Acreditamos que é possível apreciar melhor os novos elementos da realidade urbana


do interior da Região considerando a dinâmica dos dois circuitos da economia, especialmente
do circuito inferior, nessas três cidades.
161

3.2.1. Porto Calvo: entre a expansão generalizada da pobreza e as facilidades de entrada no


circuito inferior da economia urbana

Tudo indica que, entre 1990 e os primeiros anos do século XXI, as transformações nos
elementos do circuito superior da economia urbana presentes na cidade de Porto Calvo foram
pontuais. Dentre as principais delas estão a extinção da agência do PRODUBAN e a
instalação de uma agência da Caixa Econômica Federal – CAIXA, que passou a localizar-se
na mesma rua que o antigo Banco Estadual. Se as cidades de São Luís do Quitunde e Novo
Lino já dispunham, nesse mesmo período, de agências do Banco do Brasil, somente em Porto
Calvo, dentre todas as quatorze cidades do entorno, existia agência da CAIXA, realidade que
perdurou até 2010.
Essa seletividade também contribuiu para que houvesse uma profusão sem precedentes
de atividades do circuito inferior da economia urbana, tanto em Porto Calvo como nas cidades
do entorno, assim como para que aumentassem os nexos desses pequenos centros com a
economia portocalvense. Defendemos que esses nexos passam a exigir cada vez mais a
definição local de princípios político-espaciais de organização por parte do próprio circuito
inferior da economia urbana.
Vimos no item 2.5 do capítulo anterior que ao final da década de 1990 o serviço de
transporte intermunicipal de passageiros, que havia surgido em Porto Calvo, passou a se
organizar como associação. Segundo as entrevistas que realizamos, desde então vários
aspectos técnico-organizacionais dessa atividade, como a entrada e saída de veículos, tipo de
carro, preços das passagens etc., começaram a ser regulamentados pela própria associação,
sem qualquer intervenção do poder público estadual.
O mesmo pudemos constatar no que se refere ao surgimento do serviço de moto-táxi.
Primeiramente esse serviço apareceu em Porto Calvo, por volta de 1999, e na primeira década
do século XXI passou a estar presente em quase todas as pequenas cidades próximas.
Vejamos o quadro 14.
162

Quadro 14: Origem e algumas características atuais do serviço de moto-táxi surgido em Porto Calvo e nas cidades do entorno

Ano aproximado Perfil dos passageiros que circulavam Ano em que passou a se organizar como
Cidade de origem Algumas características no período de surgimento Algumas características atuais (2016)
de surgimento no período de surgimento associação
Porto Calvo Por volta de 1999 Quando surgiu o transporte de passageiros com moto Não soube informar Não foi possível obter informação (há cerca de Hoje existe algo em torno de 200 moto-táxis trabalhando na
em Porto Calvo, rodavam em média 10 motos. Em 16 pequenas associações nas cidades, por isso cidade. Não há qualquer regulação por parte do poder
2000, há registro de que já havia cerca de 50 moto- ficou difícil obter informações detalhadas sobre municipal, para iniciar a atividade basta ter uma moto e fundar
táxis na cidade. A grande maioria era formada por ex- cada uma) a própria associação, ou conseguir em qualquer uma das
trabalhadores de usinas, que com o dinheiro recebido associações existentes a “permissão” para rodar. Algumas
como indenização pelo tempo de trabalho conseguia associações exigem habilitação para conceder autorização,
adquirir uma moto. Nunca houve qualquer regulação outras não. Com a expansão da cidade os próprios moto-
da parte do poder municipal taxistas vão observando a necessidade de fundar novas
associações nos bairros periféricos. A maior parte das corridas
é com destino ao Bairro da Mangazala e Oscar Cunha,
sobretudo nos dias de feira-livre e de pagamento aos
aposentados, funcionários públicos municipais e beneficiários
do Programa Bolsa Família.
Japaratinga Por volta de 2001 A única informação que foi possível obter foi a de que Principalmente moradores de povoados Não há associação (os trabalhadores informaram Hoje há 85 moto-taxistas na cidade, que atuam sem qualquer
os moto-táxis sempre rodaram na cidade sem qualquer localizados entre Japaratinga e Porto que o baixo rendimento obtido no serviço, em regulação por parte do poder municipal. Toda a organização
regulação por parte doo poder público municipal Calvo, e moradores de Japaratinga com torno de R$ 200,00 por mês, não compensa (preço da passagem, requisitos para ingressar no trabalho etc.)
destino a Porto Calvo em período de fundar uma associação e estabelecer normas é definida pelos próprios trabalhadores. A maior parte das
pagamento de aposentadoria e feira-livre para o serviço de moto-táxi, porque isto corridas ocorre nos dias de feira, pagamento de aposentados e
terminaria diminuindo ainda mais tal do Programa Bolsa Família.
rendimento).
Maragogi Por volta de 2005 Rodavam entre 5 e 10 motos, sem qualquer Não soube informar 2011 A prefeitura concedeu a permissão para rodarem 60 moto-
organização ou regulamentação do poder municipal táxis na cidade, mas trabalham apenas entre 25 e 30. Isto
porque os rendimentos obtidos ultimamente neste trabalho
têm sido muito baixos, de modo que uma parte preferiu viajar
para trabalhar no Sudeste e Centro-Oeste do País. Quem
define praticamente toda a organização (preço das passagens,
pontos, distribuição dos pontos etc.) é a própria associação.
Não foi possível obter informações sobre as características da
clientela atual.
Matriz de Não foi possível Não foi possível obter informações Não foi possível obter informações Não foi possível obter informações Há cerca de 120 moto-taxistas na cidade, distribuídos em 6
Camaragibe obter informação pontos (cada ponto se organiza de maneira diferente do outro).
Toda organização (preço de passagens, entrada e saída de
novos trabalhadores, localização dos pontos etc.) é feita pelos
próprios moto-táxis. A maior parte do fluxo é para os bairros
periféricos da cidade nos dias de feira-livre, pagamento aos
aposentados e aos beneficiários do Programa Bolsa Família.
Jundiá Não foi possível Não foi possível obter informações Devido às dificuldades de transporte para Até hoje não há associação de moto-táxi em Em Jundiá, a organização do serviço de moto-táxi é bastante
obter informações as principais cidades do entorno (os Jundiá. peculiar: não há qualquer regulação por parte do poder
transportes por Kombi só circulam até municipal, nem da parte dos trabalhadores enquanto grupo.
10:00hs da manhã) os moto-táxis Cada moto-táxi entra e sai quando deseja do trabalho,
tornaram-se a principal opção para combina os preços com o passageiro, e nenhum usa qualquer
qualquer pessoa que deseja ir até Porto identificação. Essa organização foi possibilitada, sobretudo,
Calvo ou Novo Lino, por exemplo, pela generalização do telefone: o moto-táxi geralmente só sai
quando não há transporte por Kombi. de casa quando recebe telefonema de alguém, normalmente
uma pessoa já conhecida, para uma corrida até uma cidade
vizinha. Por isso torna-se muito difícil saber a quantidade
exata de trabalhadores nesse serviço. A maior parte das
corridas é requisitada por pessoas que precisam resolver algo
urgente nas cidades vizinhas (aposentados e beneficiários do
Bolsa Família acabam usando pouco o serviço, principalmente
pelo alto preço em comparação com o transporte por Kombi).
Fonte: Trabalho de campo (2015-2016)
Organização: Fernando Silva (2017)
163

Notamos no quadro como a maioria dos aspectos referentes à organização dessa


atividade é, até hoje, definida pelos próprios moto-taxistas. Somente em Maragogi, entre as
cinco cidades da área para as quais foi possível obter informações, o poder público municipal
regulamentou a quantidade de trabalhadores, mas todas as outras questões continuaram sendo
resolvidas pela própria associação. Ficou claro durante as nossas entrevistas que, na realidade,
esse é um dos principais fatores que garantem a reprodução dessa atividade, mesmo que os
rendimentos aí auferidos sejam muito baixos. Na pequena cidade de Japaratinga um moto-táxi
afirmou: “se a gente tivesse dinheiro pra tirar habilitação e comprar moto nova de 7 em 7 anos
[exigência feita aos moto-taxistas quando da regulamentação], a gente ia tá fazendo o que
num lugar desse?” (Entrevista realizada em junho de 2016).
Edilson Luis de Oliveira (2009, p. 160) lembra que a difusão dos serviços de moto-táxi
nas cidades brasileiras se explica pela convergência de três fatores: “[...] o desemprego, as
baixas e baixíssimas remunerações dos postos de trabalho disponíveis à maioria dos
trabalhadores menos qualificados e a necessidade crescente de mobilidade no meio urbano”.
Para a situação em análise, não há dúvidas de que as facilidades de ingresso destacam-se
como um dos principais fatores responsáveis pela difusão que constatamos.
De maneira geral, “o ingresso nas atividades do circuito inferior [...] é fácil, na medida
em que, para isso, é mais necessário o trabalho que o capital” (SANTOS, 2008 [1975], p.
204). Mas, neste sentido, há variações importantes segundo o tipo de atividade e a cidade. Na
década de 1970, algumas atividades de transporte incluídas nesse circuito não exigiam do
candidato “[...] nem capital nem qualificação [...]” (p. 206). Isto parece ter mudado
sensivelmente. A moto, equipamento principal de trabalho de um moto-táxi, assim como as
kombis e demais carros usados no transporte intermunicipal de passageiros, têm preços
elevados, principalmente para os níveis de rendimento regionais.
Pelas entrevistas que realizamos podemos assegurar que, inicialmente, esses meios de
transporte só estiveram ao alcance dos trabalhadores do circuito inferior da economia urbana
da Região pela possibilidade de adquiri-los de segunda mão, assim como pela existência dos
direitos sociais do trabalhador rural. Isto porque muitos dos que hoje são moto-taxistas só
puderam ingressar na atividade com o dinheiro recebido do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço – FGTS, após vários anos de trabalho nas usinas41.

41
Somente para termos uma ideia, alguns entrevistados em Porto Calvo afirmaram ter gasto mais de R$ 1.000
com a compra da motocicleta ao final dos anos 1990, quando o salário mínimo vigente no País era de R$ 136,00.
No caso dos serviços de transporte intermunicipal, embora não tenha sido possível saber sobre valores, ficou
claro que o ingresso era praticamente impossível para um ex-trabalhador rural, mesmo que este trabalhasse por
164

Mas, sem dúvida nenhuma, o crescimento do número de moto-táxis nessas cidades se


deu, sobretudo, em função da maior flexibilidade dos sistemas urbanos. De fato, assim como
ocorreu no caso do transporte intermunicipal de passageiros, a princípio poderíamos ver o
trabalho dos moto-taxistas tão somente como uma atividade econômica, que teve impulso a
partir de uma demanda considerada pequena e esporádica para os agentes do circuito superior
da economia urbana. Entretanto, para os trabalhadores do circuito inferior torna-se
praticamente impossível atender essa demanda sem definir localmente outras formas de uso
das técnicas e das normas. Deste modo, a circulação entre os pequenos centros urbanos e
Porto Calvo, bem como entre os subespaços desta cidade, vai deixando cada vez mais de ser
um simples resultado dos aconteceres hierárquico e político-institucional, já que a política das
associações, por exemplo, passa a ter um papel fundamental nessa cooperação.

3.2.2. A busca por acelerar o acontecer hierárquico e a necessidade de maior organização


das atividades do circuito inferior da economia urbana em União dos Palmares

No início dos anos 1990, com a instalação da Fábrica de Laticínios São Domingos no
Distrito Industrial Floriano Rosa42, União dos Palmares passou a ter a indústria urbana
moderna como outro elemento do seu circuito superior da economia urbana. Na época, essa
indústria não chegava a gerar sequer 100 postos de trabalho diretos (FIEA, 1994).
Trata-se de um Distrito que, de vários pontos de vista, inseriu-se numa dinâmica
bastante diferente da que se passou nos distritos de Maceió e Marechal Deodoro. Nestes dois
últimos casos, já havia uma demanda (respectivamente do setor sucroalcooleiro e do Pólo
Cloroquímico) que levou os governos federal, estadual e municipais a viabilizar sua criação.
Ademais, o Distrito Floriano Rosa foi criado num contexto em que a Companhia de
Desenvolvimento de Alagoas – CODEAL já estava praticamente sem capacidade de
coordenar uma política industrial abrangente para todo o estado (CABRAL, 2005).
Observamos o poder público municipal de União dos Palmares empreender esforços
no sentido de atrair empresas para a área, todavia sem nenhum sucesso. Além da lei nº. 760 de
1989, que ao criar o Distrito oferecia incentivos fiscais e doação de terrenos para as indústrias

vários anos sem ser dispensado nas entressafras. Hoje em dia, as possibilidades financeiras abertas pelas
concessionários de motocicletas e veículos a esses trabalhadores transformou todo esse quadro.
42
Esse Distrito conta com área total de 95.509,39 m², e localiza-se nas proximidades do núcleo urbano de União
dos Palmares. Dispõe de lotes distribuídos por cinco quadras, com dimensões entre 8.511,27 m² e 31.726,00 m²,
tendo a via de acesso principal pavimentada (FIEA, 2009, pp. 60-61).
165

que aí se instalassem, foram promulgadas mais duas leis neste mesmo sentido, a lei nº 829, de
1995, e a lei nº 921 de 2000. Mesmo numa cidade tão pobre defrontamo-nos, deste modo,
com a busca por acelerar o acontecer hierárquico43. Em nenhuma hipótese essa busca deixa de
ser nociva à política e ao território municipais, porque revela a tentativa de distanciar o
aparelho de Estado cada vez mais das populações pobres.
Da mesma maneira que em Porto Calvo, tivemos em União dos Palmares, ainda na
última década do século XX, a instalação de uma agência da CAIXA. Considerando União
dos Palmares e as cidades do entorno, essa agência era a única existente até 2010 (quando
então foi instalada uma agência desse banco em Murici). Isto contribuiu para renovar as
complementaridades entre União dos Palmares e os pequenos centros urbanos vizinhos.
Embora os trabalhadores do transporte interurbano de passageiros surgido nessas
cidades tenham começado a se organizar em associações já no início dos anos 1990, conforme
pudemos observar no capítulo anterior, as entrevistas que realizamos mostraram que, nessa
mesma década, começou haver uma pressão cada vez maior sobre tais trabalhadores por parte
de empresas que passaram a concorrer com essas atividades do circuito inferior da economia
urbana. O fato de a maioria das cidades estarem localizadas ao longo da BR – 104 (somente
Santana do Mundaú e Ibateguara dependem de estradas vicinais para alcançar esta BR),
facilitava a atuação de tais empresas.
Isso levou a Associação de União dos Palmares a buscar apoio no poder público
municipal, o que resultou na promulgação da lei nº. 864, de outubro de 1997, que estabelece o
Sistema de Transporte Alternativo no município de União dos Palmares. Embora a validade
dessa lei seja duvidosa44, o fato é que a entrada de novos trabalhadores nas linhas com destino
a Maceió, Branquinha e São José da Laje começou a ficar cada vez mais difícil, agora não

43
A partir de 2002, a Fábrica de Laticínios São Domingos passou a usar todas as suas instalações para produzir
para a Quaker Brasil, num acordo em que todos os insumos, parâmetros de qualidade etc., seriam delineados por
esta última empresa, que investiu inicialmente 9 milhões em equipamentos e na melhoraria das instalações.
Dessa forma, a Quaker procurava alcançar com mais facilidade o mercado do Nordeste sem ter que iniciar uma
fábrica do zero e lidar com todos fatores referentes à mão de obra (ver reportagem: “Fabricação de Toddynho no
Nordeste acirra a concorrência”. Disponível em: http://www.milkpoint.com.br/cadeia-do-leite/marketing-do-
leite/fabricacao-do-toddynho-no-nordeste-acirra-a-concorrencia-15669n.aspx). Segundo nossas entrevistas, a
Fábrica de Laticínio MUU, localizada no Núcleo Industrial de Murici, pretende fazer a mesma coisa que a
Fábrica São Domingos, com a diferença de que não vai produzir somente para uma marca, mas para várias. Há,
portanto, uma tendência a que essas fábricas percam cada vez mais suas ligações com os mercados locais. Além
disso, sem aumentar a quantidade de empregos nessas cidades, os agentes externos passam a controlar vários
aspectos da dinâmica desses distritos industriais.
44
O estranho é que se trata de uma lei municipal que, na realidade, estabelece normas tanto para o transporte de
passageiros dentro do município (como o número de veículos que seriam permitidos na linha União-Distrito
Rocha Cavalcante), como para o transporte intermunicipal (como o número de veículos autorizados nas linhas
para Maceió, Branquinha e São José da Laje) (Art. 5º, lei 864/1997).
166

somente em função do capital exigido para a compra do veículo, mas também por conta da
exigência de certa organização dos próprios trabalhadores45.
Para os nossos dias, poderíamos então relativizar a constatação de Milton Santos
(2008 [1975], pp. 206-208) sobre as facilidades de entrada nas atividades do circuito inferior
da economia urbana. Sobre isso, além dos requisitos de capital e de qualificação já apontados
por esse autor, pensamos ser necessário considerar também a exigência de organização do
próprio trabalhador. É o caso de este ter que participar de uma associação e ter carteira de
habilitação, por exemplo, pois em ambos os casos não se trata simplesmente de organização
da atividade.
No quadro 15 podemos constatar que o serviço de moto-táxi das cidades do entorno de
União dos Palmares, ainda que em menor grau que o transporte interurbano de passageiros,
revela maiores níveis de organização se compararmos ao de Porto Calvo. Mesmo nos casos
em que as próprias associações definem todos os aspectos referentes à organização do serviço,
elas estabelecem várias normas sobre a entrada e saída de novos moto-taxistas, condições das
motos, preços das passagens etc.

45
Exigia-se do transportador que fizesse parte da associação de União dos Palmares e que tivesse documento de
habilitação em dia. Sobre as exigências referentes ao veículo, trazemos o 6º artigo da mesma lei:
“Art. 6º - Para prestar serviço no SISTEMA ALTERNATIVO DE TRANSPORTE MUNICIAPL DE UNIÃO
DOS PALMARES, só será admitido o veículo que atenda as seguintes condições:
a) – Seja de propriedade de sócio residente em União dos Palmares;
b) – Ser licenciado no Município de União dos Palmares – Al., na categoria de aluguel;
c) – Estar sempre em boas condições de conservação, não podendo ter idade superior a 07 (sete) anos a partir da
data de fabricação”.
167

Quadro 15: Origem e algumas características atuais do serviço de moto-táxi surgido em União dos Palmares e nas cidades do entorno
Cidade de Ano aproximado de Perfil dos passageiros que circulavam Ano em que passou a se organizar como
Algumas características no período de surgimento Algumas características atuais (2016)
origem surgimento no período de surgimento associação
União dos Por volta de 1995 O serviço de moto-táxi começou sem qualquer Não foi possível obter informação 1997 Atualmente existem 200 moto-táxi na cidade. O número de
Palmares regulação do poder municipal. Havia cerca de 7 praças foi definido e ampliado por lei municipal (não tivemos
grupos, cada um contabilizando entre 5 e 10 moto-táxi, acesso à essas leis), mas vários aspectos da circulação
que acabavam diferenciando-se um do outro pelo continuam sendo definidos pela própria associação (valor da
ponto da cidade em que costumava pegar passageiros. passagem, distribuição dos pontos na cidade etc.). A clientela
A associação foi fundada em 09/12/1997, momento é bastante diversificada, e o fluxo aumenta sobretudo nos dias
em que foi promulgada uma lei municipal (não de feira-livre, pagamento aos aposentados e beneficiários do
conseguimos acesso a esta lei) definindo que o número Bolsa Família. Há também um número expressivo de moto-
total de moto-táxis permitido seria de 163, mas em taxistas que fazem “contratos” para levar crianças nas escolas
1997 só rodavam 80. todos os dias.
Ibateguara Por volta de 1997 No final da década de 1990 rodavam entre 5 e 10 Principalmente aposentados que 2002 Hoje são 27 moto-táxis. Esse número foi definido por lei
moto-taxistas na cidade. No início dos anos 2000 habitavam a área rural do município, municipal (não conseguimos ter acesso a esta lei), mas vários
apareceu outro grupo menor (com menos de 5 motos), sobretudo nos dias de feira-livre e de outros aspectos sobre o trabalho são regulados pela própria
e esses dois grupos deram origem à associação. Não pagamento. associação (requisitos para atuar como moto-táxi, modelo da
havia qualquer regulação por parte do poder moto, valores das passagens e distribuição dos pontos nas
municipal. cidades etc.). A maior parte da clientela é constituída por
populações pobres (aposentados, beneficiários do Bolsa
Família) que circulam principalmente nos dias de feira-livre.
Murici Por volta de 1997 Quando surgiu, rodavam dois pequenos grupos (cada O fluxo principal de passageiros era para 2003 Hoje existem 84 praças para moto-táxi na cidade, mas só
um tinha entre 5 e 10 motos), sem qualquer regulação as fazendas localizadas na área rural do rodam cerca de 60, porque uma parte dos trabalhadores viajou
do poder municipal. Esses dois grupos formaram a município em dias de feira-livre e para o Sudeste e Centro-Oeste do País em busca de trabalho.
associação. pagamento de aposentadoria. Esse número foi definido pela própria associação, sem
qualquer regulação do poder municipal (há um Projeto de Lei
tramitando na Câmara Municipal para regulamentar a
profissão). Todos os aspectos do trabalho são regulados pela
própria associação (modelo de moto, valor da passagem,
distribuição dos pontos na cidade etc.). O fluxo aumenta,
principalmente, nos dias de feira-livre, pagamento do Bolsa
Família e de aposentadoria.
São José da Por volta de 1994 Rodavam cerca de 5 moto-táxi sem qualquer regulação O fluxo principal era para a área rural do 2000 Hoje existem 80 moto-taxistas na cidade. Esse número havia
Laje por parte do poder municipal. município nos dias de feiras e de sido definido no momento da criação da associação, mas só
pagamento aos aposentados. foi completado recentemente pelo incentivo do poder
municipal, que distribuiu o restante das permissões que não
estavam sendo usadas. De modo que há aspectos do trabalho
que são regulados pelo poder municipal (definição do número
de trabalhadores, por exemplo), enquanto outros vão sendo
definidos pela própria associação (distribuição dos pontos na
cidade, valores das passagens, modelo de moto etc.). O fluxo
maior de passageiros hoje é para a periferia da cidade,
especialmente para o bairro construído para os desabrigados
da enchente de 2010, que fica a 3 km do centro da cidade. A
população desloca-se sobretudo nos dias de feira e de
pagamento aos aposentados e aos beneficiários do Bolsa
Família.
Santana do Por volta de 1998 Rodavam entre 5 e 10 moto-táxi. Na verdade, tratava- Principalmente pequenos agricultores da 2008 Hoje existem 38 moto-táxis na cidade, e todas as normas
Mundaú se de algumas poucas pessoas que tinham moto na zona rural sobre o serviço são formuladas pela própria Associação de
cidade e, às vezes, eram chamados para levar alguém moto-taxistas. O fluxo principal de passageiros ocorre no
numa cidade vizinha ou na área rural do próprio período de pagamento aos aposentados e beneficiários do
município. Bolsa Família, e se dá entre o centro e o novo bairro
construído para o desabrigados da enchente de 2010, que fica
a 5 km do centro da cidade. O fluxo para a área rural do
município e para as cidades vizinhas ainda ocorre, mas ficou
mais restrito aos horários em que as vans não circulam mais
(depois das 17:30).
Branquinha Por volta de 2003 Rodavam entre 10 e 15 motos. O fluxo era principalmente para a área 2005 Hoje são 22 moto-taxistas na cidade, e toda a organização,
rural da cidade (especialmente inclusive a definição dessa quantidade, é feita pela própria
168

assentamentos rurais) e para as cidades associação de moto-taxistas. O fluxo principal atualmente


vizinhas (União dos Palmares e Murici). ocorre entre o centro e o bairro construído para os
desabrigados da enchente de 2010, localizado a mais de 3 km
do centro. O movimento é maior no período de pagamento aos
beneficiários do Bolsa Família e aos aposentados.
Fonte: Trabalho de campo (2015-2016)
Organização: Fernando Silva (2017)
169

O serviço de moto-táxi tornou-se responsável pela circulação da grande maior parte da


população pobre no espaço urbano de União dos Palmares. Tudo indica que a procura do
poder público municipal por parte dos trabalhadores da recém fundada associação em 1997
para normatizar alguns aspectos desse serviço revela a preocupação com o rápido aumento do
número de moto-taxistas na cidade, bem como as dificuldades de conciliar os conflitos que
foram surgindo.

3.2.3. São Miguel dos Campos: entre a política das empresas e a expansão do circuito
inferior

Em 1999, as fábricas de cimento do Grupo pernambucano Brennand, incluindo a


Companhia de Cimento Atol localizada em São Miguel dos Campos, foram compradas pelo
grupo português Cimpor46. As facilidades oferecidas aos capitais estrangeiros para entrada no
País autorizaram novas concentrações nesse setor, o que conferiu ainda maior poder decisório
aos capitais forâneos sobre a riqueza produzida com os recursos naturais miguelenses.47
Entre os diversos subespaços da Região Canavieira de Alagoas, foi no entorno de São
Miguel dos Campos onde a racionalidade instrumental avançou com mais força no campo. Aí
estão as principais usinas e destilarias que passaram a liderar a modernização do setor a partir
dos processos de desregulamentação (CARVALHO, 2001), e embora desde então a área
colhida de cana tenha permanecido praticamente a mesma, as empresas passaram a demolir
inúmeras moradias de trabalhadores em fazendas48. Dessa forma, a expansão do circuito
inferior da economia urbana torna-se a consequência mais evidente do aperfeiçoamento da
ação instrumental em São Miguel dos Campos e nos municípios vizinhos.

46
Ver reportagem: “Cimpor compra três fábricas brasileiras”. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi09099911.htm Acesso em dezembro de 2016.
47
Em 2012, o Grupo Camargo Corrêa, através da InterCement, adquiriu as ações da Cimpor, buscando sobretudo
ampliar sua participação no Nordeste num momento em que a construção civil se expandia bastante nesta
Região. Ver reportagem: “Camargo Corrêa conclui aquisição da Cimpor e avança no Brasil”. Disponível em:
http://exame.abril.com.br/negocios/camargo-correa-conclui-aquisicao-da-cimpor-e-avanca-no-brasil/ Acesso em
dezembro de 2016.

48
Isso ficou claro em várias das nossas entrevistas. Por exemplo, o presidente da Associação do Transporte
Complementar de Roteiro, quando indagado sobre o fluxo de passageiros para São Miguel dos Campos na
década de 1990, explicou: “[nessa época] tinha as fazendas no caminho que a gente vinha pegando, vinha
pingando. Hoje em dia não tem fazenda em canto nenhum, se a gente carregar no Roteiro tudo bem, se não
carregar não carrega mais em canto nenhum, se carregar de cá pra lá é a mesma coisa, nós não temos o pinga
não, é pegou carregou vai embora. Porque de primeiro tinha as fazendas né, nós saia nas fazenda, ia deixando,
mas agora tá mais difícil” (Entrevista realizada em junho de 2016).
170

Buscando atender a demanda crescente por circulação no espaço urbano, numa cidade
em que uma parcela razoável da população pobre tinha rendimentos fixos mas habitava áreas
distantes dos principais fixos públicos e econômicos, surgiu em 1994, na periferia
miguelense, a Associação dos Motoristas Autônomos do Bairro de Fátima. Durante a década
de 1990, toda a organização desse pequeno sistema de transporte urbano de passageiros era
feita pelos próprios associados. De acordo com as nossas entrevistas, alguns anos antes uma
média de 10 (dez) trabalhadores já realizavam esse transporte sem fazerem parte de qualquer
organização coletiva. A fundação da Associação, estabelecendo as primeiras normas sobre o
tipo de veículo, e requerendo exclusividade para os associados nessa linha, adiantou vários
aspectos organizacionais que viriam a ser ratificados pelo poder municipal no final da década.
A Lei municipal nº. 1.066, de janeiro de 1999, concedeu permissão à Associação dos
Motoristas Autônomos do Bairro de Fátima para explorar o transporte de passageiros na
cidade49. Hoje, 23 (vinte e três) carros de trabalhadores vinculados a essa Associação são
responsáveis pela circulação de pessoas dos bairros periféricos para o centro de São Miguel
(SILVA NETO, 2016, pp. 65-66)50.
Da mesma maneira, o serviço de moto-táxi, surgido nessa cidade por volta de 1995,
passou logo no início dos anos 2000 a ter o seu funcionamento regulado principalmente pelo
poder municipal. As cidades do entorno de São Miguel dos Campos são mais flexíveis nesse
sentido. No quadro 16 observamos que em Teotônio Vilela e Jequiá da Praia, por exemplo, a
organização desse serviço se assemelha ao que ocorre na área de Porto Calvo, isto é,
praticamente todos os aspectos são definidos pelos próprios trabalhadores, porque não há
sequer associações.

49
Informação obtida na Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito – SMTT de São Miguel de
Campos, em julho de 2016. Não conseguimos ter acesso a essa lei.

50
Além dos carros da associação, uma empresa local, a Transportadora de Passageiros Miguelense Ltda-
TRANSPAM, também passou a realizar a circulação de passageiros no espaço urbano de São Miguel. Trata-se,
todavia, de uma dinâmica diferente das atividades do circuito inferior que foram se organizando em associação
(SILVA NETO, 2016, pp. 69-70).
171

Quadro 16: Origem e algumas características atuais do serviço de moto-táxi surgido em São Miguel dos Campos e nas cidades do entorno

Cidade de Ano aproximado de Perfil dos passageiros que circulavam Ano em que passou a se organizar como
Algumas características no período de surgimento Algumas características atuais (2016)
origem surgimento no período de surgimento associação
São Miguel Por volta de 1995 No ano de fundação da associação (2003), rodavam O fluxo era principalmente para os 2003 Hoje são 250 moto-taxistas na cidade, e praticamente toda a
dos Campos 100 moto-taxistas. bairros periféricos da própria cidade nos regulação do serviço é feita pelo poder público municipal. O
dias de feira-livre maior fluxo continua sendo entre o centro e os bairros
periféricos da cidade, especialmente nos dias de feira-livre. A
maior parte dos aposentados e beneficiários do Bolsa Família
prefere circular no transporte urbano feito por vans e micro-
ônibus, e não de moto-táxi.
Teotônio Por volta de 1998 Não foi possível obter informações O fluxo principal era para os povoados Não há associação Hão são aproximadamente 160 moto-táxis na cidade,
Vilela das usinas (especialmente da usina distribuídos por cerca de 8 pontos. Cada ponto tem uma
Gauxuma) nos períodos de pagamento da organização particular: define a quantidade de moto-táxi que
usina. Nesta época, a usina ainda não vão trabalhar, as exigências para ingressar na atividade etc.
fazia pagamento através de bancos, de Não há qualquer regulação por parte do poder municipal, e
forma que o fluxo de pessoas entre a nem mesmo uma organização geral por parte dos moto-
usina e a cidade era intenso. taxistas que seja seguida por todos. O fluxo hoje é pequeno, e
se dá principalmente entre os bairros periféricos e o centro,
assim como para as cidades vizinhas. O período de maior
movimento é quando começa o pagamento aos aposentados e
aos beneficiários do Bolsa Família.
Coruripe Por volta de 1999 Não foi possível obter informações Trata-se de um município com muitos Não foi possível obter informações (há cerca de Hoje são 165 moto-taxistas na cidade. Quanto à regulação, há
povoados rurais (inclusive em torno da 6 pequenas associações na cidade, por isso ficou alguns poucos aspectos (número de moto-táxis por ponto, por
Cooperativa Pindorama), por isso o fluxo difícil obter informações detalhadas de cada exemplo) que são estabelecidos pelo poder público municipal,
maior sempre foi com destino a esses uma). mas a grande maior parte das normas sobre o serviço
povoados. (distribuição dos pontos, modelo e condições das motos,
valores das passagens etc.) é formulada pelas próprias
associações em cada ponto. O fluxo maior é entre o centro da
cidade e os povoados rurais, especialmente nos dias de feira-
livre, pagamento aos aposentados aos beneficiários do Bolsa
Família.
Jequiá da Não foi possível obter Não foi possível obter informações O fluxo principal sempre foi para as Não há associação Estimamos que há em média 30 moto-taxistas na cidade.
Praia informações cidade de São Miguel dos Campos e Todos os aspectos referentes à organização da atividade ficam
Coruripe a cargo da própria associação, sem qualquer regular do poder
público municipal. O serviço supre (assim como faz desde o
seu surgimento) as deficiências do sistema interurbano de
transporte de passageiros, uma vez que há apenas um veículo
que faz duas vezes por dia a linha Coruripe – São Miguel dos
Campos via Jequiá da Praia. O fluxo maior de pessoas é para
Coruripe, principalmente no período de pagamento aos
aposentados e beneficiários do Bolsa Família.

Fonte: Trabalho de campo (2015-2016)


Organização: Fernando Silva (2017)
172

Em Teotônio Vilela, por exemplo, quando perguntamos a um moto-táxi responsável


por um dos pontos se a quantidade de trabalhadores nesse serviço não era muito grande
levando em conta o quantitativo populacional da cidade, ele explicou: “É, mas o prefeito quer
né, se o prefeito não quisesse ele acabava, mas o prefeito não acaba. O prefeito diz na rádia
que quem tiver desempregado e quiser rodar de moto-táxi é só fazer um pontinho e rodar. Aí
aumenta né, que todo mundo precisa né” (Entrevista realizada em junho de 2016).
Infelizmente não foi possível obtermos entrevistas dos moto-taxistas das cidades Campo
Alegre e Boca da Mata
Como os moto-táxis cumprem, certas vezes, a função que caberia ao serviço de
transporte intermunicipal, a sua difusão parece estar associada também ao adensamento das
complementaridades entre São Miguel dos Campos e os centros urbanos vizinhos, fato que,
aliás, foi responsável pela fundação de associações de transporte intermunicipal ao longo dos
anos 199051.
A densidade bancária nessa área é bem maior em comparação à de Porto Calvo, de
modo que as cidades de Boca da Mata, Coruripe, Teotônio Vilela e, a partir de 2004, Campo
Alegre, além de São Miguel dos Campos, tinham agências bancárias, sendo Roteiro e Jequiá
da Praia as únicas cidades desprovidas desse fixo. Todavia, até 2010 havia agências da
CAIXA somente em São Miguel dos Campos e em Coruripe.
Dessa forma, enquanto as fazendas perdem população, novos fatores terminam por
acelerar o acontecer complementar entre as cidades. Neste sentido, nos deteremos na próxima
parte da tese à análise do Programa Bolsa Família.

51
O fluxo de pessoas nessa área de São Miguel dos Campos sempre foi do interesse de empresas do circuito
superior da economia urbana, sobretudo entre as cidades localizadas ao longo da BR – 101 (São Miguel dos
Campos e Teotônio Vilela). Nossas entrevistas mostraram que até os primeiros anos do século XXI isso não
havia gerado maiores conflitos, uma vez que quando essas empresas atuavam só paravam para embarque e
desembarque de passageiros nas cidades, enquanto os trabalhadores do circuito inferior iam fazendo o “pinga-
pinga” nas fazendas, na BR – 101 e nas estradas vicinais. Com a eliminação das fazendas, a princípio cresce a
necessidade de circulação entre as cidades, mas depois, com a instalação de agências bancárias, Casas Lotéricas
e, Caixa’s Aqui nesses centros acirram-se as disputas entre empresas do circuito superior da economia urbana
(geralmente de Maceió) e o transporte complementar de passageiros.
173

SEGUNDA PARTE: PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E CIRCUITOS DA ECONOMIA


URBANA NA REGIÃO CANAVIEIRA DE ALAGOAS
174

CAPÍTULO 4: A transferência de renda como acontecer político-institucional no Brasil

“[...] a idéia de combate à pobreza, usada por tantos, reifica a pobreza,


tornando-a um fato altamente naturalizado. Afinal, quem não quer
participar do bom combate? Quem não quer colaborar com a boa missão?
Sob este guarda-chuva pode-se abrigar um pouco de tudo”.
Ana Clara Torres Ribeiro. A face social da mudança econômica:
funções da pobreza. (2001, p. 73).

“[...] se nos definirmos por nossas ações instrumentais, somos desiguais,


dado que um é forte, qualificado ou educado, e o outro é fraco, não
qualificado ou analfabeto”.
Alain Touraine. Igualdade e diversidade. (1998, p. 70).

S
e nos países do centro do sistema capitalista, especialmente nos países da Europa, o
tema das políticas de transferência de renda52 se desenvolveu ligado à
problematização dos limites e possibilidades da mercantilização dos elementos da
produção (notadamente a terra e o trabalho), no Brasil (como de resto ocorreu na maior parte
dos países da periferia do capitalismo) o “combate à pobreza” constituiu tanto o leitmotiv da
discussão teórica, como a principal justificativa político-ideológico que levou à construção de
políticas dessa natureza.
Já nos anos de 1970, certos pesquisadores passaram a defender a implantação de um
Imposto de Renda Negativo no País (SILVA e SILVA, 1997; SPOSATI, 1997; FONSECA,
2001; SUPLICY, 2013 [2002]). Mas foi somente em 1991 que o Senador Eduardo Suplicy
(PT – SP) apresentou um Projeto de Lei propondo a criação de um Programa de Garantia de
Renda Mínima – PGRM de escala nacional, levando para a esfera político-institucional o
debate sobre o tema.
Desde então, extensas discussões foram travadas nas universidades, nas assembleias
de partidos políticos, em comissões do Senado Federal e em sessões da Câmara dos
Deputados. Criaram-se “teorias”, diversos Projetos de Lei, sistemas técnicos para o

52
O que a literatura, notadamente da ciência política, vem chamando de “programas transferências de renda”, ou
de “programas de garantia de renda mínima” compreende transferências monetárias para famílias e indivíduos
que não contribuíram de forma direta para algum fundo previamente, mas que estão fisicamente capacitados para
vender sua força de trabalho. Estaria, desse modo, para além dos direitos trabalhistas e da assistência social. Para
saber com certo grau de detalhamento como políticas desse tipo se inseriram na construção dos Estados de Bem-
Estar social na Europa e na América Latina ver, por exemplo, a tese de Rosa Helena Stein (2005).
175

cadastramento de beneficiários etc., tudo isso para reduzir, na ciência e na política, a pobreza
às dimensões da renda e da educação.
Por isso, com a contribuição ideológica do Banco Mundial e de outras instituições
internacionais, a política de transferência de renda tornou-se consensual entre diversos
partidos quando se trata de “combater a pobreza”. Partidos de diferentes vinculações
ideológicas se alimentam na mesma concepção reificadora de pobreza para “fazer política” e,
desse modo, o combate à pobreza se torna uma causa que toda a sociedade política brasileira
procura abraçar.
Na realidade, o fazer político nesse aspecto foi ficando cada vez mais restrito à
definição de “linhas de pobreza”, de critérios exigidos para ser beneficiário dos programas, do
percentual adequado de frequência escolar para que a criança saía por si só da pobreza no
futuro, além de outras questões dessa mesma natureza. Por essas razões cremos que o
acontecer político-institucional é chamado cada vez mais a colaborar com a naturalização do
“Espaço Dividido”. Como isso ficaria com a criação do Programa Bolsa Família – PBF
(2003)?
De fato, os processos que vimos relatando no capítulo anterior pressionam as formas
de repartição da riqueza pelo Estado de várias maneiras. Não é somente uma questão
orçamentária ou normativa, embora estas sejam por demais importantes. Por isso, no presente
capítulo buscamos considerar, ao mesmo tempo, os principais fatores técnicos e políticos
responsáveis pela transformação, no Brasil, de propostas de transferências de renda em
acontecer político-institucional. Um destaque especial será dado a construção e
funcionamento do PBF.
176

4.1. O debate brasileiro sobre transferência de renda e sua transformação em política nos
anos 1990

Conforme apontaram diversos autores (SILVA E SILVA, 1997, p. 112; SUPLICY,


2013 [2002], p. 167; FONSECA, 2001, p. 93), a proposta de Imposto de Renda Negativo
apresentada por Antonio Maria da Silveira em 1975, no seu texto intitulado “Redistribuição
de Renda”, pode ser tomada como marco inicial da discussão sobre transferências de renda no
Brasil. Desde então, esse autor buscou difundir a ideia em várias esferas e instituições,
sobretudo acadêmicas.
Segundo afirmou o próprio Antonio Maria da Silveira em entrevista concedida em
2002, o que o levou a defender propostas de transferência de renda com tanta veemência foi
sua descrença na tese de que o crescimento econômico traria consigo o fim da pobreza. Ele
explicou: “o sério na época [1975] era o “slogan” da espera pelo crescimento do bolo, ou pior,
o erro de que o crescimento erradicaria automaticamente a miséria. Não tinha estas saídas
comigo, pois voltava dos Estados Unidos, onde seus assemelhados diziam o mesmo, apesar
do bolo lá ter por demais crescido” (SILVEIRA, 2002, p. 154).
Podemos afirmar que a mesma razão, ainda que destacando especificamente os
empecilhos que a pobreza colocava para a democratização da sociedade brasileira, levou
Edmar Lisboa Bacha e Roberto Mangabeira Unger a também defenderem, três anos depois, o
Imposto de Renda Negativo como política para o País. Segundo a proposta dos autores
(1978), esta política deveria ser adotada em conjunto com outras de caráter estrutural, como a
Reforma Agrária por exemplo.
Cabe aqui um comentário sobre o chamado Imposto de Renda Negativo. De maneira
resumida, trata-se de realizar uma transferência em dinheiro para as pessoas que auferem
rendimentos situados abaixo de determinado patamar previamente estabelecido, sendo a
quantia da transferência igual à que falta para alcançar tal patamar. O principal defensor dessa
forma de transferência de renda foi o economista Liberal Milton Friedman. De acordo com a
explicação de Ana Maria Medeiros da Fonseca (2001, p. 94), o argumento por trás da
proposta de Friedman é o de que, “[...] se o objetivo é aliviar a pobreza, o programa deve
ajudar o pobre diretamente, ou seja, deve tratar o indivíduo como indivíduo e não como
membro de um grupo particular, seja este ocupacional, salarial, etário, sindical ou industrial”.
A mesma autora (2001, p. 139) (como, aliás, o fizeram outros pesquisadores do tema)
deixa claro que embora essa perspectiva tenha servido de inspiração inicial para o debate
brasileiro, no centro do sistema capitalista o Imposto de Renda Negativo representava
177

somente a ponta liberal de um debate que problematizava os próprios limites e possibilidades


da mercantilização dos elementos da produção que o capitalismo acabou por efetivar. Era um
debate que, apesar de antigo, tinha ganhado ímpeto com a expansão do desemprego causada
pelo neoliberalismo (DRAIBE, 1997, pp. 7-8; SILVA E SILVA, 1997, p. 39). Na outra ponta,
defendia-se que o direito à renda fosse somado àqueles já garantidos pelo Estado de Bem-
Estar social. Todavia,

Confrontando esse debate com os temas colocados na discussão sobre renda


mínima no Brasil, observa-se que aqui não se alude à desestruturação do
mercado de trabalho, com elevadas taxas de desemprego, à geração de
postos de trabalhos precários, às ocupações subcontratadas, à exclusão do
mercado de trabalho de um importante contingente da população ativa
(FONSECA, 2001, p. 139).

Em síntese, podemos afirmar que no Brasil, diferentemente do que se passou nos


países do centro do sistema capitalista, o combate à pobreza passou a ser a principal
justificativa apresentada pela ciência para a adoção de políticas de transferência de renda. Na
realidade, nesta associação entre transferência de renda e o fenômeno da pobreza existe a
suposição tácita de que a situação do pobre se explica, sobretudo, pelos rendimentos. Não é
por acaso que os exercícios matemáticos que buscam definir a renda suficiente para os
consumos básicos, chamados de “linhas de pobreza”, passam a ser tão funcionais às propostas
brasileiras de transferência de renda.
Na época em que Antonio Maria da Silveira apresentou sua proposta, a continuidade
do empenho do Estado no “desenvolvimentismo”, somada às condições políticas da ditadura,
ao mesmo tempo que limitavam as possibilidades de transformar essas propostas teóricas em
política, permitiam relativizar, no debate acadêmico e nas instituições políticas, o papel que
transferências monetárias sozinhas poderiam ter na redução da pobreza.
A discussão só entrou na esfera político-institucional em 1991, quando Eduardo
Matarazzo Suplicy (SUPLICY, 2001), então eleito senador pelo Partido dos Trabalhadores,
apresentou um Projeto de Lei propondo a instituição de um Programa de Garantia de Renda
Mínima – PGRM na forma de Imposto de Renda Negativo. Conforme relatou o próprio
senador (2013 [2002], p. 33/170), o Projeto resultou da sua interação com Antonio Maria da
Silveira, que inclusive lhe auxiliou na formulação. Segundo registra a bibliografia, ao lado de
uma militância de caráter mais acadêmico em defesa das transferências, temos daí em diante
também uma militância nas instituições políticas por parte de Eduardo Suplicy.
178

A partir de então, a formação socioespacial brasileira (SANTOS, 1977) (notadamente


as raízes de nossa cidadania incompleta, assim como as transformações que esta conheceu no
após-Segunda Guerra Mundial) vai moldando a proposta de Imposto de Renda Negativo
apresentada no Senado. Neste sentido, defendemos que além da valorização de objetos e
formas de fazer externos, que impregna as instituições políticas brasileiras, a pressão de
subsistemas de ações globais que visam naturalizar a pobreza nos países periféricos passou
também a contribuir para a construção da política brasileira de transferência de renda.
Podemos mencionar, nessa direção, a chamada tese da reprodução intergeracional da
pobreza. De acordo com Eduardo Suplicy (2013 [2002], p. 173), numa reunião de
economistas do PT, no mesmo ano em que ele havia apresentado seu Projeto de Lei no
Senado, José Márcio Camargo defendeu que o foco das transferências de renda fosse “[...]
famílias que tivessem crianças em idade escolar, uma vez que um dos maiores problemas
brasileiros era o número tão grande de crianças que, em virtude de seus pais não terem uma
renda suficiente para sua sobrevivência, eram obrigadas a trabalhar precocemente”. O
argumento científico por trás dessa “focalização” era o de que, se as transferências
garantissem a permanência das crianças pobres na escola, as futuras gerações, com maior
escolaridade, poderiam obter maiores rendimentos, o que equivaleria a “quebrar o ciclo da
pobreza entre as gerações”.
Ana Clara Torres Ribeiro (2001, pp. 79-80) ensina que “quando a busca de
identificação de causas da pobreza, realizada com o propósito de orientar investimentos em
políticas sociais, desconsidera a correlação de múltiplas variáveis na determinação da miséria
[...],” estamos diante da tentativa de naturalizar o fenômeno da pobreza. Para a autora,

Este é o caso, por exemplo, da hipervalorização da educação na


determinação da renda, quando é esquecido o fato de que a renda também
determina o nível educacional. Sem desconhecer a relevância da educação na
mobilidade social, é indispensável dizer que uma distribuição de renda e da
riqueza mais justa [...] traria efeitos positivos imediatos não só com relação à
educação, em sua correlação com a renda, mas, também, a todo o conjunto
de elementos da qualidade de vida.

A “teoria” de José Márcio Camargo acabou por conectar definitivamente o tema das
transferências de renda à erradicação da pobreza no Brasil. Fez isto de uma maneira que ia ao
encontro das formulações que os organismos internacionais passaram a formular na mesma
década, assim como de vários setores da sociedade política brasileira. Além disso, a proposta
179

também encontrava apoio e se alimentava em movimentos de luta contra a fome, podendo


ainda ser usada em defesa da educação.
Já nos anos 1970, logo após ficar claro que o crescimento econômico se deu sem
melhoria nas condições de vida da maioria dos brasileiros, começou haver certa preocupação
da parte do governo com a área social pela recomendação e financiamento do Banco Mundial
(FONSECA, 1998, pp. 42-43), visando, sobretudo, ao aumento da produtividade dos pobres
(SILVA, 2002). E este verdadeiro planejamento da pobreza (SANTOS, 2003 [1979]) mudou
sensivelmente na década de 1990 com o avanço do neoliberalismo.
Conforme registra a bibliografia, depois que os organismos internacionais exigiram do
Estado brasileiro várias medidas que objetivavam garantir a solvência da dívida que financiou
o “desenvolvimentismo” (medidas que foram responsáveis por agravar, sobremaneira, as
situações de pobreza no Brasil), esses mesmos organismos começaram a propor e financiar
soluções parciais para a pobreza (STEIN, 2005, p. 148; UGÁ, 2008, p. 123; LEITE e PERES,
2013, p. 352).
São soluções apoiadas em pseudoteorias científicas, isto quando elas mesmas não
trazem tacitamente uma teoria, que passam a focalizar principalmente a renda e a educação
como variáveis fundamentais na explicação da pobreza. Trata-se de aumentar a renda e os
níveis de escolaridade dos pobres não mais para servir ao desenvolvimento nacional, mas com
a finalidade de que eles mesmos possam depois aumentar seus rendimentos sozinhos. Como
dessa forma abandona-se completamente a busca por integrar os pobres aos direitos sociais,
há o risco de que certos aspectos da educação que não sirvam diretamente para auferir maior
renda percam totalmente o sentido para essas populações53.
A tese da reprodução intergeracional da pobreza passou a ter o apoio de partidos
políticos das mais diferentes vinculações ideológicas na cena política brasileira. Eduardo
Matarazzo Suplicy (2013 [2002], p. 174) relata que Cristovam Buarque já vinha pensando na
relação entre política de transferência de renda e educação desde a década de 1980 e, “[...] em
1994, colocou como proposta básica de sua campanha para governador [do Distrito Federal] a
instituição de uma renda mínima para todas as famílias poderem ter as suas crianças
frequentando a escola”. Em 1995, além desta proposta ter sido transformada em política (o
chamado “Bolsa-Escola”), o prefeito do município de Campinas, José Roberto Magalhães

53
Ainda que a situação do PBF seja por nós considerada bastante diferente dos Programas construídos ao longo
dos anos 1990, esse papel que a educação assumiu inicialmente na política brasileira de transferência de renda
acabou por permanecer, e por isso será melhor abordado a partir de algumas situações concretas da Região
Canavieira de Alagoas no item 5.3 do próximo capítulo.
180

Teixeira (PSDB), também iniciou um Programa de Garantia de Renda Mínima vinculado à


educação.
A partir de então, diversos programas municipais e estaduais foram propostos e
criados por diferentes partidos políticos, todos eles alimentando-se, ainda que em diferentes
graus, na tese de José Márcio Camargo. Em levantamento realizado em 2002, Maria Ozanira
da Silva e Silva, Maria Carmelita Yazbek e Geraldo di Giovanni (2008, pp. 151-152)
identificaram um total de 56 (cinquenta e seis) programas criados desde 1995, estando 45
(quarenta e cinco) sob a responsabilidade de municípios e 11 (onze) de estados54, distribuídos
conforme apresenta os mapas a seguir.

Mapas 65 e 66 – Brasil: Estados e municípios com programas de transferência condicionada de renda


(2002)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

A concentração no Estado de São Paulo é notável, aí estavam 60% dos municípios que
haviam criado políticas de transferência de renda. Isto significa que somente os municípios de
maior orçamento, e que dispunham de razoável estrutura administrativa, puderam implantar
essas políticas. Ainda assim, sua difusão para as diversas regiões brasileiras foi possível, em

54
Os autores relatam que souberam da existência do programa estadual de transferência de renda em Alagoas
por meio de terceiros. Cremos que essa informação esteja equivocada, mas não foi possível confirmá-la ou negá-
la a partir de outras fontes.
181

boa medida, em função da adequação dos critérios de elegibilidade e dos valores das
transferências às condições financeiras de cada ente federativo, ou seja, o número de pobres e
os recursos necessários para “lutar contra a pobreza” poderiam ser manipulados de acordo
com a linha de pobreza utilizada.
Neste sentido, o quadro 17 nos fornece uma ideia do tamanho desses programas
trazendo o número de famílias beneficiárias de 24 (vinte e quatro) deles no ano 2001. Como
fica claro, essa número variava bastante de um programa para outro.

Quadro 17: características de alguns programas de transferências de renda municipais e estaduais em


outubro de 2001
Nº de Famílias
Localidade UF Gestão* Início Nome do Programa
atendidas
Amapá AP GE 1996 Programa Bolsa Escola 1.200
Amazonas AM GE 1996 Direito à Vida 55.800
Belém PA PM 1997 Programa Bolsa Escola 4.500
PEBE - Programa Executivo Bolsa
Belo Horizonte MG PM 1997 1.640
Escola
Brasília DF DF 1995 Programa Bolsa Escola 22.700
Campinas SP PM 1995 Programa Renda Mínima 2.400
Catanduva SP PM 1997 Programa Bolsa Escola 610
Goiânia GO PM 1997 Programa Renda Mínima 160
Produção Associada com Garantia de
Jundiaí SP PM 1996 130
Renda Mínima
Mundo Novo MS PM 1998 Programa Bolsa Escola 70
Osasco SP PM 1996 Programa Renda Mínima 250
Ourinhos SP PM 1998 Programa Renda Mínima 120
Paracatu MG PM 1998 Programa Bolsa Escola 200
Piracicaba SP PM 1997 Programa Cesta Básica e Vale Escola 600
NASF - Núcleo de Apoio Sócio
Porto Alegre RS PM 1997 740
Familiar
Presid.
SP PM 1998 Programa Renda Mínima 25
Bernardes
Presid.
SP PM 1997 Programa Renda Mínima 460
Prudente
Recife PE PM 1997 Programa Bolsa Escola 780
Ribeirão Preto SP PM 1995 Programa Renda Mínima 1.840
Santo André SP PM 1998 Renda Mínima (Família Cidadã) 320
Santos SP PM 1998 Programa Nossa Família 70
São Luiz MA PM 1998 Programa Bolsa Escola 800
Tocantins TO GE 1996 Pioneiros Mirins 29.220
Vitória ES PM 1996 Família Cidadã 200
* GE – Gestão Estadual; PM – Prefeitura Municipal; DF – Distrito Federal
Fonte: Licio (2002, p. 68)
182

Do total de 37 (trinta e sete) programas que Maria Ozanira da Silva e Silva, Maria
Carmelita Yazbek e Geraldo di Giovanni (2008, p. 154) conseguiram investigar (30
municipais e 7 estaduais), 43% tinham sido criados por propostas de políticos do PT, 24% do
PSDB, 8% do PSB e 5% do PFL, enquanto os demais partidos foram responsáveis,
individualmente, pela criação somente de 1 (um) programa. De fato, “a luta contra a pobreza”
é assumida até mesmo pelos partidos mais conservadores, e as transferências de renda
vinculadas à educação passam a “agradar a gregos e troianos”.
O mesmo podemos afirmar sobre as propostas que surgiram na Câmara Federal e no
Senado. Na segunda metade da década de 1990, novos Projetos de Lei foram apresentados
“[...] pelos deputados Nélson Marchezan (PSDB-RS), Chico Vigilante (PT-DF) e Pedro
Wilson (PT-GO), pelos senadores Ney Suassuana (PMDB-PE), Renan Calheiros (PMDB-AL)
e José Roberto Arruda (PSBD-DF), propondo que se instituíssem projetos de renda mínima
associados à educação, ou Bolsa Escola” (SUPLICY, 2013 [2002], p. 180).
Nesse intervalo, o senador Eduardo Suplicy começou a ter contato com a proposta de
renda básica, também chamada de renda de cidadania,55 por intermédio da Basic Income
European Network (BIEN)56, mas, mesmo assim, passou a contribuir fortemente para a
aprovação de um programa de transferência de renda nacional vinculado à educação. Ele
relata (2013 [2002], p. 19) que, em 1996, levou o professor Philippe Van Parijs (um dos
fundadores da BIEN) para uma audiência com o Presidente da República Fernando Henrique
Cardoso e o Ministro da Educação Paulo Renato de Souza, na qual “Van Parijs explicou as
vantagens da renda básica incondicional, mas mencionou que iniciar um rendimento mínimo
garantido relacionando-o com as oportunidades educacionais seria um bom começo, uma vez
que significaria um investimento em capital humano”. O resultado foi a aprovação do Projeto
do deputado Nélson Marchezan (PSDB-RS), criando o primeiro programa Bolsa-Escola de
escala nacional.

55
Trata-se de uma proposta teórica de transferência monetária que defende o acesso à renda como mais um
direito social e, para isso, problematiza a própria mercantilização da força de trabalho. Neste caso, todas as
pessoas, independente dos seus rendimentos, receberiam a transferência. Autores como André Gorz e Philippe
Van Parijs passaram a defender com ardor esta proposta diante da grande expansão do desemprego que o
neoliberalismo provocou em todos os países, inclusive europeus (SILVA, 2014, p. 110). O senador Eduardo
Matarazzo Suplicy se convenceu a tal ponto das vantagens da proposta de renda básica que, em 2001, apresentou
um novo Projeto de Lei propondo a instituição da Renda de Cidadania no Brasil. O projeto foi aprovado e
transformado na Lei n.º 10.835, de janeiro de 2004, mas a renda básica ainda não foi implantada.

56
“A BIEN foi fundada em 1986, por um grupo de economistas, filósofos e cientistas sociais, para se constituir
num fórum de debates sobre todas as experiências, no mundo, de transferências de renda, como renda mínima,
imposto de renda negativo, renda básica, renda de cidadania, crédito fiscal por remuneração recebida, seguro
desemprego, renda de sobrevivência e outras afins, e também para propugnar para que em cada país da Europa e
do mundo venha a se instituir uma renda básica incondicional” (SUPLICY, 2008 [2004], pp. 8-9). Em 2004 foi
transformada em Basic Income Earth Network.
183

Criado pela lei nº. 9.533, de dezembro de 1997, esse primeiro Bolsa-Escola Federal,
na realidade, autorizava “[...] o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a programas de
garantia de renda mínima instituídos por Municípios que não disponham de recursos
financeiros suficientes para financiar integralmente a sua implementação” (Art. 1º). Previa-se
uma implantação escalonada do programa, de forma que os recursos seriam destinados “[...]
aos Municípios com receita tributária por habitante, incluídas as transferências constitucionais
correntes, inferior à respectiva média estadual e com renda familiar por habitante inferior à
renda média familiar por habitante do Estado” (Art. 1º, § 1º). Os próprios municípios
deveriam instituir os programas e celebrar convênio com o Ministério da Educação – MEC,
além de arcar com 50% do total destinado às famílias, podendo entrar “[...] como participação
do Município e do Estado no financiamento do programa, os recursos municipais e estaduais
destinados à assistência socioeducativa, em horário complementar ao da freqüência no ensino
fundamental para os filhos e dependentes das famílias beneficiárias, inclusive portadores de
deficiência” (Art. 3º).
No âmbito do Executivo Federal, o programa seria “[...] custeado com dotação
orçamentária específica, a ser consignada a partir do exercício financeiro de 1998” (Art. 9º).
Os repasses (que, dessa forma, só ocorreriam a partir de 1999) seriam feitos para os
municípios, e estes ficariam responsáveis por realizar a seleção dos beneficiários,
operacionalizar o pagamento às famílias e prestar contas dos recursos recebidos. Segundo as
regras estabelecidas pelo Governo Federal, as famílias beneficiárias deveriam ter renda per
capita abaixo de meio salário e crianças entre 7 e 14 anos na sua composição57. Seria exigido
destas frequência escolar de 85%. O MEC fornecia o formulário para o cadastramento, mas
como a seleção ficava a cargo dos municípios, a dinâmica do programa acabava por se
diferenciar bastante entre diferentes localidades.
Com a tabela 23 podemos apreciar a dimensão que esse programa adquiriu até pouco
antes de ser criado um outro Bolsa-Escola em 2001. Nem todos os municípios chegaram a
participar da política, além do fato de o número de beneficiários e o valor médio do benefício
serem baixos.

57
O cumprimento dessas exigências não garantia o recebimento do benefício, porque o valor deste era dado pela
seguinte fórmula: Benefício por Família = R$ 15,00 (quinze reais) x número de dependentes entre zero e catorze
anos - [0,5 (cinco décimos) x valor da renda familiar per capita. Considerando que o salário mínimo em
dezembro de 1997 era de R$ 120,00, numa família com duas crianças onde a renda per capita fosse exatamente
igual a meio salário mínimo, o valor do benefício seria igual a zero (ROCHA, 2013, p. 49).
184

Tabela 23 – Brasil: Valores repassados pela União, número de municípios, valor médio do benefício e
número de famílias beneficiadas do Primeiro Bolsa Escola Federal (outubro de 2000)

Nº de Valor médio mensal do


Participação Beneficiários de Famílias
UF municípios benefício por família
da União* 7-14 anos beneficiadas
pagos em R$**
AC 3 450.507,48 43,32 7.398 3.008
AL 37 4.061.558,14 43,54 71.043 34.622
AM 15 1.636.928,91 50,88 44.137 19.520
BA 210 27.075.708,09 37,93 459.857 226.427
CE 52 6.313.106,48 39,16 104.135 59.552
ES 56 5.035.027,29 44,75 81.594 38.025
GO 39 1.149.708,01 34,31 20.575 11.094
MA 60 5.456.570,27 42,02 130.809 69.616
MG 334 19.057.743,62 38,84 329.035 166.213
MS 17 517.770,81 37,94 6.119 3.378
MT 45 1.812.786,78 43,42 49.364 24.269
PA 24 1.320.723,29 49,55 60.102 23.978
PB 90 4.881.723,15 39,95 121.367 62.673
PE 82 9.918.929,32 35,21 201.342 103.028
PI 19 592.608,59 42,1 14.345 6.638
PR 72 1.342.399,11 32,6 27.072 15.524
RJ 43 2.631.254,98 33,06 62.086 35.726
RN 61 3.806.963,01 38,52 70.854 36.743
RO 3 320.288,10 19,76 6.572 2.702
RR 1 201.727,32 35,31 1.573 952
RS 77 2.242.690,70 38,02 34.904 19.432
SC 54 1.436.020,20 30,11 20.071 12.212
SE 31 2.554.287,01 40,42 42.182 20.109
SP 182 3.781.506,45 31,92 57.691 30.522
TO 17 400.088,85 41,87 10.543 5.281
Total 1.624 107.998.625,96 38,58 2.034.770 1.031.244
* Embora a autora não deixe claro, cremos se trata dos valores mensais de repasse pela União.
** Parece que a informação do MEC superestima o valor médio do benefício supondo que todos os municípios
completariam o restante do benefício em dinheiro, quando o Governo Federal autorizava os municípios a
oferecerem os 50% que lhes corresponderiam na forma de serviços.
Fonte: Comitê Assessor de Gestao do PGRM e FNDE (2000) apud Licio (2002, p. 89)
Adaptações: Fernando Silva (2017)

Segundo pôde constatar Sonia Rocha (2013, pp. 52-57), houve sérias dificuldades para
que as transferências chegassem às famílias de mais baixa renda em cada município com
regularidade. Atraso nos repasses federais aos municípios por problemas orçamentários, falta
de recursos dos municípios para completar as transferências e para realizar o cadastramento,
dificuldades técnicas em realizar o pagamento por parte das prefeituras, além da ausência de
um sistema técnico-informacional de escala nacional para o cadastro dos beneficiários
185

constituíam os principais fatores, tanto de ordem político-financeira como técnico-geográfico,


responsáveis pela falta de regularidade no pagamento às famílias. Daí em diante, foi propondo
soluções para esses problemas que até mesmo os partidos mais conservadores procuraram
mostrar para a sociedade que estavam combatendo a pobreza.
Neste sentido, podemos mencionar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº. 67,
de agosto de 1999, apresentada pelo Senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), que
propôs introduzir novos artigos no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição Federal (1988) para criar o Fundo de Combate e de Erradicação da Pobreza.
Beatriz Augusto Paiva, Maria Norma de Oliveira e Ana Lígia Gomes (2000, pp. 38-39),
concluíram que nessa proposta “[...] é possível verificar o efeito de um projeto com forte
apelo populista, de impacto na mídia, comprometendo-se muito mais com o imediatismo e o
emergencial, do que com os efeitos que possa produzir [...]”.
O debate da PEC de Antonio Carlos Magalhães, somado à existência de um conjunto
de Projetos de Lei, em tramitação nas duas casas, tratando do combate à pobreza, levaram
alguns senadores a solicitarem a constituição de uma Comissão Mista Especial para
considerar todas as matérias em conjunto. Foi então criada a Comissão com 19 (dezenove)
senadores e 19 (dezenove) deputados federais (e seus respectivos suplentes) para, “[...] no
prazo de 90 dias, estudar as causas estruturais e conjunturais da pobreza no país e apresentar
soluções legislativas para sua erradicação” (BRASIL, 1999, p. 7). O relatório final,
apresentado pelo deputado Roberto Brant (PFL – MG), recomendava a criação do Fundo de
Combate à Pobreza para financiar transferências de renda com exigência de frequência
escolar. As causas conjunturais do fenômeno foram basicamente resumida à renda, ao passo
que o baixo nível de escolaridade dos pobres assumiu o lugar de principal causa estrutural. Na
realidade, debates foram travados, várias viagens realizadas, dados foram apresentados, tudo
para, ao final, submeter as causas da pobreza “[...] ao pragmatismo de ações focalizadas,
esquecendo-se sua dimensão estrutural” (SPOSATI, 2000, p. 46).
Vale ressaltar que a oposição, representada principalmente pelos políticos Marina
Silva (PT – AC), Eduardo Suplicy (PT – SP) e Aloizio Mercadante (PT – SP), apresentou um
relatório em separado por discordar das causas estruturais da pobreza apontadas pelo relator
(restritas unicamente ao baixo nível de escolaridade dos pobres). Na visão da oposição, a
política de transferência deveria ser somada à efetivação de demandas históricas dos
movimentos sociais brasileiros, como a reforma agrária, a recuperação do salário mínimo, a
mudança do sistema tributário etc. (SPOSATI, 2000, p. 59).
186

As novas possibilidades financeiras abertas pelo Fundo de Combate à Pobreza


autorizaram a criação de um novo Bolsa-Escola, através da medida provisória nº. 2.140, de 13
de fevereiro de 2001. Como no caso anterior, caberia ao município instituir o Programa,
estabelecer convênio com o MEC e cadastrar as famílias. Mas, mudanças significativas foram
introduzidas na seleção dos beneficiários e no repasse das transferências.
Agora podemos dizer que se organizou, de fato, um sistema nacional de cadastramento
de beneficiários, instituído legalmente pelo Decreto nº. 3.877, de julho de 2001, o chamado
Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CAD.ÚNICO. Intermediando
as relações entre o MEC e os municípios, a Caixa Econômica Federal (banco público que
sobreviveu às privatizações dos anos 1990), passaria a atuar como agente operador desse
cadastro e do Programa, função que envolveria o processamento dos dados cadastrados,
identificação dos beneficiários e atribuição do Número de Identificação Social – NIS, “[...] de
forma a garantir a unicidade e a integração do cadastro, no âmbito de todos os programas de
transferência de renda [...]” (Decreto 3,877/2001, Art. 2º).
Ter renda per capita abaixo de meio salário mínimo e crianças na família continuaram
sendo os dois critérios básicos para participar do Programa, mas o valor do benefício passou a
ser calculado somente pelo número de crianças, sendo R$ 15,00 por cada uma, chegando ao
máximo de R$ 45,00. O pagamento às famílias agora seria feito através da CAIXA58. Para
Sonia Rocha (2013, p. 61):

O pagamento via cartão, tendo como agente pagador a Caixa Econômica


Federal, permitiu tirar das prefeituras o ônus da operação de pagamento em
dinheiro a cada família, cuja logística era reconhecidamente complexa,
extrapolando em muito as funções normais das secretarias de Educação
municipais. O cartão bancário magnético teve também um impacto
extremamente relevante ao tornar evidente que o benefício era um direito do
cidadão e o programa de transferência uma ação do Estado, contribuindo
assim para reduzir drasticamente as possibilidades de uso da transferência de
renda como ferramenta clientelista ou como moeda de troca política no nível
local.

58
As funções da CAIXA no âmbito do novo Bolsa-Escola Federal seriam as seguintes:
“§ 4o Caberá à Caixa Econômica Federal, na qualidade de agente operador, mediante remuneração e condições a
serem pactuadas com o Ministério da Educação, obedecidas as formalidades legais:
I - o fornecimento da infra-estrutura necessária à organização e manutenção do cadastro nacional de
beneficiários;
II - o desenvolvimento dos sistemas de processamento de dados;
III - a organização e operação da logística de pagamento dos beneficios; e
IV - a elaboração dos relatórios necessários ao acompanhamento, à avaliação e à auditoria da execução do
programa por parte do Ministério da Educação” (MP nº. 2.1240/2001, Art. 1º).
187

Desse modo, em duplo sentido a rede de fixos da CAIXA passava a assumir um papel
político: primeiro porque a sua distribuição no território nacional atuaria como norma para os
beneficiários (uma vez que, se em toda cidade há uma prefeitura, o mesmo não podemos
dizer, principalmente para o ano de 2001, sobre a rede de atendimento desse banco), que
precisariam, às vezes, se deslocar para receber a transferência; e, segundo, conforme assinalou
a autora, o uso do cartão contribuiria para convencer a população de que se trata de um bem
garantido pelo Estado (o uso do CAD.ÚNICO também contribuiria neste convencimento).
Estamos ante a construção do acontecer político-institucional.
Ainda em 2001, pela medida provisória nº 2.206-1, foi criado o Bolsa-Alimentação,
política de transferência de renda destinada “[...] à promoção das condições de saúde e
nutrição de gestantes, nutrizes e crianças de seis meses a seis anos e onze meses de idade,
mediante a complementação da renda familiar para melhoria da alimentação” (Art. 2º). O
Ministério da Saúde seria responsável, no nível Federal, pela gestão do Programa, e o repasse
dos benefícios se daria por intermédio da CAIXA, como no caso do Bolsa – Escola.
Por fim, embora com um sistema de financiamento próprio, mas destinado aos
beneficiários do Bolsa-Escola e do Bolsa-Alimentação, foi criado o Auxílio-Gás (MP nº 18,
de dezembro de 2001) com o objetivo de compensar a eliminação, que se efetivaria a partir de
janeiro de 2002, do subsídio universal embutido no preço do gás liquefeito de petróleo – GLP.
Para as famílias inseridas na política, seriam transferidos R$ 15,00 a cada dois meses.
A tabela 24 apresenta o número de beneficiários e os valores repassados pelos três
novos programas de 2001 a 2003. Vejamos.

Tabela 24 – Brasil: Número de benefícios em dezembro e valores anuais repassados pelos programas
de transferência de renda criados no Governo Fernando Henrique Cardoso (2001-2003)
2001 2002 2003
Benefícios Benefícios Benefícios
Programa Valores Valores Valores
(mil) (mil) (mil)
B. Escola 4.794 408.583.920 5.107 1.531.277.441 3.771 1.424.144.340
B.
_ 967 x 327 289.642.740
Alimentação
Auxílio Gás _ 8.847 x 6.932 796.577.453
Total 4.794 408.583.920 14.921 x 11.030 2.510.364.533
X – Não possível obter dados.
Fonte: Rocha (2013, p. 77 e 150) e Santana (2007, várias páginas)
Organização: Fernando Silva (2017)
188

Ainda que tenham permanecidos sérios problemas existentes no Bolsa-Escola de


1997 (sobretudo relacionados ao processo de cadastramento, já que este ficou bastante
dependente das condições políticas e financeiras de cada município), todos os municípios
estavam agora participando da política, e os valores repassados alcançaram a casa dos bilhões.
A partir de 2003, novos condicionamentos internos e externos terminariam por moldar
a política brasileira de transferência de renda. Isto será analisado no próximo item.

4.2. A política brasileira de transferência de renda na busca por garantir direitos sociais
aos mais pobres: o Programa Bolsa Família

Conforme demonstraram, dentre outros autores, Rosa Helena Stein (2005, várias
páginas), Vivian Domínguez Ugá (2008, pp. 131-132) e Carla Guerra Tomazini (2010, pp.
184-186), embora vários elementos da política brasileira de transferência de renda tenham
sido definidos a partir de um debate interno, a busca por restringir cada vez a pobreza à renda
e à escolaridade está permeada, de fio a pavio, pelas influências dos organismos
internacionais, notadamente do Banco Mundial. Caberia mesmo perguntar, por exemplo, até
que ponto o exercício de discutir critérios para os beneficiários participarem das
transferências, quando a solução para a pobreza já foi previamente definida sem apoio na
realidade, pode ser chamado de fazer político.
Em 1997, havia programas de transferência de renda de escala nacional somente no
Brasil e no México. Conforme demonstram os mapas 67 e 68, onze anos depois mais quinze
países da América Latina, além de vários outros países pobres, tinham implantado programas
desse tipo.
189

Mapas 67 e 68 – Mundo: Países com programas de transferência condicionada de renda (1997 e 2008)

Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Ao lado da difusão de uma concepção de pobreza, o Banco Mundial (BIRD) e o Banco


Interamericano de Desenvolvimento (BID) intensificaram, nos países periféricos, o
financiamento de políticas de transferência de renda vinculadas à educação a partir do final do
século XX. Os maiores empréstimos foram destinados ao programa mexicano PROGRESA
(Programa de Educación, Salud e Alimentación) pelo BID, no valor de US$ 1 bilhão em
2002, e de US$ 1,2 bilhão em 2005 (TOMAZINI, 2010, p. 186), por ser este considerado o
que mais se alinhava às concepções do Banco, sendo colocado como modelo para outros
países pelas instituições financeiras sediadas em Washington.
190

Na verdade, esses empréstimos só foram concedidos depois que uma equipe de


pesquisadores avaliou, entre 1998 e 2000, os resultados que o programa tinha alcançado59.
Como a ideia era “fazer mais com menos”, a busca por eficácia e por resultados rápidos foi
usada como justificativa para empreender avaliações constantes, ao mesmo passo que
terminou se tornando a forma de construção do consenso político em torno ao PROGRESA.
Não seria correto pensar que essa mesma busca acabou se incrustando também nos sistemas
técnicos construídos para operacionalizar a política?
A partir de 2003, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência da
República, o lugar que a política de transferência de renda ocupava no Brasil mudou
sensivelmente, tanto internamente como face aos organismos internacionais. Defenderemos
que doravante tal política passou a ser pensada como meio de integração dos mais pobres aos
direitos sociais, e neste marco poderíamos pensar seus limites e possibilidades. Mas, ao
mesmo tempo, à concepção estanque de pobreza herdada dos três programas anteriores, vem
somar-se a pressão por eficácia nos aspectos técnicos e políticos das transferências, o que
revela novas tensões entre as formas do acontecer solidário no território.
Procurando inserir concepções mais amplas nas ações relacionadas à pobreza, que
pudessem contemplar dimensões realmente estruturais, o Governo Lula inicialmente criou, no
âmbito do Programa Fome Zero, o Cartão-Alimentação. Instituído pela Medida Provisória nº.
108, de fevereiro de 2003, essa política de acesso à alimentação se propunha a realizar uma
transferência no valor de R$ 50,00 para todas as famílias com renda per capita inferior a meio
salário mínimo. Embora permanecesse o critério dos rendimentos, a justificativa para o
Cartão-Alimentação não estava na chamada “reprodução intergeracional” da pobreza, mas na
luta contra a fome, daí que mesmo as famílias sem crianças estivessem autorizadas a
participar como beneficiárias.
Segundo Sonia Rocha (2013, p. 89), esse foi um dos principais fatores políticos que
acabaram dificultando a construção da hegemonia em torno ao Programa, uma vez que o
argumento da frequência escolar “[...] tinha sido sempre usado para esgrimir a oposição de um
amplo continente (sic) da sociedade brasileira, que se opunha – e ainda se opõe – às
transferências de renda focalizadas”. Acrescentava-se a tal fator político outro de ordem
técnica: passou a haver quatro programas de transferência de renda, cada um com seus
critérios próprios e cartões específicos para o recebimento. Em dezembro de 2003 havia

59
Ver reportagem: “Focalizar é bom, diz economista”. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2704200303.htm Acesso em agosto de 2016.
191

346.300 famílias beneficiárias do Cartão-Alimentação, e o repasse durante todo o ano foi


somente de R$ 126,4 milhões.
O Governo decidiu, então, unificar os programas. Através da Medida Provisória nº.
132, de outubro de 2003 (convertida na lei nº. 10.836, de janeiro de 2004), criou o Programa
Bolsa Família - PBF, destinado à transferência de renda para todas as famílias consideradas
pobres pelo critério da renda per capita, além de estabelecer benefícios específicos para
famílias com crianças, exigindo nestes casos frequência escolar e acompanhamento médico.
Todavia, os organismos internacionais buscaram influenciar de várias formas a
construção do PBF. Em março de 2003, a unificação das políticas de transferência de renda
foi discutida em uma reunião com os presidentes do BIRD e do BID em Brasília, na qual a
política de transferência de renda mexicana foi apresentada como modelo a ser seguido pelo
Brasil60. Como relata Amélia Cohn (2012, p. 21), à pressão dessas instituições vem juntar-se
disputas internas sobre como seria a nova política:

Foi assim que o Banco Mundial (BIRD) e o Banco Interamericano de


Desenvolvimento (BID) disputaram, já em finais de 2003, o financiamento
do Programa Bolsa Família. No entanto, se o embate sobre o conteúdo do
Programa já não era pequeno no interior do governo, muito menos o foi
junto a essas agências, em particular junto ao Banco Mundial. Embora este
tivesse todo o interesse em financiar o empréstimo inicial para o Programa,
seus técnicos traziam junto com os recursos uma concepção radicalmente
distinta, que denominavam genericamente Programa de Transferência
Condicionada de Renda (PTCR), e para o qual apresentavam – quando não
impunham – um modelo acabado e uniforme para todos os países do terceiro
mundo.

A primeira negociação para empréstimo foi feita no início de 2004, com o Banco
Mundial. De acordo com a explicação da mesma autora (que, aliás, participou de todo o
processo), houve sérias divergências entre os técnicos desse banco e o governo brasileiro,
sobretudo no que se refere aos critérios de renda e à frequência escolar exigidos dos
beneficiários. Quanto aos primeiros, os técnicos do Banco defendiam que boa parte dos
recursos “[...] deveria ser orientada para verificar se o Programa estava bem focalizado para
os pobres até a faixa de renda per capita então definida, que deveria ser seguida à risca. Já a
concepção do governo brasileiro consistia em que deveria haver uma margem de tolerância
nesse corte [...]” (COHN, 2012, p. 21). Sobre as condicionalidades, a discordância era mais
forte: enquanto os técnicos do Banco Mundial argumentavam que elas deveriam ter caráter

60
Ver reportagem: “Lula tem aula sobre plano social focalizado mexicano”. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2704200302.htm
192

punitivo, “[...] para o governo, as condicionalidades ocupavam posição de primeira linha no


desenho do próprio programa, no sentido de constituírem traçadores fundamentais para as
políticas públicas relacionadas a elas, mas também às demais” (COHN, 2012, p. 22).
De maneira geral, as análises disponíveis sobre a construção do Programa Bolsa
Família costumam apontar como permaneceram, nesses dois aspectos, as concepções do
governo brasileiro, considerando que as condicionalidades foram sendo tratadas cada vez
mais como meio de avaliar a responsabilidade do Estado na oferta dos serviços públicos,
assim como os critérios para entrada e saída de famílias no Programa passaram a considerar
certas oscilações nos rendimentos dos pobres (pelo menos até 2015) (COTTA, 2009, p. 285;
COHN, 2012, p. 29; LEITE, 2013, pp. 353-354). Pensamos ser importante problematizar essa
questão levando em conta também os sistemas técnicos construídos para viabilizar o
Programa, e a forma como estes são usados no convencimento da sociedade. Mesmo porque a
maior parte dos aspectos relacionados à renda e às condicionalidades foram amparados em
decretos, portarias, instruções normativas e instruções operacionais, portanto não tão difíceis
de serem alterados segundo o governo, as formas de construção do consenso político e as
autorizações dadas pela técnica.
Conforme podemos observar no quadro 18, o PBF recebeu dois grandes empréstimos
do Banco Mundial, em 2004 e 2010, além de outro de maior vulto do BID em 2004.
193

Quadro 18: algumas características dos empréstimos feitos pelo Governo Federal ao Banco Mundial e
ao Banco Interamericano de Desenvolvimento destinados ao Programa Bolsa Família
Prazo para
Ano/Banco Valores Objetivo
pagamento
Visou, sobretudo, a consolidar a unificação dos programas
de transferência de renda existentes (Bolsa Escola, Bolsa
Alimentação, Cartão Alimentação e Auxílio-Gás), dando
apoio:
 “à consolidação dos programas de transferência
condicional de renda e à redução nas falhas e
2004/Banco US$ 572,2 17 anos (incluindo 5
duplicações em sua cobertura;
Mundial milhões anos de carência)
 ao fortalecimento do sistema, com o objetivo de
identificar a população alvo;
 ao desenvolvimento de um sistema de
monitoramento e avaliação do programa; e
 à maior eficiência da operação institucional básica
do programa”61.
Dentro do mesmo processo de unificação dos Programas de
transferência de renda, o empréstimo objetivou:
 “expandir a cobertura do Bolsa Família a todas as
famílias elegíveis de forma eficiente e eficaz;
28 anos e meio
US$ 1  fortalecer o Programa de Erradicação do Trabalho
2004/BID (incluindo 3,5 anos
bilhão Infantil;
de carência
 avaliar e melhorar a qualidade dos programas
complementares da rede de segurança social; e
 fortalecer o ministério recém-criado, bem como a
estrutura de assistência social descentralizada”62.
Foi feito para aprimorar o gerenciamento e controle do
programa, buscando especificamente:
 fortalecer “o cadastramento de beneficiários, a
gestão de benefícios e o acompanhamento das
condicionalidades;
 consolidar o sistema de monitoramento e avaliação
2010/Banco US$ 200 30 anos (incluindo 5
do programa; e
Mundial milhões anos de carência)
 integrar outros programas de proteção social com o
Bolsa Família, para promover inovações e
estratégias de saída da pobreza por meio de
investimentos em áreas como incentivos
educacionais e relações com o mercado de trabalho
e programas de produtividade”63.
Fonte: site do Banco Mundial e do BID (acesso em agosto de 2016)
Organização: Fernando Silva (2017)

O quadro demonstra como os recursos oriundos desses empréstimos procuraram


resolver vários problemas existentes no cadastramento das famílias beneficiárias, no
acompanhamento das condicionalidades, na gestão dos benefícios, assim como bastante

61
Disponível no site do Banco Mundial, no link:
http://web.worldbank.org/external/default/main?pagePK=34370&piPK=34424&theSitePK=4607&menuPK=344
63&contentMDK=20215498
62
Disponível no site do BID, no link: http://www.iadb.org/pt/noticias/comunicados-de-imprensa/2004-12-
15/bid-aprova-emprestimo-de-us1-bilhao-para-expansao-e-consolidacao-da-protecao-social-no-brasil-baseada-
no-programa-bolsa-familia,1334.html
63
Disponível no site do Banco Mundial, no link: http://www.worldbank.org/pt/news/press-
release/2010/09/17/brazils-landmark-bolsa-familia-program-receives-us200-million-loan
194

recursos foram destinados à construção de mecanismos de avaliação do Programa e à sua


integração com as políticas de Assistência Social, Saúde e Educação. Na realidade, os
contratos dos empréstimos orientaram a construção, a partir do que foi herdado dos programas
anteriores, de boa parte da estrutura institucional (uma vez que os programas anteriores
operavam em ministérios separados) e técnico-informacional do PBF.
A partir do decreto nº. 5.209, de setembro de 2004, o Ministério de Desenvolvimento
Social e Combate à Fome - MDS, criado no mesmo ano, assumiu oficialmente a gestão,
operacionalização e coordenação do PBF, “[...] que compreende a prática dos atos necessários
à concessão e ao pagamento de benefícios, a gestão do Cadastramento Único do Governo
Federal, a supervisão do cumprimento das condicionalidades e da oferta dos programas
complementares, em articulação com os Ministérios setoriais e demais entes federados, e o
acompanhamento e a fiscalização de sua execução” (Art. 2º, decreto nº. 5.209/2004).
Antes desse decreto, as informações sobre as famílias beneficiárias em todo território
nacional eram manuseadas quase que somente pela CAIXA, que fornecia relatórios ao órgão
gestor do Programa e dava retorno do cadastro aos municípios. Os municípios dispunham de
um aplicativo para entrada dos dados cadastrados, o chamado Aplicativo de Entrada e
Manutenção de Dados do Cadastro Único – Versão 5 (também conhecido como Off Line), e
outro para transmissão à base nacional do Cadastro hospedado no sítio da CAIXA, o
denominado Conectividade Social – Versão 5. Em outras palavras, havia defasagens de tempo
entre a atualização das bases de dados locais e nacional, e vice-versa, do CAD.ÚNICO, e
ficava muito difícil para o Ministério gestor do Programa saber as reais condições do
cadastramento em cada município.
À medida que o número de famílias inseridas no Cadastro foi aumentando
(principalmente porque o PBF se diferenciava dos programas anteriores por incluir todas as
famílias até determinada faixa de renda, independentemente da existência de crianças na
família, e mesmo o Auxílio-Gás tinha contemplado essencialmente as famílias já incluídas no
Bolsa-Escola e no Bolsa-Alimentação), a base técnica que operava o CAD.ÚNICO precisou
ser revista. Mas não somente por uma questão técnica.
A bibliografia aponta o ano de 2004 como sendo de crise aguda para o PBF. A grande
mídia brasileira passou a atacar o programa, divulgando que famílias que não atendiam os
critérios de renda estabelecidos nas normas estavam recebendo benefícios, e que as
condicionalidades não estavam sendo acompanhadas como deveriam. Pesquisa encomendada
pelo Banco Mundial, realizada por Kathy Lindert e Vanina Vincencini (2010), sobre a
percepção da mídia escrita brasileira a respeito das transferências de renda no período de 2001
195

a 2006, revelou que entre 2003 e 2006 o número de matérias sobre o tema foi praticamente o
dobro do que foi publicado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Se em 2001 e
2002 prevaleceram as análises favoráveis às transferências, no governo Lula a mídia passou a
publicar matérias notadamente sobre fraudes no Programa, assunto que em 2004 chegou a
ocupar 50% das matérias sobre o tema (LINDERT e VINCENINI, 2010, várias páginas).64
Segundo a pesquisa desses autores, essa percepção se deve, em boa medida, aos
preconceitos que dominam o imaginário da sociedade brasileira. Para isso, o estudo aponta a
solução: a implementação “[...] de uma política social com adequados níveis de qualidade na
sua execução, não somente para a eficácia do programa, mas sobretudo para uma melhor
aceitação por parte da sociedade” (VIEIRA, 2011, p. 66). Caberia se perguntar de que
sociedade se está falando, e se tal aceitação não seria, antes de tudo, por parte do próprio
Banco e dos demais organismos internacionais.
Daí que também nas políticas sociais, os vínculos societários que alimentaram a
construção da cidadania incompleta no Brasil sejam usados para colocar, no Estado, na
sociedade e no espaço, a ação instrumental como parâmetro (RIBEIRO, 1998, p. 120), com
todas as consequências que isso pode ter para as formas de valorização dos sistemas de
objetos e ações em uma política tão sensível para as populações pobres, como é o caso do
Bolsa Família.
Desde então o MDS passou a criar novos sistemas técnico-informacionais e a
aperfeiçoar os já existentes para monitorar o CAD.ÚNICO65 e as condicionalidades do PBF.
Segundo a explicação de Ana Maria Machado Vieira (2011, pp. 87-159), isso só foi possível
em virtude dos recursos oriundos dos empréstimos que mencionamos, e implicou, a partir de
2005, rever as relações do MDS com a CAIXA e com os municípios no âmbito do PBF.
Nesse sentido, podemos citar a criação de uma nova versão do CAD.ÚNICO, a
denominada Versão 6. Trata-se de uma versão que permite a instalação em rede do programa
de inclusão de dados pelos municípios, conferindo a estes maiores possibilidades de manusear
os dados, gerar relatórios etc. Ao mesmo tempo, o MDS foi mudando sua relação com a base
nacional de dados do cadastro, sobretudo a partir do desenvolvimento do chamado sistema

64
Para uma boa análise dessa pesquisa, ver a dissertação de Ana Maria Machado Vieira (2011, pp. 63-68).

65
No começo de 2005, buscando responder às críticas da grande mídia, o MDS solicitou informações do
CAD.ÚNICO à CAIXA e realizou um Teste de Consistência da base de dados do Cadastro Único, no qual
comparou a renda declarada no Cadastro Único e a constante na Relação Anual de Informações Sociais – RAIS,
do Ministério do Trabalho e Emprego. Desse modo: “o governo federal dava sinais claros, aos municípios e às
famílias, que estava investindo em mecanismos para averiguar a fidedignidade das informações de renda, uma
vez que estas possuem caráter declaratório, sem a obrigatoriedade de comprovação, por parte da família”
(VIEIRA, 2011, p. 102).
196

VISÃO66, um sistema de armazenamento de dados oriundos de diferentes fontes, que passou a


ser usado na gestão do PBF.
Como os problemas nas informações cadastrais se deviam, também, à falta de recursos
dos municípios, sobretudo dos mais pobres, para realizar o cadastramento, o MDS instituiu,
mediante a Portaria GM/MDS nº. 148, de abril de 2006, um sistema de repasse de recursos
para os municípios, denominado de Índice de Gestão Descentralizada – IGD. Este índice se
baseia na “gestão por resultados”, ou seja, os valores a serem repassados aos municípios para
a gestão do Programa são calculados a partir da qualidade das informações do CAD.ÚNICO,
da periodicidade com que atualização cadastral é feita e da atualização das informações sobre
o cumprimento das condicionalidades na área de educação e de saúde. Pela Lei nº. 12.058, de
outubro de 2009, esse “repasse por resultados” tornou-se transferência obrigatória.
É possível verificar na tabela 25 que os valores recebidos pelos municípios através do
IGD aumentou expressivamente desde quando este índice foi criado, o que indica maior
monitoramento das informações cadastrais e das condicionalidades67.

Tabela 25 – Brasil: Recursos repassados pelo Governo Federal aos municípios para gestão do
Programa Bolsa Família (de abril/2006 a dezembro/2014)
Ano Valores repassados (R$
2006 161.360.379,71
2007 230.667.982,62
2008 256.671.070,21
2009 252.958.715,31
2010 287.651.567,49
2011 299.488.145,66
2012 489.048.301,21
2013 503.117.299,62
2014 468.745.004,04
Fonte: BRASIL (2014, p. 13)
Organização: Fernando Silva (2017)

Pela forma como opera o IGD, não nos parece estar descartada a hipótese de que o
argumento do desempenho possa atuar, no discurso e na prática, como uma verdadeira

66
“O desenvolvimento teve início no ano de 2007, contemplando informações necessárias à gestão do Programa
Bolsa Família e Cadastro Único, tais como: cadastro, benefícios, cartões, operações de pagamentos e
comparações com a RAIS” (VIEIRA, 2011, p. 127).

67
Por meio da Portaria nº. 76, de março de 2008 do MDS, foi criado também um IGD para os Estados, o IGD –
E, ratificado pela mesma lei nº. 12.058. No ano de sua criação, foram repassados R$ 11,3 milhões, ao passo que
em 2010 e 2011, quando temos novamente registro de repasses, os valores alcançaram o total de,
respectivamente, R$ 8,2 milhões e R$ 11,7 milhões (BRASIL, 2014).
197

ameaça: os municípios e estados que não alcançarem um bom desempenho podem ter os
recursos suspensos68.
No que se refere às condicionalidades, além das mudanças nas relações com a CAIXA
e com o MDS que vimos relatando, contribuiu para o seu constante acompanhamento a
construção de sistemas técnicos específicos. Esses somente se tornaram possíveis a partir da
Portaria GM/MDS nº 551, de 09 de novembro de 2005, que regulamenta a gestão das
condicionalidades do PBF. Essa Portaria estabeleceu as atribuições dos municípios, estados,
Ministério da Saúde - MS e Ministério da Educação - MEC no acompanhamento das
condicionalidades, assim como sanções gradativas para os beneficiários que não as
cumprissem69.
Se até setembro de 2006 a frequência escolar era registrada em um sistema
operacionalizado pela CAIXA, onde as informações sobre frequência escolar eram coletadas
em CDs e material impresso nos municípios e encaminhadas a esse banco, no mês de
dezembro do mesmo ano foi disponibilizado pelo MEC o “Sistema Presença” (LICIO, 2012,
pp. 237-238). Disponível na internet para os operadores municipais, esse sistema, diferente do
anterior, permitiu o acompanhamento de cada criança segundo a escola. Também em 2006 foi
criado um Módulo no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional – SISVAN
especificamente para o registro das condicionalidades de saúde do PBF. Por fim, a criação do

68
O tom de ameaça passou a dominar as publicações do ministério gestor do PBF a partir de 2016, sob o
governo do presidente Michel Temer. Sobre isso ver, por exemplo, a reportagem: “94% dos municípios
prestaram contas dentro do prazo sobre gastos com Bolsa Família”. Disponível em: http://mds.gov.br/area-de-
imprensa/noticias/2016/setembro/94-dos-municipios-prestaram-contas-dentro-do-prazo-sobre-gastos-com-bolsa-
familia Acesso em novembro de 2016.

69
Vale aqui reproduzir parte do capítulo IV dessa Portaria, que trata das sanções a serem aplicadas no caso de
descumprimento das condicionalidades:
“Art. 14. As famílias beneficiárias do PBF que não realizarem as atividades previstas nos incisos do art 3° desta
Portaria ficam sujeitas às seguintes sanções do programa, sem prejuízo da penalidade prevista no art. 14, § 1°, da
Lei n° 10.836, de 2004, e das definidas em outras normas:
I – Bloqueio do benefício por 30 dias;
II - Suspensão do benefício por 60 dias; III - Cancelamento do benefício.
Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela SENARC, no âmbito de suas atribuições,
podendo ser aplicadas cumulativamente.
Art. 15. O bloqueio de benefício a que se refere o inciso I obedecerá às normas e procedimentos para a gestão de
benefícios do PBF e terá efeito sobre (01) uma parcela de pagamento do benefício a que faz jus a família,
havendo o subseqüente desbloqueio do benefício, e será aplicada a partir do segundo registro de inadimplência
quanto às obrigações previstas no art. 3° desta Portaria.
Art. 16. A suspensão de benefício a que se refere o inciso II obedecerá às normas e procedimentos para a gestão
de benefícios do PBF e terá efeito sobre (02) duas parcelas de pagamento do benefício a que faz jus a família, e
será aplicada a partir do terceiro registro de inadimplência quanto às obrigações previstas no art. 3° desta
Portaria.
Art. 17. O cancelamento de benefício a que se refere o inciso II obedecerá às normas e procedimentos para a
gestão de benefícios do PBF, e será imposto exclusivamente depois da aplicação acumulada de duas suspensões
a que se refere o art. 16”.
198

Sistema de Condicionalidades do Programa Bolsa Família – SICON/PBF, em 2007,


possibilitando intercambiar e consolidar os resultados das condicionalidades dos outros
sistemas, permitiu ao MDS verificar se as contrapartidas das famílias estavam sendo
realmente cumpridas.
A partir de então o PBF foi avaliado de mil pontos de vistas (inclusive por
pesquisadores do BIRD e do BID), o monitoramento feito pelo MDS passou a ser elogiado
como sinônimo de transparência e a eficácia do Programa passou a ser vista, por aqueles
bancos, como digna de ser replicada na luta “contra a pobreza” em outros países. Para Ana
Clara Ribeiro (2014, p. 76), hoje em dia

Quem financia [a política social] vai querer um relatório, então é preciso ter
um relatório. Isso vai ser dito e é chamado de transparência para a sociedade
que, todavia, não pediu nada, absolutamente nada disso. Mas, hoje o Estado
fala em nome da sociedade, algo que não há votação nem nada que
justifique, mas que virou tendência corrente. Portanto, o monitoramento da
aplicação de recursos ou a avaliação são traduzidos como transparência
democrática. No entanto, esta é muito mais uma preocupação dos gestores
do que exatamente da sociedade, porque ela nem sabe disso, mas
posteriormente isso é vendido como democracia para a sociedade.

As análises disponíveis sobre o PBF são unânimes em ressaltar como a construção dos
novos sistemas técnicos para viabilizar as transferências, no bojo desse processo de pressão
por eficácia e por resultados que assinala a autora, terminou por adquirir um duplo sentido
político. Em primeiro lugar, como vimos, tratava-se de dar respostas às críticas levantadas
pela grande mídia e pelas classes dominantes brasileiras. Segundo, como demonstrou Amélia
Cohn (2012) analisando cartas de beneficiárias do Programa dirigidas ao presidente Lula,
erros no cadastramento, por exemplo, dificultavam, até então, a percepção do benefício como
um direito, uma vez que geravam bastante instabilidade na população pobre no que se refere
ao recebimento dos repasses. Tratava-se também de enfrentar essas dificuldades.
É por isso que, impregnados por essa forma específica de construção do consenso, os
novos sistemas técnicos acabaram permitindo uma expansão jamais vista da política de
transferência de renda no Brasil. Na tabela 26 verificamos que os valores repassados às
famílias passaram de R$ 3,7 bilhões, em 2004, para R$ 28,5 bilhões em 2016, ao passo que o
número de famílias beneficiárias mais que dobrou no mesmo intervalo.
199

Tabela 26 – Brasil: Evolução do número de famílias beneficiárias, dos valores repassados e dos
valores médios do benefício do Programa Bolsa Família (2004-2016)

Ano Nº de famílias Valor total repassado em Valor médio do benefício


beneficiárias* R$ R$
2004 6.571.839 3.791.785.038,00 69,98
2005 8.700.445 5.691.667.041,00 62,95
2006 10.965.810 7.524.661.322,00 59,56
2007 11.043.076 8.965.499.608,00 65,87
2008 10.557.996 10.606.500.193,00 78,77
2009 12.370.915 12.454.702.501,00 86,3
2010 12.778.220 14.372.702.865,00 92,58
2011 13.352.306 17.360.387.445,00 109,26
2012 13.902.155 21.156.744.695,00 130,76
2013 14.086.199 24.890.107.091,00 151,87
2014 14.003.441 27.185.773.070,00 169,03
2015 13.936.791 27.650.301.339,00 163,06
2016 13.569.576 28.506.185.141,00 _
*Quantidade referente a dezembro de cada ano.
Fonte: site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)
Organização: Fernando Silva (2017)

Inicialmente, o aumento nos valores repassados esteve relacionado à inclusão de novos


beneficiários, uma vez que até 2007 não houve aumento nos valores dos benefícios existentes.
A partir de então, quando vários problemas ligados à operação da Programa foram resolvidos,
tivemos tanto acréscimos no valor do benefício básico e variável, como a criação do Benefício
Variável Jovem - BVJ (2008), destinado a adolescentes de 16 e 17 anos, e do Benefício para
Superação da Extrema Pobreza – BSP (2012), que completa a renda daquelas famílias que
mesmo recebendo os outros benefícios do PBF não ultrapassam a chamada “linha da pobreza
extrema” (R$ 70,00 em 2012). Essa evolução está sintetizada na tabela a seguir.
200

Tabela 27 – Brasil: Evolução dos valores e benefícios do Programa Bolsa Família (2003 – 2016)
Valores nominais e reais em meses de repercussão na folha de pagamento (R$)
Tipo de 2003 2007 BVJ/2008 2008 2009 2011 2011 Criação do 2014 2016
benefício Out. Ago. Mar. 2 Jul. 3 Set. 4 Abr. Set. 6 BSP em Jun. 8 Jun. 9
1 5 2012 Jun. 7
Básico 50 58 58 62 68 70 70 77 85
Variável 15 18 18 20 22 32 32 35 39
Jovens 30 30 33 38 38 42 46
BSP Variável Variável Variável
Máximo 95 112 172,00 182 200 242 306 Sem limite Sem Sem
limite limite
Fonte: site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)/legislação do Bolsa Família
Organização: Fernando Silva (2017)

1 - Alteração nos benefícios pelo Decreto n° 6.157 de 16/07/2007.


2 - Benefício Variável Vinculado ao Adolescente (16 e 17 anos) instituído pela Medida Provisória n° 411, de
28/12/2007, convertida na Lei n° 11.692, de 10/06/2008.
3 - Alteração nos benefícios pelo Decreto n° 6.491 de 26/06/2008.
4 - Alteração nos benefícios pelo Decreto n° 6.917 de 30/07/2009.
5 – Alteração nos benefícios pelo Decreto n° 7.447 de 01/03/2011.
6 – Expansão do limite de beneficiários de até 15 anos de 3 para 5 por domicílio e concessão de um benefício
variável para gestantes e nutrizes.
7 – Benefício para Superação da Extrema Pobreza na primeira infância instituído pelo Decreto n° 7.758 de
15/06/2012. Consiste na complementação da renda domiciliar per capita até a linha de extrema pobreza para
aquelas famílias que não alcançavam esse patamar mesmo recebendo os outros benefícios. Foi aplicado primeiro
nos domicílios com criança de 0 a 6 anos, em seguida ampliou-se para a faixa etária de até 15 anos e, no início
de 2013, alcançou todos os beneficiários.
8 – Alteração nos benefícios pelo Decreto n° 8.232 de 30/04/2014.
9 – Alteração nos benefícios pelo Decreto nº 8.794 de 29/06/2016.

Não há nenhuma norma sobre o cálculo a ser usado para o aumento nos valores dos
benefícios, nem mesmo a respeito de sua periodicidade. É possível afirmar que tal aumento
fica então bastante dependente das prioridades de cada governo, uma vez que o instrumento
legal mais utilizado para isso é o decreto.
Como destacaram, dentre inúmeras outras, as pesquisas de Tereza Cristina Silva Cotta
(2009), Renata Mirandola Bichir (2011) e Elaine Cristina Licio (2012) o PBF, diferente dos
programas de transferência existentes até 2002, foi construído vinculado à expansão de
diversas políticas sociais, notadamente de Assistência Social, Saúde e Educação. Além disso,
as transferências foram associadas a vários outros programas. O CAD.ÚNICO, por exemplo,
passou a ser utilizado para cerca de 20 (vinte) políticas, dentre elas o Programa Minha Casa,
Minha Vida - PMCMV, Tarifa Social de Energia Elétrica, Programa Nacional de Acesso ao
Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC etc. Desenha-se, dessa maneira, uma nova fase de
busca pela integração dos pobres aos direitos sociais.
Um indicativo inicial de como o PBF se insere nessa integração é dado pela
distribuição dos beneficiários no território brasileiro. É o que trazemos no mapa 69.
201

Mapa 69 – Brasil: porcentagem da população beneficiária do Programa Bolsa Família (dezembro de


2015) entre a população total estimada para 2015 por unidade da federação

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração cartográfica: Hugo Guilherme Cantanhede de Abreu
202

O mapa deixa claro como as regiões e lugares mais pobres do Brasil se destacam no
que se refere à participação no Programa. No Nordeste, os estados com maior percentual de
beneficiários são Maranhão, Piauí e Alagoas, que desde 2004 alternam entre si as três
primeiras posições. Assim, um caminho que nos parece seguro para avançar na análise dos
limites e possibilidades do PBF quanto ao enfrentamento da problemática do “Espaço
Dividido” é entender como esta política vem somar-se às heranças espaciais.
Na realidade, o PBF se derrama sobre as formas diversas de manifestação dos circuitos
da economia urbana nas regiões brasileiras, conferido nova dinâmica aos elementos tanto do
subsistema superior como do inferior que participam diretamente na sua conformação. Além
disso, como tais elementos não se encontram isolados na economia urbana, nem muito menos
cada circuito pode se explicar por si mesmo, o que percebemos são novas e complexas
relações entre a pobreza e a riqueza nas cidades. Nos próximos capítulos procuraremos
demonstrar como isso vem se dando no contexto da Região Canavieira de Alagoas.
203

CAPÍTULO 5: A nova dinâmica dos dois circuitos da economia urbana em Porto Calvo,
União dos Palmares e São Miguel dos Campos

“Ora, o problema que a ciência deve resolver e que é o último núcleo da


noção de racionalidade é o da correspondência entre o econômico e o não-
econômico na evolução das sociedades”
Maurice Godelier. Racionalidade e irracionalidade na economia (1969, pp.
59-60).

“A ação afetiva e a ação racional referente a valores distinguem-se entre si


pela elaboração consciente dos alvos últimos da ação e pela orientação
conseqüente e planejada com referência a estes, no caso da última. Têm em
comum que, para elas, o sentido da ação não está no resultado que a
transcende, mas sim na própria ação em sua peculiaridade”.
Max Weber. Economia e sociedade. (1999, p. 15).

B
uscando seguir o caminho teórico-metodológico apresentado ao longo da tese
(melhor delineado no capítulo anterior), a partir do qual cremos ser possível lançar
um olhar geográfico sobre o PBF para avançar na sua problematização, no presente
capítulo procuramos apontar como esse Programa – tanto pela forma específica como
funciona nos diversos municípios, como pelas condições que pode oferecer à realização de
novos eventos (RIBEIRO e SILVA, 2004, pp. 357-358) – transformou as economias urbanas
de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos.
Se é possível dizer que, em diversos aspectos, o PBF foi moldado mais pela pressão da
ação instrumental/global do que pela referência à dinâmica concreta da pobreza, quando se
trata de compreender suas consequências para a realidade dos lugares parece-nos de suma
importância situá-lo em meio às novas possibilidades técnicas e normativas oferecidas pelo
meio geográfico regional à ação das empresas e dos pobres. Por isso, buscamos levar em
conta algumas mudanças e permanências nos principais elementos dos dois circuitos da
economia urbana presentes nas três cidades citadas, perscrutando, sempre que possível, o
sentido político-geográfico que tais mudanças podem revelar.
O papel assumido pela CAIXA como agente pagador das transferências do Bolsa
Família constitui a principal maneira pela qual atividades do circuito superior são chamadas a
participar diretamente na realização desse acontecer solidário nas cidades. Esse papel não
pode ser compreendido sem considerarmos a atuação de correspondentes que passam a prestar
204

serviços para esse banco, sobretudo Casas Lotéricas e Caixa’s Aqui (CONTEL, 2006, p. 248).
Por isso, negócios e trabalhadores do circuito inferior em áreas periféricas de Porto Calvo,
União dos Palmares e São Miguel dos Campos também passaram a realizar parte das
atividades atribuídas à CAIXA no âmbito do PBF.
Por outro lado, o aumento do fluxo de pessoas no espaço urbano nos dias de
pagamento do PBF cria não somente novas possibilidades econômicas para trabalhadores do
circuito inferior da economia urbana, mas também exige que estes elaborem formas de
organização que atendam às especificidades de populações que recebem pequenos valores
pelas transferências e habitam as periferias das cidades. Daí que faça sentido pensar que o
papel do circuito inferior na conformação desse acontecer não seja totalmente subordinado.
O crescimento do volume das transferências terminou se tornando um convite à
instalação de atividades comerciais do circuito superior nas cidades que vimos analisando.
São comércios de ramos ligados aos consumos básicos das famílias do Programa, com lojas
direcionadas especialmente às populações de menor poder aquisitivo. Localizados em pontos
selecionados do espaço urbano, esses comércios se empenham por abocanhar parte dos
valores transferidos aos beneficiários. Desse modo, a população pobre passa a estar mais
ligada ao circuito superior por intermédio do consumo. Como a quantidade de empregos nesse
circuito não cresce na mesma proporção dos valores que ele drena, os membros das famílias
beneficiárias continuam trabalhando predominantemente em atividades do circuito inferior,
ou sazonalmente nas usinas.
Uma das principais características do Bolsa Família reside no fato de transferir
pequenos valores para um número expressivo de beneficiários. Esse fator torna-se responsável
pela pulverização de atividades do circuito inferior no espaço urbano, surgidas para atender
uma demanda que, fosse outra a combinação entre técnica, capital e organização, poderia
parecer insolvente.
Mas num contexto em que as usinas começam novamente a falir, ou a não pagar o
salário dos trabalhadores em dia (como vem ocorrendo desde 2013 na Região), ao mesmo
tempo em que a busca por mais “eficácia” no PBF gera certa instabilidade na população
beneficiária quanto ao recebimento dos recursos (fato notável a partir de 2016), as disputas
entre os dois circuitos podem se tornar mais evidentes do que as cooperações. Se é necessário
procurar o menor preço e não comprar fiado “porque o Bolsa Família é hoje e amanhã só
Deus sabe” (Entrevista concedida por beneficiária do PBF em julho de 2016), certas relações
das atividades do circuito inferior com as populações pobres são fortemente pressionadas.
205

De certo modo, a tensão política entre os dois circuitos da economia urbana já era
especialmente realçada no papel desempenhado pelas condicionalidades de educação no
âmbito do PBF. Quando o grau de escolaridade requerido por uma economia seletiva é
colocado como exigência para que os pobres possam usufruir dos bens coletivos disponíveis
em uma sociedade, fica claro que essa sociedade vai continuar se constituindo de maneira
seletiva, assim como torna-se cada vez mais difícil fazer com que a educação formal sirva, ao
mesmo tempo, aos objetivos do indivíduo, do lugar e da nação (SANTOS, 2000). Por que
continuar virando as costas para os lugares, se inspirando nessa economia sem sentido para a
maior parte do País quando se trata de elaborar políticas públicas?

5.1. Os dois circuitos da economia urbana na concretização do Programa Bolsa Família

Conforme podemos observar na tabela 28, o número de famílias beneficiárias e os


valores transferidos pelo PBF nos municípios de Porto Calvo, União dos Palmares e São
Miguel dos Campos aumentou bastante desde 2004. Da mesma forma que se passou no
Brasil, inicialmente o crescimento no volume dos repasses se deveu à inclusão de novas
famílias ao Programa, e depois aos acréscimos nos valores dos benefícios.
206

Tabela 28 - Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: Evolução do número de
famílias e valores anuais repassados pelo PBF (2004 – 2016)
Porto Calvo União dos Palmares São Miguel dos Campos
Nº. de Valores Nº. de Valores Nº. de Valores
Ano famílias* repassados famílias* repassados famílias* repassados
2004 2.820 1.643.597,00 5.791 2.885.633,00 2.916 1.870.574,00
2005 2.954 2.306.338,00 6.784 4.280.135,00 3.842 2.681.946,00
2006 3.540 2.516.417,00 8.402 5.403.526,00 3.786 2.849.190,00
2007 3.466 2.831.608,00 8.100 6.414.419,00 3.602 2.923.110,00
2008 3.665 3.442.814,00 8.222 7.769.517,00 3.207 3.242.557,00
2009 3.570 4.018.394,00 8.330 9.313.109,00 5.201 4.663.509,00
2010 3.869 4.642.755,00 9.623 11.299.517,00 5.374 5.716.124,00
2011 4.047 5.586.256,00 9.441 13.487.785,00 5.721 7.382.258,00
2012 4.148 6.403.088,00 10.070 15.015.086,00 6.385 9.413.010,00
2013 4.162 6.617.000,00 9.357 15.392.282,00 6.919 10.804.766,00
2014 4.400 7.281.826,00 9.809 16.519.264,00 7.161 12.215.516,00
2015 4.042 7.456.013,00 9.365 16.991.697,00 6.691 11.885.170,00
2016 4.141 7.933.293,00 9.355 17.034.201,00 6.155 11.538.340,00
*Quantidade referente a dezembro de cada ano.
Fonte: site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)
Organização: Fernando Silva (2017)

A porcentagem de beneficiários é maior em Porto Calvo, chegando a mais de 50% da


população total, e menor em São Miguel dos Campos (em torno de 35% em 2015). Já União
dos Palmares, além de ter tido cerca de 45% de sua população incluída no PBF em 2015, vem
apresentando, desde 2004, o maior número de famílias beneficiárias dentre os três municípios,
assim como vem recebendo maiores volumes de recursos. Sem sombra de dúvidas, essa
realidade se explica pelas especificidades da pobreza em cada município. Cabe destacar ainda
a redução que houve no número de famílias beneficiárias dos três municípios de dezembro de
2014 para dezembro de 2015 em função da atualização cadastral que ocorreu em abril deste
último ano. Trata-se de um procedimento de rotina do Programa, já que, em realidade, o
benefício é concedido somente por dois anos, ficando sua renovação condicionada à
atualização dos dados do CAD.ÚNICO.
Como vimos demonstrando nos capítulos anteriores com o auxílio de alguns autores,
nos países periféricos as modernizações atingem o espaço das cidades de maneira pontual.
Ainda que toda a cidade seja afetada, nem todos os seus elementos participam diretamente das
modernizações. Por essa razão, acreditamos que um caminho seguro para apreender as formas
particulares pelas quais o PBF se concretiza em Porto Calvo, União dos Palmares e São
Miguel dos Campos é dado, inicialmente, pela consideração dos elementos dos circuitos da
economia urbana que participam diretamente da concretização dessa política pública.
207

A participação do circuito superior da economia urbana se dá, essencialmente, pela


realização de atividades relativas ao pagamento dos benefícios. Tais atividades estão entre as
principais funções assumidas pela Caixa Econômica Federal que devem ser realizadas nos
municípios, e assim como todas as demais que esse banco desempenha no âmbito do PBF,
foram registradas em contrato de prestação de serviço negociado com o MDS70 (VIEIRA,
2011, p. 107).
Os valores que o Governo Federal vem pagando à CAIXA, em cumprimento ao que
foi estabelecido por esse contrato, têm se aproximado dos que são transferidos aos municípios
para gestão do PBF. Vejamos a tabela 29.

Tabela 29 – Brasil: Valores destinados ao agente operador do Programa Bolsa Família* (2005 – 2015)
Ano Valores pagos (mil)
2005 178.304
2006 523.980
2007 324.459
2008 191.765
2009 218.704
2010 231.294
2011 221.270
2012 _
2013 270.047
2014 _
2015 147.600
*Valores registrados na ação: “Despesas com Serviços de Concessão, Manutenção, Pagamento e Cessação dos
Benefícios de Transferência Direta de Renda”
Fonte: Sistema Integrado de Administração financeira do Governo Federal - SIAFI
Organização: Fernando Silva (2016)

É possível notar que, depois da estruturação do PBF, a despesa com o agente operador
não se elevou muito, e isto certamente se deve à estabilização do número de beneficiários e ao

70
O Decreto 5.209, de setembro de 2004, que regulou a lei de criação do PBF, estabelece as seguintes funções
para a CAIXA:
“Art. 16. Cabe à Caixa Econômica Federal a função de Agente Operador do Programa Bolsa Família, mediante
remuneração e condições pactuadas com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome,
obedecidas as exigências legais.
§1º Sem prejuízo de outras atividades, a Caixa Econômica Federal poderá, desde que pactuados em contrato
específico, realizar, dentre outros, os seguintes serviços:
I- fornecimento da infra-estrutura necessária à organização e à manutenção do Cadastramento Único do Governo
Federal;
II ­desenvolvimento dos sistemas de processamento de dados;
III ­organização e operação da logística de pagamento dos benefícios;
IV- elaboração de relatórios e fornecimento de bases de dados necessários ao acompanhamento, ao controle, à
avaliação e à fiscalização da execução do Programa Bolsa Família por parte dos órgãos do Governo Federal
designados para tal fim”.
208

aperfeiçoamento dos sistemas técnicos desenvolvidos para operar as bases de dados do


Programa. Mesmo assim, como notou Giselle Souza da Silva (2010, p. 120), os valores são
bem altos se compararmos, por exemplo, com os que são gastos para remunerar o agente
pagador do Benefício de Prestação Continuada – BPC, embora neste último caso o volume
repassado às famílias seja consideravelmente maior71. Isto porque o cálculo da remuneração é
feito por benefício. No PBF estão incluídas quase 50 milhões de pessoas (praticamente um
quarto de toda a população brasileira), mas o valor de cada benefício é pequeno.
Na realidade, estamos diante de uma especificidade importante do PBF que tem
repercussões não somente para as atividades do circuito superior da economia urbana (neste
caso, para as atividades da CAIXA, um banco público, na conformação da política), mas,
sobretudo, para as atividades do circuito inferior, como teremos oportunidade de analisar nos
próximos itens.
Segundo relata Ana Maria Machado Vieira (2011, pp. 87-110), nos anos iniciais de
funcionamento do Bolsa Família, quando o MDS tinha acesso restrito à base de dados
nacional do CAD.ÚNICO e ainda não havia um sistema de relações entre os entes da
federação para execução da política, podemos pensar que a CAIXA terminava assumindo
certas atribuições que, na realidade, caberiam ao Ministério gestor. Mas, com a criação dos
sistemas técnicos que vimos relatando no capítulo anterior, todas as atribuições da CAIXA
passaram a ser monitoradas pelo MDS. Assim, devemos considerar que as atividades
executadas por esse banco nos municípios para viabilizar as transferências têm o sentido
político dado pelo MDS.
Conforme explica Fábio Betioli Contel (2006, p. 235), a atuação da Caixa Econômica
Federal no território brasileiro mudou bastante quando o Banco Central do Brasil, em 1999 e
2000, autorizou a contratação de correspondentes para a prestação de alguns serviços
bancários. Segundo o autor (p. 247), dentre as instituições públicas, aquele banco foi um dos
que mais se utilizou dos correspondentes bancários para ofertar seus serviços, notadamente
nas áreas mais pobres do País.
Como já tiveram oportunidade de constatar algumas pesquisas (MEDEIROS, 2013,
pp. 185-190; SANTOS, 2014, pp. 103-114), na grande maioria das cidades alagoanas as
Casas Lotéricas e Caixa’s Aqui tornaram-se os principais fixos para a execução de certas

71
Entre 2006 e 2009, por exemplo, enquanto foram gastos R$ 69,85 milhões para remunerar o agente pagador do
Benefício de Prestação Continuada e da Renda Mensal Vitalícia, as despesas do PBF com a CAIXA alcançaram
R$ 1,4 bilhões (SILVA, 2010, p. 120). No entanto, mesmo levando em conta esses dados fica difícil concordar
com a conclusão dessa autora de que o PBF tem priorizado a remuneração do capital financeiro, uma vez que
todos os recursos destinados a esse Programa são relativamente pequenos se compararmos aos gastos de outras
políticas sociais.
209

atividades da CAIXA. Na realidade, no que se refere ao PBF, esses correspondentes


(especialmente as Casas Lotéricas), acabaram se tornando os principais responsáveis pelas
atividades de pagamento aos beneficiários, mesmo nos municípios em que há agências da
CAIXA, e isso por uma característica do próprio PBF: a maioria da população recebe em
cartão exclusivo do Programa72, no qual o saque total precisa ser realizado em até 90 dias, e
os valores dos benefícios não são redondos, o que dificulta a realização do saque em Caixas
Eletrônicos.
Tanto na atuação das agências como dos correspondentes bancários na realização do
pagamento das transferências do PBF, pensamos que a principal vantagem do circuito
superior, em relação ao inferior, está na sua maior capacidade de orientar os fluxos de
beneficiários nos espaços urbanos, possibilitando, por conseguinte, que uma população
dispersa, de baixíssimos rendimentos, seja reunida em certos pontos da cidade. Dessa forma,
essa população pode constituir um mercado interessante para certas atividades econômicas.
Se o calendário de pagamento estabelecido pelo MDS73 todo ano acaba sendo uma
norma que atinge tanto atividades do circuito superior (uma vez que a CAIXA deve executar
o pagamento dentro desse calendário) como do circuito inferior da economia urbana, a
disposição dos fixos da CAIXA nos espaços urbanos pode atuar como norma para sistemas
locais de transporte, ao mesmo tempo em que pode aumentar ou reduzir as possibilidades
econômicas de certos agentes. Como esse banco tem a permissão de contratar seus
correspondentes, fica claro que ele acaba tendo, nas cidades, um poder de normatização que
os trabalhadores do circuito inferior não têm.

5.1.2. O Bolsa Família entrecruza a economia urbana portocalvense

Para realizar o pagamento dos benefícios do PBF existe na cidade de Porto Calvo uma
agência da CAIXA e uma Casa Lotérica (ambas localizadas na mesma rua). Podemos
observar a distribuição desses fixos no mapa a seguir.

72
De acordo com as normas do MDS, o PBF pode ser sacado com o cartão exclusivo do Programa, com o Cartão
Conta Caixa Fácil ou com a Guia Avulsa de Pagamento fornecida pela Caixa para os beneficiários que por
algum motivo estejam sem cartão.
73
A Portaria do MDS n° 532, de 03 de novembro de 2005, estabelece as regras de fixação do calendário para o
pagamento dos benefícios do Programa Bolsa Família e Programas remanescentes. De acordo com essa Portaria
(Art. 1º, § 2º): “O ordenamento das datas de pagamento terá como base a sequência dos dígitos verificadores dos
Números de Identificação Social – NIS dos responsáveis legais das famílias beneficiárias, iniciando-se com final
1 (um), seguindo ordem crescente até o final 0 (zero)”.
210

Mapa 70 – Porto Calvo: distribuição dos fixos da Caixa Econômica Federal (2016)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Em nossos trabalhos de campo foi possível verificar que atividades do circuito inferior
da economia urbana, notadamente o serviço de moto-táxi e de transporte complementar
interurbano, tornaram-se essenciais para realizar os deslocamentos das populações
beneficiárias até onde esses fixos estão instalados. Para sabermos como isso vem se dando é
importante, antes de mais nada, considerarmos algumas características da população incluída
no PBF na cidade de Porto Calvo.
211

Um total de 41 (quarenta e uma) beneficiárias e 1 (um) beneficiário do Bolsa Família


responderam aos nossos questionários em meados de 2015. Das mulheres, 27% eram mães
solteiras, sendo que menos da metade, exatamente 36%, recebia alguma pensão alimentícia
dos pais dos seus filhos. Considerando as 42 (quarenta e duas) famílias pesquisadas,
verificamos que são pessoas com poucos anos de estudo: 7% eram analfabetas, 74% tinham o
nível fundamental incompleto, 2% o médio incompleto e 17% terminaram o ensino médio. A
grande maioria nasceu em Porto Calvo (76%) ou tem mais de 10 anos que mora nesse
município (17%).
Apesar de 26% desses beneficiários habitarem o Bairro da Mangazala, a cerca de 3 km
do centro de Porto Calvo, todos eles costumam receber os recursos na Casa Lotérica
localizada no centro. Dessa forma, podemos afirmar que a participação do circuito inferior da
economia urbana se torna praticamente obrigatória na mobilidade dessa população.
Dispondo, ao mesmo tempo, de flexibilidade técnica e normativa, o serviço de moto-
táxi em Porto Calvo acaba por criar formas de organização específicas que visam atender essa
demanda. Aos pontos de moto-táxi mais antigos, localizados no alto do morro onde fica a área
central da cidade, vem juntar-se um novo ponto localizado no Bairro da Mangazala, às
margens da AL – 105. Ainda que a sua criação não possa ser creditada somente ao fluxo de
pessoas gerado pelo PBF, ficou claro que esse Programa, ao ser responsável por uma
circulação regular de pessoas entre a Mangazala e a área central da cidade, ampliou
sobremaneira o mercado para o serviço de moto-táxi na periferia.
Diferentemente do que se passa com o circuito superior da economia urbana, os moto-
taxistas só conseguem transformar esse fluxo em uma demanda interessante pelas
possibilidades de organizarem suas atividades de forma a atender às especificidades da
população beneficiária. Ao contrário da população que se dirige à feira-livre, a população do
PBF geralmente só tem o dinheiro da corrida depois de receber o benefício, daí a necessidade
das relações de confiança entre o moto-táxi e os clientes. Mais de 40% das beneficiárias do
Bairro da Mangazala que responderam aos nossos questionários afirmaram que os moto-
taxistas confiam pagar a corrida depois de receber os recursos.
As características da população do PBF também condicionam, por exemplo, os preços
das corridas. Como nos disse certo moto-taxista em entrevista quando perguntado sobre a
necessidade ou não de aumentar tais preços, “se aumentar, como é que uma mulher que
recebe R$ 150,00 R$ 200,00 do Bolsa Família, com dois três filhos pra criar, vai andar de
moto-táxi? Nós só aumenta quando não tem mais jeito mesmo, que a gasolina tá demais”
(Entrevista concedida em janeiro de 2014). Na realidade, identificamos nessa atividade “[...]
212

uma racionalidade mais ampla, social, recobrindo e organizando o conjunto das relações
sociais. [...] uma ‘correspondência’ funcional entre estruturas econômicas e não econômicas”
(GODELIER, 1969, p. 388).
A realidade é um pouco diferente para as beneficiárias que disseram se utilizar do
transporte interurbano de passageiros. Este, fazendo a linha Porto Calvo – Maceió, passa pela
periferia da cidade. Nesse caso, quase não há mais relações de confiança entre o motorista e
os clientes, e isto se deve às novas formas de organização exigidas desse transporte pelo
Governo Estadual, como pontuaremos no próximo capítulo. Daí que as beneficiárias que se
utilizam desse transporte, mas não têm o dinheiro da passagem de ida (o que é o mais
comum), nem conseguem emprestado com alguma vizinha, geralmente vão a pé, e somente o
utilizam para retornar às suas casas.
Não há dúvidas de que as novas formas de inter-relações entre os subespaços de Porto
Calvo viabilizadas pelo PBF reafirmam os papéis que vinha desempenhando a área central
dessa cidade. Por isso, a concretização desse acontecer solidário terminaria também por criar,
nessa mesma área, novas oportunidades tanto para atividades do circuito superior como para
as do circuito inferior da economia urbana.

5.1.2. O Bolsa Família em União dos Palmares: entre a capacidade de orientar os fluxos do
circuito superior e a renovação do papel político do circuito inferior

Sem dúvida nenhuma, a necessidade de novas formas de organização político-


espaciais de certas atividades do circuito inferior para viabilizar a concretização do PBF seria
bem mais evidente na cidade de União dos Palmares. Essa organização acabou sendo não
apenas condicionada pela existência de maiores periferias em comparação com Porto Calvo,
mas também pelo grande número de beneficiários das transferências (apenas em Maceió,
dentre todas as cidades da Região Canavieira, há um número maior de pessoas recebendo PBF
do que em União dos Palmares), assim como pela distribuição dos correspondentes bancários
no espaço urbano.
O mapa a seguir apresenta a distribuição desses fixos. São 3 (três) Casas Lotéricas, 2
(duas) localizadas na área central da cidade e a outra na área periférica, além de 1 (um) Caixa
Aqui instalado no centro.
213

Mapa 71 – União dos Palmares: Fixos da Caixa Econômica Federal (2016)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Nessa cidade, um total de 66 beneficiárias do PBF responderam aos nossos


questionários, sendo que 33% eram mães solteiras (todas elas afirmaram não receber nenhuma
pensão alimentícia dos pais dos filhos). Dessas 66 mulheres, 9% eram analfabetas, 67%
tinham o nível fundamental incompleto, 3% concluíram o nível fundamental, 8% tinham o
ensino médio incompleto, 11% disseram ter o nível médio completo e 3% haviam terminado
algum curso de nível superior.
214

Essas beneficiárias moram, sobretudo, nas áreas periféricas de União dos Palmares,
relativamente distantes do centro: 21% no Conjunto Nilton Pereira (distante cerca de 3,5 km
do centro), 15% no Conjunto Nova Esperança (3 km do centro), 12% no Conjunto Sagrada
Família (3,8 km do centro), 6% no Bairro Roberto Corrêa de Araújo (2 km do centro), 6% no
Distrito Rocha Cavalcanti (13 km do centro), 5% no Bairro Santa Fé (5 km do centro), 5% no
Bairro Nossa Senhora das Dores (2,5 km do centro), sendo que o restante habita bairros nas
proximidades do centro. Como vimos no mapa, dentre todos esses bairros periféricos apenas
no Bairro Roberto Corrêa de Araújo funciona uma Casa Lotérica desde 2011.
Ainda de acordo com os dados obtidos a partir de nossos questionários, embora essa
Casa Lotérica da periferia tenha se tornado um local importante para pagamento às
populações beneficiárias do próprio Roberto Corrêa de Araújo e de bairros vizinhos, uma vez
que 9% disseram que agora costumam buscar exclusivamente esse fixo todo mês para receber,
e mais 14% o buscam esporadicamente, para as populações das demais periferias os
correspondentes do centro continuam a ser o principal local de recebimento: 60% das
mulheres afirmaram receber na Casa Lotérica mais antiga do centro. Essa dinâmica
condicionou o surgimento de um sistema urbano de transporte de passageiros, organizado por
trabalhadores do circuito inferior da economia urbana a partir de associações locais.
Vinculada à Associação de Transporte Complementar interurbano de União dos
Palmares, surgiu, em 2013, a primeira linha propriamente urbana de transporte com destino a
alguns bairros periféricos de União dos Palmares. Na realidade, os trabalhadores dessa linha
antes realizavam transporte de passageiros de União dos Palmares para a Usina Lajinha, mas a
enchente ocorrida na Bacia do Rio Mundaú em 2010 destruiu praticamente todas as casas de
moradores dessa usina. Como logo depois foram construídas habitações para os desabrigados
na periferia de União dos Palmares, os trabalhadores dos transportes viram nos fluxos de
pessoas dos novos bairros em direção ao centro novas oportunidades de rendimento.
Dois anos depois foi criada a Associação de Transporte Urbano Municipal de União
dos Palmares – ATUMUP, com o objetivo de realizar o transporte de passageiros para todas
as demais periferias da cidade. Segundo a entrevista que realizamos com o diretor dessa
Associação, a ideia de criá-la surgiu da observação de que a maior parte da população da
periferia que vinha receber algum dinheiro no centro (principalmente aposentadoria e Bolsa
Família) tinha dificuldade de voltar com compras para casa, pois a única possibilidade de
transporte existente até então era o serviço de moto-táxi. O diretor nos disse que, ainda em
215

2015, a Câmara Municipal aprovou e o prefeito sancionou uma lei conferindo à ATUMUP
permissão para explorar os serviços de transporte urbano74.
No mapa a seguir, apresentamos o trajeto que esses sistemas de transporte perfazem.
Todas as linhas buscam as periferias da cidade, convergindo na área central, e foram
estabelecidas pelas próprias associações.

Mapa 72 – União dos Palmares: Rota do transporte urbano (2016)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

74
Não tivemos acesso a essa Lei, e nos vários setores da Prefeitura que visitamos ninguém soube informar sobre
sua existência.
216

Os próprios trabalhadores organizaram também pontos de embarque no centro da


cidade. No caso da linha surgida em 2013, foi construída uma cobertura de zinco para
acomodar os passageiros enquanto estes esperam o horário de saída do próximo carro,
enquanto a ATUMUP se utiliza das instalações da antiga estação ferroviária para isso. É o que
observamos nas fotos 3 e 4.

Foto 3 - Ponto de transporte construído por trabalhadores do circuito inferior em União dos Palmares -
AL

Fonte: trabalho de campo (2016)


217

Foto 4 – Uso de antiga estação ferroviária como ponto de transporte em União dos Palmares - AL

Fonte: trabalho de campo (2016)

Na verdade, tanto esses como praticamente todos os demais aspectos da atividade


(preço de passagens, horário de saída dos veículos, condições dos veículos exigidas no
transporte etc.) são organizados pelos próprios trabalhadores. O número de veículos de cada
linha e os preços das passagens são apresentados na tabela 30.

Tabela 30 – União dos Palmares: Número de carros e valores das passagens no transporte urbano
(2016)
Bairro de destino Número de vans Valores da passagem
Conjunto Sagrada Família* 6 R$ 2,50
Nova Esperança 5 R$ 2,00
Várzea Grande 3 R$ 3,00
Padre Donald 2 R$ 2,00
Santa Fé** 18 R$ 3,00
Distrito Rocha Cavalcante 22 R$ 5,00
* Para os bairros Roberto Corrêa de Araújo e Nossa Senhora das Dores, que ficam na mesma linha, a passagem
custa R$2,00
** Nilton Pereira, que fica na mesma linha, custa R$2,50
Fonte: Trabalho de Campo (2015-2016)
Organização: Fernando Silva (2017)
218

Vemos que essa atividade do circuito inferior busca se adaptar à especificidade da


população que atende, constituída majoritariamente por beneficiários do Bolsa Família e
aposentados. Isso é indicado, por exemplo, pela forma como são determinados os preços das
passagens. Segundo foi possível compreender em nossas entrevistas, as associações procuram
estabelecer tais preços com base na distância de cada destino, buscando assim seguir
princípios que a população considera justos. O outro lado da moeda é que os moradores das
periferias mais distantes, em sua maioria mais pobres, terminam pagando mais caro. Uma
beneficiária que entrevistamos no Bairro Nilton Pereira explicou que, às vezes, é preciso ir
receber e voltar a pé por causa do valor da passagem:

Pesquisador: A senhora geralmente vai receber lá no centro né, quando vai


receber Bolsa Família?
Entrevistada: É.
Pesquisador: Aí tem o dinheiro da passagem ainda né, que é R$2,00 né.
Entrevistada: É R$2,50. Quando eu tenho eu vou pagando, quando eu não
tenho eu vou e venho de pé.
Pesquisador: Pra dá uma economizada né?
Entrevistada: É, quando eu tenho o dinheiro só de ir aí eu não vou pagando
não, eu vou de pé mesmo, o dinheiro de ir eu já pago quando eu voltar. É, eu
sempre sou assim. [...] Oxe, já é o dinheiro de comprar arroz, feijão, pra
inteirar porque feijão também tá carinho, uma mistura né que a pessoa num
vai comer puro né (C. A. S., 39 anos. Entrevista concedida em julho de
2016).

Assim, a possibilidade que os trabalhadores do circuito inferior têm para organizar


vários elementos da atividade de transporte em União dos Palmares não deixa de carregar
consigo várias contradições. Se a capacidade de organização política confere certa
legitimidade desses agentes perante a sociedade e o poder público municipal, a quase ausência
deste último aumenta os custos fixos dos trabalhadores, o que terminará, cedo ou tarde, por
repercutir nos preços das passagens ou por inviabilizar a continuidade do sistema. A questão
central, então, é a da distribuição da riqueza por parte do poder público, sem a qual a pobreza
tende a se perpetuar.
O serviço de moto-táxi também passou a desempenhar um papel importante na
circulação de beneficiárias do PBF para os pontos de pagamento, mas neste caso algumas
exigências do poder público municipal começaram a desorganizar antigas relações dos moto-
taxistas com a população pobre. A Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito -
SMTT de União dos Palmares iniciou, na segunda década dos anos 2000, um processo de
“regularização” do serviço, concedendo alvará para cada moto-taxista vinculado à Associação
219

do município. Para tanto, exigia-se, por exemplo, que a moto não tivesse mais que 7 (sete)
anos de uso, e que todo o emplacamento estivesse em dia75.
Portanto, aumentaram as despesas desses trabalhadores a partir da necessidade de
renovação constante do seu principal equipamento de trabalho, ao passo que o mercado agora
seria compartilhado com o serviço de transporte por vans. A passagem começou a aumentar
(para os bairros periféricos mais distantes chega a custar R$ 5,00), ficando difícil para a
população pobre pagar os novos valores. Nesse caso, como em muitos outros, a chamada
“regularização”, mesmo que diminua a perseguição por parte do poder público (SANTOS,
2008 [1975], p. 47), significa novas formas de empobrecimento para as populações e
atividades do circuito inferior da economia urbana.

5.1.3. A concretização do Bolsa Família em São Miguel dos Campos em meio à busca por
normatizar elementos do circuito inferior

No espaço urbano de São Miguel dos Campos os dois principais fixos que executam o
pagamento do PBF localizam-se na área central da cidade, próximos aos serviços públicos
mais antigos que conferiram a essa cidade um papel de destaque na rede urbana da Região
Canavieira. Há também um correspondente Caixa Aqui no loteamento Hélio Jatobá, maior
periferia da cidade, conforme observamos no mapa a seguir.

75
Alguns dos requisitos para formalização do serviço de moto-táxi adotados localmente foram estabelecidos pela
Lei nº. 12.009, de julho de 2009, que regulamenta a profissão do moto-taxista e do motoboy. Expansão da
“cidadania regulada” (SANTOS, 1979) ou efeitos do “paradigma administrativo” (RIBEIRO, 1998) (uma vez
que a política do poder público municipal para o transporte de passageiro foi sendo reduzida à aplicação de
normas)? Como esse processo foi acompanhado pela distribuição de permissões para novos moto-taxistas, não
faltou também a percepção da “cidadania concedida” (SALES, 1992).
220

Mapa 73 – São Miguel dos Campos: Fixos da Caixa Econômica Federal (2016)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
221

Do total de 50 (cinquenta) beneficiárias do Bolsa Família que responderam aos nossos


questionários em São Miguel dos Campos, 30% eram mães solteiras, e apenas 13% destas
recebiam pensão dos pais dos filhos. O grau de escolaridade dessas beneficiárias ficou assim
distribuído: 14% analfabetas, 58% com o nível fundamental incompleto, 4% com o nível
fundamental completo, 10% com o nível médio incompleto, 10% com o nível médio
completo e 4% estavam cursando o ensino superior.
São pessoas que habitam, sobretudo, a parte alta da cidade, a cerca de 3 km do centro:
34% no Bairro Hélio Jatobá, 12% no Bairro de Fátima, 8% no Bairro Ester Soares Torres, 8%
no Bairro Novo São Miguel, 4% do Bairro Edgar Palmeira; o restante mora no centro ou em
bairros do entorno localizados na parte baixa da cidade. Somente 3% das beneficiárias
afirmaram que costumam receber no Caixa Aqui localizado no Bairro Hélio Jatobá. Dessa
forma, o fluxo de beneficiários no período de pagamento do PBF se dá, essencialmente, entre
a parte alta da cidade, onde estão os bairros mais pobres, e a parte baixa, onde ficam as Casas
Lotéricas.
Sem sombra de dúvidas, esse fluxo acabou sendo bastante facilitado pela existência
prévia de um sistema de transporte urbano realizado pelas vans da Associação dos Motoristas
Autônomos do Bairro de Fátima, à qual nos referimos no capítulo 3. Confirma esse nosso
raciocínio o trajeto que essas vans perfazem no espaço urbano, possível de ser observado no
mapa 74.
222

Mapa 74 - São Miguel dos Campos: Rota do transporte urbano (2016)

Fonte: Silva Neto (2016, p. 68).

Nossos trabalhos de campo revelaram que, no período de receber o Bolsa Família, a


grande maioria das beneficiárias circula nas vans da Associação para a área central da cidade.
Cerca de 80% das respondentes que habitam a parte alta da cidade disseram optar por esse
meio de transporte. Para tal escolha contribui, sobremaneira, o preço da passagem: em 2016,
esta custava R$ 1,75 para qualquer Bairro periférico, enquanto de moto-táxi a corrida custava
R$ 3,00. Desse modo, podemos afirmar que as formas de organização de um elemento do
circuito inferior (neste caso, o transporte organizado por uma associação local), viabilizaram
também a concretização do PBF em São Miguel dos Campos.
223

Todavia, nos anos recentes temos visto o poder público municipal pressionar
fortemente essa organização, como se ela não estivesse imbricada a uma combinação de
técnicas e de capitais pensada para atender às especificidades das populações pobres
miguelenses.
Se a Lei nº 1.066, de janeiro de 1999, atribuiu a SMTT o papel de administradora do
transporte público municipal de passageiros, foi somente com a estruturação dessa
Superintendência ao longo da primeira década do século XXI que a prefeitura passou a
conceder alvarás para os trabalhadores da Associação do Bairro de Fátima para “regularizar”
o transporte público no município. Pelo alvará cada trabalhador passou a pagar uma taxa
anual de R$ 58,00. Tiveram início, desde então, constantes processos de fiscalização das
condições dos veículos, da documentação dos motoristas etc.
Como a renovação do alvará é anual, a necessidade de comprar novos veículos se
tornou uma constante. Uma vez que a vinculação à Associação por si só não garante mais o
trabalho, cria-se uma tensão entre a organização da Associação e as normas públicas. O alvará
é concedido por um ano, mas a dívida com o veículo geralmente é feita para um prazo muito
maior (SILVA NETO, 2016, p. 67). Na prática, o trabalhador pode ficar sem o rendimento,
mas com as dívidas. O resultado é o empobrecimento cada vez maior dos trabalhadores do
serviço de transporte inserido no circuito inferior da economia urbana.
Tudo isso é feito utilizando-se como justificativa a necessidade de melhorar o
transporte público na cidade. Não se questiona a importância desse objetivo, mas sim o
porquê de a única solução apontada para isso ser sempre aumentar os níveis de capital da
atividade. Desconsidera-se, a um só tempo, as especificidades socioeconômicas da população
e a necessidade de que o poder público participe não somente com normas, mas também com
recursos para subsidiar o transporte.
De fato, questões como meia passagem para estudantes (já em vigor nos ônibus da
Transpam, por uma iniciativa da própria empresa), isenção para idosos, acessibilidade para
deficientes etc., precisam ser urgentemente implantadas76. Mas quem vai arcar com esses
custos? As beneficiárias do PBF, para as quais o valor de R$ 1,75 da passagem já é alto? Os
trabalhadores das vans, que já enfrentam longas jornadas de trabalho para fazer face ao
aumento dos custos fixos da atividade (SILVA NETO, 2016, p. 67)?

76
Ver reportagem: “MP recomenda estudo para melhorar transporte público em São Miguel”. Disponível em:
http://www.alagoasweb.com/noticia/40745-mp-recomenda-estudo-para-melhorar-transporte-publico-em-sao-
miguel Acesso em: junho de 2016.
224

No ano de 2012, teve início também o processo de “regularização” do serviço de


moto-táxi77. Somente os moto-taxistas vinculados à Associação de Motoqueiros Autônomos
de São Miguel dos Campos - AMAS foram autorizados pela SMTT a realizar o transporte de
passageiros com motos na cidade, e os demais passaram a ser declarados “ilegais”. No
momento da “legalização”, além da necessidade de toda documentação da moto estar em dia,
era exigido que ela tivesse no máximo 7 (sete) anos de uso. Como no caso do transporte
realizado pelas vans, com uma norma o poder público acabou pressionando para baixo os
rendimentos dos motoqueiros ao criar a necessidade de renovação constante do seu principal
equipamento de trabalho. Mais uma vez, o circuito inferior não é notado pela sua capacidade
política (por mais que esta seja evidente), mas como um problema a ser enfrentado.

5.2. O Programa Bolsa Família e as novas formas de reprodução do Espaço Dividido

Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Análises Econômicas e Sociais –


IBASE (2008) com 5 mil titulares do cartão do PBF, em 229 municípios selecionados dentre
as regiões brasileiras, constatou que o dinheiro das transferências faz aumentar
expressivamente o nível de consumo das beneficiárias. Estas (como, aliás, confirmaram
inúmeras outras pesquisas) destinam os valores que recebem para a compra de alimentação,
material escolar, vestuário, remédios, gás e pagamento de contas de água e energia elétrica. O
gasto com alimentação é, dentre todos eles, o principal: 87% dos entrevistados pelo IBASE
afirmaram que destinam o dinheiro para esse fim, porcentagem que na Região Nordeste
alcançou 91%.
A partir de nossos trabalhos de campo realizados em Porto Calvo, União dos Palmares
e São Miguel dos Campos chegamos a dados bastante semelhantes, com algumas
especificidades para cada cidade. Na tabela 31 vemos que o gasto com alimentação, por
exemplo, tende a ser maior em União dos Palmares e Porto Calvo em comparação com São
Miguel dos Campos, cidade onde as despesas com material escolar ocupam o primeiro lugar.
Outro aspecto que merece destaque é a utilização do Bolsa Família para pagar escolas para
filhos com menos de 5 anos de idade. Se por um lado isto indica como o Programa vem
contribuindo para generalizar a preocupação com a escolaridade entre as populações pobres,
revela também o acesso precário dessas mesmas populações aos demais direitos sociais.

77
Ver reportagem: “SMTT inicia processo de regularização de mototaxistas em São Miguel dos Campos.
Disponível em: http://www.alagoasweb.com/noticia/17068-smtt-inicia-processo-de-regularizacao-de-
mototaxistas-em-sao-miguel-dos-campos Acesso em: junho de 2016.
225

Tabela 31 – Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: Principais gastos com o
dinheiro do Programa Bolsa Família – PBF por parte das famílias beneficiárias (2015)
% de beneficiários que destina o dinheiro para esse fim
Destino do dinheiro
Porto Calvo* União dos Palmares** São Miguel dos Campos***
Alimentação 67% 74% 60%
Material escolar**** 52% 62% 62%
Vestuário 52% 45% 44%
Remédios 17% 2% 2%
Gás 10% 12% 20%
Escola privada para filho 10% 2% 6%
pequeno
Luz 7% 12% 10%
Água 7% 12% 8%
Aluguel 5% 0% 0%
Móveis e eletrodomésticos 0% 2% 0%
Pagamento de faculdade 0% 0% 2%
*As porcentagens foram calculadas com base no total de 42 beneficiárias que responderam ao questionário.
** As porcentagens foram calculadas com base no total de 66 beneficiárias que responderam ao questionário
***As porcentagens foram calculadas com base no total de 50 beneficiárias que responderam ao questionário
**** Engloba também fardamento escolar.
Fonte: Trabalho de campo (2015)
Organização: Fernando Silva (2017)

É importante mencionar que de todas as 158 (cento e cinquenta e oito) beneficiárias


que responderam aos nossos questionários nessas três cidades, apenas 17% em Porto Calvo,
6% em União dos Palmares e 12% em São Miguel dos Campos afirmaram que, antes do PBF,
já compravam tais bens com outro rendimento, e por problema de desemprego passaram a
participar do Programa. Uma beneficiária que entrevistamos na cidade de Porto Calvo, no
Bairro da Mangazala, resumiu bem como era difícil ter acesso aos bens mais básicos antes do
Bolsa Família:

[...] porque naquela época que a gente não tinha Bolsa Família a gente num
comprava o que a gente quer pros filhos da gente né. Hoje a gente [compra]
um remédio, eu mesmo compro remédio por meus filhos, compro calçado,
compro uma roupa pros meus filhos, já pago bojão né, às vezes eu não tenho
outra renda, já vou no dia e recebo e já compro uma mistura pra dentro de
casa né. Aí isso eu não vou dizer [que não é bom], eu gavo [elogio] o Bolsa
Família [...] Aí sempre o Bolsa Família melhorou a minha situação porque
naquela época que ninguém tinha Bolsa Família ninguém [comprava], a
gente comprava uma roupa quando né, quando às vez tinha um dinheiro a
mais, a gente cortava cana nera? Eu cortei muita cana naquela época, eu não
vou lhe dizer [que não], cortei muita, cortei e amarrei pra ajudar [em casa]. E
hoje em dia graças a Deus é o Bolsa Família né, eu não vou mentir. Eu
compro um perfume pra um, uma roupa pra um, um calçado pra outro (C. A.
S., 39 anos. Entrevista concedida em julho de 2016).
226

Em outras palavras, a maior parte dos que hoje são beneficiários do Programa na
Região não consumia regularmente os bens considerados básicos (como seguramente ocorria
em boa parte do Nordeste brasileiro). Mas, como o valor de cada benefício é pequeno, esse
consumo não é feito em grandes quantidades. Foi o que explicou uma beneficiária do Bairro
Nossa Senhora das Dores, periferia de União dos Palmares, quando perguntamos como ela faz
para passar um mês inteiro com apenas R$ 77,00: “De tudo eu compro um pedacinho: eu
compro mei rabo de sardinha, mei pedacinho de carne, e assim eu vou passando né” (J.M.S.,
53 anos. Entrevista concedida em julho de 2016).
Dessa forma, não há dúvidas quanto ao fato de que o PBF causa uma ampliação
significativa dos níveis de consumo em Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos
Campos, tanto porque torna-se praticamente impossível para qualquer beneficiária poupar
parte do valor que recebe por este ser muito baixo, como pela grande quantidade de famílias
que se tornaram beneficiárias nesses três municípios.
Inúmeras avaliações já foram realizadas no Brasil procurando “medir” as diversas
consequências econômicas do PBF78, como sintetizou Juliana Carolina Frigo Baptistella
(2012, pp. 10-14). A essas vieram somar-se estudos sobre os chamados impactos da
condicionalidade de saúde na nutrição e no peso das crianças beneficiárias, assim como da
condicionalidade de educação no desempenho escolar e na redução do trabalho infantil
(CAMPELLO e NERI, 2013). Da mesma maneira, como notaram, dentre outros, Walquiria
Leão Rêgo e Alessandro Pinzani (2013), não estão as mudanças na cidadania dos
beneficiários entre os principais efeitos do PBF? Tratando este Programa como um acontecer
político-institucional, qual dessas consequências devemos ressaltar?
Os autores que trataram a noção de evento ressaltaram que este, ao mesmo tempo em
que modifica a realidade pré-existente, enquanto dura fornece sua contribuição para novas
transformações na realidade (WHITEHEAD, 1994, p. 72; ELIAS, 1998, p. 57;
BACHELARD, 2007, p. 23). Neste sentido, Milton Santos (2009 [1996], p. 160) afirma que
“[...] um evento é uma causa de outro”, pelo fato de que um acaba se tornando um pré-
requisito para a existência do outro. O autor ressalta que só é possível analisar o evento dessa

78
Por exemplo, o estudo “Gasto com política social: alavanca para o crescimento com distribuição de renda”, do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (2011) constatou que cada R$ 1,00 transferido pelo PBF
implica em um aumento de R$2,25 na renda das famílias, valor que para o Benefício de Prestação Continuada –
BPC e para o Regime Geral da Previdência Social é de, respectivamente, R$ 2,20 e R$2,10. Dados como esses
vêm sendo usados na construção do discurso que visa a legitimar o programa perante a sociedade. Sem
desconsiderar os avanços que PBF conseguiu se apoiando nessa forma de construção da legitimidade, é
necessário sublinhar que esse discurso se alimenta em processos que buscam naturalizar o “Espaço Dividido”: no
limite transmite-se a ideia de que é possível acabar com a pobreza gastando pouco, sem alterar as formas de
apropriação da riqueza.
227

maneira se considerarmos o mundo como totalidade em movimento, porque embora os efeitos


de um acontecimento sejam sentidos somente em certos lugares (e mesmo quando se fazem
sentir em amplas escalas, seus efeitos não deixam de ser mais fortes em alguns lugares do que
noutros), o aproveitamento das oportunidades que sua concretização gerou hoje está à
disposição de agentes que atuam na escala planetária.
Ana Clara Torres Ribeiro e Catia Antonia da Silva (2004) explicam mais
detalhadamente essa relação entre causa e efeito no âmbito da dinâmica da totalidade ao
destacarem a ideia de duração organizacional dos eventos apresentada por Milton Santos. Por
exemplo, a privatização de uma empresa pública tem efeitos de longa duração sobre
determinada dinâmica socioespacial, uma vez que para que isso ocorra torna-se necessário
modificar leis, mexer no orçamento etc., além da necessidade de convencer a população de
que privatizar é a melhor solução. Como voltar atrás mais tarde? Dessa forma, ao se tornar
“[...] fato ou fatalidade, absorvido em leis, normas e referências institucionais para a conduta”,
o evento abre algumas possibilidades, mas fecha outras, ou seja, “[...] o evento que
desestrutura deve ser lido em sua capacidade de transformar-se em causa de novas mudanças,
tendo amplificados os seus impactos, por sua possibilidade de se tornar fato, ou seja, condição
–e, até mesmo, causa– de novos eventos” (RIBEIRO e SILVA, 2004, pp. 357-358 grifos no
original).
Para Howard Becker e Irving Horowitz (1977, p. 171), “[...] a determinação de causas
para os eventos tem um aspecto político”, porque quando se liga “[...] uma causa a um evento
ou a um estado de coisas, ao mesmo tempo lhe atribuem a culpa por ele”. É por isso que,
“uma análise adequada de como as coisas permanecem as mesmas é, assim, ao mesmo tempo,
uma análise de como mudá-las” (p. 174). Os autores afirmam que essa análise de como um
evento se torna a causa de outro traria à tona as intersecções entre a sociologia e a política.
Nós poderíamos afirmar que seria também entre a geografia e a ação política.
Em suma, nenhum evento que está em funcionamento é neutro. Não é este o foco da
análise marxista sobre o Estado (ENGELS, 1974), quando ressalta que uma lei, assim como
todo o aparato estatal preparado para garantir que ela se cumpra, é condição sine qua non para
a acumulação capitalista? Quando uma norma autoriza a privatização de uma empresa
pública, quem vai utilizar tal evento como oportunidade de lucro?
No caso do acontecer político-institucional, porém, a situação é diferente, porque o
próprio Estado (se o considerarmos na perspectiva gramsciana) assume o processo de
transformação da sociedade a partir de alterações racionais no curso da ação social que foi
naturalizada em determinada sociedade, ou seja, ele assume a condução da vida social,
228

abandonando a ideologia da neutralidade, e usa o seu poder de produzir normas


explicitamente para isso (GRAMSCI, 1978, p. 235; WEBER, 1970 [1918]); GRUPPI, 2000,
p. 67; RIBEIRO, 2014, p. 181). Com a imposição de racionalidades ao próprio espaço
geográfico essa condução implica utilizar eventos nos lugares como condição para um novo
tipo de cooperação entre os subespaços nacionais.
Desse modo, propomos que o acontecer político-institucional seja avaliado na sua
capacidade de servir ou não como condição ou causa de perpetuação do “Espaço Dividido”,
ou seja, em que medida ele possibilita alterar a realidade ou se apoia no que já está
naturalizado na sociedade e no território. Não é o caso de minimizar mudanças de menor
vulto nos sistemas urbanos de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos
condicionadas pelo PBF, mas de problematizar como tais mudanças se inserem na reprodução
da pobreza.

5.2.1. A reafirmação do circuito inferior na geração de trabalho e as novas formas de


atuação do circuito superior em Porto Calvo

Atualmente, segundo apontou Maria Laura Silveira (2009), a ampliação dos níveis de
consumo nos lugares mais pobres do País tem grandes consequências para a dinâmica dos
dois circuitos da economia urbana. A autora revela que as atividades do circuito superior
tendem a diminuir, por vários meios, a necessidade de utilização de mão de obra. Mas, por
outro lado, essas mesmas atividades terminam por se interessar pela demanda criada pela
elevação dos rendimentos dos mais pobres. Para conquistar os novos mercados os agentes do
circuito superior da economia se utilizam da informação (principalmente da propaganda) e de
produtos financeiros específicos. Observamos, desse modo, esse circuito construir novas
relações com as cidades brasileiras, alterando também a distribuição de seus estabelecimentos
nos espaços urbanos.
Conforme demonstrou Marina Regitz Montenegro (2011) para as situações de São
Paulo, Brasília, Fortaleza e Belém, o circuito inferior tende a arcar com o ônus desse
processo, porque além de perder uma parte da clientela, os preços praticados pelo circuito
superior, assim como os novos gostos por este difundidos, acabam servindo como parâmetro
para os pequenos negócios. Os pobres passam a ter jornadas mais longas de trabalho,
consumir mais no circuito superior e, por conseguinte, a empobrecer cada dia mais.
Como resultado dessas novas formas de concorrência e complementaridade entre os
dois circuitos, segundo revelou a pesquisa de Marcos de Moraes Xavier (2009), todo o
229

sistema de distribuição de produtos (notadamente de mercearia básica) assumido por


atividades pertencentes ao circuito superior, mas dependente dos pequenos comércios para
chegar ao consumidor final, precisa se adaptar completamente para assegurar sua reprodução.
A partir dos dados levantados em nossos trabalhos de campo foi possível constatar que
a demanda criada pelo PBF por certos bens básicos possibilitou novas relações das
populações mais pobres de Porto Calvo com determinados comércios do circuito superior por
intermédio do consumo. Podemos observar no quadro 19 que as atividades desse circuito
passaram a atuar especialmente na venda de produtos alimentares e escolares, ramos nos quais
se concentra a maior parte dos gastos das beneficiárias do Bolsa Família.
230

Quadro 19: consumo dos beneficiários do Bolsa Família nos elementos dos dois circuitos da economia
urbana de Porto Calvo – AL (2015)
Consumo de alimentação
Onde compra* % que compra Motivo % que alegou o
no comércio motivo
Menor preço 67%
Comércio do circuito superior filiado à Existência de crediário 20%
60%
Rede Smart próprio do estabelecimento
Faz entrega 13%
Menor preço 60%
Comércios do circuito superior Existência de crediário 20%
20%
independentes próprio do estabelecimento
Faz entrega 20%
Menor preço 20%
Comércios do circuito inferior 20%
Compra fiado 80%
Material escolar
Onde compra** % que compra Motivo % que alegou o
no comércio motivo
Menor preço 36%
Comércios do circuito superior Existência de crediário 55%
69%
independentes próprio do estabelecimento
Não informou 9%
Menor preço 20%
Comércios do circuito inferior 31% Compra fiado 60%
Não informou 20%
Vestuário
Onde compra*** % que compra Motivo % que alegou o
no comércio motivo
Menor preço 81%
Comércios do circuito inferior 100%
Compra fiado 19%
Remédios
Onde compra**** % que compra Motivo % que alegou o
no comércio motivo
Comércios do circuito superior 44% Menor preço 100%
independentes
Menor preço 40%
Comércios do circuito inferior 56% Compra fiado 40%
Proximidade da residência 20%
Gás
Onde compra***** % que compra Motivo % que alegou o
no comércio motivo
Supermercado do circuito superior 100% Faz entrega 100%
vinculado à Rede Smart
*25 beneficiárias, do total de 28 que usam o dinheiro para comprar alimentação, disseram onde compram
**16 beneficiárias, do total de 22 que usam o dinheiro para compra de material escolar, disseram onde compram
***16 beneficiárias, do total de 22 que usam o dinheiro para compra de vestuário, disseram onde compram
****9 beneficiárias, do total de 13 que usam o dinheiro para compra de remédios, disseram onde compram
*****1 beneficiária, do total de 4 que usam o dinheiro para compra do gás, disse onde compram
Fonte: Trabalho de campo (2015)
Organização: Fernando Silva (2017)
231

Os preços praticados e as formas de crédito ofertadas são os fatores que mais pesam na
escolha das beneficiárias. Nos ramos em que o circuito superior consegue oferecer preços
mais baixos, ao circuito inferior resta uma pequena parcela dessa nova demanda. Assim, com
exceção do consumo de vestuário, que tem se dado preponderantemente nos pequenos
negócios, é a possibilidade de se utilizar do fiado que ainda faz com que uma parte das
beneficiárias compre alimentação, material escolar e remédios nos comércios do circuito
inferior, mesmo que às vezes seja preciso pagar preços mais elevados.
Para o consumo de alimentação, um supermercado local filiado à Rede Smart é o mais
procurado. De acordo com Marcos de Moraes Xavier (2009, p. 153), essa Rede foi criada no
ano 2000 pelo Grupo Martins, uma das maiores empresas do ramo atacadista distribuidor do
Brasil surgida em Uberlândia-MG, com o objetivo de conceder aos varejistas independentes
apoio nas áreas de comercialização, tecnologia e capital, garantindo assim a reprodução da
clientela do seu atacado. Além de usar a marca Smart em suas propagandas na Rádio Calabar
e em carros de som pelas ruas da cidade, esse supermercado de Porto Calvo pratica um preço
que é, inclusive na opinião dos seus principais concorrentes, o mais baixo da cidade. Dessa
forma, a busca desenfreada pelo menor preço que verificamos entre as populações mais
pobres de Porto Calvo, justificada pelo baixo valor do benefício do PBF, facilita a política
dessa empresa.
Os supermercados do circuito superior da cidade também vêm ofertando formas
particulares de crédito que, segundo o que foi possível percebermos em entrevistas,
corresponde a uma espécie de “formalização do fiado”. Em um deles, por exemplo, o
proprietário criou um sistema online para registrar os dados dos clientes que compram para
pagar a prazo, onde constam dados como endereço, números de documentos de identificação
e valores de débito dos clientes. Para termos uma ideia da importância desse sistema, cerca de
250 (duzentos e cinquenta) pessoas compram para pagar mensalmente um total aproximado
de R$ 100.000,00, o que equivale à quase 20% das vendas totais do estabelecimento. É
importante mencionar que, do total de beneficiárias que responderam aos nossos
questionários, somente 29% possuíam cartão de crédito, que usavam regularmente para a
compra de alimentação, e mais 14% compravam em cartão de amigos. Daí que no
supermercado citado o volume de vendas no crediário próprio seja cerca de 20% superior às
vendas no cartão de crédito.
Por outro lado, são sobretudo as atividades do circuito inferior da economia urbana
portocalvense que oferecem ocupação e renda aos chefes das famílias beneficiárias do Bolsa
Família. Vejamos a tabela 32.
232

Tabela 32 - Porto Calvo: formas de trabalho dos (as) chefes de famílias beneficiárias do PBF
pesquisadas (2015)
Trabalho Total
Trabalhadores/proprietários de pequenos negócio do 5
circuito inferior
Trabalhadores de estabelecimentos de comércios e 1
serviços do circuito superior (com carteira assinada)
Trabalhadoras domésticas e faxineiras (sem Carteira 5
de Trabalho assinada)
Trabalhadores da construção civil (sem Carteira de 5
Trabalho assinada)
Trabalhadores que vivem de bicos em diversas 4
atividades
Trabalhadores de usinas (com Carteira de Trabalho 4
assinada)
Trabalhadores rurais (sem Carteira de Trabalho 6
assinada)
Pedinte de rua 1

Desempregado 4
Donas de casa 6

Não informou 1
Total 42
Fonte: trabalho de campo (2015-2016)
Organização: Fernando Silva (2017)

A grande maioria, como fica claro, trabalha em atividades pertencentes ao circuito


inferior da economia urbana. A partir de uma combinação específica de técnica, capital e
organização verificamos que esse circuito também busca atender a demanda criada pelo PBF,
todavia veremos que se trata de uma combinação que se baseia no uso intensivo de mão de
obra. São outras formas de relação com o sistema urbano de Porto Calvo, revelando-nos que
mesmo quando não estão organizados em associações, por exemplo, os pobres não deixam de
fazer política.
Segundo dados da Receita Federal (BRASIL, 2016a), em 2007 existia um total de 226
Micro e Pequenas Empresas – MPE’s em Porto Calvo, número que em 2016 era de 932. Os
maiores percentuais desse total eram do ramo do comércio varejista de artigos de vestuário e
acessórios (13%), do comércio varejista de produtos alimentícios (8%), e do comércio
varejista de mercadoria em geral com predominância de produtos alimentícios (8%). O
número de Micro – Empreendedores Individuais, por sua vez, que era somente de 32 em
2010, alcançou o total de 419 em 2016: 15% desse total comercializava artigos de vestuário e
233

acessórios, 9% produtos alimentícios e 5% estavam classificados no ramo do comércio


varejista em geral com predominância de produtos alimentícios79.
Do total de 40 (quarenta) proprietários de pequenos negócios que pesquisamos em
Porto Calvo, a maior parte iniciou a atividade por conta de desemprego ou para complementar
a renda (57%), sendo que a escolha do tipo e do ramo da atividade se deu, sobretudo, por já se
ter um conhecimento prévio sobre como desenvolver o trabalho (45%), em função do
aumento da demanda na cidade (20%) e pela menor exigência de capital para iniciar o
trabalho (5%). Constatamos, assim, que mesmo o grau de escolaridade formal desses
trabalhadores sendo baixo (50% têm ensino fundamental incompleto, 7% fundamental
completo, 33% médio completo, 5% superior completo e o restante não informou), isto não
impede que as formas de trabalho que eles sabem desenvolver estejam em plena sintonia com
as necessidades da grande maior parte da população de Porto Calvo.
Quanto ao capital necessário para iniciar o trabalho, 75% começaram com capital
próprio, e somente 10% obtiveram empréstimo em banco. Vale mencionar que 5% iniciaram a
atividade praticamente sem nenhum capital, somente alugando um ponto no centro de Porto
Calvo (o restante não informou).
A flexibilidade do sistema urbano portocalvense facilitou a instalação de atividades do
circuito inferior na área central da cidade: 20% dos trabalhadores pesquisados utilizam a
calçada como ponto (geralmente com um pequeno carro móvel, que desloca para casa ao final
de cada dia), mesma porcentagem que se utiliza da própria residência (já que no centro de
Porto Calvo os prédios são usados tanto para a habitação como para o trabalho), enquanto os
60% restantes desenvolvem o trabalho em pontos exclusivos para esse fim. Mas, mesmo no
caso destes últimos, somente metade paga aluguel. Os valores pagos pela locação dos
imóveis, embora altos para atividades pouco capitalizadas, são acessíveis: 58% pagam menos
de R$ 700,00 por mês, e somente 1 trabalhador informou pagar mais de R$ 1.000,00 de
aluguel.
Lembramos que se a procura do menor preço pelas beneficiárias do PBF se converte
em uma subordinação indireta do circuito inferior ao circuito superior é somente pelo fato de
ambos os circuitos disputarem um mercado único (embora segmentado), e essa mesma
disputa termina se convertendo em uma subordinação direta das pequenas atividades, porque
estas necessitam, na maior parte dos casos, comprar do sistema superior os produtos e
insumos com os quais trabalham. Para Maria Laura Silveira (2015, p. 256), trata-se de uma

79
Todos os dados são relativos a dezembro de cada ano.
234

complementaridade hierárquica entre os dois circuitos, porque embora um atacado


distribuidor ou um banco, por exemplo, precise do circuito inferior para continuar obtendo
altos lucros, este último circuito somente segue os prazos, as condições de pagamento, os
juros etc., estabelecidos por aqueles agentes. Nessa complementaridade, lembra a autora, as
normas públicas não são neutras, uma vez que são indispensáveis para garantir que as
empresas não sejam “incomodadas” na sua ação instrumental.
As cidades de origem dos produtos comercializados no circuito inferior portocalvense
estão representadas no mapa 75 (além do próprio município de Porto Calvo, que apareceu em
38% das respostas). De maneira geral, Porto Calvo, as demais cidades da Região Canavieira,
bem como Arapiraca, aparecem principalmente no ramo do comércio de produtos
alimentícios80, enquanto que das cidades de Pernambuco (especialmente Caruaru e Toritama)
vêm os produtos para o pequeno comércio varejista de vestuário. As demais cidades
participam com produtos de outros ramos, que são comprados através de representantes e pela
internet.

80
Abordaremos sobre o desenvolvimento do ramo atacadista distribuidor em algumas cidades da Região
Canavieira de Alagoas no próximo capítulo.
235

Mapa 75 – Porto Calvo: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos trabalhadores do


circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área central (2015)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
236

Os trabalhadores pagam esses produtos principalmente à vista (78%), no boleto


bancário (33%) e no cartão de crédito (10%), sendo o uso do fiado (3%) e do cheque (3%)
bastante restrito. Essa realidade é bem diferente quando tratamos das relações horizontais
(SILVEIRA, 2015, p. 256) do circuito inferior com sua clientela: 83% das pequenas
atividades pesquisadas no centro de Porto Calvo vendem fiado, sendo que em 27% destas
mais da metade das vendas totais é realizada para pagar mensalmente na confiança. Por outro
lado, somente 20% delas aceitam pagamento através de cartão de crédito, e muito menor
ainda é a porcentagem em que predomina esta forma de pagamento: 3%.
É por isso que na dependência de distribuidores do circuito superior encontram-se, a
um só tempo, as possibilidades de reprodução e as causas de empobrecimento dos pequenos
negócios. Ilustra bem essa contradição a situação de um pequeno mercadinho localizado no
centro de Porto Calvo, que registramos na foto 5.

Foto 5 – Mercadinho do circuito inferior no centro de Porto Calvo especializado na venda de cesta de
alimentos

Fonte: trabalho de campo (2015)

O mercadinho foi montado praticamente sem nenhum investimento inicial: seu


proprietário, depois de alugar um ponto que serve, ao mesmo tempo, para o trabalho e para a
residência, começou a comprar produtos alimentícios de atacadistas distribuidores de Porto
Calvo, União dos Palmares, Maceió e Arapiraca para pagar mensalmente no boleto bancário.
Para conseguir mercado para seus produtos, o trabalhador, com a ajuda da sua esposa que
cuida do ponto, monta as cestas básicas e sai pela área rural de Porto Calvo e dos municípios
vizinhos para vender fiado. Para isso teve de comprar uma moto, e chega a trabalhar mais de
237

12 (doze) horas por dia. Ele tem perto de uma centena de clientes, vende mensalmente cerca
de R$ 60.000,00 (praticamente 100% fiado), mas até agora não conseguiu obter lucro algum
por conta das despesas que adquiriu com a compra da moto e com a manutenção desta. Sem
falar que há um descompasso entre as exigências dos atacadistas e as especificidades de sua
clientela: quando, por algum motivo, algum cliente não pode pagar toda a dívida no prazo
combinado, fica difícil pagar o boleto em dia e, em consequência, levar uma nova cesta básica
para o cliente. Não resta muitas opções: endivida-se cada vez mais ou perder clientes, o que
muitas vezes pode significar perder também as amizades e o trabalho. Por outro lado, os
clientes que confiaram na possibilidade de comprar fiado em alguma eventualidade podem
ficar, ao mesmo tempo, sem dinheiro e sem alimentos.
Dessa forma, a complementaridade hierárquica com o circuito superior tende a
pressionar as relações tradicionais que une as atividades às populações do circuito inferior por
intermédio do consumo. Esse processo, ao passo em que nos esclarece sobre a intensidade da
exploração contemporânea do circuito superior sobre o circuito inferior, torna mais nítido
como não somente do lado do consumo, mas também do trabalho, a dinâmica do sistema
inferior está colada à realidade da sociedade e do território portocalvenses. Nas atividades
pesquisadas trabalham, em média, 3 (três) pessoas em cada uma, e em 53% delas usa-se mão
de obra familiar. Pode-se argumentar que essa média é baixa, “[...] mas, em compensação, o
número global de pessoas ocupadas é considerável” (SANTOS, 2008 [1975], p. 45). Na
realidade, podemos afirmar que a reprodução das atividades do circuito inferior se baseia cada
vez mais na utilização da mão de obra disponível (MONTENEGRO, 2011, p. 247).
Nos casos em que os próprios agentes do circuito inferior da economia urbana são
responsáveis pela distribuição e comercialização dos seus produtos, ou até mesmo pela
produção, observamos uma situação bastante diferente. O exemplo principal nesse sentido são
os pequenos comércios de fardamentos escolares, produzidos na própria cidade81, e de peças
de vestuário em geral, que são comprados diretamente nas cidades pernambucanas de Caruaru
e Toritama. Em ambos os casos os negócios do circuito inferior podem oferecer o menor
preço e sofrer, na sua relação com as populações pobres, menos interferência do circuito
superior. Abordaremos melhor como isso vem se dando a partir da situação de União dos
Palmares, onde o processo tomou, sem sombra de dúvidas, proporções bem maiores.

81
A produção de fardamento escolar em Porto Calvo é realizada principalmente pela Associação das Costureiras
de Porto Calvo – ASSOCIART. Criada em 2004, essa associação reúne 36 costureiras que trabalham tanto na
sua sede, localizada em um prédio cedido pela prefeitura municipal, como em suas próprias residências. Segundo
as informações que obtivemos com as costureiras, a fabricação de fardamento escolar representa parte
significativa da produção total da Associart, havendo demanda até de municípios vizinhos, como Matriz de
Camaragibe e Maragogi.
238

5.2.2. O avanço do circuito superior em áreas selecionadas e a pulverização dos pequenos


negócios no espaço urbano de União dos Palmares

A distribuição dos gastos das beneficiárias do PBF de acordo com o circuito da


economia urbana em União dos Palmares assemelha-se ao que vimos para a cidade de Porto
Calvo, conforme é possível observar no quadro 20.
239

Quadro 20: consumo dos beneficiários do Bolsa Família nos elementos dos dois circuitos da economia
urbana de União dos Palmares – AL (2015)
Alimentação
Onde compram* % que compra no Motivo % que alegou
comércio o motivo
Comércio do circuito superior 32% Menor preço 100%
pertencente à rede de lojas
Menor preço 82%
Proximidade de onde recebe 7%
Comércios do circuito superior PBF
66%
independentes Existência de crediário próprio 7%
do estabelecimento
Não informou 4%
Menor preço 18%
Comércios do circuito inferior 27% Compra fiado 55%
Proximidade da residência 27%
Material escolar
Onde compram** % que compra no Motivo % que alegou
comércio o motivo
Menor preço 90%
Comércios do circuito superior Existência de crediário próprio 5%
66%
independentes do estabelecimento
Não informou 5%
Menor preço 46%
Compra fiado 9%
Comércios do circuito inferior 34%
Proximidade da residência 36%
Não informou 9%
Vestuário
Onde compram*** % que compra no Motivo % que alegou
comércio o motivo
Comércios do circuito superior de 4% Menor preço 100%
Maceió
Comércios do circuito superior 10% Existência de crediário próprio 100%
independentes do estabelecimento
Menor preço 96%
Comércios do circuito inferior 86% Compra fiado 4%
Gás
Onde compram**** % que compra no Motivo % que alegou
comércio o motivo
Comércios do circuito superior 100% Existência de crediário próprio 100%
vinculados a distribuidores do estabelecimento
Remédios
Onde compram***** % que compra no Motivo % que alegou
comércio o motivo
Comércios do circuito superior 100% Menor preço 100%
vinculados a redes (franquias)
*41 beneficiárias, do total de 49 que usam o dinheiro para compra de alimentação, disseram onde compram
**29 beneficiárias, do total de 42 que usam o dinheiro para compra de material escolar, disseram onde compram
***28 beneficiárias, do total de 30 que usam o dinheiro para compra de vestuário, disseram onde compram
****3 beneficiárias, do total de 7 que usam o dinheiro para compra de gás, disseram onde compram
*****2 beneficiárias, do total de 3 que usam o dinheiro para compra de remédios disseram onde compram
Fonte: Trabalho de campo (2015)
Organização: Fernando Silva (2017)
240

Todavia, em União dos Palmares, se o grande mercado gerado pelo PBF acabou
despertando o interesse de firmas regionais e nacionais, a distribuição desse mercado por
grandes periferias, somada às dificuldades de transporte, tornaram-se o motor de uma
verdadeira pulverização das atividades do circuito inferior no espaço urbano, principalmente
das atividades comerciais82. Podemos ver no quadro que as beneficiárias do Bolsa Família
gastam no circuito inferior não apenas pela possibilidade de comprar fiado e de conseguir o
menor preço, mas também pela maior proximidade do comércio em relação às suas
residências.
Criado em 200683 pelo Grupo Walmart, a rede de Supermercados Todo Dia inaugurou
uma loja em União dos Palmares em 2012. Trata-se de um comércio projetado para a
população de menor poder aquisitivo, que aposta na oferta de baixos preços e na
desburocratização do crédito para conquistar o mercado constituído pelas populações mais
pobres. Desde a inauguração dessa loja, um carro de som circula pelas ruas da cidade
divulgando as principais ofertas, e alguns trabalhadores do supermercado assumiram
exclusivamente a função de oferecer e encaminhar pedidos de cartão de crédito. Ainda assim,
as nossas pesquisas revelaram que as compras das beneficiárias do PBF nesse supermercado
são, sobretudo, à vista, em virtude do medo de se endividar e do baixo valor do benefício do
PBF: 27% das beneficiárias que pesquisamos possuem cartão de crédito, sendo que mais 18%
usam, eventualmente, o cartão de crédito de amigas. Em ambos os casos elas compram,
essencialmente, alimentação.
É também em virtude do menor preço que as compras de remédios são realizadas
principalmente na Farmácia do Trabalhador do Brasil. Essa rede de farmácias surgiu na
cidade de Garanhus (PE), e mira, sobretudo, a população mais pobre da Região Nordeste,

82
Escrevendo na década de 1970, Milton Santos (2008 [1975], pp. 214-215) explicou que “[...] tal pulverização
das atividades de comércio tem explicações geográficas e socioeconômicas. De um lado, os habitantes dos
bairros pobres compram no local; o preço dos transportes não lhes permite ter acesso ao comércio moderno,
freqüentemente situado no centro das cidades ou nos seus arredores. A densidade e a distribuição das lojas estão
calcadas nas possibilidades de deslocamento a pé da clientela. De outro lado, a dimensão dos comércios é uma
adaptação a um consumo pequeno e irregular. A venda em microvarejo permite ao cliente pobre, que só dispõe
de magras rendas no dia-a-dia, abastecer-se em pequenas quantidades. Mas, é sobretudo o crédito, mais
difundido em certas zonas residenciais que no centro, que permite a vida do pequeno comércio”. Hoje em dia
tudo indica que o consumo das populações mais pobres de União dos Palmares se divide cada vez entre o
pequeno comércio do próprio bairro e os comércios do circuito superior da área central, e para que isso ocorra o
PBF contribui de maneira significativa.
83
A primeira loja do Supermercado Todo Dia foi inaugurada em Alagoas em 2011 em Maceió, em um dos
bairros mais populosos e pobres desta cidade. No Brasil, existem um total de 179 lojas, sendo 127 na Região
Nordeste e 13 no Estado de Alagoas (dados disponíveis no site da empresa). Trataremos da topologia desse
supermercado na Região Canavieira de Alagoas no próximo capítulo.
241

buscando oferecer remédios e medicamentos a baixo preço. Desde 2014, a Farmácia do


Trabalhador atua também por meio de franquias (franchising)84. Para poder utilizar uma
marca que ficou conhecida como sinônimo de baixo preço, é preciso deixar a decisão sobre
vários aspectos da combinação técnica, organizacional e de capital do estabelecimento nas
mãos da matriz dessa empresa. Em União dos Palmares existem dois estabelecimentos dessa
farmácia, sendo que um deles, que já atuava antes no ramo farmacêutico, funciona no sistema
de franquia. Desse modo, a política de uma empresa (SILVEIRA, 2016, pp. 37-40),
autorizada por uma norma pública e viabilizada pelo uso intensivo da propaganda, tem
possibilitado que uma grande parcela do gasto com remédios das beneficiárias palmarinas seja
drenado para uma grande rede de farmácias.

Foto 6 – Farmácia de União dos Palmares (início de 2000)


Foto 7 – Franquia da Farmácia do Trabalhador em antigo ponto de uma farmácia local (2016)

Fonte: José Marcelo (arquivo pessoal) Fonte: trabalho de campo (2016)

Essas novas formas organizacionais de atuação do circuito superior (SILVEIRA, 2004,


p. 8) na cidade são bastante poupadoras de mão de obra, uma vez que se aproveitam, muitas
vezes, da infra-estrutura dos comércios já existentes, e mesmo quando constroem novos
estabelecimentos, estes são por demais simples. A grande maioria das beneficiárias do PBF
que pesquisamos informou que suas famílias sobrevivem de atividades do circuito inferior da
economia urbana, como podemos notar na tabela 33:

84
O sistema de franquias foi regulado pela Lei nº. 8.955, de dezembro de 1994. Segundo esta lei, “franquia
empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente,
associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente,
também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional
desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique
caracterizado vínculo empregatício” (Art. 2º.)
242

Tabela 33 - União dos Palmares: formas de trabalho dos (as) chefes de famílias beneficiárias do PBF
pesquisadas (2015)
Trabalho Total
Trabalhadores/proprietários de pequeno negócio do 10
circuito inferior
Trabalhadores de estabelecimentos de comércios e 3
serviços do circuito superior (com Carteira de Trabalho
assinada)
Trabalhadoras domésticas e faxineiras (sem Carteira de 12
Trabalho assinada)
Trabalhadores da construção civil (sem Carteira de 10
Trabalho assinada)
Trabalhadores que vivem de bicos em diversas 11
atividades
Funcionários públicos 2
Trabalhadores de usinas (com Carteira de Trabalho 2
assinada)
Trabalhadores rurais (sem Carteira de Trabalho 6
assinada)
Pedinte de rua 1
Desempregado 6
Donas de casa 3
Total 66
Fonte: trabalho de campo (2015-2016)
Organização: Fernando Silva (2017)

Somente 3 (três) delas disseram que os chefes de famílias trabalham em atividades que
constatamos pertencer ao circuito superior da economia urbana palmarino. Tudo isso, somada
à falência da Usina Lajinha, decretada em 2012, conferem um papel importantíssimo aos
pequenos negócios na geração de ocupação e renda. Sem sombra de dúvidas, essa é uma das
cidades da Região Canavieira de Alagoas, depois de Maceió, em que o circuito inferior mais
vem crescendo.
Em 2007, tínhamos um total de 651 Micro e Pequenas Empresas – MPE’s em União
dos Palmares, número que em 2015 era de 2.504, ou seja, houve um aumento de quase quatro
vezes. A maior parte dessas empresas é do ramo do comércio varejista de vestuário e
acessórios (13%), do comércio varejista de mercadorias em geral com predominância de
produtos alimentícios (10%), e do comércio varejista de produtos alimentícios, bebidas e
fumo (9%). Verificamos uma distribuição semelhante no caso dos Micro – Empreendedores
Individuais – MEI’s. Em 2010 existiam 204 MEI’s nessa cidade, enquanto que em 2015 já
eram 1.332, sendo 14% do comércio varejista de vestuário e acessórios, 10% do comércio
varejista de mercadorias em geral com predominância de produtos alimentícios e 8% do
243

comércio varejista de produtos alimentícios, bebidas e fumo (BRASIL, 2016a)85. Em ambos


os casos (com exceção dos serviços de cabeleireiro, manicure e pedicure que no caso dos
MEI’s ocupam a segunda posição) trata-se das maiores porcentagens entre os diversos ramos
dos pequenos negócios formalizados.
Os pequenos negócios em União dos Palmares concentram-se principalmente em duas
áreas: no centro e nas principais ruas do Bairro Roberto Correia de Araújo, periferia da
cidade.
Do total de 47 (quarenta e sete) proprietários de pequenos negócios que responderam
aos nossos questionários na área central, 45% começaram o trabalho por conta do
desemprego, 19% para complementar a renda, 6% pela vontade de ter o próprio negócio e o
restante relatou outros motivos. Justificando a escolha do tipo e do ramo da atividade, esses
trabalhadores apontaram principalmente o aumento da demanda na cidade (34%), o
conhecimento prévio que eles já tinham sobre como desenvolver o trabalho (28%), a
indicação de amigos ou parentes (15%), a maior facilidade de entrada por conta da menor
exigência de capital (2%) e a possibilidade de trabalhar na própria residência (2%) (o restante
apresentou outras justificativas). A grande maioria deles deu início ao trabalho com capital
próprio (62%), sendo a porcentagem dos que obtiveram empréstimo bancário para isso (13%)
muito próxima da dos que começaram sem capital algum (11%). Além dos 5% que não
informaram, o restante obteve empréstimos com pessoas de confiança.
Já na periferia da cidade pesquisamos um total de 35 (trinta e cinco) negócios, dos
quais 54% tiveram início devido ao desemprego, 29% para complementar a renda, 9% pela
vontade de ter o próprio negócio e o restante por outras razões. Nesse caso, o conhecimento
prévio do ramo foi apontado como justificativa por 51% dos trabalhadores para escolha do
trabalho, seguido pelo aumento da demanda na cidade (17%) e pela maior facilidade de
entrada em termos de exigência de capital (6%). O restante citou outros motivos. Nessa área
da cidade 69% dos negócios foram iniciados com capital próprio, enquanto que o empréstimo
bancário foi usado em 13% dos casos. A porcentagem dos que conseguiram empréstimo com
alguém de confiança foi igual à dos que começaram sem nenhum capital (9%).
Nas duas situações a escolaridade dos trabalhadores mostrou-se um pouco mais
elevada do que em Porto Calvo, e do total de 82 (oitenta e duas) atividades pesquisadas ficou
assim distribuída: 6% de analfabetos, 40% com nível fundamental incompleto, 2% com
ensino fundamental concluído, 9% apresentaram o grau médio incompleto, 29% concluíram o

85
Todos os dados são relativos a dezembro de cada ano.
244

ensino médio, 4% estavam cursando o ensino superior e 10% já haviam terminado um curso
de nível superior. Esses dados indicam que, hoje em dia, é cada vez mais nesse subsistema
econômico que tanto os trabalhadores analfabetos, ou apenas com a educação básica
concluída, como uma parte importante da mão de obra qualificada de União dos Palmares tem
encontrado ocupação e renda. Isso ocorre porque no circuito inferior a educação formal não é
utilizada como um fator de exclusão ou inclusão do trabalhador. Daí que as ameaças de
instrumentalização da educação estejam muito mais distantes do que no caso do circuito
superior.
Sendo, ao mesmo tempo, causa e consequência da pobreza, a existência de grandes
áreas periféricas em União dos Palmares passou a revelar cada vez mais a sua importância
para a reprodução dos pequenos negócios. Se na área central 69% dos trabalhadores que têm
despesa com aluguel pelo uso do local onde desenvolvem a atividade pagam até R$ 500,00,
essa porcentagem chega a 86% no Bairro Roberto Correia de Araújo. Sem falar que neste
Bairro periférico 29% dos negócios funcionam na própria residência, porcentagem que é de
apenas 11% no caso do centro. Devido à valorização do centro pelo avanço do circuito
superior, observamos que em certas ruas tem restado às atividades pouco capitalizadas a
possibilidade de uso das calçadas (17% no caso do centro, contra 6% na periferia), ou mesmo
de atuar como vendedor móvel, como é o caso de um comerciante de balas, doces e pipocas
que encontramos que vai atrás dos beneficiários do PBF dentro da própria Casa Lotérica.

Foto 8 – Uso da calçada por barracas e carrinhos do circuito inferior no centro de União dos Palmares
Foto 9 – Venda de produtos de bomboniere em uma Casa Lotérica do centro de União dos Palmares

Fonte: trabalho de campo (2016)


245

Nas duas situações a convivência “pacífica” com elementos do circuito superior da


economia urbana é assegurada por certa flexibilidade das normas públicas municipais, que
não impõem restrições à atuação dos agentes do circuito inferior. Também em ambas exige-se
dos trabalhadores jornadas diárias mais longas e mais duras: por exemplo, percorrer todo dia
cerca de 7 km a pé empurrando um carrinho com os equipamentos e produtos de trabalho da
residência até o centro, e vice-versa, ou ficar o dia inteiro andando pelas ruas do centro em
busca de clientes.
Foi no ramo de comercialização de vestuário que verificamos maiores possibilidades
de os pequenos negócios se instalarem na área central de União dos Palmares, assim como de
atraírem a maior parte do consumo das beneficiárias do PBF. Aqui o circuito inferior oferece
deveras o menor preço. Constatamos que o Bolsa Família vem condicionando uma mudança
importante nos comércios desse ramo na Região Canavieira, que toma grandes proporções em
União dos Palmares: trata-se da instalação das lojinhas de preço único, as chamadas “lojinhas
de R$5,00 e de R$ 10,00”. Se em Porto Calvo detectamos a existência de 2 (duas) lojas desse
tipo, e um total de 3 (três) em São Miguel dos Campos, em União dos Palmares
contabilizamos uma dezena delas, sendo 9 (nove) na área central e 1 (uma) na periferia da
cidade instalada ao lado da Casa Lotérica justamente para atrair as beneficiárias do PBF.

Fotos 10 e 11 – Lojinhas de preço único no centro de União dos Palmares

Fonte: trabalho de campo (2016)


246

A proprietária de uma dessas lojinhas que respondeu aos nossos questionários paga
R$1.000,00 de aluguel e ainda assim consegue obter lucro. Para iniciar o negócio foi
necessária a quantia de R$ 8.000,00, gastos quase totalmente em peças de vestuários
compradas na cidade de Caruaru (PE). Ela explicou que embora as peças sejam vendidas por
um preço baixo, fazendo com que o lucro obtido em cada peça seja pequeno, o que importa é
o volume total das vendas, assim como o fato de praticamente toda clientela, constituída
majoritariamente por beneficiárias do PBF, pagar à vista. É um mercado cativo, pois como
essa proprietária afirmou, quase sempre as clientes que recebem Bolsa Família afirmam: “se
não fosse o Bolsa Família e essas lojinhas eu não sei como ia vestir meus filhos”.
De vários pontos de vistas essa realidade revela-nos mudanças importantes na
dinâmica das atividades de comercialização de vestuário inseridas no circuito inferior da
economia urbana de União dos Palmares, bem como das demais cidades da Região Canavieira
de Alagoas. Da venda fiado nas feiras-livres da cidade, ou mesmo no comércio que se
realizava na Usina Lajinha até o início dos anos 2000 (sobretudo para receber de acordo com
o calendário de pagamento desta empresa e da Previdência Social), à venda à vista nas
lojinhas de preço único, principalmente nos dias de pagamento do PBF, as transformações são
vistas não somente na localização e nas formas de uso do espaço urbano, mas também na
equação de lucro desses agentes e na relação com a clientela. No primeiro caso o lucro era
elevado por unidade e pequeno no conjunto (SANTOS, 2008 [1975], pp. 244-248), devido ao
pequeno número de clientes para cada vendedor; enquanto no segundo caso o lucro é obtido
por uma equação inversa, embora globalmente seja também pequeno, mesmo porque
aumentam as despesas fixas e o número de vendedores, inicialmente reduzido, tende a
crescer. Essas formas convivem, ainda, com lojas do circuito superior surgidas na própria
cidade, que disponibilizando formas próprias de crediário à população pobre disputam pelo
mesmo mercado. Dessa maneira, é muito difícil compreender a renovação das relações do
agreste pernambucano com os circuitos da economia urbana palmarinos sem considerarmos o
papel do acontecer político-institucional na reprodução do Espaço Dividido.
Foi na comercialização de fardamento escolar que constatamos maiores possibilidades
de os negócios do circuito inferior tecerem relações horizontais com a população pobre sem
grandes perturbações do circuito superior, pois aí geralmente os próprios trabalhadores do
circuito inferior, a partir dos insumos comprados em Caruaru (PE), produzem e vendem o
fardamento. Além de três negócios individuais que contabilizamos (sendo 2 na área central e
247

1 na periferia da cidade), e da Organização Mirim86 que também produz e comercializa


fardamentos escolares, verificamos que essa atividade passou a ser desenvolvida
principalmente pela Associação de Costureiras de União dos Palmares – ACUP. Criada em
2009 a partir de uma parceria entre o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresa – SEBRAE, que viabilizou a doação das máquinas de costuras, e a prefeitura de
União dos Palmares, que cedeu um prédio no centro da cidade com todas as despesas pagas,
essa Associação reuniu costureiras que já trabalhavam no ramo dispersas pelas periferias da
cidade, abrindo maiores possibilidades de mercado para essas trabalhadoras. Vale lembrar,
todavia, que mesmo nesse caso a capacidade do PBF em dinamizar a produção no circuito
inferior é limitada, uma vez que as compras de fardamento escolar por parte das beneficiárias
são esporádicas, geralmente concentradas nos meses iniciais de cada ano.
São, sobretudo, os comércios de produtos de mercearia básica do circuito inferior que
se pulverizam no espaço urbano, mas aqui as relações com a clientela sofrem bastante
interferências do circuito superior, principalmente pela necessidade de se abastecer neste
circuito. As cidades de procedência das mercadorias e insumos podem ser vistas no mapa a
seguir. Destacam-se as cidades de União dos Palmares, Maceió e Arapiraca no fornecimento
de produtos alimentícios, enquanto o Agreste de Pernambuco fornece especialmente as peças
de vestuário.

86
A Organização Mirim é uma instituição filantrópica de União dos Palmares que atende crianças em situação
de rua. Para completar seu orçamento, promove várias atividades econômicas, como fabricação de móveis,
sovertes e fardamentos. Informações disponível no site da instituição, no link:
http://organizacaomirim.com.br/index.html Acesso em abril de 2017.
248

Mapa 76 – União dos Palmares: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos


trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área central
(2015)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
249

Mapa 77 – União dos Palmares: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos


trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área periférica
(2015)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
250

Se 74% dos negócios pesquisados, tanto no centro como na periferia, vendem fiado
aos clientes, quando se trata de se abastecer somente 11% compram alguma mercadoria ou
insumo para pagar na confiança. Para o abastecimento predominam as compras à vista (73%)
e no boleto bancário (21%), sendo o uso do cartão de crédito (11%) geralmente restrito às
compras realizadas pela internet a vendedores de estados mais distantes. Já a utilização do
cheque mostrou-se inexpressiva (1%). Em um contexto em que a ocupação e o rendimento
nas usinas têm se tornado bastante instáveis, é cada vez mais o PBF que assegura que as
populações mais pobres paguem suas dívidas aos comércios do circuito inferior, e que estes
continuem se abastecendo. Uma beneficiária do Bolsa Família relatou:

Beneficiária: Porque eu tenho duas filhas que recebe Bolsa Família né, os
maridos delas trabalha mas quando vem receber num tem graça, nas usinas,
tem vez que não tem nada pros meninos comer às vez ela recebe já faz umas
comprinhas. Oxe, é uma felicidade. Trabalha mas a usina atrasa né, triste
dela se não fosse essa Bolsa Escola.
Pesquisador: Qual é a usina?
Beneficiária: Eles trabalha na Utinga [município de Rio Largo]. [...] Aí
pronto, as coitadas... a minha filha que mora nos Frios, quando atrasa ela tem
ali um supermercado, que ela conhece a menina do supermercado, aí ela já
faz umas comprinhas fiado, quando ela recebe Bolsa Família ela paga. Oia,
tem vez que passa mais de 15 dias sem meu genro receber, é coisa séria, e os
meninos só não passa fome porque essa Bolsa Escola ajuda (M. S., 57 anos.
Entrevista concedida em julho de 2016).

Desde 2016, porém, à essa instabilidade vem somar-se uma grande incerteza quanto ao
recebimento do Bolsa Família, agora não mais em virtude de problemas nos sistemas técnicos
que operacionalizavam o Programa, como ocorria até 2007 (COHN, 2012), mas, ao contrário,
em função do pleno funcionamento de tais sistemas87. Sobre isso, outra beneficiária
confessou:

Eu vou lhe dizer uma coisa: oie, quando eu vou receber o Bolsa Família eu
digo “meu Deus, tomara que meu dinheirinho teje lá”. Porque oie cortando
essa Bolsa Família minha que eu tiro hoje é mesmo que cortar minha duas
mãos, porque me ajuda muito, me ajuda num papel de água, num papel de
energia, comprar um caderno pros meninos, comprar uma roupa, um

87
No segundo semestre de 2016, sob o Governo de Michel Temer, o ministério gestor do PBF iniciou um
processo de cruzamento dos dados do CAD.ÚNICO com seis bases de dados do Governo Federal (Relação
Anual de Informações Sociais - RAIS; Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED; Sistema de
Controle de Óbitos - SISOBI; Instituto Nacional do Seguro Social - INSS; Sistema Integrado de Administração
de Recursos Humanos - SIAPE; e Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ) com base no discurso de que
há irregularidades no Programa e de que é necessário maior controle dos recursos. 469 mil benefícios foram
cancelados (11.482 em Alagoas) e outros 654 mil bloqueados (19.246 em Alagoas) (site do Ministério de
Desenvolvimento Social e Agrário). O cruzamento com essas bases de dados passou a ser mensal, além de
tornar-se uma exigência para o ingresso de cada novo beneficiário no Bolsa Família. Sistemas técnicos são
mobilizados, discursos são construídos para cancelar um benefício de uma família porque esta, por exemplo,
aufere durante poucos meses do ano R$ 5,00 ou R$ 10,00 a mais do que o permitido para ingresso no Programa.
251

calçado, entendeu? E assim vai levando a vida. Porque eu tiro R$134,00,


mas me ajuda muito, eu não vou mentir, me ajuda muito mesmo, aí é assim
(C. A. S., 39 anos. Entrevista concedida em julho de 2016).

Dessa forma, as várias contradições que permeiam a construção do acontecer político-


institucional no Brasil, da “cidadania concedida” (SALES, 1992) ao “paradigma
administrativo” (1998), são sintetizadas na trajetória do Bolsa Família na busca por se tornar
um direito. Pode o PBF ser considerado uma garantia do Estado, ou é uma política temporária
para que os pobres alcancem o circuito superior?

Pra mim tem duas respostas: seria bom se fosse pra sempre né, continuasse
sempre, e o temporário depende da cabeça deles lá né, dos grandãos né, que
ninguém num sabe da consciência deles, mas se fosse pra sempre seria bom
sim. Mas ninguém num sabe o pensamento de ninguém né, pra eles se disser
assim “vou cortar hoje”, corta e acabou né. Quem somos nós pra mudar?
Uma andorinha só não faz verão né (N. S., 28 anos. Entrevista concedida em
julho de 2016).

Esse processo vem contribuindo para que ora as populações pobres se endividem cada
vez mais com os comércios do circuito inferior, ora para que estes percam parte importante de
sua clientela, isso quando as duas coisas não ocorrem ao mesmo tempo. Se os proprietários
dos mercadinhos só podem vender “aquele tantinho” que as beneficiárias podem pagar
mensalmente e, por outro lado, não é possível confiar no recebimento do Bolsa Família, “[...]
por que comprar fiado se no Todo Dia é mais barato”? (C. A. S., 39 anos. Entrevista
concedida em julho de 2016). Nos dois casos a instabilidade do PBF vem juntar-se à ação do
circuito superior para perturbar ainda mais a coerência das relações socioeconômicas que se
desenrolam no seio do circuito inferior.

5.2.3. A atuação do circuito superior no centro e na periferia de São Miguel dos Campos e a
expansão subordinada do circuito inferior

Mesmo em São Miguel dos Campos, onde o número de usinas é maior do que nos
outros dois municípios que vimos analisando88, nossos trabalhos de campo revelaram que a
grande maioria das famílias beneficiárias do PBF sobrevive de atividades do circuito inferior
da economia urbana.

88
Em 2014 começou a funcionar em São Miguel dos Campos uma fábrica da empresa GranBio, a primeira no
Brasil destinada à produção de etanol a partir da palha e do bagaço da cana em escala comercial. Para instalação
da indústria foram obtidos R$ 300 milhões em financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento e Social –
BNDES, que participa como sócio com 15% das ações através do BNDESPar. Informações disponíveis em:
http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,granbio-inicia-producao-de-etanol-2g-imp-,1565785 Acesso em
outubro de 2016.
252

Tabela 34 – São Miguel dos Campos: formas de trabalho dos (as) chefes de famílias beneficiárias do
PBF pesquisadas (2015)
Trabalho Total
Trabalhadores/proprietários de pequenos negócios do 10
circuito inferior
Trabalhadores de estabelecimentos de comércios e 1
serviços do circuito superior (com Carteira de
Trabalho assinada)
Trabalhadoras domésticas e faxineiras (sem Carteira 9
de Trabalho assinada)
Trabalhadores da construção civil (sem Carteira de 8
Trabalho assinada)
Trabalhadores que vivem de bicos em diversas 3
atividades
Contratados da prefeitura 3
Trabalhadores de usinas (com Carteira de Trabalho 6
assinada)
Trabalhadores rurais (sem Carteira de Trabalho 0
assinada)
Pedinte de rua 0
Desempregado 4
Donas de casa 6
Não informou 0
Total 50
Fonte: trabalho de campo (2015-2016)
Organização: Fernando Silva (2017)

Desde 2013, com a demissão de quase todos os trabalhadores da Usina Roçadinho89,


assim como de várias outras usinas do entorno de São Miguel dos Campos, a importância do
circuito inferior na geração de trabalho e renda vem se acentuando ainda mais: 24% das
beneficiárias nos informaram que os chefes de famílias trabalhavam anteriormente em usinas,
porcentagem que atualmente, de acordo com a tabela acima, caiu para 12%. A realidade dos
dois circuitos da economia urbana em São Miguel dos Campos no século XXI mostra-nos,
mais do que em Porto Calvo e União dos Palmares, como o PBF vem juntar-se aos
condicionamentos trazidos pelas usinas para a dinâmica do trabalho e do consumo das
famílias mais pobres.
Vejamos no quadro 21 como se distribui o consumo das beneficiárias do PBF de
acordo com o circuito da economia urbana.

89
Ver reportagem: “Usina Roçadinho demite mais de 300 funcionários”. Disponível em:
http://www.alagoasweb.com/noticia/28653-usina-rocadinho-demite-mais-de-300-funcionarios Acesso em
outubro de 2016.
253

Quadro 21: Consumo dos beneficiários do Bolsa Família nos elementos dos dois circuitos da
economia urbana de São Miguel dos Campos – AL (2015)
Consumo de alimentação
Onde compra* % que compra Motivo % que alegou
no comércio o motivo
Comércio do circuito superior 19% Menor preço 100%
pertencente a redes
Menor preço 74%
Comércios do circuito superior Existência de crediário próprio 13%
59% do estabelecimento
independentes
Proximidade da residência 13%
Menor preço 17%
Compra fiado 50%
Comércios do circuito inferior 22%
Proximidade da residência 17%
Não informou 17%
Material escolar
Onde compra** % que compra Motivo % que alegou
no comércio o motivo
Comércios do circuito superior 56% Menor preço 100%
independentes
Menor preço 75%
Comércios do circuito inferior 44% Compra fiado 13%
Não informou 13%
Vestuário
Onde compra*** % que compra Motivo % que alegou
no comércio o motivo
Menor preço 83%
Comércios do circuito inferior 100%
Compra fiado 17%
Gás
Onde compra**** % que compra Motivo % que alegou
no comércio o motivo
Comércio do circuito superior vinculado 100% Existência de crediário próprio 100%
a grande distribuidores do estabelecimento
Remédios
Onde compra***** % que compra Motivo % que alegou
no comércio o motivo
Comércios do circuito superior 67% Menor preço 100%
vinculados a redes (franquias)
Comércio do circuito superior 33% Compra fiado 100%
independentes
*27 beneficiárias, do total de 30 que usam o dinheiro para comprar alimentação, disseram onde compram
**18 beneficiárias, do total de 32 que usam o dinheiro para compra de material escolar, disseram onde compram
***12 beneficiárias, do total de 22 que usam o dinheiro para compra de vestuário, disseram onde compram
****4 beneficiárias, do total de 11 que usam o dinheiro para compra de remédios, disseram onde compram
*****3 beneficiária, do total de 5 que usam o dinheiro para compra do gás, disseram onde compram
Fonte: Trabalho de campo (2015)
Organização: Fernando Silva (2017)
254

Embora as atividades comerciais pertencentes a grandes redes que atuam na cidade


localizem-se principalmente na área central, existem comércios do circuito superior surgidos
na própria cidade que estão presentes também nas áreas periféricas, notadamente na
conhecida “Avenida do Luizinho”, que corta o Bairro de Fátima e o Bairro Hélio Jatobá.
Conforme o quadro, a porcentagem de beneficiárias que disse comprar alimentação em
comércios do circuito superior em virtude da maior proximidade do estabelecimento em
relação à sua residência (13%) foi praticamente igual à que afirmou gastar em comércios do
circuito inferior pela mesma razão (17%). Veremos que o circuito superior não apenas
abocanha uma parte do mercado do circuito inferior, como também condiciona a localização
dos pequenos negócios no espaço urbano.
Os dados sobre as atividades formalizadas como MPEs e MEI, embora não abarquem
todo o subsistema econômico mobilizado pelos pobres em São Miguel dos Campos (somente
31% das atividades pesquisados na área central e 20% na periferia estavam formalizados),
podem fornecer-nos indícios sobre como o circuito inferior busca atuar na demanda criada
pelo PBF. Em 2007, tínhamos 549 MPEs nessa cidade, número que chegou a 2.303 em 2015
(BRASIL, 2016a). As três maiores porcentagens deste total eram do ramo do comércio
varejista de vestuário e acessórios (10%), do comércio varejista de produtos alimentícios,
bebidas e fumo (8%) e do comércio varejista de mercadorias em geral com predominância de
produtos alimentícios (7%). Depois dessas, apenas as MPE’s que oferecem serviços de
cabeleireiro, manicure e pedicure chegam a uma porcentagem próxima (6%). Quanto ao total
de MEI’s, em 2010, ano para o qual temos os primeiros dados, eram 82, enquanto em 2015 já
tínhamos 1.213. Neste caso, depois do ramo do comércio varejista de vestuário e acessórios
(14%), vem o de cabeleireiro, manicure e pedicure (13%), de forma que os Micro
Empreendedores Individuais do ramo de comércio varejista de produtos alimentícios, bebidas
e fumo (11%) e do comércio varejista de mercadorias em geral com predominância de
produtos alimentícios (6%) ocupam, respectivamente, o terceiro e o quarto lugares90.
Dos 35 (trinta e cinco) proprietários de pequenos negócios que responderam aos
nossos questionários no centro da cidade, 66% deles iniciaram o trabalho por conta de
desemprego, 14% para complementar a renda, 3% para ter o próprio negócio e o restante
(17%) relatou outras razões. No que se refere à escolha do tipo e do ramo da atividade, 26%
justificaram pela maior facilidade de entrada em termos de exigência de capital, 23%
afirmaram já dispor do conhecimento prévio necessário ao trabalho, 14% citaram o aumento

90
Todos os dados são relativos a dezembro de cada ano.
255

da demanda na cidade, 9% receberam indicação de amigos e parentes e os 29% restantes


apresentaram outros motivos. A grande maioria começou com capital próprio (93%), somente
3% fizeram empréstimo bancário, mesma porcentagem que iniciou com empréstimos de
amigos ou parentes e sem capital algum.
Na periferia da cidade pesquisamos um total de 15 (quinze) negócios. Os
trabalhadores destes informaram ter começado a atividade principalmente em virtude do
desemprego (60%) e da necessidade de complementar a renda (13%), enquanto o restante
apresentou outros motivos (27%). Para a escolha do ramo a indicação de amigos e parentes
apareceu em primeiro lugar (27%), seguida da existência de conhecimento prévio sobre como
desenvolver o trabalho (20%). O aumento da demanda na cidade (7%) e a maior facilidade de
entrada em termos de exigência de capital (7%) apareceram nas últimas posições, enquanto o
restante relatou outras razões. É importante frisar que embora os trabalhadores destacassem só
uma dessas justificativas, percebemos durante as conversas que, muitas vezes, duas ou mais
se misturavam, revelando-nos a grande adaptabilidade do circuito inferior ao território e à
sociedade miguelenses. Sobre a origem das atividades, 73% desses negócios foram iniciados
com capital próprio, geralmente bastante reduzido, 13% começaram com empréstimo
bancário e o restante com empréstimo a pessoas de confiança.
Em comparação com Porto Calvo e União dos Palmares, verificamos em São Miguel
dos Campos maior dificuldade econômica de as atividades do circuito inferior se instalarem,
isto em função dos altos valores do aluguel de um ponto em certas ruas. No centro, embora
70% dos 10 trabalhadores que têm despesas com locação de imóvel paguem aluguéis entre R$
200,00 e R$ 500,00, para 20% esse valor é de mais de R$ 2.000,00. Já na Avenida do
Luizinho, ainda que 80% (5 disseram que têm despesas com locação do ponto) paguem menos
de R$ 500,00, não encontramos nenhum aluguel com um valor menor que R$ 200,00 (na
periferia de União dos Palmares 29% estavam abaixo desse valor).
Por isso, o uso das calçadas pelos agentes do circuito inferior tem se generalizado. No
centro, 34% das atividades funcionam nas calçadas, e mesmo na periferia, onde a utilização
da própria residência para o trabalho é comum (27%, contra 6% no centro), a instalação de
uma barraca ou de um carrinho se tornou a única possibilidade para 20% dos negócios
pesquisados funcionarem. Assim, a própria distribuição dos estabelecimentos do circuito
superior pelo espaço urbano, mediada pelo mercado imobiliário local, termina subordinando a
localização das atividades do circuito inferior. Trata-se de uma rigidez econômica, que o
circuito inferior somente pode contornar por certa flexibilidade das normas públicas.
256

Foto 12 – Carrinho do circuito inferior na periferia de São Miguel dos Campos


Foto 13 – Supermercado do circuito superior na periferia de São Miguel dos Campos91

Fonte: trabalho de campo (2016)

No centro, essa subordinação é acentuada pela presença de um circuito superior


forâneo, que passou a atuar na cidade com o apoio direto do poder público municipal. Além
de uma loja da rede de Farmácias do Trabalhador do Brasil, que abocanha parte importante
dos gastos das beneficiárias com remédios, existe dois estabelecimentos da rede de
supermercados UniCompra, ambos localizados na área central. Essa rede, de origem na cidade
de Arapiraca na década de 1970, vem conhecendo, no século atual, um processo de expansão
considerável na Região Canavieira de Alagoas. Em 2011, foi inaugurada em São Miguel dos
Campos uma das maiores lojas dos supermercados UniCompra, sendo que sua instalação só
foi possível porque a Prefeitura Municipal doou o terreno onde foi construído o prédio. O
discurso utilizado para justificar essa doação se apoiou no número de empregos que seriam
gerados, em torno de 200 (duzentos) postos diretos de trabalho92.
Buscando fidelizar sua clientela, essa empresa oferece à população um cartão de
crédito próprio, o Cartão UniCompra, que só pode ser utilizado em suas lojas. Dessa forma,
mesmo os pequenos negócios pesquisados no centro que aceitam pagamento através de cartão
de crédito (11%) não podem se aproveitar do instrumento financeiro criado pelo UniCompra.
Não se trata de desconsiderar o número de empregos criados pela construção desse comércio,

91
É importante destacar que nos bairros periféricos de São Miguel dos Campos, assim como ocorre em União
dos Palmares e Porto Calvo, as igrejas evangélicas aparecem como um das principais estruturas sociais
orientadoras da ação, tendo grande importância no condicionamento das formas de consumo dos mais pobres.
Essa realidade faz lembrar a explicação de Alain Touraine (1998, p. 67) sobre as possibilidades de expansão da
ação instrumental sob o capitalismo: “é porque tal racionalidade não é mais objetiva, substancial, mas formal,
instrumental, e portanto se situa no plano dos meios e não mais dos fins, que ela pode se combinar com
finalidades culturais ou psicológicas em cada ator individual. Não se pode ser ao mesmo tempo cristão e ateu ou
muçulmano, mas nada impede ser ao mesmo tempo especialista em informática ou vendedor e cristão,
muçulmano ou ateu”.
92
Ver reportagem: “Prefeita Rosiane Santos visita obras do novo hipermercado Unicompras”. Disponível em:
http://www.saomiguelweb.com.br/noticia/9116-prefeita-rosiane-santos-visita-obras-do-novo-hipermercado-
unicompras Acesso em outubro de 2016.
257

mas de avaliar até que ponto tais empregos compensam as consequências negativas derivadas
de sua instalação e funcionamento para a economia urbana como um todo. Além de a
valorização dos aluguéis no entorno dificultar a instalação dos pequenos negócios em um
ponto fixo, a oferta desburocratizada de crédito denuncia o interesse dessa empresa pelo
potencial de consumo das populações mais pobres de São Miguel dos Campos.
Quando analisamos as formas de abastecimento dos pequenos negócios, observamos
que o ônus com o qual os pobres têm de arcar não para por aí. Vejamos a procedência das
mercadorias e insumos para o circuito inferior da economia urbana de São Miguel dos
Campos nos mapas 78 e 79:
258

Mapa 78 – São Miguel dos Campos: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos
trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área central
(2015)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
259

Mapa 79 – São Miguel dos Campos: Procedência de insumos e produtos comercializados pelos
trabalhadores do circuito inferior da economia urbana das atividades pesquisadas na área periférica
(2015)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
260

Em comparação a Porto Calvo e União dos Palmares, o mais notável aqui é a maior
participação da cidade de Arapiraca - AL. Essas mercadorias e insumos são comprados
principalmente à vista (70%) e no boleto bancário (16%), sendo os usos do fiado (14%) e do
cartão de crédito (8%) mais comuns nos casos das atividades que trabalham com
pequeníssimos estoques. Mas, quando se trata da venda ao cliente final, a realidade é bem
diferente: 54% vendem fiado. Assim, com exceção das atividades de comercialização de
peças de vestuário em geral e de fardamento escolar93 em que a necessidade de se abastecer
no circuito superior é bem menor, os trabalhadores do circuito inferior acabam ficando com o
trabalho pesado e com os riscos de inadimplência.
Desde 2016, além da incerteza com relação ao emprego e ao salário nas usinas, o
próprio recebimento do PBF tem se tornado instável para os mais empobrecidos da Região.
Se a ação instrumental é tomada como parâmetro para a política, ou melhor, se o acontecer
político-institucional se assemelha cada vez mais ao acontecer hierárquico, a quem as
populações pobres podem recorrer? Uma beneficiária do Bairro Hélio Jatobá que vem tendo
problemas constantes em relação ao recebimento do benefício relatou-nos:

Quando eu cheguei na Secretaria [de Assistência Social] que a moça disse


“venha daqui a três meses”, menino eu botei as duas mão na cabeça e se
ajoelhei no pé da minha cama e disse “meu Deus, o que será desses
meninos?”, porque uma quando chega do colégio diz “mamãe a tia tá
pedindo isso”, o outro chega do colégio diz “mainha tem trabalho pra fazer,
precisa de dinheiro”, eu digo “pronto meu Deus, o que será de mim com
esses meninos. Aí parece que Deus é tão bom que, eu nem me lembro
quando foi, sei que foi dia de sexta feira a carta [com um novo benefício do
Bolsa Família] bateu na minha casa (J. S., 34 anos. Entrevista concedida em
julho de 2016).

Hoje em dia torna-se cada vez mais nítido que o circuito superior da economia não
somente distorce a criação de ocupação e renda nas cidades, mas também, ao ser tratado pelo
Estado como referência para a ação social e formas de fazer desejáveis para a sociedade, às
quais todas as populações e lugares devem se adequar (por força ou por hegemonia), impede a
garantia de direitos sociais para todas as pessoas. Isso fica mais evidente quando analisamos
sob o prisma do “Espaço Dividido” as condicionalidades do Bolsa Família, assunto do
próximo item.

93
Em São Miguel dos Campos constatamos que é principalmente na Associação das Artesãs da Usina
Roçadinho – COMEIA que os fardamentos escolares são produzidos. Criada em 2003, a Associação tem esse
nome porque surgiu na Usina Roçadinho, mas atualmente funciona em um prédio na Avenida do Luizinho, no
Bairro Hélio Jatobá. Reúne 15 costureiras, e todas máquinas foram doadas pela prefeitura municipal de São
Miguel dos Campos.
261

5.3. As contradições das condicionalidades do Programa Bolsa Família na perspectiva do


Espaço Dividido

As chamadas condicionalidades do PBF, conforme mencionamos no decorrer do


capítulo 4, são exigências ou contrapartidas que as famílias beneficiárias devem cumprir para
permanecer recebendo as transferências. Inspirando-nos, sobretudo, nas principais discussões
sobre o tema e nas situações de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos,
iremos defender que as condicionalidades revelam como a valorização de sistemas de objetos
e ações externos impede a garantia de direitos sociais para todas as populações em seus
lugares, contribuindo assim para perpetuar a existência dos dois circuitos da economia urbana.
Na área de educação, exige-se das crianças e adolescentes de 6 a 15 anos frequência
escolar mínima de 85%94, frequência que é de 75% para os adolescentes de 16 e 17 anos
(estes, desde 2008, recebem um benefício específico, o Benefício Variável Vinculado ao
Adolescente – BVJ). Já com relação à saúde, as gestantes e nutrizes se comprometem a
comparecer às consultas de pré-natal e/ou participar de atividades educativas sobre
alimentação e saúde das crianças; enquanto as crianças menores de 7 anos devem cumprir o
calendário de vacinação e estarem presentes nas atividades de crescimento e desenvolvimento
infantil. Desde 2005, com a integração do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil –
PETI ao PBF (Portaria GM/ MDS nº 666, de 2005), há também condicionalidades na área de
assistência social para as crianças e adolescentes de até 15 anos em risco ou retiradas de
trabalho infantil: estes devem ter frequência mínima de 85% nos serviços socioeducativos e
de convivência (Portaria GM/MDS Nº 321, de 2008)95.
Dentre todas as condicionalidades, a de educação constitui, sem sombra de dúvidas, a
principal delas, não somente pelo papel que desempenhou no processo de transformação das
propostas de transferência de renda em acontecer solidário no Brasil, mas também pela grande
quantidade de estudantes que passaram a ter a frequência escolar acompanhada. Em maio de
2010, por exemplo, um total de 14.292.345 crianças e adolescentes em todo o Brasil
cumpriram as condicionalidades de educação, aproximadamente 36% de toda a população

94
Amélia Cohn (2012, p. 23) relata que essa porcentagem foi uma herança do Bolsa Escola: “[...] no caso da
condicionalidade vinculada à educação, acabou por persistir, no Bolsa Família, uma aberração proveniente do
programa Bolsa Escola, que era a exigência de 85% da frequência escolar das crianças e adolescentes, enquanto
a legislação específica do MEC a respeito exige somente 75% de frequência para a aprovação do aluno.
Indagava-se por que filhos de famílias beneficiárias do Bolsa teriam obrigação de uma frequência escolar maior.
No entanto, acabou prevalecendo a permanência das regras anteriores”.

95
É importante lembrar que os beneficiários do PBF que somente recebem o benefício básico, destinado para
todas as famílias que se encontram na chamada situação de “extrema pobreza” (com renda per capita de até R$
85,00 mensal), não precisam cumprir nenhuma condicionalidade.
262

entre 6 e 17 (IBGE, 2010). Para a Região Nordeste essa porcentagem chegou a 55%.
Trazemos os dados para Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos na tabela
35. Vemos que União dos Palmares se destaca novamente: quase 80% de toda a população
total entre 6 e 17 anos teve a frequência escolar acompanhada.

Tabela 35 – Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos: % de crianças e adolescentes
de 6 a 17 anos que tiveram frequência escolar acompanhada pelo Programa Bolsa Família sobre a
população total da mesma idade (2010)
Município Total de crianças e Crianças e adolescentes % de crianças e adolescentes
adolescentes acompanhados na frequência acompanhados sobre o total
escolar*
Porto Calvo 6.725 4.327 64%
União dos 15.425 12.141 79%
Palmares
São Miguel dos 12.520 6.034 48%
Campos
* Maio de 2010
Fonte: BRASIL (2010) e Sistema de Condicionalidades do Programa Bolsa Família, site do MDS
Organização: Fernando Silva (2016)

O acompanhamento das condicionalidades é feito pelos municípios, sendo um dos


elementos avaliados para a transferência de recursos do Governo Federal para os entes
municipais através do IGD. Este índice, além de levar em conta o número de cadastros válidos
e o percentual de cadastros atualizados pelo menos a cada dois anos, baseia-se também no
número de crianças e adolescentes com informações sobre o acompanhamento da frequência
escolar dentre o total que deve cumprir condicionalidades, bem como no número de famílias
acompanhadas na condicionalidade de saúde dentre o total que deveria ter a saúde
acompanhada. Assim, podemos dizer que as condicionalidades permeiam também todas as
relações inter-federativas construídas no âmbito do PBF.
Além disso,

[...] não há como negar que o fato de o Bolsa Família ser um programa de
transferência condicionada de renda favoreceu o apoio da sociedade a ele,
em que pesem os preconceitos dessa mesma sociedade quanto a qualquer
medida – seja ela um direito ou não – que implique transferência de recursos
para os pobres sem a contrapartida direta e imediata do trabalho (COHN,
2012, p. 30 grifo no original).

Já vimos como as condicionalidades foram utilizadas amplamente como argumento


científico e político para o convencimento de parte da sociedade e da grande mídia sobre a
necessidade de criação de programas de transferência de renda. Tudo isso demonstra que não
263

é possível minimizar o papel das condicionalidades na compreensão do PBF enquanto


acontecer solidário, uma vez que se trata de um elemento constitutivo dessa política.
Não se trata aqui de desconsiderar a importância dos estudos a respeito dos impactos
que tem o acompanhamento da saúde e da educação dos mais pobres, pois estes servem tanto
para responder a críticas enviesadas, como para demonstrar como o acesso a bens públicos é
fundamental para reduzir as desigualdades socioespaciais. Porém, a questão que nos parece
central se refere aos limites que as condicionalidades colocam à efetivação do PBF como uma
garantia pública, contribuindo assim para manter subordinada parte sociedade e suas formas
de organização econômicas e espaciais. O Bolsa Família chega a alcançar populações e
lugares que não haviam usufruído plenamente diversos direitos sociais anteriores. Mas, se
para merecer as transferências é necessário cumprir certas exigências (cumprimento no qual
os entes federados devem se empenhar e que, ademais, justifica científica e politicamente o
Programa), como falar de garantia pública?
Maria Ozanira da Silva e Silva e Maria Virgínia Moreira Guilhon (2014, pp. 82-85)
apontam que existem três compreensões principais sobre as condicionalidades no âmbito das
transferências de renda no Brasil. A primeira delas vê as “condicionalidades enquanto acesso
e ampliação de direitos”. Trata-se da compreensão oficial (pelos menos até 2015), na qual as
condicionalidades são vistas como formas de ratificar as obrigações que o Estado tem para
com todos, assim como um “[...] mecanismo que objetiva combater a transmissão
intergeracional da pobreza mediante inversão em capital humano por medidas de educação e
saúde em articulação com o objetivo imediato de alívio da pobreza representado pela
transferência monetária para famílias pobres e extremamente pobres” (p. 83). Já a segunda,
que compreende as “condicionalidades enquanto negação de direitos”, enfatiza as
contradições entre direito e condicionalidades. “O entendimento é de que a um direito não se
deve impor contrapartidas, exigências ou condicionalidades, visto que a titularidade do direito
jamais deve ser condicionada [...]” (p. 84). A obrigação deveria ser somente do Estado, jamais
dos beneficiários. Por fim, existe ainda a versão das “condicionalidades enquanto questão
política e imposição moralista conservadora”, onde a culpa pela pobreza é colocada nos
pobres, daí o “[...] entendimento de que ninguém, principalmente os pobres, pode receber uma
transferência do Estado sem contrapartida direta” (p. 84).
Depois dessas ponderações, as autoras afirmam que compreendem as “[...]
condicionalidades enquanto possibilidades de garantia de direitos sociais básicos, buscando
potencializar impactos positivos sobre a autonomização das famílias atendidas”, mas
consideram que as contrapartidas poderiam ser concebidas “[...] como recomendações às
264

famílias beneficiárias do BF e como dever do Estado na proteção social de seus cidadãos e no


oferecimento de serviços sociais básicos, com destaque à educação e à saúde” (SILVA E
SILVA e GUILHON, 2014, p. 85). Trata-se de uma opinião bastante equilibrada sobre o
tema, que considera as várias influências que o PBF recebeu no decorrer de sua formulação e
funcionamento.
De fato, como demonstrou Tereza Cristina Silva Cotta (2009, p. 282), as muitas
divergências em torno das condicionalidades podem ser creditadas à própria maneira como o
PBF foi sendo construído. Amélia Cohn (2012, p. 29) resumiu esse processo do seguinte
modo:

Do ponto de vista da formulação e da concepção do Programa, as


condicionalidades estão vinculadas, de um lado, à possibilidade do
rompimento da reprodução intergeracional da pobreza e da miséria, e de
outro, a se estabelecer um círculo virtuoso entre o Bolsa Família e o acesso a
esses serviços essenciais. Mas elas também estão vinculadas a uma
concepção da necessidade de corresponsabilidade das famílias nesses
processos, partindo-se do pressuposto de que essa “obrigação” condicionada
ao benefício estaria preenchendo uma lacuna – a da existência de um certo
grau de displicência ou “não cuidado” dos pais pobres com relação à saúde e
à educação de seus filhos. Este entendimento sobre a importância das
condicionalidades consistia numa vertente herdada dos programas pré-
existentes – Bolsa Escola e Bolsa Alimentação. E ele se contrapunha a uma
outra vertente de compreensão da sua função, já mencionada, e que
prevalecia na proposta original do Programa Bolsa Família: de as
condicionalidades se constituírem num traçador para avaliação e
monitoramento da eficiência das demais políticas públicas, e nesse sentido
estarem mais voltadas para as gestões governamentais.

Em ambos os casos as condicionalidades acabam por revelar-nos a especificidade dos


beneficiários do PBF diante da esfera político-institucional da sociedade. A garantia de bens e
recursos por parte do Estado ganha legitimidade a partir da construção de uma justificativa
apresentada à coletividade. A especificidade do PBF é que as condicionalidades entram como
parte dessa justificativa.
Para Milton Santos (2000 [1987], p. 7), “o simples nascer investe o indivíduo de uma
soma inalienável de direitos, apenas pelo fato de ingressar na sociedade humana. [...] Direito a
um teto, à comida, à educação, à saúde, à proteção contra o frio, à chuva, as intempéries;
direito ao trabalho, à justiça, à liberdade e a uma existência digna”. Com o desenvolvimento
dos Estados nacionais e o posterior avanço dos processos de racionalização na sociedade e no
espaço geográfico, podemos dizer que as lutas sociais buscam garantir esses direitos pelo
simples fato de se fazer parte de uma nação. Para o autor (2000 [1987], p. 19), trata-se do
conteúdo político-territorial da ideia de cidadania. No limite, sem essas garantias nos próprios
265

lugares onde as pessoas vivem cotidianamente, “[...] os direitos civis e políticos tornar-se-iam
inócuos” (FONSECA E LEITE, 2009, p. 6).
Não são esses os argumentos por trás da proposta de renda básica de cidadania? Na
opinião de Josué Pereira da Silva (2014, p. 141), para seguir essa proposta

[...] aqueles que querem avaliar o Bolsa Família, ou qualquer outro programa
de transferência de renda, procurando realçar sua dimensão emancipatória,
devem considerar os benefícios distribuídos como direitos de cidadania, cuja
cessão deve estar condicionada apenas à condição de cidadão ou cidadã.
Emancipação aqui deve, portanto, significar o fim das condicionalidades,
não seu reforço.

Mas, segundo Eduardo Suplicy (2008, p. 8), no Brasil a perspectiva da renda básica
encontra fortes objeções, até mesmo dos setores mais progressistas da sociedade. A principal
delas seria a seguinte: “[...] como pagar a renda-mínima a todos, quando o importante é
destiná-la aos que pouco ou nada têm”? O próprio autor confessa que demorou para se
convencer de que a renda incondicional seria a melhor opção de política de transferência de
renda para o Brasil, considerando nossas enormes desigualdades sociais e a necessidade de se
pensar políticas sociais para reduzi-las96.
De certo modo, pensamos que as resistências enfrentadas pela proposta de renda
básica no Brasil são compreensíveis. A defesa do direito à renda se baseia em leituras críticas
sobre as mudanças gerais no rumo do capitalismo nas últimas décadas, leituras inspiradas,
sobretudo, na realidade dos países do centro do capitalismo. No entanto, na formação
sócioespacial brasileira tais mudanças já encontraram um “Espaço Dividido”. Uma proposta
científica de política pública que não considera essa realidade não se efetiva, porque esse
espaço prévio acaba atuando como um condicionante. Em boa medida, a instalação e a rápida
expansão do PBF se devem à busca constante por adaptação desse Programa à realidade do
País. A questão central é se tal adaptação objetiva ou não transformações políticas.
Não é outra a razão pela qual o PBF reascendeu o debate sobre focalização e
universalização em políticas sociais. Se durante os governos de FHC a extrema focalização

96
O autor argumenta: “Será de fato o melhor chegarmos à incondicionalidade e virmos a garantir a toda e
qualquer pessoa o direito a uma renda básica, até mesmo às mais ricas? Sim, pois estas contribuirão para que elas
próprias e todas as demais venham a receber. Desta maneira, eliminaremos enormemente a burocracia envolvida
em se ter que saber quanto cada um ganha, no mercado formal ou informal. Eliminaremos o estigma ou
sentimento de vergonha de alguém precisar dizer “eu só recebo tanto e preciso tal complemento de renda”. Mais
importante, do ponto de vista da dignidade e liberdade do ser humano será muito melhor para cada pessoa saber
previamente que nos próximos doze meses, e daí para frente a cada ano, progressivamente mais com o progresso
do país, ela e cada pessoa na sua família irá ter o direito de receber uma renda modesta, na medida do possível
suficiente para atender suas necessidades vitais” (SUPLICY, 2008 [2004], p. 10).
266

dos programas de transferência de renda nos mais pobres expressava a subordinação das
políticas sociais ao ajuste fiscal (SILVA E SILVA, 2001, pp. 12-13; FONSECA, 2001),
podemos verificar em vários aspectos do Bolsa Família a preocupação com a noção de direito
social (BICHIR, 2011, pp. 90-91). Mas sendo este um Programa que continua voltado às
parcelas mais pobres da população, e que ainda objetiva “romper o ciclo inter-geracional da
pobreza”, como justificá-lo a partir da noção de cidadania?
Aqui avulta toda a problemática política do “Espaço Dividido”. Por um lado, fazer
parte da nação não assegura a fruição dos direitos sociais conquistados, mesmo porque do
ponto de vista político-institucional essa nação é seletiva (RIBEIRO, 1997, p. 19). Por outro,
como a pobreza deve ser combatida e eliminada, ser pobre também não constitui condição
legitima para obtenção de garantias específicas. Os pobres devem ser transformados não
somente do ponto de vista econômico, mas também sócio-político e espacial. Isto impede, no
limite, que as formas de fazer e de ser dos mais de 50 milhões de pessoas inseridas no PBF
sejam legitimamente reconhecidas como dignas de direitos. Assim, acreditamos que a própria
forma como o PBF foi direcionado às populações mais pobres dificulta sua efetivação
enquanto direito. Mesmo quando se trata de acentuar o papel do Estado no cumprimento das
condicionalidades, estas expressam como os pobres participam de maneira subordinada da
sociedade nacional.
Para Amélia Cohn (2012, p. 175) as condicionalidades de saúde e de educação
articulam-se de maneira diferente com o Bolsa Família. No caso da saúde, “[...] o benefício
vem complementar as insuficiências ainda presentes no SUS, em particular recursos para a
compra de medicamentos e/ou pagamento de transporte para outro local onde haja o serviço
demandado pela enfermidade”. Já no caso da educação, [...] o benefício significa ter
condições de comprar material escolar, calçado, alimentação, ou mesmo o uniforme exigido
pela escola para que as crianças possam frequentá-la”. Em outras palavras, é o consumo
possibilitado pelas transferências que termina garantindo a permanência das crianças pobres
na escola. Dessa maneira, embora não haja qualquer exigência de as famílias prestarem conta
do gasto do benefício, a contrapartida da frequência escolar acaba tendo um papel
determinante no consumo.
Em interessante pesquisa realizada no interior do estado da Paraíba com crianças
beneficiárias do PBF, Flávia Ferreira Pires (2013) constatou que as mulheres, além de
gastarem com material escolar, reservavam uma parcela das transferências para as próprias
crianças, uma vez que na visão da família os filhos terminavam por assumir certa
responsabilidade na continuidade do benefício. As crianças utilizavam o dinheiro para a
267

compra de doces, balas, pipocas etc. Se o benefício pertence à família, se pergunta a autora,
porque as crianças e adolescentes têm prioridade? Para Flávia Pires (2012, pp. 12-13), isto
acontece, em primeiro lugar, porque o PBF é compreendido como sucessor do Bolsa-Escola,
Programa em que as transferências eram destinadas exclusivamente às crianças; em segundo,
em virtude de “[...] o PBF utiliza-se da condicionalidade escolar como forma de garantia do
benefício, o que acaba por enfatizar o papel das crianças e dos adolescentes no recebimento
do dinheiro”.
Em Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos observamos que o
dinheiro que as beneficiárias separam para as crianças cria oportunidades importantes para
pequenas atividades do circuito inferior da economia urbana. Trata-se de atividades que são
movimentadas, sobretudo, pelos centavos que as mães dão diariamente aos seus filhos quando
recebem o Bolsa Família, uma verdadeira “economia dos centavos” (MONTENEGRO, 2011,
p. 238). Dessa forma, devido à especificidade da demanda criada pelo consumo das crianças e
adolescentes, os pequenos comércios do circuito inferior se pulverizam dentro e nos arredores
das escolas municipais e estaduais, como podemos notar nas fotos a seguir. Mas, mais uma
vez, o circuito inferior da economia urbana termina estabelecendo diferentes nexos de
subordinação com o circuito superior pela forma como precisa se abastecer.

Foto 14 – Comercialização de doces, balas e pipocas em frente em escola municipal de Porto Calvo
Foto 15 – Comercialização de doces balas e pipocas dentro de uma escola municipal de União dos
Palmares

Fonte: trabalho de campo (2015)


268

Foto 16 – Comércio de doces e balas em frente uma escola municipal de São Miguel dos Campos

Fonte: trabalho de campo (2015)

Tanto nessas situações como no consumo de material escolar, cremos que a


priorização do consumo das crianças e adolescentes se explica pelo papel político das
condicionalidades. De maneira geral, acontece como resumiu uma beneficiária do PBF de
Porto Calvo: “Às vezes eu deixo de comprar comida pra comprar material [escolar] pros meus
filhos porque eu quero os meus filhos né, que eles estudam né, pra ser alguém na vida” (M.S.,
36 anos. Entrevista concedida em julho de 2016).
Todavia, para “ser alguém na vida” é necessário participar de uma economia
extremamente seletiva, e é aí que as condicionalidades revelam todas as suas contradições
políticas. Depois de passar vários anos priorizando o consumo dos filhos, com o objetivo de
que eles chegassem algum dia a ser “gente”, uma beneficiária de União dos Palmares
mostrava-se decepcionada: “[...] o meu menino aí vai fazer 19 anos, ele tá terminando o
terceiro ano. Pronto, quando terminar oh meu Jesus Cristo, vai ficar só em casa. Quando
arrumar um dia pra tirar laranja ou limpar mato vai né, quando não tiver vai ficar em casa
mesmo. Porque é assim, minha Nossa Senhora, é só sonho”. Por outro lado, “ele [o filho] diz
“oie mãe, eu não sei pra que eu estudei, eu estudei tanto pra quê?”” (N.P., 38 anos. Entrevista
concedida em julho de 2016).
Sem desconsiderar os efeitos positivos que o PBF teve na escolaridade dos mais
pobres, é necessário pontuar que ao valorizar as formas de fazer e de ser requeridas pelo
circuito superior da economia urbana esse Programa não só impede a universalização de
direitos como também ameaça instrumentalizar a educação. A questão central seria ver os
269

pobres na sua capacidade de elaborar política. Enquanto isso não ocorre, reproduz-se o espaço
dividido, sendo os dois circuitos da economia urbana uma de suas expressões mais fiéis.
270

CAPÍTULO 6: Bolsa Família e circuitos da economia na rede urbana da Região


Canavieira de Alagoas

“Pensar o tempo é enquadrar, localizar a vida; não é tirar da vida uma


aparência particular, que se captaria de modo tanto mais claro quanto mais
se tiver vivido. É quase fatalmente propor que se viva de outro modo, que se
retifique antes de tudo a vida e em seguida que se a enriqueça”.
Gaston Bachelard. A dialética da duração. (1994, p. 76).

“A rede urbana não tem, portanto, o mesmo significado para as diferentes


camadas socioeconômicas”.
Milton Santos. O espaço dividido. (2008 [1975], p. 339).

N
o presente capítulo demonstraremos que os diferentes níveis de cidade da Região
Canavieira de Alagoas participam de maneira específica da concretização do PBF.
Esse fato terminou por condicionar o desenvolvimento das articulações entre os
dois circuitos da economia urbana no subsistema regional de cidades. Procuramos analisar
como velhos e novos elementos de ambos os circuitos se envolvem nessas articulações,
buscando assim revelar como o Bolsa Família transforma (diretamente ou ao autorizar) a rede
urbana da Região. Nesse sentido, consideramos a rede urbana, esta “verdadeira armação de
cada região” (GEORGE, 2005, p. 206), como reflexo, condição e meio (CORRÊA, 1989, pp.
48-50) para a realização do acontecer solidário.
Cada um dos circuitos da economia urbana participa de maneira particular na
conformação da rede urbana regional. Podemos afirmar que, “cada cidade tem, portanto, duas
zonas de influência de dimensões diferentes, e cada zona varia em função do tipo de
aglomeração, do mesmo modo que o comportamento de cada um dos circuitos” (SANTOS,
2008 [1975], p. 353). A atuação do circuito superior é seletiva na rede urbana, ainda que sua
influência e consequências se façam sentir em todos os níveis de cidade. Dependente da
instalação dos vetores do meio técnico-científico-informacional, a presença das atividades
desse circuito diminui das maiores e mais complexas aglomerações urbanas em direção às
menores. O inverso ocorre com as atividades do circuito inferior da economia urbana, pois
sua zona de influência é maior nas cidades locais. Essa dinâmica é aqui tomada como sendo,
ao mesmo tempo, causa e consequência da hierarquia urbana regional e do empobrecimento
de certas cidades que tal hierarquia revela.
271

A distribuição da rede de fixos da CAIXA mediaria a participação das cidades na


concretização do PBF. Por um lado, a particularidade das agências no pagamento dos
benefícios (como vimos, para os beneficiários sem cartão magnético só é possível receber nas
agências) reforçaria a importância de cidades como Porto Calvo, União dos Palmares e São
Miguel dos Campos. Por outro, a presença de Casas Lotéricas e/ou Caixa’s Aqui em
praticamente todos os pequenos centros urbanos da Região permitiria que esses centros
atuassem também diretamente no repasse das transferências às famílias. Todavia, as
limitações dos correspondentes no que se refere à capacidade de realizar todas as atividades
exigidas pelo Bolsa Família nos municípios contribuiria para adensar o fluxo de pessoas para
as principais cidades da Região.
Quando esse fluxo ocorria principalmente para o recebimento de aposentadorias e
demais benefícios do INSS, o problema da mobilidade era minimizado pela existência de um
sistema de transporte relativamente adaptado às condições socioeconômicas da população,
assim como pela estabilidade do benefício. Porém, desde 2003, a política do Governo
Estadual de Alagoas vem reduzindo a capacidade normativa que tinham as Associações de
Transporte municipais, o que termina por perturbar as relações desses trabalhadores com sua
clientela. De um lado, vemos aumentar a rigidez do sistema de transporte e, de outro, temos
certa instabilidade quanto ao recebimento do Bolsa Família. Não são incomuns as situações
em que as beneficiárias pedem emprestado o dinheiro da passagem para ir receber o benefício
em outra cidade, mas, ao chegar lá, o benefício encontra-se bloqueado. Sem falar que, às
vezes, a passagem chega a representar cerca de 16% do valor do Bolsa Família.
A forma particular como os diversos escalões de cidades participam da realização
desse acontecer político-institucional criou oportunidades diferenciadas para o
desenvolvimento das atividades do circuito superior e do circuito inferior da economia
urbana. Nas cidades locais floresce o pequeno comércio do ramo de alimentação, do vestuário
etc., onde consomem tanto as beneficiárias que recebem nesses centros urbanos quanto
aquelas que, mesmo tendo que ir receber em centros maiores, costumam comprar
cotidianamente, às vezes fiado, no comércio do circuito inferior local. Já em Porto Calvo,
União dos Palmares e São Miguel dos Campos, enquanto o circuito inferior busca aproveitar
tanto o crescimento do nível de consumo da população citadina como das cidades vizinhas,
observamos o circuito superior crescer e agregar novos elementos, como é o caso dos
atacadistas distribuidores. Dessa forma, as transformações nos dois circuitos da economia
tornam-se, ao mesmo tempo, causa e consequências de novas relações entre as cidades.
272

Nas principais cidades também vemos se expandir um circuito superior forâneo, que
atua a partir de formas organizacionais projetadas para as populações de baixa renda.
Autorizadas pelas condições técnicas e políticas do período, franquias, grandes redes do ramo
supermercadista e farmacêutico podem, a partir dessas cidades, abocanhar parte das
transferências recebida pelas populações de cidades locais. A política das empresas, destarte,
ganha cada vez mais importância nos fluxos descendentes de bens (SANTOS, 2008 [1975], p.
334) na rede urbana da Região. O circuito superior amplia sua área de influência, roubando
parte do mercado dos pequenos negócios localizadas nas cidades de nível inferior.
Assim, buscamos mostrar que, de vários pontos de vista, a pobreza na Região
Canavieira de Alagoas tem sido pressionada para se adequar as formas de fazer requeridas
pelo circuito superior. Devemos destacar como positivo o fato de que tudo isso se fez
principalmente através do acontecer político-institucional, isto é, de políticas públicas, única
forma de assegurar bens coletivos e a participação política dos pobres nas políticas sociais.

6.1. Os fixos da Caixa Econômica Federal e as novas e velhas formas de empobrecimento


das cidades locais

Nossos trabalhos de campo revelaram que as atividades que cabem à Caixa Econômica
Federal realizar nos municípios no âmbito do PBF implicou em mudanças importantes nas
relações entre os diferentes níveis de cidade da rede urbana da Região Canavieira de Alagoas.
Constatamos que, em boa medida, tais mudanças decorrem da participação dos
correspondentes bancários na execução de parte dessas atividades. Por serem fixos bancários
mais flexíveis quanto à localização, os correspondentes podem estar presentes nos diversos
escalões urbanos.
No mapa 80 temos a distribuição da rede de fixos da CAIXA na Região Canavieira
alagoana. Observamos que, embora as agências estejam concentradas nos principais centros
urbanos, os correspondentes Casa Lotérica e Caixa Aqui estão presentes em praticamente
todas as cidades.
273

Mapa 80 - Região Canavieira de Alagoas: distribuição dos fixos da Caixa Econômica Federal (2016)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Segundo Fábio Betioli Contel (2006, pp. 236-238), os correspondentes bancários se


expandem rapidamente nas diversas cidades brasileiras por duas razões principais. Primeiro
porque eles se localizam em pontos comerciais já em funcionamento, assim não há
necessidade de investimentos em infra-estrutura, como se dá no caso da instalação de uma
agência. Em segundo lugar, os correspondentes buscam atender a um público que até então
não tinha acesso aos serviços bancários, e que habita justamente os locais onde tais pontos
geralmente funcionam. Por isso, certos serviços bancários passaram ser ofertados tanto em
274

áreas urbanas menos valorizadas como em cidades locais muito pobres. Foi o que procuramos
mostrar com o mapa acima.
Quanto à realização das atividades exigidas pelo PBF nos municípios, os
correspondentes (notadamente os Caixa’s Aqui), apresentam um certo número de limitações
que decorrem de três fatores principais. O primeiro deles está ligado às especificidades desse
Programa. Como vimos, há situações em que existe a necessidade de sacar o benefício sem o
cartão magnético, o que só é possível fazer em uma agência. Além disso, o grande número de
beneficiários em pequenas cidades pobres (como é o caso das cidades locais da Região
Canavieira de Alagoas) geralmente gera filas enormes nos locais de pagamento, quando não
torna impossível realizar o pagamento de todos os benefícios dentro do calendário
estabelecido pelo antigo MDS. Isso nos remete ao segundo fator, relacionado às instalações
físicas simples utilizadas principalmente pelos Caixa’s Aqui. Torna-se difícil manusear o
volume de recursos necessário ao pagamento do Bolsa Família dispondo de tais instalações,
mesmo porque o número de trabalhadores também é reduzido. Por fim, a própria
especificidade de certas cidades locais limitam a atuação do correspondentes. Muitas vezes
são cidades de difícil acesso, onde o número de assaltos é bastante alto, o que impede o
manuseio de altos valores.
Durante nossas pesquisas nas cidades de Porto Calvo, União dos Palmares e São
Miguel dos Campos entrevistamos um total de 75 (setenta e cinco) beneficiárias de pequenas
cidades do entorno que estavam ali para receber o benefício: 59% delas explicaram que
precisaram se deslocar por problemas de falta de dinheiro e de natureza técnica (manutenção
do sistema, Caixa Aqui quebrado, ou algo do tipo) no correspondente de sua cidade, 13% em
virtude da existência de grandes filas (filas que tornam praticamente impossível receber o
benefício no mesmo dia), 12% vieram com o intuito de fazer compras nessas cidades maiores,
3% pela necessidade de acessar outros serviços públicos, 3% porque estavam sem cartão
magnético e os 10% restantes por outros motivos. O mapa 81 apresenta as cidades de origem
dessas beneficiárias.
275

Mapa 81 – Região Canavieira de Alagoas: cidades de origem das beneficiárias do Bolsa Família que
costumam receber em Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos (2015)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

É importante mencionar que, segundo as respostas que essas beneficiárias forneceram


aos nossos questionários, a maior parte delas, especificamente 56%, não costumava se
deslocar para essas cidades antes de ser beneficiária do Bolsa Família, e mesmo o restante que
já se deslocava o fazia nos dias de feira-livre, quando havia sistemas de transporte mais
baratos. Podemos afirmar então que se trata de uma parcela da população que, devido à sua
276

condição socioeconômica, estava prisioneira da cidade em que vivia, com todas as


dificuldades que isso colocava para o acesso aos bens públicos mais básicos.
Em seu estudo sobre o “Espaço Dividido”, Milton Santos (2008 [1975], pp. 336-339)
chegou à conclusão que nos países periféricos noções como a de rede urbana não têm “[...]
validade para a maioria das pessoas, pois o seu acesso efetivo aos bens e serviços distribuídos
conforme a hierarquia urbana depende do seu lugar socioeconômico e também do seu lugar
geográfico” (SANTOS, 2007 [1987], p. 11). Segundo o autor, temos, de um lado “[...] a
imobilidade de certos bens e serviços” (devido ao nível da demanda que eles exigem) e, de
outro, “[...] a imobilidade de certos indivíduos, por diversas razões incapazes de se deslocar
para onde esses bens e serviços podem ser adquiridos” (SANTOS, 2008 [1975], p. 336).
Como resumiu Roberto Lobato Corrêa (1988, p. 79),

A população de baixo status possui limitada mobilidade espacial. Para ela,


não existe de fato uma hierarquia urbana, utilizando apenas os centros locais
para satisfação de sua reduzida demanda: na realidade, a hierarquia de
localidades centrais existe apenas em função da população de médio e alto
status.

Podemos assegurar que, na Região Canavieira de Alagoas, o PBF alterou alguns


aspectos dessa realidade. Se a capilaridade dos correspondentes bancários permite que uma
parcela importante das beneficiárias de cidades locais receba o benefício na própria cidade, a
impossibilidade de esses fixos atenderem toda a demanda dos municípios onde se localizam
faz com que a outra parte seja praticamente obrigada a se deslocar regularmente para cidades
maiores. Observamos que na opção por se deslocar pesam diversos fatores, tais como: a
perspectiva de que o pagamento seja efetuado ou não na própria cidade, a urgência do
dinheiro, os custos do transporte (aqui também é considerada a possibilidade de conseguir
emprestado o dinheiro da passagem), o valor do benefício etc.
Dessa maneira, novas oportunidades são criadas em cidades como Porto Calvo, União
dos Palmares e São Miguel dos Campos tanto para as atividades do circuito superior como do
circuito inferior da economia urbana, que podem ser consideradas como novas causas de
empobrecimento das cidades locais. Das beneficiárias pesquisadas, 31% afirmaram que
costumam gastar o dinheiro do PBF somente na cidade aonde vão receber, 37% somente na
cidade onde moram e 32% gastam nas duas cidades. No gráfico a seguir apresentamos o
circuito da economia urbana onde compram aquelas beneficiárias que disseram gastar algum
dinheiro nas cidades aonde vão receber.
277

Gráfico 7 – Circuito da economia urbana onde gastam as beneficiárias do Bolsa Família de cidades
locais que costumam receber em Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos (2015)

Fonte: Trabalho de campo (2015)

Semelhante ao que vimos para o consumo das beneficiárias de Porto Calvo, União dos
Palmares e São Miguel dos Campos, notamos aqui que o circuito superior da economia
urbana aparece principalmente no ramo de alimentação, onde se concentra o gasto das
beneficiárias, enquanto o circuito inferior atua, sobretudo, no ramo de vestuário. Observamos
ainda que este último circuito também aparece com certo destaque no consumo de material
escolar, sendo citada principalmente a feira-livre.
Localizados na área central desses principais centros urbanos da Região Canavieira,
supermercados do circuito superior independentes e pertencentes a redes de lojas
(notadamente o Todo Dia e o UniCompra), ofertando preços mais baixos, acabam roubando
parte do novo mercado criado pelo PBF nas cidades locais. O mesmo podemos dizer sobre as
redes de farmácias. Consideramos esse processo como “[...] um indício do fortalecimento do
circuito superior e da ampliação da brecha que o separa da baixa capitalização do circuito
inferior. Permanecem as interdependências entre ambos os subsistemas, mas o circuito
inferior é, a cada dia, mais subordinado” (SILVEIRA, 2015, p. 256).
A atuação do circuito inferior nessa demanda é, em boa medida, condicionada pelas
possibilidades de localização dos pequenos negócios nas áreas centrais dessas cidades, visto
ser aí onde as beneficiárias do PBF recebem o benefício e, portanto, por onde circulam (o que
explica porque a feira-livre foi bastante citada). Os trabalhadores do circuito inferior que
pesquisamos nos centros de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos nos
278

informaram que suas clientelas são constituídas também por populações dos municípios
vizinhos, que aumenta nos dias de pagamento aos aposentados, beneficiários do Bolsa Família
e de feira-livre. Já na periferia de São Miguel dos Campos e União dos Palmares a clientela de
outros municípios é pequena, sendo maior nesta última cidade pois aí se realiza uma feira-
livre aos domingos. É o que trazemos nos mapas 82 e 83:

Mapas 82 e 83 – Região Canavieira de Alagoas: Cidades de procedência dos consumidores para os


negócios do circuito inferior da economia urbana pesquisados em Porto Calvo, União dos Palmares e
São Miguel dos Campos (2015)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Observamos que há ainda pequenos gastos que as beneficiárias realizam quando vão
receber em outras cidades, onde o circuito inferior encontra um mercado importante. São
gastos com lanches, doces, balas, pipocas etc., principalmente porque, muitas vezes, as
crianças acompanham as mães nesse deslocamento. É comum que tais atividades localizem-se
nos pontos de saída e chegada dos transportes.
279

É no fluxo de pessoas para Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos
Campos que os serviços de transporte do circuito inferior da economia são chamados a
participar diretamente na concretização do PBF na rede urbana regional. Porém, o Governo do
Estado de Alagoas vem, a partir de sua política de transporte, forçando alterações no grau de
capital e de técnica dessas atividades, o que termina por perturbar suas formas políticas de
organização e as relações que esses serviços estabelecem com as populações pobres que
necessitam de mobilidade.
Através do Decreto nº 1.171, de março de 2003, o Governo buscou regulamentar o
serviço complementar de transporte rodoviário intermunicipal, atribuindo à Agência
Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL o papel de órgão
responsável por toda regulação, planejamento e fiscalização do transporte. Desde então, os
trabalhadores que estavam vinculados a Associações Municipais passaram a depender de
permissão concedida por essa agência, que além de estabelecer tarifas e itinerários, passou a
delimitar também o número de carros em cada linha e o tipo de veículo a ser utilizado no
serviço. Nesse sentido, o Decreto estabeleceu que os veículos deveriam ter no máximo 7
(sete) anos de uso.
Dessa forma, com o discurso baseado na necessidade de “racionalizar” o serviço de
transporte, estudos foram feitos, normas foram promulgadas, tudo isso para deslegitimar as
formas de organização dos trabalhadores do circuito inferior. Fazer parte de Associações não
constitui mais garantia alguma de trabalho, além do mais a exigência de veículos novos
causou um endividamento geral desses trabalhadores. Sem falar que a dívida adquirida com a
compra do veículo às vezes dura mais do que o período da concessão fornecida pela Agência
Reguladora, o que significa que é real a possibilidade de se ficar somente com a dívida, mas
sem o rendimento.
Não desconsideramos a necessidade de se pensar uma política abrangente para o
serviço de transporte, mas questionamos o porquê de se fazer tão pouco caso das formas
políticas de organização já existentes nas Associações, assim como da combinação entre
técnica e capital que estava umbilicalmente ligada a tais formas. Os acréscimos de capital
exigidos pela política estadual de transporte têm pressionado a equação de lucro dos
trabalhadores do circuito inferior, exigido aumentos constantes das passagens e, além do mais,
cerceado relações de confiança que se davam entre motoristas e passageiros. A necessidade de
pagar prestações fixas do veículo, por exemplo, impede que uma passagem seja deixada no
fiado, mesmo que muitas vezes esta seja a única forma de uma beneficiária do Bolsa Família
se deslocar para receber o benefício em outra cidade.
280

Dentre as beneficiárias que responderam aos nossos questionários, foi possível


constatar que uma parcela significa do benefício acaba sendo gasta com passagens. É o que
apresentamos no quadro 22.

Quadro 22: alguns dados sobre a mobilidade da população beneficiária do PBF das cidades do entorno
de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos
Entorno de Porto Calvo
Valor da passagem Menor valor do PBF das % da passagem
Trajeto Distância
(ida e volta) beneficiárias entrevistadas sobre o PBF
Matriz do
Camaragibe-Porto 25 km R$ 7,00 R$ 77,00 9%
Calvo
R$ 233,00 7%
Jundiá-Porto Calvo 33 km R$ 17,00
Porto de Pedras*- R$ 147,00 10%
29 km R$ 14,00
Porto Calvo
Entorno de União dos Palmares
Valor da passagem Menor valor do PBF das % da passagem
Trajeto Distância
(ida e volta) beneficiárias entrevistadas sobre o PBF
Santana do Mundaú
- União dos 28 km R$ 12,00 R$ 77,00 16%
Palmares
São José da Laje - R$ 142,00 8%
23 km R$ 12,00
União dos Palmares
Branquinha-União R$ 147,00 6%
12 km R$ 9,00
dos Palmares
Entorno de São Miguel dos Campos
Valor da passagem Menor valor do PBF das % da passagem
Trajeto Distância
(ida e volta) beneficiárias entrevistadas sobre o PBF
Roteiro-São Miguel 5%
15 km R$ 7,00 R$ 134,00
dos Campos
Jequiá da Praia**-
R$ 147,00 5%
São Miguel dos 17 km R$ 8,00
campos
Boca da Mata - São R$ 112,00 12%
40 km R$ 13,00
Miguel dos Campos
Campo Alegre*** -
R$ 77,00 12%
São Miguel dos 24 km R$ 9,00
Campos
* A distância e o valor da passagem se explicam pelo fato de que as beneficiárias desse município tentam receber
primeiro em Matriz de Camaragibe, Porto Calvo acaba sendo procurada numa segunda tentativa.
** São beneficiárias que habitam o povoado da Usina Sinimbu, às margens da BR – 101.
*** São beneficiárias que habitam o Distrito de Luziápolis, às margens da BR – 101.
Fonte: site da Agência Reguladora de Serviços Públicos de Alagoas – ARSAL (fev. de 2016) e trabalho de
campo (2015)
Organização: Fernando Silva (2017)

Como podemos notar, em algumas situações a passagem chega a representar 16% do


benefício que vai ser sacado. O que nos chamou a atenção foi que quase metade das
beneficiárias que responderam aos nossos questionários (exatamente 47%) pega dinheiro
emprestado com alguém de confiança para arcar com a passagem de ida até a outra cidade ou,
281

às vezes, o motorista confia fiado para pagar na volta. No entanto, com a recente instabilidade
do Programa essas soluções têm se tornado complicadas. Por exemplo, uma beneficiária que
entrevistamos de Matriz de Camaragibe tomou dinheiro emprestado a uma vizinha para ir
receber em Porto Calvo, mas ao chegar lá seu benefício tinha sido bloqueado. Como pagar o
dinheiro da vizinha, ou antes disso, como voltar para casa?
Mais difícil ainda é, sem sombra de dúvidas, a situação de beneficiárias que habitam
cidades em que o transporte, além de muito caro para os níveis de rendimento das populações
urbanas, é irregular. Nesse sentido, podemos citar o caso de uma beneficiária que
entrevistamos na cidade de Jundiá, no entorno de Porto Calvo. Trata-se de uma cidade que
dispõe apenas de um Caixa Aqui, e diariamente saem 4 (quatro) carros às 6 horas para Porto
Calvo e 3 (três) para Novo Lino, sendo que as passagens de ida e volta custam,
respectivamente, R$ 17,00 e R$ 14,00. Quando questionada como faz para receber o Bolsa
Família diante de problemas constantes no correspondente da cidade e do baixo valor do
benefício, essa beneficiária explicou:

Entrevistada: Tem vez que eu vou de pé mais as meninas aqui pra Novo
Lino.
Pesquisador: A pé?
Entrevistada: Sim, eu já fui umas quatro vezes ou foi mais, foi não [marido]?
De pé.
Pesquisador: Tem que sair cedinho?
Entrevistada: É, tem que sair cedinho.
Pesquisador: Da quanto tempo, umas 2 horas?
Entrevistada: Da mais, dá umas três horas. Foi eu, minha vizinha e meu
menino.
Pesquisador: Mas quando vem a senhora vem de carro?
Entrevistada: Aí quando vem o menino conhece nós aí dá carona a nós.
Pesquisador: Carro é meio difícil né?
Entrevistada: É viu.
Pesquisador: A não ser de moto táxi né?
Esposo da entrevistada: Mas mototaxistas é no dinheiro, eles cobram R$
20,00 daqui pra lá oia. A pessoa vai receber um dinheiro pouco aí volta sem
nada [se for de moto táxi].

São 12 km de distância, ou seja, 24 km de ida e volta caso a carona não seja


conseguida!
Tudo isso que vimos apontando é pouco considerado quando se discute acerca do
PBF. Cremos que tratá-lo como acontecer solidário nos lembraria que “uma política
efetivamente redistributiva visando a que as pessoas não sejam discriminadas em função do
lugar onde vivem, não pode, pois, prescindir do componente territorial” (SANTOS, 2007
[1987], p. 141).
282

6.2. O atacado distribuidor como nexo entre os dois circuitos da economia na rede urbana
regional

Desde 2003, o Índice de Vendas do Comércio Varejista de Alagoas, segundo dados do


IBGE, cresceu em ritmo acelerado. É o que observamos no gráfico 8. Vale ressaltar que, entre
os estados do Nordeste, Alagoas apresentava em 2011 o segundo maior índice, atrás apenas
do Maranhão (nos anos de 2004, 2009 e 2010 Alagoas esteve em primeiro lugar).

Gráfico 8 – Alagoas: Índice de volume de vendas no comércio varejista ampliado – base 100: 2003
(2003-2011)

Fonte: Pesquisa Mensal do Comércio – PMC do IBGE


Elaboração: Fernando Silva (2017)

Isto levou a uma expansão sem precedentes dos comércios varejista e atacadista
alagoanos, segundo mostra a tabela 36:
283

Tabela 36 – Alagoas: Evolução do número de estabelecimentos e pessoal ocupado nos comércios


atacadista e varejista de Alagoas (1997, 2002 e 2007)
Comércio atacadista Comércio varejista
Ano Estabelecimento Pessoal ocupado Ano Estabelecimento Pessoal ocupado
1997 384 3.777 1997 8.421 33.109
2002 440 5.343 2002 9.918 35.046
2007 569 7.990 2007 15.442 70.623
Fonte: Pesquisa Anual do Comércio – PAC do IBGE
Organização: Fernando Silva (2017).

Embora entre 1997 e 2002 os números de estabelecimentos e de pessoal ocupado em


ambos os comércios tenham aumentado, é somente a partir deste último ano que o aumento
tem sido mais expressivo. O impulso para tanto foi dado não apenas pelo PBF, mas também
pelo aumento do salário mínimo e pelas demais políticas elaboradas a partir do Governo de
Luiz Inácio Lula da Silva. A singularidade do PBF está na sua capilaridade. A porcentagem
de beneficiários desse Programa é maior justamente nas cidades mais pobres (mapa 84), que
geralmente apresentam um menor número de aposentados e de trabalhadores de usinas com
Carteira de Trabalho assinada.
284

Mapa 84 - Região Canavieira de Alagoas: Porcentagem de beneficiários do Bolsa Família sobre a


população total estimada para 2015

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte

Contudo, como a rede urbana regional termina mediando a concretização do Bolsa


Família, temos novos fatores de concentração e dispersão do consumo por todos os níveis de
cidade da Região Canavieira. Dada a seletividade espacial das atividades do circuito superior,
as atividades comerciais do circuito inferior da economia urbana se pulverizam nas pequenas
cidades.
285

Segundo dados da Receita Federal (BRASIL, 2016a), o número de Micro e Pequenas


Empresas – MPEs nas cidades locais do interior da Região (ou seja, sem considerarmos as
cidades da Região Metropolitana de Maceió nem os principais centros do interior) passou de
4.181 em 2007 para 20.212 em 2015, um aumento de quase quatro vezes. Num período mais
curto, o número de Micro - Empreendedores Individuais cresceu ainda mais: de apenas 1.572
em 2010 alcançou 10.698 em 2015. A grande maioria desses negócios era do ramo de
comercialização de produtos em geral, com predominância de produtos alimentícios, de
comercialização de vestuário e acessórios e do comércio de produtos alimentícios. É claro que
esses dados não revelam todo o crescimento do circuito inferior, mas sim como a política de
formalização dos pequenos negócios veio se misturar com esse crescimento. Por isso mesmo
não deixam de ter grande importância para analisarmos a dinâmica do circuito inferior nas
cidades locais da Região no século atual.
A necessidade de se abastecer desses comércios, principalmente dos que vendem
produtos de mercearia básica (já que a maior parte dos trabalhadores que comercializam
vestuário se abastecem no agreste de Pernambuco), acabou dando um novo ímpeto às
atividades dos atacadistas distribuidores do estado de Alagoas. Uma reportagem do Jornal
Gazeta de Alagoas97, de agosto de 2015, trazia como título: “Setor atacadista alagoano supera
usinas de açúcar”. A reportagem menciona que, naquele ano, enquanto o setor atacadista
deveria faturar cerca de R$ 3,5 bilhões, o faturamento dos usineiros ficaria em torno de R$ 2,2
bilhões, destacando que cada um dos três maiores atacadistas distribuidores, localizados na
cidade de Arapiraca - AL, tem, individualmente, um faturamento equivalente ao de 4 (quatro)
usinas. A reportagem destaca ainda que, desde 2003, com a expansão do consumo e com a
concessão por parte do Governo do Estado de uma tributação diferenciada para o setor, esses
atacadistas passaram a se organizar politicamente, a investir em logística e em tecnologia da
informação para concorrerem com empresas de outros estados, notadamente de Minas Gerais
e Pernambuco. Hoje em dia, com um expressivo número de vendedores, de caminhões e
sistemas informatizados de distribuição, atacadistas de Arapiraca e Maceió conseguem fazer
entregas rápidas não somente em todos os 102 municípios alagoanos, mas também em
municípios de estados vizinhos.
A dispersão territorial de pequenos comércios que necessitam renovar seus estoques
com certa frequência, em um contexto em que grandes redes supermercadistas passam a atuar

97
GONÇALVES, Maurício. “Setor atacadista alagoano supera usinas de açúcar”. In: Jornal Gazeta de Alagoas.
Maceió: 02 de agosto de 2015. Disponível em:
http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/noticia.php?c=270742 Acesso em julho de 2016.
286

em áreas e cidades que outrora eram atendidas majoritariamente por comércios do circuito
inferior da economia urbana, exige, segundo defende Marcos de Moraes Xavier (2009), uma
verdadeira reorganização do setor atacadista brasileiro. Novos graus de capital, técnica e,
sobretudo, de organização são requeridos das empresas desse setor para que elas possam
manter o papel de elo que desempenham entre a indústria e o pequeno varejo. De acordo com
a explicação do autor, essa modernização termina por ampliar as funções das empresas
atacadistas distribuidoras, visto que estas passam também a prestar certos serviços e a gerir o
pequeno varejo.
Nesse processo de renovação dos nexos entre os dois circuitos da economia urbana
brasileira participam atacadistas de diferentes portes. Neste sentido, Marcos de Moraes Xavier
(2009, pp. 22-29) propõe, inspirado em Milton Santos (1998), uma tipologia das empresas do
setor com base no grau de capital, tecnologia e no alcance territorial. Primeiro vêm os
atacadistas do macro -circuito, que “[...] correspondem às empresas de grande porte que são
capazes de agir em todo o território brasileiro ou em mais de uma das grandes regiões” (p.
26). Estão entre as maiores do setor, como o Grupo Martins e o Grupo Peixoto que a partir de
Uberlândia – MG atuam nas diversas regiões do País. Já “os atacadistas do meso-circuito
apresentam as mesmas feições das empresas do macro-circuito, porém são menos
capitalizadas e seu campo de atuação é restrito às parcelas do território de menor extensão
[...]” (p. 26 grifos no original). Nesse caso o autor cita como exemplo, dentre outros, o Asa
Branca, maior atacadista de Alagoas localizada em Arapiraca. Por último vêm os atacadistas
do micro-circuito, que “são empresas de pequeno porte cujo alcance de suas ações é local” (p.
27). Lembra o autor que embora não se trate de atividades do circuito inferior da economia
urbana, esses negócios dependem da existência de um mercado contíguo, visto que não
dispõem de tecnologia e de capital para tirar proveito do crescimento do consumo de toda
uma região, por exemplo.
A distribuição dos supermercados filiados à Rede Smart na Região Canavieira de
Alagoas pode fornecer-nos uma ideia sobre a atuação dos atacadistas do macro-circuito.
Conforme o mapa 85, 11 (onze) cidades têm lojas filiadas à essa rede, sendo 4 (quatro) na
Região Metropolitana de Maceió. Mais da metade das lojas filiadas (12 de 23) estão em
Maceió.
287

Mapa 85 - Região Canavieira de Alagoas: distribuição dos supermercados filiados à Rede Smart
(2016)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
288

Algumas das empresas que ascenderam nas cidades de Arapiraca e de Maceió podem
ser consideradas como atacadistas do meso-circuito, pois atuam em todos os municípios do
estado de Alagoas. Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais - RAIS
(BRASIL, 2016b), do total de 1.434 estabelecimentos de comércio atacadista existentes em
Alagoas em 2016, 60% se localizavam em Maceió e mais 20% em Arapiraca. Esses
estabelecimentos empregavam 12.663 trabalhadores com Carteira de Trabalho assinada,
sendo 54% em Maceió e 33% em Arapiraca. Nestas duas cidades está a grande maioria das
empresas que fazem parte da Associação do Comércio Atacadista e Distribuidor do Estado de
Alagoas – ACADEAL, principal associação que representa os interesses políticos do setor no
estado.
Em nossos trabalhos de campo constatamos ainda a existência de 4 (quatro)
atacadistas distribuidores nas cidades de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos
Campos, que pelas suas características podem ser tratados como atacadistas do micro-circuito
da Região Canavieira.
Criado no ano de 2002, o Mercantil Andrade é um atacadista distribuidor da cidade de
Porto Calvo do ramo de mercadorias em geral, com predominância de produtos alimentícios.
Iniciou suas atividades como um pequeno atacado, abastecendo comerciantes da própria
cidade, mas a expansão do mercado em Porto Calvo e nas pequenas cidades do entorno levou
a empresa a aumentar o estoque e a investir também na distribuição. Hoje esse atacadista
distribuidor possui 2 (dois) prédios para armazenar mercadoria, um total de 21 (vinte e um)
funcionários e 2 (dois) caminhões para realizar entregas. Vende suas mercadorias no boleto e
no cheque, sendo o boleto a forma de pagamento mais utilizada pelos clientes. Realiza
propagandas em uma rádio local.
Também em Porto Calvo surgiu, no mesmo ano que o Mercantil Andrade, o
Comercial Cordeiro, atacadista distribuidor que também disputa pelo novo mercado criado
pela expansão do consumo de produtos alimentícios no Litoral Norte de Alagoas. Localizada
no centro da cidade, essa empresa possui 4 (quatro) depósitos e um total de 38 (trinta e oito)
funcionários, que trabalham desde a recepção da mercadoria até a entrega ao pequeno varejo.
Do ponto de vista do alcance territorial, o maior atacadista do micro-circuito que atua
no interior da Região Canavieira de Alagoas surgiu na cidade de União dos Palmares, no ano
de 2013. Trata-se da empresa Real Distribuidora. Dispondo de uma frota de 3 (três)
caminhões, um total de 20 (vinte) funcionários e um prédio localizado às margens da BR –
104, esse atacadista consegue realizar entregas em 30 (trinta) cidades da Região em cerca de
dois dias depois da realização do pedido. Ao alcançar os pequenos comércios até mesmo do
289

Litoral Norte, acaba disputando não somente com atacadistas do macro e do meso-circuito,
mas também com os do micro-circuito localizados na cidade de Porto Calvo.
Por fim, mencionamos o Bonzão Atacado, surgido também em 2013 na cidade de São
Miguel dos Campos. Com um total de 15 (quinze) funcionários e 2 (dois) caminhões, essa
empresa, localizada às margens da BR – 101, realiza entregas em algumas cidades do entorno
de São Miguel dos Campos, mas o prazo dessas entregas depende do volume dos pedidos
realizados pelos clientes, assim como da distância de cada cidade. Em termos de capital,
tecnologia e de alcance territorial trata-se do menor atacado dentre os 4 (quatro) que
identificamos, e acreditamos que a maior proximidade de Arapiraca, de certa forma, limita
sua atuação nas cidades do entorno.

Foto 17 – Atacadista distribuidor de Porto Calvo

Fonte: Trabalho de campo (2015)

Foto 18 – Atacadista distribuidor de União dos Palmares

Fonte: Trabalho de campo (2015)


290

Foto 19 – Atacadista distribuidor de São Miguel dos Campos

Fonte: Trabalho de campo (2015)

Apresentamos as cidades em que esses atacadistas atuam na sequência de mapas a


seguir. Destacam-se a Real Distribuidora e o Bonzão Atacado por terem, respectivamente, o
maior e o menor alcance territorial.
291

Mapas 86 a 89 – Região Canavieira de Alagoas: Cidades em que atuam as empresas atacadistas


distribuidoras de Porto Calvo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos (2015)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
292

Em suma, são empresas que pelo grau de técnica, capital e capacidade logística têm
um campo de atuação restrito a certas porções da Região Canavieira de Alagoas. Não deixam,
contudo, de subordinar pequenos comércios do circuito inferior da economia urbana,
especialmente aqueles localizados nas cidades locais.

6.3. Formas recentes de atuação do circuito superior da economia: a rede urbana regional
face à política das empresas

Não nos parece possível compreender a dinâmica atual dos dois circuitos da economia
na rede urbana da Região Canavieira de Alagoas sem considerarmos a capacidade que
grandes firmas vêm demonstrando em aproveitar as possibilidades criadas pelo PBF nos
diferentes níveis de cidade. Se, por um lado, essa capacidade evidencia a reprodução
subordinada do circuito inferior, por outro não deixa de revelar como a formação
socioespacial brasileira vem autorizando cada vez mais as políticas das empresas.
Legitimadas pela forma como o País ingressou na modernização tecnológica e robustecidas
pela abertura neoliberal dos anos 1990, essas políticas terminam por demonstrar, a partir de
2003, todo seu poder em reduzir potenciais efeitos positivos de programas públicos
endereçados às regiões mais pobres.
Principalmente nos setores supermercadista e farmacêutico, empresas com capacidade
de atuar em todo território brasileiro passaram a se interessar pela expansão do consumo na
Região Canavieira alagoana. Ao mesmo tempo, firmas surgidas no próprio estado, ou mesmo
em estados vizinhos, redesenharam sua topologia, abrindo novas lojas para também
disputarem pelos acréscimos dos rendimentos dos mais pobres. Todas essas empresas buscam
localizar seus estabelecimentos nas principais cidades da Região e, além disso, detêm certo
controle sobre as variáveis centrais do período (MONTENEGRO, 2011) – notadamente sobre
o crédito institucional e a propaganda -, apesar de apresentarem capacidades diferenciadas de
se utilizar de tais variáveis. Essas diferenciações vêm somar-se à especificidade do mercado
regional para explicar a diversidade de formas organizacionais adotadas pelas diferentes
firmas.
No mapa 90 representamos a distribuição das lojas das principais redes de
supermercados. Observamos que nas cidades do interior destacam-se dois grupos empresarias:
o Grupo UniCompra (como vimos, de origem na cidade de Arapiraca) e o Grupo Walmart,
através dos supermercados Todo Dia.
293

Mapa 90 - Região Canavieira de Alagoas: Distribuição das lojas das principais redes de
supermercados que atuam na região (2015)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
294

O Grupo UniCompra privilegia as cidades em que as populações apresentam maiores


níveis de rendimento. Do total de 19 (dezenove) lojas desse Grupo, 9 (nove) estão instaladas
em cidades da Região Canavieira de Alagoas, quase todas em Maceió (6) e em São Miguel
dos Campos (2). Fora dessa Região há lojas do UniCompra em Arapiraca (são oito lojas nesta
cidade, além do centro de distribuição do Grupo), Palmeira dos Índios (1) e Caruaru (PE)98. O
Cartão UniCompra, que mencionamos no capítulo anterior, contava em 2016 com mais de 20
mil clientes99.
Já o Todo Dia, embora atue em um número maior de cidades, se interessa
principalmente pelas cidades do entorno de São Miguel dos Campos e pelas periferias mais
populosas da capital, sendo União dos Palmares a única cidade fora dos pontos mais ricos da
Região Canavieira. A empresa Walmart100, à qual pertencem os supermercados Todo Dia, é a
terceira maior do setor supermercadista no Brasil, posição que assumiu a partir da aquisição
de várias redes regionais no início dos anos 2000 (XAVIER, 2009, p. 33)101.
Os demais supermercados têm lojas somente em Maceió. Em nossos trabalhos de
campo constatamos que mesmo nestes casos o circuito superior demonstra sua capacidade de
atrair para o consumo populações pertencentes ao circuito inferior que habitam cidades
menores. Identificamos em Porto Calvo e em União dos Palmares alguns trabalhadores que
passaram a transportar as populações dessas cidades para fazerem compra no Atacadão. Para
termos uma ideia da dimensão dessas caravanas, apresentamos no quadro 23 algumas de suas
principais características.

98
Segundo dados do site Supermercado Moderno, trata-se do maior supermercado alagoano. Em 2016 possuía
2.349 trabalhadores nas suas 19 lojas, ano em que teve um faturamento de pouco mais de R$ 405 milhões.
Disponível em: http://www.sm.com.br/ Acesso em abril de 2017.

99
Dados de um propaganda disponível no site da empresa.
100
Trata-se de uma das maiores empresas de lojas de departamento do mundo, tendo lojas nas Américas, Europa,
Ásia e África. Sua sede fica no Estado de Arkansas, nos Estados Unidos.
101
Dados de 2016 mostram que o Walmart manteve-se como 3ª maior empresa supermercadista, atrás apenas do
Carrefour Comércio e Indústria LTDA e da Companhia Brasileira de Distribuição. Nesse ano eram 485 lojas e
65.229 funcionários. O faturamento foi de R$ 29,4 bilhões (dados do site Supermercado Moderno:
http://www.sm.com.br/ Acesso em abril de 2017). Para uma discussão sobre o tema ver a tese de Marcos de
Moraes Xavier (2009).
295

Quadro 23: principais características das caravanas que saem das cidades de Porto Calvo e União dos
Palmares com destino ao Atacadão de Maceió e Caruaru (PE)
Cidade de Tempo que Nº e modelo dos Frequência Valor da Cidade da
origem existe o serviço carros passagem Compra
Porto Calvo 3 anos São 5 carros, Os ônibus vão 1 vez a R$ 50,00 Maceió
sendo 2 ônibus, 1 cada 2 meses. Os
micro-ônibus, 1 outros carros vão uma
ducato e 1 doblô vez por semana
União dos 7 anos 1 ônibus 1 vez por mês (até R$ 30,00 Maceió e
Palmares 2013 saía uma vez por para Maceió Caruaru
semana) e R$ 40,00 (PE)
para Caruaru
(PE)
Fonte: trabalho de campo (2015)
Organização: Fernando Silva (2017)

Vale dizer que se trata do número de motoristas que conseguimos identificar, por isso
não descartamos a possibilidade de existirem outros. Ainda que não seja uma quantidade
muito expressiva, interessa-nos aqui destacar como esse processo vem se dando. Pelas
entrevistas que realizamos com os motoristas que organizam essas viagens ficou claro que são
principalmente as pessoas de menor poder aquisitivo, que habitam as periferias urbanas ou até
mesmo as pequenas cidades vizinhas, as que mais procuram o serviço. Essas pessoas
geralmente justificam a viagem pela busca do menor preço nas compras de alimentação.
Dessa maneira, os comércios do circuito inferior desses centros urbanos perdem parte
da clientela, mas, ao mesmo tempo, novas oportunidades de trabalho são criadas para o
serviço de transporte desenvolvido no âmbito do mesmo circuito. Observamos que para os
proprietários dos veículos essas viagens servem para complementar os rendimentos. Em Porto
Calvo, os dois proprietários de ônibus geralmente prestam serviço às usinas no período da
safra, transportando trabalhadores rurais das cidades para as áreas canavieiras. Já os
motoristas do micro-ônibus e do ducato transportam regularmente pessoas para comprarem
confecções no agreste pernambucano, enquanto o proprietário do doblô é taxista em Porto
Calvo. Já o proprietário de ônibus que realiza as viagens em União dos Palmares trabalha a
cerca de 20 (vinte) anos transportando feirantes e sacoleiras para comprarem confecções no
agreste de Pernambuco. O faturamento médio de uma viagem realizada por ônibus é de R$
1.000,00, sendo o lucro por volta de R$ 500,00.
Quanto à atuação das empresas do setor farmacêutico na Região Canavieira de
Alagoas, vejamos o mapa 91:
296

Mapa 91 - Região Canavieira de Alagoas: Distribuição das lojas das principais redes de farmácias que
atuam na região (2017)

Organização dos dados: Fernando Silva


Elaboração Cartográfica: Luciano Duarte
297

As Farmácias do Trabalhador do Brasil apresentam maior capilaridade nas cidades do


interior, com lojas em 3 (três) cidades fora da Região Metropolitana de Maceió. Já vimos que
se trata de uma rede que tem lojas próprias e também atua pelo sistema de franquias. Dados
de 2016 da Associação Brasileira de Franchising - ABF102 mostram que se trata da 14º
(décima quarta) maior marca franqueadora do Brasil, com um total de 985 unidades. Para
Maria Laura Silveira (2016, p. 40), a capacidade diferenciada dos agentes da economia urbana
em criar e adotar inovações organizacionais pode ser vista, hoje em dia, na utilização do
sistema de franquias, pois este revela, por exemplo, o poder que uma empresa tem em criar e
difundir uma marca. Os dados da ABF demonstram claramente que, do ponto de vista da rede
urbana brasileira, esse poder é bastante concentrando nas cidades do Estado de São Paulo,
notadamente na capital103. Todavia, as especificidades dos gostos e do mercado em cada
região também abrem espaço para marcas de outros estados, sendo as Farmácias do
Trabalhador, com sede em Pernambuco, um exemplo disso. O modo como diferentes agentes
participam dessa forma organizacional das atividades comerciais demonstra como a posse das
variáveis do período “[...] permite participar de un circuito superior, aunque sea de forma
vulnerable y provisoria como en su porción marginal” (SILVEIRA, 2016, p. 40).
A distribuição das lojas das Farmácias Permanentes também revela como firmas
regionais buscam se adaptar ao imperativos do período. De origem na cidade de Garanhuns
(PE) na década de 1980, essa rede iniciou no final dos anos 1990 sua expansão para o Estado
de Alagoas e, depois, para os estados da Paraíba e Rio Grande do Norte. Hoje são 70 (setenta)
farmácias nesses 4 (quatro) estados, além de dois centros de distribuição, sendo um em
Caruaru (PE) e outro em Maceió. A rede tem aproximadamente 1.300 trabalhadores. Na
Região Canavieira de Alagoas, além de estar presente em Maceió, instalou lojas em Marechal
Deodoro, Penedo, União dos Palmares e São Miguel dos Campos, ampliando assim seus
mercados e seus lucros104.
Por fim, foi inaugurada em 2017, em União dos Palmares, uma loja das Farmácias
Pague Menos. Trata-se de uma empresa oriunda do Estado do Ceará, que hoje está entre as

102
Dados disponíveis no site da ABF: http://www.abf.com.br/ Acesso em abril de 2017. Ainda segundo esta
Associação o investimento inicial para abrir uma franquia da Farmácia do Trabalhador é de R$ 195.000,00.
103
Em 2016, do total de 3.039 redes franqueadoras existentes no Brasil, 53% eram do Estado de São Paulo,
sendo que o Rio de Janeiro, Estado que vinha em seguida, aparecia com 11%. Todavia, São Paulo detém apenas
36% das unidades franqueadas, e a expansão destas nos últimos anos tem se dado principalmente nos estados do
Nordeste. Em 2015, por exemplo, o crescimento das franquias em Alagoas foi de 10,7% em relação ao ano
anterior, enquanto no Brasil esse aumento foi de 8,3% (dados disponíveis no site da ABF).
104
Informações disponíveis do site da empresa.
298

três maiores farmácias do Brasil com um total de 1.015 lojas instaladas em todas as unidades
da federação. Em 2016 teve um faturamento de R$ 5,8 bilhões, e encerrou o ano com um total
de 20.694 trabalhadores. Como vemos no mapa, a loja de União dos Palmares foi a primeira
do interior da Região Canavieira de Alagoas105.
Por esses dados podemos afirmar que o circuito superior na Região aumenta os graus
de capital de suas atividades, adota novas formas organizacionais e, com isso, aumenta sua
capacidade de alcançar as populações pertencentes ao circuito inferior. Para usar as
expressões de Maria Laura Silveira (SILVEIRA, 2015, p. 257), o subsistema superior cresce
tanto intensiva (como demonstram os dados sobre o faturamento das empresas) como
extensivamente (como revela a distribuição de suas lojas), e embora não atue diretamente em
todas as cidades, sua ação se faz sentir nos diversos escalões da rede urbana, tendendo “[...] a
desvalorizar as demais formas de trabalho”.
Assim, as novas formas de combinação entre técnica e organização das atividades do
circuito superior podem ser vistas como fortes indícios de fortalecimento deste circuito, ao
contrário do que ocorre no âmbito do circuito inferior, onde as adaptações estão ligadas
essencialmente à sua condição subordinada na dinâmica econômica. Não se trata aqui de
desconsiderar as oportunidades de trabalho criadas para o subsistema inferior quando, por
exemplo, as populações pobres das cidades interioranas se deslocam para fazer compras em
lojas de grandes redes na capital. Mas se trata, na realidade, de apontar a drenagem do
dinheiro (já escasso) que chega aos centros locais da Região através das políticas sociais,
empobrecendo assim os pequenos negócios cuja atuação se restringe à escala do lugar.

105
Informações disponíveis do site da empresa.
299

CONCLUSÃO

“Pesquisador: A senhora acha que o Bolsa Família é um direito do povo ou


não?
Entrevistada: Eu num sei dizer não. Eu só acho que se cortar o Bolsa
Família é tanta gente morrer de fome. Tem muita gente que não tem nada na
vida, nada, nada, nada, só se acha com o coitado do Bolsa Família”.
M. A. S., 54 anos. Entrevista concedida em julho de 2016.

“Fazer história não é toda a ação de pensar e agir na contracorrente; é o


pensar e o agir que força a corrente a desviar-se de seu curso “natural”.
Sujeitos históricos são todos os rebeldes competentes”.
Boaventura de Sousa Santos. Somos todos anticapitalistas. In: Outras
Palavras (25 de outubro de 2016).

D
efendemos a tese de que com os acréscimos de técnica, norma e informação ao
território das diferentes sociedades a existência da cidadania passa a depender de
um processo de racionalização do espaço geográfico, que respeitando as formas de
fazer e de ser de todos os grupos, assegure, através de recursos, bens e serviços coletivos, a
permanência dos valores cívicos definidos em lei. A possibilidade de que poucos agentes
utilizem essa base técnica para se apropriarem dos recursos coletivos coloca em risco
princípios de igualdade e liberdade, além de constituir uma verdadeira ameaça ao direito à
vida. Por isso, cremos ser muito difícil, senão impossível, construir um país a partir da
competição entre as pessoas e lugares, versão geográfica da “ação racional determinada pelos
fins” de que falava Max Weber. Assim, além dos aconteceres hierárquico, homólogo e
complementar propostos por Milton Santos, podemos falar também de um acontecer político-
institucional quando estamos diante de uma política como o Bolsa Família.
Especialmente nos países periféricos, a possibilidade de controlar os sentidos das
ações e dos objetos à distância terminou por alterar a face política da pobreza, pois esta
deixou de ser local para ser, ao mesmo tempo, local, nacional e, cada vez mais, global
(SANTOS, 2011 [2001], pp. 54-57). Ainda que essa mudança se expresse no funcionamento
das atividades econômicas, trata-se, na verdade, de perceber como a modernização
tecnológica conferiu possibilidades desiguais de ação aos distintos agentes da economia e da
política, autorizando novas formas de produzir a pobreza, assim como de perpetuá-la.
300

Esforçamo-nos em enxergar algumas especificidades da formação socioespacial


brasileira diante desse novo período histórico. Sem sombra de dúvidas, a seletividade social e
espacial das garantias públicas (SANTOS, 2007 [1987]; TELLES, 1993; BRANDÃO, 2004)
apareceu como um dos principais resultados da racionalização do espaço geográfico no Brasil,
uma das evidências políticas mais claras do “Espaço Dividido”. Às tentativas de anulação
pela violência da diversidade de objetos e ações representativa das bases da formação
nacional (RIBEIRO, 1995), seguiu-se a institucionalização de objetos e formas de fazer
funcionais a uma economia seletiva, que busca anular aquela diversidade também através de
um processo sistemático de desvalorização econômica, cultural, social e geográfica,
perpetuando, com base em mecanismos sofisticados de convencimento e de poder, a
representação ideológica da sociedade no Estado (RIBEIRO, 1997, p. 19). É assim que os
pobres não têm acesso a todos os bens assegurados pela Constituição Federal aos cidadãos
brasileiros nos lugares onde eles habitam, realidade que se mantém tanto pela violência como
pelo convencimento, e só raramente por políticas que procuram se apoiar na pluralidade de
objetos e ações que os lugares continuam a abrigar.
O que todo esse processo de racionalização do espaço geográfico significou para a
dinâmica das regiões mais empobrecidas do País? O que dizer sobre essa dinâmica diante da
abertura do território nacional aos vetores da globalização nas últimas décadas do século XX?
Como compreender a incorporação das políticas de transferência de renda pela formação
socioespacial brasileira diante das tentativas de reduzir ao máximo o já incompleto, porque
social e espacialmente seletivo, Estado de Bem-Estar Social? Como o funcionamento, o
desenho e o papel dessas políticas foram transformados a partir do PBF, e qual o significado
disto para a realidade da pobreza?
Figurando entre as velhas regiões açucareiras do Nordeste, a Região Canavieira de
Alagoas participa das sucessivas modernizações que alcançaram o território brasileiro,
misturando a inércia de certos elementos que lhes deram origem às novidades de cada período
histórico. É nessa dialética onde percebemos o acúmulo de dívidas sociais, a renovação da
dinâmica da pobreza, onde encontramos situações reveladoras do papel do espaço na
elaboração dos vínculos clássicos de uma cidadania incompleta, da sua reelaboração
espacialmente seletiva a reboque de uma modernização tecnológica avassaladora, e onde, no
período atual, enxergamos a capacidade dos pobres de construir solidariedades entre os
lugares, embora o Estado teime em não reconhecê-las.
Até aproximadamente meados do século XX, a pobreza nessa Região era um
fenômeno sobretudo local. Técnicas surgidas na Europa, notadamente ligadas à produção e à
301

circulação, são coladas ao meio geográfico regional, e estabelecendo complementariedades


diversas com os rios e lagoas, terminam por alavancar a capacidade produtiva em
determinados subespaços, sendo responsáveis, desta maneira, pelo empobrecimento de outros.
Como a maior parte da população trabalhadora habitava a propriedade das usinas e, além
disso, as condições de trabalho no campo não eram reguladas pelo Estado, esse
empobrecimento repercutia principalmente nas condições de vida do trabalhador. A pobreza
se manifestava nos baixos salários, nas migrações, no consumo no barração etc. É
especialmente na grande propriedade que encontramos não apenas as causas econômicas da
pobreza, mas também suas causas sociais e políticas.
No pós-Segunda Guerra Mundial a pobreza se manifesta como “Espaço Dividido”,
podendo ser apreendida a partir das diferentes formas de trabalho e de consumo abrigadas
pelas cidades da Região. Observamos, por um lado, a busca por adequar uma estrutura de
propriedade extremamente concentrada, completamente irracional, aos objetivos da política
econômica nacional, e por outro, a instalação de grandes empresas em pouquíssimas cidades,
ambos os processos viabilizados por uma nova estrutura do Estado em seus diferentes níveis.
As mudanças no papel do Estado, assim como a brutal transformação nas geografias agrária e
urbana da Região Canavieira são reveladoras da dinâmica da riqueza e da pobreza nesse
período. Em função do reduzido número de empregos gerados pelas empresas, apenas uma
pequena parcela da população regional passa a ter acesso aos direitos conquistados pelos
trabalhadores industriais, ao passo que os direitos dos trabalhadores rurais, conquistados
depois de muitas lutas, acabam tendo seus efeitos reduzidos pela sazonalidade do trabalho nas
usinas. Os baixos salários e o desemprego constituem a face mais evidente da apropriação e
drenagem seletiva dos recursos regionais, redundando em um crescimento deveras
impressionante das atividades realizadas com baixo nível de técnica, capital e organização que
se utilizam das partes mais deterioradas das cidades. A ausência de garantias estatais aos
trabalhadores dessas atividades revela a impossibilidade de efetivar direitos em uma situação
de apropriação tão desigual da riqueza.
O avanço das políticas neoliberais no território brasileiro na última década do século
XX, ao abrir novas oportunidades para as políticas das grandes empresas, reduzindo o Estado
na oferta de bens públicos e fortalecendo-o no amparo às ações privadas de certos agentes,
pode ser lido como tentativa de naturalização do Espaço Dividido. Daí podermos falar de uma
pobreza estrutural globalizada (SANTOS, 2011 [2001], p. 55). Neste período, a pobreza na
Região Canavieira de Alagoas conheceu situações das mais graves. A ação instrumental se
alastra no Estado e na economia, e ao se misturar com os conservadorismos das elites
302

regionais não poderia resultar em algo mais irracional. A privatização e falência de empresas
públicas assim como a falência de usinas, somadas à apropriação ilegal de recursos dos cofres
públicos, levaram a um crescimento do desemprego e do circuito inferior da economia urbana
sem precedentes na história da Região. Todavia, a flexibilidade das técnicas do período
permitiu a esse circuito construir novas cooperações entre os lugares, de modo que a
capacidade de elaborar política dos pobres se tornou cada vez mais evidente.
Essa vaga de modernização condicionou, de diversas maneiras, a oferta de recursos,
bens e serviços coletivos por parte do Estado brasileiro. Cremos que a forma como as
propostas de transferência de renda foram transformadas em políticas no País revela muitos
desses condicionamentos. O chamado “combate à pobreza”, de forma racional, com poucos
recursos e por pouco tempo, veio a ser a principal justificativa apresentada pela ciência e por
certos partidos políticos para a criação de programas de transferência de renda. A chamada
tese da “reprodução inter-geracional da pobreza” acaba servindo perfeitamente a esses
objetivos. A forma como diversos partidos, notadamente os mais conservadores, passaram a
se empenhar no “enfrentamento da pobreza” revela-nos como a ação instrumental acaba se
tornando um verdadeiro parâmetro para a ação política (RIBEIRO, 2014).
O Programa Bolsa Família representa mudanças fundamentais na política de
transferência de renda no Brasil, que se expressam na busca por transformar esse Programa
em um direito. Cresce enormemente o número de beneficiários e o volume das transferências,
ao mesmo tempo em que os sistemas técnicos e normativos que operacionalizam as
condicionalidades e as transferências são aprimorados, o que resulta em certa estabilidade
dessa política pública. Mas a construção do PBF, não somente em virtude das heranças
deixadas pelo Bolsa Escola, Bolsa-Alimentação e Auxílio Gás, mas também pela pressão dos
organismos internacionais e das elites brasileiras através da grande mídia, indica-nos também
os condicionamentos da ação instrumental, que acabaram, contraditoriamente, contribuindo
para a sua rápida expansão.
Trata-se de uma nova dinâmica da formação socioespacial brasileira, em decorrência
da qual a pobreza na Região Canavieira de Alagoas conhece mudanças importantíssimas. As
populações mais empobrecidas dessa Região, depois de saírem das terras dos usineiros e
ficarem quase sem proteção alguma do Estado, passaram, neste século XXI, a ter acesso às
transferências de forma regular. A importância dessas transferências diante da gravidade das
situações regionais de pobreza é deveras imensurável, pois como resumiu certa beneficiária,
“se não fosse essa Bolsa Família as pessoas nunca ia ter nada” (J. A. S., 38 anos. Entrevista
303

concedida em julho de 2016). Neste sentido, o PBF promoveu o acesso principalmente aos
seguintes bens básicos:

i) Alimentos: conforme demonstramos na primeira parte do trabalho, a fome constituiu,


durante o século XX, uma das principais consequências da pobreza na Região Canavieira de
Alagoas. Mesmo considerando que os valores dos benefícios do PBF são baixos, é possível
afirmar que com eles essa realidade mudou significativamente, pois a compra de alimentos,
ainda que em pequenas quantidades, passou a ser realizada regularmente pelas beneficiárias
do Programa;

ii) Vestuário: a vergonha de sair de casa por falta de vestimentas adequadas e o andar
descalço eram uma constante na vida das populações pobres da Região antes do PBF. Como
afirmou certa beneficiária, “naquele tempo a gente só comprava roupa de vez em quando pras
festas de fim de ano e andava descalço pra não gastar o chinelo. A gente remendava o chinelo
inter não dá mais” (M. F. S. 43 anos. Entrevista concedida em julho de 2016);

iii) Material escolar: trata-se, em boa medida, de um consumo exigido pelas


condicionalidades do PBF, cuja importância reside em assegurar a permanência das crianças
mais pobres na escola. Antes do Programa, as crianças que estudavam tinha que ir à escola
“[...] com bolsa chia chia, não tinha roupa pra ir pra escola, e hoje os meninos de tudo têm, as
mães compra bolsa e tudo pros fios” (M. S., 57 anos. Entrevista concedida em julho de 2016).

Por essas razões, é possível afirmar que na Região Canavieira de Alagoas o consumo
conheceu uma expansão sem precedentes neste século XXI, gerando novas oportunidades
para as atividades de ambos os circuitos da economia urbana. Em Porto Calvo, União dos
Palmares e São Miguel dos Campos percebemos as formas de reprodução subordinada do
circuito inferior da economia urbana, tanto em decorrência das relações que este subsistema
necessita estabelecer com o circuito superior, como em virtude de certas políticas públicas
que, apesar de reconhecerem a importância das formas de trabalho desenvolvidas pelos
pobres, fazem pouco caso da capacidade que estes demonstram em atuarem conforme a
realidade dos lugares.
Na rede urbana regional observamos as consequências dessa subordinação do circuito
inferior da economia para a mobilidade das beneficiárias do PBF, que necessitando com
urgência do dinheiro das transferências não podem acessá-lo nos municípios onde habitam.
304

Por um lado, os correspondentes não executam todas as atividades exigidas pelo Bolsa
Família nos municípios e, por outro, a política estadual para o serviço de transporte tem
elevado os custos da circulação intermunicipal na Região. Em meio a novas e velhas formas
de empobrecimento das cidades locais, novas relações de complementaridade, subordinação e
concorrência entre os dois circuitos da economia desenvolvem-se na rede urbana.
É importante pontuar também que outros gastos realizados pelas beneficiárias do PBF,
ainda que não apareçam entre os de maior relevância nas despesas das famílias pesquisadas,
revelam a precariedade do acesso aos demais direitos sociais por parte dos mais pobres. São
exemplos nesse sentido o pagamento de escolas para filhos menores de 5 (cinco) anos de
idade, ou então de faculdade para os filhos de 18 anos ou mais. Como vimos demonstrando ao
longo da tese, a ausência de garantias sociais no próprio lugar onde as pessoas habitam
termina por empobrecer cada vez mais os trabalhadores do circuito inferior da economia
urbana, seja pela necessidade de se deslocar para outra cidade para acessar um serviço
público, ou mesmo por ter que adquirir tal serviço em atividades do circuito superior da
economia urbana. A perpetuação de uma cidadania incompleta ficou evidente quando
observamos como “cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor,
consumidor, cidadão, depende de sua localização no território” (SANTOS, 2007 [1987], p.
107).
Essa cidadania incompleta também se manifesta no PBF de outra forma. Se o
tratarmos como acontecer político-institucional é necessário levar em conta como a população
beneficiária participa ou não na conformação dos sistemas de ações (definição do orçamento,
critérios e valores dos benefícios, necessidade ou não das condicionalidades etc.) e controle
dos sistemas de objetos (formas de uso da base de dados do CAD.ÚNICO, necessidade ou
não do sistema de condicionalidades, cruzamento ou não do CAD.ÚNICO com outras bases
de dados etc.). Nesse sentido, infelizmente vem ocorrendo (muito especialmente desde 2016)
como nos relatou uma beneficiária: “muita gente acha bom né, quando recebe que sai aquele
dinheirinho pra comprar o material de escola dos meninos, e assim vai. Agora quando diz que
tá cortando aí pronto, que bloqueia, aí fica difícil, fica muito complicado demais” (E. S. 28
anos. Entrevista concedida em julho de 2016). Outro diálogo com algumas beneficiárias
deixou claro o porquê dessa complicação. A conversa foi sobre o bloqueio do benefício de
uma delas:
305

Entrevistada 1: Eu não entendo porque que essa menina [vizinha] não


recebe, porque eu não sei como é que bota no cadastro dessa menina, como é
que acusa lá que ela tem um benefício, tem renda, sem ela ter nada.
Pesquisador: Lá na Secretaria [de Assistência Social] lhe explicaram o que
aconteceu?
Entrevistada 2: Eu disse assim “oh minha fia por que você botou renda?”, aí
ela disse “não foi a gente que botou não, deu no sistema, a gente não pode
fazer nada”. [...] eu disse “oie minha fia esse dinheiro servia tanto que se
fosse R$ 50,00 pra mim era R$1.000,00”. Aí ela foi disse assim “é, sinto
muito” [começou a chorar].
Entrevistada 1: Faça alguma coisa por ela, foi uma crueldade que fizeram
com ela. Se o senhor fizer eu vou ficar muito grata viu, e Deus vai lhe
ajudar.
(V. A. S., 38 anos; L. S. 44 anos. Entrevista concedida em julho de 2016).

A incerteza em relação ao recebimento do benefício tanto enfraquece o circuito


inferior da economia urbana pela instabilidade do consumo dos mais pobres, como reduz a
possibilidade de estes virem a se tornar cidadãos plenos, já que impede a transformação do
PBF em um direito. Porém, a trajetória desse Programa não deve deixar dúvidas quanto ao
fato de que fortalecer a figura do consumidor não significa necessariamente fortalecer a figura
do cidadão. Mesmo que se trate de uma política de transferência de renda, o controle por parte
da população beneficiária sobre o sentido dos sistemas de ações e sobre o funcionamento dos
sistemas de objetos no âmbito do PBF é imprescindível. A autonomia vem daí, não do
simples acesso às transferências. O fortalecimento ou não do circuito inferior da economia
urbana pode ser tomado como um dos principais indícios de construção dessa autonomia.
Os resultados e discussões apresentados ao longo desta tese nos fazem acreditar que
compreender as chamadas políticas públicas como um acontecer solidário pode contribuir de
maneira significativa com os esforços de construção democrática da sociedade brasileira,
principal forma de enfrentarmos a problemática do Espaço Dividido.
306

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