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FORTALEZA – CEARÁ
2020
LARA MAIA DOS SANTOS
FORTALEZA – CEARÁ
2020
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Sistema de Bibliotecas
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________
Profa. Dra. Camila Dutra dos Santos (Orientadora)
Universidade Estadual do Ceará – UECE
_____________________________________________________
Profa. Dra. Luciana Maciel Barbosa Caracas
Universidade Estadual do Ceará – UECE
_____________________________________________________
Prof. Me. João Luís Joventino do Nascimento
Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP
_____________________________________________________
Profa. Esp. Rogéria de Oliveira Rodrigues
Instituto Terramar
AGRADECIMENTOS
Na minha jornada pela conquista de concluir o ensino superior em uma universidade pública,
por participar de bolsas de estudo e pela dedicação total ao estudo, agradeço primeiramente a
minha família, em especial minha mãe, Maria Helenir, por todo o apoio e por sempre acreditar
nos meus sonhos e projetos.
Ao meu pai, José Airton Florêncio, pelo trabalho árduo que me proporcionou uma educação
diferente da que lhe foi oferecida.
Ao meu namorado, Felipe Holanda, por oferecer suporte sempre, obrigado por todos os
momentos bons e por me ajudar a superar os momentos ruins. Agradeço por todo o apoio
oferecido em quatro anos de namoro que ajudaram na minha formação enquanto estudante e
profissional.
À professora e orientadora Camila Dutra dos Santos que em todos os momentos me apoiou,
confiou no meu potencial e me ajudou a encontrar um caminho dentro do Curso de Geografia.
Aos pescadores e pescadoras do Território Quilombola do Cumbe, que nos recebeu com todo
amor e carinho, proporcionou experiências incríveis e uma pesquisa que vai marcar a minha
vida.
Ao João do Cumbe, por sempre ter disponibilizado seu tempo para ajudar, por todo o apoio no
decorrer do trabalho.
Às mulheres do Instituto Terramar, pela parceria com o projeto de extensão, pelo apoio e pela
troca realizada de conhecimentos.
À Profa. Luciana Maciel Barbosa Caracas, por participar da banca com seu vasto conhecimento
na temática sobre o turismo comunitário e ambientes costeiros.
A zona costeira cearense apresenta riquezas, tanto nos sistemas ambientais como na presença
de comunidades tradicionais que sofrem com inúmeras formas de invisibilização e ataques do
poder público e privado. A presença predatória da carcinicultura e da empresa eólica na
Comunidade Quilombola do Cumbe, criadora e intensificadora de racismo ambiental, configura
diversos conflitos socioambientais neste território. Em meio a esses conflitos, a comunidade
busca forças de proteger a identidade, história e modo de vida, e uma dessas resistências está
materializada no turismo comunitário, que colabora na visibilidade e defesa deste território. O
presente trabalho é fruto do desenvolvimento dos projetos extensionistas que desenvolvemos
no território do Cumbe, nos anos de 2018 e 2019, através de bolsas de extensão universitária da
Universidade Estadual do Ceará (UECE). O objetivo geral da pesquisa foi compreender os
caminhos do turismo comunitário da comunidade do Cumbe, evidenciando como esta atividade
se configura enquanto uma resistência frente aos conflitos socioambientais presentes no
território. Os objetivos específicos foram: debater a importância da extensão universitária, dos
projetos extensionistas e da pesquisa participativa na construção de caminhos associados à luta
por justiça ambiental; conhecer o histórico da comunidade, sua compartimentação
geoambiental e a economia local para a compreensão da identidade e modo de vida quilombola;
e por fim espacializar caminhos do turismo comunitário no território quilombola-pesqueiro do
Cumbe. A metodologia utilizada deu-se a partir de práticas coletivas e engajadas, como a
pesquisa-ação, pesquisa participativa e a pedagogia do território. Os procedimentos
metodológicos utilizados foram: levantamentos bibliográficos, trabalhos de campo, rodas de
conversa, elaboração de relatórios, cartografia social e mapeamento participativo-colaborativo.
Como resultado principal tivemos a elaboração de sete mapas dos caminhos do turismo
comunitário e seus respectivos significados para a comunidade, além da sistematização das
atividades econômicas que caracterizam a economia solidária e apoiam o turismo local
fortalecendo a identidade territorial e o modo de vida quilombola. No território quilombola-
pesqueiro do Cumbe, todos os caminhos do turismo comunitário contam fatos, vivências e usos
importantes dos lugares que os compõe, pois cada morador quilombola tem uma história para
contar e cada turista uma história para viver nestes lugares, mostrando a importância dos
caminhos para a resistência e justiça ambiental.
The coastal zone of Ceará has riches, both in environmental systems and in the presence of
traditional communities that suffer from numerous forms of invisibility and attacks by public
and private authorities. The predatory presence of shrimp farming and the wind farm in the
Quilombola do Cumbe Community, which creates and intensifies environmental racism,
configures several socio-environmental conflicts in this territory. In the midst of these conflicts,
the community seeks strength to protect its identity, history and way of life, and one of these
resistances is materialized in community tourism, which contributes to the visibility and defense
of this territory. This work is the result of the development of extension projects that we
developed in the territory of Cumbe, in the years 2018 and 2019, through university extension
scholarships from the State University of Ceará (UECE). The general objective of the research
was to understand the ways of community tourism in the Cumbe community, showing how this
activity is configured as a resistance to the socio-environmental conflicts present in the territory.
The specific objectives were: to debate the importance of university extension, extension
projects and participatory research in building paths associated with the fight for environmental
justice; to know the history of the community, its geo-environmental compartmentalization and
the local economy to understand the quilombola identity and way of life; and finally, spatialize
paths of community tourism in the quilombola-fishing territory of Cumbe. The methodology
used was based on collective and engaged practices, such as action research, participatory
research and the pedagogy of the territory. The methodological procedures used were:
bibliographical surveys, fieldwork, conversation circles, report writing, social cartography and
participatory-collaborative mapping. As a main result we had the elaboration of seven maps of
the paths of community tourism and their respective meanings for the community, in addition
to the systematization of the economic activities that characterize the solidary economy and
support local tourism, strengthening the territorial identity and the quilombola way of life. In
the quilombola-fishing territory of Cumbe, all paths of community tourism tell important facts,
experiences and uses of the places that compose them, as each quilombola resident has a story
to tell and each tourist a story to live in these places, showing the importance of paths to
resistance and environmental justice.
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 12
2 O CAMINHO DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E A CONSTRUÇÃO
DA PESQUISA PARTICIPATIVA .............................................................. 18
2.1 As metodologias de aproximação dos sujeitos e a extensão universitária:
questionando o conhecimento científico hegemônico ................................... 18
2.2 A construção do território quilombola e as comunidades tradicionais........ 23
2.3 Rompendo o “desenvolvimento”: a busca por justiça ambiental ................. 29
2.4 A cartografia social na construção das resistências ...................................... 33
3 A CONSTRUÇÃO DO TERRITÓRIO E DA MEMÓRIA NO
QUILOMBO DO CUMBE ............................................................................ 41
3.1 Caracterização ambiental da Comunidade Quilombola do
Cumbe/Aracati – CE ..................................................................................... 41
3.2 Os conflitos que cercam o Território Quilombola do Cumbe ...................... 47
3.3 “Onde há conflito, há resistência!”: o turismo comunitário como
resistência ativa no Cumbe............................................................................ 57
4. CARTOGRAFANDO OS CAMINHOS DO TURISMO
COMUNITÁRIO DO CUMBE ..................................................................... 69
4.1 As atividades que representam a economia solidária no Cumbe e suas
festividades..................................................................................................... 69
4.2 A construção do turismo comunitário no Quilombo do Cumbe .................. 85
4.3 Os caminhos do turismo: cartografando memórias e vivências no Cumbe. 89
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: OS CAMINHOS PERCORRIDOS E OS
CAMINHOS A PERCORRER ................................................................... 114
REFERÊNCIAS .......................................................................................... 115
12
1 INTRODUÇÃO
A comunidade quilombola do Cumbe sofre com invasões desde o século XVII, com
a chegada dos colonizadores, introdução dos engenhos de cana-de-açúcar, uso da mão de obra
escrava negra na produção de cachaça e rapadura, e hoje enfrenta o processo de negação da
existência de escravos no Ceará, que é uma das problemáticas enfrentadas pelas comunidades
quilombolas cearenses. Conforme Silva (2016), o termo “Cumbe” está associado a “local de
comunidades quilombolas”, estando intimamente relacionado ao processo de ocupação na
região, principalmente na foz do rio Jaguaribe.
maiores nos sistemas ambientais presentes, como os sofridos pelos quilombolas do Cumbe,
pois, a chegada da prática da carcinicultura e, posteriormente, a instalação do Parque Eólico,
acirraram as disputas por território, marginalizando os moradores locais que buscam diversas
formas de resistência.
A chegada do Parque Eólico da empresa Bons Ventos, nos anos 2000, acarretou a
privatização do campo de dunas, das lagoas e da praia, modificando a paisagem. A presença
dos aerogeradores gerou impactos tanto no manejo inadequado do lixo gerado pela atividade,
com partes dos aerogeradores abandonados na praia e nas dunas, quanto a mudança do curso
natural dos sedimentos das dunas, das águas subterrâneas e superficiais, sendo necessário
entender esses impactos.
Nesse processo, surgiram várias formas de resistências dos moradores locais que
buscam preservar sua existência e suas práticas sob o território. Uma das formas dessa
resistência está no turismo comunitário, cujos princípios centram-se na preservação,
valorização e indução de tradições e relações sociais solidárias, na geração de trabalho e renda
com base no associativismo e na utilização apropriada dos recursos naturais e das capacidades
humanas locais (ARAÚJO e GELBECKE, 2008).
comunitário como uma prática da valorização da natureza e da ancestralidade, bem como, uma
forma de resistência para permanência dos saberes locais.
1
Projetos de extensão aprovados nos editais 2018 e 2019 da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e
desenvolvidos com bolsas de extensão universitária.
16
O trabalho está dividido em três capítulos, para que o leitor possa compreender cada
caminho percorrido no desenrolar da pesquisa, evidenciando o papel da pesquisa extensionista
e participativa e a colaboração da comunidade e de instituições que possibilitaram o
desenvolvimento desta monografia.
Por fim apresentamos nossas conclusões, com uma reflexão sobre o trabalho,
discutindo as metodologias utilizadas, os objetivos que foram alcançados, a continuação da
17
Como afirma Thiollent (2006, p.154) “muita gente ainda tem medo da metodologia
participativa, pois para eles, com esse adjetivo, ela se tornaria menos científica, ou mais exposta
a manipulações”. Porém, devemos compreender a abordagem do processo de construção da
pesquisa participante.
diretamente os grupos sociais na busca de soluções para seus problemas, mas também de
promover maior articulação entre a teoria e a prática na produção de novos saberes.
(TOLEDO, 2013, p.3).
Em cada projeto ou em cada caso, é necessária uma clara análise da participação dos
atores e de seus efeitos diferenciados. As condições, as modalidades e a intensidade da
participação, as relações entre especialistas e comunidades devem ser monitoradas. Em
muitos projetos a participação dos interessados revela-se bastante limitada.
(THIOLLENT e SILVA, 2007, p. 95).
extensão traz possibilidades que a produção científica restrita, muitas vezes, desconsidera, ou
seja, a interação entre o saber científico com o saber popular, a partilha de conhecimentos e não
simplesmente a produção e reprodução destes.
Das três dimensões constitutivas da universidade, a extensão foi a última a surgir, seja
por isso, seja por sua natureza intrinsecamente interdisciplinar, seja pelo fato de se
realizar, em grande medida, além das salas de aulas e dos laboratórios, seja pelo fato de
estar voltada para o atendimento de demandas por conhecimento e informação de um
público amplo, difuso e heterogêneo sofre algumas controvérsias. (PAULA, 2013, p.5).
científico a um patamar superior aos da realidade concreta, como é discutido por Castro (2004,
p. 7):
(...) expressão muito utilizada ao descrever a extensão foi a de que ela é “alguma coisa
fora”, fora da universidade e porque não, fora do currículo. Esta concepção está próxima
da simbologia da mão única, utilizada para conceituar a extensão. Significa que a
universidade sai e leva o conhecimento produzido dentro dela à comunidade. Aonde não
existe o reconhecimento de que é possível também aprender com a comunidade. Esta é
uma linha de pensamento que reforça a concepção autoritária do fazer acadêmico.
A questão fundiária no Brasil vai além do tema de redistribuição de terras e se toma uma
problemática centrada nos processos de ocupação e afirmação territorial, os quais
remetem, dentro do marco legal do Estado, às políticas de ordenamento e reconhecimento
territorial. Essa mudança de enfoque não surge de um mero interesse acadêmico, mas
radica também em mudanças no cenário político do país ocorridas nos últimos vinte anos.
Nesse tempo, essa outra reforma agrária ganhou muita força e se consolidou no Brasil,
especialmente no que se refere à demarcação e à homologação das terras indígenas, ao
reconhecimento e titulação dos remanescentes de comunidades de quilombos e ao
estabelecimento das reservas extrativistas. (LITTLE, 2004, p. 252).
[...] tais formas designam situações nas quais o controle dos recursos básicos não é
exercido livre e individualmente por um determinado grupo doméstico de pequenos
produtores diretos ou por um de seus membros. Tal controle se dá através de normas
específicas, combinando uso comum de recursos e apropriação privada de bens, que são
acatadas, de maneira consensual, nos meandros das relações sociais estabelecidas entre
vários grupos familiares que compõem uma unidade social. [...] A territorialidade
funciona como fator de identificação, defesa e força. (ALMEIDA, 2004, p.10).
Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas
próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como
condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando
26
Silva e Nascimento (2012, p. 26) afirmam que “a questão quilombola entrou de fato
para a agenda política institucional brasileira somente a partir da Constituição Federal de 1988,
como resultado da forte atuação do movimento negro”. Esse processo foi um grande marco para
a trajetória do negro no Brasil. O problema da legislação está na posse da terra, e quem de fato
é merecedor desses territórios.
O autor cita três principais formas dessa nova ressemantização, sendo que a primeira,
utilizada até as décadas de 1950 e 1960, é caracterizada pelo uso do termo como
resistência cultural, na afirmação da construção de uma cultura negra no Brasil. A
segunda forma, que só seria empregada em fins dos anos 1950, é marcada pela relação do
termo com a resistência política, o quilombo servindo de base para se pensar nas formas
potencialmente revolucionárias de luta popular frente a ordem dominante. A terceira e
última forma torna-se de fato sistemática quando usada pelo movimento negro, ao longo
dos anos 1970; ela nomeia o quilombo como forma de resistência negra, unindo assim os
aspectos culturais a uma perspectiva política. (ARRUTI, 2008, p.335).
Dessa forma o turismo trás fluxos e demandas cada vez maiores sobre os espaços
litorâneos, configurando um processo de segregação socioespacial, pois como afirma Coriolano
e Barbosa (2010, p.9) “condomínios fechados são concretizados para classe social de grande
poder aquisitivo, enquanto tradicionais casas de veraneio diminuem pelo custo de manutenção
e falta de segurança”.
causando impactos socioambientais significativos, visto que os ambientes onde essas empresas
estão localizadas são áreas de preservação ambiental, portanto percebe-se que os conflitos são
de natureza tanto ambiental quanto territorial e social.
[...] esses problemas ambientais são exacerbados pelo racismo ambiental, que refere-se a
políticas públicas ambientais, práticas ou diretivas que afetam de modo diferente ou
prejudicam (de modo intencional ou não) indivíduos, grupos ou comunidades de cor ou
raça. O racismo ambiental é reforçado pelo governo, assim como pelas instituições legais,
econômicas, políticas e militares. Ele encontra-se combinado com políticas e práticas
industriais que, ao mesmo tempo que garantem benefícios para os países do Norte,
direcionam os custos para os países do Sul. O racismo ambiental é uma forma de
discriminação institucionalizada. A discriminação institucional é definida como ações ou
práticas conduzidas pelos membros dos grupos (raciais ou étnicos) dominantes com
impactos diferenciados e negativos para os membros dos grupos (étnicos ou raciais)
subordinados. (BULLARD, 2004, p. 42).
o desprezo pelo espaço comum e pelo meio ambiente se confunde com o desprezo pelas
pessoas e comunidades, visto os acidentes relacionados a empreendimentos como
petroleiras, mineradoras e indústrias químicas, que geram a morte de rios e lagos, causam
doenças e mortes, pelo uso de agrotóxicos, e agravam a poluição, atingindo
principalmente as populações próximas. (HERCULANO, 2008, p.5).
31
Hercullano (2008) afirma que o racismo é a forma pela qual desqualificamos o outro
e o anulamos por ser diferente, definindo uma raça e colocando o outro como inferior, culpado
biologicamente pela própria situação e, dessa forma nos eximimos de culpas. Os moradores do
Cumbe sofrem constantemente com o racismo ambiental e, ao mesmo tempo, com a
deslegitimação de suas práticas.
Para Porto e Milanez (2009, p. 1986), “a grande parte dos conflitos socioambientais
pode ser analisada a partir das contradições no comércio desigual e injusto entre países do atual
capitalismo globalizado”, ou seja, países que normalmente são os grandes exportadores de
commodities2, como o exemplo brasileiro.
Vale ressaltar que esses impactos são no mercado de commodities, gerando uma
exploração dos chamados “países centrais” sobre os “países periféricos”. Como afirma Porto e
Milanez (2009, p. 1987) “quando um país rico importa matérias-primas baratas no mercado
de commodities, também está importando os benefícios do uso de vários recursos naturais”.
2
“Podem ser definidas como mercadorias, principalmente gêneros agrícolas, minérios e seus processamentos
como o ferro, o aço e o alumínio, que são produzidas em larga escala e comercializadas em nível mundial”.
(PORTO, 2009, p.1986).
33
Com os projetos de extensão foi possível uma vivência com a comunidade, que
supera a construção de uma pesquisa. Isto foi desafiador e engrandecedor para os(as) integrantes
do laboratório de estudos LECANTE e do grupo de pesquisa NATERRA, dos quais fazemos
parte, pois uma nova perspectiva sobre a relação entre o território e o diálogo de saberes nos foi
apresentada. Conhecer os sujeitos da pesquisa, os seus modos de vida, as riquezas deste
território, o qual possui outro lado, que vai para além dos conflitos tão mencionados nos
trabalhos e artigos acadêmicos sobre essa comunidade, foi um desafio e uma alegria pessoal.
36
Assim, a construção dos mapas não teria sido possível se não tivéssemos contado
com a participação efetiva dos(as) moradores(as) quilombolas do Cumbe. A marcação dos
pontos e elaboração dos caminhos do turismo comunitário foram feitos a partir de uma
sistematização dos lugares a serem percorridos, cada caminho possuía diferentes quantidades
de pontos a serem demarcados e descritos pelos moradores, assim, em toda a atividade realizada
a comunidade participou de cada processo, escolhendo, identificando e marcando os pontos
cartográficos. Dos pontos marcados por estes(as), originaram-se as tabelas e quadros com as
informações, sistematizando os principais caminhos do turismo comunitário do Cumbe e
gerando elementos para a construção dos mapas.
38
3
Aplicativo de smartphone onde é possível a marcação de pontos e trajetos em formato KML e TXT, para posterior
elaboração de mapas. Disponível gratuitamente na Play Store.
40
4
www.quilombodocumbe.com.br
42
A faixa praial e a pós-praia são espaços voltados para as atividades de pesca e lazer
na comunidade, onde é possível encontrar as barracas dos(as) pescadores(as), símbolo de
resistência quilombola e, atrás destas, os aerogeradores da empresa eólica, presentes nas dunas
contrastando, na paisagem, os conflitos e a resistências. Esse subsistema apresenta também
problemáticas voltadas à questão do lixo, fruto da pressão turística e residencial presentes nas
praias do entorno, principalmente Canoa Quebrada. Segundo Costa (2013) graças às belezas
paisagísticas, a cozinha regional e a maré calma, a região passa a ser muito visitada por turistas
e a tendência é o aumento do número de visitantes e, consequentemente, a especulação
imobiliária.
45
Podemos constatar que a presença do parque eólico visou apenas o lucro, pois
muitos são os relatos de moradores(as) locais, os quais buscaram a maior geração de emprego
e renda para o território, acataram a chegada da empresa eólica, porém viram os impactos
gerados e a melhoria quase nula para a todos. Como o campo de dunas se configura uma APA,
podemos afirmar que há uma maior “flexibilização” na construção de empreendimentos, como
cita Moreira et al (2013, p.66) “a escolha pelas dunas para a instalação dos aerogeradores levou
em consideração única e exclusivamente o aspecto econômico”.
Devido ao licenciamento equivocado, que embora legal (do ponto de vista jurídico-
institucional) promove injustiça ambiental, percebemos vários danos ambientais derivados da
presença do parque eólico, pois vários sítios arqueológicos estão ameaçados, além dos danos
sociais e humanos da obra.
Ceará inteiro. Portanto, Aracati até o século XVIII era o principal centro distribuidor de charque
e de cana-de-açúcar do Ceará.
Francisco José do Nascimento, conhecido como Chico da Matilde, por ser jangadeiro,
conviveu com o drama do tráfico de escravos de perto, o que, somado ao fato de ser negro,
contribuiu para se tornar a liderança do movimento dos seus colegas de profissão, os quais
bloquearam o porto para o embarque e desembarque de negros escravizados no litoral
cearense. Em 1882, prometeu que não haveria força bruta no mundo que fizesse o tráfico
negreiro ser reaberto no Ceará, o que lhe rendeu o apelido de O Dragão do Mar.
Impossibilitados de comercializar escravos com outras províncias, os senhores de
engenho, que com a dramática seca (1877-1879) não estavam mais conseguindo sustentar
seus escravos, foram obrigados a dar a liberdade a eles. Esse foi o fim de mais um ciclo
econômico, o da cana-de-açúcar. Com isso, muitos desses trabalhadores escravos
permaneceram nas terras e continuaram a história.
Diante dos processos de invasão que a comunidade passa, desde sua origem, a
necessidade do reconhecimento da identidade quilombola tornou-se mais urgente nos anos
2000. Em 2010, alguns moradores do Cumbe decidiram reivindicar o título quilombola.
Entretanto, para o reconhecimento, é necessário uma série de estudos no território e isso só foi
possível com a colaboração dos(as) quilombolas. Porém nem todos os(as) moradores(as)
aderiram à causa. Com o avanço dos empreendimentos da carcinicultura e das eólicas no
território, houve um processo de cisão da comunidade, alguns moradores não se identificam
enquanto quilombolas, mesmo com o conhecimento sobre a história da região, pois há um certo
preconceito sobre as comunidades tradicionais, e também um cooptação por parte do discurso
colonizador das empresas aí instaladas.
demarcação do Incra, cujo processo ainda tramita, visto que nem todos os moradores se
autorreconhecem como quilombolas.
além dos processos políticos de demarcação do território e a luta pela água, com a presença da
carcinicultura, atividade que desenvolve a criação de camarão em cativeiro e com a instalação
do parque eólico.
Muitos são os impactos socioambientais que a criação de camarão traz, pois além
da mudança da paisagem com a instalação de viveiros, há uma invasão do ecossistema local,
desmatamento da mata ciliar, do mangue e de suas sucessivas formações vegetacionais, além
do impacto gerado pela privatização e poluição da água. Assim afirma Meireles (2006, p. 83):
5
Braços do rio; locais formados pela dinâmica natural do curso do rio, utilizado para a pesca artesanal.
52
O que precisa ser avaliado é que, apesar da energia eólica ser considerada limpa e
renovável em si, a instalação das usinas pode ser de altíssimo impacto. O uso de áreas
para a construção de empreendimentos de geração de energia eólica, conhecidas como
fazendas eólicas ameaça a preservação de campos de dunas móveis e fixadas por
vegetação em áreas de preservação permanente na zona costeira do Ceará. As
6
Denomina-se energia eólica a energia cinética contida nas massas de ar em movimento (vento), gerados pelas
diferenças de temperatura na superfície do planeta. Seu aproveitamento ocorre por meio da conversão da energia
cinética de translação em energia cinética de rotação, com o emprego de aerogeradores ou cataventos (ANEEL,
2008, s/p.).
54
Na figura 10, podemos perceber que a paisagem foi poluída visualmente com as
torres eólicas, visto que esses empreendimentos modificam a movimentação das dunas, que
naturalmente é um ambiente altamente imprevisível por sua dinâmica depender da direção e
força dos ventos. Com o mapeamento colaborativo foi possível espacializar os conflitos no
território e elaborar o mapa a seguir, para conhecimento dos(as) moradores(as) quilombolas da
comunidade, bem como para ajudar na luta contra a injustiça ambiental.
56
A comunidade passa por diversos conflitos, atrelados à disputa por água, território,
bens comuns, seja a luta pelo direito de ir e vir, de ser quem são e defender o que acreditam.
Essa negação de direitos é resultado de um processo de produção econômica que não liga para
a natureza e para os seres dependentes dela, e isso reflete tanto nas relações sociais e políticas
quanto na forma de se fazer ciência. O foco principal deste trabalho é que mesmo com tantos
conflitos que a comunidade quilombola do Cumbe passa, a luta é maior do que todo o processo
de deslegitimação. A resistência existe, e somente existe porque há uma comunidade, e a
comunidade só existe porque há uma resistência. A multiplicidade de formas de resistência da
comunidade será discutida no tópico seguinte.
7
O Ecomuseu e a eco museologia constituem-se fundamentalmente como um modelo de organização para
trabalhar o património duma dada comunidade, na sua relação com o território através de métodos participativos.
(LEITE, 2016, p.88).
59
8
É um sistema que consiste, de forma geral, em uma combinação de árvores, arbustos, trepadeiras, herbáceas,
algumas vezes em associação com animais domésticos, crescendo adjacentes à residência. (CARNEIRO;
CAMURÇA ET AL, 2013, p. 136)
62
Esse modelo capitalista de turismo, muitas vezes, gera uma destruição da paisagem,
onde seus empreendimentos e serviços se instalam, e, consequentemente, afetam negativamente
os modos de vidas tradicionais existentes, cujas pessoas do local recebem pouco ou nenhum
retorno das atividades turísticas instaladas, pelo contrário, são vistas como uma mão de obra
barata ou são invisibilizados pelos seus modos de vida e saberes populares, como se afirma:
Críticas atribuídas ao turismo têm surgido em relação ao estereótipo criado por impactos
negativos que o turismo de massa e de megaempreendimentos acarretam aos lugares e
residentes, como expropriações de terras de pescadores, desvalorização das culturas
locais e degradação da natureza. (BARBOSA e CORIOLANO, 2016, p.266).
67
O turismo comunitário surge, como afirma Coriolano (2008), tanto como uma
alternativa de geração de emprego e renda para os moradores, quanto como valorização de
espaços e comunidades que não estão inseridas nos roteiros turísticos convencionais, visando a
compra de produtos locais, o artesanato, as comidas típicas, paisagens locais, passeios de barco
e festividades, para que os turistas entrem em contato com novas experiências e existências no
lugar.
9
Site da Rede Tucum: https://viajarverde.com.br/rede-tucum-colaboracao-e-resistencia/
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PESCA
LOCAL TIPO PESCADOS VALOR/KG* QUEM PARTICIPA
Sururu R$ 75,00
Búzios R$ 70,00 maioria das vezes as
Marisco
Ostras R$ 20,00 mulheres marisqueiras
Intam R$ 20,00
Bague R$ 8,00
Camurim R$ 17,00
Rio Vermelho R$ 8,00
Na maioria das vezes os
Peixe Carapicu R$ 8,00
homens pescadores
Arraia R$ 10,00
Tainha R$ 10,00
Coipi R$ 12,00
Siri R$ 10,00
Crustáceo
Guaiamum R$ 25,00
Saúna R$ 7,00
Peixe Na maioria das vezes os
Carapeba R$ 13,00
Mangue homens pescadores e
Caranguejo R$ 25,00 catadores
Crustáceo
Aratu -
Guaiamum R$ 25,00
Apicum Crustáceo
Aratu -
Pampo R$10,00
Xaréu R$10,00 Na maioria das vezes os
Praia Peixe
Carabebeu R$10,00 homens pescadores
Bagre R$10,00
Fonte: Elaborado pela autora, a partir da atividade de construção do diagnóstico socioeconômico, realizada com
os(as) moradores(as) da Comunidade Quilombola do Cumbe, em outubro de 2019. *O preço dos crustáceos (Siri,
Guaiamum e Caranguejo) é estabelecido na corda contendo 10 unidades. O Aratu é somente para autoconsumo
por isso não possui preço.
tabela, pela “corda” contendo 10 unidades com 15,00R$ e 25,00R$, respectivamente. Isso
impressiona se lembrarmos que na cidade de Fortaleza, por exemplo, chega-se a pagar 8,00R$
a 10,00R$ pela unidade do caranguejo, em restaurantes e barracas de praia, o que demonstra o
quanto os comerciantes dos centros urbanos lucram quando compram a produção de caranguejo
do Cumbe. A espécie do Aratu é voltada para o consumo dos moradores e normalmente não é
comercializada, por isso seu valor monetário não é apresentado.
Nesse processo fomos contemplados pelo Fundo Casa com 25mil reais para ajudar na
circulação da economia solidária do território. Os pescadores da região conseguiram uma
boa quantidade de peixes e com isso podemos fazer uma doação para mais de 176
famílias, dentre elas comunidades quilombolas. Foram pescados mais de 510kg de peixes,
510 cordas de caranguejo e mais de 500 mariscos... (Membro da Associação Quilombola,
2020).
Para o catador de caranguejo, assim como para o pescador ou a marisqueira, é preciso ter
noções precisas sobre a melhor hora de ir para o mangue, é preciso conhecer as espécies
de caranguejo (uçá, guaiamum, aratu) e saber a melhor época para encontrá-los. É
necessário entender que as fêmeas não devem ser capturadas, pois elas ajudam na
preservação da espécie, bem como, é preciso deixar de catar caranguejo nos períodos de
reprodução. As marisqueiras conhecem as boas marés para a cata do sururu, sabem onde
e como encontra-los e, depois de pescados, conhecem o processo para extração da casca.
QUINTAIS PRODUTIVOS
TIPO ITEM LOCAL PARTICIPAÇÃO
Banana
Cana
Coco
Manga
Limão
Macaxeira
Graviola
Feijão
Milho
Acerola Maioria das
Agricultura Mamão Quintais famílias
Goiaba quilombolas.
Quiabo
Seriguela
Capim-Santo
Hortelã
Cebolinha
Coentro
Alface
Pimenta Malagueta
Tomate
Galinha caipira
Gado
Ovelha Mulheres, crianças
Quintais e
Criação de animais e homens da
Carneiro sítios
comunidade
Cavalo
Porco
Fonte: Elaborado pela autora, a partir da atividade de construção do diagnóstico socioeconômico, realizada com
os(as) moradores(as) da Comunidade Quilombola do Cumbe, em outubro de 2019.
EXTRATIVISMO VEGETAL
LOCAL ITENS PRODUÇÃO PARTICIPAÇÃO FINALIDADE
Murici Sucos
Ubaia Doces e Sucos
Morros/ Caju Doces e Sucos
Dunas Papaconha Chá/Lambedor
Guajiru Consumo direto
Jucá Chá/Lambedor Produção para
Mulheres e crianças
Goiaba Sucos consumo
da comunidade
Acerola Sucos próprio.
Malva Chá/Lambedor
Quintais
Hortelã Chá/Lambedor
Produtivos
Coco Óleo de coco
Coentro Culinária
Cebolinha Culinária
Fonte: Elaborado pela autora, a partir da atividade de construção do diagnóstico socioeconômico, realizada com
os(as) moradores(as) da Comunidade Quilombola do Cumbe, em outubro de 2019.
Outra atividade que exige muito dos saberes tradicionais da comunidade, e é uma
das que mais encantam os turistas comunitários, é o artesanato do Cumbe. Muitos são os
quilombolas que reaproveitam restos de materiais, provenientes do próprio meio, para
reproduzir materiais que representem as riquezas do território. Os recursos utilizados são restos
de troncos de árvores, folhas caídas, palha, tudo que for encontrado entre as dunas e os quintais
que possa ser utilizado para a realização da arte e manter ativa a cultura local.
ARTESANATO
OBJETOS
DESCRIÇÃO MATERIAIS QUEM EXECUTA VALORES
CRIADOS
Artesanatos
Alonso, Mestre
diversos
Materiais Cheirinho,
(chaveiro,
naturais Francisco Queiroz,
pássaros,
(descartados Marcio, Dona Maioria dos
miniatura de
pela natureza) Lourdes, Marciana, objetos são
animais, entre
Josi e Dona Isabel. elaborados
outros)
Labirintos para a venda e
Arte de diversos: o preço varia o
reaproveitar, Dona Isabel, Dona de R$ 5,00 a
Toalhas de
reciclar e criar a Tecido/Labirinto Edite, Dona Zuila,
mesa, blusas, R$ 100,00, de
partir de Dona Arilza e Dona
vestidos, pano acordo com a
materiais Solidade
de prato, entre mão de obra
encontrados no outros. demandada. A
território. renda média
Palhas de Dona Isabel, Dona Chapéus, gerada é cerca
carnaúba e Maria, Regina e tapetes, bolsas de um salário
bananeira Dona Zuila e cestas mínimo por
pessoa.
Cleomar, Edinilson, Brincos,
Búzios Marciana, Alonso, pulseiras,
(conchas) Mestre Cheirinho, tornozeleiras e
Dona Lourdes e Josi chaveiros
Fonte: Elaborado pela autora, a partir da atividade de construção do diagnóstico socioeconômico, realizada com
os(as) moradores(as) da Comunidade Quilombola do Cumbe, em outubro de 2019.
Com a cooperação dos(as) quilombolas, todos os anos são feitas reuniões para
organização, planejamento, levantamento de custos, transportes e idealização de atividades que
serão realizadas. Como visto, muitos(as) moradores(as) doam suas próprias casas para receber
os visitantes, além de auxiliarem na organização da alimentação e no levantamento de recursos
para os custos com banda, brindes e transportes.
Segundo Coriolano (2008), muitos são os sujeitos que fazem parte da Rede de
Turismo Comunitário, entre eles movimentos sociais, comunidades, organizadores de viagens,
operadores de comércio justo, de economias solidárias, organizações ambientais e ONG’s, entre
outros. Existem várias comunidades no Ceará que estão inseridas na rede de turismo
comunitário, além do Cumbe, como Prainha do Canto Verde, Curral Velho e Caetanos de Cima.
Aqui o turista tem uma visão diferente, ele entra em contato com a natureza e com pessoas
simples, reais. Come da comida produzida pelos quilombolas, entra em contato com a
nossa realidade e tem uma nova visão de turismo, sem muita coisa, sem destruição, só o
nosso território. (Entrevista com a Presidenta da Associação Quilombola do Cumbe,
2019).
A maioria dos moradores possuíram vivências nas lagoas interdunares e também nas
gamboas, que são braços do rio utilizado para a pesca, principalmente feita pelas
mulheres, como atividade de subsistência. Podemos mostrar a parte ruim da presença
desses empreendimentos tão perto da gente e como sobrevivemos diante deles.
(Entrevista com a Presidenta da Associação Quilombola do Cumbe, 2019).
88
Uma das outras atividades turísticas está na realização do caminho até a duna do
pôr do sol. Como mencionado anteriormente, o território do Cumbe possui um extenso campo
de dunas e por isso algumas são conhecidas pela paisagem vista do pôr do sol ao final do dia.
De acordo com a Associação Quilombola, este percurso é realizado a pé e possui duração de 2
horas, com até 6 (seis) pessoas por apenas R$30,00 o total.
anteriormente, lá se encontram também os contados das principais lideranças locais que estão
à frente do turismo comunitário.
O tempo médio necessário para percorrer cada caminho, descrito a seguir, foi
calculado com base na distância percorrida, calculado pelo programa Google Earth e pelas
marcações em trabalhos de campo, na busca por ajudar o leitor a compreender os caminhos e
na divulgação da atividade turística do território. Vale lembrar que o tempo é uma aproximação,
pois à medida que o visitante percorre os caminhos, novas curiosidades surgem e o tempo se
torna maior ou menor, dependendo das atividades realizadas e lugares visitados no percurso.
Ainda nesse primeiro caminho, percorremos por um dos locais de memória antigos
do território, a Igreja do Nosso Senhor do Bonfim, símbolo da religiosidade local e lugar de
encontro dos(as) mais velhos(as) do território, seguindo em direção ao Sítio do Corrêa, onde é
possível encontrar as ruínas dos engenhos de cachaça e rapadura. Seguindo em direção às dunas
encontramos os sítios arqueológicos indo em direção ao cemitério de Santa Cruz, local sagrado
onde são sepultados os(as) entes queridos(as).
91
Vegetação de plantas
Exposição do artesanato local, geração de
medicinais (ameixa,
renda, peças arqueológicas e história da
pepaconha, iburana, pau
comunidade.
darco, ortiga)
além de retratar a importância do campo de dunas para a vegetação nativa e para a captura de
água doce no território. A paisagem sofre com a presença dos aerogeradores que restringem a
circulação dos moradores, afetam a dinâmica natural das dunas e representam poluição visual.
O caminho das “Lagoas do Cumbe” mostra o significado diferente para cada corpo hídrico
desses e a conexão que os moradores possuem com as lagoas, de modo que algumas possuem
o nome de moradores(as) próximos(as) ou das suas características presentes.
Mais à frente temos uma das dunas do pôr do sol, onde pessoas se reúnem ao final
do dia e também à noite para observar a paisagem do céu estrelado. Este é o último ponto do
percurso, um dos lugares mais altos da comunidade, no qual se pode ver praticamente toda o
território, perfeito para se passar o fim de tarde e à noite e vivenciar um pouco do que é morar
neste território.
10
Cálculo com base em medição no Google Earth e pesquisas de campo.
95
11
Tempo e distância calculada com base em medição no Google Earth e pesquisas de campo.
100
Quadro 7 – Descrição dos lugares que representam os pontos dos Saberes e Modos de
Fazer do Cumbe
CAMINHOS NOME DO PONTO DESCRIÇÃO
Ponto de apoio do turismo comunitário e
Associação Quilombola lugar importante para a afirmação
quilombola.
Quintal da Cleomar
(artesanato, variedade de
“Um pouquinho da nossa vegetação”
plantas frutíferas e medicinais
e criação de animais)
Esse caminho, guiado por um dos pescadores do território, é um dos maiores dentro
do turismo comunitário local, como mostra o mapa da figura 27. O percurso do Caminho das
Ilhas do Rio Jaguaribe possui aproximadamente 18km de distância, de ponta-a-ponta e O dura,
aproximadamente, duas horas e meia12. . Nesse caminho podemos observar e conhecer algumas
dinâmicas que os rios formam no seu baixo curso, como as ilhas. Partindo da associação, o
turista segue a viagem a pé até o porto dos barcos para o encontro com um dos pescadores
locais. Em alguns momentos do percurso, o caminho fica estreito devido às gamboas e a intensa
vegetação de manguezal, formando tuneis naturais belíssimos. A primeira ilha vista é a Ilha da
Carapeba, local de lazer e onde é realizada a pesca artesanal. Depois segue-se para a Ilha do
Caldeleiro, local muito utilizado para a retirada da palha da carnaúba para o artesanato e de
madeira para a construção de casas.
O caminho segue pela Ilha Grande, Ilha do Amor e Ilha da Manisoba, locais
voltados para lazer e pesca. Neste ponto do percurso vemos já a paisagem da praia, com a foz
do rio Jaguaribe e seu encontro com o mar, uma das paisagens mais bonitas desse caminho. No
retorno pelo rio, indo em direção a outra gamboa, temos a Ilha do Gaspar, a Ilha do Pinto e a
Ilha do Mosquito, onde se realizam a atividade da pesca e o “comer no mato”. No quadro 8 fica
mais clara a descrição do caminho das Ilhas do Rio Jaguaribe.
12
Tempo e distância calculada com base em medição no Google Earth e pesquisas de campo.
104
13
Tempo e distância calculada com base em medição no Google Earth e pesquisas de campo.
106
Tanques da carcinicultura
Pertence a famílias da comunidade.
(Toinho de Cecília)
14
Tempo e distância calculada com base em medição no Google Earth e pesquisas de campo.
108
eólico. No mapa da figura 29, podemos observar o longo percurso que é feito neste caminho da
praia, indo pelas dunas, passando pelas lagoas até a planície fluvial.
109
O caminho termina na foz do rio Jaguaribe, onde podemos perceber também que
a paisagem passa a mudar, mostrando o quão surpreendente é o território do Cumbe. A praia
possui um diferencial nesse local devido à falta de ondas, com o encontro do rio com o mar,
onde o local se torna perfeito para banho e confraternização. O quadro 10 traz a descrição do
caminho, mostrando um pouco do significado desse caminho para os moradores e para o
turismo comunitário local.
Figura 30 – Mapa Síntese dos Caminhos do Turismo Comunitário do Território quilombola do Cumbe, Aracati – CE
Nos últimos anos os povos e comunidades tradicionais tem sofrido ainda mais
ameaças aos seus territórios, com mudanças e flexibilização da legislação ambiental e inúmeros
processos de violência no campo. A universidade também se tornou alvo de críticas sobre suas
pesquisas que não coadunam com os sistemas produtivos do capital e com a ciência dominante.
Daí vem o processo de invisibilização das ciências humanas e os ataques à educação crítica e
libertária. E por isso dizemos que também, enquanto pesquisadores(as), resistimos.
O trabalho foi fruto de uma pesquisa acadêmica custeada por extensão universitária
e possui como finalidade trazer contribuições para os sujeitos envolvidos nela. Esperamos que
a pesquisa tenha, primeiramente, atingido as expectativas da comunidade em questão, e que
possa minimamente contribuir para as lutas diárias desse território.
os caminhos para a construção de um turismo comunitário foi desafiador e somente foi possível
com a realização da extensão universitária e através do aprendizado partilhado com os
quilombolas do Cumbe, que nos acolheram nas demandas da pesquisa. Assim podemos
perceber que a pesquisa gera elos que vão para além de interesses acadêmicos, podemos nos
somar aos moradores e acreditar que a luta pode ser possível quando há quem possa se somar a
ela.
Todos os caminhos contam fatos, vivências e usos importantes dos lugares que os
compõe. Cada morador tem uma história para contar e cada turista uma história para viver
nestes lugares. O turismo é bem mais do que ostentar o hotel ou resort de luxo, ou comer das
comidas mais caras, tirar fotos nas paisagens mais famosas. O turismo é sobre conhecer o
desconhecido, ter vivências, lutar contra os processos de imposição e de ameaças aos territórios
tradicionais, é entrar em contato com pessoas reais e seus modos de vida. O turismo é também
aproveitar a paisagem da maneira mais pura e contribuir na sua defesa para que ela se eternize.
Por isso o território resiste, pois, enquanto pesquisadores populares, também resistiremos
realizando a ciência que tem significado para a sociedade.
116
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