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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA


CURSO DE GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

LARA MAIA DOS SANTOS

OS CAMINHOS DO TURISMO COMUNITÁRIO E DA AFIRMAÇÃO


TERRITORIAL NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DO CUMBE, ARACATI –
CE

FORTALEZA – CEARÁ
2020
LARA MAIA DOS SANTOS

OS CAMINHOS DO TURISMO COMUNITÁRIO E DA AFIRMAÇÃO TERRITORIAL


NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DO CUMBE, ARACATI – CE

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Graduação em
Geografia do Centro de Ciências e
Tecnologia da Universidade Estadual do
Ceará, como requisito parcial para a
obtenção do grau de Bacharel em
Geografia.

Orientadora: Profa. Dra. Camila Dutra


dos Santos.

FORTALEZA – CEARÁ
2020
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará

Sistema de Bibliotecas

Santos, Lara Maia Dos.


Os caminhos do turismo comunitário e da afirmação territorial
na comunidade quilombola do Cumbe, Aracati-CE [recurso
eletrônico] / Lara Maia Dos Santos. - 2020.
120 f. : il.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade


Estadual do Ceará, Centro de Ciências e Tecnologia, Curso de
Geografia, Fortaleza, 2020.

Orientação: Prof.ª Dra. CAMILA DUTRA DOS SANTOS.

1. turismo comunitário. 2. conflitos


socioambientais. 3. resistências. 4. território
quilombola-pesqueiro do Cumbe. I. Título.
LARA MAIA DOS SANTOS

OS CAMINHOS DO TURISMO COMUNITÁRIO E DA AFIRMAÇÃO TERRITORIAL


NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DO CUMBE, ARACATI – CE

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Graduação em
Geografia do Centro de Ciências e
Tecnologia da Universidade Estadual do
Ceará, como requisito parcial para à
obtenção do grau de Bacharel em Geografia.

Aprovada em: 15 de julho de 2020.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________
Profa. Dra. Camila Dutra dos Santos (Orientadora)
Universidade Estadual do Ceará – UECE

_____________________________________________________
Profa. Dra. Luciana Maciel Barbosa Caracas
Universidade Estadual do Ceará – UECE

_____________________________________________________
Prof. Me. João Luís Joventino do Nascimento
Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP

_____________________________________________________
Profa. Esp. Rogéria de Oliveira Rodrigues
Instituto Terramar
AGRADECIMENTOS

Na minha jornada pela conquista de concluir o ensino superior em uma universidade pública,
por participar de bolsas de estudo e pela dedicação total ao estudo, agradeço primeiramente a
minha família, em especial minha mãe, Maria Helenir, por todo o apoio e por sempre acreditar
nos meus sonhos e projetos.

Ao meu pai, José Airton Florêncio, pelo trabalho árduo que me proporcionou uma educação
diferente da que lhe foi oferecida.

À Universidade Estadual do Ceará pelas experiências incríveis e principalmente por me


proporcionar conhecer pessoas as quais me incentivaram a continuar na luta, agradeço a minha
grande amiga Tais Amorim, que sempre esteve comigo nos momentos bons e ruins e ao
Kaynam Sobral pela parceria.

Ao meu namorado, Felipe Holanda, por oferecer suporte sempre, obrigado por todos os
momentos bons e por me ajudar a superar os momentos ruins. Agradeço por todo o apoio
oferecido em quatro anos de namoro que ajudaram na minha formação enquanto estudante e
profissional.

Agradeço aos membros do Laboratório de Estudos do Campo, Natureza e Território –


LECANTE e do Grupo de Pesquisa e Articulação Campo, Terra e Território (NATERRA) em
especial à Ingrid Gomes e Ariel Nóbrega que puderam me ajudar na construção de projetos, na
troca de conhecimentos e na elaboração do presente trabalho. Saliento que todos me ajudaram
bastante e tenho muito orgulho e admiração por cada um.

À professora e orientadora Camila Dutra dos Santos que em todos os momentos me apoiou,
confiou no meu potencial e me ajudou a encontrar um caminho dentro do Curso de Geografia.

Aos colegas professores(as) e ex-alunos(as) do Cursinho pré-vestibular Uecevest,


especialmente ao Professor Robson, que viu em mim um potencial para lecionar. Sou
eternamente grata pelas oportunidades que me foram e continuam sendo dadas.

Aos pescadores e pescadoras do Território Quilombola do Cumbe, que nos recebeu com todo
amor e carinho, proporcionou experiências incríveis e uma pesquisa que vai marcar a minha
vida.
Ao João do Cumbe, por sempre ter disponibilizado seu tempo para ajudar, por todo o apoio no
decorrer do trabalho.

Às mulheres do Instituto Terramar, pela parceria com o projeto de extensão, pelo apoio e pela
troca realizada de conhecimentos.

À Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Estadual do Ceará - UECE, por ter financiado


minha bolsa de extensão universitária, e me proporcionado a experiência de desenvolver um
projeto extensionista de grande importância social.

À Profa. Luciana Maciel Barbosa Caracas, por participar da banca com seu vasto conhecimento
na temática sobre o turismo comunitário e ambientes costeiros.

Às educadoras e ao educador da banca, obrigada por participarem desse momento muito


importante, seguiremos!
RESUMO

A zona costeira cearense apresenta riquezas, tanto nos sistemas ambientais como na presença
de comunidades tradicionais que sofrem com inúmeras formas de invisibilização e ataques do
poder público e privado. A presença predatória da carcinicultura e da empresa eólica na
Comunidade Quilombola do Cumbe, criadora e intensificadora de racismo ambiental, configura
diversos conflitos socioambientais neste território. Em meio a esses conflitos, a comunidade
busca forças de proteger a identidade, história e modo de vida, e uma dessas resistências está
materializada no turismo comunitário, que colabora na visibilidade e defesa deste território. O
presente trabalho é fruto do desenvolvimento dos projetos extensionistas que desenvolvemos
no território do Cumbe, nos anos de 2018 e 2019, através de bolsas de extensão universitária da
Universidade Estadual do Ceará (UECE). O objetivo geral da pesquisa foi compreender os
caminhos do turismo comunitário da comunidade do Cumbe, evidenciando como esta atividade
se configura enquanto uma resistência frente aos conflitos socioambientais presentes no
território. Os objetivos específicos foram: debater a importância da extensão universitária, dos
projetos extensionistas e da pesquisa participativa na construção de caminhos associados à luta
por justiça ambiental; conhecer o histórico da comunidade, sua compartimentação
geoambiental e a economia local para a compreensão da identidade e modo de vida quilombola;
e por fim espacializar caminhos do turismo comunitário no território quilombola-pesqueiro do
Cumbe. A metodologia utilizada deu-se a partir de práticas coletivas e engajadas, como a
pesquisa-ação, pesquisa participativa e a pedagogia do território. Os procedimentos
metodológicos utilizados foram: levantamentos bibliográficos, trabalhos de campo, rodas de
conversa, elaboração de relatórios, cartografia social e mapeamento participativo-colaborativo.
Como resultado principal tivemos a elaboração de sete mapas dos caminhos do turismo
comunitário e seus respectivos significados para a comunidade, além da sistematização das
atividades econômicas que caracterizam a economia solidária e apoiam o turismo local
fortalecendo a identidade territorial e o modo de vida quilombola. No território quilombola-
pesqueiro do Cumbe, todos os caminhos do turismo comunitário contam fatos, vivências e usos
importantes dos lugares que os compõe, pois cada morador quilombola tem uma história para
contar e cada turista uma história para viver nestes lugares, mostrando a importância dos
caminhos para a resistência e justiça ambiental.

Palavras-chave: Turismo comunitário. Conflitos socioambientais. Resistências. Território


quilombola-pesqueiro do Cumbe.
ABSTRACT

The coastal zone of Ceará has riches, both in environmental systems and in the presence of
traditional communities that suffer from numerous forms of invisibility and attacks by public
and private authorities. The predatory presence of shrimp farming and the wind farm in the
Quilombola do Cumbe Community, which creates and intensifies environmental racism,
configures several socio-environmental conflicts in this territory. In the midst of these conflicts,
the community seeks strength to protect its identity, history and way of life, and one of these
resistances is materialized in community tourism, which contributes to the visibility and defense
of this territory. This work is the result of the development of extension projects that we
developed in the territory of Cumbe, in the years 2018 and 2019, through university extension
scholarships from the State University of Ceará (UECE). The general objective of the research
was to understand the ways of community tourism in the Cumbe community, showing how this
activity is configured as a resistance to the socio-environmental conflicts present in the territory.
The specific objectives were: to debate the importance of university extension, extension
projects and participatory research in building paths associated with the fight for environmental
justice; to know the history of the community, its geo-environmental compartmentalization and
the local economy to understand the quilombola identity and way of life; and finally, spatialize
paths of community tourism in the quilombola-fishing territory of Cumbe. The methodology
used was based on collective and engaged practices, such as action research, participatory
research and the pedagogy of the territory. The methodological procedures used were:
bibliographical surveys, fieldwork, conversation circles, report writing, social cartography and
participatory-collaborative mapping. As a main result we had the elaboration of seven maps of
the paths of community tourism and their respective meanings for the community, in addition
to the systematization of the economic activities that characterize the solidary economy and
support local tourism, strengthening the territorial identity and the quilombola way of life. In
the quilombola-fishing territory of Cumbe, all paths of community tourism tell important facts,
experiences and uses of the places that compose them, as each quilombola resident has a story
to tell and each tourist a story to live in these places, showing the importance of paths to
resistance and environmental justice.

Keywords: Community tourism. Socio-environmental conflicts. Resistances. Quilombola-


fishing territory of Cumbe.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Socialização do 2º projeto de extensão com os quilombolas do Cumbe ......... 36


Figura 2 – Apresentação dos pontos do turismo comunitário marcados pelos(as)
moradores(as) do Cumbe ................................................................................ 37
Figura 3 – Percorrendo os caminhos do turismo comunitário ......................................... 38
Figura 4 – Algumas das riquezas dos quintais produtivos do Cumbe ............................. 39
Figura 5 – Mapa de Localização da comunidade do Cumbe ............................................ 42
Figura 6 – Mapa dos Sistemas ambientais da Comunidade Quilombola do Cumbe,
Aracati - CE ..................................................................................................... 43
Figura 7 – A invasão da carcinicultura sobre o mangue do Cumbe ................................ 52
Figura 8 – Placa identificando a presença de câmera de vigilância nos tanques da
carcinicultura ................................................................................................... 52
Figura 9 – Câmera de vigilância voltada para rua da comunidade ................................. 53
Figura 10 – Privatização do campo de dunas no Cumbe.................................................. 54
Figura 11 – Mapa de conflitos da comunidade do Cumbe, Aracati – CE ........................ 56
Figura 12 – Cemitério de Santa Cruz do Cumbe .............................................................. 59
Figura 13 – Sítio arqueológico do Cumbe ......................................................................... 60
Figura 14 – Oficina de artesanato do Mestre Cheirinho .................................................. 61
Figura 15 – Quintal Produtivo da Dona Edite .................................................................. 62
Figura 16 – Mapa das resistências no território Quilombola do Cumbe, Aracati – CE . 64
Figura 17 – Apresentação dos sistemas econômicos pelas mulheres quilombolas ........... 72
Figura 18 – A pesca na margem do rio Jaguaribe ............................................................ 74
Figura 19 – Quintal produtivo da Cleomar ...................................................................... 77
Figura 20 – Conhecendo o mato do território quilombola ............................................... 79
Figura 21 – Pescadora Cleomar falando sobre seu artesanato......................................... 81
Figura 22 – Lojinha de artesanato do Mestre Cheirinho ................................................. 82
Figura 23 – Festa do Mangue do Cumbe em 2018 ............................................................ 84
Figura 24 – Mapa do Caminho Lugares de Memória ...................................................... 92
Figura 25 – Mapa do Caminho das Lagoas do Cumbe..................................................... 96
Figura 26 – Mapa do Caminho dos Saberes e Modos de Fazer........................................ 98
Figura 27 – Mapa do Caminho das Ilhas do Rio Jaguaribe ........................................... 102
Figura 28 – Mapa do Caminho do Mangue .................................................................... 106
Figura 29 – Mapa do Caminho da Praia do Cumbe ....................................................... 109
Figura 30 – Mapa Síntese dos Caminhos do Turismo Comunitário do Território
quilombola do Cumbe, Aracati – CE .......................................................... 112
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Sistema produtivo da pesca artesanal no território quilombola do Cumbe . 73


Quadro 2 – Sistema dos Quintais Produtivos do Cumbe ................................................. 76
Quadro 3 – Sistema produtivo do extrativismo vegetal do Cumbe .................................. 78
Quadro 4 – Descrição do artesanato do Cumbe................................................................ 80
Quadro 5 – Descrição lugares da memória do turismo comunitário do Cumbe ............. 93
Quadro 6 – Descrição das Lagoas do Cumbe para o Turismo Comunitário ................... 97
Quadro 7 – Descrição dos lugares que representam os pontos dos Saberes e Modos de
Fazer do Cumbe........................................................................................... 100
Quadro 8 – Descrição do passeio de barco e das Ilhas do Rio Jaguaribe ...................... 104
Quadro 9 – Descrição do Caminho do Mangue .............................................................. 107
Quadro 10 – Descrição do Caminho da Praia Do Cumbe .............................................. 110
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APA Área de Preservação Ambiental.

CAGECE Companhia de Água e Esgoto do Estado do Ceará

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CPP Conselho Pastoral dos/as Pescadores/as Artesanais

FUNCEME Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos

IBAMA O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

LECANTE Laboratório de Estudos do Campo, Natureza e Território

MDS Ministério do Desenvolvimento Social

MST Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

NATERRA Grupo de Pesquisa e Articulação Campo, Terra e Território

ONG Organização Não-Governamental


Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
PNPCT
Tradicionais
PRODETUR Programa de Desenvolvimento do Turismo do Ceará

SECITEC Secretaria da Infraestrutura do Estado do Ceará

SEMACE Superintendência Estadual do Meio Ambiente

TRAMAS Grupo de Pesquisa de Trabalho, Meio Ambiente e Saúde

TERRAMAR Instituto Terramar de Pesquisa e Assessoria à Pesca Artesanal

TUCUM Rede Cearense de Turismo Comunitário

UECE Universidade Estadual do Ceará

UFC Universidade Federal do Ceará

TURISOL Rede Brasileira de Turismo Solidário e Comunitário


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 12
2 O CAMINHO DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E A CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA PARTICIPATIVA .............................................................. 18
2.1 As metodologias de aproximação dos sujeitos e a extensão universitária:
questionando o conhecimento científico hegemônico ................................... 18
2.2 A construção do território quilombola e as comunidades tradicionais........ 23
2.3 Rompendo o “desenvolvimento”: a busca por justiça ambiental ................. 29
2.4 A cartografia social na construção das resistências ...................................... 33
3 A CONSTRUÇÃO DO TERRITÓRIO E DA MEMÓRIA NO
QUILOMBO DO CUMBE ............................................................................ 41
3.1 Caracterização ambiental da Comunidade Quilombola do
Cumbe/Aracati – CE ..................................................................................... 41
3.2 Os conflitos que cercam o Território Quilombola do Cumbe ...................... 47
3.3 “Onde há conflito, há resistência!”: o turismo comunitário como
resistência ativa no Cumbe............................................................................ 57
4. CARTOGRAFANDO OS CAMINHOS DO TURISMO
COMUNITÁRIO DO CUMBE ..................................................................... 69
4.1 As atividades que representam a economia solidária no Cumbe e suas
festividades..................................................................................................... 69
4.2 A construção do turismo comunitário no Quilombo do Cumbe .................. 85
4.3 Os caminhos do turismo: cartografando memórias e vivências no Cumbe. 89
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: OS CAMINHOS PERCORRIDOS E OS
CAMINHOS A PERCORRER ................................................................... 114
REFERÊNCIAS .......................................................................................... 115
12

1 INTRODUÇÃO

O litoral cearense é acometido por ocupações associadas a um intenso processo de


urbanização, de instalação de empreendimentos “desenvolvimentistas” e de projetos turísticos.
O turismo de massa é visto como uma atividade bastante rentável devido à diversidade de
atividades que são desencadeadas, alimentando o setor de serviços, com o grande número de
hotéis e restaurantes, gerando a privatização de praias, monetizando paisagens e lugares na
busca por lucro. Aproveita-se das formas já existentes e/ou constrói novas, artificializando os
lugares. O processo de globalização gera a padronização os modos de vida existentes e o
turismo de massa utiliza desse método para artificializar o território. Na Comunidade
quilombola-pesqueira do Cumbe, localizada no município de Aracati, região do litoral leste do
estado do Ceará, o turismo possui uma perspectiva diferente, pois é visto como uma forma de
afirmação da identidade e do território quilombola.

A comunidade quilombola-pesqueira do Cumbe é formada por pescadores e


pescadoras, descendentes de quilombolas, onde estes são dependentes da preservação do
território para realizar as atividades de autoconsumo. O território localiza-se em uma planície
fluvial, com um extenso manguezal e campo de dunas, que estão sendo impactados com a
presença de atividades como a carcinicultura (criação de camarões em cativeiro) e o parque
eólico. Tais atividades geraram um processo de privatização de terras dentro no território, onde
os moradores se viram impedidos de realizar suas tarefas do cotidiano, gerando intensos
conflitos socioambientais.

A comunidade quilombola do Cumbe sofre com invasões desde o século XVII, com
a chegada dos colonizadores, introdução dos engenhos de cana-de-açúcar, uso da mão de obra
escrava negra na produção de cachaça e rapadura, e hoje enfrenta o processo de negação da
existência de escravos no Ceará, que é uma das problemáticas enfrentadas pelas comunidades
quilombolas cearenses. Conforme Silva (2016), o termo “Cumbe” está associado a “local de
comunidades quilombolas”, estando intimamente relacionado ao processo de ocupação na
região, principalmente na foz do rio Jaguaribe.

O processo de destruição dos ecossistemas e, consequente, exclusão de populações


tradicionais acaba gerando conflitos, que estão relacionados à implementação de projetos
empresariais, colocando em risco as formas de sobrevivência de grupos que dependem
diretamente do ambiente em que vivem. Esses conflitos geram processos de degradação
13

maiores nos sistemas ambientais presentes, como os sofridos pelos quilombolas do Cumbe,
pois, a chegada da prática da carcinicultura e, posteriormente, a instalação do Parque Eólico,
acirraram as disputas por território, marginalizando os moradores locais que buscam diversas
formas de resistência.

A atividade da carcinicultura chegou no município de Aracati a partir dos anos


1990, com o discurso de geração de emprego e renda para os moradores, porém, trouxe o início
da privatização das terras e conflitos nos territórios onde se instalou. Dessa forma, a planície
litorânea da região é marcada pelos impactos socioambientais gerados pela carcinicultura,
principalmente, pela privatização do rio e do mangue, impedindo as atividades de autoconsumo
dos moradores e gerando destruição do ecossistema manguezal.

A chegada do Parque Eólico da empresa Bons Ventos, nos anos 2000, acarretou a
privatização do campo de dunas, das lagoas e da praia, modificando a paisagem. A presença
dos aerogeradores gerou impactos tanto no manejo inadequado do lixo gerado pela atividade,
com partes dos aerogeradores abandonados na praia e nas dunas, quanto a mudança do curso
natural dos sedimentos das dunas, das águas subterrâneas e superficiais, sendo necessário
entender esses impactos.

Nesse processo, surgiram várias formas de resistências dos moradores locais que
buscam preservar sua existência e suas práticas sob o território. Uma das formas dessa
resistência está no turismo comunitário, cujos princípios centram-se na preservação,
valorização e indução de tradições e relações sociais solidárias, na geração de trabalho e renda
com base no associativismo e na utilização apropriada dos recursos naturais e das capacidades
humanas locais (ARAÚJO e GELBECKE, 2008).

A atividade do turismo comunitário apresenta-se como uma alternativa para os


moradores das comunidades tradicionais litorâneas, visto que o litoral nordestino é palco de um
processo intenso de ocupação de empreendimentos voltados para o turismo de massa, que por
motivações políticas, econômicas e de legislação, artificializam o aspecto natural e cultural.
Dessa forma é necessário entender como a atividade do turismo comunitário geram formas de
resistência que afirmam a atuação da comunidade no território e ampliam os meios utilizados
pelos comunitários para fortalecer a identidade quilombola.

Para entender as territorialidades e fortalecer a identidade quilombola, compreende-


se que o território quilombola-pesqueiro do Cumbe é uma comunidade tradicional (BRASIL,
2007) que, dentre tantas outras presentes no estado do Ceará, realiza atividades dependentes
14

do equilíbrio da natureza, as quais estão sendo ameaçadas pelos empreendimentos


“desenvolvimentistas”. Nossa hipótese inicialmente levantada foi a de que o turismo
comunitário é capaz de comprovar a territorialidade, a ancestralidade, as resistências e gerar
fonte de renda, sem causar impactos socioambientais como o turismo convencional ocasiona.

O objetivo principal desse trabalho foi, portanto, compreender os caminhos do


turismo comunitário da comunidade do Cumbe, evidenciando como esta atividade se configura
enquanto uma resistência frente aos conflitos socioambientais presentes neste território. Nos
objetivos específicos buscamos debater a importância da extensão universitária, dos projetos
extensionistas e da pesquisa participativa na construção de caminhos associados à luta por
justiça ambiental; conhecer o histórico da comunidade, sua compartimentação geoambiental e
economia local para a compreensão da identidade e modo de vida quilombola; e por fim
espacializar os caminhos do turismo comunitário no território quilombola-pesqueiro do Cumbe.

Essa pesquisa se justifica, pois, a partir dos projetos de extensão desenvolvidos, um


vínculo com a temática e com a comunidade envolvida é criado, atingindo expectativas além
do esperado. Trilhar os caminhos da realização do turismo comunitário na comunidade
quilombola do Cumbe foi essencial para o nosso crescimento enquanto pesquisadora, pois foi
possível perceber o quanto os espaços são dotados de significados, principalmente quando
falamos de territórios tradicionais.

A importância desta monografia, tanto para a sociedade quanto para a comunidade,


se dá pois o processo de invisibilização de povos tradicionais, de negação da existência de
comunidades negras no estado do Ceará, da invasão da zona costeira cearense por
empreendimentos, que visam tão somente o lucro, requer trabalhos acadêmicos que desvelem
e denunciem essas problemáticas, construindo elementos teóricos-metodológicos que possam,
de alguma maneira, contribuir para a afirmação do território.

A abordagem da temática sobre conflitos socioambientais é de extrema importância


para as comunidades tradicionais, pois gera reflexões sobre as consequências geradas por
projetos privados, presentes em ambientes vulnerabilizados, e acerca das populações que são
afetadas por estes. O turismo comunitário se torna uma forma de enfrentamento a esses conflitos
e de valorização dos povos tradicionais – de seus modos de vida e territórios.

A relevância da temática pesquisada, para a Geografia, está na abordagem de


potencialidades e fragilidades decorrentes de ocupações da planície costeira, onde localiza-se
uma comunidade tradicional dependente dos bens naturais disponíveis, que vê o turismo
15

comunitário como uma prática da valorização da natureza e da ancestralidade, bem como, uma
forma de resistência para permanência dos saberes locais.

O nosso trabalho é resultado das pesquisas extensionistas realizadas no Território


do Cumbe, pelo Grupo de Pesquisa Campo, Terra e Território (NATERRA/UECE), do qual
fazemos parte, onde executamos os projetos de extensão, na condição de bolsista: “A
Vulnerabilidade Socioambiental da Comunidade Quilombola do Cumbe frente às atividades de
carcinicultura e energia eólica” e “Projeto de Extensão: “Pelos caminhos do turismo
comunitário no território Quilombola-Pesqueiro Cumbe (Aracati-CE): cartografias, memórias
e vivências”1 em parceria com o Instituto Terramar. Esses trabalhos somente foram possíveis
com a colaboração dos/as quilombolas e do grupo de pesquisa e instituições configurando em
uma pesquisa participativa.

A nossa pesquisa somente foi possível, portanto, com a realização da extensão


acadêmica e da pesquisa participativa como abordagens metodológicas. Para tanto, nos
embasamos em: Thiollent (2006), Brandão e Borges (2008), Silva (1997), Paula (2013). Dá
ênfase a pesquisa participativa, aos projetos extensionistas e discuti-los é essencial,
principalmente com os acontecimentos recentes que o país enfrenta, com processos de
invisibilização de povos e territórios tradicionais, a negação de um passado histórico, o racismo
ambiental (HERCULANO, 2008; CARTIER, 2009) e o racismo velado que assolam a
população brasileira.

Dessa forma é necessário compreender como o turismo comunitário contribui,


como forma de resistência, frente aos conflitos socioambientais observados na comunidade
quilombola do Cumbe, a partir das características histórico-geográficas do local, dos conflitos
e das resistências. Para debater sobre conflitos socioambientais e compartimentação
geoambiental do território e os usos dos sistemas ambientais, nos apoiamos na abordagem dos
autores: Nascimento (2017), Silva (2016), Meireles (2006), Nascimento e Lima (2012),
Herculano (2008) e Porto e Millanez (2009). Por entender que o Turismo Comunitário é uma
alternativa de turismo sustentável e voltado à preservação de práticas e saberes tradicionais,
utilizamos como referências bibliográficas os autores: Coriolano (2008), Araújo e Gelbcke
(2008) e Silva (2016).

1
Projetos de extensão aprovados nos editais 2018 e 2019 da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e
desenvolvidos com bolsas de extensão universitária.
16

Nossos procedimentos metodológicos para realização da pesquisa basearam em


síntese em: levantamento bibliográfico da temática abordada; reuniões para sistematização de
trabalhos de campo; trabalhos de campo; rodas de conversa com os/as quilombolas do Cumbe,
grupo de pesquisa e ONGs; com mapeamento uso de aplicativos de celular; análise de imagens
de satélite, descrição de áudios e vídeos e elaboração de relatórios de campo. As atividades de
campo estreitaram o contato e a vivência com os moradores. Utilizamos o método da Pedagogia
do Território (RIGOTTO, LEÃO E MELO, 2018), onde a comunidade compartilha seus
conhecimentos, suas formas de vida e organização, para a elaboração de um mapeamento
colaborativo.

O trabalho está dividido em três capítulos, para que o leitor possa compreender cada
caminho percorrido no desenrolar da pesquisa, evidenciando o papel da pesquisa extensionista
e participativa e a colaboração da comunidade e de instituições que possibilitaram o
desenvolvimento desta monografia.

O primeiro capítulo intitulado “O caminho da extensão universitária e a construção


da pesquisa participativa” discute sobre a temática abordada, os conflitos no território em
questão, as metodologias utilizadas no decorrer do trabalho, os procedimentos metodológicos,
bem como as categorias e conceitos utilizados.

No segundo capítulo, “A construção do território e da memória no Quilombo do


Cumbe”, trazemos o debate sobre a história da comunidade do Cumbe, seu processo de
reconhecimento enquanto território quilombola e os conflitos enfrentados pela chegada da
carcinicultura e instalação do parque eólico. Trazemos aqui também as atividades tradicionais
de resistências que se espacializam no território e subsidiaram o turismo comunitário no Cumbe.

No terceiro e último capítulo, chamado de “Cartografando os caminhos do turismo


comunitário no Quilombo do Cumbe” apresentamos os resultados da pesquisa, além de
apresentar as atividades do turismo comunitário local. Mostramos a importância dos sistemas
econômicos do território, como principais atividades dos(as) quilombolas, que proporcionam a
realização do turismo comunitário. Nesse capítulo apresentamos a sistematização dos mapas
dos principais caminhos do turismo comunitário no Cumbe e os seus significados, os quais
evidenciam o fortalecimento da representação dos lugares para os moradores.

Por fim apresentamos nossas conclusões, com uma reflexão sobre o trabalho,
discutindo as metodologias utilizadas, os objetivos que foram alcançados, a continuação da
17

pesquisa e a participação das instituições, além de apontar as perspectivas futuras sobre as


dimensões que o presente trabalho pode proporcionar.
18

2 O CAMINHO DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E A CONSTRUÇÃO DA


PESQUISA PARTICIPATIVA

Nossa jornada científica parte da importância da extensão universitária para a


construção de uma pesquisa participativa (THIOLLENT, 2006; TOLEDO, 2013; BRANDÃO
e BORGES, 2008). Aqui discutiremos sobre os pilares da pesquisa acadêmica e a compreensão
de um saber voltado para atender as comunidades tradicionais que sofrem com a injustiça
ambiental (HERCULANO, 2008) e com o racismo ambiental (BULLARD, 2004). A
Comunidade do Cumbe passa por processos de constantes construção de sua identidade, a partir
das suas (re)existências. Devemos compreender como a Universidade pode ajudar na
construção de caminhos pela luta por justiça ambiental. Abordaremos sobre o uso das
metodologias participativas na construção do nosso trabalho, a discussão dos conceitos
geográficos que englobam a presente pesquisa e os procedimentos metodológicos utilizados.

2.1 As metodologias de aproximação dos sujeitos e a extensão universitária: questionando


o conhecimento científico hegemônico

Para compreendermos o processo de resistência das comunidades tradicionais,


como no Cumbe, seus modos de vida, conflitos, entre outros, precisamos considerar os sujeitos,
dos territórios pesquisados, protagonistas na produção científica. Dessa forma, devemos
desenvolver a importância da pesquisa participativa, também chamada de “pesquisa-ação” ou
“pesquisa participante”. Apesar de toda a trajetória que a pesquisa científica brasileira tenha
passado, com a busca por um conhecimento autônomo e extensionista, a metodologia da
pesquisa participativa encontra dificuldades devido a obstáculos ideológicos institucionais.

Como afirma Thiollent (2006, p.154) “muita gente ainda tem medo da metodologia
participativa, pois para eles, com esse adjetivo, ela se tornaria menos científica, ou mais exposta
a manipulações”. Porém, devemos compreender a abordagem do processo de construção da
pesquisa participante.

A pesquisa-ação é feita a partir de procedimentos pautados na observação do


cotidiano, principalmente de comunidades, para a realização da pesquisa científica, dessa forma
que devemos entender sua abordagem.

Pode-se dizer que o surgimento de metodologias de pesquisa participativa relaciona-se,


principalmente, a uma insatisfação com paradigmas e métodos de pesquisa clássicos e,
no caso da pesquisa-ação em particular, remete não só a necessidade de envolver
19

diretamente os grupos sociais na busca de soluções para seus problemas, mas também de
promover maior articulação entre a teoria e a prática na produção de novos saberes.
(TOLEDO, 2013, p.3).

Para Brandão e Borges (2008, p.53) “os modelos da pesquisa participante se


originam dentro de diversas unidades de ação social que atuam preferencialmente junto a
grupos ou comunidades populares”. Pode-se dizer que a pesquisa participativa não possui um
modelo único de produção científica, pois ela se alinha à necessidade dos sujeitos.

Entre as suas diferentes alternativas, de modo geral, as pesquisas participantes alinham-


se em projetos de envolvimento e mútuo compromisso de ações sociais de vocação
popular. Assim, geralmente, elas colocam face-a-face pessoas e agências sociais
“eruditas” (como um sociólogo, um educador de carreira ou uma ong de direitos
humanos) e “populares” (como um indígena tarasco, um operário sindicalizado argentino,
um camponês semialfabetizado do Centro-Oeste do Brasil ou o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra). (BRANDÃO e BORGES, 2008, p.53).

O território-pesqueiro do Cumbe é uma comunidade formada por negros e negras,


descendentes de quilombolas que vivem do extrativismo, seja da pesca ou da agricultura e,
dessa forma, as práticas metodológicas tiveram que se adequar à rotinados moradores, levando
em consideração seus modos de vida, cultura e percepções.

Em cada projeto ou em cada caso, é necessária uma clara análise da participação dos
atores e de seus efeitos diferenciados. As condições, as modalidades e a intensidade da
participação, as relações entre especialistas e comunidades devem ser monitoradas. Em
muitos projetos a participação dos interessados revela-se bastante limitada.
(THIOLLENT e SILVA, 2007, p. 95).

Alguns conflitos são bastante comuns quando há o contato da universidade com as


comunidades. É perceptível que a prática de pesquisa acadêmica hegemônica não inclui os seres
sociais presentes nos territórios em suas investigações, muitas vezes os estudos sugam tudo o
que as comunidades têm a oferecer e não apresentam contribuições consistentes.

O presente trabalho é fruto de uma aprendizagem realizada no decorrer dos projetos


de extensão desenvolvidos, entre os anos de 2018 e 2019, pelo Laboratório de Estudos do
Campo, Natureza e Território (LECANTE), que faz parte do Grupo de Pesquisa e Articulação,
Campo Terra e Território (NATERRA), ambos vinculados à Universidade Estadual do Ceará.
Os projetos de extensão buscaram fortalecer o envolvimento dos(as) pesquisadores(as) do
LECANTE/NATERRA com as comunidades, visto que maiorias dos projetos, vinculados a este
laboratório e ao grupo de pesquisa, buscam dialogar com a sociedade civil, principalmente com
20

os movimentos sociais, Organizações Não Governamentais (ONGs), sindicatos, associações,


igrejas, entre outros.

Dessa forma, foi essencial o laço construído com a Associação Quilombola do


Cumbe, que permitiu o desenvolvimento das atividades extensionistas, promoveu a troca de
saberes e aproximou a comunidade da Universidade. É perceptível que, em muitos territórios,
a universidade não é bem-vinda, pois muitas vezes as pesquisas desenvolvidas não dialogam
com as demandas locais, o diálogo não é mantido após as atividades de campo, então muitas
conexões são desfeitas nesses processos.

Assim podemos falar da importância de várias outras instituições de caráter


popular que promoveram o diálogo dos pesquisadores do LECANTE/NATERRA com o
território, como o apoio da Igreja, através do Conselho Pastoral dos(as) Pescadores(as)
Artesanais (CPP), entidade composta por agentes pastorais, leigos, religiosos e padres
comprometidos junto aos pescadores e pescadoras artesanais, na busca por uma sociedade justa
e solidária.

Destaca-se também a importante parceria que tivemos com o Instituto Terramar.


Esta é uma Organização Não-Governamental (ONG) sem fins lucrativos e de caráter
socioambientalista que ajuda a promover a justiça ambiental na zona costeira do Ceará. O papel
do Terramar foi importantíssimo na construção de laços, parcerias e na construção da
metodologia de trabalho desenvolvida no território. O segundo projeto de extensão nasceu,
inclusive, fruto dessa parceria. Tudo foi pensado em conjunto com o Terramar, desde os
cronogramas, a logística de custeio, o planejamento das atividades, as dinâmicas a serem
utilizadas, a metodologias de aproximação, as visitas de campo, tudo para que a pesquisa fosse
desenvolvida da melhor forma possível, atendendo os anseios da comunidade.

No decorrer dos projetos de extensão desenvolvidos no Cumbe, origem do presente


trabalho, houve o uso de metodologias emancipatórias como a Pedagogia do Território
(RIGOTTO, LEÃO E MELO, 2018) alinhada à pesquisa participativa. Vale aqui ressaltar a
importância da extensão universitária para a sociedade em geral e, especificamente, para a
comunidade em questão.

É necessário lembrar que a universidade pública funciona como um espaço voltado


para a produção, sistematização e diálogo de conhecimentos e sua base está nos três pilares:
ensino, pesquisa e extensão universitária. Com a extensão é possível abrir a universidade para
a comunidade, bem como construir e compartilhar conhecimentos em conjunto. A atividade de
21

extensão traz possibilidades que a produção científica restrita, muitas vezes, desconsidera, ou
seja, a interação entre o saber científico com o saber popular, a partilha de conhecimentos e não
simplesmente a produção e reprodução destes.

Das três dimensões constitutivas da universidade, a extensão foi a última a surgir, seja
por isso, seja por sua natureza intrinsecamente interdisciplinar, seja pelo fato de se
realizar, em grande medida, além das salas de aulas e dos laboratórios, seja pelo fato de
estar voltada para o atendimento de demandas por conhecimento e informação de um
público amplo, difuso e heterogêneo sofre algumas controvérsias. (PAULA, 2013, p.5).

Uma das grandes dificuldades das práticas extensionistas está na compreensão de


questões complexas que contrapõe pensamentos político-sociais hegemônicos, o que requer
uma visão ampla da realidade, aberta ao diálogo e troca mútua de experiências. Daí o nome
“Universidade”, pois há um universo de realidades e pensamentos que deveriam se conectar
para a busca de uma educação de qualidade e de igualdade.

Na academia, os estudantes se vêm, muitas vezes, limitados às paredes da


instituição, onde o conhecimento, muitas vezes, é produzido somente entre e para os pares
acadêmicos. Comunidades externas, indígenas, quilombolas, camponesas etc. não são vistas
como produtoras de conhecimento válido, mas como portadoras de um saber menosprezado,
muitas vezes, pela ciência dita “moderna”.

Na extensão universitária, ocorre uma troca de conhecimentos em que a


universidade também aprende com a comunidade sobre seus valores e cultura. Assim, a
universidade pode planejar e executar as atividades de extensão respeitando e não violando
esses saberes. A universidade, através da extensão, influencia e também é influenciada pela
comunidade, ou seja, há uma troca de valores entre a universidade e o meio (SILVA, 1997).

É perceptível que existe, entre universidade e demais setores da sociedade, uma


falta de comunicação e uma dificuldade, por parte dos pesquisadores, em se aproximar das
comunidades, dos sujeitos, das lideranças comunitárias, entre outros, muitas vezes
prevalecendo uma vaidade acadêmica. Assim, para Nunes e Silva (2011, p.128) “os
profissionais universitários muitas vezes acabam por assumir uma posição superior, arrogante
ou distante, procurando justificar-se apenas diante de seus pares e dos órgãos financiadores da
ciência, cria-se assim um distanciamento desnecessário”.

É comum, nas pesquisas acadêmicas a separação do saber científico e do saber


popular, como se o conhecimento comum não fosse relevante, enaltecendo o conhecimento
22

científico a um patamar superior aos da realidade concreta, como é discutido por Castro (2004,
p. 7):

(...) expressão muito utilizada ao descrever a extensão foi a de que ela é “alguma coisa
fora”, fora da universidade e porque não, fora do currículo. Esta concepção está próxima
da simbologia da mão única, utilizada para conceituar a extensão. Significa que a
universidade sai e leva o conhecimento produzido dentro dela à comunidade. Aonde não
existe o reconhecimento de que é possível também aprender com a comunidade. Esta é
uma linha de pensamento que reforça a concepção autoritária do fazer acadêmico.

Hoje, mesmo com os avanços da extensão universitária, ainda é preciso tomar


bastante cuidado para não cair somente no “assistencialismo”, como se os pesquisadores
chegassem nos territórios e/ou comunidades com uma missão de solucionar problemas sem
antes sequer compreendê-los. É necessária uma vivência e compreensão do território, isso
desencadeia uma relação de confiança, de construção de saberes, tanto para os pesquisadores
quanto para a sociedade em geral.

Os conflitos territoriais no campo cearense são recorrentes, principalmente


relacionados à desapropriação de camponeses, comunidades tradicionais indígenas e
quilombolas, configurando-se como injustiça ambiental. Segundo Herculano (2008, p.2)
entende-se por Injustiça Ambiental “o mecanismo pelo qual sociedades desiguais destinam a
maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores,
populações de baixa renda, grupos raciais discriminados, populações marginalizadas e mais
vulneráveis”.

Dessa forma, o uso da pedagogia do território, como método de práxis científica,


torna-se bastante relevante, pois percorre um caminho da inter-relação entre os saberes sociais,
para a construção de uma ciência emancipatória. O método, no qual nos inspiramos, foi
desenvolvido pelo grupo de pesquisa de Trabalho, Meio Ambiente e Saúde (TRAMAS) da
Universidade Federal do Ceará - UFC, e é voltado para a compreensão dos territórios
vinculados as pesquisas extensionistas e participativas. A pedagogia do território foi
desenvolvida para apresentar novas metodologias para os estudos acadêmicos a partir da
segunda metade do século XXI.

A noção de Pedagogia do Território, modo como temos denominado nossa práxis


acadêmica, vem sendo construída em reflexões e ações que se dão a partir dos encontros
com os territórios com conflitos ambientais, nomeadamente com os movimentos sociais
e com as comunidades que sofrem processos históricos de vulnerabilização, aprofundados
pelas injustiças ambientais, parcela da sociedade com a qual nos relacionamos
diretamente. (RIGOTTO, LEÃO e MELO, 2018. p. 369).
23

Como foi discutido anteriormente, a academia ainda apresenta práticas


segregacionistas com relação às comunidades tradicionais. Porém, estamos em um processo em
que alguns grupos de pesquisa incluem grupos sociais como protagonistas na produção
científica, enaltecendo seus modos de vida e culturas. Portanto, entende-se que o método da
Pedagogia do Território é:

(...)uma práxis acadêmica emancipatória, com destaque para a reflexão sobre as


contribuições fornecidas pelas vivências das disputas que atravessam territórios em
situações de conflitos ambientais para a formação continuada de estudantes,
pesquisadores e docentes. (LEÃO; MELO; ROCHA, 2018, p.2).

A compreensão da luta desses povos, contra os processos de desapropriação, é


essencial no desenvolvimento de uma pesquisa extensionista e libertária, visto que não é de
hoje que passamos por problemas político-ideológicos que buscam constantemente
deslegitimar grupos sociais, modos de vida e saberes populares. A pedagogia do território
trabalha com a práxis da extensão universitária principalmente em territórios que vivenciam
conflitos ambientais relacionados aos projetos desenvolvimentistas, como o que acontece na
comunidade quilombola do Cumbe. Dessa forma, a discussão a seguir busca questionar o
chamado “desenvolvimento”, além de trabalhar conceitos e categorias de análises essenciais na
busca pela justiça ambiental e por um território livre.

2.2 A construção do território quilombola e as comunidades tradicionais

No tópico anterior podemos perceber a construção de um saber voltado para práticas


emancipatórias, principalmente a realizada pela pedagogia do território, que trabalha
metodologias voltadas aos territórios tradicionais que passam por conflitos ambientais ligados
a chegada de projetos “desenvolvimentistas”.

A diversidade sociocultural brasileira é acompanhada por ocupações diferenciadas


sobre o território, como os grupos indígenas, quilombolas, pescadores e camponeses, que
sofrem com os processos de desapropriação por meio da ação de grupos empresariais, com o
aval do Estado, interessados na ampliação da acumulação capitalista, associados ao desinteresse
pelos modos de vida dessas comunidades tradicionais que lutam pelo direito ao território. Nas
palavras de Little (2002, p. 2), “a imensa diversidade sociocultural do Brasil é acompanhada de
24

uma extraordinária diversidade fundiária”. A busca pela unidade territorial e sociocultural do


Estado-nação geram problemáticas por excluírem vários grupos sociais que buscam se afirmar
territorialmente.

A questão fundiária no Brasil vai além do tema de redistribuição de terras e se toma uma
problemática centrada nos processos de ocupação e afirmação territorial, os quais
remetem, dentro do marco legal do Estado, às políticas de ordenamento e reconhecimento
territorial. Essa mudança de enfoque não surge de um mero interesse acadêmico, mas
radica também em mudanças no cenário político do país ocorridas nos últimos vinte anos.
Nesse tempo, essa outra reforma agrária ganhou muita força e se consolidou no Brasil,
especialmente no que se refere à demarcação e à homologação das terras indígenas, ao
reconhecimento e titulação dos remanescentes de comunidades de quilombos e ao
estabelecimento das reservas extrativistas. (LITTLE, 2004, p. 252).

Levando em consideração a diversidade cultural, presente no território nacional, é


perceptível as diferentes relações simbólicas e culturais dos povos sobre os territórios que
configuram um processo de territorialidade. O conceito de território para Raffestin (1993) pode
ser entendido como uma disputa e sobreposição de territórios, e a territorialidade como as
relações sociais que se estabelecem no interior dos territórios.

A territorialidade para Haesbaert (2007, p. 22) “diz respeito também às relações


econômicas e culturais, pois está ‘intimamente ligada ao modo como as pessoas utilizam a terra,
como elas próprias se organizam no espaço e como elas dão significado ao lugar’”. Por isso, o
território é inicialmente um valor identitário, onde se estabelecem relações simbólicas, depois
passa a ser entendido como um espaço político ou econômico, daí a relação identitária ser tão
forte na questão territorial.

A necessidade de unificação das questões culturais sobre um território busca


homogeneizar as relações sociais, ou seja, invisibilizar determinados grupos principalmente
com o avanço das questões fundiárias ou os embates político-sociais, buscando a
deslegitimação, como afirma Haesbaert (2004, p.1):

[...] mais do que a perda ou o desaparecimento dos territórios, propomos discutir a


complexidade dos processos de (re)territorialização em que estamos envolvidos,
construindo territórios muito mais múltiplos ou, de forma mais adequada, tornando muito
mais complexa nossa multiterritorialidade. Assim, a desterritorialização seria [...] incapaz
de reconhecer o caráter imanente da (multi)territorialização na vida dos indivíduos e dos
grupos sociais. [...] Estes processos de (multi)territorialização precisam ser
compreendidos especialmente pelo potencial de perspectivas políticas inovadoras que
eles implicam.
25

No caso das comunidades quilombolas, percebe-se um intenso processo de


territorialização, visto a relação que esses povos possuem com a natureza e entre si, levando
consigo uma carga de tradicionalidades adquiridas pelos seus ancestrais.

No contexto das comunidades quilombolas, pesquisas recentes indicam a existência de


uma territorialidade específica para esses grupos, caracterizando assim um dado
etnográfico comum entre as mais variadas situações históricas e geográficas vividas por
essas comunidades (...). (CARVALHO; LIMA, 2013, p.333).

Para as comunidades quilombolas, as territorialidades se dão a partir das terras de


uso comum, ou seja, a partir de territórios onde as relações ligadas ao meio e a ancestralidade
estão conectadas.

As terras de uso comum são caracterizadas por uma diversidade de situações de


apropriação dos recursos naturais, utilizados segundo uma variedade de formas entre o
uso e a propriedade e entre o caráter privado e o comum, perpassadas por fatores étnicos,
relações de parentesco, e acompanhadas da cooperação e da coparticipação.
(CARVALHO E LIMA, 2013, p.334).

As terras de uso comum se configuram como um controle do território de uma


forma mais coletiva, do que individualizada, com uma produção autônoma, baseada do trabalho
familiar e coletivo com a interação de diferentes famílias.

[...] tais formas designam situações nas quais o controle dos recursos básicos não é
exercido livre e individualmente por um determinado grupo doméstico de pequenos
produtores diretos ou por um de seus membros. Tal controle se dá através de normas
específicas, combinando uso comum de recursos e apropriação privada de bens, que são
acatadas, de maneira consensual, nos meandros das relações sociais estabelecidas entre
vários grupos familiares que compõem uma unidade social. [...] A territorialidade
funciona como fator de identificação, defesa e força. (ALMEIDA, 2004, p.10).

Podemos então entender que a territorialidade quilombola é baseada no uso comum


de recursos que perpassam as relações familiares. Porém, não podemos esquecer que, desde a
construção territorial brasileira, as comunidades negras sempre tiveram de lidar com as
imposições e invisibilidades jurídicas no reconhecimento de sua territorialidade e identidade.

De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), a política Nacional


de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) e o Decreto
Nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, os povos e comunidades tradicionais são definidas como:

Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas
próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como
condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando
26

conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (BRASIL,


2007, s/p.).

A ocupação do território brasileiro pela colonização, escravidão de indígenas e


negros africanos, gerou um processo de coisificação da natureza e da cultura dos povos
tradicionais. Para Silva e Nascimento (2012, essa ocupação mudou drasticamente a paisagem
natural frente ao “desenvolvimento” que se instalava, ao passo em que muitos sujeitos
buscavam refúgio em áreas afastadas para sobreviverem em liberdade.

Os indígenas, como conhecedores e muitas vezes como parte da própria natureza,


conforme suas cosmologias, buscavam quando possível esse distanciamento. A eles
juntaram-se mestiços marginalizados e também negros que fugiam da escravização.
Dessa forma, pode-se afirmar que a história do negro no Brasil não se constitui somente
de submissão, houve também diversas formas de resistência à escravização. (SILVA e
NASCIMENTO, 2012, p.23).

Deve-se também entender o porquê da existência de povos tradicionais, e quais suas


características. Segundo o Decreto Nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007:

Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução cultural, social e econômica


dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou
temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas,
respectivamente, o que dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. (BRASIL, 2007, s/p.).

Os negros escravizados, tratados como mercadorias mesmo após a abolição da


escravidão, passaram a ser marginalizados, principalmente com a política de superioridade
branca imposta pelo Estado, com objetivo de embranquecer a população brasileira trazendo
imigrantes europeus. Daí se percebe que desde o início da constituição da diversidade
populacional brasileira, o negro sempre foi visto como inferior.

Antes e depois da abolição da escravidão brasileira os negros sempre passaram por


processos de resistência em vários pontos do território brasileiro, e até hoje buscam por sua
afirmação territorial.

Atualmente, muitas são as comunidades quilombolas no Brasil que lutam pela


permanência ou reconquista de seus territórios ancestrais, e via de regra estas entram em
choque com os mais diversos interesses, sejam eles do poder público ou privado, pois
seus territórios continuam a ser vistos ou como áreas disponíveis à expansão de atividades
econômicas, ou como reservas intocáveis destinadas à preservação ambiental. (SILVA e
NASCIMENTO, 2012, p. 24).
27

O conceito de quilombo passou por muitas mudanças no decorrer do tempo, e é


válido ressaltar a evolução do termo, com o passar dos anos, de uma forma crítica, para refletir
sobre o preconceito estrutural existente na nossa sociedade.

Ao fazer a crítica do conceito de quilombo estabelecido pelo Conselho Ultramarino,


Almeida (1999:14-15) mostra que aquela definição, constitui-se basicamente de cinco
elementos: 1) a fuga; 2) uma quantidade mínima de fugidos; 3) o isolamento geográfico,
em locais de difícil acesso e mais próximos de uma natureza selvagem que da chamada
civilização; 4) moradia habitual, referida no termo rancho; 5) autoconsumo e capacidade
de reprodução, simbolizados na imagem do pilão de arroz. (SCHMITT, TURATTI e
CARVALHO, 2002, p.2)

O entendimento do conceito de quilombo passou por várias interpretações, com o


passar do tempo, visto que a sociedade brasileira passou por processos de miscigenação de
povos. Para muitos, o conceito de quilombo remete apenas a ex-escravos, povo sofrido e de
pele negra, mas o seu significado está nas ações de resistência ao sistema vigente e à luta por
uma integração igualitária na sociedade.

Silva e Nascimento (2012, p. 26) afirmam que “a questão quilombola entrou de fato
para a agenda política institucional brasileira somente a partir da Constituição Federal de 1988,
como resultado da forte atuação do movimento negro”. Esse processo foi um grande marco para
a trajetória do negro no Brasil. O problema da legislação está na posse da terra, e quem de fato
é merecedor desses territórios.

Dessa maneira, o direito jurídico‐institucional à propriedade da terra trouxe à tona a


discussão sobre quem são, de fato, os titulares desse direito, assegurado no dispositivo
constitucional. Num terreno bastante fértil para inúmeras teorizações e debates, colocam‐
se questões como: quem são os remanescentes de quilombos no Brasil?; o que é, na
atualidade, um quilombo?; que tipos de situações fundiárias se enquadram na garantia do
direito garantido pelo artigo 68 da Constituição?; quais os critérios utilizados para
reconhecê‐los?. (SILVA e NASCIMENTO, 2012, p. 26).

Diante dos questionamentos sobre o que é um remanescente quilombola surge a


construção de vários estereótipos sobre a população dos quilombos, como sendo composta por
pessoas exclusivamente negras e totalmente isoladas da vida em sociedade, com traços
totalmente africanizados. Como afirma Silva e Nascimento (2012, p.26) “a sociedade quer
encontrar traços fidedignos de tradição africana nas comunidades do presente para legitimar
sua origem, como se os costumes, tradições e modos de vida ficassem congelados no tempo
sem a necessidade de (re)construções ao longo da história”.
28

A comunidade quilombola do Cumbe é formada por remanescentes quilombolas


que sofrem constantemente com o processo de deslegitimação devido às suas características
físicas, cor de pele, modo de vida, por usarem tecnologias, como celulares, computador, entre
outras práticas.

Dessa forma o conceito de quilombo, e o reconhecimento do mesmo, ficam nas


relações dessas comunidades entre si e com o meio como um processo infinito de resistência
contra as imposições feitas. Segundo Arruti (2008, p.336), “o conceito ‘quilombo’ passa por
suas mais radicais ressemantizações, quando começa a ser utilizado pelo discurso político
vigente como um símbolo de resistência”:

O autor cita três principais formas dessa nova ressemantização, sendo que a primeira,
utilizada até as décadas de 1950 e 1960, é caracterizada pelo uso do termo como
resistência cultural, na afirmação da construção de uma cultura negra no Brasil. A
segunda forma, que só seria empregada em fins dos anos 1950, é marcada pela relação do
termo com a resistência política, o quilombo servindo de base para se pensar nas formas
potencialmente revolucionárias de luta popular frente a ordem dominante. A terceira e
última forma torna-se de fato sistemática quando usada pelo movimento negro, ao longo
dos anos 1970; ela nomeia o quilombo como forma de resistência negra, unindo assim os
aspectos culturais a uma perspectiva política. (ARRUTI, 2008, p.335).

Para Arruti (2008, p.336), “os ‘remanescentes’ surgem como um diferencial


importante no uso do termo ‘quilombo’, no sentido de resolver a difícil relação de continuidade
e descontinuidade com o passado histórico, em que a descendência não parece ser um laço
suficiente”.

Os remanescentes quilombolas, apesar da “segurança” legal que possuem, passam


por processos constantes de deslegitimação. Exemplo é o caso da Comunidade Quilombola do
Cumbe, onde a presença de empreendimentos capitalistas busca, constantemente, negar a vida
em comunidade, as formas de resistência e as relações dos moradores com a natureza, dessa
forma, várias articulações são geradas para promover a justiça ambiental dentro dos territórios
tradicionais.

Compreende por justiça ambiental segundo Herculano (2008) um conjunto de


medidas que buscam minimizar os impactos das consequências ambientais negativas sobre
territórios tradicionais, sejam eles, grupos étnicos, raciais ou sociais. Dessa forma, devemos
compreender como a injustiça ambiental está presente na maioria dos conflitos territoriais
envolvendo comunidades tradicionais e as formas de minimizar seus impactos negativos.
29

2.3 Rompendo o “desenvolvimento”: a busca por justiça ambiental

A zona costeira cearense é formada por uma grande quantidade de comunidades


tradicionais que possuem uma relação com o mar, as dunas, as lagoas, o mangue, entre outros
sistemas ambientais, e essas relações se constituem como base para seus modos de vida. Existe
uma relação direta entre a natureza e a vida em comunidade, que serve como base para a
manutenção e equilíbrio dos modos de vida. Essa relação direta com a natureza acaba por ser
comprometida pelos diversos conflitos socioambientais resultantes da presença de
empreendimentos ditos “desenvolvimentistas”, que se instalaram no litoral cearense, voltados
a atender à atividades econômicas, como o turismo. Segundo Coriolano e Barbosa (2010, p.5)
“territorialidade do turismo é profundamente marcada pelos resorts, característica de atividade
turística elitista e globalizada”.

Dessa forma o turismo trás fluxos e demandas cada vez maiores sobre os espaços
litorâneos, configurando um processo de segregação socioespacial, pois como afirma Coriolano
e Barbosa (2010, p.9) “condomínios fechados são concretizados para classe social de grande
poder aquisitivo, enquanto tradicionais casas de veraneio diminuem pelo custo de manutenção
e falta de segurança”.

Além da atividade turística, segundo a Superintendência Estadual do Meio


Ambiente (SEMACE) nos últimos anos vem crescendo a atividade de criação de camarão em
cativeiro no litoral cearense, aumentando a destruição de ecossistemas e impedindo as práticas
das comunidades tradicionais próximas.

A Zona Costeira brasileira e do Ceará tornou-se um espaço onde se acentuam os conflitos


de uso, aceleram-se as perdas de recursos naturais e se verificam significativos impactos
socioambientais como consequência da grande concentração demográfica e dos
crescentes interesses econômicos. Devido ao desenvolvimento de atividades econômicas
de forma incompatível com a conservação ambiental, impactos de grandes magnitudes
estão sendo causados e vêm gerando sérios danos ao patrimônio ambiental, provocando
alterações nas condições de vida e na cultura tradicional das comunidades costeiras.
(QUEIROZ, 2007, p. 02).

A comunidade quilombola-pesqueira do Cumbe está contida dentro da Área de


Preservação Ambiental - APA de Canoa Quebrada, sendo formada majoritariamente por
negros(as) e pescadores(as) que vivem dos sistemas ambientais ali presentes como o mangue,
o rio e as dunas, bem como as lagoas interdunares para práticas de lazer e refúgio. Porém, a
chegada de empreendimentos, intensivos no uso da natureza, modificou as práticas cotidianas,
30

causando impactos socioambientais significativos, visto que os ambientes onde essas empresas
estão localizadas são áreas de preservação ambiental, portanto percebe-se que os conflitos são
de natureza tanto ambiental quanto territorial e social.

Diante disso é necessário debater sobre a realidade vivida nesses territórios e,


sobretudo, entender como os projetos de desenvolvimento econômico lidam com as formas de
vida existentes e se há uma aceitação e adequação de todos a esses empreendimentos. Para
muitos a presença de empreendimentos, como a carcinicultura e parques eólicos, representam
desenvolvimento, porém, devemos compreender que “desenvolvimento” é este e quem de fato
é beneficiado pela sua presença.

Para Nascimento (2014, p.29), “é necessário entender porque os territórios


tradicionais são os mais ameaçados pelos investimentos econômicos da carcinicultura, dos
resorts, dos empreendimentos imobiliários”. Isso está intimamente ligado aos processos de
racismo ambiental, pois gera uma mudança nas práticas culturais, expulsão de moradores de
suas casas, exploração de mão de obra local e barata, bem como aumentando a violência e
exploração das mulheres.

[...] esses problemas ambientais são exacerbados pelo racismo ambiental, que refere-se a
políticas públicas ambientais, práticas ou diretivas que afetam de modo diferente ou
prejudicam (de modo intencional ou não) indivíduos, grupos ou comunidades de cor ou
raça. O racismo ambiental é reforçado pelo governo, assim como pelas instituições legais,
econômicas, políticas e militares. Ele encontra-se combinado com políticas e práticas
industriais que, ao mesmo tempo que garantem benefícios para os países do Norte,
direcionam os custos para os países do Sul. O racismo ambiental é uma forma de
discriminação institucionalizada. A discriminação institucional é definida como ações ou
práticas conduzidas pelos membros dos grupos (raciais ou étnicos) dominantes com
impactos diferenciados e negativos para os membros dos grupos (étnicos ou raciais)
subordinados. (BULLARD, 2004, p. 42).

Como mencionado, o Brasil possui diversidade cultural e isso implica também em


múltiplas territorialidades. O problema da justiça ambiental no Brasil se dá por ser um país
extremamente desigual, injusto em termos de distribuição de renda e de terra, onde quem dita
as regras são os grandes empresários e a busca desenfreada pelo lucro.

o desprezo pelo espaço comum e pelo meio ambiente se confunde com o desprezo pelas
pessoas e comunidades, visto os acidentes relacionados a empreendimentos como
petroleiras, mineradoras e indústrias químicas, que geram a morte de rios e lagos, causam
doenças e mortes, pelo uso de agrotóxicos, e agravam a poluição, atingindo
principalmente as populações próximas. (HERCULANO, 2008, p.5).
31

Podemos perceber que os impactos de empreendimentos, além das consequências


ambientais, geram um processo de vulnerabilidade socioambiental.

A vulnerabilidade socioambiental pode ser conceituada como uma coexistência ou


sobreposição espacial entre grupos populacionais pobres, discriminados e com alta
privação (vulnerabilidade social), que vivem ou circulam em áreas de risco ou de
degradação ambiental (vulnerabilidade ambiental). (CARTIER et al., 2009, p.2696).

A vulnerabilidade é causada devido à discriminação dos povos tradicionais, já que


seus modos de vida não condizem com a forma exploratória de acumulação capitalista
promovido pelo modo de produção vigente e, por isto, são invisibilizados pelos projetos
desenvolvimentistas que chegam e mudam o cotidiano e os ecossistemas presentes, gerando
conflitos e riscos sociais e ambientais aos moradores, configurando o racismo ambiental.

Hercullano (2008) afirma que o racismo é a forma pela qual desqualificamos o outro
e o anulamos por ser diferente, definindo uma raça e colocando o outro como inferior, culpado
biologicamente pela própria situação e, dessa forma nos eximimos de culpas. Os moradores do
Cumbe sofrem constantemente com o racismo ambiental e, ao mesmo tempo, com a
deslegitimação de suas práticas.

A instalação do parque eólico e o avanço da carcinicultura geraram vários conflitos,


pois tanto prejudicaram os modos de vida existentes, dependentes do ecossistema local, quanto
provocaram processos de culpabilização dos próprios moradores pelas dificuldades que passam.

Segundo Nascimento (2014), esses empreendimentos criam mecanismos


estratégico-políticos dentro das comunidades costeiras e territórios tradicionais, criando
conflitos internos entre seus moradores, legitimando e justificando suas ações criminosas contra
o ambiente natural e, consequentemente, contra o povo que vive e depende dele para viver e
reproduzir sua vida. Isso mostra que esses empreendimentos visam o desenvolvimento
econômico em detrimento do desenvolvimento social, marginalizando comunidades que
praticam atividades tradicionais diretamente ligadas aos ambientes onde vivem, e que são
contrárias ao processo capitalista e, portanto, tornam-se marginalizadas por esses agentes,
caracterizando a injustiça ambiental. Podemos perceber que tais projetos desenvolvimentistas
exploratórios e racistas se aproveitam da flexibilização ambiental e do racismo estrutural para
se infiltrarem nos territórios. E assim fica o questionamento: afinal, o que é desenvolvimento?
Para quê serve? A quem ele serve?
32

Para Porto e Milanez (2009, p. 1986), “a grande parte dos conflitos socioambientais
pode ser analisada a partir das contradições no comércio desigual e injusto entre países do atual
capitalismo globalizado”, ou seja, países que normalmente são os grandes exportadores de
commodities2, como o exemplo brasileiro.

Vale lembrar também que a extrema desigualdade social é marcante no território


onde o jogo de poder e as injustiças são comuns pois não há o aparato do Estado para atender
as comunidades tradicionais, pelo contrário, o Estado se torna o potencializador de conflitos
socioambientais.

Tais conflitos, porém, tendem a se radicalizar em situações de injustiça presentes em


sociedades marcadas por fortes desigualdades sociais, discriminações étnicas e
assimetrias de informação e poder. Nestes casos, o tema da saúde humana e ambiental se
intensifica pela vulnerabilização de populações e territórios afetados, e a gravidade dos
problemas de saúde pública se apresenta como importante bandeira de luta para as
populações atingidas e movimentos sociais diversos. (PORTO e MILANEZ, 2009, p.
1986).

O Brasil é um dos principais produtores de commodities do mundo, com a


exportação de soja, café, frutas, celulose, carne bovina, minério de ferro, aço, alumínio e
petróleo, que tende a gerar também o aumento de outras mercadorias, onde muitas vezes a
produção é feita de forma injusta e insustentável. A produção de soja, por exemplo, agrega
grandes quantidades de hectares de terras e o uso intensivo de agrotóxicos, gerando tanto
desapropriações, desmatamentos e impactos à saúde dos moradores locais, bem como
destruição do habitat de vários animais.

Vale ressaltar que esses impactos são no mercado de commodities, gerando uma
exploração dos chamados “países centrais” sobre os “países periféricos”. Como afirma Porto e
Milanez (2009, p. 1987) “quando um país rico importa matérias-primas baratas no mercado
de commodities, também está importando os benefícios do uso de vários recursos naturais”.

O processo de produção e exportação de commodities gera impactos irreversíveis,


pois além da exploração da biodiversidade, há uma exploração das comunidades afetadas, todos
os impactos sociais e ambientais, os quais não se encontram inseridos nos preços das
mercadorias. Não há consciência ambiental, há uma exploração espacialmente planejada sobre

2
“Podem ser definidas como mercadorias, principalmente gêneros agrícolas, minérios e seus processamentos
como o ferro, o aço e o alumínio, que são produzidas em larga escala e comercializadas em nível mundial”.
(PORTO, 2009, p.1986).
33

os territórios, com comunidades tradicionais presentes que se encontram invisibilizadas e, com


a produção de mercadorias, tornam-se cada vez mais “irrelevantes” para a produção capitalista,
sempre buscando a deslegitimação dos saberes tradicionais.

No próximo tópico discutiremos como a cartografia social, enquanto metodologia,


contribuiu nos caminhos da pesquisa, sendo materializada em conjunto com a comunidade
pesquisada, especializando as problemáticas, as injustiças ambientais e a da organização
comunitária para a luta por um território livre.

2.4 A cartografia social na construção das resistências

O território do Cumbe é conhecido pelos conflitos envolvendo a chegada da


carcinicultura (criação de camarão de camarão em cativeiro) desde 1996. A atividade foi fruto
de um processo de chegada do agronegócio na região, ocupando e poluindo o rio Jaguaribe e o
seu manguezal, gerando o desvio do lençol freático, mudando o rumo das atividades
econômicas e, principalmente, discriminando os moradores, suas atividades, seus modos de
vida e ancestralidades. Conforme apresentado nos trabalhos de Queiroz (2007) e Nascimento
(2014), a chegada da carcinicultura impediu os moradores de exercerem suas atividades
tradicionais de autoconsumo e de lazer dependentes dos sistemas ambientais presentes.

Há também os conflitos envolvendo a instalação do Parque Eólico, que gerou a


privatização do campo de dunas, local símbolo da ancestralidade quilombola do território, visto
que é onde se encontra o cemitério e os sítios arqueológicos da comunidade. Dessa forma, a
comunidade quilombola luta constantemente para (re)afirmar seu pertencimento ao território,
especialmente porque há uma tentativa dos empresários de deslegitimar a identidade dos
moradores e seus costumes, com o objetivo de aumentarem as atividades exploratórias no
município. Assim, as formas de resistência dos moradores são símbolos de uma comunidade
que luta pelo direito a um território livre. Uma das formas dessas resistências está na realização
do turismo comunitário.

Com o conhecimento sobre os conflitos envolvendo o território, a realização dos


projetos de extensão, dos quais derivam este trabalho, surgiu com o objetivo de produzir
conhecimentos coletivamente com os quilombolas na luta por justiça ambiental.

O primeiro projeto de extensão realizou-se no ano de 2018. Intitulado de “A


vulnerabilidade socioambiental da Comunidade Quilombola do Cumbe frente às atividades de
34

carcinicultura e energia eólica”, o projeto possibilitou a realização do mapeamento colaborativo


que apontou os impactos dos empreendimentos sobre os sistemas ambientais presentes, bem
como as resistências travadas pela comunidade. Essa pesquisa-extensionista foi balizada na
visão dos(as) quilombolas do Cumbe sobre o seu território. O projeto buscou atender a demanda
da comunidade para um mapeamento do território frente às questões de deslegitimação, pois a
história, a memória e a vivência são essenciais na elaboração dos mapas colaborativos, como
afirma Bargas e Cardoso (2015, p.6):

Dessa forma o conhecimento de comunidades locais situa-se em primeiro plano,


ressaltando a sua percepção sobre sua identidade e sobre seu território, já que a
publicação dos mapas e dos outros produtos da cartografia é dada somente a partir da
seleção dos dados etnográficos, como informações sobre os conflitos, os locais sagrados,
os rios e igarapés e outros.

Através deste mapeamento foi possível compreender a luta, os conflitos e,


sobretudo, as resistências e riquezas do território. Ouvir os moradores e pesquisar junto com
eles foi de fundamental importância na trajetória dessa monografia. Com isso, o produto do
primeiro projeto de extensão foi a elaboração de três mapas do território, que se encontram
neste trabalho: o primeiro apresentou a configuração dos sistemas ambientais, o segundo
espacializou os pontos de conflitos e o terceiro apontou as resistências locais. Entre as
resistências locais, emergiu com destaque o turismo comunitário.

É possível representar as novas demandas do território com os mapas colaborativos, uma


vez que eles conseguem atender a diversas especificidades do grupo social, aparecendo
novas formas de representar o espaço, com representações personalizadas,
potencializando a renovação da cartografia com o Mapeamento Colaborativo e os Mapas
Web. (TAVARES et al., 2016, p.48).

A parceria com o Instituto Terramar possibilitou a realização do segundo projeto de


extensão, do qual esse trabalho é fruto direto, intitulado “Pelos caminhos do turismo
comunitário da Comunidade Quilombola do Cumbe, Aracati/CE: cartografias, memórias e
vivências”. Esse projeto teve como objetivo mapear e sistematizar os caminhos e as atividades
do turismo comunitário no território. O importante apoio do Terramar deu-se a partir da
elaboração da proposta de extensão, do planejamento das atividades de campo, dos esforços
para integração da equipe no projeto, da organização do cronograma, da consecução das
metodologias aplicadas, do custeio e apoio logístico e da sistematização, apresentação e
avaliação dos resultados. Como afirma Thiollent (2006, p.152):
35

À margem das políticas oficiais em matéria de política científica e tecnológica, as


atividades de apoio em projetos sociais e solidários, tanto no contexto das ONGs como
no da extensão universitária, têm aberto novas possibilidades de desenvolvimento da
metodologia participativa em geral e, em particular, da metodologia de pesquisa-ação.

O apoio que as mulheres do Instituto Terramar deram para a elaboração do projeto


de extensão foi essencial. Todas os passos da pesquisa eram socializados, programados com
antecedência no próprio Instituto, para que as atividades de campo fossem as mais participativas
e proveitosas possíveis, além do custeio das atividades, o apoio logístico oferecido pelo
Terramar ao projeto de extensão ajudou bastante no seu êxito.

Ressalta-se também a participação do Conselho Pastoral dos(as) Pescadores(as)


(CPP), principalmente na pessoa do educador social João do Cumbe, também morador da
comunidade pesquisada. Essa parceria ajudou nos diálogos e aproximação com o território
pesqueiro, na construção da pesquisa, e na criação de laços para além dos interesses
acadêmicos.

A importância da pesquisa participativa se torna sólida quando observamos o


andamento das atividades, até os resultados finais, se dar de maneira coletiva e colaborativa.
Em síntese, em toda a trajetória da pesquisa contamos, efetivamente, com a atuação dos(as)
quilombolas, dos integrantes do Laboratório LECANTE e do Grupo de Pesquisa NATERRA,
dos quais fazemos parte, do representante do CPP, e das educadoras do Terramar.

Com os projetos de extensão foi possível uma vivência com a comunidade, que
supera a construção de uma pesquisa. Isto foi desafiador e engrandecedor para os(as) integrantes
do laboratório de estudos LECANTE e do grupo de pesquisa NATERRA, dos quais fazemos
parte, pois uma nova perspectiva sobre a relação entre o território e o diálogo de saberes nos foi
apresentada. Conhecer os sujeitos da pesquisa, os seus modos de vida, as riquezas deste
território, o qual possui outro lado, que vai para além dos conflitos tão mencionados nos
trabalhos e artigos acadêmicos sobre essa comunidade, foi um desafio e uma alegria pessoal.
36

Figura 1 – Socialização do 2º projeto de extensão com os quilombolas do Cumbe

Fonte: Instituto Terramar, 2019.

Na travessia das metodologias, foi feito o levantamento bibliográfico, constituído


da leitura de artigos, teses e dissertações nacionais e internacionais acerca do tema da pesquisa
e da área de estudo, bem como elaboração de resumos e fichamentos, na busca por compreender
a temática. Em meio virtual foi utilizado o portal CAPES de dissertações e teses para obtenção
dos trabalhos com temas relacionados aos objetivos da pesquisa. Também houve a consultada
no acervo da Universidade Estatual do Ceará e de outros portais como: Google acadêmico,
Rede TUCUM e o site do grupo TRAMAS para a construção e enriquecimento da bibliografia.

Nos trabalhos de campo foram realizadas rodas de conversa com os(as)


membros(as) da Associação Quilombola do Cumbe, dialogando sobre o projeto e discutindo
os passos para as atividades. A partir da socialização, foram possíveis fazer os ajustes e ter
os(as) quilombolas participando efetivamente de cada passo dos projetos. Os sujeitos do
teritório foram protagonistas em todo o desenvolvimento desta pesquisa. Com a ajuda dos
moradores, foi possível entender as atividades realizadas no território e os principais caminhos
a serem percorridos, a partir de marcações elaboradas por eles próprios.
37

Figura 2 – Apresentação dos pontos do turismo comunitário marcados pelos(as)


moradores(as) do Cumbe

Fonte: Instituto Terramar, 2019.

Assim, a construção dos mapas não teria sido possível se não tivéssemos contado
com a participação efetiva dos(as) moradores(as) quilombolas do Cumbe. A marcação dos
pontos e elaboração dos caminhos do turismo comunitário foram feitos a partir de uma
sistematização dos lugares a serem percorridos, cada caminho possuía diferentes quantidades
de pontos a serem demarcados e descritos pelos moradores, assim, em toda a atividade realizada
a comunidade participou de cada processo, escolhendo, identificando e marcando os pontos
cartográficos. Dos pontos marcados por estes(as), originaram-se as tabelas e quadros com as
informações, sistematizando os principais caminhos do turismo comunitário do Cumbe e
gerando elementos para a construção dos mapas.
38

Figura 3 – Percorrendo os caminhos do turismo comunitário

Fonte: Elaborado pela autora, 2019.

É importante destacar que, a escolha da palavra “caminho” ao invés de “trilha” foi


feita pela própria comunidade, visto que o caminho é percorrido a partir das vivências, carrega
consigo a ancestralidade. O caminho possui pontos em que a história do território é contada, já
a palavra “trilha” remete a algo que foi feito com uma finalidade, chegar ao ponto principal
(NASCIMENTO; SANTOS, 2019). Essa ressignificação das nomenclaturas e símbolos
também faz parte do processo colaborativo da cartografia social.
39

Figura 4 – Algumas das riquezas dos quintais produtivos do Cumbe

Fonte: Instituto Terramar, 2019.

O mapeamento colaborativo foi feito com o auxílio de programas de informática,


como o Google Earth e o QGIS, alinhando, a todo momento, o conhecimento dos quilombolas
com o conhecimento acadêmico. O mapeamento dos pontos do turismo comunitário se deu
com a atuação da comunidade e dos(as) integrantes do LECANTE/NATERRA, a partir da
utilização do aplicativo C7 GPS Dados Campeiro3. Inicialmente foi feita uma oficina para
ensinar os(as) comunitários a manusear o aplicativo, caso eles quisessem fazer de forma
autônoma a posterior, e saber o tempo do percurso de cada caminho.

O Aplicativo C7 GPS Dados Campeiro tem por objetivo a obtenção de coordenadas


de pontos isolados (waypoints) ou de trilhas, possibilitando o armazenamento das mesmas em
um arquivo formato KML. A partir da utilização do aplicativo, os(as) moradores(as) foram
responsáveis por mostrar os lugares do turismo na comunidade, fazendo parte do processo de
desenvolvimento da pesquisa (SANTOS e NASCIMENTO, 2019).

3
Aplicativo de smartphone onde é possível a marcação de pontos e trajetos em formato KML e TXT, para posterior
elaboração de mapas. Disponível gratuitamente na Play Store.
40

É um poder de construir e compartilhar com o mundo seus próprios mapas expondo a


percepção individual, online e em tempo real, mesmo sem muitos conhecimentos técnicos
necessários, contribuindo para um conhecimento local. As ferramentas de mapeamento
na Web reduziram significativamente o custo do mapeamento. Tanto os cartógrafos
profissionais quanto os amadores podem facilmente usar ou combinar serviços de
mapeamento online gratuitos e acessar mapas de base online de alta qualidade.
(TAVARES ET AL., 2016, p.47)

Em suma, o uso da cartografia social como prática para a elaboração de mapas da


comunidade foi de suma importância. Para Acselrad (2010, p.9), na cartografia social as
representações cartográficas “se estabelecem relações entre linguagens representacionais e
práticas territoriais, entre a legitimidade dos sujeitos da representação cartográfica e seus efeitos
de poder sobre o território”. Para realizar a cartografia social foram organizadas rodas de
conversas com a comunidade quilombola-pesqueira para validar as atividades propostas, as
metodologias e até os resultados alcançados. Os próprios mapas foram alterados várias vezes a
partir dos apontamentos e críticas da própria comunidade envolvida, para que o resultado fosse
o mais próximo da realidade vivida pelos(as) quilombolas.

Todos os procedimentos metodológicos citados foram construídos em conjunto


com os quilombolas do Cumbe, e, vale ressaltar que os mesmos foram os protagonistas do
projetos de extensão e, consequentemente, deste trabalho de conclusão de curso, o que
caracteriza a pesquisa com um compromisso com o território, com a comunidade e com a
universidade, e a construção de conhecimentos a partir de uma ciência emancipatória e
inclusiva, disposta a ajudar a sociedade em geral.

A construção dos caminhos do turismo comunitário do Cumbe só foi possível com


o entendimento da história, dos processos de ocupação, dos conflitos observados no território,
da luta dos(as) moradores(as) quilombolas, da importância da identidade, da riqueza local
existente e produzida pelos(as) quilombolas.

No próximo capítulo será discutida a relação entre a paisagem e as ações


exploratórias das empresas dentro do território do Cumbe, os quais se conectam aos conflitos
socioambientais e a injustiça ambiental presentes na zona costeira cearense. Porém, vale
destacar que o propósito principal do capítulo seguinte é mostrar a luta dos quilombolas e suas
resistências, processos que os conduziram à construção do turismo comunitário.
41

3 A CONSTRUÇÃO DO TERRITÓRIO E DA MEMÓRIA NO QUILOMBO DO


CUMBE

Percorreremos aqui o caminho da compreensão da paisagem do território,


perpassando pelos conflitos e pelas resistências até chegar turismo comunitário local. Aqui
discutiremos os sistemas ambientais aos quais está inserido o território quilombola-pesqueiro
do Cumbe, as ameaças que essa natureza sofre com a presença de empreendimentos que vieram
se instalar nos últimos anos, e as formas de resistir frente aos conflitos, fortalecendo o turismo
comunitário e a identidade quilombola.

3.1 Caracterização ambiental da Comunidade Quilombola do Cumbe/Aracati – CE

A comunidade quilombola do Cumbe fica no município de Aracati, no estado do


Ceará, há 172 km da cidade de Fortaleza, cujo acesso é feito através da CE-040, como mostra
o mapa da figura 5. É a última povoação da margem direita do Rio Jaguaribe. O acesso se dá
através do dique de contorno da cidade de Aracati, entrando logo após a Ponte Juscelino
Kubistchek, na BR – 304, seguindo até o empreendimento turístico Mirante das Gamboas,
continuando o percurso por uma estrada que atualmente encontra-se asfaltada, com 12 km de
distância entre a sede do município de Aracati e o povoado.

No Cumbe vivem aproximadamente 168 famílias, segundo o site oficial da


comunidade4, que tiram seu sustento do extrativismo, como a cata de mariscos e caranguejos e
também da pesca, dos quintais produtivos, outros vivem do artesanato, trabalham no turismo
comunitário ou trabalham nas fazendas de camarão comuns no município.

4
www.quilombodocumbe.com.br
42

Figura 5 – Mapa de Localização da comunidade quilombola do Cumbe

Fonte: Elaborado pela autora, 2020.

A bacia do Jaguaribe possui uma extensão de aproximadamente 72.440 Km², e


ocupa quase metade do Estado do Ceará, sendo uma das bacias hidrográficas mais importantes
do estado. A comunidade está inserida na foz do rio Jaguaribe, onde na região estuarina há uma
riqueza proveniente de um extenso campo de dunas móveis e fixas, e um rico ecossistema
manguezal. O território quilombola está totalmente inserido na Planície Litorânea,
compreendendo faixa praial, campos de dunas e planície flúvio-marinha, como mostra a figura
6.
43

Figura 6 – Mapa dos Sistemas ambientais da Comunidade Quilombola do Cumbe, Aracati - CE

Fonte: LECANTE/NATERRA (UECE), 2019.


44

Para a compreensão do modo de vida da comunidade quilombola do Cumbe, é


necessário apresentar as características ambientais do seu território, bem como as problemáticas
que envolvem os processos de uso e ocupação, tão presentes na zona costeira do estado do
Ceará. O mapa da figura 6 foi um dos produtos realizados com a Comunidade do Cumbe, nos
projetos de extensão, falados no item 2. A planície litorânea é um ambiente que passa por
constantes mudanças, seja pela intensa urbanização, ou por mudanças naturais devido aos
processos geológicos costeiros e marinhos. Dessa forma, a compreensão dos impactos gerados
pelos processos de ocupação é de grande importância para compreender as dinâmicas
territoriais da Comunidade do Cumbe.

A planície litorânea apresenta vulnerabilidade ambiental e, ao mesmo tempo, possui


grande potencial para o desenvolvimento de atividades turísticas por seus aspectos
paisagísticos. A busca pelo chamado desenvolvimento econômico nas regiões litorâneas do
estado do Ceará e áreas estuarinas, como na foz do Rio Jaguaribe, segundo Paula (2006), é
responsável pela ocupação em dunas, mananciais, manguezais, e nos sistemas de falésias, entre
outros, levando à degradação dos mesmos.

O subsistema correspondente à planície flúvio-marinha é caracterizado pela região


do baixo curso do rio Jaguaribe, mais especificamente na sua foz, onde decorre de processos
combinatórios entre agentes fluviais e oceânicos. Nessa região está presente o ecossistema
manguezal, local importante para a realização das atividades de autoconsumo da comunidade
quilombola, que se alimenta através da pesca, cata de caranguejo, cata de búzios, entre outros.
Infelizmente, a prática de algumas atividades econômicas exógenas, principalmente a presença
das fazendas de camarão e a especulação imobiliária, geram conflitos socioambientais, além de
contaminação do solo e da água neste território.

A faixa praial e a pós-praia são espaços voltados para as atividades de pesca e lazer
na comunidade, onde é possível encontrar as barracas dos(as) pescadores(as), símbolo de
resistência quilombola e, atrás destas, os aerogeradores da empresa eólica, presentes nas dunas
contrastando, na paisagem, os conflitos e a resistências. Esse subsistema apresenta também
problemáticas voltadas à questão do lixo, fruto da pressão turística e residencial presentes nas
praias do entorno, principalmente Canoa Quebrada. Segundo Costa (2013) graças às belezas
paisagísticas, a cozinha regional e a maré calma, a região passa a ser muito visitada por turistas
e a tendência é o aumento do número de visitantes e, consequentemente, a especulação
imobiliária.
45

Já o terceiro subsistema correspondente ao campo de dunas do território, que


apresenta uma grande extensão, contemplando dunas móveis e fixas. Nestas a vegetação se
desenvolveu e permitiu a fixação da duna, formando os chamados “morros” para os moradores
locais, que coexistem com as lagoas interdunares, os sítios arqueológicos e antigos sítios de
engenhos. Esse subsistema é impactado pela presença de 67 aerogeradores eólicos, que
mudaram a dinâmica natural da paisagem, bem como privatizaram grande parte do campo de
dunas da comunidade, impedindo o acesso livre dos(as) habitantes ao seu próprio território.
Destaca-se que essa comunidade compõe a única Área de Preservação Ambiental Municipal do
Aracati – APA de Canoa Quebrada que, além do Cumbe, inclui as comunidades tradicionais do
Esteves, Canoa Quebrada, Canavieira e Beirada.

Percebe-se que a legislação ambiental não é respeitada pelos empresários nesses


territórios tradicionais. De acordo com o Art. 8º da Lei nº 40/98 de 20 de março de 1998, não é
permitida a construção de casas ou qualquer outro empreendimento e a derrubada da vegetação
fixadora das dunas em ambientes considerados de preservação permanente. Observamos que
isto não é obedecido e acaba trazendo impactos ao meio ambiente, como a retirada da vegetação
nativa, a impermeabilização do solo, a poluição do lençol freático, o uso de agrotóxicos pela
carcinicultura, entre outros.

As lutas socioambientais na Zona Costeira do Ceará, nos últimos anos do século XX e


início do século XXI, vêm se intensificando cada dia mais, pelas disputas de usos e
significados associados ao bem viver. Disputas de ordem econômicas, versus espaços de
uso coletivo, onde este último se relaciona com o território tradicional é a base
fundamental para a continuação da vida social e de suas práticas, saberes e modo de fazer.
(NASCIMENTO, 2014, p.45).

Podemos constatar que a presença do parque eólico visou apenas o lucro, pois
muitos são os relatos de moradores(as) locais, os quais buscaram a maior geração de emprego
e renda para o território, acataram a chegada da empresa eólica, porém viram os impactos
gerados e a melhoria quase nula para a todos. Como o campo de dunas se configura uma APA,
podemos afirmar que há uma maior “flexibilização” na construção de empreendimentos, como
cita Moreira et al (2013, p.66) “a escolha pelas dunas para a instalação dos aerogeradores levou
em consideração única e exclusivamente o aspecto econômico”.

No processo de instalação do parque eólico do território do Cumbe, nenhum Estudo


de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) foi feito, como afirma
Moreira et al (2013, p.66):
46

Em análise dos documentos recebidos no dia da audiência – “A ausência de avaliação dos


impactos sociais e humanos na instalação dos parques eólicos nas localidades do Cumbe
e Canavieira em Aracati(CE) e a energia eólica no estado do Ceará” – a farsa da energia
limpa ou da (IM)prescindibilidade de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de
Impacto Ambiental [EIA/RIMA] em zona costeira – escritos pelo promotor citado e
usando a técnica de análise documental, verifica-se que o licenciamento desses
empreendimentos pelo órgão ambiental competente, a Superintendência Estadual do
Meio Ambiente do Estado do Ceará [SEMACE], vem contrariando a legislação ambiental
nos seguintes pontos cruciais: a) A não exigência do EIA e RIMA, considerando a
especificidade ambiental da Zona Costeira e o fato de grande parte dos empreendimentos
estarem situados em área de Proteção Permanente (campo de dunas); a SEMACE de
forma temerária vem autorizando a instalação das usinas eólicas com base em Relatório
Ambiental Simplificado [RAS]; b) A não observância da Legislação Federal que trata dos
sítios arqueológicos que também, exige EIA/RIMA constando o projeto de salvamento
desse patrimônio.

Devido ao licenciamento equivocado, que embora legal (do ponto de vista jurídico-
institucional) promove injustiça ambiental, percebemos vários danos ambientais derivados da
presença do parque eólico, pois vários sítios arqueológicos estão ameaçados, além dos danos
sociais e humanos da obra.

Importante destacar o desenvolvimento da intensa atividade turística na região de


Canoa Quebrada, onde há a presença de hotéis e resorts que artificializam e impactam a
paisagem, sendo uma área em que há intensa presença de dunas e falésias que por isso se
encontram ameaçadas pelo avanço desses empreendimentos imobiliários. Nos últimos tempos,
a ameaça de instalação de um resort libanês na região tem deixado a comunidade em maior
estado de alerta. O turismo empresarial desenvolvido nesta praia gera impactos tanto sobre os
sistemas ambientais, quanto sobre as comunidades tradicionais existentes nesses.

Os conflitos socioambientais são caracterizados pelos processos de invisibilização


de comunidades tradicionais que muitas vezes são desacreditadas e descredibilizadas. O
discurso de “desenvolvimento” é uma tentativa de desestimular as relações de equilíbrio com a
natureza, as práticas ancestrais e a história dos(as) moradores(as). A seguir será discutido a
respeito da história da comunidade, bem como a chegada dos conflitos travados até hoje e que
refletem na luta por um território livre.
47

3.2 Os conflitos que cercam o Território Quilombola do Cumbe

Quando estudamos história e geografia do Ceará destacam-se dois grandes


momentos de formação do território e crescimento econômico do estado. O primeiro é chamado
de ciclo do gado, onde inicia o processo de ocupação efetiva do estado do Ceará, pelos sertões
de dentro e os sertões de fora, que foram responsáveis pelo surgimento de várias vilas, como
Icó, Aracati e Sobral. O segundo momento de ocupação é chamado de ciclo do algodão,
responsável pelo crescimento da cidade de Fortaleza.

A história do Ceará e o cotidiano mostra uma tentativa de negação quanto à


população afrodescendente no estado. Desta maneira, a busca por mostrar a existência de
populações negras e quilombolas, através dos estudos acadêmicos, se torna um desafio urgente,
pois há uma constante negação dos eventos.

O fato é que nas primeiras décadas da colonização do Ceará alguns engenhos de


açúcar foram instalados no litoral cearense. Assim como nas capitanias de Pernambuco e Bahia,
no Ceará, os engenhos também ocuparam grandes extensões de terras, doadas a colonos
portugueses. Essas propriedades eram fazendas enormes, com áreas de mata, plantações de
cana-de-açúcar, pastos para os animais e várias construções.

A comunidade Quilombola do Cumbe foi um dos principais povoados produtores


de cana-de-açúcar do município de Aracati, e possuiu engenhos que trabalharam na produção
de cachaça, rapadura e açúcar mascavo. A cana-de-açúcar constituiu-se numa das mais
importantes fontes econômicas do município, assim como a produção da cera de carnaúba, do
algodão e da carne de charque (NASCIMENTO e LIMA, 2017).

Os engenhos chegaram com a invasão dos colonizadores, para a expansão da


produção de cana em Aracati, onde se situa o Cumbe. Os invasores expulsaram os povos que
ali viviam e passaram as terras abastadas aos comerciantes, basicamente 9 famílias foram
contempladas. Nessas terras se desenvolveu a pecuária e as charqueadas e, posteriormente,
somou-se a produção de cana-de-açúcar, que teve um aumento na produção após as grandes
secas entre 1777-1790.

Segundo Bezerra (1902 apud NASCIMENTO, 2017), em 1970 o Cumbe já era um


lugar bastante próspero para época, com 12 moinhos de vento, que faziam a irrigação do plantio
de 2 km de cana-de-açúcar e a cachaça produzida nos engenhos do Cumbe era distribuída no
48

Ceará inteiro. Portanto, Aracati até o século XVIII era o principal centro distribuidor de charque
e de cana-de-açúcar do Ceará.

Ainda na interpretação de muitos, no Ceará não houve uma produção efetiva de


cana e, pelo fato do estado do Ceará ter sido o primeiro a abolir a escravidão, reproduz-se uma
ideia de que nunca houve negros(as) na região ou, que o processo de mestiçagem fez com que
a população negra desaparecesse – o chamado “racismo velado” que assola a sociedade
brasileira. Dessa forma, a importância dada ao conhecimento do território é imprescindível
tanto para os(as) moradores(as) quilombolas quanto para a sociedade em geral, pois faz parte
da história do estado cearense, como afirma Silva (2016, p.55):

Francisco José do Nascimento, conhecido como Chico da Matilde, por ser jangadeiro,
conviveu com o drama do tráfico de escravos de perto, o que, somado ao fato de ser negro,
contribuiu para se tornar a liderança do movimento dos seus colegas de profissão, os quais
bloquearam o porto para o embarque e desembarque de negros escravizados no litoral
cearense. Em 1882, prometeu que não haveria força bruta no mundo que fizesse o tráfico
negreiro ser reaberto no Ceará, o que lhe rendeu o apelido de O Dragão do Mar.
Impossibilitados de comercializar escravos com outras províncias, os senhores de
engenho, que com a dramática seca (1877-1879) não estavam mais conseguindo sustentar
seus escravos, foram obrigados a dar a liberdade a eles. Esse foi o fim de mais um ciclo
econômico, o da cana-de-açúcar. Com isso, muitos desses trabalhadores escravos
permaneceram nas terras e continuaram a história.

Diante dos processos de invasão que a comunidade passa, desde sua origem, a
necessidade do reconhecimento da identidade quilombola tornou-se mais urgente nos anos
2000. Em 2010, alguns moradores do Cumbe decidiram reivindicar o título quilombola.
Entretanto, para o reconhecimento, é necessário uma série de estudos no território e isso só foi
possível com a colaboração dos(as) quilombolas. Porém nem todos os(as) moradores(as)
aderiram à causa. Com o avanço dos empreendimentos da carcinicultura e das eólicas no
território, houve um processo de cisão da comunidade, alguns moradores não se identificam
enquanto quilombolas, mesmo com o conhecimento sobre a história da região, pois há um certo
preconceito sobre as comunidades tradicionais, e também um cooptação por parte do discurso
colonizador das empresas aí instaladas.

Os(as) moradores(as) que não se reconhecem como quilombolas criaram uma


associação comunitária paralela para lutar contra a demarcação da terra tradicional. Porém, em
10/12/2014, a comunidade do Cumbe conquistou o documento para reconhecimento do
território quilombola, através da certificação de autodefinição como quilombolas emitida pela
Fundação Palmares, contando com 96 famílias cadastradas e autorreconhecidas quilombolas.
O consenso a que as lideranças do Cumbe chegaram foi o de não incluir o povoado na
49

demarcação do Incra, cujo processo ainda tramita, visto que nem todos os moradores se
autorreconhecem como quilombolas.

Os conflitos socioambientais na zona costeira do estado do Ceará são resultados de


um avanço indiscriminado de empreendimentos que chegam sem uma consciência social e/ou
ambiental visando, exclusivamente, o lucro em cima de paisagens – as quais ainda existem
devido ao respeito e preservação dos comunitários, ocasionando injustiça ambiental.

A invasão no território do Cumbe, com a chegada dos empreendimentos, é uma


discussão essencial para a articulação das resistências na busca por justiça ambiental e
preservação do território, para a realização do turismo comunitário. Os conflitos que perduram
até hoje são vistos como uma prática que chama a atenção para o território, porém vale ressaltar
que nesta pesquisa o conflito dá ênfase às resistências, e são estas que fazem do Cumbe um
território de luta.

O conflito pela água é o ponto inicial, pois trata-se de um problema antigo da


comunidade, visto que o Cumbe é um território que, historicamente, possuía água em
abundância, devido sua localização privilegiada às margens do Rio Jaguaribe. Os cuidados com
a água sempre foram passados de geração para geração na comunidade, bem como o uso
comunitário e livre. Segundo Nascimento (2014), a chegada da Companhia de Água e Esgoto
do Estado do Ceará – CAGECE, a partir dos anos 1970 gerou diversas mudanças no ecossistema
local devido a retirada excessiva de água para o abastecimento da cidade de Aracati,
ocasionando o desaparecimento de diversos seres vivos, plantas e animais, dentre eles os
coqueiros, as carnaúbas e as mangueiras centenárias.

A retirada da água doce, proveniente das lagoas interdunares, comprometeu o


equilíbrio ambiental local, o que mais preocupa os(as) moradores(as) do Cumbe. A mudança
com a chegada da CAGECE repercute até os dias de hoje, pois com a privatização dos
mananciais, a água para o consumo humano e para os meios de reprodução da vida começou a
faltar e/ou alterar sua qualidade, prejudicando as atividades dos(as) quilombolas. Infelizmente
nada foi feito para amenizar os impactos da privatização da água doce da comunidade, pelo
contrário, outros projetos “desenvolvimentistas” surgiram para aumentar ainda mais os
conflitos socioambientais no Cumbe.

No território do Cumbe, a invasão e, consequentemente, a exploração dos bens


naturais, sempre estiveram presentes desde a colonização brasileira, com a produção de cana-
de-açúcar até os dias atuais. A comunidade quilombola-pesqueira do Cumbe sofre, atualmente,
50

além dos processos políticos de demarcação do território e a luta pela água, com a presença da
carcinicultura, atividade que desenvolve a criação de camarão em cativeiro e com a instalação
do parque eólico.

A história da atividade da carcinicultura no país e no estado do Aracati cresce


devido ao declínio do estoque em alto mar, o que incentivou a atividade da aquicultura, e
algumas localidades foram escolhidas devido à dinâmica empresarial. A busca por territórios
com solo e mão de obra baratos, água em abundância, condições climáticas favoráveis e
fragilidade da legislação e fiscalização ambiental é essencial na dinâmica locacional desses
tipos de empreendimentos.

Segundo Nogueira, Rigotto e Teixeira (2009), a atividade da carcinicultura no


Brasil foi introduzida no Nordeste brasileiro na década de 1970, inicialmente no estado do Rio
Grande do Norte, com o desenvolvimento tecnológico relacionado ao camarão do pacífico
(Litopenaeus vannamei) – espécie adaptada à criação em cativeiro. No estado do Ceará, essa
prática vem se desenvolvendo há mais de 20 anos. De acordo com a Fundação Cearense de
Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME), em 1989, existia nos estuários cearenses cerca
de 560 hectares implantados de fazendas de criação de camarão. Já para o ano de 2002, dados
da Superintendência Estadual do Meio Ambiente- SEMACE, indicava cerca de 1.288,6
hectares de fazendas de produção de camarão em cativeiro em funcionamento.

Em 2003, o Ceará já apresentava a segunda maior produção de camarão em


cativeiro do país, e grande parte da produção concentrada no município de Aracati.

O diagnóstico sobre a atividade de carcinicultura no estado do Ceará, em 2004, realizado


pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) ao longo das bacias hidrográficas do
Ceará, foram identificadas 237 fazendas de camarão em operação, localizadas em dezoito
municípios, ocupando uma área de 6.069,96 ha. O Município de Aracati, no qual foi
realizado o estudo, concentra 31,4% destes empreendimentos, com 54 fazendas em
operação, que respondem por 12,0% da produção, comercialização e circulação de
camarão no país. (NOGUEIRA; RIGOTTO; TEIXEIRA, 2009, p.8).

Destaca-se também que o processo de instalação dos viveiros de camarão implica,


diretamente, nos impactos ambientais aos ecossistemas locais, como o manguezal, apicum,
salgado, e na interferência das atividades de subsistência dos sujeitos quilombolas. Em 2005,
devido às pressões populares foi realizado, pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, um diagnóstico das atividades de carcinicultura no
estado e verificou-se que, do total das fazendas licenciadas pela Superintendência Estadual do
51

Meio Ambiente do Ceará - SEMACE, apenas 21,6% dispunham de licença correspondente a


sua fase de implantação e dentro do prazo de validade.

Segundo Queiróz (2007), a carcinicultura chegou na comunidade com o discurso


de aumentar empregos na região, combater a fome e gerar renda. Porém, os relatos dos(as)
moradores(as) quilombolas mostraram que a carcinicultura aumentou o processo de
concentração de terras entre algumas poucas famílias, gerando conflitos entre os moradores
(quilombolas e não-quilombolas), devido ao processo de privatização do mangue e das
gamboas5 – locais utilizados pelos quilombolas para as suas atividades de autoconsumo, além
do processo de poluição da água doce, onde joga-se produtos químicos e grande quantidade de
sal para aumentar a produtividade do camarão.

Muitos são os impactos socioambientais que a criação de camarão traz, pois além
da mudança da paisagem com a instalação de viveiros, há uma invasão do ecossistema local,
desmatamento da mata ciliar, do mangue e de suas sucessivas formações vegetacionais, além
do impacto gerado pela privatização e poluição da água. Assim afirma Meireles (2006, p. 83):

[...] desmatamento de manguezal, da mata ciliar e do carnaubal; extinção de setores de


apicum; soterramento de gamboas e canais de maré; bloqueio do fluxo das marés;
contaminação da água por efluentes dos viveiros e das fazendas de larva e pós-larva;
salinização do aqüífero; impermeabilização do solo associado ao ecossistema manguezal,
ao carnaubal e à mata ciliar; erosão do taludes, dos diques e dos canais de abastecimento
e de deságüe; empreendimentos sem bacias de sedimentação; fuga de camarão exótico
para ambientes fluviais e fluviomarinhos; redução e extinção de habitats de numerosas
espécies, extinção de áreas de mariscagem, pesca e captura de caranguejos, disseminação
de doenças (crustáceos); [...].

A carcinicultura trouxe para os sujeitos do território a sensação de insegurança, pois


além das privatizações de terrenos, o direito de ir e vir foram tomados das mais diversas formas,
com a instalação de câmeras de vigilância, cercas marcando o “direito” à propriedade privada
e, consequentemente a privatização do mangue, como apresentado nas imagens seguintes.

5
Braços do rio; locais formados pela dinâmica natural do curso do rio, utilizado para a pesca artesanal.
52

Figura 7 – A invasão da carcinicultura sobre o mangue do Cumbe

Fonte: LECANTE/NATERRA (UECE), 2019.

Figura 8 – Placa identificando a presença de câmera de vigilância nos tanques da


carcinicultura

Fonte: LECANTE/NATERRA (UECE), 2019.


53

Figura 9 – Câmera de vigilância voltada para rua da Comunidade

Fonte: LECANTE/NATERRA (UECE), 2019.

Outro empreendimento que gera conflitos socioambientais na comunidade é o


parque eólico. O Ceará, nos últimos anos, vem se destacando na produção de energias
“alternativas” e possui um potencial de ventos para a produção de energia eólica6, o que tem
atraído investimentos. O Ceará atrai investimentos neste setor, segundo a Secretaria da
Infraestrutura do Estado do Ceará – SECITEC. Apesar de uma usina eólica ser, comumente,
considerada uma fonte de energia “limpa”, é importante avaliar em quais localidades estão
inseridas essas estruturas e quais os impactos para a população local. No caso do Cumbe, a
comunidade faz parte de APA de Canoa Quebrada, com legislação própria, mas que nitidamente
não é cumprida, como citado no item 3.1.

O que precisa ser avaliado é que, apesar da energia eólica ser considerada limpa e
renovável em si, a instalação das usinas pode ser de altíssimo impacto. O uso de áreas
para a construção de empreendimentos de geração de energia eólica, conhecidas como
fazendas eólicas ameaça a preservação de campos de dunas móveis e fixadas por
vegetação em áreas de preservação permanente na zona costeira do Ceará. As

6
Denomina-se energia eólica a energia cinética contida nas massas de ar em movimento (vento), gerados pelas
diferenças de temperatura na superfície do planeta. Seu aproveitamento ocorre por meio da conversão da energia
cinética de translação em energia cinética de rotação, com o emprego de aerogeradores ou cataventos (ANEEL,
2008, s/p.).
54

comunidades se deparam com o fato que as empresas deixam de apresentar alternativas


locacionais e os órgãos ambientais de exigi-las. (MEIRELES, 2019, p.84).

O empreendimento eólico chegou no Cumbe em 2008, com instalação de três


parques da empresa Bons Ventos, hoje denominada de CPFL Energias Renováveis S.A.
Inicialmente houve o discurso de geração de emprego e crescimento econômico para a
localidade, porém esse empreendimento trouxe vários problemas sociais e ambientais
apontados pelos(as) moradores(as).

Primeiramente o discurso de geração de emprego não contemplou a Comunidade.


Vários trabalhadores, vindos de outros locais, foram recrutados pela empresa no processo de
instalação do parque eólico, ocasionando o aumento do uso de bebidas alcoólicas, prostituição
de mulheres, violência e outros problemas. A construção do parque eólico promoveu a
privatização das dunas e a degradação das mesmas, o que ocasionou o desaparecimento de
vários sítios arqueológicos do território, e limitou o acesso dos moradores até as lagoas
interdunares e à praia da comunidade, onde ocorriam atividades de trabalho e lazer.

Figura 10 – Privatização do campo de dunas no Cumbe

Fonte LECANTE/NATERRA (UECE), 2019.


55

Na figura 10, podemos perceber que a paisagem foi poluída visualmente com as
torres eólicas, visto que esses empreendimentos modificam a movimentação das dunas, que
naturalmente é um ambiente altamente imprevisível por sua dinâmica depender da direção e
força dos ventos. Com o mapeamento colaborativo foi possível espacializar os conflitos no
território e elaborar o mapa a seguir, para conhecimento dos(as) moradores(as) quilombolas da
comunidade, bem como para ajudar na luta contra a injustiça ambiental.
56

Figura 11 – Mapa de conflitos da comunidade do Cumbe, Aracati – CE

Fonte: LECANTE/NATERRA (UECE), 2019.


57

Com a cartografia social foi possível listar a presença de 48 tanques de


carcinicultura e 53 aerogeradores, mostrando o quanto esses empreendimentos são numerosos
e geograficamente cercam a comunidade quilombola. Provavelmente o número de tanques e
aerogeradores tenha aumentado após 2018-2019, quando foram catalogados na pesquisa.

A presença desses empreendimentos, segundo Nascimento e Lima (2012) trazem


um grande conflito interno entre os moradores que se auto definem quilombolas e aqueles que
não se reconhecem assim, pois de um lado estão os que querem um território de uso coletivo e
livre das ameaças econômicas e, de outro, os chamados “donos da terra”, também chamados de
veranistas, empresários de camarão e do parque eólico, que se colocam contra a demarcação do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e da certificação da Fundação
Cultural Palmares de demarcar e titular o território quilombola.

A comunidade passa por diversos conflitos, atrelados à disputa por água, território,
bens comuns, seja a luta pelo direito de ir e vir, de ser quem são e defender o que acreditam.
Essa negação de direitos é resultado de um processo de produção econômica que não liga para
a natureza e para os seres dependentes dela, e isso reflete tanto nas relações sociais e políticas
quanto na forma de se fazer ciência. O foco principal deste trabalho é que mesmo com tantos
conflitos que a comunidade quilombola do Cumbe passa, a luta é maior do que todo o processo
de deslegitimação. A resistência existe, e somente existe porque há uma comunidade, e a
comunidade só existe porque há uma resistência. A multiplicidade de formas de resistência da
comunidade será discutida no tópico seguinte.

3.3 “Onde há conflito, há resistência!”: o turismo comunitário como resistência ativa no


Cumbe

As resistências sempre fizeram parte da história da humanidade como resposta, dos


grupos vulnerabilizados, aos processos de exploração e repressão que passam por causados seus
modos de vida, cor, raça, ancestralidade etc. O território do Cumbe há tempos sofre com
processos exploratórios, discutidos no tópico anterior, que geram problemas devido à
degradação da paisagem, e impactam as atividades de autoconsumo. No entanto, muitas são as
formas que os(as) quilombolas encontraram de resistir frente à presença desses
empreendimentos em seu território. Vale ressaltar o protagonismo e liderança das mulheres
quilombolas e pescadoras do Cumbe, que sempre estão à frente dos movimentos de resistência
em defesa do seu território.
58

Em setembro de 2009, os pescadores/as do mangue do Cumbe, diante da realidade vivida


na comunidade com a instalação dos parques de energia eólica da empresa bons ventos,
hoje CPFL. Resolveram fechar por dezenove (19) dias, a estrada de acesso ao 80 parque
eólico, questionando várias questões como a privatização das dunas, lagoas, praia e o da
“energia limpa”. E mais uma vez, lá estavam, em maioria, as mulheres pescadoras do
mangue do Cumbe. Lutando e denunciando o tipo de “desenvolvimento” que se instala
na comunidade e no território tradicional, ameaçando e expulsando os comunitários de
seus espaços de usos diversos. (NASCIMENTO; LIMA, 2017, p. 79).

Diante dos processos contrários à definição do território quilombola, os(as)


quilombolas do Cumbe vêm buscando alternativas para fortalecer a identidade e as tradições.
Entre essas ações, como afirma Nascimento e Lima (2017), estão as atividades educacionais e
a ecomuseologia7 para reconhecimento da identidade quilombola e das resistências do
território.

A aproximação com as universidades e escolas ajudou bastante à comunidade no


processo de reconhecimento da identidade quilombola, pois, a partir das visitas e atividades de
campo, os moradores se instigaram a buscar saber mais sobre a história do local, conhecer o
significado da palavra “Cumbe”, entre outras coisas que ajudam a comunidade na luta pelo
território. A elaboração de atividades nas quais os(as) quilombolas(as) sejam os(as)
protagonistas é o que enriquece a pesquisa acadêmica, pois a universidade tem um papel social
junto aos grupos sociais. Os pesquisadores precisam buscar metodologias participativas, como
o exemplo da cartografia social, que sejam inclusivas, onde os sujeitos do lugar sejam os atores
principais da produção do conhecimento sobre o espaço em que vivem. Vale ressaltar algumas
atividades e lugares que estimulam a identidade quilombola, pois mantêm o território livre e
ativo nas atividades tradicionais.

Um dos locais de resistência é a Santa Cruz do Cumbe, onde se localiza o cemitério


da comunidade, fixado no morro mais alto do território, a fim de evitar que os corpos ficassem
imersos nos períodos das grandes cheias que assolavam o Cumbe. Trata-se de um símbolo da
ancestralidade dos(as) sujeitos quilombolas, que sofrem também para terem acesso ao local
quando desejam referenciar seus entes queridos, devido à presença dos tanques de
carcinicultura e o parque eólico que bloqueiam a chegada até o cemitério. A Igreja do Nosso
Senhor do Bonfim do Cumbe também é um local sagrado para o território, onde ocorrem os
eventos religiosos e os funerais.

7
O Ecomuseu e a eco museologia constituem-se fundamentalmente como um modelo de organização para
trabalhar o património duma dada comunidade, na sua relação com o território através de métodos participativos.
(LEITE, 2016, p.88).
59

Figura 12 – Cemitério de Santa Cruz do Cumbe

Fonte: LECANTE/NATERRA (UECE), 2019.

Com as vivências, a partir dos projetos de extensão, pudemos visitar os engenhos


de cana-de-açúcar, que simbolizam a história do território e a identidade dos povos locais, e
também conhecer as lagoas interdunares, local símbolo de vivências e onde também há a
presença de vários sítios arqueológicos. Segundo Nascimento e Lima (2017, p.11), esses sítios
são “...amontoados de conchas que datam de 5.000/6.000 AP (Antes do Presente) e que eram
ocupados por grupos ceramistas Tupi e Tapuias e, em momentos mais recentes, por instalações
dos séculos XVIII e XIX”.
60

Figura 13 – Sítio arqueológico do Cumbe

Fonte: LECANTE/NATERRA (UECE), 2019.

O território do Cumbe possui vários lugares que simbolizam a memória da


identidade quilombola. Os(as) quilombolas-pesqueiros do Cumbe também desenvolvem
atividades artesanais, como a realização do labirinto, feito pelas mulheres marisqueiras, onde
há a produção de peças de roupas como vestidos, colchas de cama, toalhas de mesa, que servem
para a decoração e também como fonte de renda complementar das marisqueiras.

Além do labirinto, os(as) quilombolas(as) também produzem artesanato com


materiais na própria natureza do território, como a madeira da iburana e da carnaúba, vegetação
comum no território. É interessante apontar que os(as) artesãs(os) do Cumbe não destroem as
árvores, eles catam os materiais pela região, geralmente são materiais que caíram naturalmente
e que são reaproveitados para fazer artefatos. No artesanato, tudo pode virar arte, e por isso,
conhecer o quintal do mestre Cheirinho, antigo artesão local, é reconhecer que há uma
sensibilidade de procurar e criar a partir do que a natureza dá.
61

Figura 14 – Oficina de artesanato do Mestre Cheirinho

Fonte: Instituto Terramar, 2019.

Os quintais produtivos8 também se destacam no território do Cumbe e são voltados


para a sustentação das famílias quilombolas, bem como a troca que é feita entre os moradores
das riquezas dos quintais. Algumas épocas do ano há uma comercialização do excedente que
foi produzido dentro dos quintais, como o coco verde e o limão.

8
É um sistema que consiste, de forma geral, em uma combinação de árvores, arbustos, trepadeiras, herbáceas,
algumas vezes em associação com animais domésticos, crescendo adjacentes à residência. (CARNEIRO;
CAMURÇA ET AL, 2013, p. 136)
62

Figura 15 – Quintal Produtivo da Dona Edite

Fonte: LECANTE/NATERRA, 2019.

Não podemos deixar de destacar a atividade da pesca artesanal, realizada pelos


quilombolas e que é uma das atividades que faz circular a renda na região e resiste frente às
tentativas de privatização e destruição do ecossistema local. A atividade consiste na pesca
utilizando de instrumentos feitos artesanalmente, como a tarrafa, o landuá, o jereré, a linha de
vara e mão, a rede de arrasto, a tapagem de rede, o rengalho, entre outros. Normalmente, em
épocas específicas do ano, os(as) moradores(as) variam os locais de pesca para proporcionar a
reprodução das espécies. Geralmente utiliza-se o rio, a praia, o mangue, o apicum e o salgado
para a pesca e a cata de mariscos e crustáceos.

Diante da riqueza e conhecimento dos quilombolas, os moradores buscam diversas


formas de resistir frente aos conflitos existentes, seja através do artesanato, das festividades, da
riqueza dos quintais, dos lugares de memória, dentre outros. A busca por construir o turismo
comunitário, como uma necessidade do conhecimento da luta territorial, perante os conflitos, é
uma forma de ir contra a invisibilização promovida, tanto pela presença dos empreendimentos
existentes, quanto pelo turismo convencional do entorno.
63

Dentre as atividades mencionadas anteriormente, como os quintais, o artesanato, os


locais da memória, há outros pontos de resistência dentro do território. As atividades realizadas
pelos pescadores e pescadoras para afirmar sua identidade e dependência dos sistemas
ambientais presente surge a necessidade de proteção do seu território e muitas vezes essas
atividades não são vistas, não são especializadas, mas isso não quer dizer que não existam.

Dessa forma, como resultado do primeiro projeto de extensão desenvolvido,


elaboramos um terceiro mapa representando as resistências do território quilombola do Cumbe,
e assim mostrar que as resistências superam os conflitos. Podemos observar as multiplicidades
das resistências do território no mapa da figura 16.
64

Figura 16 – Mapa das resistências no território Quilombola do Cumbe, Aracati – CE

Fonte: LECANTE/NATERRA, 2018.


65

As relações turísticas desenvolvidas nas localidades próximas dificultam o


conhecimento do território do Cumbe, pois o turismo convencional presente nestas surge como
um processo puramente econômico e de apropriação da natureza e dos lugares para obtenção
do lucro.

O desenvolvimento do turismo comunitário reafirma a integração da comunidade


tradicional com a natureza, como uma forma de valorização da paisagem e da ancestralidade,
além de enaltecer a economia solidária.

Nós costumamos definir economia solidária como um modo de produção que se


caracteriza pela igualdade. Pela igualdade de direitos, os meios de produção são de posse
coletiva dos que trabalham com eles – essa é a característica central. E a autogestão, ou
seja, os empreendimentos de economia solidária são geridos pelos próprios trabalhadores
coletivamente de forma inteiramente democrática, quer dizer, cada sócio, cada membro
do empreendimento tem direito a um voto. Se são pequenas cooperativas, não há nenhuma
distinção importante de funções, todo o mundo faz o que precisa. (SINGER, 2008, p.1).

O turismo surge com o modo de vida contemporâneo voltado ao trabalho, ou seja,


o turismo é um serviço que visa atender as necessidades dos(as) trabalhadores(as) que podem
buscar por ócio, conforto e lazer. A partir do desenvolvimento da divisão internacional do
trabalho e do modo de vida globalizado, o turismo se tornou uma das atividades mais rentáveis
do capital. Dessa forma, a atividade turística passou por mudanças adequadas às necessidades
do capital, como o modelo fordista de padronização, proporcionando a concentração de pontos
turísticos em grandes polos para atender grande número de pessoas, porém bastante
individualizados, segregados e excludentes.

Esse modelo capitalista de turismo, muitas vezes, gera uma destruição da paisagem,
onde seus empreendimentos e serviços se instalam, e, consequentemente, afetam negativamente
os modos de vidas tradicionais existentes, cujas pessoas do local recebem pouco ou nenhum
retorno das atividades turísticas instaladas, pelo contrário, são vistas como uma mão de obra
barata ou são invisibilizados pelos seus modos de vida e saberes populares, como se afirma:

Os dados mostram que o turismo é um dos maiores mercados do mundo, e vem


promovendo vantagens econômicas consideráveis. Porém, é importante salientar que o
crescimento do setor não determina retorno econômico e social para os locais que o
acolhem. Por exemplo, os países do Sul não recolhem mais do que ¼ do dinheiro gasto
durante a vinda de turistas, sendo os outros ¾ distribuídos entre as agências de viagens,
companhias aéreas, hotéis e outras empresas internacionais (ARAÚJO e GELBCKE,
2008, p.360).
66

No nordeste brasileiro, a chegada de tais práticas de turismo foi muito expressiva,


principalmente no estado do Ceará, onde várias praias como Canoa Quebrada e Jericoacoara
tornaram-se atrativas aos empreendimentos apoiados pelos governos municipais e estaduais,
com a ideia de desenvolvimento. Dessa forma, para Coriolano (2008, p.8), “contraditoriamente
se dá um processo de descaracterização de comunidades pesqueiras para alocação da
infraestrutura para o turismo, a exemplo do que ocorreu em outros núcleos nordestinos voltados
ao turismo internacional”.

Podemos perceber o processo de imposição do mercado empresarial no município


de Aracati a partir do turismo convencional. Segundo Silva (2016), as políticas públicas
estaduais a partir dos anos 1980 mudaram as dinâmicas de ocupação do solo e geraram novas
territorialidades. Assim, em Aracati as práticas de turismo se iniciaram a partir das atividades
realizadas na praia de Canoa Quebrada, localizada a poucos quilômetros de distância da
comunidade do Cumbe.

O modelo de turismo implantado pelo Programa de Desenvolvimento do Turismo


do Ceará – PRODETUR, segundo Silva (2016), não impulsionou uma grande efetividade a
longo prazo, visto que não permitiu a melhoria da qualidade de vida das populações locais,
além dos impactos ambientais que comprometeram o modo de vida de muitas pessoas.

Podemos afirmar o modelo de infraestrutura do PRODETUR aumentou as


desigualdades a partir da análise de Barbosa e Coriolano (2016, p.260):

A instalação de infraestrutura pelo PRODETUR para facilitar o deslocamento de pessoas


e a ampliação da oferta de serviços turísticos fazem parte da dinâmica dos territórios
nordestinos que se reconfiguram e passam a atender às necessidades de grupos sociais
distintos do contexto dos lugares, acirrando desigualdades em uma região já
marginalizada e que sofre as consequências do descuido social e da ocupação
desordenada.

Nesse processo de modernização e implantação de um modelo turístico,


padronizado e elitista, chamados de turismo convencional, temos a invisibilização dos povos
tradicionais, que são vistos como atrasados ou como uma escória para o desenvolvimento
econômico local.

Críticas atribuídas ao turismo têm surgido em relação ao estereótipo criado por impactos
negativos que o turismo de massa e de megaempreendimentos acarretam aos lugares e
residentes, como expropriações de terras de pescadores, desvalorização das culturas
locais e degradação da natureza. (BARBOSA e CORIOLANO, 2016, p.266).
67

A escolha do turismo comunitário foi uma alternativa de trazer visibilidade para o


território e impedir um maior avanço de empreendimentos capitalistas, pois, segundo Coriolano
(2008, p.5), “o turismo comunitário não somente mapeia territórios, mas cria territorialidades,
pois define destinos, propõe roteiros, dando visibilidade a espaços até então ‘invisíveis’”.

Como afirma Sansolo e Burstyn (2009, p.215):

O turismo de base comunitária é encarado como uma alternativa positiva e


potencialmente sustentável de desenvolvimento econômico de pequenas comunidades
autóctones (pescadores, agricultores familiares e extrativistas) na medida em que
proporcionaria a manutenção das práticas cotidianas locais e a multifuncionalidade
dos espaços tradicionais.

O desenvolvimento de práticas como o turismo comunitário, segundo Coriolano


(2008), surge como uma alternativa ao turismo desenvolvido, principalmente, na zona costeira
hoje, o qual se alia ao poder econômico local e à especulação imobiliária para proporcionar o
lazer. Dessa forma o desenvolvimento do turismo comunitário surge como uma resistência ativa
aos processos exploratórios do chamado turismo dos resorts, onde lugares e pessoas são
padronizados para atender à necessidade do turista, enquanto o meio ambiente e a população
nativa perduram no esquecimento.

No Brasil as comunidades que desenvolvem a prática do turismo comunitário fazem


parte de uma rede de turismo em parceria com ONGs, movimentos sociais, economias
solidárias, empenhados em encontrar um novo desenvolvimento pautado na coletividade e na
preservação dos espaços.

O turismo comunitário surge, como afirma Coriolano (2008), tanto como uma
alternativa de geração de emprego e renda para os moradores, quanto como valorização de
espaços e comunidades que não estão inseridas nos roteiros turísticos convencionais, visando a
compra de produtos locais, o artesanato, as comidas típicas, paisagens locais, passeios de barco
e festividades, para que os turistas entrem em contato com novas experiências e existências no
lugar.

As atividades turísticas comunitárias são associadas às demais atividades econômicas,


com iniciativas que fortalecem a agricultura, a pesca e o artesanato, tornando estas
atividades preexistentes ao turismo mais sustentável. Prioriza a geração de trabalho para
os residentes, os pequenos empreendimentos locais, a dinamização do capital local, a
garantia da participação de todos, dando espaço também às mulheres e aos jovens.
(CORIOLANO, 2008, p.9).
68

O turismo realizado no território do Cumbe é voltado para a valorização de práticas


locais, onde os próprios moradores da Associação Quilombola do Cumbe se organizam e
buscam roteiros para que os turistas visitem o território a partir de suas riquezas naturais,
culturais e históricas, onde o turismo comunitário está associado às atividades econômicas
desenvolvidas pelos mesmos. No capítulo seguinte vamos discutir a organização e os caminhos
do turismo comunitário no território quilombola do Cumbe, a partir da cartografia social.
69

4 CARTOGRAFANDO OS CAMINHOS DO TURISMO COMUNITÁRIO DO CUMBE

Percorrer os resultados das pesquisas de extensão no processo de construção do


turismo comunitário é um desafio, mas conseguimos entender a dinâmica do território,
analisando a economia solidária que subsidia essa atividade do turismo na comunidade.

A partir dos sistemas produtivos partimos da espacialização dos caminhos do


turismo comunitário do Cumbe, apresentando as atividades turísticas, os valores oferecidos,
pacotes de viagens e vantagens oferecidas que são diferentes das do turismo convencional.

4.1 As atividades que representam a economia solidária no Cumbe e suas festividades.

O turismo convencional se tornou um dos setores econômicos mais exploratórios


das últimas décadas, levando ao processo de apropriação da paisagem, dos sistemas ambientais,
dos povos tradicionais e um acúmulo de capital, na maioria das vezes, sem retorno para as
comunidades locais. Porém, o desenvolvimento do turismo comunitário por comunidades
tradicionais é uma alternativa de atividade para a preservação da natureza e das identidades
locais, pois aqui a importância cultural e simbólica está acima das questões de interesse
econômico.

O contato com novas experiências, lugares, pessoas e paisagens é a proposta da


atividade do turismo de massa que, de maneira geral passou a ser comercializado a partir das
práticas capitalistas de mudanças dos modos de vida. Segundo Coriolano (2008, p.7) “o ponto
crucial resultante do avanço do turismo no litoral foi a decadência e o desaparecimento de
muitas atividades econômicas tradicionais como a pesca, a renda, o labirinto, que deram lugar
às atividades ligadas a hotéis, pousadas, restaurantes e bares”.

Diante das problemáticas socioambientais enfrentadas pela comunidade


quilombola do Cumbe, a alternativa do turismo comunitário surge como forma de exercer uma
atividade que traga uma visibilidade para o território, de maneira em que as atividades
tradicionais sejam prevalecidas, as atividades ligas a economia solidária. A proposta do turismo
comunitário proporciona o contato com a história do lugar, dos(as) moradores(as) quilombolas,
da natureza, o conhecimento sobre o artesanato e o contato com as práticas de autoconsumo, as
quais trazem para a comunidade uma alternativa de resistência e de turismo na zona costeira
cearense.
70

Segundo o site oficial da Rede de Turismo Comunitário - TUCUM9 há mais de 30


anos as associações de moradores e pescadores do Ceará se reúnem para a proteção de seus
territórios, visto o avanço do turismo convencional, com a apropriação de territórios e
destruição de paisagens e modos de vida. Na tentativa de manter as práticas tradicionais dos
territórios e a valorização da cultura e dos saberes locais surgiu uma prática de turismo que
dialoga com a realidade local.

Com o apoio do Instituto Terramar e a colaboração de um coletivo de pessoas que


resistem em defesa de seus territórios, surgiu a Rede TUCUM. A criação da rede de turismo
comunitário veio da necessidade da troca de experiências e formas de realização de atividades
entre comunidades tradicionais, para planejar juntas roteiros, formas de hospedagens, a
valorização do comércio local, trabalhando para gerar autonomia dos moradores. De acordo
com Rosa Martins, coordenadora da Rede Tucum, ninguém externo à comunidade consegue
estruturar o turismo na região (VIAJAR VERDE, 2016).

Segundo o site oficial da TUCUM, quinze grupos de turismo formam a rede. No


litoral oeste: Tatajuba, em Camocim; Curral Velho, em Acaraú; Caetanos de Cima, em
Amontada; Assentamento Maceió, em Itapipoca; Flecheiras, em Trairi; e Tapebas, em Caucaia.
Em Fortaleza, há a estrutura de hospedagem do Centro de Formação Frei Humberto e o grupo
de mulheres do Conjunto Palmeiras. No litoral leste: Batoque e Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz;
Prainha do Canto Verde, em Beberibe; Assentamento Coqueirinho, em Fortim; Vila da Volta,
em Aracati; e Ponta Grossa e Tremembé, em Icapuí. Recentemente o território do Cumbe
ingressou na rede TUCUM.

Conhecer as formas de apropriação do território pelos quilombolas e as atividades


que realizam, a partir de uma economia solidária, foi essencial para compreendermos os
caminhos do turismo comunitário e a centralidade das atividades tradicionais. Com a
contribuição dos(as) quilombolas foi possível elaborar uma sistematização das atividades
econômicas desenvolvidas por eles(as) e, assim, compreender o funcionalismo de uma
atividade cooperativista, onde os(as) próprios(as) sujeitos do território quilombola-pesqueiro se
articulam e desenvolvem meios para resistir e proteger o território. Assim a metodologia da
pesquisa-ação mostrou-se pertinente na pesquisa, inclusive essa metodologia tem sido adotada
para elaborar projetos de associações ou cooperativas e de economia solidária (THIOLLENT,
2006).

9
Site da Rede Tucum: https://viajarverde.com.br/rede-tucum-colaboracao-e-resistencia/
71

Para a compreensão dos aspectos culturais e de resistência da comunidade,


responsáveis por construírem o turismo comunitário no Cumbe, foi necessário analisar três
aspectos: os saberes tradicionais voltados às práticas econômicas, o simbolismo dos espaços,
como retratado no capítulo anterior, e as festividades – como o exemplo da Festa do Mangue.

O diagnóstico socioeconômico consistiu numa sistematização das atividades


prioritárias desenvolvidas pelos(as) quilombolas, mencionadas no capítulo anterior,
caracterizando aquelas essenciais e de baixo impacto ambiental, priorizando a pesca, o
artesanato, a agricultura e o extrativismo.

A biodiversidade pertence, portanto, ao domínio natural e cultural, dado que a cultura


permite que os povos tradicionais possam entendê-la e manuseá-la. Assim, definidos
como o “saber fazer”, percebe-se a intensa relação entre o natural e o social a partir da
criação de técnicas de manejo a partir de tais saberes, transmitidos oralmente de geração
a geração (DIEGUES, 2000, p. 30).

O diagnóstico foi realizado pelos sujeitos do território e sistematizado por eles(as).


Para elaboração dos sistemas produtivos. Foi discutido sobre quais são as principais atividades
realizadas por eles e determinou-se 4 (quatro) sistemas produtivos no território quilombola do
Cumbe: a pesca, o extrativismo, os quintais produtivos e o artesanato. Assim, os(as)
participantes foram divididos em quatro equipes para discussão sobre os sistemas produtivos,
como mostra a figura a seguir:
72

Figura 17 – Apresentação dos sistemas econômicos pelas mulheres quilombolas

Fonte: NATERRA/LECANTE (UECE), 2019.

A pesca é sem dúvidas a atividade mais importante para os quilombolas do Cumbe,


pois esta trata-se de uma comunidade tradicional e pesqueira. Com a sistematização do
diagnóstico foi possível observar a diversidade de espécies que podem ser consumidas pelos
moradores, enriquecendo a culinária local e sem gerar um processo de exploração de uma única
espécie, prevalecendo o equilíbrio e mantendo a cadeia alimentar local. A pesca artesanal no
quilombo do Cumbe é uma das atividades mais antigas da comunidade e a que mais movimenta
a economia local.

A praia local apresenta, principalmente no meio do ano, uma boa quantidade e


diversidade de peixes para consumo e comercialização, onde são utilizados os instrumentos
artesanais para a captura de peixes. O rio apresenta a maior diversidade de seres vivos devido
ao ecossistema manguezal, onde podemos observar que a cata de mariscos é feita geralmente
pelas mulheres, principalmente pela relação delas com os quintais produtivos e com a
fabricação de materiais artesanais. Já nos outros locais temos o maior protagonismo dos homens
na atividade, devido ao maior caminho que percorrido para se ter acesso ao apicum, ao salgado
73

e à praia, porém a presença da mulher também é observada, mesmo em menor quantidade. O


quadro 1 apresenta esquematizado algumas das espécies, suas localidades e seu valor de
comercialização.

Quadro 1 – Sistema produtivo da pesca artesanal no território quilombola do Cumbe

PESCA
LOCAL TIPO PESCADOS VALOR/KG* QUEM PARTICIPA
Sururu R$ 75,00
Búzios R$ 70,00 maioria das vezes as
Marisco
Ostras R$ 20,00 mulheres marisqueiras
Intam R$ 20,00
Bague R$ 8,00
Camurim R$ 17,00
Rio Vermelho R$ 8,00
Na maioria das vezes os
Peixe Carapicu R$ 8,00
homens pescadores
Arraia R$ 10,00
Tainha R$ 10,00
Coipi R$ 12,00
Siri R$ 10,00
Crustáceo
Guaiamum R$ 25,00
Saúna R$ 7,00
Peixe Na maioria das vezes os
Carapeba R$ 13,00
Mangue homens pescadores e
Caranguejo R$ 25,00 catadores
Crustáceo
Aratu -
Guaiamum R$ 25,00
Apicum Crustáceo
Aratu -
Pampo R$10,00
Xaréu R$10,00 Na maioria das vezes os
Praia Peixe
Carabebeu R$10,00 homens pescadores
Bagre R$10,00
Fonte: Elaborado pela autora, a partir da atividade de construção do diagnóstico socioeconômico, realizada com
os(as) moradores(as) da Comunidade Quilombola do Cumbe, em outubro de 2019. *O preço dos crustáceos (Siri,
Guaiamum e Caranguejo) é estabelecido na corda contendo 10 unidades. O Aratu é somente para autoconsumo
por isso não possui preço.

Podemos observar que algumas espécies apresentam um valor monetário mais


elevado, segundo os(as) pescadores(as) quilombolas, devido à dificuldade de algumas serem
capturadas e outras estarem em processo de extinção, como o Guaiamum, então a pesca se torna
limitada desse ser vivo. O caranguejo-uçá e o siri são vendidos por unidade ou, como mostra a
74

tabela, pela “corda” contendo 10 unidades com 15,00R$ e 25,00R$, respectivamente. Isso
impressiona se lembrarmos que na cidade de Fortaleza, por exemplo, chega-se a pagar 8,00R$
a 10,00R$ pela unidade do caranguejo, em restaurantes e barracas de praia, o que demonstra o
quanto os comerciantes dos centros urbanos lucram quando compram a produção de caranguejo
do Cumbe. A espécie do Aratu é voltada para o consumo dos moradores e normalmente não é
comercializada, por isso seu valor monetário não é apresentado.

Figura 18 – A pesca na margem do rio Jaguaribe

Fonte: Site oficial do Quilombo do Cumbe.

A atividade da pesca, como mencionado anteriormente, é uma das que mais


movimenta a economia local. Em tempos de pandemia, como a do corona vírus, que estamos
vivenciando no ano de 2020, as economias locais acabam que sendo comprometidas, afetando
principalmente povos e comunidades tradicionais, mas a solidariedade e a coletividade também
é fortalecida.
75

Nesse processo fomos contemplados pelo Fundo Casa com 25mil reais para ajudar na
circulação da economia solidária do território. Os pescadores da região conseguiram uma
boa quantidade de peixes e com isso podemos fazer uma doação para mais de 176
famílias, dentre elas comunidades quilombolas. Foram pescados mais de 510kg de peixes,
510 cordas de caranguejo e mais de 500 mariscos... (Membro da Associação Quilombola,
2020).

A pesca e mariscagem são realizadas através de técnicas de manejo desenvolvidas,


historicamente em consonância com o meio, a partir de noções precisas acerca do ecossistema.
O conhecimento tradicional permite, assim, a retirada de bens naturais prioritariamente para a
sobrevivência, como abordado por Xavier (2013, p. 42):

Para o catador de caranguejo, assim como para o pescador ou a marisqueira, é preciso ter
noções precisas sobre a melhor hora de ir para o mangue, é preciso conhecer as espécies
de caranguejo (uçá, guaiamum, aratu) e saber a melhor época para encontrá-los. É
necessário entender que as fêmeas não devem ser capturadas, pois elas ajudam na
preservação da espécie, bem como, é preciso deixar de catar caranguejo nos períodos de
reprodução. As marisqueiras conhecem as boas marés para a cata do sururu, sabem onde
e como encontra-los e, depois de pescados, conhecem o processo para extração da casca.

Além da pesca, os quilombolas do Cumbe também aproveitam as riquezas dos


morros (dunas) e a importância dos seus quintais, os chamados quintais produtivos, para o
cultivo e criação de animais, realizando a agricultura e o extrativismo. A prática de produzir os
próprios alimentos e trocar entre os vizinhos fortalece a economia solidária que perpassa o
território. Dessa forma, a diversidade dos quintais, com o cultivo de frutas, verduras, plantas
medicinais e a criação de pequenos animais trazem uma autonomia e uma conexão maior com
a terra e com a preservação da mesma.

O quadro abaixo mostra a diversidade de frutas e verduras contidas nos quintais e


os tipos de animais que são criados, a agricultura é exercida nos quintais, com a participação
majoritária das mulheres, e maioria dos quintais dos quilombolas possui uma diversidade de
espécies. Já nos sítios é perceptível a criação de uma maior diversidade de animais,
principalmente de grande porte.
76

Quadro 2 – Sistema dos Quintais Produtivos do Cumbe

QUINTAIS PRODUTIVOS
TIPO ITEM LOCAL PARTICIPAÇÃO
Banana
Cana
Coco
Manga
Limão
Macaxeira
Graviola
Feijão
Milho
Acerola Maioria das
Agricultura Mamão Quintais famílias
Goiaba quilombolas.
Quiabo
Seriguela
Capim-Santo
Hortelã
Cebolinha
Coentro
Alface
Pimenta Malagueta
Tomate
Galinha caipira
Gado
Ovelha Mulheres, crianças
Quintais e
Criação de animais e homens da
Carneiro sítios
comunidade
Cavalo
Porco
Fonte: Elaborado pela autora, a partir da atividade de construção do diagnóstico socioeconômico, realizada com
os(as) moradores(as) da Comunidade Quilombola do Cumbe, em outubro de 2019.

O protagonismo das mulheres do Cumbe, além da diversidade de frutas e a riqueza


na culinária local, incentiva um cultivo voltado para ao autoconsumo e às culturas voltadas para
a comercialização, quando há excedente, sendo também este uma fonte de renda, como a
comercialização da banana, cuja penca está entre 15,00R$ a 20,00R$ o coco verde a 1,00R$ a
unidade. A percepção da relação dos quilombolas com os seus quintais, a ligação com o mato,
com as plantas medicinais, e a produção a partir das riquezas locais são processos de
territorialidades presentes, que precisam ser prevalecidas e preservadas no turismo comunitário.
77

Figura 19 – Quintal produtivo da Cleomar.

Fonte: Instituto Terramar, 2019.

O extrativismo vegetal é um dos sistemas produtivos que se destacam no território,


valorizando a riqueza do mato local. No quadro a seguir poderemos observar que a maioria das
espécies vegetacionais extraídas são voltadas para o consumo interno, sendo encontradas nas
dunas fixas – chamadas de “morros” pelos moradores, ou nos quintais, tendo uma diversidade
de plantas com poderes medicinais, como a papaconha, o jucá, a malva e a hortelã, dentre outras
que são usadas para a elaboração de sucos, chás e doces.
78

Quadro 3 – Sistema produtivo do extrativismo vegetal do Cumbe

EXTRATIVISMO VEGETAL
LOCAL ITENS PRODUÇÃO PARTICIPAÇÃO FINALIDADE
Murici Sucos
Ubaia Doces e Sucos
Morros/ Caju Doces e Sucos
Dunas Papaconha Chá/Lambedor
Guajiru Consumo direto
Jucá Chá/Lambedor Produção para
Mulheres e crianças
Goiaba Sucos consumo
da comunidade
Acerola Sucos próprio.
Malva Chá/Lambedor
Quintais
Hortelã Chá/Lambedor
Produtivos
Coco Óleo de coco
Coentro Culinária
Cebolinha Culinária
Fonte: Elaborado pela autora, a partir da atividade de construção do diagnóstico socioeconômico, realizada com
os(as) moradores(as) da Comunidade Quilombola do Cumbe, em outubro de 2019.

A atividade de extrativismo é resultado das riquezas locais e dos trabalhos


artesanais realizados pelas mulheres, com a fabricação de doces, chás e óleos naturais. Essa
atividade tem centralidade no conhecimento protagonizado pelos mais velhos, principalmente
pelas matriarcas da comunidade, que fazem questão de passar seus saberes ancestrais para
os(as) mais jovens, como o uso medicinal das plantas.

Durante os percursos feitos na comunidade, durante a realização desta pesquisa,


pudemos conhecer o mato (como os(as) moradores(as) se referem) e suas funções medicinais,
através dos olhares das mulheres da comunidade. Vimos in loco o juazeiro – bom para cuidar
dos dentes; a folha de quebra pedra, o pé de quiabo, dentre outros. Os caminhos percorridos nos
permitiram tanto conhecer a história do território como a fauna e flora locais.

Nesses trajetos dentro da comunidade, as sujeitos do território tradicional nos


ensinaram as funções medicinais das plantas como o chá da papaconha que é utilizado pelos
quilombolas para ser um lambedor no combate à gripe; o chá de jucá que serve para quando se
está com dores no corpo, por possuir agentes antinflamatórios; o óleo de coco que possui várias
funções, dentre elas o uso na culinária ou para os cuidados com a pele e cabelos.
79

Figura 20 – Conhecendo o mato do território quilombola

Fonte: Instituto Terramar, 2019.

Outra atividade que exige muito dos saberes tradicionais da comunidade, e é uma
das que mais encantam os turistas comunitários, é o artesanato do Cumbe. Muitos são os
quilombolas que reaproveitam restos de materiais, provenientes do próprio meio, para
reproduzir materiais que representem as riquezas do território. Os recursos utilizados são restos
de troncos de árvores, folhas caídas, palha, tudo que for encontrado entre as dunas e os quintais
que possa ser utilizado para a realização da arte e manter ativa a cultura local.

Dentre o resultado dos(as) artesãs(os), temos a fabricação de imagens, como flores,


barcos, animais, personagens, elaborados com restos de materiais; a elaboração de tecidos
diversos, como a atividade de labirinto, que produz vestidos, saias, toalhas de mesa; além da
confecção das redes de pesca. Há também a produção de materiais voltados para elaboração de
bijuterias, como brincos, pulseiras e tornozeleiras, aproveitando as conchas encontradas no
território.

O quadro 4 mostra o sistema produtivo do artesanato no Cumbe, com o uso de 4


tipos de materiais importantes, como os restos de madeira que são descartados pela natureza e
reaproveitados; a elaboração de tecidos; o uso das conchas; e o aproveitamento das palhas de
80

árvores. No quadro 4 também destacamos os principais quintais que produzem a atividade de


artesanato, e onde o turista pode ter contato direto com o produto desejado e acompanhar o
processo do trabalho dos(as) artesãos(as).

Quadro 4 – Descrição do artesanato do Cumbe

ARTESANATO
OBJETOS
DESCRIÇÃO MATERIAIS QUEM EXECUTA VALORES
CRIADOS
Artesanatos
Alonso, Mestre
diversos
Materiais Cheirinho,
(chaveiro,
naturais Francisco Queiroz,
pássaros,
(descartados Marcio, Dona Maioria dos
miniatura de
pela natureza) Lourdes, Marciana, objetos são
animais, entre
Josi e Dona Isabel. elaborados
outros)
Labirintos para a venda e
Arte de diversos: o preço varia o
reaproveitar, Dona Isabel, Dona de R$ 5,00 a
Toalhas de
reciclar e criar a Tecido/Labirinto Edite, Dona Zuila,
mesa, blusas, R$ 100,00, de
partir de Dona Arilza e Dona
vestidos, pano acordo com a
materiais Solidade
de prato, entre mão de obra
encontrados no outros. demandada. A
território. renda média
Palhas de Dona Isabel, Dona Chapéus, gerada é cerca
carnaúba e Maria, Regina e tapetes, bolsas de um salário
bananeira Dona Zuila e cestas mínimo por
pessoa.
Cleomar, Edinilson, Brincos,
Búzios Marciana, Alonso, pulseiras,
(conchas) Mestre Cheirinho, tornozeleiras e
Dona Lourdes e Josi chaveiros
Fonte: Elaborado pela autora, a partir da atividade de construção do diagnóstico socioeconômico, realizada com
os(as) moradores(as) da Comunidade Quilombola do Cumbe, em outubro de 2019.

Diversas são as personalidades conhecidíssimas pelo seu artesanato, no Cumbe e


fora da comunidade. Seja trabalhando com a madeira, a costura, a pintura, etc., existem vários
artistas locais. Estes inspiram também a arte produzida pelos Calungas do Cumbe, o teatro de
bonecos feitos pelos artesãos locais, voltado para entreter crianças e visitantes. O artesanato é
feito, principalmente, pelos mais velhos da comunidade, mas a juventude já vem se apropriando
dessa arte e tem sido reconhecida por trabalhos artesanais que expressão a identidade
quilombola.
81

Figura 21 – Pescadora Cleomar falando sobre seu artesanato

Fonte: LECANTE/NATERRA, 2019.

Os materiais encontrados pelo território, como a madeira, restos de plantas, galhos,


cascas são reaproveitados para virarem arte. Como observado na pesquisa, o artesanato é
voltado principalmente para a venda e é responsável pela renda de algumas famílias do
território, principalmente nas feiras e eventos, ou nos centros de artesanato.
82

Figura 22 – Lojinha de artesanato do Mestre Cheirinho

Fonte: LECANTE/NATERRA, 2019

As festividades locais ajudam na manutenção da economia solidária e no


fortalecimento das atividades locais, como a Festa do Mangue que, além de contribuírem para
a economia local, fazem com que os visitantes levem consigo um pouquinho do território para
casa. As festividades ajudam na construção de resistência culturais, ajudam na economia local
e no fortalecimento do significado dos espaços para o turismo comunitário.

As festividades se caracterizam pelas manifestações culturais e simbólicas, desde


eventos religiosos aos eventos em defesa do território. A festa do Nosso Senhor do Bonfim,
padroeiro da comunidade, é símbolo das festividades religiosas do território. A festa acontece
no terceiro domingo de novembro e acontece na capela presente na comunidade, onde são
realizadas nove novenas, com a celebração feita com a presença de comunidades convidadas.

Segundo o site oficial do Quilombo do Cumbe, desde 2007 a comunidade se


organiza para as festividades em defesa do mangue, como o Arraia Manguezá, que ocorre todos
os anos no mês de junho, celebrando as riquezas oriundas desse importante ecossistema para os
pescadores e pescadoras do território. Outra festividade importante é o Dia do Quilombo do
83

Cumbe, 05 de dezembro, o evento que comemora a certificação da Comunidade Quilombola


do Cumbe pela Fundação Palmares, reconhecendo a luta pela identidade e pelo território.

A sistematização do turismo comunitário surgiu com a Festa do Mangue. Este


evento iniciou-se com atividades realizadas pela escola do território fora de sala de aula. Desde
o ano de 2007 que a comunidade desenvolve durante a semana em defesa dos manguezais
(26/07), uma série de atividades sobre a temática manguezal, como limpeza do mangue e a
ecomuseologia, citado do capítulo anterior. Em 2014, segundo o site oficial do território, surgiu
a ideia de realizar a “I Festa do Mangue do Cumbe”, ampliando o debate sobre a importância
dos manguezais para o Cumbe e para as comunidades pesqueiras e ambientes associados à
dinâmica costeira, denunciando o avanço das atividades econômicas que ameaçam modos de
vidas e ao ecossistema manguezal.

A VI Festa do Mangue, ocorrida em outubro de 2019, teve uma duração de três


dias. Segundo o membro da Associação Quilombola, João do Cumbe, o evento recebeu,
aproximadamente 300 pessoas inscritas, e durante os três dias circulou um total de 900 pessoas.
A cada ano o evento recebe um número maior de visitantes. Os(as) quilombolas se organizam
todos os anos para que o evento ocorra da melhor forma e possa receber cada vez mais turistas,
dando maior visibilidade ao território e à luta quilombola. Assim, a mobilização dos moradores
quilombolas se dá pela divisão de tarefas, por exemplo, nas quais as pessoas serão responsáveis
pela estadia dos visitantes, doando suas casas (os moradores doam suas casas para receber os
visitantes durante o evento), doam quartos, quintais, dispondo de colchões, espaços para redes,
para acomodar o máximo possível de pessoas.

Com a cooperação dos(as) quilombolas, todos os anos são feitas reuniões para
organização, planejamento, levantamento de custos, transportes e idealização de atividades que
serão realizadas. Como visto, muitos(as) moradores(as) doam suas próprias casas para receber
os visitantes, além de auxiliarem na organização da alimentação e no levantamento de recursos
para os custos com banda, brindes e transportes.

A programação da festa é voltada para visitação no manguezal, no rio Jaguaribe e


nas dunas, além da oferta de comidas típicas da região, o fortalecimento de práticas folclóricas
como danças, apresentações de histórias da comunidade, através dos Calungas do Cumbe, e a
comercialização do artesanato local. Assim, o objetivo da festa é ocupar o território quilombola
com as atividades para fortalecer e reafirmar a identidade pesqueira, enaltecendo a luta e
resistência dos modos de vida e saberes locais.
84

Figura 23 – Festa do Mangue do Cumbe em 2018

Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

Além da festa do mangue, existem outras festividades importantes para o território,


como o carnaval e a formação do bloco carnavalesco “Os Karambolas”, que reúne pessoas de
todas as idades no domingo de carnaval, e onde ocorrem as confraternizações, como o mela-
mela e as brincadeiras.

Dentre as outras festividades do território temos: na época de São João ocorre o


Arraia Manguezá, no mês de Junho; a Queima de Judas e Pau de Sebo, que ocorre toda Semana
Santa, de cunho religioso; o Dia do Quilombo do Cumbe, que comemora a certificação da
Comunidade quilombola do Cumbe, na data de 10 de dezembro, pela Fundação Palmares, entre
outras.

As atrações geradas pelas festividades ajudam também no fortalecimento das


ligações afetivas e religiosas, bem como na socialização dos(as) moradores da Associação
quilombola-pesqueira nas organizações dos eventos. Essas festividades agregam até mesmo
os(as) moradores(as) da comunidade que não se autorreconhecem quilombolas.
85

Diante do processo de construção do turismo comunitário local, os(as) quilombolas


também se organizam junto com a Rede TUCUM e a Associação Quilombola do Cumbe para
elaborar as dinâmicas de hospedagem de turistas, planejar a alimentação e roteiros de passeios,
definir valores, como será discutido no próximo tópico. Destaca-se que todas as informações
do turismo comunitário, como valores, tipos de atividades, duração, formas de alimentação,
meios de transportes etc. foram obtidos no site oficial do Quilombo do Cumbe e através das
atividades de campo e conversa com os(as) quilombolas da comunidade.

4.2 A construção do turismo comunitário no Quilombo do Cumbe

As atividades de autoconsumo compõem o turismo comunitário no Cumbe, pois


este é uma prática que vai contra a homogeneização dos espaços pelo capital, além de valorizar
os saberes locais. Essa atividade não chega para suplantar ou secundarizar as atividades
tradicionais já presentes no Cumbe, pelo contrário, o turismo comunitário soma-se a estas,
aproveitando o que já existe na comunidade para valorizá-la e ampliar sua visibilidade, em
defesa do próprio território.

O turismo comunitário no território do Cumbe está associado às práticas e costumes


tradicionais, princípio adotado pelo modelo comunitário, de associativismo e preservação da
natureza e dos saberes locais. Como afirma Coriolano (2008, p.7):

Assim, o turismo comunitário é aquele em que as comunidades de forma associativa


organizam arranjos produtivos locais, possuindo o controle efetivo das terras e das
atividades econômicas associadas à exploração do turismo. Nele o turista é levado a
interagir com o lugar e com as famílias residentes, sejam de pescadores, ribeirinhos,
pantaneiros ou de índios. Uma das primeiras ações que as comunidades realizam é a
elaboração de um pacto interno com os próprios residentes em defesa de suas
propriedades.

O contato com outras comunidades tradicionais é imprescindível no fortalecimento


da prática do turismo comunitário, pois a cooperação, a troca de saberes e experiências são
importantes na organização das atividades. No Brasil, muitas são as comunidades que fazem
parte da rede de turismo comunitário que, junto com o apoio de ONGs, conseguem realizar
atividades mais articuladas, como o exemplo da Rede Brasileira de Turismo Solidário e
Comunitário - TURISOL.
86

Quanto ao processo de articulação, o território do Cumbe faz parte da Rede


Cearense de Turismo Comunitário, chamada de rede TUCUM. A rede surgiu como uma
necessidade de reforçar e articular as lutas e modos de vidas dos territórios tradicionais a partir
do turismo comunitário e articulá-lo aos demais sistemas produtivos locais. Nesse processo, a
visibilização de uma forma de turismo voltada para a preservação dos territórios e identidades
tradicionais se torna mais viável com o apoio de uma rede de sujeitos/lugares que exercem
atividades semelhantes.

Segundo Coriolano (2008), muitos são os sujeitos que fazem parte da Rede de
Turismo Comunitário, entre eles movimentos sociais, comunidades, organizadores de viagens,
operadores de comércio justo, de economias solidárias, organizações ambientais e ONG’s, entre
outros. Existem várias comunidades no Ceará que estão inseridas na rede de turismo
comunitário, além do Cumbe, como Prainha do Canto Verde, Curral Velho e Caetanos de Cima.

A ideia do turismo está na alternativa de gerar emprego e renda para as comunidades


locais e também ajudar no fortalecimento das atividades já existentes. No caso do Cumbe temos
as atividades de pesca, extrativismo, agricultura e artesanato, importantes na produção e na
renda de vários moradores quilombolas. Podemos afirmar que no turismo comunitário vemos a
realidade dos grupos tradicionais e podemos disfrutar de uma atividade de baixo impacto
socioambiental. Como afirma a Presidenta da Associação Quilombola do Cumbe:

Aqui o turista tem uma visão diferente, ele entra em contato com a natureza e com pessoas
simples, reais. Come da comida produzida pelos quilombolas, entra em contato com a
nossa realidade e tem uma nova visão de turismo, sem muita coisa, sem destruição, só o
nosso território. (Entrevista com a Presidenta da Associação Quilombola do Cumbe,
2019).

O apoio do Instituto Terramar na zona costeira cearense ajuda na realização do


turismo comunitário, pois a ONG busca dar apoio institucional às organizações comunitárias,
realizando atividades de formação política e de educação ambiental, construindo iniciativas de
fortalecimento das atividades tradicionais, ajudando a conciliar as atividades tradicionais e o
turismo comunitário, e estando sempre vigilantes aos projetos que ameaçam esses territórios.

Quanto à realização das atividades do turismo comunitário, como acomodação,


alimentação e atividades de lazer, o Quilombo do Cumbe possui uma grande variedade. Como
mencionado anteriormente, vários moradoras e moradores dispõe de suas próprias casas para
receber os visitantes, e algumas acomodações existe o chamado bed and breakfast, como
explica Santos (2018, p. 66):
87

Portanto, a fim de evitar os impactos decorrentes da hospedagem, a comunidade do


Cumbe adotou o que é classicamente conhecido como bed and breakfast. Tal modalidade
de hospedagem domiciliar, é caracterizada pela sua tradução literal: o hóspede, mediante
pagamento, acomoda-se em residências privadas habitadas e dispõem de um lugar para
dormir e de café da manhã.

Conforme informações do site oficial da comunidade, as hospedagens e


alimentação incluem um pacote de R$60,00 a diária, para duas pessoas, com direito ao café da
manhã. Os quartos da associação cabem até 5 (cinco) pessoas com acomodações das mais
diversas, como rede, cama, colchão. Há também espaços para a instalação de barracas,
principalmente para os visitantes que optam por uma hospedagem mais alternativa.

Com relação à alimentação, as refeições coletivas são realizadas, principalmente,


na sede da Associação Quilombola, elaborada pelas mulheres pescadoras, mas também podem
ser feitas nas casas dos(as) quilombolas que acolhem os(as) visitantes. Segundo o site oficial
do quilombo do Cumbe, cada refeição (almoço ou janta) custa R$15,00. A variedade do
cardápio surpreende bastante, principalmente pelas refeições super deliciosas e com várias
opções valorizando a culinária local. As refeições também buscam atender aos visitantes
vegetarianos com opções sem carne.

Além da opção de comer na Associação Quilombola ou nas casas dos(as)


moradores(as) quilombolas, existe a alternativa do chamado “comer no mato”, antiga prática
dos moradores que se reúnem em algum dos lugares do manguezal, geralmente nas ilhas, para
confraternizar, intercalando refeições e banho no rio. O “comer no mato” é uma das atrações
das edições da Festa do Mangue, onde ocorre ao mesmo tempo que as oficinas de cata de búzios,
caranguejo e pesca.

Além do preço acessível de hospedagem e de alimentação, o território possui um


vasto roteiro de atividades que ajudam na valorização e preservação da paisagem e na
compreensão das resistências locais. Entre as atividades oferecidas estão: passeio a cavalo,
passeio de barco, trilhas pelas dunas e pelo mangue, e o passeio até a praia. Durante o percurso,
um pouco da história é contada pelos sujeitos do território quilombola, sobre as vivências e suas
compreensões da paisagem.

A maioria dos moradores possuíram vivências nas lagoas interdunares e também nas
gamboas, que são braços do rio utilizado para a pesca, principalmente feita pelas
mulheres, como atividade de subsistência. Podemos mostrar a parte ruim da presença
desses empreendimentos tão perto da gente e como sobrevivemos diante deles.
(Entrevista com a Presidenta da Associação Quilombola do Cumbe, 2019).
88

Sobre os passeios, a Associação Quilombola informou que o passeio a cavalo pelo


território leva aproximadamente 60min de duração, com acompanhamento dos moradores e
responsáveis e custa R$50,00 por pessoa. O passeio de barco pelo rio Jaguaribe possui duas
possibilidades: 1) o passeio é voltado para conhecer as belezas do percurso, com direito a
paradas pelas ilhas para realização de fotos e banho, com um percurso que dura 2 horas e meia,
com direito a 6 (seis) pessoas por um valor de R$ 120,00; 2) o passeio que segue o mesmo
roteiro do anterior mas contemplando a atividade de “cume no mato”, onde o trajeto pelo rio se
dá até uma das ilhas onde a parada é realizada para a alimentação, possuindo duração de 4
horas, onde é possível levar até 6 (seis) pessoas por apenas R$200,00 o total.

Uma das outras atividades turísticas está na realização do caminho até a duna do
pôr do sol. Como mencionado anteriormente, o território do Cumbe possui um extenso campo
de dunas e por isso algumas são conhecidas pela paisagem vista do pôr do sol ao final do dia.
De acordo com a Associação Quilombola, este percurso é realizado a pé e possui duração de 2
horas, com até 6 (seis) pessoas por apenas R$30,00 o total.

Outro caminho realizado pelo território é o percurso do mangue, feito a pé,


passando por algumas regiões de apicum, indo em direção à margem do rio Jaguaribe. No site
da comunidade informa que o percurso custa R$ 30,00 para até 6 (seis) pessoas e possui duração
de 2 horas, é destinado à realização do banho no rio e contempla roda ao redor da fogueira a
noite para socialização.

O último caminho turístico que destacamos, realizado para o conhecimento das


paisagens locais, é o percurso da praia, normalmente feito de carro por conta da distância maior
do povoado, onde é disponibilizado o carro da própria Associação Quilombola, custando
R$60,00 para até 6 (seis) pessoas, com duração de 3 horas.

O visitante pode chegar até o território utilizando a rodoviárias de Fortaleza, com


ônibus que seguem até a cidade de Aracati. Hoje o acesso ao território está “facilitado” pela
construção da estrada de asfalto até a Associação. Apesar da facilidade de acesso, é importante
dimensionar os impactos que o asfalto trás, uma vez que impermeabiliza o solo e gera aumento
da temperatura em determinadas épocas do ano. Normalmente a Associação disponibiliza o
carro para pegar e deixar visitantes até a rodoviária de Aracati, por apenas R$30,00, facilitando
o acesso de visitantes até a comunidade. Essas e outras informações podem ser encontradas no
site oficial do quilombo do Cumbe e no site da Rede TUCUM, como mencionado
89

anteriormente, lá se encontram também os contados das principais lideranças locais que estão
à frente do turismo comunitário.

O litoral do Ceará, como mencionado anteriormente, é alvo de grandes instalações


turísticas. Neste tipo de turismo, os valores são super faturados, visando o lucro sobre os
visitantes, vendo a paisagem como uma mercadoria, elevando os preços das atividades. Muitas
vezes as atividades são limitadas a uma ou duas pessoas, gerando um processo de exclusividade,
seletividade e como forma de aproveitar do entusiasmo do turista.

De modo contrário, podemos perceber que todos os passeios e atividades exercidos


no território quilombola do Cumbe são voltados para atender um número maior de pessoas por
atividade, em média seis, sendo uma forma de realizar um preço acessível aos turistas. Diante
dos sistemas produtivos e do cooperativismo, o turismo comunitário é visto como uma renda
complementar para os(as) quilombolas, tudo partindo do protagonismo desses sujeitos, do
coletivo, onde o turismo comunitário não é o foco principal das atividades exercidas, mas sim
uma forma de , que se junta às outras tradicionais já existentes no local, a fim de ocupar o
território.

Diante da compreensão das atividades de autoconsumo, em associação com o


turismo comunitário, ressalta-se as territorialidades das atividades turísticas na comunidade. O
simbolismo dos lugares e da história local, bem como a importância dos sistemas produtivos é
essencial para a legitimação do território, no fortalecimento da prática da cartografia social. No
próximo tópico será apresentado o resultado do mapeamento dos caminhos do turismo
comunitário, bem como a importância dos lugares de memória para os(as) quilombolas, já tão
mencionado no decorrer do trabalho, para compreendermos melhor o significado do território
tradicional e da prática do turismo comunitário para o Cumbe.

4.3 Os caminhos do turismo: cartografando memórias e vivências no Cumbe

Como resultado do mapeamento colaborativo e da sistematização dos sistemas


produtivos e atividades de lazer, desenvolvidas no território construímos, coletivamente com a
comunidade, os mapas do turismo comunitário do Quilombo do Cumbe. Ao todo foram
mapeados 6 (seis) caminhos do turismo comunitário no território, cada caminho com seus
respectivos pontos e significados dados pelos(as) próprios(as) moradores(as). Os caminhos
foram: 1) Lugares da Memória, 2) Lagoas do Cumbe, 3) Saberes e modos de fazer, 4) Passeio
90

de barco, 5) Caminho do Mangue, e 6) Caminho da Praia. Na sequência dos caminhos podemos


perceber a história, os conflitos, as atividades econômicas, as injustiças, a paisagem e,
principalmente, as resistências. Destaca-se que além do mapeamento ter sido feito com a
colaboração dos(as) quilombolas, sendo estes(as) os(as) protagonistas do processo, também
foram eles(as) que escolheram todos os títulos que dão nome aos caminhos, aos mapas e às suas
legendas, demonstrando a importância da cartografia social e do mapeamento participativo.

O tempo médio necessário para percorrer cada caminho, descrito a seguir, foi
calculado com base na distância percorrida, calculado pelo programa Google Earth e pelas
marcações em trabalhos de campo, na busca por ajudar o leitor a compreender os caminhos e
na divulgação da atividade turística do território. Vale lembrar que o tempo é uma aproximação,
pois à medida que o visitante percorre os caminhos, novas curiosidades surgem e o tempo se
torna maior ou menor, dependendo das atividades realizadas e lugares visitados no percurso.

O primeiro caminho, visto na figura 24 e descrito no quadro 5, denominado


“Lugares de Memória”, perpassa por pontos que contam um pouco da história do território, a
partir do passado e presente, dos conflitos e do que representam as resistências para seus
moradores. Esse caminho se inicia na Associação Quilombola do Cumbe, ponto de apoio do
turismo comunitário da comunidade e da identidade quilombola, indo até o Museu – fruto das
lutas contra a deslegitimação gerada principalmente pelo parque eólico e um dos pontos de
referência do artesanato, da história, além dos resquícios dos sítios arqueológicos presentes no
território.

No percurso desse caminho é possível ver as vegetações medicinais citadas no


tópico anterior, como a papaconha, a iburana, o mato local como a ortiga, percorrendo também
os carnaubais e observando os objetos que são reaproveitados pelos(as) artesã(os) locais para a
fabricação de suas artes. Mais à frente do percurso temos a subestação do parque eólico, onde
o visitante poderá ver a proximidade desta com o território e ouvir, na fala do(a) guia, sobre os
conflitos gerados.

Ainda nesse primeiro caminho, percorremos por um dos locais de memória antigos
do território, a Igreja do Nosso Senhor do Bonfim, símbolo da religiosidade local e lugar de
encontro dos(as) mais velhos(as) do território, seguindo em direção ao Sítio do Corrêa, onde é
possível encontrar as ruínas dos engenhos de cachaça e rapadura. Seguindo em direção às dunas
encontramos os sítios arqueológicos indo em direção ao cemitério de Santa Cruz, local sagrado
onde são sepultados os(as) entes queridos(as).
91

Vale ressaltar que o percurso representado no mapa do primeiro caminho, é feito a


pé, pois percorre a rua principal, indo em direção à Subestação do Parque Eólico, chegando até
nas dunas. A partir do levantamento feito através do Google Earth e das atividades de campo,
calcula-se que o caminho possui duração de quase 1 hora de caminhada e a distância
aproximada é de 4 km ligando o primeiro ao último ponto. O trajeto também pode ser realizado
de carro, porém nesta opção não se passa pelo campo de dunas. O mapa da figura 24 apresenta
espacialmente este primeiro caminho, enquanto o quadro 5 mostra a descrição sistematizada
dos Lugares da Memória do Cumbe.
92

Figura 24 – Mapa do Caminho Lugares de Memória

Fonte: LECANTE/NATERRA (UECE), 2019.


93

Quadro 5 – Descrição lugares da memória do turismo comunitário do Cumbe

CAMINHOS NOME DO PONTO DESCRIÇÃO


Ponto de apoio do turismo comunitário e
Associação Quilombola lugar importante para a afirmação
quilombola.

Vegetação de plantas
Exposição do artesanato local, geração de
medicinais (ameixa,
renda, peças arqueológicas e história da
pepaconha, iburana, pau
comunidade.
darco, ortiga)

Exposição do artesanato local, geração de


Museu símbolo de
renda, peças arqueológicas e história da
resistência
comunidade.

Carnaubais (última área de Importante para o artesanato local e para a


resquícios de carnaubais) construção de casas.

Lugar de conflito da comunidade, retirada do


Lugares da
Subestação do parque direito de se deslocar dentro de seu próprio
Memória
eólico (CPFL) território. Poluição sonora, retirada das matas
nativas e privatização do território.

Igreja católica Nosso


Presença dos mais velhos, símbolo da
Senhor do Bonfim
religiosidade na comunidade.
(padroeira da comunidade)

Sítio e casa do Corrêa Ruínas de engenhos de produção de cachaça


(últimos engenhos) e rapadura.

Estação de captação de Abastecimento de água para município de


água - CAGECE Aracati, lugar de conflitos

Presença de muitos artefatos históricos e pré-


Sítio Arqueológico históricos: conchas, cerâmica e
movimentação das dunas
Símbolo para a comunidade, local sagrado
Santa Cruz (cemitério)
onde são sepultados os entes queridos.
Fonte: Elaborado pela autora, a partir do mapeamento colaborativo realizado com os(as) moradores(as) da
Comunidade Quilombola do Cumbe, nos meses de maio e agosto de 2019.

O segundo caminho do turismo comunitário corresponde às “Lagoas do Cumbe”,


citadas anteriormente como locais de lazer e da dinâmica natural das dunas, correspondendo às
lagoas interdunares. O percurso traz uma dimensão maior de lazer e festividade para o turista,
pois as lagoas interdunares representam lugares de confraternização e de beleza paisagística,
94

além de retratar a importância do campo de dunas para a vegetação nativa e para a captura de
água doce no território. A paisagem sofre com a presença dos aerogeradores que restringem a
circulação dos moradores, afetam a dinâmica natural das dunas e representam poluição visual.
O caminho das “Lagoas do Cumbe” mostra o significado diferente para cada corpo hídrico
desses e a conexão que os moradores possuem com as lagoas, de modo que algumas possuem
o nome de moradores(as) próximos(as) ou das suas características presentes.

No caminho é percorrido da Associação até o campo de dunas, levando


aproximadamente 1 hora e meia de percurso a pé, podendo ser variado o tempo dependendo do
banho. O caminho mostra um pouco da dinâmica com o passar dos anos, pois antigamente era
um local cheio de vegetação nativa e hoje encontra-se totalmente exposto. Dentro do campo de
dunas é encontrada a primeira lagoa interdunar – a Lagoa da Portaria, que recebeu esse nome
por estar localizada próximo a portaria do parque eólico, mostrando a proximidade do
empreendimento com as lagoas.

Logo após encontra-se a Lagoa do Inocêncio, também conhecida como Lagoa do


Beto por ficar próxima à casa do morador: o Beto. Mais à frente temos a Lagoa do Pituca,
também um morador próximo da comunidade. Esta lagoa é muito conhecida pelas festividades.
E poucos metros à frente temos a Lagoa do Murici, conhecida pelas vegetações nativas da
região. Em seguida vem a Lagoa do Ó. Essas lagoas são utilizadas para o lazer e as festividades.

Mais à frente temos uma das dunas do pôr do sol, onde pessoas se reúnem ao final
do dia e também à noite para observar a paisagem do céu estrelado. Este é o último ponto do
percurso, um dos lugares mais altos da comunidade, no qual se pode ver praticamente toda o
território, perfeito para se passar o fim de tarde e à noite e vivenciar um pouco do que é morar
neste território.

Esse segundo caminho mapeado, demonstra a quantidade de lagoas interdunares


existentes no campo de dunas do território. É grande a simbologia que as lagoas possuem para
a comunidade do Cumbe, por serem lugares de lazer, com riqueza de vegetação nativa, o que
traz a preocupação na manutenção desse caminho para a memória dos(as) moradores(as)
quilombolas. O trajeto possui aproximadamente 8km de distância e é um caminho que leva por
volta de 1(uma) hora e meia de caminhada10.

10
Cálculo com base em medição no Google Earth e pesquisas de campo.
95

Na figura 25 visualizamos a trajetória do caminho das Lagoas do Cumbe e, no


quadro 6, podemos observar a sistematização desse caminho a partir da percepção dos(as)
moradores(as).
96

Figura 25 – Mapa do Caminho das Lagoas do Cumbe

Fonte: LECANTE/NATERRA (UECE), 2019.


97

Quadro 6 – Descrição das Lagoas do Cumbe para o Turismo Comunitário

Caminhos Nome do ponto Descrição


As dunas tornaram-se referência por
antigamente ter uma vegetação muito grande,
Campo de dunas muitas plantas frutíferas, local onde se
pegava lenha. Hoje o mato nativo foi
praticamente todo retirado.
Recebeu esse nome por se localizar próximo
Lagoa da Portaria
à portaria da empresa eólica.

Ganhou esse nome devido a um morador


Lagoa do Inocêncio/Beto
local. Tem função de lazer e pesca.
Lagoas do
Cumbe Ganhou esse nome por causa do Pituca,
Lagoa do Capim/Pituca morador. É uma lagoa tradicional para a
comunidade, para atividades de lazer e pesca.

Lagoa próxima às plantas frutíferas, bastante


Lagoa do Murici
frequentada antigamente.
Lagoa do Ó Importante para as atividades de lazer.

Um dos locais da comunidade que se pode


Duna do Pôr do Sol ver o pôr do sol. Permeada de lendas. Local
para descer de carretilhas.
Fonte: Elaborado pela autora, a partir do mapeamento colaborativo realizado com os(as) moradores(as) da
Comunidade Quilombola do Cumbe, nos meses de maio e agosto de 2019.

O terceiro caminho, nomeado “Saberes e Modos de Fazer”, retrata os quintais


produtivos e o artesanato local, sistematizados anteriormente, mostrando um pouco do
cotidiano das famílias quilombolas na produção e cuidado de manter a diversidade, seja no
artesanato ou na agricultura. Familiarizando para o turista a proximidade dos quintais, o
mapeamento dos Caminhos dos Saberes e Modos de Fazer mostra a quantidade de quintais e
suas produções dentro do território, como mostra o mapa da figura 26.
98

Figura 26 – Mapa do Caminho dos Saberes e Modos de Fazer

Fonte: LECANTE/NATERRA (UECE), 2019.


99

Partindo da Associação Quilombola, temos vizinho o Quintal da Cleomar,


mencionado no tópico 4.1 deste capítulo. O quintal produtivo desta quilombola possui uma
diversidade de plantas frutíferas, plantas medicinais e criação de animais, além do artesanato
que ela realiza com conchas. Caminhando mais frente temos, respectivamente, o Quintal do
Adairton e da Dona Edite. O quintal do Adairton é local de produção da rede para a pesca
artesanal, já o quintal produtivo da Dona Edite é onde encontramos antigos moinhos de vento,
plantas nativas e frutíferas, bem como a criação de animais e também a elaboração do artesanato
de labirinto.

Dentro do artesanato local, temos os quintais da Dona Lourdes e do Mestre


Cheirinho, ambos com uma grande diversidade de plantas, criação de animais e de materiais
para a elaboração das artes. No Quintal da Dona Lourdes podemos também apreciar a paisagem
na duna, que é um dos locais possíveis para contemplar o pôr do sol no Cumbe. O Quintal do
Mestre Cheirinho possui uma oficina só para a elaboração do seu artesanato, além da lojinha de
artesanato que se encontra na frente da casa, e trabalha junto com o seu filho Alonso, que segue
a arte do pai. Por último temos o quintal produtivo da Dona Zuila, artesã, marisqueira, que
também produz peças de labirinto, artesanatos de decoração, brincos e colares, cuja filha
desenha e pinta quadros, e ainda possui uma diversidade de plantas no seu quintal.

O percurso é feito a pé e dura aproximadamente 20 minutos e no caminho é


possível passar por vários dos quintais do Cumbe, numa distância de quase 300 metros11 de um
quintal para o outro, com a possibilidade de levar um pouquinho de cada quintal para casa, pois
mostra uma riqueza de experiências encontradas. O quadro 7 mostra a sistematização da
descrição do Caminho dos Saberes e Modos de Fazer do território do Cumbe, a partir das falas
dos(as) próprios(as) moradores(as).

11
Tempo e distância calculada com base em medição no Google Earth e pesquisas de campo.
100

Quadro 7 – Descrição dos lugares que representam os pontos dos Saberes e Modos de
Fazer do Cumbe
CAMINHOS NOME DO PONTO DESCRIÇÃO
Ponto de apoio do turismo comunitário e
Associação Quilombola lugar importante para a afirmação
quilombola.

Quintal da Cleomar
(artesanato, variedade de
“Um pouquinho da nossa vegetação”
plantas frutíferas e medicinais
e criação de animais)

Quintal da Dona Edite


“Meu quintal é importante, não construo
(moinhos de vento, plantas
muito devido aos bichos, quero plantar e
frutíferas e medicinais,
criar, quero aumentar as riquezas do meu
criação de animais,
quintal”
artesanato/labirinto)

Saberes e Quintal da Dona


Modos de fazer Lourdes/Francisco Queiroz
“Meu quintal é maravilhoso, tenho plantas
(artesanato, variedade de
e faço meus próprios enfeites."
plantas frutíferas e
medicinais)

Duna do pôr do sol Aqui o turista consegue ver a comunidade


Quintal Dona Lourdes e inteira, o mangue, o rio, os conflitos e ter
Francisco Queiroz contato com a natureza.
Aqui nós temos a lojinha de artesanato, a
presença de três artesãos. Lugar para
Casa do Mestre Cheirinho
conhecer a história da comunidade a partir
dos Calungas

Lugar de conflitos atuais, muito próximo


Quintal da Dona Zuila
da torre da linha de transmissão da eólica,
(labirinto, plantas frutíferas,
porém possui uma variedade de plantas
ornamentais e medicinais)
medicinais.

Casa do Adairton (trabalha Artesania de redes de pesca artesanal


fazendo redes de pesca) (tarrafa e rengalho)
Fonte: Elaborado pela autora, a partir do mapeamento colaborativo realizado com os(as) moradores(as) da
Comunidade Quilombola do Cumbe, nos meses de maio e agosto de 2019.
101

O quarto caminho do turismo comunitário, intitulado de “Ilhas do Rio Jaguaribe”


perpassa pelas Ilhas do Cumbe, formadas ao longo do leito do rio, indo em direção à foz do Rio
Jaguaribe. Cada ilha possui um significado, uma denominação popular, uma paisagem e uma
história a ser contada ou a ser vivida. A figura 27 mapeia esse caminho de maneira detalhada.
102

Figura 27 – Mapa do Caminho das Ilhas do Rio Jaguaribe

Fonte: LECANTE/NATERRA (UECE), 2019.


103

O passeio de barco proporciona conhecer um pouco mais do mangue e da


diversidade existente no rio Jaguaribe. Em cada parada, realizada nas Ilhas do Cumbe, o(a)
visitante(a) pode observar uma paisagem diferenciada, instigando os(as) aventureiros(as) a
conhecerem mais sobre a diversidade local. O caminho também passa pela foz do Rio Jaguaribe,
onde a paisagem é tomada pela presença das dunas, principalmente no leito direito do Rio, e
onde pode-se contemplar o pôr do sol no final da tarde, um evento emocionante.

Esse caminho, guiado por um dos pescadores do território, é um dos maiores dentro
do turismo comunitário local, como mostra o mapa da figura 27. O percurso do Caminho das
Ilhas do Rio Jaguaribe possui aproximadamente 18km de distância, de ponta-a-ponta e O dura,
aproximadamente, duas horas e meia12. . Nesse caminho podemos observar e conhecer algumas
dinâmicas que os rios formam no seu baixo curso, como as ilhas. Partindo da associação, o
turista segue a viagem a pé até o porto dos barcos para o encontro com um dos pescadores
locais. Em alguns momentos do percurso, o caminho fica estreito devido às gamboas e a intensa
vegetação de manguezal, formando tuneis naturais belíssimos. A primeira ilha vista é a Ilha da
Carapeba, local de lazer e onde é realizada a pesca artesanal. Depois segue-se para a Ilha do
Caldeleiro, local muito utilizado para a retirada da palha da carnaúba para o artesanato e de
madeira para a construção de casas.

O caminho segue pela Ilha Grande, Ilha do Amor e Ilha da Manisoba, locais
voltados para lazer e pesca. Neste ponto do percurso vemos já a paisagem da praia, com a foz
do rio Jaguaribe e seu encontro com o mar, uma das paisagens mais bonitas desse caminho. No
retorno pelo rio, indo em direção a outra gamboa, temos a Ilha do Gaspar, a Ilha do Pinto e a
Ilha do Mosquito, onde se realizam a atividade da pesca e o “comer no mato”. No quadro 8 fica
mais clara a descrição do caminho das Ilhas do Rio Jaguaribe.

12
Tempo e distância calculada com base em medição no Google Earth e pesquisas de campo.
104

Quadro 8 – Descrição do passeio de barco e das Ilhas do Rio Jaguaribe

CAMINHOS NOME DO PONTO DESCRIÇÃO


Ponto de apoio do turismo comunitário e
Associação Quilombola lugar importante para a afirmação
quilombola.
Onde os pescadores atracam seus barcos,
Porto dos barcos lugar onde é possível ver várias espécies de
plantas e o mangue.
Boca do Cumbe: gamboa que dá acesso até a
Gamboas (braços do rio)
comunidade de barco.
Ilha da Carapeba Local de lazer e pesca artesanal.
Usado para catar caranguejo e pesca. Os
Passeio de Ilha do Caldeleiro artesãos também usam o local para retirar a
barcos e Ilhas do palha da carnaúba.
Jaguaribe Ilha Grande Lugar de cata do caranguejo e pesca.
Canal do Amor Local para pesca e passeio de barco.
Ilha da Manisoba Lugar de catar caranguejo e pesca.

Foz do Rio Jaguaribe Lugar de pesca e encontro do rio com o mar.

Praia do Gaspar Lugar de pesca, mariscagem e lazer.


Porto formado pela deposição de conchas do
Praia das Conchas
rio.
Ilha do Pinto Lugar de lazer, pesca e cata de caranguejo.
Ilha do Mosquito Lugar de lazer, pesca e cata de caranguejo.
Fonte: Elaborado pela autora, a partir do mapeamento colaborativo realizado com os(as) moradores(as) da
Comunidade Quilombola do Cumbe, nos meses de maio e agosto de 2019.

A partir do quadro 8 podemos compreender a importância da manutenção das


ilhas para os moradores, pois nelas são realizadas as atividades de cata de mariscos e a pesca
de peixes, o reaproveitamento de materiais para o artesanato, além da realização das práticas de
lazer, como o “comer no mato”. A manutenção das ilhas demostra que, praticamente, todas as
atividades econômicas desenvolvidas pelos quilombolas dependem da preservação do rio, do
mangue e das gamboas para o autoconsumo e a autonomia do trabalho dos(as) moradores(as).

O quinto caminho, chamado de “Caminho do Mangue”, perpassa pelo


ecossistema manguezal, demonstrando sua importância e também mostra os conflitos existentes
no decorrer do percurso, como a presença dos tanques de carcinicultura. Podemos perceber que
o percurso do mangue é curto, normalmente é o caminho realizado a pé, durando 15 minutos,
até chegar no rio onde é possível tomar banho, fazer uma fogueira e realizar a atividade de
“comer no mato” apreciando a paisagem.
105

Iniciando na Associação, o percurso possui aproximadamente 1km de distância da


Associação Quilombola13, seguindo pelos tanques de carcinicultura, locais de conflitos e
destruição da vegetação, passando pelo ecossistema manguezal (flora, apicum e fauna) e pelos
carnaubais que rodeiam o território, mostrando a influência climática no local. No caminho
encontramos já a paisagem do rio Jaguaribe, o local que também é o porto dos barcos e logo
após a Ilha do Caldeleiro, muito conhecida pela atividade de “comer no mato” e pelas fogueiras
ao final do dia. A figura 28 e o quadro 9 sintetizam esse caminho.

13
Tempo e distância calculada com base em medição no Google Earth e pesquisas de campo.
106

Figura 28 – Mapa do Caminho do Mangue

Fonte: LECANTE/NATERRA (UECE), 2019.


107

Quadro 9 – Descrição do Caminho do Mangue

CAMINHO NOME DO PONTO DESCRIÇÃO


Ponto de apoio do turismo comunitário e
Associação Quilombola lugar importante para a afirmação
quilombola.

Tanques da carcinicultura
Pertence a famílias da comunidade.
(Toinho de Cecília)

Ecossistema manguezal Fauna, flora e apicum do manguezal (tipo de


Caminho do
(fauna, flora e apicum) mangue)
Mangue/rio
Jaguaribe Zona de transição (manguezal, apicum e
Carnaubais
salgado)
Estuário do rio, sofre influência da maré,
Rio Jaguaribe possui vegetação de mangue vermelho e local
do Porto dos barcos.
Usado para catar caranguejo e pesca. Os
Ilha do Caldeleiro artesãos também usam o local para retirar a
palha da carnaúba.
Fonte: Elaborado pela autora, a partir do mapeamento colaborativo realizado com os(as) moradores(as) da
Comunidade Quilombola do Cumbe, nos meses de maio e agosto de 2019.

O último caminho mapeado, vivenciado pelo turismo comunitário no Cumbe, é o


“Caminho da Praia”. Esse caminho reafirma a diversidade de paisagens ricas do território e que,
exatamente por isso, necessitam de proteção. No percurso é perceptível a presença muito
próxima dos aerogeradores e a falta de fiscalização quanto ao lixo deixado pela empresa eólica.
São observados, principalmente, os restos de equipamentos como motores, hélices, cabos de
energia, abandonados por esta empresa, degradando a paisagem local, onde a poluição visual é
nítida.

O caminho da praia normalmente é realizado de carro, pois existe um grande


percurso sobre as dunas do território, aproximadamente 11km de distância da Associação
quilombola até a foz do Rio Jaguaribe tendo uma duração de quase 15 minutos de veículo até a
praia14. A pé se torna exaustivo para os(as) turistas, embora existam moradores(as) que façam
o percurso assim quando da ausência de veículos. Iniciando pela Associação, seguindo a estrada
principalmente até o campo de dunas, o percurso se torna de areia, porém permite a passagem
de carros, devido a estrada construída no meio das dunas para levar os materiais até o parque

14
Tempo e distância calculada com base em medição no Google Earth e pesquisas de campo.
108

eólico. No mapa da figura 29, podemos observar o longo percurso que é feito neste caminho da
praia, indo pelas dunas, passando pelas lagoas até a planície fluvial.
109

Figura 29 – Mapa do Caminho da Praia do Cumbe

Fonte: LECANTE/NATERRA (UECE), 2019.


110

No decorrer do Caminho da Praia é possível passar por algumas das lagoas


interdunares como a Lagoa do Beto. Depois segue-se em direção aos aerogeradores e aos
coqueirais, plantados pela empresa eólica. Após o coqueiral chega-se à praia dos quilombolas,
cujo nome se deve a presença da Barraca dos Quilombolas, um local de instalação de apoio aos
pescadores artesanais da comunidade.

O caminho termina na foz do rio Jaguaribe, onde podemos perceber também que
a paisagem passa a mudar, mostrando o quão surpreendente é o território do Cumbe. A praia
possui um diferencial nesse local devido à falta de ondas, com o encontro do rio com o mar,
onde o local se torna perfeito para banho e confraternização. O quadro 10 traz a descrição do
caminho, mostrando um pouco do significado desse caminho para os moradores e para o
turismo comunitário local.

Quadro 10 – Descrição do Caminho da Praia Do Cumbe

CAMINHOS NOME DO PONTO DESCRIÇÃO


Ponto de apoio do turismo comunitário e
Associação lugar importante para a afirmação
quilombola.
Representa o controle de entrada e saída dos
Portaria da Eólica
moradores ao acesso à praia.
As dunas cobriam grande quantidade da mata
Percurso pelas dunas e nativa, representando a dinâmica da natureza.
Caminho da aerogeradores eólicos Presença de grande quantidade de sítios
Praia arqueológicos e instalação de aerogeradores.
Não existiam, foram plantados como forma
Coqueirais
de grilagem da terra.
Local de lazer, de pesca, encontro dos
Praia dos quilombolas comunitários, barraca de apoio e lugar de
resistência.
Foz do rio Jaguaribe Lugar de pesca e encontro do rio com o mar.
Fonte: Elaborado pela autora, a partir do mapeamento colaborativo realizado com os(as) moradores(as) da
Comunidade Quilombola do Cumbe, nos meses de maio e agosto de 2019.

Os caminhos do turismo comunitário do Cumbe são percursos cotidianos dos(as)


moradores(as), dotados de significados, simbologias e territorialidades que comprovam a
atuação dos quilombolas em busca de afirmar sua identidade e eternizá-las a partir do turismo.
Assim podemos retomar o pensamento de Raffestin (1993), quando este afirma que
111

territorialidade é um conjunto de ações que possuem uma relação sociedade-espaço-tempo na


busca por autonomia compatível com os recursos disponíveis.

A análise das atividades socioeconômicas do Cumbe reforça a compreensão do


saber comunitário e das terras de bem comum, pois foi possível entender que para o turismo
comunitário, aqui praticado, o lucro não é o principal objetivo, mas sim a justiça ambiental e a
conquista do território livre novamente. Como afirma Nascimento (2014, p.25), “desta forma,
as práticas culturais, as histórias e as memórias coletivas dos sujeitos históricos que formam as
comunidades tradicionais, são pontos importantíssimos para ampliarmos o debate de cultura
em torno da defesa dos territórios comunitários”.

O processo de invisibilização institucional do Estado, do poder privado e


também das Instituições públicas, intensificou-se com a chegada de empreendimentos,
tornando urgente o debate sobre a justiça ambiental, sendo necessárias maneiras de mostrar que
as práticas tradicionais também são práticas de sujeitos quilombolas, tão reais quanto qualquer
outro. Vimos na cartografia social aliada à pesquisa participativa e à extensão universitária,
potencialidades para contribuir nesse debate.

Diante das múltiplas territorialidades dos caminhos do turismo comunitário do


Cumbe e sua espacialização, elaboramos um mapa síntese (figura 30) que mostra como todos
os caminhos do território, dotados de significados e pertencimentos. Ao espacializar os
caminhos do turismo comunitário no Cumbe, buscamos sistematizar as territorialidades
realizadas em defesa da cultura e do território quilombola. Dessa forma, pudemos agora
compreender o que ocorre no Cumbe e dá visibilidade às atividades realizadas, colocando-as
“no mapa”. Ver o entrecruzamento dos caminhos do turismo comunitário do Cumbe, através
do mapa da figura 30, demonstra a pluralidade de percursos a seguir nesse território e a
diversidade de paisagens, de saberes, de vivências, de histórias, de culturas que interseccionam
a atividade turística no Quilombo do Cumbe.
112

Figura 30 – Mapa Síntese dos Caminhos do Turismo Comunitário do Território quilombola do Cumbe, Aracati – CE

Fonte: LECANTE/NATERRA (UECE), 2019.


113

Podemos então considerar que os moradores do Cumbe realizam a atividade de


turismo comunitário como uma forma de manter as atividades e costumes quilombolas, além
da defesa do território frente às injustiças ambientais. Através do turismo comunitário a
comunidade quilombola busca apresentar a história do lugar, disseminar práticas comunitárias
e fortalecer a busca por um desenvolvimento voltado à autonomia e ao equilíbrio ambiental.

A escolha da palavra “caminho” foi feita pelos moradores do Cumbe, como já


mencionado, pois cada caminho possui sua história, seu significado construído com o decorrer
do tempo, diferente do termo “trilha” que denota algo feito precocemente, com o objetivo de
chegar ao destino final, por se remeter ao turismo convencional. No Cumbe o destino está nos
caminhos, o destino é estar e sentir o território. O mato, o mangue, o rio, tudo possui um valor
e vida para os povos tradicionais.
114

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: OS CAMINHOS PERCORRIDOS E OS CAMINHOS A


PERCORRER

Nos últimos anos os povos e comunidades tradicionais tem sofrido ainda mais
ameaças aos seus territórios, com mudanças e flexibilização da legislação ambiental e inúmeros
processos de violência no campo. A universidade também se tornou alvo de críticas sobre suas
pesquisas que não coadunam com os sistemas produtivos do capital e com a ciência dominante.
Daí vem o processo de invisibilização das ciências humanas e os ataques à educação crítica e
libertária. E por isso dizemos que também, enquanto pesquisadores(as), resistimos.

O trabalho foi fruto de uma pesquisa acadêmica custeada por extensão universitária
e possui como finalidade trazer contribuições para os sujeitos envolvidos nela. Esperamos que
a pesquisa tenha, primeiramente, atingido as expectativas da comunidade em questão, e que
possa minimamente contribuir para as lutas diárias desse território.

Acreditamos que os conceitos utilizados e a metodologia acerca das práticas


participativas, da pesquisa-ação e a pedagogia do território ajudaram na aproximação do tema
abordado. Consideramos ter atingido o objetivo geral, acerca da construção dos caminhos do
turismo comunitário, pois conseguimos mapear os sistemas produtivos, os significados dos
caminhos para que o turista comunitário enxergue o que é a luta dentro de um território
tradicional. Em relação aos objetivos específicos, que buscaram espacializar os conflitos, as
resistências e os sistemas ambientais e, por fim, compreender as problemáticas socioambientais
presentes, também acreditamos tê-los alcançados.

O apoio do Instituto Terramar, do CPP e da Rede TUCUM, foi imprescindível para


que a pesquisa chegasse aonde chegou. O processo de aprendizagem é longo e sabemos a
complexidade do tema abordado, pois retrata uma comunidade tradicional, negra, pescadora,
que sofre com os processos de invisibilização pelo capital e pelo Estado, através dos projetos
desenvolvimentistas. A experiência, dessas entidades mencionadas, com o debate entorno da
justiça ambiental, da economia solidária e do turismo comunitário foi o ponto determinante para
a realização da pesquisa. A ideia do segundo projeto de extensão, do qual o presente trabalho
é fruto, somente se tornou viável com o apoio dado pelas mulheres do Instituto Terramar, as
quais ajudaram em todos a trajetória da pesquisa participante.

O turismo comunitário desenvolvido na comunidade Quilombola do Cumbe é uma


das formas de resistências do território frente às problemáticas de injustiça ambiental e
deslegitimação sofrida pela comunidade nos últimos anos. Percorrer junto com a comunidade
115

os caminhos para a construção de um turismo comunitário foi desafiador e somente foi possível
com a realização da extensão universitária e através do aprendizado partilhado com os
quilombolas do Cumbe, que nos acolheram nas demandas da pesquisa. Assim podemos
perceber que a pesquisa gera elos que vão para além de interesses acadêmicos, podemos nos
somar aos moradores e acreditar que a luta pode ser possível quando há quem possa se somar a
ela.

O produto final do projeto de extensão (com vigência de março a dezembro de


2020), que neste momento conta com novos(as) bolsistas, será a construção de uma cartilha do
turismo comunitário dentro do território, para ajudar na divulgação do turismo local e facilitar
a compreensão das territorialidades por parte dos(as) visitantes. Acreditamos que a cartilha
facilitará a divulgação do turismo no território quilombola e esse trabalho possui elementos
importantíssimos para que o projeto de extensão em 2020 possa ter continuidade. Seguiremos
no ano de 2020, contribuindo com o projeto de extensão do LECANTE e do NATERRA,
contando com o apoio do Instituto Terramar, para podermos materializar essa cartilha a partir
da síntese dessa monografia aqui apresentada. Também será uma forma de transformar a
monografia, um texto mais acadêmico-científico, em um produto mais lúdico e didático, com
uma linguagem mais acessível, que possa ter maior alcance popular na comunidade e junto
aos(às) visitantes desta. É também uma maneira que encontramos de deixar uma contribuição
maior da nossa pesquisa na comunidade. Com a variedade de resultados obtidos teremos
também a possibilidade da construção de artigos para revistas acadêmicas, simpósios e semanas
universitárias. Pretendemos aumentar as dimensões da pesquisa para um possível novo trabalho
acadêmico, a nível de mestrado, acerca dos benefícios ambientais do turismo comunitário.

Todos os caminhos contam fatos, vivências e usos importantes dos lugares que os
compõe. Cada morador tem uma história para contar e cada turista uma história para viver
nestes lugares. O turismo é bem mais do que ostentar o hotel ou resort de luxo, ou comer das
comidas mais caras, tirar fotos nas paisagens mais famosas. O turismo é sobre conhecer o
desconhecido, ter vivências, lutar contra os processos de imposição e de ameaças aos territórios
tradicionais, é entrar em contato com pessoas reais e seus modos de vida. O turismo é também
aproveitar a paisagem da maneira mais pura e contribuir na sua defesa para que ela se eternize.
Por isso o território resiste, pois, enquanto pesquisadores populares, também resistiremos
realizando a ciência que tem significado para a sociedade.
116

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