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CENTRO DE CIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
ROSILENE AIRES
FORTALEZA
2023
ROSILENE AIRES
FORTALEZA
2023
ROSILENE AIRES
Aprovada em ____/____/______.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Amaro Gomes de Alencar (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
______________________________________________________________
Profa. Dra. Cristiane Sousa da Silva
Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE)
______________________________________________________________
Profa. Dra. Danielle Rodrigues da Silva Matos
Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE)
______________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Albenise Farias Malcher
Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA)
______________________________________________________________
Profa. Dra. Sandra Haydée Petit (Externa ao Programa)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_____________________________________________________________
Profa. Dra. Tereza Sandra Loiola Vasconcelos
Universidade Estadual do Ceará (UECE)
As mulheres negras inesquecíveis:
Maria do Espírito Santo (bisavó),
Francisca das Chagas Nicolau (bisavó),
Maria José Aires (avó),
Hilda Faustino Aires (mãe),
Maria Faustino Aires (mãe de criação),
Maria Gecy Aires da Silva (madrinha),
Tereza Aires de Oliveira (madrinha),
Rosângela Maria Aires (irmã).
AGRADECIMENTOS
À força das entidades, Maria Padilha e Marabô, que conduzem os meus caminhos!
Aos que me incentivaram a ingressar no Programa de Pós-Graduação em Geografia
com suas leituras atentas ao meu projeto de pesquisa: Daniely Guerra e Kenia Edjane.
Às grandes parcerias inspiradoras, motivantes e desafiadoras de Tereza Sandra
Vasconcelos e Flávio Rodrigues do Nascimento.
À Fábia Santos e Léa Bessa, por representarem a extensão de minha família,
estando ao meu lado nos enfrentamentos da vida.
Ao presente ancestral que considero o meu encontro com o professor Amaro
Alencar, pois construímos uma parceria sincera, ética, compromissada e empática um com o
outro. Este caminho com meu mestre Amaro foi de muito aprendizado e tenho uma gratidão
infinita pelo nosso encontro na Universidade. Tive a honra de encerrar a sua jornada de
orientação no curso de Pós-Graduação em Geografia, celebrando junto aqueles e aquelas que
desenvolveram suas pesquisas com o Professor Amaro.
À Melina Dantas e Ângela Dias, companheiras de vida e dos trabalhos de campo.
Ao Anderson Felipe pela paciência e disponibilidade na elaboração e na
organização dos mapas.
À Rosana Marques, Adjoké Matos e Damares Oliveira pelo carinho e incentivo
cotidianos. Vocês me inspiram a cada dia mais. Fico feliz em estarmos juntas ocupando os
espaços acadêmicos nestes tempos.
Ao Marcos Encante e à Mãe Maria Toinha, que me inspiram e me fortalecem na
força dos encantados e nas travessias que percorremos juntos.
Ao Diêgo di Paula do Acervo Mucuripe, que me oportunizou navegar nas memórias
da cidade de Fortaleza onde encontrei uma parte da trajetória migrante da minha família.
Aos presentes ancestrais da Pós-Graduação em Geografia da UFC, Marcílio Moura
e Adeliane Vieira, que, mesmo distantes fisicamente, sempre trabalhamos e aprendemos juntos
todos os dias em nossas pesquisas com os conflitos, as dúvidas e os anseios.
Aos funcionários do Departamento de Geografia da UFC, especialmente à Edilene
e ao Erandir, que me orientaram e viabilizaram os processos relativos às formalidades
acadêmicas.
À Erinete dos Santos (Neta Quilombola), pela confiança e acolhida na sua
comunidade. Ao seu José Osmar, pai de Neta Quilombola, pela conversa que tivemos sobre a
sua trajetória.
Ao Francisco Anacélio Rodrigues, pela disponibilidade em conversar conosco, em
Lagoa das Pedras.
À Maria de Fátima (Tia Fátima), educadora que me inspira com as suas falas e os
seus saberes.
À Ana da Silva (Diana), pelo seu tempo e disponibilidade em conversar sobre a sua
ancestralidade negra e a associação de moradores da comunidade de Brutos.
Ao João Paulo Vieira, pelo diálogo no território quilombola da Barriguda.
À Albenise Malcher, Cristiane Sousa, Danielle Rodrigues, Sandra Petit e Tereza
Sandra Vasconcelos pela oportunidade de ouvi-las e aprender com as suas contribuições à esta
pesquisa.
Aos professores Levi Sampaio e Jawdat Abu-El-Haj, pelas aulas inspiradoras da
Pós-Graduação, nas turmas de 2019.2, na Universidade Federal do Ceará.
As equipes de trabalho e aos educandos das escolas estaduais de Fortaleza nas quais
desenvolvi minhas práticas pedagógicas.
As equipes pedagógicas da Secretaria Estadual de Educação do Estado do Ceará
(SEDUCCE) com as quais trabalhei e nessa caminhada construímos muitas parcerias, vivências
e saberes.
RESUMO
Quilombamento geográfico significa construir una conexión entre los pueblos negros y la
construcción de saberes territoriales. Em el Estado de Ceará, existen 87 comunidades
quilombolas distribuídas em 41 municipios. Actualmente, 50 están certificados por la
Fundación Cltural Palmares (FCP) y buscan la regularización de la tenencia de sus tierras. Em
esse sentido, discuto la formación socioterritorial de Ceará, refiriéndose, sobre todo, a la
territorios quilombolas Encantados do Bom Jardim y Lagoa das Pedras, Brutos y Barriguda,
ubicados en el municipio de Tamboril. Por lo tanto, el objetivo de esta tesis es argumentar y
defender el derecho al territorio de los pueblos rurales quilombolas en la formación
socioterritorial de Ceará, a través de nuestras culturas ancestrales en el Estado. La metodología
utilizada comprendió un enfoque cualitativo con investigación bibliográfica, documental y de
campo con escalas de reflexión y abordaje en los contextos estatal, regional y municipal. Se
realizaron observaciones del cotidiano quilombola, entrevistas semiestructuradas, estudio y
reflexión de lecturas en línea y mapeos. En este estudio, consideré que, en Ceará, los pueblos
africanos y afrobrasileños enfrentaron borrados y silenciamientos históricos. El marcador de
ascendencia afrodiaspórica constituye rasgos culturales heredados, por ejemplo, en la
formación de territorios quilombolas en Ceará. El marcador de la lucha colectiva se materializó
en la organización social y política de los movimientos destacados con influencias de la Iglesia
y entidades representativas nacionales y estatales en la reafirmación de los derechos de estos
pueblos en Ceará. El mojón territorial señaló que los quilombos se diseñaron a partir de
sucesivos desplazamientos por la esclavitud y la unión de troncos familiares multirraciales. La
investigación contribuyó, por lo tanto, para la publicación de trayectorias y la memoria
colectiva de los quilombolas, así como para el fortalecimiento de luchas e identidades en los
quilombos de los sertões de Tamboril. Los territórios quilombolas son, por lo tanto, legados de
uma presencia africana que compone la formación social, cultural, demográfica y territorial de
Ceará.
Figura 8 Praça Sales Campos na década de 1990 em Tamboril Ceará ........ 208
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 18
1.1 Objetivos .......................................................................................................... 32
1.2 Encruzando os capítulos ................................................................................. 33
2 CAMINHOS DA PESQUISA ......................................................................... 34
2.1 Marcadores das africanidades ........................................................................ 50
2.2 Estratégias de aquilombamento geográfico ................................................... 61
2.3 Aspectos socioterritoriais dos Quilombos/Mocambos/Kilómbòs ................ 70
3 O POVO NEGRO NAS ENCRUZILHADAS SERTANEJAS DO 85
CEARÁ ............................................................................................................
3.1 Na encruzilhada, a luta é ancestral ................................................................. 85
3.2 A diáspora congo-angolana, moçambicana e seus descendentes nos
sertões ............................................................................................................... 87
3.3 A população negra da Província do Ceará no século XIX ............................ 105
3.4 ......... 127
3.5 .............. 143
3.6 Ébós das mobilizações negras (1980 - 1992) e quilombolas (2000 - 2020)
no Ceará: influências, representações e conquistas ...................................... 156
3.6.1 Influências católicas na mobilização .............................................................. 161
3.6.2 A Universidade e a política na mobilização ...................................................... 167
1 INTRODUÇÃO
1
O povo Bantu tem a concepção filosófica de que viemos ao mundo carregando uma ancestralidade mítica, real e
familiar que compõe o nosso axé, ou seja, a nossa força vital (LOPES, 2014a). As nossas reuniões familiares
tiveram uma parada de 2 (dois) anos para o cumprimento do distanciamento social provocado pela ocorrência da
pandemia do SARS-COV-2.
2
Em homenagem a minha avó Mazé, compus a pilão de qua (Cf. ANEXO B).
20
Joaquim e a vó Mazé foram morar na zona rural daquele município que dista 300km de
Fortaleza.
Daqueles 12 filhos e filhas dos meus avós, somente 10 encontram-se vivos no ano
de 2023. Encontrei, nessa terceira geração das minhas tias e tios, uma diversidade de saberes e
práticas ancestrais. A minha madrinha é benzedeira, um tio é mateiro3, faz o lambedor para
combater as minhas alergias, outras tias são bordadeiras. Mateiro pode ser considerado uma
profissão relacionada ao conhecimento da natureza, pois trata-se daquele que coleta as ervas e
plantas para utilização medicinal, comercial, espiritual, entre outras. (STANISKI, 2016). Por
sua vez, o lambedor é um remédio caseiro fruto do conhecimento das ervas medicinais
misturadas ao açúcar. Essas misturas de sabores e cheiros têm origens nas práticas de cura
indígenas e africanas no Ceará (ARAÚJO, 2016).
Vale ressaltar que, mesmo após seu casamento, a vó Mazé continuou a assinar o
nome de solteira, Maria José Aires. O seu sobrenome prevalece no registro de todos os filhos e
filhas, indicando a sua influência na definição dos nomes e sobrenomes dos membros da
família, inclusive no meu primeiro nome, seguido de seu sobrenome de solteira,
A minha mãe é uma mulher parda, nascida em 1951, em Granja. É a filha mais nova
de 11 (onze) irmãos que compõe a terceira geração da família. Em 1975, foi mãe solo da minha
irmã mais velha, uma mulher preta de olhos e cabelos pretos. E, 5 (cinco) anos depois, mais
precisamente no dia 04 de julho de 1980, eu nasci e sou uma mulher parda. Ela conta que estava
de resguardo do meu nascimento, quando foi assistir o Papa João Paulo II passar na antiga
Avenida Dédé Brasil, hoje conhecida como Avenida Silas Munguba, em Fortaleza, Ceará. Na
ocasião dessa visita ao Brasil e ao Ceará naquele ano4, a minha mãe por ter alcançado essa
graça, tendo em vista suas convicções religiosas, decidiu que o meu nome seria Paula. No
entanto, a Vó Mazé não permitiu e determinou que o meu nome seria Rosilene, porque o nome
da minha irmã é Rosângela.
Minha irmã, eu e um casal de primos moramos com os nossos avós grande parte de
nossa infância e adolescência para que nossas mães pudessem trabalhar. A convivência deste
núcleo familiar intergeracional explica a irmandade que tenho com meus primos, bem como os
3
Desde o ano de 2018, no Ceará, os mateiros são considerados ultura e são diplomados por
resguardar saberes ancestrais. Mestres e Mestras da Cultura do Estado foram diplomados e Secult lança
edital com novas vagas. Disponível em: https://www.vicegov.ce.gov.br/2018/06/26/mestres-e-mestras-da-
cultura-do-estado-foram-diplomados-e-secult-lanca-edital-com-novas-vagas/. Acesso em 01 fev. 2022.
4
Reportagem da visita do Papa João Paulo II ao Brasil e à Fortaleza. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=7v5GHPW1U-U. Acesso em 01 fev. 2022.
21
saberes e as influências herdadas dos meus avós e da minha mãe criadeira, que é a tia Maria
Faustina Aires, a quem chamava carinhosamente de mãe Jandira (seu apelido).
O vô Joaquim era um homem preto, um agricultor que não detinha a posse da terra
e, ao longo de sua vida, trabalhou no sistema do arrendamento5. Ele arrendou a terra de um
fazendeiro no espaço rural de Granja em troca de moradia e da terra para plantio e trabalho na
terra com a família como forma de pagamento ao proprietário.
Eu ouvia a vó Mazé falar da seca dos sete e não compreendia o porquê de esse
acontecimento ser tão marcante para ela. No entanto, entendi que no contexto de uma família
negra, pobre, sem a propriedade da terra e diante das condições de semiaridez nos sertões de
Granja, a busca pela sobrevivência levou a família a sucessivos deslocamentos.
Assim, os meus antepassados iniciaram o processo de migração para Fortaleza e
Orós, especificamente, na década de 1970. Primeiro, foi o filho mais velho que migrou para a
cidade de Orós, localizada no Centro-Sul cearense, a fim de trabalhar junto ao Departamento
Nacional de Obra Contra às Secas (DNOCS), nas reformas e manutenções do Açude Orós.
Em seguida, migraram mais dois filhos para Fortaleza e adquiriram ocupação no
setor da construção civil. Em 1975, cinco filhas, inclusive a minha mãe, migraram para trabalhar
como domésticas nas casas de família 6. Os últimos a migrarem foram meus avós junto com
os quatro filhos que ainda estavam em Granja e vieram residir à favela Coaça, situada à antiga
Avenida Estados Unidos, em Fortaleza que, antes de 1961, era rua Rodolfo Teófilo (CEARÁ,
1961), e desde 1991 mudou de nome e passou a chamar Avenida Senador Virgílio Távora.
Atualmente, essa avenida abrange os bairros Dionísio Torres, Aldeota e Meireles, ou seja, meus
familiares moravam próximo às residências que prestavam serviços domésticos, hoje
consideradas de alto padrão econômico.
A favela Coaça foi removida para a construção das Avenidas Antônio Justa e
Senador Virgílio Távora. Assim, os custos de vida nessa parte da cidade, a falta de condições
5
É preciso ressaltar que, o início do século XX foi marcado pela transição camponesa do trabalho escravo para
o trabalho assalariado e os sistemas de parceria com outras formas de subordinação e dependência econômica
foram se configurando no território cearense. Essas são caracterizadas por Pinheiro (2008) e ocorrem quando
os proprietários de terras alugam parcelas de terra em troca da produção, moradia, ou seja, os trabalhadores
produzem e moram em terras alheias. E, muitas vezes, acumulam dívidas com o dono das terras. Além disso,
dependem das variações climáticas semiáridas.
6
Lembro-me que ao perguntar as minhas mães, Hilda e Jandira, sobre o trabalho delas em Fortaleza nos anos
de 1970, ambas ressaltam que faziam de tudo e a toda hora nas casas de família. Casas de famílias para quem?
Ou seja, esse é mais um exemplo de um espaço da elite que explorava a força de trabalho, não cumpriam as
garantias trabalhistas e impunham condições precárias às trabalhadoras. Trata-se de uma classe rica que
exerceu o domínio, a exploração e o controle de uma maioria da população pobre e oprimida.
22
rejeição. Além disso decorre, segundo Souza (2009), do senso comum sobre a percepção de si
e do coletivo que as impede de enxergar desigualdades raciais e sociais bem como seu
pertencimento afro-indígena cearense.
A força vital, conforme Oliveira (2005, p. anto, um atributo
individual, mas uma construção coletiva que, obedece uma rígida organização tradicional e que,
sem atualização, perde- O pertencimento ao terreiro, o cuidado de si
e do outro, a prática da escuta e as formações continuadas são vivências que fortalecem o meu
axé para o enfrentamento da intolerância religiosa e do racismo tão evidentes em nossa
sociedade e na escola.
Acredito que minha consciência racial foi sendo construída e fortalecida no terreiro
e nas formações continuadas das quais participei. Nos capítulos da tese, a linguagem de terreiro
se faz presente por ser uma das marcas que me atravessam como mulher negra e umbandista.
Assim como a ênfase no sertão e nos deslocamentos do povo negro que são marcas ancestrais
que carrego e se desdobram nas escolhas de pesquisa.
O segundo fato que justifica a temática é que ao identificar a marca consanguínea
da minha ancestralidade, ao conceber as minhas experiências e interpretações de pertencimento
ao território, a um povo, e a uma prática religiosa, estabeleço uma conexão com a cultura
africana afrodescendente e indígena que contribuiu para a minha formação identitária de
enxergar o mundo.
Neste sentido, entendo que a ancestralidade é um dos principais elementos da
cosmovisão africana que resulta em práticas culturais, representações e resistências sociais e
políticas do povo negro brasileiro e cearense (OLIVEIRA, 2005).
Entendo que a minha trajetória de vida se constitui uma resistência social e política
que rompeu ciclos de baixa escolaridade e condições de sobrevivência precárias, tendo em vista
as estruturas desiguais e racistas que oprimiram e excluíram historicamente o meu povo.
Sou da quarta geração familiar e, em relação à escolaridade, somente 06 (seis)
membros da minha geração conseguiram concluir o Ensino Superior. Já da quinta geração, 11
(onze) familiares tem Formação Superior concluída ou em andamento em instituições públicas
e privadas. A sexta geração é composta por crianças e adolescentes que se encontram no Ensino
Fundamental e Médio.
O meu percurso escolar se deu em diferentes escolas públicas. No ensino
Fundamental, estudei na Escola Municipal Professora Vicentina Campos Marinho Lopes, e, no
Ensino Médio, estudei na Escola Estadual Justiniano de Serpa, escolas públicas da cidade de
24
Fortaleza. Nessas instituições, lembro-me de cinco ou seis docentes negras e negros que
contribuíram com a minha formação.
E, paralelamente ao ensino regular, participei de cursos gratuitos e
profissionalizantes realizados pela Prefeitura de Fortaleza na área de Turismo. Percebi que
poderia viajar, conhecer pessoas e espaços trabalhando nessa área. No entanto, somente em
instituições particulares, na época, havia graduação ou cursos de nível técnico na área.
Chego, assim, ao terceiro motivo que justifica a minha pesquisa ao olhar para a
Universidade Pública e, diante destas vivências negras cotidianas, a minha escolha foi a
Geografia pela possibilidade de viajar e conhecer pessoas e espaços. O entendimento do
trabalho com a educação ocorreu somente ao longo do curso de Licenciatura. Sou licenciada,
bacharela e mestra em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará. E, ao longo desse ciclo
formativo, que se estendeu de 2003 a 2009, encontrei quatro professores negros e uma
professora negra. E, infelizmente, as questões raciais não foram pautadas ao longo desses
percursos formativos.
O conhecimento é uma dívida que temos com a sociedade. O meu compromisso
ancestral, de mulher, de classe, político e racial aliado ao meu fazer acadêmico e pedagógico
são únicos, indissociáveis. Essa ligação umbilical está presente em vários momentos de minha
trajetória de vida e profissional: seja nas minhas aulas de Geografia, no Ensino Médio de 2010
a 2015, em duas escolas da periferia de Fortaleza, em que atuei dialogando com educandos
negros e negras (AIRES, 2012, 2016a; AIRES; VASCONCELOS, 2016), (AIRES, 2016b); seja
no Ensino Superior, quando pautei a temática racial, especificamente, na formação de
professores da rede estadual, compondo a Célula de Formação e Projetos da Sefor (CEFOP) de
2015 a 2016. Naquele período, o diálogo foi ampliado junto aos docentes dos diversos bairros
e escolas de Fortaleza (AIRES; VASCONCELOS, 2018; AIRES, 2017, 2020), para a
implementação da Lei 11.645/20087.
Em seguida, trabalhei com o suporte pedagógico na formação de professores da
Secretaria de Educação do Ceará (SEDUC), quando aceitei o desafio em 2017 de compor a
equipe da Coordenadoria de Avaliação da Aprendizagem Educacional (COAVE). Realizei
ações sobre a avaliação da aprendizagem escolar e participei da organização do percurso
7
A Lei n0 11.645, de 10 março de 2008, estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no
-
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm. Acesso em: 11 nov.
2021.
25
8
Há 42 anos, Nascimento (1978), no seu livro genocídio do negro brasileiro a violência contra
a população negra na sociedade brasileira, marcada pela escravidão perversa, pela exploração sexual da mulher
africana, pelo embranquecimento e a perseguição a cultura africana, além da folclorização da sua religiosidade.
9
Quadro Geral por UF e Regiões das comunidades Certificadas. Fundação Cultural Palmares. Disponível em:
http://www.palmares.gov.br/?page_id=37551. Acesso em: 22 abr. 2021.
27
Mapa 1 Localização dos territórios quilombolas de Encantados do Bom Jardim e Lagoa das Pedras e de Brutos, no município de Tamboril
O Mapa 01 destaca Encantados do Bom Jardim e Lagoa das Pedras que se localizam
no distrito Bom Jardim, formam uma área contínua são um único território e distam cerca de
10 km da sede municipal. O território de Brutos, localiza-se no mesmo distrito e que dista 9 km
da sede municipal, Tamboril-CE. Além destes, o território da Barriguda, que dista 24 km de
distância da sede, encontra-se na porção Leste de Tamboril, chegando ao limite com o
município de Monsenhor Tabosa, conforme o Mapa 1. Com exceção da Barriguda, os demais
territórios são reconhecidos pela FCP e aguardam a regularização fundiária das suas terras.
De acordo com o Mapa 01, estes quilombos encontram-se entrecortadas pela
rodovia CE-157, no trecho entre os municípios de Tamboril e Catunda, a 287 km da cidade de
Fortaleza, e somente a Barriguda encontra-se em altitudes de 829 metros chegando na fronteira
Leste de Tamboril com o município de Monsenhor Tabosa.
Fazendo o recorte da população quilombola cearense no mapeamento destacado em
Ceará (2019b), revelam aproximadamente 4.899 famílias quilombolas, o que me permitiu
considerar que se cada família tem o mínimo de 2 (duas) pessoas, a estimativa da população
quilombola atendida no mapeamento totaliza, no mínimo, 9.798 pessoas naquele ano. Esses
números poderão ser confirmados ou refutados no Censo Demográfico do ano de 2023, no qual
ocorrerá o levantamento específico da população quilombola.
Em relação à população estimada em em Tamboril no ano de 2020, o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)10 apontou cerca de 26.225 habitantes. E, os dados
sobre a população quilombola com base nos levantamentos em campo, totaliza 709 habitantes,
em Encantados do Bom Jardim e Lagoa das Pedras, são 198 quilombolas. Em Brutos residem
419 quilombolas e na comunidade da Barriguda, estimou-se 92 quilombolas (CEARÁ, 2019a).
Em tempos de isolamento social devido a existência da Síndrome Respiratória
Aguda Severa 2019-nCoV-SARS-COV-211 que se expandiu pelo mundo em dezembro de 2019,
e no Ceará em março de 2020. Construir a tese sobre quilombos sertanejos do Ceará sem
conseguir encontrar de forma presencial as pessoas, nem percorrer pessoalmente os seus
territórios, e tampouco participar do cotidiano quilombola foram os maiores desafios
encontrados no percurso inicial.
10
Perfil básico de Tamboril. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/ce/tamboril.html.
Acesso em: 10 jun. 2021.
11
O Sars-CoV-2 é o patógeno causador do coronavírus ou da Covid-19. É chamado de novo coronavírus porque
ele faz parte de uma família maior, que possui membros já conhecidos pelos cientistas. Disponível em:
https://saude.abril.com.br/medicina/as-diferencas-e-semelhancas-entre-o-sars-cov-2-e-outros-coronavirus/.
Acesso em: 20 abr. 2021.
31
1. 1 Objetivos
Objetivo geral:
Objetivos específicos:
12
Sanko = voltar; fa = buscar, trazer, ou seja, é trazer o passado ressignificado para o entendimento e a valorização
do conquistamos no presente. E ainda possibilitar projeções para o futuro (LOPES, 2011; NASCIMENTO,
2003).
34
uma falsa liberdade pelas sociedades libertadoras, pela imprensa e nos livros de pesquisadores
cearenses. Os ejós da falsa liberdade são apontados em torno do dia 25 de março, considerada
a Data Magna13 representativa da libertação dos escravizados no território.
De igual modo, reflito sobre as relações do movimento negro com o surgimento do
movimento socioterritorial quilombola. Destaco os diferentes ebós dos movimentos negro e
socioterritorial quilombola, na luta pela construção identitária de ser negra/negro no Ceará e na
reafirmação de direitos (Terra, Educação, Saúde, entre outros), que compõe a agenda e as
conquistas dos movimentos socioterritoriais.
No capítulo 04, Territórios Quilombolas nos Sertões de Crateús Ceará, o
ponto de partida é a caracterização da presença negra do ontem e do hoje na microrregião dos
Sertões de Crateús. Em seguida, elenquei os principais marcadores das africanidades no
contexto do município de Tamboril. A geografização dos três territórios quilombolas sertanejos,
ocorreu a partir das fontes primárias e secundárias sobre as toponímias quilombolas, as suas
linhagens ancestrais e os sucessivos deslocamentos na formação dos territórios, bem como a
relação dos povos com a terra-território em suas formas de ser e existir quilombola.
No capítulo 05, Considerações finais, apresento uma síntese do percurso da
pesquisa e as possibilidades de continuidade e aprofundamento da temática. Por fim, acrescentei
as referências, os apêndices e os anexos da pesquisa.
13
Estabelecida via Emenda Constitucional n0 73, de 10 de dezembro de 2012 acrescentada ao parágrafo único do
Art. 18 da Constituição Estadual do Ceará.
35
2 CAMINHOS DA PESQUISA
(AGNÈS VARDA,
2019\2020).14
14
Documentário Agnés Varda. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PFJ5uNMrfqQ. Acesso em:
10 jan. 2020.
36
superáveis (DEMO, 2004). Além disso, penso sobre as coexistências na perspectiva espacial
dos territórios quilombolas (SANTOS, 2017).
De acordo com Spósito (2004, p.
elaboração teórica do
Entendo que todo conceito possui uma natureza política, assim como todo campo do saber está
envolto em relações de poder (HAESBAERT, 2011). Em minhas reflexões, os conceitos
permitiram revelar marcas espaciais não só do passado, mas também, do presente e do futuro.
Ao problematizar as ancestralidades, as relações raciais e as classes sociais que
marcam o Ceará do passado e do presente, me refiro a formação socioterritorial. De igual modo,
enfatizo as relações que envolvem questões de caráter mais simbólico e cultural, como o
pertencimento negro e quilombola, bem como os movimentos negro e quilombola e a
construção identitária nos territórios quilombolas. A categoria território se junta aos conceitos
de quilombo, marcadores das africanidades e de movimentos socioespaciais e socioterritoriais
que se cruzam, se interpenetram e se sobrepõem a outros correlacionados.
Esta rede conceitual integrada possibilita enxergar uma teoria e uma prática. Ambas
convergem para o entendimento da realidade e das suas contradições, com base nos conceitos
destacados. Ferreira (2014 p. 63), pontua as relações teórico-práticas e as relações entre a vida
acadêmica e a vida cotidiana, afirmando que:
autorreconhecer-se negra, de família pobre e sertaneja em que a figura feminina marcou a minha
formação como pessoa, denota a ênfase dada a ancestralidade, enquanto conceito pretagógico,
que conduz a minha jornada pela pesquisa.
Ao longo do percurso, alguns dos ensinamentos e princípios da Pretagogia me
atravessam e estão imbricados no percurso teórico-metodológico, são eles:
das narrativas quilombolas é um modo de entender a ancestralidade africana que nos compõe,
tendo em vista que a identidade negra é uma construção processual que se inicia em nossa
relação com a África (NASCIMENTO, 2012).
Para tanto, me baseio na tradição oral africana que, conforme Hampaté Ba (2010,
p. 169),
Ela é ao mesmo tempo religião, conhecimento, ciência natural, iniciação à arte, história,
Outra referência foi Petit (2015), que ressaltou alguns aspectos da
tradição oral africana relacionados a fala como força vital, como vibração que produz ritmo e
música, como forma de aprendizagem ou ainda como iniciação, entre outros.
A tradição oral é um dos princípios mais relevantes da Pretagogia, revela os modos
de vida no quilombo, se assemelha ao conceito de territorialidade quilombola, marcada por uma
identidade de ser e existir. Segundo Petit (2015, p. 110), em relação à cosmovisão africana e à
tradição oral africana:
[...] sabemos que, por motivos históricos de desvalorização do ser negro/a, elas não
são ensinadas na escola formal do Brasil. Seus valores são repassados explicitamente
ou não, de modo mais comum na família, nas práticas religiosas, nas práticas de
solidariedade, entre grupos comunitários, em práticas de artes tradicionais (diversas
artesanias), nas festas populares e em toda sorte de brincadeiras que envolvem o
coletivo.
15
Grifo para ressaltar a relação racial construída entre esses grupos populacionais.
42
brasileiro. Contudo, não há como ampliar o leque de discussão sobre os dados de população
indígena por não ser esse o foco da pesquisa.
Sobre esse assunto, Lopes (2011) destaca contradições e desencontros nas formas
respinga na construção da identidade racial que cada sujeito social constrói ao longo da vida.
De todo modo, analisei a junção de pretos e pardos livres e cativos nos dados de
1804. Nos anos de 1808 e 1813 ocorreu a junção entre pretos e mulatos para representar a
população negra. Considero que nestes anos (1808 e 1813), os dados podem apresentar
distorções, tendo em vista às dificuldades de encontrar termos que representassem a diversidade
da população e, com isso, evitassem ambiguidades e contradições determinantes na
classificação racial de inúmeros ancestrais recenseados nestes levantamentos.
O ano de 1872 foi marcado pelo Censo que abrangeu um número maior de vilas
cearenses, o que permitiu uma análise mais abrangente. Entretanto, observei a presença do
ionais que, possivelmente, reforça o apagamento
dos povos indígenas do Ceará. De todo modo, ocorreu a junção de pardos e pretos para as
análises do ano de 1872 e a espacialização da população negra.
Portanto, identifiquei a população negra nos levantamentos sendo que cada cenário
foi representado em gráficos e mapas, utilizando o programa Excel. Trata-se de dados
secundários mencionados nos trabalhos de Silva (2011), Riedel (1988), Pinheiro (2008), Funes
(2002) e Sobrinho (2011) que foram ressignificados nesta pesquisa.
Das características dos levantamentos, o primeiro foi realizado no ano de 1804
abrangendo 09 (nove) de 12 (doze) vilas existentes; em 1808, realizou-se o segundo
levantamento que abrangeu 14 (quatorze) vilas; e o terceiro, no ano de 1813, apresentou dados
parciais de 07 (sete) vilas que foram recenseadas sendo, por último, o levantamento de 1872,
no qual analisei as 16 (dezesseis) vilas que registraram população negra acima de 6.000
habitantes. Destaquei, ainda, os percentuais da população negra em cada cenário diante do total
demográfico absoluto.
Em relação à população negra no contexto regional dos Sertões de Crateús, essa foi
destacada segundo os dados parciais. E, tendo em vista ausências nos levantamentos de 1804 e
1813, optei por enfatizar dados do Censo de 1872. Na análise, a principal referência territorial
43
foi a vila mais antiga nas proximidades dessa região denominada, atualmente, de Guaraciaba
do Norte. Para tanto, destaquei os quantitativos de pretos e pardos presentes no levantamento
das antigas vilas de Ipú, Tamboril e Santa Quitéria, além de outras pertencentes ao Piauí, à
época. Dessa forma, detectei um esboço regional e populacional negro no século XIX.
Para a espacialização desses dados populacionais em mapas, busquei os trabalhos
de Anjos (2004, 2011a, 2011b); Seemann (2011); Marques (2009b); Marques (2011); Carvalho
(2020), entre outros. Sobre esse assunto, Seemann (2011) afirma que o mapa tem as seguintes
funções: cognitiva (amplia o conhecimento espacial), comunicativa (amplia o conhecimento
para o leitor do mapa) e de suporte à tomada de decisões (norteia ações espaciais e de gestão
territorial). Considero, portanto, essa ferramenta geográfica viável ao entendimento da presença
e da diáspora africana, de seus descendentes.
Ratts (2016, p. 10) afirma que a étnica e racial, brasileira e
cearense, está sendo redesenhado nos tempos atuais As técnicas cartográficas contribuem para
traçar e destacar espacialidades do passado, assim como para elaborar diagnóstico do presente
e projetar espacialmente o futuro, como forma de visualizar fronteiras e limites, de localizar
elementos sociais e naturais considerados identitários dos povos negros e quilombolas. Entendo
que a configuração dos territórios quilombolas, caracterizada nos mapeamentos, torna-se um
instrumento de reafirmação do poder das comunidades na autogestão do seu território.
Em relação à análise dos dados e à representação da ancestralidade africana
cearense em mapas gerais, optei por algumas escolhas:
a) Para destacar a concentração populacional negra nas vilas coloniais elaborei os
gráficos correspondentes a cada cenário estudado. No panorama das primeiras
16 vilas do território cearense com suas fronteiras, a cartografia utilizada é do
período de 1699 a 1822 no Ceará, a qual demonstra vilas próximas as bacias
hidrográficas do Ceará, seguindo a lógica da distribuição sesmarial ocorrida
desde o século XVII. Compreendo a importância das fontes de água na formação
socioespacial do território cearense (SOUZA, 2017);
b) Os gráficos e as figuras dos cenários populacionais de 1804 e de 1813
abrangeram as vilas com população negra acima de 2000 habitantes. Em 1808,
destaquei as vilas que obtiveram população negra acima de 1000 habitantes. E
no recenseamento de 1872 analisei e espacializei as vilas com população negra
acima de 6000 habitantes, ou seja, as 16 vilas mais populosas foram analisadas
44
o Estado para que este produza, forneça e garanta políticas que ajudem a suprir as carências que
2008, p. 112).
Segundo Baiocchi (1999), a história brasileira registra apenas dois movimentos
sociais que se ampliaram em todo o território nacional e tornaram-se permanente: o Movimento
pela independência do Brasil (1822), de caráter burguês e o Movimento Quilombola, que se
inicia no século XVII com o quilombo de Palmares. Este último fechou um dos ciclos de lutas
nas últimas décadas do século XIX, com a abolição da escravatura (1888) e os testemunhos
históricos chegam até os dias de hoje.
Segundo Guimarães (1996), a classe escrava destaca-se por sua rebeldia. O
escravizado é um sujeito histórico, agente na luta de classes que resistiu ao capitalismo e as
opressões desde o início da escravização no Brasil. Portanto, os movimentos negro e
quilombola resultam dessa resistência, rebeldia e revolta contra os processos históricos que
excluíram e oprimiram o povo africano e seus descendentes no Ceará.
Ao reconhecer e entender o lugar do negro historicamente na sociedade, identifico
a resistência como sendo uma marca ancestral e contra-hegemônica negro-africana. São as
resistências quilombolas e os coletivos negros urbanos e rurais que trazem à tona, nos séculos
XIX, XX e XXI, as vozes, as trajetórias, as manifestações culturais e as lutas. Reis e Gomes
(1996) enfatizam que o povo negro resistiu nas mais diversas partes do Brasil. Apresentam
estudos sobre o fenômeno do aquilombamento e as rupturas na estrutura escravista da sociedade
brasileira.
A militância negra, historicamente, se constituiu, inicialmente, nos quilombos pois
ação
dos valores sociais e culturais dos africanos e seus descendentes em todas as partes nas quais a
sociedade latifundiário-
46
maior de questões que envolvem o desenvolvimento da sociedade e sua relação com o território
(PEDON, 2013).
Acredito que é na luta pela reafirmação de direitos, que podemos trilhar caminhos
na construção da sociedade antirracista e que valorize os ancestrais do quilombo. Para tanto,
ressalto alguns aspectos da articulação quilombola em âmbito estadual, utilizando além de
fontes documentais, as entrevistas e palestras públicas de lideranças dos movimentos, a fim de
entender os percursos e as pautas de lutas. A análise das falas de integrantes dos movimentos
possibilitou a compreensão da articulação dos movimentos negro e quilombola do Ceará.
Devido a incompatibilidades de agendas das lideranças das entidades
representativas da CONAQ e da CERQUICE no Ceará, não foram realizadas entrevistas
individuais virtuais, nem presenciais com as lideranças do movimento. Optei por retratar falas
públicas de quilombolas que integram o movimento em âmbito nacional, como Givânia Maria
da CONAQ, assim como em âmbito estadual a fala de Aurila Maria da CONAQ/CERQUICE
do Ceará e o senhor Renato Ferreira dos Santos (Renato Baiano) da CERQUICE. O intuito foi
compreender as articulações que ampliaram o alcance do movimento socioterritorial
quilombola cearense no período de 2000 a 2020.
Os problemas da desigualdade racial e da concentração fundiária na sociedade
brasileira são contestados junto ao Estado com a mobilização coletiva no quilombo
-chave na construção
histórica do país, hoje dialoga com antagonismos distintos dos séculos anteriores, o que
pressupõe novas
movimento é pressionar o Poder Público pela execução de políticas públicas de reconhecimento
dos direitos quilombolas pelas instituições estatais.
O princípio pretagógico de território se insere nessa rede conceitual (ancestralidade,
pertencimento, tradição oral, lugar social do negro, movimento negro e quilombola), enquanto
espaço-tempo socialmente construído e perpassado da história de várias gerações formando
uma complexa rede de relações sociais. Os recortes territoriais e escalares possibilitaram o
entendimento geográfico da presença negra no Ceará, nos sertões de Crateús, no município de
Tamboril e nos quilombos Encantados do Bom Jardim e Lagoa das Pedras, Brutos e Barriguda,
buscando olhar o passado para construir subsídios ao entendimento do presente.
A denominação de Comunidades Remanescentes de Quilombos (CRQs) é
estabelecida no Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, em seu Art 20
grupos étnicoraciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria,
48
16
[...] a multidimensionalidade do territorial pelos membros de uma
coletividade, pelas sociedades em geral [...] se manifesta em todas as escalas espaciais
e sociais; ela é consubstancial a todas as relações e seria possível dizer que, de certa
, 1993, p. 158-163).
Grifo do autor.
49
Nogueira (2018, p.
sa autora, este conceito
17
Este é um trecho do poema de Cláudia Oliveira da Silva, a Cláudia Quilombola, como é conhecida no Ceará. É
uma mulher negra e professora pertencente ao território quilombola da Serra do Juá no Município de Caucaia-
Ceará. O poema encontra-se na íntegra em Silva (2012, p. 112).
51
dos traços fenotipais [...] estão na nossa memória familiar e coletiva, no cotidiano, nos embates
Desse modo, as marcas ancestrais em nossos corpos são compostas por influências
culturais de nossos antepassados africanos e indígenas e estão presentes na formação
socioterritorial do Ceará e nas territorialidades quilombolas de Tamboril.
A espacialização territorial dos quilombos é correlacionada aos marcadores das
africanidades que compõem a trajetória dos povos afro-diaspóricos e dos seus descendentes no
Ceará. Ao relacionar o passado ao presente dos descendentes dos povos afro-diaspóricos no
Ceará, o tensionamento desses tempos possibilitou a identificação da memória coletiva e das
trajetórias, levando em conta as narrativas dos sujeitos e as fontes documentais.
Assim, enxerguei mudanças nas configurações territoriais, bem como na
organização social e política do povo negro e quilombola. Acredito que a análise do povo negro
na Província do Ceará me conduz ao conhecimento sobre a marca da africanidade que nos
conecta nos diferentes tempos. Essas marcas ancestrais se ampliam desde os membros da nossa
linhagem, nas práticas religiosas e espirituais, artísticas, de saúde, nas culinárias e arquiteturas,
presentes no cotidiano, entre outros (PETIT; FARIAS, 2015).
A reinterpretação dos dados demarca a significativa presença negra no território ao
longo do século e fortalece a nossa relação com a África, à medida que possuímos heranças
ancestrais vindas do além-mar.
Sabendo que a ancestralidade africana não necessariamente associa-se à cor de pele,
tonalidade, matriz ou especificidades anatômicas, mas sim, ao fato de ter, cultural e fisicamente,
raízes africanas, favorece-nos muito mais um posicionamento afirmativo e identitário enquanto
povo afrodescendente (FERREIRA, 2004).
Nesse sentido, busquei discutir a ancestralidade como forma de reconexão com os
povos africanos, por meio de presenças e trajetórias, heranças culturais e dos caminhos
percorridos pelos nossos antepassados. Os marcadores das africanidades que atravessam essas
trajetórias, heranças e caminhos ancestrais estão representados no Quadro 02, a seguir:
52
representações/das relações com a África, discutindo a presença negra nas vilas cearenses do
século XIX na intenção de revelar nossas origens africanas. Além disso, os dados populacionais
da presença negra na formação socioterritorial dos Sertões de Crateús e de Tamboril, ao longo
do século XIX, são facetas da História do lugar no qual formaram-se os territórios quilombolas.
Em relação ao marcador 17 (dezessete), cabe ressaltar que a concepção segundo a
qual no território cearense não existiam negros, além da ideia de uma escravização propagada
iu conflitos identitários, mudanças sociais e políticas junto ao povo
negro e quilombola, impulsionou a força e a resistência destes povos que, aos poucos, se
tornaram pautas contínuas de luta pela desconstrução ideológica dessas concepções e pelo
fortalecimento da identidade negra. egros sim
e o seu sertão é um dos palcos históricos de luta e resistência ancestral afro-indígena e
.
Dos racismos sofridos e impetrados (marcador 20), a presença negra no século XIX
no território cearense é uma herança, um patrimônio que resistiu ao racismo e as tentativas de
apagamento da história. A organização política e social do movimento negro e quilombola do
Ceará contra os racismos e estereótipos (perpetrados e sofridos) possibilitou identificar os
caminhos percorridos pelos movimentos que confrontaram silenciamentos do povo negro na
formação socioterritorial do Ceará e no município de Tamboril. As marcas do racismo se fazem
presentes na trajetória dos antepassados, dos movimentos, no ato de nomear as comunidades
quilombolas e na forma como são tratados na execução de Políticas Públicas.
O racismo pode ser entendido como um processo histórico e político que cria
condições diretas ou indiretas para que grupos socialmente identificados, no caso o povo negro
e quilombola, sejam discriminados (ALMEIDA, 2022). Ess
constituído pelas relações ontológicas entre: discursos, ideologias, doutrinas ou conjunto de
ideias (cultura); ações, atitudes, práticas ou comportamentos (agência); estruturas, sistemas ou
de mel dos quilombolas de Tamboril expressa suas relações de parentesco e vizinhança. Assim,
s tradições se caracterizam na forma como as famílias se apropriam das terras. Nesse
contexto, a família, o trabalho e a terra são unidades gestoras do modo de vida quilombola.
(MALCHER, 2017, p. 134).
Sendo assim, a principal luta quilombola é por regularização fundiária dos
territórios, ou seja, é o seu direito de viver na Terra. O sentido da coletividade é, portanto, a
base da territorialidade quilombola tendo em vista que, de acordo com Pedon (2013,
Idade: 68 anos
Registro Trajetória
Sou José Firmino de Oliveira, conhecido como José Osmar.
Minha mãe é daqui do território e meu pai é de Granja e casou
com ela tendo 15 filhos. Eu me casei com a Graça, que é
minha prima e tivemos 09 (nove) filhos e tivemos 15 netos,
mas nem todos vivem aqui. Desde os meu 10 anos comecei a
trabalhar para ajudar a criar os meus irmãos. Sou agricultor
hoje aposentado e represento a resistência da minha
comunidade. Diariamente cuido das minhas roças, porque
não aceito parar. Acredito que é uma forma de se manter na
ativa.
Sou uma das lideranças da comunidade. Sou analfabeto, mas
tenho integridade e sou doutor em vivências da vida. Sou um
pai maravilhoso e um grande homem.
Idade: 74 anos
58
Registro Trajetória
Sou Erinete dos Santos Oliveira (Neta), nascida aos 05 dias do mês de
maio do ano de 1975, na sede do município de Tamboril. Tenho 46
anos. Vivi na comunidade de Encantados do Bom Jardim até o ano de
1990, quando precisei sair para estudar. Sou negra, mulher, mãe,
professora, catequista e membro do conselho da mulher. Tenho 03
filhas, um companheiro e sou casada no religioso, desde 1998. Filha de
José Firmino de Oliveira, analfabeto das letras, mas formado nas
leituras de mundo. É uma liderança na minha vida e na comunidade.
Minha mãe, dona Maria das Graças dos Santos Oliveira mulher de
quem carrego muito orgulho. Da família de 9 irmãos, eu sou a 5°. Sou
uma mulher que carrega consigo a missão de ser feliz. Tenho formação
acadêmica, graduação em Letras e Pós-graduação em Gestão Escolar e
Psicopedagogia.
Idade: 46 anos
Registro Trajetória
Idade: 34 anos
59
Registro Trajetória
O meu Nome é Ana da Silva Moreira, mais todo
mundo aqui me chama de Diana. Tenho dois filhos
e sou casada. Tenho pai, mãe e 7 (sete) irmãos. Eu
nasci nas Serras das Matas, vim de lá para cá
pequena. Aqui cresci, estudei, trabalhei e com um
certo tempo mais ou menos aos 25 anos eu comecei
a me interessar pela comunidade. [...] A gente
começou a falar com as pessoas, fazer rodas de
conversa, até se organizar e buscar fundar uma
associação para se fortalecer. Foi quando eu me
tornei a liderança da comunidade e a presidente da
associação de moradores.
Idade: 40 anos
Registro Trajetória
Sou João Paulo Sousa Vieira. Resido com minha família na
comunidade Quilombola de Barriguda no município de
Tamboril. Sou casado e tenho 02 filhas de coração. Sou
presidente da Associação Quilombola e dos Pequenos
Produtores da Barriguda. Me formei bombeiro civil. Sou
membro da Comissão de Educação Escolar Quilombola do
Ceará. Integro o grupo da mini fábrica de bolos do projeto
Zumbi. Integro o grupo da Apicultura da comunidade. Fui
pesquisador de campo do mapeamento das comunidades
quilombolas do Estado do Ceará.
Idade: 41 anos
caminhos percorridos pelo povo negro ressaltando as suas lutas e ancestralidades. Desse modo,
a definição do que vem a ser o quilombo e quem são os quilombolas contemporâneos faz
18
Poema de Maria da Conceição Evaristo romancista e escritora mineira. Disponível em:
https://www.xapuri.info/cultura/tempo-de-nos-aquilombar/. Acesso em: 02 fev. 2020.
62
339).
A expressão quilombos contemporâneos é usada legalmente no Brasil para:
estudar os quilombos e para os quilombos, pretendo fazer uma geografia política, militante,
comprometida ao entender o conjunto de relações entre o povo quilombola e o seu território
com marcos espaciais, temporais e ancestrais que os caracterizam.
Ser quilombo abarca uma dimensão secular de resistência e luta de africanos e seus
descendentes, muitas vezes em co . Nesse percurso, as
principais referências foram Aguiar, Santos e Alencar (2020); Carvalho (2020); Almeida
(2011); Silva (2016); Marques (2009b); Anjos (2011a, 2013); Oliveira (2005); Petit (2015);
Rodrigues Júnior (2016, 2018); Barroso (2019), entre outros.
No aquilombamento individual e coletivo no qual estou inserida, compreendo que:
A pesquisa nos impõe uma investigação rígida e leituras dedicadas para continuarmos
falando de negros e indígenas sem ousarmos ser porta-vozes, pois têm suas
organizações e suas formas de interpretar a sociedade. O pesquisador, é somente mais
uma voz tergiversando sobre as diferenças étnicas. (RATTS, 2009, p. 20).
Acréscimos da pesquisadora.
63
Esse autor indica que para retratar a indianidade e a negritude em terras cearenses é
indispensável uma abordagem qualitativa dessas coletividades.
20
A expressão sujeitos acadêmicos utilizada aqui, advém do homo academicus de Bordieu e é repensada por
Ferreira (2014). O sujeito acadêmico representa quem produz conhecimento no Ensino Superior em qualquer
grau de ensino e vínculo com as instituições. Os sujeitos acadêmicos são, de modo geral, intelectuais,
especialistas e pesquisadores da Geografia, além de pesquisadores com formações diversas.
64
trocas com diversos grupos; os mineradores, em áreas de Minas Gerais; os pastoris, no Sul do
Brasil; os de serviço, instalados nos subúrbios ou periferias das cidades; e os itinerantes ou
predadores, que em várias regiões viviam de saques.
Entendo que a população africana e afrodescendente distribuídas nas vilas coloniais
do território ao longo de todo o processo de escravização contribuíram para a formação dos
nossos quilombos. É provável que tenhamos menos informação e registros dos quilombos
cearenses, antes do século XIX, dado os apagamentos históricos, os inúmeros deslocamentos,
as diversas fugas causadas pelos seus perseguidores, representantes do poder hegemônico. De
todo modo, a maioria dos quilombos cearenses certificados pela FCP encontra-se no campo, ou
seja, eles localizam-se em áreas rurais.
Portanto, ressalto a expressão territorial quilombola na medida em que estabelece
uma expressão político-organizativa, considerando-a, ainda, uma categoria jurídica e de direito.
Reflito sobre o povo quilombola na mesorregião dos Sertões de Crateús, tendo em
vista que, grande parte das pesquisas está voltada para a mesorregião do litoral cearense.
Acredito que é fundamental destacar os povos quilombolas sertanejos. E, as referências
geográficas de outras áreas do conhecimento nesse entendimento me afetam e me conduzem
aos diversos aquilombamentos e rupturas com as perspectivas teóricas ultrapassadas. Considero
que o meu processo de aquilombamento geográfico ocorre de três formas.
Primeiro, individual e coletivo, na construção de minhas referências. Enquanto
educadora e pesquisadora adotei a postura da minha afrodescendência e me coloco no interior
da realidade quilombola, assumindo o papel de escuta e de aprendizado sobre a autoafirmação
e a luta.
descendência africana têm como princípio a relação sujeito-sujeito, buscando-se a superação
89).
Segundo, ocorre de modo dialógico com as outras áreas do conhecimento e com os
povos quilombolas, pois eu não analiso o território e o modo de vida dos outros, mas sim
entendo-o como parte de uma construção territorial cearense, contínua, contraditória, desigual
e racista que atravessa a minha própria existência. Nessa perspectiva geohistórica, pesquisar
territórios quilombolas é, antes de tudo, evidenciar o seu percurso histórico e a sua formação
territorial. Nas palavras de Andrade (2001, p. 78), trata- m
que eles se formaram, como se distribuíram pelo território, [...] como os seus membros se
organizaram interna e externamente, como se defenderam dos ataques das forças militares que
65
alguns alimentos ou comportamentos, optei por refletir o seu sentido em português23, que
significa: antipatia, repulsão natural e sem motivos por algo ou alguém. É o sentimento de
aborrecimento, de impaciência ou de mal-estar, ou ainda a divergência de opiniões briga. Daí,
o contexto quizilento das relações raciais tecidas ao longo dos séculos XVIII, XIX, XX e XXI,
ou seja, no percurso histórico do estado do Ceará. Apresento um esboço desses grupos raciais
refletindo sobre as contradições que compõem a sociedade colonial cearense até os anos de
1884 no século XIX.
21
ÉJÓ OU IJOGBON. In: Dicionário on-line Yorubá/Português. 5. ed. Disponível em: http://umbanda-
candomble.comunidades.net/dicionario-yoruba-portugues. Acesso em: 10 dez. 2019.
22
É uma designação apenas linguística dos integrantes negros-afr
físicas comuns e um modo de vida determinado por atividades afins e algumas línguas são faladas, a exemplo
de: kimbundo, kikongo, bakongo, ovimbundo, entre outras (LOPES, 2014a).
23
QUIZILA. In: Dicionário de Português on-line. Disponível em: https://www.dicio.com.br/quizila/. Acesso em:
10 dez. 2019.
66
ebó24 que é
uma palavra do tronco linguístico Iorubá25. Significa oferta, presente, oferenda, sacrifício às
divindades africanas e afro-brasileiras na busca de proteção, limpeza e/ou cura espiritual e
prosperidade (TESSEROLLI, 2009; LOPES, 2011). Esse ebó geográfico representa, primeiro,
a presença negra enquanto maioria no território cearense; e segundo, o caminho percorrido pela
resistência e luta do movimento negro e quilombola na busca por mudanças e reafirmação de
direitos.
Reconhecer e espacializar a presença negra nas vilas coloniais e nos atuais
municípios cearenses, ainda que de forma aproximada devido as distorções dos dados, é,
portanto, o èbó da ancestralidade negra que demarcou influências ancestrais africanas e afro-
brasileiras na formação socioterritorial cearense do século XIX. Além desse, o ébó negro
regional resulta de análises parciais de dados sobre a população negra nos Sertões de Crateús e
da vila de Tamboril que constituem, de certo modo, a ancestralidade dos povos afro-diaspóricos
presentes nessa porção do território cearense, ou seja, são os ancestrais negros e quilombolas.
Da celebração do centenário da abolição, ressalto o ebó das palavras de Abdias do
Nascimento. E, a resposta à exclusão e opressão, destaco o ebó do conhecimento ofertado pelo
movimento negro no entendimento da identidade negra no Ceará. Esse ebó possui marcas
contra-hegemônicas e constituiu umas das referências na mobilização socioterritorial
quilombola.
Destaco que o ebó do quilombo é comportamental. Advém das vozes quilombolas,
com suas trajetórias de luta, e no reconhecimento de seus direitos pela sociedade. É carregado
de simbolismos, modos de viver e se relacionar com a terra apreendidos pelos seus ancestrais.
O roteiro de entrevista caracterizou-se por ser semiestruturado, e, a partir do diálogo
nas entrevistas, as questões foram sendo complementadas. O roteiro das perguntas, antes de
cada encontro, foi enviado aos quilombolas via e-mail. (Cf. Apêndice B). Além disso,
encaminhei o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Cf. Apêndice A), tanto por e-mail,
antes dos encontros virtuais, como impresso, entregando-o nas visitas presenciais.
Ao longo dos encontros, registrei o áudio das falas por meio de gravador, papel e
caneta, além de registros fotográficos dos encontros virtuais e presenciais. Posteriormente,
24
EBÓ. In: Dicionário Yorubá/Português on-line. 5ª edição. Disponível em: http://umbanda-
candomble.comunidades.net/dicionario-yoruba-portugues. Acesso em: 10 dez. 2019.
25
Conforme Lopes (2011, p. 663), refere-se ao povo negro-africano localizado na África Ocidental, especialmente
da Nigéria e no Benin, com marcas linguísticas relacionadas ao nagô, ewe, fon, ketu entre outras.
67
trabalhei na transcrição das narrativas. Por fim, selecionei dados e falas das narrativas
quilombolas para compor as reflexões da tese.
Conversamos sobre as relações do movimento negro com o movimento quilombola,
da criação da CEQUIRCE, das ações nas comunidades para o enfrentamento do SARS-COV-
2, e dos desafios da luta quilombola. Além disso, busquei opiniões sobre os aspectos positivos
e negativos do mapeamento das comunidades quilombolas do Ceará, realizado em 2019.
Os primeiros encontros ocorreram via telefone e, em seguida, via Internet, por meio
de chamadas realizadas na plataforma do Google Meet, com duração de 60 minutos. O única
entrevista virtual completa foi realizada encontro virtual ocorrido no dia 12 de março de 2021
com Erinete (Neta Quilombola), educadora e gestora da Escola Quilombola. O segundo
encontro virtual ocorreu no dia 12 de abril com o senhor Renato Ferreira dos Santos, liderança
estadual do movimento quilombola. Em ambos, apresentei a minha trajetória, os objetivos e os
instrumentos de pesquisa e indaguei sobre a disponibilidade destes entrevistados em contribuir
com a pesquisa, ainda que de forma virtual.
Devido a disponibilidade de tempo maior no encontro com a Neta, assumi o papel
de ouvinte da sua trajetória e das histórias de Encantados do Bom Jardim, bem como da luta
coletiva e dos principais desafios sociais, educacionais e econômicos indicados pelas suas
percepções. Enquanto que no encontro com o seu Renato, como o nosso tempo foi restrito,
solicitei alguns contatos e documentos relacionados aos territórios.
Os encontros presenciais foram adiados de 2020 para 2021, devido a pandemia, e
somente no período de 22 a 25 de junho de 2021 foi possível realizar a primeira visita ao
município de Tamboril para a continuidade das conversas com as lideranças e moradores mais
antigos. Nestas visitas as entrevistas ocorreram de forma individualizada, com o distanciamento
social, uso de máscaras e de álcool em gel.
Foram encontros com duração média de 60 minutos e alguns moradores mais
antigos se recusaram a nos receber por motivos de saúde, tendo em vista a ocorrência do SARS-
COV-2, nas comunidades quilombolas.
A segunda entrevista com a Neta ocorreu no dia 23 de Junho de 2021 na Escola
Quilombola do território Encantados do Bom Jardim e Lagoa das Pedras e, neste encontro, ela
foi mostrando a escola e conversando sobre a sua rotina de trabalho. Além dela, conversei com
Maria de Fátima dos Santos Ribeiro (conhecida como Tia Fátima), que foi a primeira professora
da comunidade de Encantados do Bom Jardim, e outro morador mais antigo, o senhor José
Firmino (apelidado de José Osmar) pai da neta sobre a trajetória de sua família.
68
Neste mesmo dia cheguei em Lagoa das Pedras e entrevistei Francisco Anacélio
que é produtor rural e membro da CERQUICE. E, ao chegar em Brutos, conversei com Ana da
Silva Moreira (conhecida como Diana), a liderança da comunidade.
Nessa visita aos quilombos, além das entrevistas, coletei dados geocartográficos
dos territórios para os mapeamentos dos territórios. Observei o cotidiano quilombola do
território Encantados do Bom Jardim e Lagoa das Pedras e do território de Brutos, no sentido
de evidenciar o modo de vida do povo quilombola, bem como o uso e a ocupação das terras.
Desse modo, percorri os diversos espaços, tais como: escola, associação de moradores, áreas
agrícolas e de criação de animais, espaços sagrados de convivência e lazer e o campo de futebol.
O segundo encontro presencial ocorreu no período de 13 a 15 de setembro de 2021.
Na ocasião, continuei as conversas com a Neta Quilombola e o Anacélio Rodrigues, no
território Encantados do Bom Jardim e Lagoa das Pedras no dia 14 de Setembro de 2021.
Participei de uma reunião no território quando fui apresentada aos membros presentes,
conforme mostra as Figuras 01 e 02.
A resistência negra é baseada nas trocas culturais e nas alianças sociais feitas
intensamente entre os próprios africanos, oriundos de diversas regiões africanas e com os
habitantes locais: negros e mestiços, aqui nascidos, além de índios e brancos, que formaram os
quilombos/Kilómbòs/mocambos.
No Brasil colonial, o primeiro termo a surgir foi mocambo, para indicar as
comunidades de fugitivos. Essa expressão se difundiu pelo
em Kikondo (línguas de várias partes da África Central), significava pau de fieira, tipo de
10). Os mucambos eram as estruturas para erguer casas e se tornaram os quilombos, ou seja, os
acampamentos situados no Brasil.
Somente no final do século XVII, o termo quilombo apareceu na documentação
colonial do século XVII,
afri
2015, p. 11), designando o surgimento dos territórios de resistência à escravização brasileira.
Para Munanga (1996, p. 58), ginária
dos povos de língua Bantu (kí-lómbò, aportuguesado: qui-
significado no Brasil relacionam-se a alguns povos bantus trazidos e escravizados, os quais
compõem, para Riedel (1988, p. 35), os seguintes grupos étnicos predominantes em Angola:
ter sido utilizado pelos cativos como língua geral, seja por outro motivo, é fora de dúvida ter o
40). O recurso linguístico materializa as influências dos africanismos na língua escrita oficial
do país e no significado dessas palavras, em Língua Portuguesa. Importa ressaltar que mocambo
26
Essa palavra significa dia (através, por meio de) e speirõ (dispersão, disseminar ou dispersar) (CASHMORE
2000, p. 169).
72
[...]
27
MOCAMBO OU QUILOMBO. In: Dicionário de Português on-line. Disponível em:
https://www.dicio.com.br/quilombo/. Acesso em: 03 mar. 2020.
73
Tais aspectos têm relação, segundo Moura (1991), com a ameaça que a
quilombagem despertava no poder hegemômico. O receio de constantes atos de rebeldia e
insubmissão que trincam as estruturas sociais desiguais e ocasionam inúmeras opressões ao
povo negro e quilombola. O movimento de rebeldia e resistência, portanto, é partícipe do
processo histórico em que os ancestrais viveram, lutaram e formaram as territorialidades
quilombolas. São diversos olhares que concebem o quilombo ou mocambo.
Ao longo dos 3 (três) séculos e meio de escravização, foram os quilombos que
configuraram como sendo as únicas sociedades da democracia racial em que a raça nada influi
na atribuição dos papéis sociais no Brasil (SANTOS, 2015b). Ao mesmo tempo, esse autor
difunde a concepção de que o ajuste conceitual no conceito de quilombo nos estudos recentes
dá conta de constituir-se
Lopes (2011, p. 19) afirma que as afinidades entre o Brasil e a África Negra advêm
essas duas grandes porções da superfície terrestre que, um dia, há milhões e milhões de anos, a
natureza caprichosamente separou , pela ocorrência da separação dos continentes americano e
africano. Nesse sentido, ao comparar as características dos quilombos africano e brasileiro
compreendo que:
sobre o território quilombola resguarda, portanto, identidades, culturas e as lutas dos povos.
-tempo
s FARIAS, 2015, p. 136). Além disso, um campo
, 2013, p. 20) que se imbricam nas
relações raciais e refletem a Geografia das territorialidades quilombolas cearenses. As
interfaces entre as territorialidades quilombolas e a questão agrária cearense
toda sua força histórica na questão do território e, portanto, no âmbito dos poderes do Estado
nacional (MARTINS, 1999, p. 27). Esse fato nega o direito à terra ao povo negro e quilombola
desde a abolição camufladora das desigualdades.
A territorialidade significa, sobretudo:
[...] a terra, base geográfica, posta como condição de fixação, mas não como condição
exclusiva para a existência do grupo. A terra é o que propicia condições de
permanência, de continuidade das referências simbólicas importantes à consolidação
do imaginário coletivo. (LEITE, 2000, p. 344).
Quadro 4 Teses e dissertações que retratam o aquilombamento geográfico (2013 a 2020) parte I
Anos 2017 2015 2013 2013
Autoras VIEIRA, Daniele SOUZA, Denise Martins de. CHAVES, Leilane Oliveira COSTA, Marcella Escobar da.
Machado.
Título Territórios Negros em Da luta pela terra à territorialização Terra quilombola de Nazaré: Um negro olhar sobre o
Porto Alegre (1800-1970): quilombola: o caso da comunidade organização social e espacial, desenvolvimento: análise de uma
Geografia histórica da Porto Velho, Iporanga/SP. município de Itapipoca-Ceará. comunidade quilombola.
presença negra no espaço
urbano.
Objetivo Elaborar uma cartografia Refletir a perspectiva geográfica de Identificar formas de Discutir a perspectiva de
dos espaços ocupados pela como estes sujeitos sociais constroem organização social e espacial do desenvolvimento vivenciada por
população negra na cidade suas relações no território quilombola, quilombo de Nazaré em essa comunidade, ressaltando os
de Porto Alegre. sua organização comunitária e Itapipoca traços identitários.
sociabilidade, e as transformações no
âmbito material e imaterial.
Palavras- Territórios negros. Campesinato. Conflito. Luta pela terra. Quilombos. Organização social e Quilombolas. Mediações político-
chave Geografia histórica. Quilombo. Resistência. espacial. Itapajé. culturais. Desenvolvimento.
Cartografia. Territorialização.
Transformações urbanas.
Sub-área Geografia urbana e Geografia Humana e Agrária Geografia da população e Geografia política e cultural
geográfica cartográfica cartográfica
Fonte: Elaborado pela autora.
78
Quadro 5 Teses e dissertações que retratam o aquilombamento geográfico (2013 a 2020) parte II
Anos 2020 2019 2018 2017
Autoras CARVALHO, PEREIRA, Camila da Silva. NOGUEIRA, Azânia MALCHER, Maria Albenize Farias.
Natália Lídia Garcia de. Mahin Romão
Título Negros do sertão no chão da terra da Identidades (Re) descobertas e a luta Territórios negros em O olhar geográfico: a formação e a
luz: a territorialidade quilombola de quilombola por direitos territoriais no Florianópolis. territorialização de comunidades
encantados do Bom Jardim e Lagoa estado do Rio Grande do Norte, quilombolas no município de São Miguel
das Pedras, Tamboril/CE. Brasil. do Guamá, Pará.
Objetivo Investigar as territorialidades das Analisar o processo de (re)descoberta Investigar os territórios Estudar a territorialidade quilombola de
Comunidades Quilombolas e reconhecimento oficial das negros a partir de sua quatro comunidades da Amazônia
Encantados do Bom Jardim e Lagoa identidades quilombolas e a luta por construção conceitual e paraense.
das Pedras a partir do processo de direitos territoriais no estado do Rio espacial.
autorreconhecimento dos sujeitos com Grande do Norte.
sua identidade quilombola.
Palavras- Quilombolas. Geografia Agrária. Território. Territorialidades. Geografia. Territórios Território Quilombola. Regularização
chave Território. Identidade étnica. Luta quilombola. negros. Segregação Fundiária.
Direitos territoriais. racial. Geografia
decolonial.
Sub-área Geografia Agrária Geografia Agrária Geografia epistemológica Geografia Agrária
geográfica
Fonte: Elaborado pela autora.
79
Quadro 6 Tese, Dissertações e/ou livros de aquilombamento cearense nas diversas áreas do conhecimento (2011 a 2018) parte I
Anos 2018 2018 2018 2014
Autor SILVA, Samia Paula dos Santos. SILVA, Cristiane Sousa da. SANTOS, Ana Paula dos. SILVA, Carlos Alberto
es/as SANTOS, Marlene Pereira dos. Alencar, MILITÃO, João
CUNHA JÚNIOR, Henrique. BIÉ, Wanderley Roberto.
Estanislau Ferreira. SILVA, Maria
Saraiva da. (Orgs.)
Título Afro Ceará Quilombola. Do Quilombo Sítio Veiga à Educação Escolar Quilombola no Histórias de luz: 100 anos
universidade: uma experiência Cariri Cearense: africanização da sem Dragão do mar -130 da
extensionista antirracista no Sertão escola a partir de pedagogias de Abolição no Ceará.
Central Cearense quilombo.
Objetivo Aprofundar o olhar sobre as Analisar ações extensionistas do Investigar fatores do repertório Dirigir outros olhares e
comunidades núcleo Multidisciplinar em cultural afrocarcarense que são lançar outras luzes sobre as
de quilombos do Ceará e da Ensinamento Quilombola importantes para o currículo histórias do Chico da
história e cultura dos (NUMEQ), e sua contribuição para escolar quilombola na comunidade Matilde, o Dragão do mar,
descendentes de africanos em uma educação antirracista no Ensino em questão, tendo como por conta de seus 100 anos de
dispersão. Superior privado em Quixadá- referências, a Lei 10.639/03. falecimento e os 130 anos da
Ceará. libertação dos escravizados
no Ceará.
Palavras- Quilombola. História. Afroceará. Educação antirracista. Extensão Cariri cearense. Quilombo História do Ceará. Abolição.
chave Brasil. universitária. Experiência Carcará. Pedagogia do quilombo. Ceará. Dragão do Mar.
antirracista.
Quadro 7 Tese, Dissertações e/ou livros de aquilombamento cearense nas diversas áreas do conhecimento (2011 a 2018) parte II
Anos 2011 2011 2012 2016 2016
Autores/as SOBRINHO, José Hilário JÚNIOR, Henrique NASCIMENTO, SILVA, Cláudia
Ferreira. Cunha, SILVA, Joselina Joelma Gentil. Oliveira da.
da, NUNES, Cícera
(Org.).
Título Catirina, minha nêga, tão Artefatos da Cultura Memórias organizativas do Construindo o
querendo te vendê: Negra no Ceará. (Livro) movimento negro cearense: pertencimento
escravidão, tráfico e algumas perspectivas e afroquilombola através
negócios no Ceará no século olhares das mulheres das contribuições da
XIX (1850-1881). militantes na década de pretagogia no quilombo
oitenta. da Serra do Juá-
Caucaia/CE
Objetivo Destacar os registros da Reunir uma coletânea de Contribuir com a discussão Ampliar o significado
presença negra no Ceará do textos e pesquisadores acerca de alguns aspectos do pertencimento
século XIX. que levantam um organizativos do afroquilombola na
conjunto de movimento negro no Serra do juá em
conhecimentos das Ceará, na década de Caucaia- Ceará.
africanidades e oitenta, do século XX.
afrodescendências
cearenses.
Palavras- Tráfico interprovincial. Cultura negra. Educação. Movimento negro Pertencimento.
chave Condições sociais. Lei 10.639/2003 cearense. Mulheres Afroquilombola.
Ceará. militantes. Mulheres Pretagogia.
negras. Movimento social
negro.
Áreas História do Ceará História e Educação Educação Educação
Fonte: Elaborado pela autora.
82
Padê de Exu28-libertador
28
Exu, além de ser um orixá da tradição iorubana, é a síntese do princípio dinâmico que rege o universo, possibilita
a existência, sendo, também, a mais polêmica entre as forças invisíveis que regem as concepções filosóficas
jejes-iorubanas na África e na Diáspora (LOPES, 2011).
29
Compilei um trecho do poema Padê de Exu Libertador, de Abdias do Nascimento e Solano Trindade, escrito e
publicado em 1981. Disponível em: https://ipeafro.org.br/acervo-digital/audio/poesia/. E outro trecho do
poema exibido no filme Exu Rei Abdias do Nascimento. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=tIIqqtve-cI. Acesso em: 01 out. 2019.
30
É uma saudação a Exu. Do ioruba Làróyé. É um dos nomes de Exu (LOPES, 2011). A saudação: Láròyé
significa ele é controverso! àróyé significa debate, controvérsia, discussão (ALEXANDRE, 2021).
85
Exu intervém nos opostos ilusórios para a evolução dos filhos na Terra, como por
Ess
transformação, das imprevisibilidades, trocas, linguagens, comunicações e toda forma de ato
ODRIGUES JÚNIOR, 2016, p. 02). Situo-me na percepção dos autores quando
afirmam que Exu se manifesta como princípio epistêmico, dialógico, do conflito, do saber, do
ser, do sentir, do pensar. Já a encruzilhada é o lugar em que ocorrem os deslocamentos físicos,
cognitivos, as práticas científicas e pedagógicas.
Percebo, em levantamentos oficiais, por exemplo, o èjó da hierarquização racial em
relação à escravização africana no Ceará e o èjó do apagamento da formação dos quilombos
consideradas, entre outras, reações de inconformismo e resistência.
No entanto, é preciso entender que escravos ou libertos, de origens étnicas diversas,
os povos africanos têm uma historicidade que, segundo Funes (2002, p. 103):
[...] não pode ser percebida de forma dicotomizada e muito menos analisada entre o
conformismo e a resistência. Há toda uma experiência social construída
historicamente pela etnia (pretos, pardos e mulatos), marcas visíveis de sua
sociabilidade, de seu engajamento no mundo do trabalho, de suas práticas culturas e
lutas contra a discriminação e o preconceito.
como símbolos da verdadeira festa que representa a liberdade, a partir de notícias na Imprensa
e da pesquisa de Marques (2009a).
Ressignifico o ebó dos caminhos, o ebó de comportamento, o ebó de proteção e da
limpeza, na busca de afastar o carrêgo do colonialismo e da opressão, e de seguir os caminhos
abertos pela organização social e política do movimento socioterritorial quilombola na busca
de exigir políticas públicas reparadas das desigualdades raciais.
Para Munanga (2020, p. 13), o movimento
ideologias capazes de atingir as bases populares e convencê-las de que em adesão as novas
Trata, aqui, do primeiro momento da diáspora africana, com a chegada dos povos
nas principais províncias brasileiras recebedoras de milhões de escravizados. No segundo
momento, discuto as origens e as heranças dessa dispersão no território cearense. Para tanto,
considero os pontos de embarque, na África, e de desembarque, no Brasil, dos povos que
chegaram nas rotas do tráfico. Ademais, ressalto alguns aspectos influenciadores na produção
e na reprodução das culturas africanas no Ceará.
Percebo que os 3 (três) enfoques da diáspora estão presentes na formação do povo
brasileiro e cearense. Na vivência afro-diaspórica, nas práticas culturais e nos modos de ser e
estar no mundo, quando são re-construídos, re-inventados, re-significados e re-conectados pelos
povos africanos diante dessa migração forçada.
Desse modo, é desafiador e instigante costurar essa narrativa negra e quilombola
que, muitas vezes, sofreu ameaças e apagamentos da sua memória e de sua trajetória diante de
um sistema capitalista em expansão. E, a busca pelo lucro de seus algozes, obrigava estes a,
muitas vezes, negar suas origens afro-diaspóricas.
Os registros históricos são marcados por estereótipos e lacunas quanto às origens
dos africanos e afrodescendentes que viveram nas vilas coloniais cearenses, salvo os estudos
baseados em fontes orais e nas trajetórias de vida dos ancestrais negros. Nesse sentido, persigo
evidências históricas que indiquem a presença, as origens e os caminhos percorridos pelos
povos africanos e pelos seus descendentes no Ceará.
89
Fonte: Adaptado por Rosilene Aires a partir de Anjos (2011b, p. 264; 2013, p. 144) e Alpers (2018).
91
No século XIX, segundo Anjos (2011b), a rota do povo Bantu tem origem na Costa
Angolana e na Costa de Moçambique e não destacou os destinos brasileiros desse período
devido à proibição do tráfico e os consequentes apagamentos de registros dos quantitativos
africanos escravizados.
O último quadro do Mapa 2 constitui as rotas no século XIX vindas, principalmente,
de Moçambique, da Costa da Mina e da Costa de Angola. Conforme Alpers (2018), os africanos
embarcados na foz do
tempo, os navios negreiros procedentes do Congo e de Angola tinham que pagar impostos na
a, p. 27). Esses aspectos
93
explicam possíveis erros históricos e científicos ao retratarem a origem africana dos diversos
povos correlacionando-os somente aos pontos de embarque quando, na verdade, foram
capturados de diversos países.
Nesse primeiro momento, a região da Amazônia traficou 142 mil escravizados.
Desse total, o Maranhão e o Pará receberam cerca de 97 mil escravizados vindos,
possivelmente, da Costa Ocidental Africana da chamada Senegâmbia composta pelo Senegal,
Gâmbia, Guiné-Bissau e Guiné-Conacri (GOMES, 2019).
Neste período, as etnias africanas escravizadas nas fazendas e engenhos brasileiros
eram diversas. Essas reagiam a condição imposta, enfrentando determinados estereótipos e
perseguições. Em fins do século XVI, autoridades consideravam um dos principais inimigos da
, em geral, os africanos escravizados),
fugitivos que viviam em algumas serras e faziam assaltos às fazendas e engenhos (GOMES,
2015). Certamente, essas foram as primeiras resistências afro-diaspóricas no território
brasileiro.
Um dos registros dessa resistência africana ocorreu no século XVII, na conhecida
República de Palmares, localizada no atual Estado de Alagoas. Ocorria o aquilombamento do
povo Bantu dos atuais territórios nacionais de Angola e Zaire, os quais enfrentaram uma forte
repressão e inúmeras violências de autoria, principalmente das autoridades imperiais
pernambucanas, entre outras (FUNARI, 1996; PRICE, 1996).
O ciclo da Costa da Mina, isto é, do Benin, ocorreu a partir do século XVIII e
constituiu uma das últimas rotas do tráfico de escravos para o Brasil, no qual os iorubas e malês
chegaram às províncias brasileiras (LOPES, 2014a; RIBEIRO, 2014). Esses povos foram
transportados na condição de escravizados, sendo os malês das peules (fulas, fulbés ou fulanis)
e os tucolores que se localizam basicamente no território senegalês. Além dos hauças,
mestiçados com os fulas, da Nigéria; os mandingas da Guiné-Bissau e de Gana; os fulas do
Senegal, do norte da República dos Camarões, incluindo o norte da Nigéria e países vizinhos,
e , que podem ser negros mandingas, nagôs, fulas, tucolores, hauças, etnias que mais
deram negros islamizados ao Brasil. (LOPES, 2014a, p. 53 grifo do original).
Dos africanos ocidentais, Parés (2018) indica que vieram, principalmente, do
Benin, dos povos do seu entorno além da Nigéria. Foram chamados de escravos da nação
-se pela Bahia (75,6%), em menor número, em Pernambuco (11,4%), no
Maranhão (8,2%), e no Sudeste (4,2%).
94
O escravo mina era definido como aquele vindo da África Ocidental, ou seja, da
chamada Costa da Mina, sobretudo, do Golfo do Benim. Tratava-se de um nome genérico para
designar os nagôs (iorubas), jejes (aja-fon, daomeanos), haussás (aussá, ussá). Eram africanos
de Cabo Verde, Gabão, São Tomé, Calabar, entre outros. (REIS, 2010; SCHWARTZ, 1996).
O povo Iorubá encontrado, principalmente, no Benim e na Nigéria, foram
transferidos para o Brasil e ficaram conhecidos, também,
ijexá, eubá ou egbá, ketu, Ibadan, yebu ou ijebu e grupos menores). Essas etnias africanas
aportaram no Brasil e grande parte era islamizada. Foram escravizados e resistiram às opressões
desse sistema, ao longo do século XIX, em terras baianas.
É comum agrupar as revoltas dos malês em dois ciclos: no primeiro, as que
ocorreram entre 1807 e 1814; e no segundo, as revoltas ocorridas entre 1822 e 1835. Esses
levantes promoveram o êxodo de escravos e libertos para a Corte do Rio de Janeiro, como
tentativa de desarticulação e sufocamento da revolta africana malê. (SANTOS, 2015b;
RIBEIRO 2013; LOPES, 2011; REIS, 2010).
A rebelião de 1807 ainda que revelasse uma organização cuidadosa só provocou
pânico entre a elite dos senhores e autoridades e sofreu uma forte repressão. (SANTOS, 2015b).
A rebelião de 1814 foi a do povo haussá que atacou fazendas e engenhos. Esses se constituíam
apenas por 6% dos escravizados na Bahia, além dos libertos que viviam na cidade de Salvador
e em seus arredores. Posteriormente, os africanos das diversas origens e já aquilombados
recrutavam pessoas nos cantos que eram realizados por grupos de trabalho em vários pontos da
cidade de Salvador:
Benguela etc), entre outros. Nos c
1996, p. 383).
A revolta de 1830 eclode em um ataque viole 18
rebeldes e termina com mais de uma centena; os cabeças, nagôs muçulmanos, se vestem de
camisas azuis e vermelhas; [...] Seguiu- b, p. 111).
Ao passo que muito povos africanos foram traficados para Salvador, as revoltas foram
significativas para resistir as opressões da escravização, tornando-se inspiração para as demais
Províncias.
Nesse contexto, a cidade de Salvador pode ser considerada a segunda mais
populosa, em 1830, sendo a primeira o Rio de Janeiro, principal ponto de desembarque do
tráfico. Assim,
de Oyó e circunvizinhança, aqui incluindo Ilorin 2010, p. 36). Salvador foi o segundo
95
porto negreiro brasileiro, recebendo cerca de 1,6 milhão de escravizados que, aos poucos,
migraram para as outras Províncias, dentre elas a Província do Ceará.
A grande insurreição de 1835 ocorre nesse cenário. Os nagôs se vestiam de branco,
tinham capitães e decidiram que os inimigos eram todos os brancos, pardos e crioulos. A
articulação foi realizada fora da cidade, com escravizados do Recôncavo Baiano e ainda com
281, sendo 5 condenados à
, p.112).
Mais da metade desses povos africanos veio da chamada Costa dos Escravos, entre
o Benim e a Nigéria (GOMES 2019). A diversidade étnica e a mestiçagem entre as etnias estão
presentes nos minas e nos iorubás, em diáspora, refletidas nas re-existências de suas culturas e
tradições em diversos lugares do Brasil e no culto às divindades africanas, por exemplo.
Reexistir significa, reviver e adaptar as práticas dos ancestrais africanos ao contexto brasileiro
e cearense.
De acordo com Rodrigues Júnior (2016, p. 08
populacional forçada da história foi, também, o cruzar de infinitas sabedorias e experiências
Essas rotas transatlânticas e os registros das lutas quilombolas são algumas pistas
das origens africanas dos escravizados no Brasil, que se concentraram no Nordeste para se
dispersar no Sudeste e no Norte brasileiro.
Nessa perspectiva regional, Recife, estado de Pernambuco, constituiu o terceiro
porto negreiro brasileiro com um fluxo de 854 mil pessoas. Quase 90% destes desembarcados
saíram de Angola e Congo, dispersando-se nessa rota migratória para o Ceará (GOMES, 2019).
Em relação à diáspora africana na porção do Norte brasileiro nesse ciclo, destaco o
tráfico de 12 mil escravos da Companhia do Comércio do Grão-Pará e Maranhão (1755-1777).
Ocorre que se iniciou um tráfico humano intenso que culminou com a importação de outros 40
mil africanos escravizados durante as primeiras décadas do século XIX, evidenciando uma
terceira via migratória de escravizados africanos que podem ter chegado ao Ceará provenientes
de Guiné e Angola (ASSUNÇÃO, 1996; GOMES, 2015).
A relação direta entre os portos africanos e o norte brasileiro ressalta que aos poucos
a presença africana ocorreu no cotidiano da sociedade amazônica. Como maioria dos
escravizados africanos identificados predominav
Beijogo, Guiné, Benguela, aparecendo em menor número os de Mina e Moçambique, entre
outros. (FUNES, 1996, p. 470).
96
Estes são alguns dos caminhos da ocupação do território que seguiu cursos dos rios
do sertão para o litoral, formando as 16 (dezesseis) vilas coloniais iniciais em diferentes partes
da Província, com o estabelecimento de pequenos núcleos urbanos, a implantação de fazendas
voltadas à pecuária e os engenhos de açúcar. Embora não seja dito pela história, as frentes
sertanejas de dentro e de fora, recebiam quantitativos populacionais negros do tráfico
31
, na perspectiva dos ciclos de escravização, , na perspectiva histórica
(ASSUNÇÂO, 1996).
97
interprovincial que dinamizaram os ciclos econômicos com a inserção dessa força de trabalho
escravizada no Ceará.
De acordo com Prado Júnior ((2011, p.45) o povoamento do Ceará é configurado
da seguinte forma:
32
Grifo do autor.
98
para outra, seja pela compra ou por outras razões, não deve ser entendido como exclusivo do
pela permanência na terra e por igualdade racial. O Quadro 8, a seguir salienta a presença
africana ao longo dos ciclos de escravização no Ceará, inclusive, em estudos sobre a formação
dos territórios quilombolas contemporâneos:
33
As escolhas dos registros intencionam fazer uma cronologia que identifique e localize os antepassados africanos
e afro-brasileiros escravizados no território cearense, bem como aqueles e aquelas que deram origem aos
troncos familiares que constituem os povos quilombolas do século XXI no Ceará.
100
aqueles escravizados que vinham de Pernambuco como pagamento a Pero Coelho por levantar
no território o forte São Tiago, consolidando, assim, o domínio lusitano. O segundo registro
data de 1649 de escravizados vindos de Pernambuco e do Maranhão que pertenciam ao invasor
Mathias Beck, reafirmando o domínio holandês no território à época.
Uma pista da relação do Ceará com a Bahia, no contexto da escravização e da
disseminação africana, é observada no terceiro registro localizado na comunidade negra rural
de Bastiões, no município de Iracema, na porção Sudeste do Ceará que compõe a microrregião
de Pereiro, sendo contígua à serra de mesmo nome. No mito de origem do quilombo de
Bastiões, conforme Bezerra (2012), é contada a saga de 2 (duas) mulheres negras que fugiram
da Bahia e compraram terras na região nos anos de 1700.
Nesse período, os baianos despontavam no comércio de escravizados da região da
Costa da Mina e da Costa dos Escravos, o que indica os possíveis portos de embarque dessas
ancestrais para a Bahia e, posteriormente, para o Ceará. Há discordâncias quanto ao nome
daquelas que originaram, no princípio do século XVIII, essa comunidade negra, assim
denominada pela autora.
No entanto, considero ser esse um dos registros da presença africana na formação
dos quilombos cearenses mais antigos. A pesquisa de Bezerra (2012) baseou-se em fontes orais
e documentais do quilombo de Bastiões.
Na virada do século em 1742, ocorre o quarto registro da presença africana, segundo
o estudo de Oliveira (1979), que apontou a chegada de um carregamento de escravizados vindos
diretamente da Costa da Guiné via marítima. Segundo ess
OLIVEIRA, 1979, p. 331).
Quanto ao destino desse grupo de africanos, não foram encontrados registros.
O quinto registro dos povos africanos no Ceará apontou a sua chegada pela região
Sul do Estado, em 1756 com destino a exploração de ouro pela Companhia das Minas de São
José dos Cariris (OLIVEIRA, 1988). De acordo com esse autor, chegaram 69 africanos,
provavelmente, de origem angolana. No entanto, Oliveira (1979) registra esse grupo de
escravizados diferenciando-os quanto a sua origem e o seu valor de mercado, quando diz que
m a maioria
OLIVEIRA, 1979, p. 332).
O sexto registro, conforme Chaves (2013), salienta a presença de um grupo de
escravizados trazidos para trabalhar nas terras de brancos no povoado de Arapari (conhecido
101
hoje como Itapipoca). O território quilombola foi fundado no século XVIII, por lideranças que
fugiram desse contexto e ocuparam as terras até se tornarem trabalhadores livres ou
assalariados. Não são mencionados nomes das lideranças, tampouco, suas origens africanas. De
igual modo, não há registro das datas exatas de formação do território.
Por outro lado, o sétimo registro refere-se a um exemplo da porção Norte do Estado:
trata-se do homem livre, Caetano José da Costa, que escolheu o seu nome, possivelmente, em
homenagem à Costa da Guiné, e a origem de seus ancestrais. A identificação dessa origem
poderá indicar que os seus ancestrais africanos chegaram ao Brasil nos primeiros ciclos do
tráfico transatlântico. Resta saber se os ancestrais africanos de Caetano têm essa origem étnico-
geográfica ou se apenas embarcaram na Guiné rumo ao Brasil, sendo de outra etnia ou território.
De todo modo, Caetano contribuiu para a formação do quilombo de Conceição dos
Caetanos, o que indica uma das possíveis origens africanas das famílias que residem nessa área,
nas proximidades dos atuais municípios de Uruburetama e Tururu, desde 1881. O território
quilombola de Conceição dos Caetanos é um dos mais antigos do Ceará. Sua existência ressoou
como um suspiro de liberdade diante da opressão escravista. Essas terras ficaram isoladas por
50 (cinquenta) anos, como forma de sobrevivência (RIEDEL, 1988).
No oitavo registro da presença africana, ressalto a influência maranhense. De
acordo com Ribeiro (2019), as ancestrais do quilombo Três Irmãos, Nega Ana e Luzia Maria
da Conceição, foram escravizadas e vendidas no Maranhão com destino à Fazenda Angicos,
localizada no município de Croatá, na porção sudoeste do Ceará.
As mulheres fugiram da fazenda e fundaram o território atual do quilombo ao longo
do século XIX (RIBEIRO, 2019; AIRES; SILVA, 2019). Embora não se tenha registro de
quando formaram o quilombo nem das suas origens africanas, o caminho percorrido por essas
mulheres, desde o embarque até sua chegada no Ceará, configurou-se, possivelmente, em
função da corrente migratória maranhense que contribuiu, também, para a dispersão africana
no Ceará.
O último registro refere-se à presença africana de origem, tanto baiana, quanto
piauiense nos sertões, para trabalhar nas fazendas da vila colonial de Santo Anastácio de
Tamboril (atual município de Tamboril). De acordo com Brasil (1872), a população negra livre
ou escravizada daquela vila chegava a 7.846 habitantes. Conforme Marques (2009b) e Carvalho
(2020), esses povos livres ou escravizados trabalharam nas terras, resistiram às opressões e à
exploração econômica. Com a abolição, as famílias ocuparam as terras, compraram outras
partes e formaram os territórios quilombolas no entorno das antigas fazendas conhecidos como:
102
Encantados do Bom Jardim e Lagoa das Pedras, além do território de Brutos. Quanto às origens
africanas dos seus antepassados, as famílias quilombolas desconhecem e/ou não mencionaram.
A continuidade dos estudos e análises dos territórios quilombolas cearense
associadas às memórias e às narrativas quilombolas possibilita revelar outras pistas sobre as
suas origens africanas, tendo em vista que a diáspora negra é:
africanos e afro-brasileiros nesse território. A esse respeito, Pontes (2010) destaca as duas fases
de fundação das vilas cearenses:
Quadro 9 Toponímias ancestrais, europeias e cristãs presentes nas vilas do século XIX
Origens dos topônimos Topônimos de algumas vilas
Aquelas nomeadas a partir da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção e Santa Cruz de Aracati.
relação com os santos portugueses.
Aquelas nomeadas a partir de Viçosa Real da América, Nova D´el Rey, Real e Monte-Mor o
topônimos portugueses. Novo da América, Real de Sobral, Granja, Real do Crato e Nossa
Senhora da Conceição de Mecejana da América, Nova de Campo
Maior e Nova Soure ou Nossa Senhora dos Prazeres de Soure.
Aquelas nomeadas a partir da Aquiraz, Arraial da Ribeira dos Icós ou Arraial Novo, Mombaça,
relação com a cultura indígena e Mulungu, Mucambo, Mucambinho e Tamboril-Mirim.
africana.
Aquelas nomeadas para homenagear São João do Príncipe e São Bernardo de Russas.
figuras ilustres.
Fonte: Elaborado pela autora, com base em Batista (2011); Brasil (1972); Cunha Júnior (2011) e Marques (2009b).
[...] células básicas originais, com múltiplas funções dentro da economia pecuária,
como: produtoras, comerciais, administrativas, industriais e de serviços. Algumas
com mais de uma função adotada em períodos diferentes, e com movimentos de
crescimento e de estagnação na história do Ceará e do Brasil. (PONTES, 2010, p. 28).
Tauá, Sobral e Icó foram as demais vilas de maior atração populacional. Suas funções
administrativas e suas bases terciárias de comércio e serviços formaram as principais
razões para manter a população ali residente, embora não se comparassem a Vila de
Crato. (PONTES, 2010, p. 32).
Pelo menos, três estradas; não apenas à da própria Província, como também às que lhe
faziam fronteira, como Paraíba, Pernambuco e Piauí. Eram elas: a estrada do rio
Salgado, a Crato-Oeiras e a estrada do Rio São Francisco, feita passando por Exu, no
Pernambuco. (IRFFI, 2017, p. 81).
estrada Crato-Oeiras ficava a Oeste e tinha como destino final o Piauí, passando pelas vilas de
Saboeiro, Telha (Iguatu) entre outras.
A terceira estrada do Rio São Francisco realizava uma comunicação com vilas
pernambucanas e paraibanas, passando pelas vilas de Barbalha, Missão Velha, Milagres e
Lavras da Mangabeira. Esses caminhos construídos atendiam interesses mercantis e disputas
econômicas entre as Províncias.
Nesse Brasil Colônia, o C
centros de irradiação colonizadora, [...] desde São Paulo, passando pela Bahia e Pernambuco e
indo até o Maranhão, que nele se estabeleceram com fazendas de gado e engenhos de rap
(BARROSO, 2019, p. 33).
Enquanto em Pernambuco produzia-se o açúcar, no Ceará, em pequenas e médias
propriedades, produzia-se e ainda se produz aguardente e rapadura, sendo ess
razões da colonização com mão de obra escravizada que singulariza o estado do Ceará e torna
diferente a cultura da cana-de-açúcar e da formação dos engenhos, quando comparados aos da
, 2011, p. 102).
Na diâmica político-administrativa cearense ocorreu uma fragmentação territorial
em função de interesses políticos e econômicos, ampliando-se de 16 vilas para os atuais 184
municípios cearenses. Enxergar os quatro cenários populacionais referentes aos anos de 1804,
1808, 1813 e 1872 possibilita entender a importância do povo negro para a formação
socioterritorial cearense.
Contudo, identifiquei e espacializei a população negra na Província, mesmo com a
parcialidade estatística e algumas limitações encontradas nos levantamentos. Desse modo,
corroboro com Lopes (2011), no sentido de que ocorreram quizilas que confundem e distorcem
as origens e reproduzem branqueamentos com uma classificação racial que minimizou as
participações do indígena e do negro na composição da população brasileira. A identificação
racial brasileira é, portanto, permeada por conflitos e contradições diante da mestiçagem, do
embranquecimento do povo inseri , da
ausência de letramento racial, ou seja, da consciência racial dos povos, do racismo institucional
nos levantamentos, o que nos distanciou ao longo dos séculos do nosso pertencimento Afro e
Negro.
Nos levantamentos populacionais, aos diversos povos foram atribuídas identidades
criadas
originalmente na sociedade escravocrata brasileira, em que negro tinha um lugar e esse lugar
108
era a escravidão; os índios, por sua vez, não tinham lugar, foram dizimados e apagados
(GUIMARÃES, 2008), com o objetivo de reforçar a discriminação racial e fortalecer os ideais
de branqueamento da população.
Os grupos populacionais representativos da população cearense do século XIX
ocupavam um lugar social na sociedade que remetia a sua classe social atravessada pela raça
como variável indicadora da posição ocupada. No tocante às identidades raciais preta e parda,
como representantes do povo negro, apresento algumas justificativas, a saber:
i) no fato das condições sociais de ambos os grupos serem na maioria das vezes
semelhantes entre si; ii) pelo fato de que, quando dos estudos das desigualdades
raciais, ser necessário levar em conta não apenas os efeitos das formas de auto-
classificação de cada indivíduo, mas, também das possíveis formas de inserção de
cada um no interior da sociedade circundante; iii) mais uma vez insistimos que essa
questão não deve ser entendida desde sua fundamentação biológica, mas, sim, social.
Isto é, independentemente das efetivas origens de uma pessoa de cor ou raça
autodeclarada parda, o fato é que seus correspondentes indicadores sociais
apresentados sugerem que as mesmas estão imersas no interior de uma sociedade que
não valoriza suas marcas raciais, conquanto atenuadas em termos de seus traços
africanos típicos; e iv) na realidade de que, ainda que no plano subjetivo as pessoas
pardas, ou mesmo pretas, não se identifiquem enquanto negras, no plano político, o
uso da terminologia negra se justifica no interior da busca de construção de uma
identidade social comum. v) muitas vezes a necessidade de agregação de pretos e
pardos em um grupo comum decorre da baixa densidade amostral daquele primeiro
grupo exigindo essa agregação por finalidades estatísticas. (PAIXÃO; CARVANO,
2008, p. 50-51).
soment
os totais de pretos, pardos e mulatos simboliza o quantitativo de população negra na Província
cearense.
É preciso dizer que existem fronteiras raciais impostas ao longo dos séculos, em
que a , evidenciada nos levantamentos brasileiros, possui um
caráter ambíguo e distorcido:
Quanto à cor parda, o problema é que esse termo acaba agregando em sua rubrica
pessoas de origens distintas (africanas, indígenas, caboclos, certos tipos de árabes etc).
Dentro da mesma lógica, existem ressalvas quanto à junção de pretos e pardos em
uma única categoria denominada de negra. Refletindo sobre esta segunda objeção, de
fato, somos obrigados a constatar que na ausência de um campo, no questionário das
pesquisas demográficas, que remeta às origens étnicorraciais dos indivíduos, tal
lacuna não terá como ser enfrentada. (PAIXÃO; CARVANO, 2008, p. 49).
109
Campo Maior (Quixeramobim) (4.256); São Bernardo (Russas) (3.712); Aquiraz (2.847);
Aracati (2.592) e Granja (2.455). Nesse primeiro cenário, a maioria da população é negra nas
vilas cearenses de 1804.
Considero que os dados são limitados e incompletos e criam apagamentos, tendo
em vista não abrangerem todas as vilas cearenses e silenciarem completamente os povos
indígenas. Além disso, as origens étnicas africanas dos pretos e dos pardos livres e escravizados
não foram identificadas. Os apagamentos são tentativas de silenciar a diversidade de povos
originários e africanos presentes no território cearense.
De igual modo, é notória a tentativa de camuflar o tráfico interprovincial com a
sonegação de impostos sobre a exportação de escravizados. Registrar o escravizado implicava
em pagar
compra ou troca de cativos. [...] (SOBRINHO, 2011, p. 40). E no pagamento do passaporte de
O Gráfico 2 e a Figura 4 apontam que nas vilas de Sobral (10.506) e Icó (10.460)
encontram-se os maiores quantitativos populacionais, seguidas pelas vilas do Crato (7.863),
Fortaleza (5.724) e Aquiraz (5.201). Fortaleza que não tinha sido recenseada em 1804,
apresentou totais de população preta e mulata maiores do que em São João do Príncipe (Tauá)
(3.908), uma das antigas vilas dos sertões do Ceará.
Esses resultados indicam a importância crescente das vilas litorâneas no território
cearense, influenciando, assim, possíveis deslocamentos da população negra do sertão para o
litoral.
Dessas vilas coloniais, algumas foram classificadas em função dos aldeamentos
indígenas, a exemplo de Almofala (Itarema), Soure (Caucaia), Arronches (Parangaba) e
Mecejana (Messejana), as quais aparecem no levantamento. No entanto, nas localidades em que
população negra registrada foi menor que 500 habitantes, essas não foram destacadas no
Gráfico 2.
Somente na vila indígena de Viçosa Real (Viçosa do Ceará), a população negra
totalizou 1.834 habitantes e os menores quantitativos negros desse cenário localizam-se nas
vilas de Monte Mor Novo (Baturité), com 1.814 e de São Pedro Ibiapina, com 1.048 habitantes.
Em relação às mudanças nos totais populacionais, nos séculos XVIII e XIX,
Sobrinho (2011, p.
passando em 1808, para 125.878, ou seja, mais de 100%. Uma população marcadamente de
Isso implicou na acentuação das condições de escravização nos anos em que
separam os levantamentos, possibilitando a migração interna ou de outras Províncias, realizada
de maneira autoritária. Uma parcela da população negra passou a se concentrar em algumas
vilas sertanejas e a outra parcela ocupava vilas do litoral.
No sertão, destaque para a vila de Icó que é o centro urbano mais antigo do Estado
e constituiu um dos polos de concentração populacional negra, ao longo dos levantamentos
(BARROSO, 2019).
Na região Sul do Ceará, a vila do Crato concentra uma parte da população, tendo
em vista que era um dos caminhos das prováveis correntes migratórias interprovinciais que
entrecortavam o território cearense com quantitativos de escravizados sendo transportados.
s trabalhadores dos engenhos e sítios que ficavam situados no território do
Crato, elevada à cidade em 1853 83).
É preciso dizer que em meio a esses levantamentos, o Ceará destacava-se com a
pecuária que, de acordo com Pontes (2010), foi a responsável pela permanência do homem no
115
sertão, nas fazendas de gado que se estendiam às margens dos rios, assim como por sua
movimentação comercial que teria viabilizado a expansão dessas áreas e a concentração
populacional nas vilas sertanejas, conforme os dados destacados do ano de 1804. A outra
atividade econômica no território era a lavoura canavieira com influências migratórias baianas
e pernambucanas ao longo do curso dos rios (SOBRINHO, 2011).
No terceiro cenário de 1813, ou seja, passados cinco anos do último levantamento,
os dados são restritos, abrangendo somente 07 (sete) vilas. As categorias evidenciadas foram:
brancos, pretos cativos e livres e mulatos cativos e livres, o que denota, mais uma vez, a
ausência de informações sobre a população indígena e sobre as demais vilas. Considerei os
totais acima de 2000 habitantes pretos e mulatos escravizados ou livres, a fim de evidenciar a
presença da população negra no território.
A seguir, são representados os dados do cenário populacional de 1813, no Gráfico
3 e na Figura 5:
117
que os dados revelam uma maior aproximação da realidade em comparação aos levantamentos
anteriores, porém, com algumas distorções.
Uma delas refere-se ao uso do termo caboclo no levantamento populacional. Esse
termo é consequência do relatório da Assembleia Provincial de 1863, que declarou não existir
índios aldeados ou bravios na Província do Ceará (ANTUNES, 2012). O caboclo, enquanto
grupo representativo populacional, é uma tentativa perversa de apagamento da existência e da
diversidade dos povos originários cearenses e da descaracterização de identidade indígena em
função da miscigenação, acaboclando o índio no levantamento oficial da população do Ceará.
Outra distorção é o uso do termo pardo, que apresenta uma complexidade de origens dos povos,
pois à medida que indígenas e até mesmo brancos podem ter sido classificados nesse grupo.
Feitas essas considerações, a linha metodológica de análise dos dados refere-se ao grupo dos
pretos e pardos de 1872.
Outra distorção do levantamento de 1872 corresponde as informações sobre a
origem dos respondentes. Incluíra as províncias brasileiras e alguns países europeus,
denominando aqueles de origem negra como sendo somente da África, desconsiderando, assim,
que os povos africanos escravizados tinham:
[...] origens múltiplas, todos eles foram transformados na visão dos europeus
em africanos, como se houvesse homogeneidade para inúmeros povos, línguas,
culturas e religiões. Entre os escravizados havia reis, príncipes, rainhas, guerreiros,
princesas, sacerdotes, artistas e um sem-número de agricultores, mercadores urbanos,
conhecedores da metalurgia e do pastoreio. Ao atravessar o Atlântico, entraram em
contato com um ambiente de trabalho intenso, de exploração e de produção de
riquezas. (GOMES, 2015, p. 7).
presença de solos rasos, recobertos por caatingas de padrões fisionômicos diversos e banhados
-
longo dos rios cearenses. (SILVA, 2011, p. 27).
A realidade que circundava o povo negro escravizado era o fato de que a qualquer
momento é possível se apartar de sua família e partir devido à venda sistemática que ocorria
internamente ou
escravos foi o único recurso para a aquisição de dinheiro, sendo numerosos os compradores
110).
O comércio de escravos entre as vilas cearenses ou até mesmo para outras
Províncias, possivelmente, influenciou a diminuição dos quantitativos negros no Censo de
1872. Para Cunha Júnior (2011, p. 103),
são menores que os demais estados, mas são compatíveis com
Assim, a dinâmica econômica e o quantitativo populacional das vilas sofreram mudanças
significativas.
Percebo que essas informações não representaram a realidade. A análise criteriosa,
crítica desses levantamentos indica que a minha história, a minha origem ou dos povos negros
foi negada ou, no mínimo, parcialmente revelada. Ao mesmo tempo, outras formas de pesquisar
e refletir sobre a Geografia histórica do Ceará são necessárias em decorrência da importância
dos povos negros para a construção socioterritorial do Ceará. As nossas pesquisas geográficas
devem, também, revelar as contradições e reconhecer vozes e trajetórias negras cearense.
As contradições inseridas nas relações sociais cearense são reforçadas, segundo
Cunha Júnior (2011, p. 106), ao afirmar que
domínio da propriedade da Terra por uma classe social. Diante disso, o combate ao ejó do
apagamento é um processo contínuo.
No entanto, o povo negro encontrava-se presente em todo o território brasileiro ao
1987, p. 6).
Nesse contexto, predominava uma camada de latifundiários com interesses
vinculados a grupos mercantis europeus como os traficantes de escravos. Desse modo, se
estabelecia uma força de trabalho formada por escravizados africanos (BOSI, 2003).
Nesse processo, segundo Jaguaribe (1986, p. 98),
A distinção social dos grupos populacionais presentes nas vilas cearenses é vista a
partir das pessoas ditas de procedência que têm a capacidade de exercer seu poder econômico
e constituir a classe social dominante. É correto afirmar que a palavra gentinha diminui e
desonra as origens ou a procedência daqueles povos que não detinham bens ou poder econômico
e constituem classes sociais dominadas e oprimidas. Portanto, tem-se uma distorção do sentido
da palavra ascendência que significa origem ou relaciona-se a genealogia e a origem familiar
de todas as pessoas.
O poder é um conceito crucial dentro das relações raciais e étnicas que se refere:
127
concentração da propriedade fundiária junto a uma minoria rica, com a formação de um grupo
econômico concentrador de bens e riquezas.
As fazendas de criar e algumas vilas coloniais cearenses surgiram, sobretudo, no
contexto dessa política sesmarial que doava terras àqueles que prestavam serviços diversos à
Coroa. Além de terras, recebiam alforrias ou títulos militares e aceitavam plenamente os valores
fundamentais do mundo luso-brasileiro.
Surge, então, no Ceará, uma parcela da classe dominante e intermediária de origem
branca ou negra livre que era proprietária de títulos militares ou de terras adquiridas às custas
das vidas ceifadas na luta em favor da colonização, do capitalismo e da escravização.
Ao comparar os que receberam as 2.462 cartas de sesmarias, até 1824, encontro
apenas 1.565 pessoas de 148.745 habitantes em sete vilas recenseadas. Isso corresponde a um
pouco mais de 1,3% da população que era livre (PINHEIRO, 2008). Este dado revela a
concentração de terras e poder de uma reduzida parcela da sociedade cearense do século XIX.
Perseguir, capturar ou eliminar os povos originários e os escravizados
aquilombados ou fugitivos que reagiam ao poder da coroa portuguesa abria o acesso à posse de
terra com a doação das sesmarias no Ceará. Portanto, a doação das terras, realizada pelo Estado,
beneficiou uma minoria populacional de brancos e negros livres.
De acordo com Souza (2017, p. 22), pelos serviços prestados algumas famílias
negras se tornaram proprietárias de terras quando contempladas entre o século XVII e as
primeiras décadas do século XIX, com a política sesmarial de doação das terras. Receberam as
terra , com a finalidade de criatório de gados , plantar lavouras e povoar.
A História de negros e mulatos da família dos Dias e Coelho, nas ribeiras do Acaraú, em
Canindé, cidades do Ceará, reflete esse contexto à medida que se tornaram sesmeiros no período
entre 1679 a 1824, devido aos serviços prestados à coroa portuguesa na conquista do território
cearense. De acordo com Souza (2017), no livro de sesmarias, registram-se 70 pedidos das
famílias citadas, além de algumas terras já concedidas.
Segundo Martins (1995, p. 42):
A religiosidade dos demais povos não europeus foi excluída. Essa recusa às
religiosidades negra, indígena e dos demais povos europeus demonstra a inserção da religião
no projeto político e ideológico colonizador, branco e católico na manutenção das estruturas
sociais na Província.
Uma terceira rubrica que tensiona a reforma agrária e as relações do povo negro
com a terra, no século XX, é o Estatuto da Terra, promulgado na Lei no. 4.504, de 30 de
novembro de 1964, período do regime militar no Brasil. Esse documento buscava desenvolver
a agricultura brasileira e a reforma agrária com a distribuição de terras.
O foco desenvolvimentista, voltado para o mercado e com base na especulação da
terra, intensificou os conflitos e a disputa por terra.
p. 126).
Na prática, as oligarquias rurais obtiveram grandes investimentos com o apoio estatal e
continuaram no controle territorial, enquanto a classe trabalhadora foi expropriada mais uma
vez de suas terras quilombolas, indígenas e camponesas, ocasionando o êxodo rural de uma
parte dessas populações para a periferia das grandes cidades. As lideranças populares foram
substituídas e os sindicatos se transformaram em órgãos assistencialistas (SOUZA, 2008;
FERNANDES; WELCH; GONÇALVES, 2014; PEDON, 2013).
Pedon (2013, p. 22) afirma que o Estado:
O Estado é decisivo para a construção dos èjós de classe e raça, quando exclui povos
subalternizados que precisam ser contidos e sufocados pelo projeto de poder colonial, branco e
europeu dominante. Somente 100 anos após a abolição no Brasil, o Estado, na Constituição de
1988, em seu Art. 216, reconhece as comunidades remanescentes de quilombos, o que
demandou outras formas de mobilização contínua na busca pela efetivação do seu direito à
terra, estabelecido somente no século XXI, a partir do Decreto de Lei no 4.887, de 20 de
Novembro de 2003, que regulamentou o processo de titulação das terras ocupadas por
remanescentes das comunidades de quilombos de que trata Art. 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. Esses processos de luta e reinvindicação por direitos enfrentam o
projeto de poder hegemônico que atravessam os séculos e os interesses dos agentes estatais.
Guimarães (1996, p. 146 s configuram (e estão no centro
de) uma realidade conflituosa da qual participam diferentes se não todas
Assim, as diferenciações raciais e a concentração fundiária se ampliam entre as parcelas da
população.
No contexto agropecuário e escravocrata cearense, são apresentadas as condições
de sobrevivência a seguir:
Seu comando natural são as classes dominantes. Seus setores mais dinâmicos são as
classes intermediárias. Seu núcleo mais combativo, as classes subalternas. E seu
componente majoritário são as classes oprimidas. Estas, geralmente estão resignadas
com seu destino, apesar da miserabilidade em que vivem, e por sua incapacidade de
organizar-se e enfrentar os donos do poder. (RIBEIRO, 1995, p. 209).
34
É preciso destacar, segundo Poulantzas (1986 p. 59), os conceitos de classe em si e classe para si que demarcam
a cisão teórica weberiana sobre um duplo estatuto das classes sociais
, temos duas classes sociais distintas: a dos proprietários de terras, que detém
maiores proventos e a dos pobres trabalhadores possuidores de menores proventos. A segunda representa a luta
de classe em si como fator de transformação da estrutura econômica Isso reflete as resistências e as lutas do
povo negro contra a opressão exercida pela escravização.
134
Quadro 10 Esboço dos grupos raciais que compõem a sociedade provincial cearense na
segunda metade do século XIX
Grupos raciais Camadas Sociais
Brancos ricos europeus e seus descendentes Classes dominantes (descendentes dos
além de pretos e mestiços. colonizadores; grandes proprietários rurais;
burocratas do reino; servidores da coroa na conquista
do território; membros do alto escalão da igreja e das
forças militares).
Brancos e negros alforriados. Classe intermediária (comerciantes estrangeiros e
seus descendentes; mulatos livres; membros do
baixo escalão da igreja e das forças militares e
intelectuais)
Pretos, mestiços, mulatos e pardos, livres ou Classes subalternas (trabalhadores livres ou
escravizados; escravizados)
Indígenas e caboclos livres ou escravizados;
Brancos pobres europeus e seus descendentes;
Brancos pobres, indígenas, caboclos, negros Classes oprimidas (despossuídos de bens, de
livres ou escravizados. trabalho, de moradia, pessoas que cometeram crime
ou vivem em mendicância)
Fonte: Adaptado de Ribeiro (1995, p. 208 - 213).
limitado por um estatuto social, conseguia espaço para negociar, manifestar-se como agente
(FUNES, 1996, p. 472). Assim, abriam-se brechas que permitiam aos grupos dominados
pleitear uma revisão dos seus direitos e conquistar algumas posições (ANDRADE, 1987). A
questão, portanto, é entender cada categoria social (senhores, escravizados e libertos) e a luta
pelo acesso e a posse de terras.
Da relação conflituosa entre senhores e escravizados e da ambiguidade dos papéis
das pessoas escravizadas ra no
interior da classe escrava, fazendo com que uma parte dela lute contra os senhores e a outra
parte a favor deles , p. 151).
Os detentores do poder exerceram um certo controle, destruindo e dizimando
grupos e povos contrários ao projeto luso-brasileiro. E, exerciam o comando dos povos
submetidos aos seus interesses de forma autoritária e violenta, tornando-os, grupos
subalternizados e oprimidos, representados em sua maioria, pelos negros e indígenas e seus
descendentes escravizados ou livres, além de uma minoria branca e pobre.
A sociedade colonial capitalista tem, portanto, o Estado, a Igreja Católica e os
proprietários de terras que constituem as classes dominantes, como sendo os principais agentes
organizadores do espaço e mediadores nas relações de domínio das classes subalternas e
oprimidas.
Nessa relação de dominação e sujeição, a distribuição dos negros e brancos, para
Ianni (1987, p. reta das condições econômicas de cada camada
ses convivem no mesmo espaço geográfico e encontram-se sob o
poder do Estado.
As relações quizilentas, diante do poder legitimado pela posse da terra no Ceará,
demonstram a força de mando da classe dominante rica, branca e cristã. E nas demais classes,
encontram-se os grupos raciais negros, indígenas e brancos pobres que se diluem nas camadas
sociais e caracterizam-se pela dependência econômica, social e política.
O esboço da hierarquização de classes é o reflexo de uma escala social de valores
sociais que excluem ou incluem o povo negro, definida em Ferreira (2004), como sendo um
gradiente étnico. Na escala social superior, encontram-se aquelas pessoas cujas características
são próximas ao tipo branco, passando a ser mais valorizada. Na escala social inferior,
136
encontram-se aquelas pessoas cujas características são próximas ao tipo negro, que tende a ser
mais desvalorizado e socialmente repelida.
Segundo Ferreira (2004), essa lógica é uma criação histórica da concepção de que
a miscigenação é um processo necessário para que os afrodescendentes sejam respeitados e
tenham possibilidades de ascender socialmente na escala social. Trata-se de uma ideologia do
branqueamento que serviu para afirmar que, com a miscigenação, os povos se aceitam e
convivem sem preconceitos.
Além desse controle ideológico, as classes dominantes brasileiras rodeavam a
monarquia brasileira e realizavam o controle social do trabalho com:
A ideologia escravista, em que o negro era inferior ao branco, era extensiva aos
africanos a afrodescendentes libertos e livres, prática presente no cotidiano da
sociedade cearense, levando este segmento social a buscar estratégias de
sobrevivência vivenciando experiências comuns de sociabilidade, solidariedade e
resistência.
arrasta na pauta de luta das classes subalternas e oprimidas e constitui conflitos seculares no
Ceará.
Essa foi a tela desenhada com o sangue da realidade concreta do cotidiano que
representa o século XIX e desnuda a questão da abolição dos povos escravizados e as lutas pela
posse e pelo uso da terra. De um lado, os agentes hegemônicos que detinham o poder da posse
da terra, o poder político e econômico representado por classes dominantes com algumas
famílias negras.
Esses eram os opositores ao movimento abolicionista, argumentando sempre o seu
direito de posse dos bens adquiridos ou herdados. O direito à propriedade alegado referia-se,
inclusive, às vidas africanas e de seus descendentes, além da terra. Propriedades privadas,
construídas às custas de vidas africanas e indígenas e, também, dos impostos sonegados a fim
de garantir a permanência de privilégios aos seus descendentes.
Do outro lado, sem nenhuma garantia de direitos e bens, havia os agentes
hegemonizados que detinham a sua força de trabalho, alguns sobreviviam na condição de
escravizados e outros eram libertos e pobres, ambos representam a classe social oprimida e
subalterna que produziram histórias complexas de ocupação agrária, de criação de territórios,
da disseminação da cultura material e imaterial próprias baseadas no parentesco e no uso e
manejo coletivo da terra (GOMES, 2015, p. 7).
O contexto cearense é o reflexo do cenário -
abolição, não efetivou [...] o reconhecimento da população negra em sua diversidade e construiu
ao longo dos séculos XIX, XX e XXI, um complexo enredo de desigualdade racial. (SOUZA,
2008, p. 108). Infelizmente, percebo que a situação da maioria da população negra não mudou,
em pleno século XXI, isso torna cada vez mais necessário aquilombar-se na luta por igualdade
racial. Trata-se de um atraso histórico na equiparação de direitos das populações negras e
quilombolas cearenses.
Além disso, parece-me que há, de fato, um retrocesso teórico na análise e na
interpretação do processo abolicionista cearense, o que me coloca no comprometimento de
enfrentar o debate e ressignificar o processo libertário, destacando entre outros aspectos, a
presença de memórias, manifestações culturais e lutas contra-hegemônicas, no próximo tópico.
3.5
É inegável que a situação racial cearense é marcada por profundas quizilas e éjós,
ao longo da formação socioterritorial cearense, que perduram de outras formas até hoje, pois,
139
sim a elite intelectual das sociedades libertadoras, notadamente citadas e homenageadas nos
livros e na imprensa. O Quadro 11, a seguir, retrata o cronograma de fundação de algumas
sociedades libertadoras, no Ceará, que ganhariam, mais tarde, espaço na Imprensa, nas
celebrações e nos escritos históricos:
abolicionistas propagando, assim, a ideia de que o povo negro precisava dessa ajuda pois não
era capaz de fazer a liberdade acontecer no Ceará. (XAVIER, 2011).
A imprensa, o Estado e os intelectuais cearenses, então, comprometem-se com a
historiografia das classes dominantes e dos seus personagens brancos e cristãos a fim de
legitimar seus privilégios, discursos e domínio sob as experiências, saberes e resistências do
povo negro.
A representação do ápice libertário de autoria da elite embranquecida se materializa
em torno da Data Magna, celebrada em 25 de Março de 1884, a qual é mascaradora de uma
falsa liberdade dos povos negros. A liberdade aparece como presente, caridade ou obrigação.
Quanto ao elemento servil que comparecia à festa da redenção, o papel que lhe era reservado
era o de receber a carta de alforria e assim materializar a glória do movimento (MARQUES,
2009).
Penso nos sentidos das celebrações dessa data que simboliza a abolição no Ceará.
Destaco a edição comemorativa do jornal O Libertador, do dia 25 de Março de 1884. A chamada
principal daquela Terça-feira em Fortaleza foi intitulada homenagem a Província do Ceará pela
libertação total de seus escravizados. A chamada secundária saúda os abolicionistas da
Sociedade Libertadora Cearense, listando 33 nomes de homens e Francisco José do
Nascimento, o Dragão do Mar que não foi escravizado: era um homem mulato que integrou
esse coletivo. A terceira chamada convida à leitura do texto intitulado uadro de luz listando
os 58 municípios considerados pelo jornal livres da escravização na província cearense (O
LIBERTADOR, 1884, p. 01).
Quanto aos demais textos escritos, os autores são originados da Igreja Católica
baiana, que abençoa o Ceará; em seguida, a benção do bispo do Ceará, e por fim, as palavras
do governador Satyro Dias que dedicou aos abolicionistas o feito cívico. Para fechar a primeira
página do jornal, as palavras dos abolicionistas ressaltam o marco histórico do processo
abolicionista cearense. São encontradas palavras e expressões como: avante; o Ceará progride;
a escravidão é um roubo; aos libertadores, obreiros do progresso; e o povo que veio das trevas.
A leitura dessas palavras e expressões nos textos que compõem uma edição jornalística
dedicada à celebrar a liberdade do povo negro escravizados serve, sobretudo, à exaltação de
heróis embranquecidos e cristãos. (O LIBERTADOR, 1884, p. 02-04).
A capa do Jornal O Libertador, de 1884, é uma síntese da leitura das demais páginas
que apontam os ejós da edição comemorativa do 25 de Março, oficial embranquecido. Afinal,
142
a quem interessava à construção dessa memória celebrativa? O que representava para o povo
negro essa tal liberdade?
Escancara-se, assim, a disparidade entre a elite branca abolicionista e os negros
escravizados e libertos que ficavam à margem da sociedade no Ceará. Era dispensada ou
silenciada a participação de mulheres negras e homens negros nas sociedades libertadoras e na
imprensa, o que evidencia o apagamento destes, inclusive, em atos cívicos e celebrativos. O
sentido da celebração favorecia a construção de uma memória permeada pelas ações de heróis
brancos pertencentes a uma parcela da sociedade que, segundo Sousa (2006), excluía o negro
de qualquer esfera de participação política e social e desprezava a cultura afro-brasileira
mantendo, obviamente, as relações sociais desiguais.
A quizila identificada na capa do Jornal O Libertador revela um erro ou distorção
de acordo com os estudos de Marques (2009); Martins (2012); Sobrinho (2011); Silva (2011);
Pereira (s/d); Silva e Militão (2014). Em relação ao município de Milagres, que aparece na lista
dos municípios livres no jornal, cabe destacar que, na verdade, essa cidade não libertou os
escravizados até 1889, o que gerou conflitos e questionamentos ao processo libertário e ao
significado da Data Magna, estabelecida pelos movimentos.
Acredito que os cinco ejós encontrados na edição festiva do jornal respondem, em
parte, aos meus questionamentos sobre os sentidos dessas celebrações da falsa liberdade: o
primeiro ejó foi o silenciamento de vozes e escritas negras na imprensa e nas sociedades
libertadoras; o segundo ejó trata de representatividade, pois nem todas as vilas fundaram os
coletivos libertários com a participação de negros libertos, por exemplo; o terceiro ejó refere-
se às mulheres da sociedade libertadora que, em sua maioria, eram pessoas brancas e da classe
dominante; o quarto ejó é o apagamento, na imprensa e nos registros históricos e científicos da
época, das vozes quilombolas e das mulheres negras que insurgiram e resistiram à escravização;
e, por último o quinto ejó é referente à exclusão nos atos cívicos das festas dos negros, nas quais
celebravam-se:
[...] coroações de reis negros nas irmandades do Rosário, autos de rei congo, reisados,
maracatus, reuniões em sambas entre outros, que constituíam muito mais do que
instrumentos para exercício de liberdade eram projeções dos negros como sujeitos da
, p. 56).
Esse instituto era composto por uma intelectualidade que resguardaria, nos fins do
século XIX, e ao longo do século XX, a tradição histórica embranquecida cearense na
construção dos traços identitários do povo, mascarando dados e construindo histórias que
dominam e, ao mesmo tempo, excluem o protagonismo do povo negro.
No início do século XX, a escrita dos pesquisadores na Revista do Instituto do
Ceará, em artigos de 1934, ou seja, nas celebrações do cinquentenário da abolição, apresenta
dados parciais e tendenciosos sobre as populações branca e negra da Província.
O equivocado e preconceituoso texto de Sousa Pinto é um exemplo disso, quando
intencionou, sobretudo, reforçar o aumento da e a eliminação aos poucos do
da composição identitária cearense, o que ocasionou repercussões
desastrosas ao pertencimento étnico-racial negro no Ceará.
144
25 de março foi sendo lembrada ao longo dos anos por intelectuais que participaram
ativamente da campanha abolicionista, bem como por decretos e leis estaduais que
procuraram regulamentá-la, tornando as comemorações responsáveis não apenas de
um grupo de ex-abolicionistas, mas de toda a sociedade, a qual deveria cultuar o dia
e os personagens com a efeméride.
processo, marcadamente resistentes. Desse modo, pode-se inferir que a insurgência negra
esteve presente em todo o processo libertário, inclusive em fins do século XIX.
Embora os registros dessas resistências sejam restritos ou inexistam na imprensa ou
em documentos históricos se constituíram em importantes instrumentos para os negros se
afirmarem como sujeitos da história. Um exemplo disso são as festas tradicionais ou festas de
cortejo, seja com o tom musical solene ou o com um toque musical mais cadenciado, como na
letra cantada pelo maracatu Az de Ouro, no desfile público:
35
A loa é o tema em forma de letra e canção entoada pelos brincantes, ao longo dos desfiles e nas apresentações
culturais do Maracatu Az de Ouro do ano de 2004. A canção tem a autoria de Calé Alencar (SILVA; MILITÃO,
2014), e a principal mensagem é celebrar a liberdade no Ceará, com os batuques e o axé do povo negro que
pede passagem.
36
É um instrumento musical do maracatu.
37
É um instrumento musical do maracatu.
148
cultural afro-brasileira em Fortaleza - Ceará. Uma das mudanças que enxergo no século XX,
além do fortalecimento dos maracatus já existentes, é o surgimento de uma outra resistência
negra urbana, denominada Associação Cultural Maracatu Vozes d`África. Essa agremiação
carnavalesca diferencia-se do maracatu Az de Ouro pelas mudanças rítmicas e pela inserção de
coreografias em suas alas38, com fantasias com plumas e muito brilho nos desfiles de seus
brincantes.
Sua criação foi inspirada na existência anterior do maracatu Estrela Brilhante, que
marcou época nos carnavais de Fortaleza da década de 1950. Além daquele, existia, entre os
anos de 1950 e 1960, outros três grupos de maracatus: O Az de Ouro, o Az de Espada e o Leão
Coroado. O maracatu Vozes d´África foi fundado no dia 20 de novembro, durante a II semana
da Consciência Negra, realizada em Fortaleza na sede do museu Arthur Ramos em 1980. Esse
maracatu surgiu de uma iniciativa do jornalista Paulo Tadeu Sampaio, apoiado pelo Centro
Social Urbano Presidente Médici e um grupo de escritores, folcloristas e carnavalescos da
cidade (O POVO, 20/11/1982, p. 46; MILITÃO, 2012). Além da luta pela cultura negra ser a
essência desse maracatu, a sua existência: [...] se propõe a volta às raízes do autêntico maracatu
cearense, e com as cores branca e preta, [...] utiliza a batida e instrumentos tradicionais e
totêmicos POVO, 20/11/1982, p. 46).
Percebo o quanto o traço de ancestralidade africana é resguardado pelo maracatu
no Ceará, com a sua musicalidade, cores e roupas, e ainda por representar nas histórias da África
congo-angolana uma forma de coroação e de festejar os reis Congo. Trata-se, portanto, de uma
das heranças culturais africanas que nasceu com influências pernambucanas (MARQUES,
2009).
É interessante perceber que a história da manifestação afro-brasileira se conecta
com o tempo em que eu nasci e, o meu primeiro contato visual e físico com os maracatus
ocorreu em uma formação continuada de professores, em 2015, na qual ocorreram as
apresentações e debates com os seus brincantes.
Em seguida, identifiquei estudantes em uma das escolas que trabalhei que
participavam das agremiações e busquei realizar diálogo com o Maracatu Kizomba, na escola,
ocorrendo, assim, a minha segunda interação educativa e de divulgação cultural dos maracatus
na cidade de Fortaleza. Desde então, participo de apresentações, desfiles e registro os maracatus
de Fortaleza.39
38
Significa cada uma das partes temáticas que o maracatu traz no seu desfile público.
39
Construí uma playlist de vídeos chamada aracatus de Fortaleza que tem o objetivo educativo e de
divulgação cultural desse patrimônio aos educandos e educadores que utilizam os vídeos em suas aulas.
149
Trata-se de uma demanda antiga, tendo em vista que, desde 2013, a política de
cultura do município executava um projeto intitulado todo dia 25 é dia de maracatu sendo o
dia oficial o 25 de março. Essa vitória é comemorada pelo fundador e presidente do maracatu
Vozes da África, Francisco Aderaldo de Oliveira, ao afirmar que:
[...] o maracatu conseguiu ter o dia 25 de março só para ele. Essa é mais uma vitória
para nós que fazemos parte do movimento negro. Agora é só comemorar e nunca
deixar morrer o maracatu. Meu sonho é que aqui fosse a cidade dos maracatus, porque
é uma das coisas mais bonitas da cultura afro-brasileira. (JORNAL DIÁRIO DO
NORDESTE, 2016, p.16).
Que possamos refletir sobre o verdadeiro sentido da liberdade no Ceará, a partir das
manifestações culturais negras como forma de valorização da memória ancestral. Essa é uma
forma de reconhecimento e incentivo aos brincantes que fizeram e fazem esse patrimônio
cultural imaterial da cidade. Além disso, quase 140 anos depois do percurso abolicionista, me
pergunto, enquanto professora de Geografia, quais abordagens são adequadas para o 25 de
março?
Eu não tenho memória de infância, nem na escola ou de livros, tampouco na família,
de menção ou celebração a essa data. Somente na adolescência que associei a data à figura do
Dragão do Mar. A minha geração é fruto, portanto, do processo de construção da memória e do
imaginário cearense com narrativas e registros históricos distorcidos,
Enquanto professora, é fundamental refletir sobre a história negra que não foi
contada e seus desdobramentos para o povo negro na abordagem pedagógica de um 25 de março
crítico. É chegada a hora de caducar narrativas de dor, sofrimento e de redenção realizadas por
jovens brancos. Não cabe mais o saudosismo aos mascarados de heróis nas festas cívicas. Não
cabe mais ressaltar os feitos embranquecidos e elitistas!
Nesse sentido, as práticas pedagógicas contribuem para a insurgência negra ao
possibilitar outros olhares e abordagens na busca de modificar comportamentos, atitudes e
visões de mundo, fortalecendo trajetórias e trabalhos culturais e políticos que fazem os
maracatus e o movimento negro da cidade.
É necessário ressaltar a trajetória histórica dos maracatus, destacando os 14
(quatorze) grupos organizados institucionalmente, na cidade de Fortaleza (MILITÃO, 2012).
Além disso, é fundamental reforçar as lutas e as trajetórias dos principais protagonistas negros
e negras que viveram no Ceará, nos séculos XIX e XX e que contribuíram para a valorização
de nossa história e dos nossos antepassados. Nesse sentido, alguns nomes do século XIX, no
Ceará, devem ser estudados; esse é o caso, por exemplo, de Dragão do Mar, José Napoleão e a
Preta Tia Simôa. No século XX, temos algumas referências como os artistas Descartes Gadelha,
Carlos Alberto Alencar (Calé Alencar), João Wanderley Roberto Militão (Pingo de Fortaleza)
e Raimundo Alves Feitosa (Raimundo Boca Aberta). Além de militantes do movimento negro,
Maria Lúcia Simão, William Augusto Pereira e Alecsandro Ratts. Essas referências são
necessárias em nossas narrativas, escritas e práticas de ensino.
Que se deixe viver uma data de referência para questionar e revisar a história,
honrando as trajetórias e as vozes negras protagonistas da liberdade, com outras existências e
narrativas que são tecidas baseadas em memórias ancestrais.
Deixar o cortejo passar rememorando as lutas e as resistências do povo negro
cearense é simbolicamente um ebó de limpeza, comportamental e de consagração da verdadeira
celebração pela liberdade nas festas protagonizadas por negros no Ceará.
Procurei me remeter ao enfrentamento das quizilas do apagamento, do
silenciamento e do racismo que nós educadoras/educadores temos que enfrentar. Existe um
mérito e um protagonismo negro na luta por liberdade no Ceará que enfatizei a partir de diversos
elementos históricos e espaciais.
O segundo ébó do povo negro, revela sua trajetória de luta no processo de
mobilização social e política que atravessou os séculos com resistências, a ser destacado no
próximo tópico.
151
3.6 Ebós das mobilizações negras (1980 - 1992) - quilombolas (2000 - 2020) no
Ceará: influências, representações e conquistas
No tempo dos meus bisavós, foi celebrada a liberdade do povo negro. Na juventude
dos meus avós, Maria José Aires (22 anos) e Joaquim Faustino Soares (25 anos), em 1934,
celebrava-se o cinquentenário do que denominei de falsa liberdade. Na idade adulta de minha
mãe, Hilda Faustino Aires (33 anos), e na minha primeira infância (2 anos), as articulações do
movimento negro se ampliaram em 1982 e, mais tarde, em 1984, comemorou-se o centenário
da falsa liberdade. Foram esses os cenários que desenhei como forma de contradizer e
ressignificar o processo.
No tempo em que eu nasci, os estudos geográficos sobre os movimentos
socioterritoriais se transformavam, indicando a construção de outras narrativas históricas ao
enxergar o movimento negro e a luta quilombola, por exemplo. Assim, ao longo dos anos de
1970 e 1980, a Geografia brasileira produziu um conhecimento sobre os movimentos sociais
urbanos e rurais pelo viés marxista e na crítica da ação estatal (PEDON, 2013).
O contexto da minha infância ocorria de um lado, e as celebrações do centenário da
abolição, do outro; de todo modo, ampliava-se a resistência negra do século XX na cidade e no
campo (NASCIMENTO, 2012). Diante desses cenários, optei por destacar os movimentos
negro e quilombola, tendo como referência esse tempo em que eu nasci. Considero ser esse o
momento em que essas articulações sociais, religiosas e políticas dialogam e se tornam ainda
mais abrangentes com diversas ramificações ideológicas de alcance estadual e nacional. Nesse
sentido, acredito que esses momentos de resistência negra-quilombola coincidem com a minha
trajetória de mulher negra -geógrafa.
Pedon (2013) afirma que ocorre uma divisão na Geografia para fins de análises dos
estudos dos movimentos sociais em rurais e urbanos. Para esse autor, os estudos sobre
movimentos sociais urbanos se desenvolveram independentes dos estudos sobre os movimentos
sociais rurais. Na década de 1980, as pesquisas predominantes dedicavam-se aos movimentos
sociais urbanos, como os estudos de caso, tendo o recorte territorial como base de referência e
as reivindicações voltadas ao Estado. E, as pesquisas sobre os movimentos sociais rurais
assumiam um caráter generalista, desconsiderando especificidades e os objetivos dos coletivos
mobilizatórios, o que provocou a redução dessas à apresentação a sociedade de modelo único e
hegemônico de mobilização no campo.
152
40
CARRÊGO. In: Dicionário informal on-line. Disponível em: Acesso em: 10 jan. 2022.
https://www.dicionarioinformal.com.br/sinonimos/carrego/ refere-se ao peso de algo. Simbolicamente, essa
palavra nas religiões de matriz africana refere-se ao acúmulo de negatividades que adquirimos em nossas vidas.
O ebó é passado no corpo para limpá-lo dessas energias.
41
EBÓ. In: Dicionário Yorubá/Português on-line. 5. edição. Disponível em: http://umbanda-
candomble.comunidades.net/dicionario-yoruba-portugues. Acesso em: 10 dez. 2019.
42
Conforme Lopes (2011, p. 663), refere-se ao povo negro-africano localizado na África Ocidental, especialmente
da Nigéria e no Benin, com marcas linguísticas relacionadas ao nagô, ewe, fon, ketu, entre outras.
154
aqueles que se revoltaram e pautaram as questões raciais em suas lutas. As rebeliões negras; a
formação dos quilombos; as festas de negros; os cortejos de maracatus; as irmandades negras
católicas; as Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s); a Comissão Pastoral da Terra (CPT); o
Grupo de União e Consciência Negra (GRUCON); ;a
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
(CONAQ); e a CERQUICE, entre outros, são alguns dos principais coletivos da resistência,
rebeldia e revolta aliados aos povos negro e quilombola, nos séculos XIX, XX e XXI, no Ceará.
São esses coletivos, atuantes em diferentes espaços, que construíram as bases da militância do
MNU e do Movimento Quilombola no Ceará.
As influências católicas e acadêmicas se fazem presentes na formação do
movimento socioespacial negro e na gênese do movimento socioterritorial quilombola,
conforme destacado nos tópicos a seguir.
condição jurídica (escrava ou livre), a condição social e com relação aos pretos africanos e
crioulos (SOBRINHO, 2011; REGINALDO, 1995).
Ao mesmo tempo, esses grupos negros constituíram encontros, autonomias e
sociabilidades entre libertos e livres ao promover relações de afeto e de solidariedade aos
escravizados com suas alforrias; com auxílio para uma boa morte; ao proporcionar ascensão
social dos pretos e pardos na sociedade, tendo em vista os cargos internos de prestígio e poder;
ao contribuir para o culto aos orixás-santos e as coroações de reis e rainhas do Congo (NUNES;
CUNHA JÚNIOR, 2011).
Como forma de continuar fortalecendo suas bases religiosas, a Igreja assumiu uma
postura de combate e de temor diante do sucesso das religiões de origem africana, como a
Umbanda e o Candomblé, por exemplo.
ordem têm ocorrido na história das
-consumidor
1995 p. 100, grifo do autor).
nativos e os negros, a fé cristã, os estava impedindo de continuar com suas identidades. Ledo
se autor, as resistências a desafricanização na Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário dos Homens Pretos, se materializava nas práticas de um catolicismo preto,
desde a primeira metade do século XVIII, identificadas na vila de Fortaleza que se estendeu até
a segunda metade do século XIX.
A presença desse catolicismo negro construiu espaços de liturgia afro como as
Igrejas do Rosário, erguidas em várias vilas cearenses à época: Fortaleza; Aracati; Sobral;
Quixeramobim; Barbalha; Icó; Milagres; Crato e Sobral (SOBRINHO, 2011; MARQUES,
2009a; NUNES, 2010). Nesse cenário, Sodré (1988) afirma que não havia sincretismo religioso
devido à incompatibilidade desses sistemas simbólicos:
Nesse contexto religioso diverso, estava a militância negra que era capturada pela
instituição religiosa católica ao buscar dialogar com as demandas do povo negro. A Igreja
enxergava uma oportunidade de controlar as práticas religiosas afro-brasileiras que constituíam
uma das bases do MNU nacional, nos anos de 1970 e início dos anos de 1980.
158
[...] desde o início de sua organização não assumiu-se claramente como um grupo da
Igreja Católica, inaugurou uma série de discussões á nível teológico-pastoral, litúrgico
e político que abriram as portas para o surgimento de um intenso movimento de
(REGINALDO, 1995, p. 13).
Esse grupo centralizava ações a partir da cidade de São Paulo para as demais
cidades brasileiras, como foi o caso de Fortaleza, no Estado do Ceará. Essa era uma tentativa
de apoiar a mobilização negra nos espaços religiosos.
O aspecto católico, portanto, constituiu uma das características desse início do
movimento que é destacado no recorte temporal das pesquisas de Sousa (2006) e Nascimento
(2012), ambos estudaram as características do movimento ao longo da década de 1980. Em suas
análises, Sousa (2006) constatou a prevalência do discurso católico nos diversos momentos da
história do movimento e na organização posterior da maioria dos militantes com resquícios
observados na atualidade nos movimentos.
159
Esse subgrupo foi, portanto, um dos principais e mais numerosos coletivos negros
a se afirmar no movimento negro, tornando-se referência para o trabalho pastoral negro no
Brasil. A pastoral tem origem na classe trabalhadora católica e se inspirou na Teologia da
Libertação43 e na experiência dos movimentos sociais negros, principalmente na década de 70
(REGINALDO, 1995). Essa doutrina social da Igreja é progressista e a sua prática de traduziu
A e CONDURU, 2013). 44 Assim, um grupo de religiosos
negros articulou-se na composição dos APN´s no C
baseada na fé que agregasse deferentes orientações
p.130).
A articulação negra do MNU, no Ceará, se fez, portanto, com a junção das seguintes
entidades jurídicas: Grupo União e Consciência Negra (GRUCON), de 1982; os Agentes de
Pastorais Negros (APN´s), em 1988; os Grupos de Mulheres Negras de Fortaleza em 1991 e a
Seção Fortaleza do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1995. (SOUZA 2013;
NASCIMENTO, 2012).
43
A Teologia da Libertação tem como uma de suas bases de apoio a Sociologia marxista, os teólogos da libertação
se consolida com
a criação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e das várias pastorais populares. (REGINALDO, 1995,
p. 14).
44 Grifo dos autores.
161
Segundo Nascimento (2014a, p. 83), o movimento negro brasileiro ansiava por uma
segunda abolição da escravatura, tendo em vista que a própria Constituição de 1934 e a ciência
assinalavam uma atribuição da inferioridade congênita do povo negro.
Essa era a tônica no Ceará, quando se tem a população afro-brasileira liberta em
1884 e, mais tarde no Brasil, em 1888, na situação de analfabetismo, sem direito a saúde, ao
mercado de trabalho e a moradia digna? Trata-se de uma falsa liberdade, conforme destacado
anteriormente. O processo libertário sinalizou o quanto a opressão exercida pelas classes
dominantes é socialmente instituída, promovendo injustiças e desigualdades que devem ser
confrontadas e modificadas como forma de reparação histórica às gerações de famílias negras
e quilombolas do Ceará.
Enquanto alguns militantes católicos se tornaram APN´s, outros discordavam dessa
ligação afetiva e efetiva com a Igreja, devido à posição dessa instituição em relação ao povo
negro brasileiro (NASCIMENTO, 2012). Surge, assim, o segundo grupo de militantes
universitários que exercem o enfrentamento aos discursos distorcidos que camuflam a
participação do povo negro na formação socioterritorial cearense. Esse grupo desenvolveu
pesquisas junto a mulheres negras militantes, a documentação dos tempos de escravização e
nos quilombos. Além disso, promoveram eventos que dialogaram com nomes nacionais do
MNU.
Portanto, uma das matrizes do movimento socioespacial negro cearense é católica
e configurou-se na formação de grupos pastorais de caráter bairrista coordenados por diretrizes
da Igreja Católica do Sudeste nas ações mobilizatórias.
Outras matrizes do movimento socioespacial negro são partidárias e acadêmicas.
Essas matrizes desenvolveram formas diversas de organização e atuação do MNU, no Ceará,
ora destacada no próximo tópico. Além dessas, destaco as entidades representativas do
movimento socioterritorial quilombola para a articulação dos territórios no Brasil e no Ceará.
Voltando ao início do século XX, eu diria que o coletivo negro que antecedeu o
MNU foi a Frente Negra Brasileira (FNB), a qual surgiu entre o final dos anos 1920 e início
dos anos de 1930, com a participação de pessoas negras no movimento, várias representações
foram construídas nos estados de Pernambuco, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul, entre
outros. E, em seguida, no ano de 1937, a FNB transformou-se em partido político e incentivou
162
O marco inicial de fundação foi uma manifestação pública ocorrida em São Paulo, um
ato de protesto contra a violência policial desferida contra negros, representada pela
tortura e morte do operário Robson Silveira da Luz, e contra a discriminação racial
em relação a quatro garotos negros impedidos de participar de um time de voleibol no
clube de regatas Tietê. Foi uma manifestação de 2.000 pessoas, em frente ao Teatro
Municipal. A partir desse episódio foram criados núcleos do MNU em vários estados.
O MNU, em 1978, passou a organizar-se em diversos bairros e centros urbanos,
realizando movimentos nas ruas para enfrentar a ditadura militar. (FERREIRA, 2004,
p. 87).
Nesse percurso, construir uma expressão da identidade negra positiva baseada em motivações
163
ideológicas, religiosas, culturais, diversas dos seus militantes e gerou divergências e divisões
internas ao movimento socioespacial negro com a criação de outros grupos mobilizatórios já
destacados anteriormente.
O MNU, no Ceará surgiu, especificamente:
[...] no dia 18 (dezoito) de Junho do ano de 1978 como sendo: uma entidade
reinvindicativa constituída por pessoas sem distinção de sexo ou instrução e tendo
como finalidade principal o combate ao racismo, a luta constante contra a
discriminação e preconceito racial e toda a forma de opressão existente na sociedade
brasileira, e também a mobilização e a organização da comunidade negra na luta da
emancipação política, econômica, social e cultural. (JORNAL O POVO 1984, p. 23).
É em nome do meu partido, o PDT, que assomo a esta tribuna para assinalar o
centenário da libertação dos escravos da Província do Ceará, ocorrida a 25 de março
de 1884, portanto, quatro anos antes da tardia e inoperante Lei Áurea. O movimento
antiescravocrata teve seu ponto alto, naquela Província, precisamente a 8 de dezembro
de 1880, quando foi fundada a Sociedade Cearense Libertadora, constituída por
líderes de todas as classes sociais, com a participação de homens de negócios
progressistas, clero, estudantes, operários e intelectuais.[...] É claro que o povo
formou ao lado da Libertadora Cearense, cujos chefes eram João Cordeiro, os irmãos
José e Isaac do Amaral, João Teles Marrocos e o glorioso jangadeiro Francisco José
do Nascimento, cognominado "Dragão do Mar". Era um simples homem do povo,
mas ao mesmo tempo um negro sábio em amor à justiça, à liberdade e à dignidade
humana dos africanos escravizados. Francisco exercia função de Prático-Mor do porto
de Fortaleza. [...] Acontecimento único em nossa História, pois não houve decreto e
sim uma proclamação do Governo Sátiro Dias, numa praça pública, sob aplausos
delirantes da multidão. Foi na classe social mais humilde que surgiram dois titãs na
luta de vida e morte contra a escravatura, ambos jangadeiros: Francisco José do
Nascimento, na intimidade Chico da Matilde, como se chamava sua mãe, e José
Napoleão, o qual, voluntariamente, passou a liderança dos praieiros ao Dragão do
Mar. [...] Faltava, porém, um tribuno que incendiasse as massas. José do Patrocínio
desembarcou em Fortaleza a 30 de novembro de 1882 e logo passou a discursar em
praça pública ao lado de Nascimento. Com seu verbo de fogo, Patrocínio ajudou a
destruir os grilhões, os eitos, as gargalheiras e outros instrumentos de tortura
utilizados pelos comerciantes negreiros, para os quais o negro não era um ser humano,
166
mas uma besta de carga, um mero semovente. [...] No dia 1 de janeiro de 1883, caiu
o primeiro reduto escravagista, a cidade de Acarape, hoje Redenção. Foi o começo da
queda da Bastilha e o fim de uma era degradante. É oportuno lembrar que a primeira
lei mandando acabar com a escravatura foi apresentada pelo deputado cearense Silva
Guimarães na sessão de 02 de Agosto de 1859, sabotada pelo Barão de Cotegipe,
descendente de africanos e que comandava a bancada do Partido Conservador, cujo
gabinete governou de 1849 a 1852. [...] A Lei Áurea não foi uma doação imperial.
Pelo contrário. Foi, sim, uma lei imposta pela vontade do povo, com implicações
internacionais de interesses mercantis, e frustrada em seus justos propósitos pela elite
dominante. Alguns historiadores insistem em apontar o Imperador D. Pedro II e a
Princesa Isabel como defensores dos escravos. A história verdadeira é diferente. [...]
O Brasil era o único país das Américas que mantinha a escravatura. Era uma vergonha
internacional ainda maior quando o mundo havia assistido a derrota das tropas
francesas no Haiti e a libertação dos seus 500 mil cativos. Foi na verdade uma guerra
anticolonial dirigida pelo grande líder negro Toussaint Uouverture, no final do século
XVIII. O povo cearense jamais acreditou na propalada benemerência da família
imperial e, dia a dia, via crescer a massa popular nos comícios. Finalmente, surge a
manhã luminosa de 25 de março de 1884, quando o Governador Sátiro Dias anunciou
nos diversos municípios cearenses. A obra possibilita, ainda, pensar a formação e distribuição
de territórios quilombolas no Estado do Ceará.
No sentido da ampliação do movimento e das demandas, destaco outro ebó das
palavras, materializado na Dissertação de Mestrado da militante negra, Joelma Gentil do
Nascimento, que mobilizou outras mulheres negras em diversos bairros da cidade de Fortaleza
a exercerem seus papeis na luta feminista negra. A sua pesquisa revelou o protagonismo de
mulheres no movimento da década de 1980. Em suas palavras, ressaltou que
organizadas tiveram uma nova postura política diante dos novos contextos político-
(NASCIMENTO, 2012, p. 63). Assim, ocorreu o enfrentamento às relações de poder e ao
machismo dentro do próprio movimento negro cearense, o que indicou uma mudança estrutural
na dinâmica da luta do povo negro cearense. Para essa autora, o ativismo é o cotidiano coletivo,
pois bricação entre vida e militância, o individual torna-se coletivo no processo de
É notório
que essas pesquisas desenvolvidas pela militância evidenciam, também, uma parte de suas vidas
dedicadas à luta no MNU do Ceará, bem como reverberaram as conexões e abriram caminhos
para outros trabalhos.
O início do diálogo do movimento negro com o quilombo ocorre na pesquisa
coordenada pelo Geógrafo-militante45, Alecssandro José Prudêncio Ratts, conhecido por Alex
Ratts. Considero este o início do ebó comportamental, ou seja, uma oferenda que modifica e
redimensiona teórico-politicamente o pensamento por meio de seus resultados.
Esse pesquisador realizou investigações em algumas comunidades negras
quilombolas do Ceará. Essas foram as ações do Projeto Agrupamentos Negros (PAN),
realizadas nos anos de 1991 e 1992. Inicialmente, a concepção era que esses agrupamentos
constituíam comunidades e famílias que mantinham relações de parentesco e se reconheciam
enquanto grupo diferenciado, ocupando um determinado espaço (SOUSA, 2006).
A pesquisa ocorreu naqueles agrupamentos negros com os quais os militantes do
GRUCON mantinham relações de parentesco nos municípios de Aquiraz (Lagoa do Ramo,
Lagoa do Mato, Goiabeiras e Estrada Nova), de Uruburetama (Conceição dos Caetanos), de
Tururu (Água Preta) e em alguns bairros de Fortaleza, predominantemente negros (Jardim
Iracema, Antônio Bezerra, Olavo Oliveira, Quintino Cunha e Comunidade do Trilho próximo
ao Mucuripe). (SOUSA, 2013). Os resultados reuniram dados, entrevistas e mapeamentos
45
Esse pesquisador é formado em Geografia e, ao mesmo tempo, é um dos membros do movimento negro, de
modo que a sua pesquisa é um dos resultados de sua militância.
169
46
O IMOPEC é uma instituição da sociedade civil, de direitos privados, sem fins lucrativos e reconhecida na Lei
n0 11.980/1992, enquanto instrumento de utilidade pública ao povo do Ceará.
170
PAN, nos anos de 1990, compondo, portanto, o ebó do conhecimento sobre o modo de vida do
povo quilombola nessas terras.
A mobilização quilombola se apresenta no século XX, dialogando com o MNU,
principalmente, nas décadas de 1970 e 1980. Antes do PAN, ou seja, até os anos de 1980, esse
movimento enxergava as comunidades negras quilombolas pelo olhar da história tradicional,
associando-as ao passado da escravização.
Essa perspectiva tradicional do quilombo mudou no Brasil a partir da Constituição
Federal de 1988 que, em seu Art. 216 e parágrafo 50, ressalta o patrimônio cultural brasileiro e
os bens de natureza material e imaterial:
detentores de Essa concepção legal
resguardou o quilombo enquanto patrimônio e herança às gerações de famílias negras que
ocuparam e ocupam seus territórios.
Diante dessa normativa e da realização das pesquisas nos anos de 1990, o
movimento negro reconheceu as comunidades quilombolas enquanto remanescentes de antigos
quilombos que vivenciam a sua territorialidade, portanto, questão quilombola é incorporada
como expressão da luta do povo negro e como a valorização da História e cultura afro-
2008, p. 45).
O processo de autodefinição e reconhecimento que constitui a primeira etapa para
a titulação de um território quilombola não tinha sido efetivada nos territórios até as pesquisas
do PAN. Os estudos articularam vozes dos movimentos negro e quilombola que se tornaram
referência para outros estudos sobre os remanescentes de quilombos, e contribuíram para a
inserção daquelas comunidades na Política Pública de Titulação das Terras Quilombolas, nos
anos 2000.
Nessa perspectiva, ocorreu um redimensionamento teórico-político do MNU, ao
enxergar as comunidades negras quilombolas do Ceará como uma oferenda que provocou
mudanças significativas, uma vez que a:
[...] luta pela posse da terra, compreendida agora, não apenas como lugar mas como
um direito ao espaço histórico (onde os antepassados concretizaram a sua existência),
simbólico (em torno do qual passaram a se perceber como sujeitos) e político (lugar
de articulação familiar e social onde estabeleceram novos embates). (SOUSA, 2013,
p. 142).
Um exemplo disso foi o segundo evento de grande articulação política que ocorreu
nas comemorações do 13 de maio de 1992, e dos 10 anos de MNU, no Ceará. Nesse intuito
celebrativo, José Hilário Ferreira Sobrinho organizou junto com os demais militantes negros, o
Seminário Negrada Negada, cujo objetivo discutir a realidade do negro e justificava-se
aquela iniciativa pela persistência dos estereótipos preconceituosos presentes em nossa
quando, na verdade, deveria representar e garantir os direitos das minorias, em específico dos
povos quilombolas, através da efetivação de Políticas Públicas.
O poder estatal sustenta uma mediação morosa diante das pautas do movimento
quilombola e uma mediação eficiente frente aos interesses de empresas e proprietários de terras
que disputam espaço e terra com os quilombos em todo o Brasil. (PEREIRA, 2019).
As identidades individuais e coletivas, negras e quilombolas, situam-se no contexto
de uma pluralidade étnico-racial em contínuo reconhecimento, fortalecimento e construção
identitária em seus territórios. E o movimento de aquilombar-se compõe as estratégias e
mobilizações quilombolas, em suas múltiplas expressões, ao longo da história do país. São as
ações de contraponto à essas forças antagônicas que em cada período histórico se expressam, à
sua maneira. (SOUZA 2008).
Essa rebeldia e resistência ancestral coletiva pode ser considerada simbolicamente
uma oferenda que atravessa processos de opressão e desigualdades raciais, entendendo que:
Os remanescentes de quilombos são uma continuidade viva das lutas que os escravos
rebeldes detonaram durante o transcurso da escravidão. E os descendentes dos
quilombolas são agentes ativos na direção de uma solução democrática para a questão
agrária e da identidade quilombola no Brasil. (MOURA, 2001, p. 10).
47
Página na Internet da CONAQ. Disponível em: http://conaq.org.br/. Acesso em 20 jun. 2021.
Canal do Youtube da CONAQ. Disponível em: https://www.youtube.com/c/Conaquilombos.
48
História da CONAQ. Disponível em http://conaq.org.br/nossa-historia/. Acesso em 20 jun. 2021.
176
compreendido como uma relação política. É uma relação entre grupos sociais mediadas pelo
espaço territorializado. À medida que o movimento ocupa um espaço, ele constitui a sua
Portanto, a CONAQ tem ampliado essa relação com os grupos
estaduais na condução da agenda de luta do movimento socioterritorial brasileiro.
A exemplo disso, destaco o papel dessa coordenação nacional como sendo
estratégico em relação à garantia do direito à saúde e à vacinação do povo quilombola para
evitar mortes por SARS-COV-2, nos anos de 2020 e 2021, conforme afirmou a liderança
nacional:
No início da pandemia nos perdemos os arquivos orais, que são as nossas histórias e
as nossas memórias e perdemos de uma forma que sequer nos identifica. Esse Estado
é tão racista e excludente que não nos enxerga como agentes de uma política pública.
Essa pandemia mata mais as pessoas que viveram sem ter acesso as Políticas Públicas
que são as pessoas pretas. Nós dos quilombos temos feito uma política pública que é
saber quantos de nós estão contaminados. São mais de 5.300 pessoas identificadas
pela CONAQ precisamente, são 5.302 casos confirmados e 252 que perderam suas
vidas. 150 casos estão em monitoramento. Este estudo foi feito com parcerias. Deixei
de pensar o quilombo que são distantes pra justificar a ausência e a falta de acesso as
Políticas Públicas, é sim por causa do quadro racista que são desassistidos. Esse acesso
que é dito que nós temos é muito precário. Assim temos que lidar com a morte
anunciada que é esse projeto de governo. Nós da CONAQ, temos feito um conjunto
de ações, de sistema de monitoramento de casos, campanhas, materiais e parcerias
para o enfrentamento a pandemia. Querem nos convencer que essa doença é
democrática, mas o racismo não é democrático. No racismo não tem isolamento
social, não tem férias, nem quarentena, é implacável todos os dias. Exigimos a
inclusão da população quilombola nos boletins da saúde e na prioridade das vacinas.
A luta quilombola é uma luta contí (COMUNIDADES, 2021).49
49
Comunidades quilombolas, pa Youtube Pensar
Africanamente. Disponível em: https://youtu.be/k0iE_cHSTHc Acesso em: 13 abr. 2021.
177
puxou mais o pai que era branco, e no pulsar deles se autodefine como quilombola.
Aqui temos muita miscigenação. Aqui somente dois ou três pessoas são bem negras.
Mesmo assim, não negamos a nossa identidade, não negamos pois somos
descendentes dos africanos trazidos para cá. (O QUILOMBO, 2021)50.
50
Trecho da palestra de Aurila Maria de Sousa O Quilombo de Nazaré: História e atuação em Itapipoca
que integrou a Semana de Memória, Cultura e Ciência no Museu de Pré-História João Cativo (MUMPHI) do
município de Itapipoca. Disponível em: https://youtu.be/Cbfb8YCSP4E Acesso em 23 de mar. 2022.
51
Territorialidades Quilombolas no Ceará e em Crateús - debate
sobre as comunidades quilombolas que compõem o território cearense, suas lutas e resistências cotidianas ,
transmitida pelo canal do Youtube do Instituto Federal de Educação Tecnológica (IFCE), Campus de Crateús.
Disponível em: https://youtu.be/a6RqAakv9MI Acesso em: 20 abr. 2022.
179
fundamento de sua identidade. [...] No que se refere aos movimentos socioterritoriais rurais,
têm-se a luta pela terra como forma mais ampla de manutenção ou melhoramento dessas
condições sa é a principal demanda do movimento na garantia da posse das terras, o que
demarca um território, uma territorialidade.
O processo de autoreconhecimento e de articulação dos quilombos, em âmbito
estadual é, portanto, muito recente, tendo em vista que os 04 (quatro) territórios quilombolas
realizaram a autodefinição somente nos anos 2000 e estão localizados nos municípios de:
Tururu (Conceição dos Caetanos e Água Preta no ano de 2004), Porteiras (Souza no ano de
2005) e Iracema (Bastiões em 2012). Vale ressaltar que 03 (três) delas participaram do PAN,
nos anos de 1990. Portanto, já se passaram 19 anos de espera dos territórios de Tururu, por
exemplo, pela obtenção da sua titularidade.
Além daqueles outros territórios se mobilizaram e se articularam em diversos
municípios cearenses, são eles: Muchuré em Quixeramobim; Barra dos Ventos, Sítio dos Pretos
e Antonica que estão em Tauá; Pitombeira, que se localiza em Poranga; Fazenda Mulungu e
Rio do Juca, localizados em Parambu; Barriguda, em Novo Oriente; e no município de Tamboril
emergiu a Serra dos Matos, entre outros (SOUSA, 2006).
Segundo Raffestin (1993, p.
quilombola são, portanto, uma forma de reafirmar o direito à sua terra. No entanto, no Ceará,
das 87 comunidades existentes, cerca de 50 são reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares.
Porém, nenhuma delas tem o título oficial de propriedade, o que indica o enfrentamento por
esses povos da morosidade jurídica, do racismo institucional e da omissão política no Ceará
(NASCIMENTO, 2018).
Na contramão do marasmo judicial e como forma de pressionar os governos para a
resolução dessas injustiças, as articulações política e dialógica do movimento no/do quilombo
são recentes e caminham para um crescimento significativo, conforme apontou Almeida (2011,
p. 146):
180
Tem sido nos últimos 15 anos que os quilombolas tem objetivado sua ação em
movimento social, consolidando o advento de sua própria identidade como sujeito de
direito. Em verdade, tornaram-se menos vulneráveis e mais organizados e encontram-
se em ascensão político ou num processo de fortalecimento de sua existência coletiva,
com mobilizações apoiadas em laços de coesão e solidariedade.
52
Trecho da palestra Territorialidades Quilombolas no Ceará e em Crateús debate sobre as comunidades
quilombolas que compõem o território cearense, suas lutas e resistências cotidianas , com o coordenador da
CEQUIRCE Renato Ferreira dos Santos, transmitida pelo canal do Youtube do Instituto Federal de Educação
Tecnológica (IFCE), Campus de Crateús. Disponível em: https://youtu.be/a6RqAakv9MI Acesso em: 20 abr.
2022.
181
Esse trabalho de articulação social e política junto aos povos quilombolas foi
processual, à medida que as associações de moradores das diversas comunidades foram sendo
criadas e os seus representantes foram sendo escolhidos e indicados para compor a respectiva
Comissão. O mapeamento relatado pela liderança não obteve o apoio do Poder Público e foi
elaborado a partir de duas ações: a visita de campo e a autoidentificação enquanto
remanescentes de antigos quilombos.
Conforme a narrativa, a comissão contribui para tornar os territórios aptos a serem
reconhecidos e certificados pela FCP, bem como de acompanhar as demais etapas a serem
percorridas na busca da titulação das terras quilombola.
Segundo Nascimento (2018 p. 123), a CEQUIRCE exerce o papel estadual de
53
Entrevista realizada em 23 de junho de 2021, na comunidade da Lagoa das Pedras, Tamboril, Ceará.
182
Não tem nenhum território regularizado no Ceará. O que existe são processos de
regularização fundiária dos territórios no INCRA, desses 02 estão mais avançados que
é o caso de Encantados do Bom Jardim em Tamboril e do Sítio Arruda no Araripe
mas ainda não tem título definido. Cerca de oito 08 processos estão com decreto e
outros 12 que estão com portaria e outros ainda em fase inicial. Algumas comunidades
desistiram do processo de titulação. É um processo lento aqui no meu território desde
2008 e estamos em 2020. No território de Queimadas faz 20 anos essa espera. As
pessoas que se dizem donas das terras realizam muitas ameaças e tentativas de compra
das pessoas que ficam pressionadas com as perseguições e diante da morosidade que
ocorre nos processo de regularização fundiária dos territórios quilombolas.
(TERRITORIALIDADES, 2020).55
54
Menos de 7 das áreas quilombolas no Brasil foram tituladas. Disponível em:
https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-05/menos-de-7-das-areas-quilombolas-no-
brasil-foram-tituladas. Acesso em: 29 mar. 2020.
55
Trecho da palestra Territorialidades Quilombolas no Ceará e em Crateús: debate sobre as comunidades
quilombolas que compõem o território cearense, suas lutas e resistências cotidianas , com o cororodenador da
CEQUIRCE Renato Ferreira dos Santos, transmitida pelo canal do Youtube do Instituto Federal de Educação
Tecnológica (IFCE), Campus de Crateús. Disponível em: https://youtu.be/a6RqAakv9MI Acesso em 20 abr.
2022.
184
30).
Nos trabalhos de campo, esses pesquisadores quilombolas realizaram reuniões,
aplicaram questionários, coletaram coordenadas geográficas e contribuíram para a elaboração
de relatórios finais de suas áreas de pesquisa. Em relação ao questionário de entrevista, as
questões versaram sobre as condições sanitárias, de abastecimento de água, atividades
econômicas e de renda em cada comunidade.
Em diálogo com 02 (dois) pesquisadores que participaram desse processo, ressaltei
algumas percepções. De acordo com o primeiro entrevistado:
O pesquisador quilombola destacou o fator tempo que era reduzido para a realização
do trabalho de campo. Desse modo, adotou algumas estratégias para otimizar a coleta das
informações nos quilombos mais distantes e de sua responsabilidade.
As noções geográficas de localização e navegação, utilizando o sistema de Global
Positioning System (GPS), tanto para traçar rotas, quanto para a coleta dos dados
geocartográficos e nos registros fotográficos de cada localidade, foi o que possibilitou otimizar
e gerar elogios pela equipe técnica da SDA.
Trata-se, portanto, de um mapeamento circunscrito pelo povo quilombola, em que
ocorreram diálogos entre diversas comunidades, conforme apontou o segundo entrevistado:
56
Entrevista realizada em 23 de junho de 2021 em Tamboril, Ceará.
186
57
Entrevista realizada em 13 de setembro de 2021 em Tamboril, Ceará.
187
p. 31).
A luta do movimento quilombola deve ser contínua pela continuidade desses
mapeamentos, ampliando o detalhamento e as pesquisas a serem realizadas pelas instituições
que executam as Políticas Públicas relacionadas ao povo quilombola.
As dezenas de comunidades quilombolas cearenses têm história própria, tradições
culturais, constituindo, assim, uma diversidade de territórios e possuem uma agenda de
mobilização e luta coletiva que ocorre em escala local por direitos, por meio das associações de
moradores, bem como em escala estadual, com a CEQUIRCE e nacional, com a CONAQ.
A categoria utilizada no mapeamento estadual foi a de municípios com localidades
quilombolas, por abranger tanto aqueles territórios quilombolas que já possuem RTDI com a
indicação da proposta de delimitação territorial, a ser titulada; quanto por incluir as
188
Durante muito tempo não houve reconhecimento legal das comunidades negras rurais
enquanto grupos racial e etnicamente diferenciados e, portanto, nenhum tipo de
política pública de atendimento específico que colocasse sobre o estado a
responsabilidade de reduzir os danos históricos causados pelo regime escravista e pela
falta de assistência pós-abolição. (CARVALHO, 2020, p. 157).
Programa PRONAF, Programa Cisterna de Placas, Programa Leite Fome Zero, Projeto
p. 426-427).
Na Barriguda, os projetos estaduais e federais mapeados em
Plantar, programa Garantia Safra, Programa PRONAF, Projeto Apicultura, Programa Cisterna
de Placas, Projeto Zumbi (CEARÁ, 2019,
p. 417).
Alguns desses projetos mapeados compõem o Programa Brasil Quilombola (PBQ),
criado em 2004, pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(Seppir), em âmbito Federal, que desenvolveu eixos de atuação junto aos povos quilombolas.
As cisternas de placas instaladas para armazenar água, o acesso a luz elétrica nas residências e
a construção de escola quilombola são algumas conquistas dessa política para os territórios
quilombolas de Tamboril. No entanto, foi relatado pelos quilombolas a ausência de fiscalização
e acompanhamento federal da execução dessas e das outras ações junto a Prefeitura Municipal
de Tamboril. Isso decorre da descentralização das medidas que são implantadas tanto por
diversas instituições quanto pelos entes federados.
Em âmbito estadual, são diversos os projetos, dentre os quais, destaco o Projeto
Zumbi, que buscam o desenvolvimento de atividades produtivas nos territórios. Esse projeto é
citado pela liderança da CERQUICE como sendo uma conquista da luta coletiva no Ceará. Em
relação aos territórios de Tamboril, o primeiro a ser beneficiado foi o de Brutos, em 2012; em
seguida, Torres, no ano de 2013; depois a Barriguda, em 2016; por fim, foi implantado o Projeto
Zumbi, em Lagoa das Pedras, no ano de 2018. Somente Encantados do Bom Jardim, por decisão
58
Trecho da palestra Territorialidades Quilombolas no Ceará e em Crateús debate sobre as comunidades
quilombolas que compõem o território cearense, suas lutas e resistências cotidianas , com o coordenador da
CEQUIRCE Renato Ferreira dos Santos, transmitida pelo canal do Youtube do Instituto Federal de Educação
Tecnológica (IFCE), Campus de Crateús. Disponível em: https://youtu.be/a6RqAakv9MI. Acesso em: 20 abr.
2022.
192
coletiva, não aderiu às ações do projeto. As verbas e os objetivos dessa ação foram pensados
pelas comunidades beneficiadas (CARVALHO, 2020).
Esses projetos impulsionam a produtividade agrícola das localidades quilombolas,
assim como financiam a compra de equipamentos, como é o caso da Lagoa das Pedras, que
investiu alguns recursos para a compra de maquinários, ferramentas e insumos médicos para
serem utilizados nos rebanhos.
O movimento socioterritorial quilombola cearense, mesmo diante das dificuldades
em ampliar o alcance estadual, tem uma base popular e rural compondo a CERQUICE. Outro
aspecto é a diversidade étnico-racial que contribui para a luta coletiva e para as diversas formas
de organização e articulação social e política do movimento.
Destaquei esse ebó do movimento quilombola ao olhar para essas conquistas do
movimento, de alcance nacional e caráter jurídico na concepção do quilombo a partir do Artigo
68 da Constituição de 1988 e de alcance estadual e caráter técnico, representado pelo
mapeamento das comunidades quilombolas do Ceará e pelos projetos relacionados ao Trabalho
e Renda, implantados nos territórios quilombolas.
As conquistas do movimento sobre a questão da titularidade das terras quilombolas
podem ser consideradas um ebó comportamental à medida que provocam a desarticulação do
poder hegemônico quando a pauta entra nas Políticas Públicas. Isso ocasiona a mudança de
postura e estabelece novos rumos para a articulação e mobilização por direitos dos povos
quilombolas.
Embora os movimentos negro e quilombola tenham avançado para a reafirmação
do negro nas sociedades brasileira e cearense, ainda são inúmeros os desafios a serem superados
na busca da reparação histórica para com estes povos historicamente excluídos.
193
59
A -religioso de origem ioruba uma complexa
formulação. Lugar de intersecções, ali reina o senhor das encruzilhadas, portas e fronteiras. Éxù Elegbára,
princípio dinâmico que medeia todos os atos de criação e interpretação do conhecimento. Èxù é o canal de
32).
194
De acordo com a Tabela 2, a célula territorial básica de uma parte dessa formação
regional foi a vila mais antiga, , fundada
em 1791. Essa se tornou, portanto, um dos núcleos populacionais da porção Oeste do Ceará, na
virada do século XVIII para o século XIX, apresentando nos levantamentos de 1808 uma
população negra próxima de 5.000 habitantes (OLIVEIRA, 1984; SOBRINHO, 2011; SILVA,
2011).
Conforme a Tabela 2, na vila de Guaraciaba do Norte, a população negra (de pretos
e mulatos) não foi identificada no levantamento de 1872. Por outro lado, as vilas de Ipú, Santo
Anastácio do Tamboril e Santa Quitéria apresentaram uma população negra (pretos e pardos)
de 13.354 habitantes, de 7.846 habitantes, e de 5.663, respectivamente. Somam-se a esses
quantitativos, os dados de Independência e Crateús, com população negra, de 7.800 habitantes
e 10.006 habitantes, respectivamente, territórios ainda pertencentes à Província do Piauí.
O total populacional na região dos Sertões de Crateús de ontem, principalmente,
demonstrou uma presença negra significativa, totalizando cerca de 44.669 habitantes, sendo
que esses números poderão ser ainda maiores, devido às ausências de dados das vilas de Ipueiras
e de Guaraciaba do Norte, no Censo de 1872.
A formação socioterritorial desse contexto regional ocorreu por meio da política de
doação de terras, ou seja, com a atuação dos sesmeiros. Essa divisão para a ocupação ocasionou,
de certo modo, os desmembramentos territoriais que originaram outras vilas e municípios dessa
195
(2011) ressalta que é o ato de nomear o lugar, sendo uma atividade humana, que desde os
tempos antigos, orienta os agrupamentos humanos durante a ocupação do espaço geográfico e
demarcação de seu território.
Desse modo, compreendo que s nomes auxiliam o homem a se organizar no
tempo, no espaço ou em seu grupo. [...] É por meio desses rótulos que o homem interage com
lugares abrange designativos geográficos de natureza física (rios, riachos, lagoas, córregos,
entre outros) e os de natureza antropocultural (aldeias, povoados, cidades, famílias, bairros,
entre outros) (BATISTA, 2011, p. 30). Optei por discutir as relações raciais e de poder na
composição dos topônimos presentes nas trajetórias das famílias e nos territórios quilombolas.
Somente no final do século XIX e início do XX, a vila passou a se chamar Tamboril.
Esse topônimo resguarda traços culturais dos povos originários e africanos e uma hibridização
fitotoponímica em sua gênese. De acordo com Marques (2009b) e Batista (2011), a palavra
original Tambor-Mirim é de origem indígena e significava tambor pequeno . Além disso, a
partir da palavra tambor e do diminuitivo tupi mirim, os indígenas nomearam a árvore de que
eram feitos os seus tambores e existia em abundância na cidade (IBGE, 2022). 60 O tambor é
uma marca das culturas africanas e indígenas à
lembrança, a memória e a história do sujeito africano forçadamente exilado de sua pátri
(MARTINS, 2021, p. 46). Conforme Ceará (2012), a toponímina atual refere-se a uma
vegetação existente na região pertencente à família das leguminosas mimosóidas.
A partir da vila de Ipu, em 1854, surgiu a antiga vila com denominação
marcadamente religiosa: a Vila Santo Anastácio de Tamboril que possuiu, em sua gênese
territorial, a presença das fazendas no domínio do poder local. É preciso ressaltar que o regime
de sesmarias contribuiu para a formação de uma classe de proprietários de terras representadas
pelos coronéis e suas famílias. Conforme Marques (2011, p.
eram absenteístas, isto é, não moravam no local e sim em áreas distantes [...] Somente em uma
segunda fase de ocupação é que se instalaram estabelecimentos administrados pelos próprios
fazendeiros. Esses proprietários constituíam o centro do sistema econômico e de acesso à terra,
durante o regime de doação (sesmarias) e na política de compra (Lei de Terras).
Esses indivíduos exerciam seu poder e influência sob escravizados ou trabalhadores
assalariados e, ao mesmo tempo, buscavam que o Estado atendesse aos seus interesses
60
Histórico da cidade de Tamboril. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/tamboril/historico. Acesso
em: 10 ago. 2022.
200
61
Série Acervo dos Municípios Brasileiro. [S.D]. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=437488. Acesso em: 10
jan. 2022.
201
62
Disponível em:
https://web.facebook.com/379734698716262/posts/pfbid031swDgt5xvGhGrLzvvTc9ts7u6TEYz8MwXJ3ww
K5qmaVyco5ch7tnsZ4ghxjthoMnl/?_rdc=1&_rdr. Acesso em: 10 jan. 2022.
63
Histórico da cidade de Tamboril. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/tamboril/historico. Acesso
em: 10 ago. 2022.
202
64
Série Acervo dos Municípios Brasileiro. [S.D]. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=437488. Acesso em: 10
jan. 2022.
203
Essa é uma marca espacial de uma fronteira entre o poder hegemônico coronelista
e escravista e o poder coletivo das famílias quilombolas que, do outro lado do muro/fronteira
(Figura 10), exerciam suas funções e seus modos de vida, no que se tornaria um território
quilombola.
Segundo as entrevistas com os quilombolas, após a morte do Coronel Veras a sua
filha e herdeira, Antonieta Veras, passou a residir nessa propriedade. Para alguns, as festas
realizadas pela proprietária se aviltam na memória. Para outros, a negativa dela em vender as
terras já ocupadas pelas famílias marcaram suas memórias. De todo modo, esse é um marcador
da presença negra ancestral diante dos conflitos pelo direito à terra resolvidos parcialmente ao
longo dos anos de 1990.
Portanto, nessas relações, marcadas por submissão, subserviência e rebeldia,
prevaleceu o resultado de uma luta coletiva pelo direito a nova funcionalidade desse lugar no
atendimento à saúde do povo quilombola que, conforme os relatos, precisa ser melhorada.
Ao longo da História desse município, essas marcas espaciais reafirmam narrativas
históricas coronelistas, brancas e Católicas na formação socioterritorial de Tamboril.
É preciso dizer que, nessas propriedades, a força de trabalho era escravizada. Foram
as famílias negras que viveram nas terras e as tornavam produtivas e rentáveis aos seus
proprietários. Um dos marcadores das africanidades em Tamboril é a presença africana e afro-
brasileira, ou seja, é a ancestralidade negra que compõe a formação socioterritorial dessa vila,
conforme os dados do Censo de 1872, no final do século XIX.
204
65
Série Acervo dos Municípios Brasileiro. [S.D]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-
catalogo.html?id=437496&view=detalhes. Acesso em: 10 jan. 2022.
206
avô de Neta Quilombola, e pai de seu José Osmar, e foi uma grande liderança nas comunidades
quilombolas.
No tocante às atividades econômicas que mais empregam a população, se destacam:
o comércio (230.755); a administração pública (403.177); a indústria de transformação
(251.767); os serviços (401.345); a construção civil (84.994) e a agropecuária (24.453). Em
relação à soma de todas as riquezas municipais, o Produto Interno Bruto (PIB) provém dos
serviços (75%), da agropecuária (13%) e da indústria (12%), ou seja, é um município pouco
expressivo economicamente (CEARÁ, 2012; CARVALHO, 2020).
O último levantamento municipal de 2012 apontou uma população total de 25.541
habitantes, sendo que 55,80 % da população reside em área urbana, e 44,20% residem na área
rural do município. A pirâmide etária no município é caracterizada pelo predomínio de jovens
e adultos, representando 62,14% da população, seguida pelo percentual de crianças e
adolescentes que representou 27,71% da população e, por fim, os idosos, que totalizaram
10,15% da população (CEARÁ, 2012). E, a população estimada em 2020, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)66, totalizou cerca de 26.225 habitantes.
Fazendo o recorte da população quilombola cearense, os dados de Ceará (2019b)
revelam que são 4.899 famílias quilombolas que participaram do mapeamento dos territórios.
Esse quantitativo me permitiu estimar que, se cada família tem o mínimo duas pessoas, a
população quilombola poderá totalizar, no mínimo, 9.798 pessoas naquele ano.
Considero que o segundo marcador das africanidades, em Tamboril, é a formação
de territórios quilombolas. Devido à presença significativa de população negra nesses
territórios, é possível estimar uma população quilombola de 702 habitantes, distribuídos no
território de Encantados do Bom Jardim e Lagoa das Pedras, Brutos e na comunidade da
Barriguda (CEARÁ, 2019a). Acredito que a população quilombola seja ainda maior, tendo em
vista à presença de outro território quilombola no município que não está inserido no contexto
da pesquisa como é o caso de Torres.
A gênese territorial quilombola, relaciona-se ao acesso à terra, à identidade coletiva,
e às marcas de raça e classe nas sociedades brasileira e cearense. De fato, as comunidades
quilombolas se definem com suporte nas suas relações com a terra, o parentesco, as tradições,
as práticas culturais, entre outros (CHAVES, 2013, p. 71).
66
Perfil básico de Tamboril. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/ce/tamboril.html.
Acesso em: 10 jun. 2021.
207
[...] autodefinição dos moradores de uma localidade negra que reconhecem seu lugar
como um quilombo ou como "remanescente de quilombo": o lugar onde seus
antepassados desenvolveram um modo de vida que, apesar de algumas mudanças, é
preservado; onde o grupo tem seus critérios de pertencimento para definir quem é ou
não do quilombo. (RATTS, 2009, p. 56).
4.2 Territórios Quilombolas Sertanejos: Encantados do Bom Jardim e Lagoa das Pedras,
de Brutos e o da Barriguda
Fogo!...Queimaram Palmares,
Nasceu Canudos.
Fogo!...Queimaram Canudos,
Nasceu Caldeirões.
Fogo!...Queimaram Caldeirões,
Nasceu Pau de Colher.
Fogo!...Queimaram Pau de Colher...
E nasceram, e nascerão tantas outras comunidades
que os vão cansar, se ainda continuarem queimando
67
Poesia de Antônio Bispo dos Santos, liderança e intelectual quilombola do Estado do Piauí, disponível em
Santos (2015, p. 24).
209
68
Esses afloramentos apresentam ausência das camadas de solos erodidos ao longo do tempo pelos intensos
processos de intemperismo físico e químico e exposição de rochas na superfície. São áreas pediplanadas
denominadas de lajedos ou lajedões que apresentam fraturas, em decorrência da exploração mineral e do
intemperismo (BRANDÃO, 2014).
212
entrecorta o território quilombola. Esse é uma das fontes hídricas da Lagoa das Pedras e
abastece outro corpo hídrico que é o açude utilizado para a dessedentação animal na
comunidade. A Figura 13, a seguir, destaca a Lagoa das Pedras, que nomeia a comunidade
quilombola.
Esse corpo hídrico, conforme a Figura 13, apresenta superfícies rochosas com uma
vegetação de caatingas arbustivas e espinhentas presentes nas fraturas rochosas. No segundo,
ocorrem exposição de rocha revestidas por vegetação de caatingas de porte médio a arbóreo,
configurando uma das margens da Lagoa das Pedras. Nos períodos chuvosos, a lagoa torna-se
área de lazer utilizada pelos residentes e visitantes do território.
Vale ressaltar, ainda, o topônimo de Brutos que é a sede do território quilombola.
Além dessa, o território abrange as comunidades do Alto dos Benício e da Vila Amaro que
são, com base em Batista (2011), antropônimos por corresponder às denominações de algumas
famílias que iniciaram a ocupação desses espaços no território. E, por fim, o território se estende
até a localidade de Lagoa Grande (Pelado), indicando nesse topônimo a relação do grupo com
os elementos de natureza físico-geográfica e a paisagem daquele espaço.
Os relatórios antropológicos não apontaram as circunstâncias que culminaram no
ato nomeativo de Brutos. Durante as conversas, não identifiquei questionamentos ou críticas
quanto a este nome que constitui uma das marcas do quilombo. No entanto, cabe uma reflexão
sobre essa denominação que, possivelmente, decorre de uma discriminação racial direta, diante
213
69
A vegetação xerófila das caatingas sempre forma um conjunto tropofítico, visualizado através do quadro
fenológico, durante duas estações anuais bem definidas, chamadas de verão (período seco) e inverno (período
chuvoso), com as fisionomias próprias, bem particularizadas. [...] Particulariza-se por ser uma formação xérica,
garranchenta, por vezes com plantas espinhosas, suculentas ou afilas (FERNANDES, 2006).
214
Essa espécie vegetal, destacada na Figura 14, caracteriza-se por chegar até 20
metros de altura e por ter um caule com diâmetro maior do que a base que serve para o acúmulo
de água e de nutrientes no período seco. O seu nome popular é, portanto, devido ao formato do
caule que lembra uma barriga. A Barriguda é uma localidade quilombola de Tamboril que se
encontra na área das Serras Secas, com altitudes de mais de 800 metros e ainda está em processo
de reconhecimento e demarcação territorial.
Segundo a liderança da comunidade, essa árvore que nomeia o quilombo era uma
marca muito presente na paisagem e, ao longo dos anos, devido aos desmatamentos e
queimadas, diminuiu a sua ocorrência. Ao percorrer algumas áreas, não foi possível registrar
essa espécie florística.
Vale destacar, ainda, que o topônimo da Barriguda não possui relação com a
paisagem que é vista na localidade. A partir das conversas, percebi que a origem do nome não
se relaciona à preservação ambiental da espécie florística na área.
De todo modo, a toponímia quilombola destacada aponta uma trajetória, uma
construção identitária e territorial dos quilombolas de Tamboril permeadas por relações de
dominação, tensão, impactos ambientais, racismos e resistências.
A denominação do território de Encantados do Bom Jardim e Lagoa das Pedras, por
exemplo, reflete, em parte, um passado de escravização e, por outro lado, uma relação com a
ancestralidade, com a natureza e alguns elementos da paisagem.
Ao mesmo tempo, ocorre uma sobreposição de nomenclaturas, tendo em vista que
Bom Jardim é uma localidade do município, ou seja, uma unidade político-administrativa, além
de uma comunidade ou povoado, embora ainda não seja oficializado como distrito. Os distritos
do município são: Carvalho; Holanda; Oliveiras (de origem antroponômica); Boa Esperança;
Curatis; Sucesso e Açudinho (de origem físico-natural).
Diante dessas considerações, entendo que é importante correlacionar a toponímia
tamborilense as presenças negra e quilombola e compreender como esses apagamentos,
silenciamentos e racismos estiveram presentes na trajetória das famílias quilombolas.
Por exemplo, a denominação de Brutos, para uma localidade, ressalta as relações
raciais estabelecidas e, ao mesmo tempo, revela a discriminação e o racismo no ato de nomear
um grupo populacional a partir da sua marca racial e do local em que reside. Portanto, o
preconceito racial e a segregação socioespacial já estavam presentes na vida desses sujeitos
muito antes do reconhecer-se quilombola (CARVALHO, 2020).
215
sagrada onde os elementos da natureza interagem criando a paisagem ancestral do universo que
Neste sentido, as representações
dos orixás Oxum, Xangô, Ossaim e Oxossi se fazem presentes nos elementos físico-naturais
dos territórios quilombolas de Tamboril.
Considero, simbolicamente, que essas divindades se encontram representadas nos
territórios, indicando a força e a resistência herdada de uma ancestralidade africana. O meu
olhar para a presença simbólica de Oxum70, Xangô71, Ossaim72 e Oxossi73 nos territórios, reflete
o que percebo a partir das narrativas quilombolas e seus deslocamentos familiares pelas Serra
das Matas, Serra do Encanto e na Serra da Barriguda, por exemplo. Além das serras secas
sertanejas, percorreram áreas compostas pelas águas doces, por afloramentos rochosos e pela
70
É um orixá iorubano das águas doces, da riqueza, da beleza e do amor. É divindade superior [...], tendo
participado da Criação como provedora das fontes de água doce. É o nome tutelar do rio Óshun que nasce em
Orikí no Oeste nigeriano e pelo principal centro irradiador do culto a este orixá no Sudoeste da Nigéria que é
a cidade de Oshogbo. Os espaços sagrados além d rio são o santuário de Oshun e na cachoeira Erin Ijesha .
(LOPES, 2011, p. 986).
71
É o Grande e poderoso orixá iorubano, senhor do raio, do trovão do fogo, que mora nas pedreiras (...) uma
divindade superior, tendo participado da Criação como controlador da atmosfera. Xangô (Sòngó), filho de
Oraniã e neto de Ogum, nasceu na cidade de Oyó localizada no Sudoeste da Nigéria da qual foi rei (alafim*) e
onde residem seus descendentes . (LOPES, 2011, p. 1353).
72
É o Orixá iorubano das folhas litúrgicas e medicinais. [...] é divindade superior tendo participado da Criação
como formador e organizador do reino vegetal. De acordo com os iorubás, Ossãim vive na mata cerrada .
(LOPES, 2011, p. 982).
73
É o orixá iorubano da caça e dos caçadores e por viver no mato é um conhecedor das plantas que curam e
matam. O caçador é relevante, sendo desbravador por definição, é ele quem descobre o lugar ideal para a
instalação da aldeia que seu povo vai habitar . (LOPES, 2011, p. 986).
216
Oxum, ao representar também a proteção, beleza, riqueza e a fertilidade, reafirma a relação dos
povos quilombolas com os ciclos anuais de precipitação concentrada em poucos meses e da
escassez de água na maior parte do ano, que são traços do cotidiano semiárido quilombola. De
todo modo, a sua morada e domínio está nas águas doces presentes em lagoas e nos rios que
atravessam os territórios quilombolas, assegurando-lhes a vida, a fertilidade e a proteção.
A segunda divindade encontrada nessas terras foi Xangô, que representa a força, a
justiça, a guerra e a luta que mobiliza. Ele mora nas rochas e nas pedreiras. Encontrei-me com
Xangô no quilombo quando avistei os afloramentos rochosos revestidos por vegetação de
caatingas arbustivas bordejando a Lagoa das Pedras.
A terceira divindade que encontrei no quilombo foi Ossaim, que representa o axé
de cada folha que desperta para o respeito a natureza e a Terra. E a quarta divindade é Oxóssi,
um guerreiro que se camufla, que tem astúcia, que domina e protege as matas (LOPES, 2011).
No próximo tópico, identifico as linhagens familiares que formaram os territórios
quilombolas de Tamboril, os seus deslocamentos do passado, além de processos migratórios
recentes para outros estados e municípios.
134).
apelidada Maria Iré , o José Silva e o Luiz Vieira, apelidado de Zé da Silva , ambos
escravizados nas fazendas das Serras das Matas nas localidades de Jacinto, Por Enquanto,
Morros e Cariri.
O trabalho de Marques (2011) apontou que o Zé Gracia foi escravizado na
Fazenda Bom Jardim e teria migrado, quando liberto, para a Serra das Matas, se estabelecendo
em uma localidade chamada Por Enquanto, o que indica um local de permanência temporária,
mas, segundo os relatos, era de difícil acesso, à época. O outro patriarca, o Zé da Silva ,
constituiu a família Silva na região das Serra das Matas, onde fora escravizado. E, a matriarca
Maria Iré, foi escravizada pelo Coronel Joaquim José de Castro na Serra das Matas e, após
inúmeros deslocamentos, passou a residir na localidade de Morros. Seus descendentes
migraram para os territórios atuais de Encantados do Bom jardim e Lagoa das Pedras e de
Brutos.
A família Martins Chaves se originou na localidade de Cariris, na Serra das Matas.
O patriarca, Luiz Vieira, com sua família, vivia da roça e da caça e a renda era voltada aos
proprietários das terras.
As famílias Garcia, Silva, Iré e Martins Chaves construíram as relações de
parentesco, gerando os seus descendentes, a partir das alianças matrimoniais. Em relação aos
descendentes Iré e os Silva, esses se casaram com os Garcia, gerando um grupo único de
famílias negras aparentadas.
O ajuntamento desses troncos familiares principais aponta um grupo numeroso de
membros que se encontram espalhados por várias localidades de Tamboril, na Microrregião dos
Sertões de Crateús e em outros Estados do Brasil (MARQUES, 2011). No território quilombola
de Brutos, dos moradores mais antigos, cerca de 08 (oito) apresentam idades acima de 65 anos.
A linhagem familiar da Barriguda está em sua 6ª (sexta) geração. Uma destas
origens foi apresentada pela liderança da comunidade como sendo a família dos Souza Vieira
que vive, uma parte dela, na sede do município, e a outra parte, na área rural em que se localiza
a sede do território quilombola da Barriguda.
Os Souza Vieira consideram-se, portanto, descendentes de escravizados e
remanescentes de quilombos. Conforme a liderança da comunidade, sua bisavó materna fugiu
da senzala de uma das fazendas da região para não sofrer violência e, assim, formou a sua
família e o território. Desse modo, o processo de remontar as origens foi iniciado por um de
seus fundadores, conhecido como Antônio Cícero, que veio a falecer no ano de 2020 de Sars-
Covid-2. Portanto, esse processo encontra-se em fase inicial pelos demais quilombolas.
219
Lá onde se reunia mais coronéis entendeu, era uma fazenda. E meu pai é da Bahia, ele
veio para o Ceará tangendo o lote de gado para o coronel Sales, o Zé Sales, ai ele
conheceu minha mãe em Campo Nobre e casou. Eu cheguei aqui em 1967, em
setembro de 1967. Eu tinha 16 anos vim com minhas filhas e eu comecei a morar com
a minha cunhada que cedeu um quarto aqui, a gente era de longe e ela deu um quarto
para morar aqui ela me abrigou, me deu abrigo eu, meu esposo e minhas duas filhas.
[...] Ai foi no Deserto onde nasceu nossa comunidade lá no Deserto em 1964 a 1973
nessa localidade era nossa comunidade somos filhos de lá. (Maria de Fátima dos
Santos Ribeiro, negra, 59 anos, Encantados do Bom Jardim, 2021).74
74
Entrevista realizada de modo presencial, no dia 23 de jun. de 2022, na Comunidade de Encantados do Bom
Jardim, Tamboril, Ceará.
220
trabalho de minha tia pois não tínhamos escola. (Erinete dos Santos Oliveira, negra,
49 anos, Encantados do Bom Jardim, 2021).75
A linhagem familiar da Tia Fátima indica que a sua origem paterna é baiana e a sua
origem materna é cearense compondo, assim, a sua ancestralidade. Possivelmente, o seu pai
fazia parte de um elevado contingente de homens negros e livres que buscava nos sertões a sua
sobrevivência. Essa narrativa evidencia uma presença negra oriunda de outras Províncias nos
sertões do Ceará (MARQUES, 2011). É fato que a sua mãe estava subordinada às ordens do
citado Coronel Zé Sales e, a partir da chegada de seu pai, formou-se a família dos Ferreira dos
Santos nos sertões tamborilenses. Um de seus parentes direto é a liderança da comunidade e
do movimento socioterritorial no Ceará, conhecido como Renato Ferreira do Santos, que é
apelidado de Renato baiano , o que reforça a origem baiana de uma parte da família citada.
A linhagem familiar de Neta Quilombola, que é de outra geração, resultou da união
matrimonial endogâmica, ou seja, do vínculo consanguíneo de seus pais que são primos de 1º
grau, ambos nascidos em Tamboril no Ceará. Formou-se, então, uma família de 10 (dez) filhos
que residiram juntos por um determinado período e, posteriormente, as condições precárias de
sobrevivência impulsionaram a separação dos parentes com os diversos deslocamentos das
pessoas mais jovens.
Tia Fátima revela os traços da dominação e do poder exercido pelos coronéis
quando dizem, respectivamente , e Neta Quilombola diz
. A menção ao
resulta, portanto, de relações de poder estabelecidas desde o século XIX com os seus ancestrais
invisibilizados, chegando ao século XX na tentativa de estigmatizar e oprimir os descendentes
do povo negro.
Neta Quilombola ressaltou a negação do direto à Educação em sua comunidade, o
que promoveu o seu deslocamento. Além disso, os seus estudos foram tardios devido à
formação do seu núcleo familiar e a criação de suas filhas. Acredito que esses deslocamentos,
quando realizados com fins educacionais, tendem a fortalecer as territorialidades quilombolas.
A exemplo disso, Neta Quilombola é graduada e pós-graduada e atua na área da Educação
Escolar Quilombola.
Em sua trajetória, os deslocamentos ocorreram da zona rural do município para a
sede em busca de acesso à Educação. E, na trajetória das suas filhas, o deslocamento ocorreu
75
Entrevista realizada de modo virtual/remoto, no dia 14 mar. 2021, via Google Meet.
221
da zona rural de Tamboril para grandes centros urbanos da Região Sudeste, tendo como
principal motivação a busca por melhores condições de vida.
As entrevistadas expõem a exclusão e as discriminações vivenciadas na trajetória
das famílias quilombolas. Perceber o quanto o racismo é histórico e político na sociedade deve
ser uma ação coletiva e de combate, à medida que não se pode permitir mais que existam
que, direta ou indiretamente, grupos racialmente identificados sejam
discr 22).
Dessa forma, as resistências e os enfrentamentos ocorrem dentro e fora do território,
tendo como desdobramento processos de desterritorialização e reterritorialização dos povos
quilombolas.
Essas narrativas despontam que além do deslocamento forçado transatlântico,
outros tipos de deslocamentos como forma de resistir a opressão e a buscar melhores condições
de sobrevivência são praticados.
foi um traço marcante para inúmeras famílias de libertos nas primeiras décadas do século XX.
Através de arranjos de moradias, trabalho e parceria, as primeiras gerações de libertos tentavam
A luta coletiva é contínua após a abolição contra
os patrões exploradores da força de trabalho dos povos libertos que permaneceram naquelas
terras com suas famílias.
As dificuldades enfrentadas pelos mais antigos moradores dos quilombos
ocorreram nos deslocamentos do passado para as localidades de Campo Nobre e Deserto. As
entrevistadas relatam os deslocamentos das bisavós e dos bisavôs. Mas, desconhecem o
deslocamento de origens afrodiaspóricas dos antepassados. Por fim, identifiquei deslocamentos
recentes que atravessaram as gerações e interferem nas relações familiares entre quem reside
dentro e fora do quilombo.
Remeto-me ao contexto do pós-abolição e aos primeiros anos do Século XX, para
justificar alguns aspectos desses deslocamentos. O cenário nordestino era composto por
relações paternalistas entre proprietários de terras e as famílias que antes eram escravizadas e
passaram a configurar trabalhadores assalariados, uma parte permanece e produz nas terras e a
outra parte migra para outras localidades.
Essa herança ancestral da diáspora africana nos sertões de Tamboril compõe a
trajetória das famílias quilombolas.
brasileiro foi às custas da desterritorialização, reterritorialização de inúmeros indígenas,
46). Na formação do
222
pessoa no Estado do Piauí. Por fim, os dados apontaram que um total de 169 pessoas,
atualmente, residem fora dos territórios quilombolas de Tamboril enfrentando processos de
desterritorialização e reterritorialização.
Daquelas (es) pessoas que migraram do território Encantados do Bom Jardim e
Lagoa das Pedras para os grandes centros urbanos totalizam cerca de 150 quilombolas, que
residem, principalmente, em São Paulo e Rio de Janeiro e Fortaleza.
No território de Brutos, uma das irmãs da liderança migrou para a cidade do Rio de
Janeiro, desde os anos de 1990 e constituiu sua família longe do quilombo. Conforme Marques
(2011), a família dos Garcia encontra-se espalhada pelo mundo todo. Cerca de 02 (duas) pessoas
nas cidades de Piripiri e Capitão de Campos no Piauí, 01(uma) pessoa em Brasília, além de 10
(dez), em São Paulo.
Além dessas, outras 02 (duas) pessoas que são parentes das demais famílias
quilombolas vivem em Fortaleza. Na Barriguda, identifiquei cerca de 03 (três) pessoas que
migraram, recentemente, para São Paulo.
Pensando no contexto
aquela com o menor acesso à terra e piores condições de produção e vida no campo
condições adversas do passado e do presente geraram esses deslocamentos destacados. Em se
tratando do mapa da pobreza e da desigualdade do contexto municipal, Carvalho (2020)
apontou que a incidência da pobreza é de 52,73% e o grau de concentração de renda do
município, de acordo com o índice de GINI, é de 0,40. Essa realidade permeia o cotidiano e a
trajetória das famílias quilombolas pesquisadas.
A busca por melhorias socioeconômicas de vida compreende o principal motivo da
migração, ou seja, da saída do campo em direção aos grandes centros urbanos, conforme os
relatos e os dados apresentados. Outros motivos desses deslocamentos, segundo as narrativas,
são para dar continuidade aos estudos ou ainda para tratamento de saúde.
Desse modo, os deslocamentos antigos e atuais que permeiam as trajetórias das
famílias quilombolas têm relação com um empobrecimento e com a manutenção da pobreza
desse grupo populacional ao longo dos séculos. Assim como é um reflexo da ausência de
Políticas Públicas que garantam o seu acesso à Saúde, à Educação, ao Emprego e Renda, à
Cultura, entre outros.
Baseada em fontes documentais e nas escutas, foi possível destacar, na formação
dos territórios quilombolas de Tamboril, a importância das toponímias quilombolas para
reafirmar o território; das linhagens ancestrais que constituem troncos familiares diversos e
224
[...] a resistência como ato político está presente no corpo e nos signos
82).
Meu pai criou nós trabalhando no alugado que era na diária. Uns três dias na semana
a gente trabalhava para o Coronel Veras nosso patrão. Até que o velho resolver doar
as terras pra gente por volta de 80. Quando tava tudo certo ele morreu e deixou como
procuradora a filha Antonieta Veras que fez muita ruindade com a gente. Ela doou a
terra que não tinha nada e tivemos que pisar firme e formamos a nossa Associação
que sou o tesoureiro até hoje compramos e trabalhamo nela. O Padre Heleno deu uma
força para nós para enfrentar as brigas com ela. Um dia ela queria botar o gado na
terra que a gente plantou algodão, ela queria ver a gente sem nada. Nós resistimos,
teve muita dissuasão ela disse um monte de nome com a gente. Tivemos que arranjar
uma pessoa nossa de Tamboril para comprar o outro terreno porque para gente ela não
vendia. Isso tudo demorou 10 anos para se resolver. (José Firmino de Oliveira, 74
anos, negro, Encantados do Bom Jardim).76
76
Entrevista realizada no dia 26 jun.2021, em Tamboril, Ceará.
227
O Padre Heleno exercia suas funções em Tamboril que integra a Diocese de Crateús
e que teve como bispo Dom Fragoso, no período de 1964 a 1998, ou seja, foram 38 anos de
bispado com influências da Teologia da Libertação na Igreja. As ações desses missionários
p.131).
A entrevistada é conhecida por Tia Fátima pelos moradores. Ela é a educadora mais
antiga do território quilombola Encantados do Bom Jardim e Lagoa das Pedras. De acordo com
a sua atuação educativa e de pastoral, pode ser considerada uma agente pastoral negra nessas
terras quilombolas. Segundo ela, foi a vida toda catequista e animadora na Igreja.
A jornada dessa mulher, negra, católica e educadora iniciou-se no ano de 1977,
quando chegou aquele município, ou seja, na mesma década em que ocorriam fortes influências
cristãs no movimento negro e, também, nos territórios quilombolas. O Padre Heleno, nesse
contexto, foi uma referência no território e um agente de transformação desse, incentivando o
trabalho educacional e apoiando a mobilização quilombola para a reafirmação das suas
identidades e origens.
Essa militância cristã, junto aos povos do campo, decorre do chamamento religioso
para a obediência cristã aos princípios da justiça e da destinação universal dos bens. Para a
77
Entrevista realizada em 26 jun. 2021, em Tamboril, Ceará.
229
A gente era muito massacrado lá, o pessoal sofria muito a Zeza fez a história que
ajudou no relatório antropológico seu Zé da Guia a conseguir toda a história ai na
igreja a gente conseguiu do Padre Geu, eu tenho guardado os registro era mais Ferreira
dos Santos, era duas famílias, tem muitas pessoas como Ferreira do Santos que é nossa
família, a gente nessa luta, foi construindo nossa história, a gente não vai dizer que foi
fácil nem está sendo fácil [...].(Maria de Fátima dos Santos Ribeiro, negra, 68 anos,
Encantados do Bom Jardim, 2021).78
Essa narrativa é de uma mulher negra, ativista que iniciou seu engajamento nos
anos 2000, em seu território. No quilombo, a mobilização inicial ocorreu a partir da guardiã das
vivências, conhecida como Dona Luci. Além dela, uma professora chamada Sabina, que é de
Tamboril, estudava em Fortaleza e visitou a comunidade em 2004 para pesquisar sobre as
78
Entrevista realizada de modo presencial, no dia 22 de jun. de 2022, na Comunidade de Encantados do Bom
Jardim, Tamboril, Ceará.
79
Entrevista realizada de modo presencial, no dia 22 de Jun. de 2022, na Comunidade de Brutos, Tamboril,
Ceará.
230
origens das famílias. Essa pesquisadora, conforme o relato, foi uma das primeiras pessoas a
abordar a ancestralidade e o pertencimento negro e quilombola.
A Irmã Irene era de origem alemã e atuava na Paróquia de Tamboril. A religiosa
iniciou, no ano de 2003, um trabalho religioso no território de Brutos que incentivava a reflexão
sobre as condições de vida, a busca por direitos, a História e a trajetória das famílias do
quilombo.
O processo de mobilização em Brutos é um processo recente e contínuo que
valoriza os aspectos da memória coletiva, conforme citado, ocorreu a guardiã da memória é a
dona Luci, além das juventudes quilombolas.
Na Barriguda, percebi que a liderança possui uma relação com os membros da
CERQUICE e com liderança do quilombo de Torres, o que influenciou as organizações social
e política dessa comunidade na busca pelo reconhecimento como remanescente de quilombo.
Desse modo, se inseri no mapeamento das comunidades e desenvolve os projetos federais e
estaduais que chegam à comunidade e participa das mobilizações do sindicato dos produtores
rurais de Tamboril.
Vale ressaltar o papel ambíguo da Igreja Católica na questão racial do Ceará. Ora
contribui para a escravização e a repressão da religiosidade de matriz africana, conforme
destacado no capítulo anterior, ora exerce sua influência na gênese da organização social e
política do movimento negro cearense, nos anos e 1980 e na mobilização quilombola, nos anos
2000.
Em Tamboril, essa influência cristã, ao longo dos tempos, é uma marca dos
territórios quilombolas. Identifiquei um oratório em Brutos em homenagem a nossa Senhora de
Fátima, às margens da CE-176. No Encantados do Bom Jardim há um salão paroquial e alguns
terrenos, ambos utilizados para celebrações religiosas. É, portanto, a religiosidade católica e
cristã que predomina nos quilombos tamborilenses e o padroeiro dos territórios quilombolas é
Santo Antônio, sendo que a sua celebração ou festa ocorre uma vez por ano, especificamente,
no mês de Junho.
Em relação às organizações social e política dos territórios quilombolas, Carvalho
(2020, p. 21), destaca que:
Essa articulação social e política por direitos possibilitou a criação das associações
de moradores. A associação nos territórios é composta pelos cargos de presidência, tesoureiro,
suplente, entre outros. Os mecanismos de discussão coletiva, a escolha de lideranças ou
representantes e o encaminhamento das demandas compõem o cotidiano da mobilização social
e política nos territórios quilombolas. Portanto, a luta quilombola busca romper ciclos de
desigualdade racial e social, bem como de acesso à terra, decorrentes das relações de poder no
município, na microrregião e no Ceará.
A articulação quilombola foi iniciada no final da década de 1970 e início da década
de 1980, sob influência da Igreja Católica e mediante processos educativos. Inicialmente,
membros da Igreja contribuíram para o processo de autodefinição das comunidades
quilombolas em Tamboril.
No segundo momento, no século XXI, foram criadas as associações de moradores
e a comissão estadual pela luta quilombola no Ceará que juntamente com a CONAQ, em âmbito
nacional, integram a rede de mobilização dos diversos territórios e suas respectivas
reinvindicações junto aos poderes Público Estadual e Federal.
As primeiras reuniões em torno da mobilização quilombola no Ceará, resultaram na
criação da CERQUICE. O surgimento dessa comissão estadual ocorreu no ano de 2005, no II
Encontro Estadual dos Quilombolas Rurais do Ceará, realizado no território Encantados do
Bom Jardim e Lagoa das Pedras, mediante votação das representações quilombolas presentes.
Nessa ocasião, foram escolhidos membros dos diversos territórios para integrá-la, tendo como
coordenador o senhor Renato Ferreira dos Santos, que reside no território que sediou o encontro.
Em 2008, no território de Brutos, ocorreu o VI Encontro Estadual das Comunidades
Quilombolas do Ceará com a participação de 94 pessoas de 11 (onze) territórios. No VII
Encontro Estadual das Comunidades Quilombolas do Ceará em 2009, realizado na localidade
de Lagoa das Pedras, a participação foi de 40 pessoas de 08 (oito) territórios (CARVALHO,
2020).
Essa mobilização desponta por meio do enfrentamento e da resistência das famílias
quilombolas e dos seus descendentes, reafirmando direitos conquistados frente aos interesses
das classes hegemônicas. De acordo com Girardi (2022
os negros são sistematicamente tolhidos do acesso à terra, [...] nada foi feito para que os negros
tivessem o acesso a ela, salvo o caso do reconhecimento das terras quilombolas previsto na
. Esse é o início de uma política nacional focada no povo quilombola,
com a regularização fundiária dos territórios quilombolas.
232
[...] não se trata de distribuir lotes individuais de terra a membros das comunidades
quilombolas, mas de se reconhecer a propriedade coletiva de um território de uso e
ocupação tradicional, que seja capas de assegurar a reprodução física, social, cultural
e econômica e cultural das gerações presentes e futuras. (MARQUES, 2011, p. 16).
16).
No processo de luta, compreendo que a cada território quilombola devidamente
regularizado, constrói-se um arranjo socioterritorial que combate historicamente contradições
e desigualdades na distribuição de terras. Portanto, a terra-território quilombola redefine
fronteiras e limites territoriais, sendo a materialização de uma reparação histórica junto às
diversas gerações de famílias. Por fim, a presença do território quilombola regularizado
salvaguarda as tradições, a memória e os modos de viver e se expressar dos quilombolas. A
ação da coletividade, ou seja, das diversas gerações de famílias quilombolas, definiu os limites
físicos e simbólicos, circunscreveu o pertencimento e a identidade, bem como resguardou
alguns marcadores ancestrais em seus modos de vida nos territórios. Malcher (2017, p. 22)
afirma que as CRQs efetivação do direito
O território é formado por Encantados do Bom Jardim (EBJ) e Lagoa das Pedras
(LP) e totaliza uma área de 1.959,7452 hectares. Esse território quilombola é entrecortado pela
rodovia CE-157, na zona rural do município de Tamboril, na porção Centro-Oeste do Ceará
(MARQUES, 2009b; CARVALHO, 2020). Encontra-se a 10 km da sede municipal e a 272 km
da cidade de Fortaleza, possuindo altitudes médias de 330 metros, conforme dados coletados
em campo para a composição do Mapa 4.
Nesse território, residem um total de 68 famílias e o número de moradores no ano
de 2021 totalizou 198 pessoas, segundo a liderança da Associação da Comunidade Quilombola
Encantados do Bom Jardim que foi fundada em 18 de outubro de 1988.
De acordo com o Mapa 4, as localidades de Encantados do Bom Jardim e Lagoa
das Pedras formam uma área contígua de terras quilombolas, arrodeadas propriedades agrícolas
de herdeiros dos coronéis ou outros proprietários que compraram as terras das antigas fazendas.
No território Encantados do Bom Jardim, a área residencial é formada por 70 casas,
sendo 55 de alvenaria e 15 de taipa, com a presença de 36 cisternas e 2 barragens próximas, 5
poços profundos e 8 cacimbas para o acesso e o armazenamento d´água. Nos quintais das
residências de Encantados do Bom Jardim, encontram-se a criação de aves, hortas e árvores
frutíferas (CEARÁ, 2019). Em Lagoa das Pedras, são 16 residências todas de alvenaria e com
cisterna para o armazenamento d´água (CARVALHO, 2020).
Na Figura 15, a seguir, destaco a entrada principal dessa comunidade.
Figura 15 Registro de algumas residências na comunidade quilombola de Lagoa das Pedras
uma prática antiga de mineração. E, devido as explosões para a extração dos blocos de rochas,
a lagoa se formou na borda do afloramento rochoso, conforme destacado no Mapa 4.
As áreas de Agricultura, conforme verificado em trabalhos de campo, são
compostas por plantações de milho e feijão, seguidas de uma produção inferior de banana e
mandioca (MARQUES, 2009; CARVALHO, 2020). Uma das etapas do cultivo do feijão é
colocá-lo para secar e, só então, debulhar. Na Figura 16, a seguir, há um registro da paisagem
cotidiana no quilombo.
Embora a principal fonte de renda seja a Agricultura, hoje eu vejo ela deixada de lado,
as pessoas já não tem mais aquela sede de trabalho como antigamente, por exemplo.
A grande luta era para termos um espaço para as pessoas trabalharem e hoje que tem
terra, tem espaço que tem como produzir, eu percebo por parte dos mais novos um
desinteresse muito grande. (Erinete dos Santos Oliveira, negra, 49 anos, Encantados
do Bom Jardim, 2021).
238
Convém destacar que o pequeno rebanho e as roças são, na maioria, voltados para
autoconsumo da comunidade Lagoa das Pedras, exceto uma das famílias que contém um
pequeno rebanho bovino do qual comercializa o leite. Segundo os relatos, são praticados alguns
cuidados de saúde na criação de animais, tais como: a aplicação de vacinas contra a febre aftosa
e a vacinação contra a raiva.
239
A área de reserva legal, indicada no Mapa 4, foi determinada pelo INCRA a partir
do trabalho de campo na delimitação do território. Correspondeu a uma área de vegetação
densa, arbóreo-arbustiva e com algumas espécies faunísticas da localidade. Uma das atividades
citadas no RTDI que não foi mapeada é a extração de Carnaúba, Oiticida, Pequi e Babaçu
(CEARÁ, 2019).
Além de produtores rurais, destaco as lideranças religiosas nas articulações social
e política da comunidade, tendo em vista à presença do salão paroquial, onde se encontra e
detém uma agenda de festejos, celebrações e demais reuniões sobre as pautas quilombolas. A
presença da escola quilombola no território influencia o engajamento de educadoras
quilombolas que atendem quilombolas e não-quilombolas das proximidades em suas práticas
escolares. O fato de duas professoras com o Ensino Superior estarem na escola quilombola é
uma conquista para o território.
Por outro lado, as comunidades vivenciam descasos no setor da Educação. No
primeiro momento, a construção do novo prédio da escola representou outra conquista do
território. No entanto, se tornou um descaso com o embargo da finalização e da entrega do
prédio. As condições atuais da obra inacabada encontram-se na Figura 18, a seguir:
240
Figura 18 Prédio novo da Escola Municipal de Ensino Fundamental Joaquim Ribeiro dos
Santos
sendo construída desde 2019, com recursos do Programa Brasil Quilombola, em parceria com
a Prefeitura Municipal de Tamboril. Moradores afirmam que a mudança de gestão municipal
ocasionou a parada da obra e não ocorreu retorno/explicação do Poder Público sobre a situação.
A escola antiga encontra-se próxima ao prédio novo, e atualmente se encontra em
funcionamento, atendendo uma matrícula de 105 educandos quilombolas e não quilombolas. A
Figura 19, a seguir, retrata a escola antiga do território.
Essa escola destacada na Figura 19 é composta por três salas de aula, cozinha,
banheiros e uma sala de apoio. Encontra-se funcionando nos turnos manhã e da tarde, com uma
matrícula, no ano de 2021, de 104 educandos.
A equipe docente é composta por profissionais com formação em Nível Superior e
Especialização. Uma educadora e a gestora escolar são quilombolas de Encantados do Bom
Jardim. Em Lagoa das Pedras, recentemente, dois moradores terminaram a Licenciatura em
Letras, mas ainda não exercem a profissão docente.
Além disso, as conversas informais revelaram um elevado número de quilombolas
que não foram alfabetizadas e de jovens que abandonaram a escola no Ensino Médio. Na
percepção das falas, identifiquei que as famílias não acreditam no papel transformador da
Educação, o que se tornou uma preocupação e um desafio ao trabalho das educadoras.
A Internet chegou à escola durante a pandemia e algumas aulas e atividades
passaram a ser virtuais, mas nem todos os educandos possuíam computador ou smartphones
242
A Casa Grande destacada na Figura 20, é chamada assim pelos quilombolas por
ser a maior propriedade da área e a sede da antiga Fazenda Bom Jardim. Encontra-se às margens
da estrada que atravessa o território. A funcionalidade desse espaço relaciona-se ao atendimento
à saúde quilombola pela UBS. Vale destacar que a fachada do prédio não foi atualizada e ainda
continua com a sigla do programa anterior.
Das principais funções da UBS-Bom Jardim junto as famílias, destacam-se: auxiliar
o cadastro em programas sociais; orientar sobre o uso e a qualidade da água; distribuir cloro;
orientar sobre as campanhas de vacinação e aplicar as vacinas; identificar, monitorar e
acompanhar gestantes; acompanhar o crescimento e o desenvolvimento infantil; distribuir
remédios (CEARÁ, 2019). Conforme uma das entrevistadas, a principal luta em relação à saúde
é por um médico dentista, tendo em vista que para obter o atendimento tem que se deslocar até
a sede do município.
A espacialização do uso e ocupação tradicional quilombola de Brutos tem como
base a delimitação proposta em seu RTDI e com algumas atualizações fitas a partir do trabalho
de campo, que resultou no Mapa 5, a seguir:
244
se encontram motivados para encarar a rotina de deslocamentos a fim de frequentar escolas fora
do território.
Relatos apontaram diversas manifestações culturais negras na comunidade, tais
como: um grupo de Capoeira e Maculelê, uma Quadrilha Junina e ainda o grupo da Dança de
São Gonçalo. Conforme a liderança, esse último esteve ativo até o ano de 2001 quando o seu
principal puxador José Perez, apelidado de Zé Fonfon faleceu e o grupo se desarticulou. A
Capoeira e o Maculelê se apresentaram diversas vezes, em datas como o 20 de novembro, dia
da Consciência Negra, e no 13 de maio, dia da Abolição da Escravização no Brasil. E, a
Quadrilha Junina, destacada na Figura 22, geralmente, participa dos festejos realizados no mês
de junho para Santo Antônio (MARQUES, 2011).
Figura 22 Painel de registros das apresentações da quadrilha junina de Brutos nos anos
2000
Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse quilombo, encontram-se parteiras, benzedeiras
e curandeiras que atendem à população do quilombo. São mulheres idosas que, devido a
pandemia optaram por não participar da pesquisa.
No tocante à religiosidade de matriz africana, uma das famílias se autodefine como
umbandista e frequenta o Terreiro de São Jorge da Mãe Raimundinha, localizado na sede
municipal de Tamboril. Essa sacerdotisa é procurada por alguns moradores em busca de curas
físicas ou espirituais. Identifiquei um ponto comercial na sede de Tamboril que comercializa os
produtos da prática religiosa da Umbanda. Isso indica a presença de outros templos religiosos
e demais praticantes das religiões de matriz africana.
Na representação da terra-território tradicional quilombola da Barriguda, utilizei as
mesmas formas de uso e ocupação por entender que, no processo de certificação e da elaboração
do RTDI, serão essas categorias a serem trabalhadas e representadas, as quais encontra-se no
Mapa 6, a seguir:
249
80
Entrevista realizada dia 13 set. 2021, na comunidade da Barriguda, Tamboril, Ceará.
253
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
81
É um rito preliminar às cerimônias que invoca as entidades da linha de Exú na Umbanda (LOPES, 2011). É
uma comida sagrada feita de farinha e dendê e outros temperos que variam de acordo com a intenção de quem
oferta. O Padê, de farinha com dendê, que oferto revela que a cada encruzilhada houve uma escolha e uma
intenção na construção dos caminhos percorridos desta pesquisa. Laroyê!
257
dos sertões, da presença negra e dos territórios quilombolas. Olhei o passado para refletir o
presente ressignificado, além de problematizar, ampliar e, sobretudo, reafirmar as heranças dos
povos afrodiaspóricos no Ceará.
A análise da Geografia do passado me fez seguir o curso da dispersão africana, no
qual refleti sobre os processos de deslocamentos intercontinentais e interprovinciais que
desaguaram no território cearense. Aqui chegaram os ancestrais africanos trazidos na condição
de escravizados. A diversidade de povos recriou os modos de vida afrodiaspóricos e contribuiu
para a formação histórico-cultural do povo e do quilombo cearense.
Foi desafiador conduzir uma discussão em que o apagamento é latente na
incompletude dos dados populacionais negros na Província do Ceará. Porém, estava obstinada
a revelar os caminhos e a presença do meu povo no território, na tentativa de remontar a
presença e a trajetória africana e afro-brasileira, bem como abrir caminhos para outras narrativas
e aquilombamentos geográficos sertanejos.
As relações diaspóricas entre a África e o Brasil revelam as influências africanas na
formação do povo, das vilas coloniais, e especialmente, dos quilombos. Abordar a diáspora
africana no Brasil e no Ceará possibilitou compreender os fluxos do tráfico transatlântico;
conhecer algumas identidades culturais em conexão com a África; e identificar a presença de
diversos povos africanos no Ceará, os quais materializaram formas híbridas de cultura,
presentes no modo de vida do quilombo contemporâneo.
Em se tratando da população da Província do Ceará do século XIX, considero que
os levantamentos de 1804, 1808 e 1813 são referências distorcidas da realidade, à medida que
atenderam somente aos seguintes critérios de classificação: sexo (mulher e homem), raça
(branca, preta, indígena, parda, mulata, entre outros) e condição jurídica (escravizados e
libertos). Os 3 (três) censos apresentam a exclusão do grupo populacional indígena, além da
omissão de dados sobre religião e da origem dos escravizados nas vilas, são, portanto,
incompletos e subestimados.
No Ceará de 1804, os povos negros e os seus descendentes não tiveram a sua origem
étnica registrada, tampouco, reconhecida em todos os lugares da Província. Percebe-se, ainda,
a exclusão dos povos originários que se encontravam presentes no território cearense e não
foram recenseados. Trata-se de um levantamento que intenciona, entre outros aspectos,
promover o apagamento e o desconhecimento dessas populações. De todo modo, as vilas que
apresentaram população negra a partir de 2.000 habitantes, as maiores concentrações ocorreram
em: Crato, Sobral, São João do Príncipe (Tauá) e Icó.
258
82
Jornal OPOVO. Ceará tem 131 localidades indígenas e 181 quilombolas. Anuário do Ceará 2002-2023.
Disponível em: https://www.anuariodoceara.com.br/noticias/ceara-tem-131-localidades-indigenas-e-181-
quilombolas/ Acesso em: 10 jan. 2023.
260
e a elite eram as donas das terras, além daqueles que atuavam nas tropas militares, compunham
as classes dominantes e intermediárias.
A quizila presente nas classes dominantes são as divergências dessas sobre a
preservação do sistema escravista. Uma parte construiu a campanha abolicionista em benefício
de sua própria ascensão política. Nesse cenário, identifiquei o èjó demarcado na Data Magna,
ao enfatizarem o pioneirismo branco e elitista nesse processo libertário, sufocando trajetórias
de luta dos protagonistas negros da época.
Ao longo dos séculos, os vários 25 de março competem, convivem e se excluem no
registro histórico e no imaginário do povo cearense. Percebo a necessidade de uma abordagem
ressignificada e crítica desconstruindo os abusos, os erros e as distorções do processo libertário
ainda embranquecido no Ceará. Considero o ebó da resistência negra aos pagamentos e ao
racismo, a manifestação cultural do Maracatu como tradição simbólica, representando a festa
de origem negra que ressignifica a Data Magna e ressalta o trabalho das coletividades negras
na cidade. A produção e a reprodução da cultura e dos modos de vida afro-diaspóricos são
materializadas nos sambas e afoxés, nos terreiros de matriz africana, na capoeira, nas coroações
de reis e rainhas negros na Irmandade do Rosário dos Homens Pretos, entre outros.
Acredito no ebó da liberdade incompleta, na oralidade e nas memórias daqueles que
vieram antes de nós como formas de registro e perpetuação da nossa história. É possível e
necessário ressignificar o processo libertário cearense, ressaltando as vozes negras e os
elementos culturais negros que lutaram por liberdade. Vamos maracatucar nas ruas, nas escolas,
nas praças, nas redes sociais e rememorar a luta dos nossos ancestrais.
O passado guardado nos dados, nas memórias, nas narrativas e nos espaços foram
descortinados com o intuito de ressignificar o que sabemos sobre o nosso povo hoje e sobre
aqueles que nos precederam. A palavra quilombo originou conceitos, expressões diversas,
como comunidades descendentes de antigos quilombos, comunidades remanescentes de
quilombos, comunidades negras rurais, territorialidade quilombola, territórios quilombolas,
quilombismo, agrupamentos negros, territórios negros, entre outros. Identifiquei as
semelhanças culturais e territoriais do quilombo brasileiro com o quilombo africano,
entendendo-os, assim, como territórios que resguardam o pertencimento e a identidade negra.
Estudar o território pelo viés político e simbólico-cultural possibilitou entender e
espacializar processos geohistóricos da formação dos quilombos tamborilenses. Além disso,
demarcou quem são, quantos são, que caminhos percorreram até a ocupação secular das terras
quilombolas mencionadas.
261
gerações atuais e futuras no/do quilombo. Estes movimentos não podem ser olhados de forma
inteiramente similar, mas com uma correlação e um entrelaçamento. Lutam pela valorização e
garantia do povo negro, porém, a partir de dinâmicas diferenciadas nos espaços urbano e rural,
por exemplo.
Considero, portanto, que o ebó do movimento socioterritorial quilombola é
causador de mudanças comportamentais no espaço rural e agrário quando rompe
cotidianamente as quizilas e ejós do racismo enraizados na sociedade cearense.
A herança africana de luta e resistência no quilombo pode ser considerada um ebó,
ou seja, um ritual que limpa, descarrega e fortalece as lutas contínuas, honrando, assim, os
ancestrais. Desse modo, o ebó do movimento socioterritorial quilombola é uma forma de abrir
caminhos na busca pela reafirmação das territorialidades quilombolas do Ceará, que nos tempos
atuais, se mobilizam pelo direito à Terra, à Educação, à Saúde, à Cultura, entre outros. Ainda
assim, das 87 comunidades quilombolas cearenses somente 50 possuem a certificação pela
FCP, o que comprova o quão desafiador é para a militância e a sociedade buscar a garantia de
diretos dos povos quilombolas no Ceará.
De todo modo, o ebó da luta territorial nos ensina que outras fronteiras e limites da
terra-território podem ser estabelecidas em prol da coletividade e dos saberes e fazeres
tradicionais e ancestrais do quilombo.
Nesse emaranhado de relações, percebi o quanto esses percursos retratam a minha
origem ancestral e, ao olhar os meus marcadores das africanidades ao longo dos últimos anos
nas formações continuadas, nas oficinas, nos eventos e nas leituras e nos trabalhos e visitas
realizadas como técnica da SEDUC, me deparei com a oportunidade de destacar os marcadores
das africanidades que atravessam a minha percepção dos quilombos sertanejos de Tamboril.
Portanto, tracei uma rota para a sua identificação nos territórios e nas narrativas
quilombolas. Na minha tese dialoguei sobre nomes, sobrenomes e toponímias, por entender o
quanto os nomes das pessoas e dos lugares refletem os contextos históricos e raciais que os
originaram. Enxerguei os sucessivos deslocamentos na construção de pertencimentos ao lugar
e, ao mesmo tempo, na fuga e no abandono desses. Em seguida, almejei a terra-território
enquanto um par dialético em que os quilombolas fincam as suas bases materiais e imateriais
de ser e existir nos sertões.
Destaco, como primeiro marcador, a consanguinidade na formação dos troncos
familiares, uma vez que ocorreram uniões matrimoniais entre irmãos bem como entre primos.
263
Percebi que a ancestralidade quilombola tem, na maior parte de seu povo, origens baianas e
piauienses.
A segunda marca ancestral é a formação de numerosas famílias e, à medida que
alguns formavam seus núcleos familiares, buscavam residir próximos uns dos outros o que
demonstrou o grau de pertencimento ao lugar e a resistências as formas de exclusão e opressão
do poder hegemônico outras famílias, por reconhecer que não tinham condições de
sobreviver, se viram obrigadas a migrar para outros estados e passaram a residir fora do
território quilombola. Ou seja, trata-se da quarta marca ancestral que é a dos sucessivos
deslocamentos. Esse é um fenômeno geográfico que associa o passado ao presente das famílias
destacadas.
A quinta marca dos quilombos é que
Compreendo que, a partir das opressões vivenciadas nas vilas coloniais, os índios, negros e
brancos pobres se rebelaram e territorializaram outros espaços, constituindo o quilombo
multiétnico.
Os territórios quilombolas de Tamboril possuem matrizes raciais distintas, mesmo
diante dos laços de consanguinidade apresentados. Se constituem uma forma africana de re-
existir no Brasil e no Ceará, agregando práticas indígenas e europeias em seu cotidiano, na
religião e na relação com a terra-território.
A sexta marca ancestral é da luta quilombola que antecede os demais movimentos
sociais brasileiros, ou seja, é uma herança dos antepassados africanos. Nesse processo histórico
e contínuo do movimento socioterritorial quilombola, em um país racista e desigual como o
Brasil, as gerações de famílias deixam aos mais novos, além de suas memórias e modos de vida,
a continuidade da luta pela reafirmação de direitos, tendo como centralidade o território.
Compreendo que, para além do reconhecimento, da titulação das terras e diante de processos
que silenciaram as suas vozes, o movimento de aquilombar-se é, sobretudo, contínuo e histórico
para o povo quilombola, simbolizando uma luta por diversos direitos (SOUZA, 2008).
Por fim, a relação com a terra-território é uma sétima marca ancestral, uma vez que
esse chão e tudo que se faz nele é coletivo e para o coletivo. É da agricultura familiar e da
criação de animais na terra-território as bases que sustentam as famílias, além de aposentadorias
e dos programas de transferência de renda.
As lavouras de feijão, milho e mandioca são predominantes nos territórios.
Entretanto, são práticas tradicionais, ou seja, são formas de produção natural dos alimentos,
264
nem o uso de veneno nas lavouras quilombolas. Ao mesmo tempo, esses roçados quilombolas
se encontram cercados por fazendas, ou seja, grandes e médias propriedades que tencionam
suas fronteiras e limites territoriais e reafirmam a concentração de terras dos tempos coloniais
no Ceará e no município de Tamboril.
Portanto, a terra é a base material da vida no quilombo e o território é o resultado
de uma luta, é um instrumento jurídico com fronteiras, limites, nomes e espaços que garantem
o uso e a ocupação tradicional e ancestral desse grupo racial.
Ao longo das narrativas, os sujeitos quilombolas se reportaram aos diversos espaços
que concebem como sendo de referência histórica nos territórios e que são cotidianamente
vivenciados, tais como a escola, a Casa Grande, a Lagoa das Pedras, o oratório da Nossa
Senhora das Graças, o salão paroquial, a Serra do Encanto, entre outros. Essas são relações de
pertencimento construídas pelo povo negro e não-negro do quilombo com o seu passado e o
seu presente e encontram-se eternizadas em suas memórias individuais e coletivas, bem como
na sua relação com a terra-território.
Ao elencar estes marcadores ancestrais quilombolas, foi possível compreender que
o direito ao território por parte destes povos deve ser garantido, através do compromisso
político, de mecanismos legais e de políticas afirmativas que reconheçam e valorizem as nossas
culturas ancestrais no Estado. Para tanto, enfatizei as lutas, as ancestralidades e a formação dos
territórios quilombolas, a partir de aspectos Geohistóricos e Geocartográficos.
Esta pesquisa é para não esquecermos da resistência do povo negro e do povo
quilombola frente às diversas formas racistas materializadas no fazer científico, no desenrolar
da história, no estabelecimento das toponímias de lugares e prédios públicos e na luta por
direitos já garantidos na Constituição de 1988.
O Ceará que se disse abolicionista, no século XIX, acumula junto com o Governo
Federal uma dívida secular no reconhecimento de direitos étnicos das comunidades
quilombolas do século XXI. Acredito que somente por meio da mobilização coletiva e da
resistência modificam-se tais cenários garantindo, assim, ações, projetos e Políticas Públicas
assentadas nas demandas dos sujeitos.
Não se pode fazer vista grossa diante da morosidade, da burocracia e da falta de
compromisso político de governos municipais, estaduais e federais que emperram a
regularização de terras quilombolas. Diante da quizila entre os povos e o Poder Público na
resolução da regularização fundiária dos quilombos, compreendo a necessidade de desfazer,
265
refazer e fazer acontecer os processos diante das provas incontestáveis do reconhecimento dos
direitos dos povos quilombolas.
Trata-se de reparar uma dívida secular do Estado brasileiro com gerações de
famílias negras cearenses. Segundo Malcher (2017) é uma dívida social histórica, econômica,
política, cultural e religiosa de ausências, opressões e descasos com os territórios quilombolas.
Por fim, a pesquisa contribuiu para o entendimento do direito ao território pelas comunidades
quilombolas rurais e no fortalecimento das associações quilombolas, da CERQUICE e da
CONAQ, enquanto coletivos que são herdeiros de ancestralidade e culturas africanas e
afrodescendentes.
Ao mesmo tempo ampliei, enquanto professora-pesquisadora, o meu entendimento
sobre a demanda dos povos negros e quilombolas, construindo conhecimento e práticas
pedagógicas a partir de uma Geografia aquilombada e sertaneja. Com isso, perpetrei um
chamamento ao aquilombamento individual, teórico e coletivo da Geografia na abordagem da
questão racial do Ceará e do Brasil.
266
6 PÓSFÁCIO
A Ordem da Justiça Federal partiu do Juiz Daniel Guerra Alves da 22ª Vara
Regional de Crateús. Esta cerimônia representa a celebração da luta quilombola do Ceará,
especialmente, para as famílias Possidônio e Iré que permaneceram nessas terras no decorrer
267
dos séculos. Além disso, representa ainda uma reparação histórica do Poder Público que
reconhece o direito ao território deste povo negro quilombola. Diante dessas considerações a
cerimônia prosseguiu com as falas das pessoas presentes na Figura 26.
O território quilombola possui uma delimitação com área total de 900 hectares, o
documento concedeu a posse de mais da metade deste, ou seja, foi titulado como terra
quilombola 503,61 hectares de terra localizadas em Lagoa das Pedras.83
Vale destacar as falas da liderança quilombola estadual Renato Ferreira dos Santos
sobre o significado deste título de posso para o povo negro e quilombola do Ceará:
O sentimento de gratidão pela luta que a gente travou nestes últimos tempos.
Iniciamos esse processo em 2005 onde a gente começou a discutir a identidade da
comunidade e das pessoas como remanescentes de quilombos e aí em 2008 fomos
certificados pela FCP e abrimos o processo de regularização fundiária e de lá pra cá a
gente veio fazendo contando muito com o apoio das famílias que assumiram o
processo de querer a conquista da terra de querer se libertar de todo o processo
colocado nessa região. [...] Hoje estamos conquistando a terra e precisamos nos
organizar cada vez mais para buscar por políticas públicas que possam dar condições
de vida para o povo que aqui reside. (TITULAÇÃO, 2023). 84
83
Território Encantados do Bom Jardim e Lagoa das Pedras, em Tamboril, é reconhecido como terra quilombola.
Disponível em: https://blogdomanuelsales.com.br/2023/05/20/territorio-encantados-do-bom-jardim-e-lagoa-
das-pedras-em-tamboril-e-reconhecido-como-terra-quilombola/. Acesso em: 20 maio2023.
84
Trecho da fala de Renato Ferreira dos Santos na cerimônia de Titulação de posse do território quilombola
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Carlos Wellysson dos Santos; SANTOS, Anne Catherine Ferreira dos;
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Eu declaro que é de livre e espontânea vontade que aceito participar da pesquisa sobre As
territorialidades quilombolas no Ceará: lutas e ancestralidades, de autoria da pesquisadora Rosilene
Aires, aluna do curso de Doutorado em Geografia, do Programa de Pós-Graduação em Geografia, da
Universidade Federal do Ceará (UFC), sob a orientação do Professor Dr. Francisco Amaro Gomes de
Alencar. Declaro que fui informado (a) dos objetivos da pesquisa e concordo em ser entrevistado (a)
uma ou mais vezes pela pesquisadora em local e duração previamente ajustados, ( ) permitindo / ( )
não permitindo a gravação da entrevista. Fui informado (a) pela pesquisadora que a qualquer momento
posso me recusar a continuar participando da pesquisa e que posso retirar o meu consentimento, sem
que isso me traga qualquer prejuízo, desde que previamente e formalmente informado à pesquisadora.
Além disso, sei que não receberei nenhuma forma de pagamento por esta participação. ( ) Autorizo / (
) Não autorizo que meu nome seja divulgado nos resultados da pesquisa, comprometendo-se a
pesquisadora, a utilizar as informações que prestarei somente para os propósitos da pesquisa e para
publicações científicas sobre a temática. É de meu conhecimento que posso, a qualquer momento, ter
acesso às informações referentes à pesquisa, pelos telefones ou e-mail da pesquisadora. Eu declaro que
li cuidadosamente este Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e que, após sua leitura,
tive a oportunidade de fazer perguntas sobre o seu conteúdo, como, também, sobre a pesquisa, e recebi
explicações que responderam minhas dúvidas. Eu declaro, ainda, estar recebendo uma via assinada deste
termo.
Assinatura da pesquisadora
Atividade/Função: Telefone:
288
ROTEIRO DE ENTREVISTA
85
Esta música é uma homenagem a minha avó Mazé que permeou, com suas histórias, a minha infância. Foi
inspirada em Ercília Lima e Patrícia Adjoké Matos nas lives
realizada na plataforma Instagran no ano de 2020, na qual os participantes cantavam suas composições e outros
cantos.
290
14-Lugares míticos e territórios marcados pelas 29- Relação com a terra (vivências e
culturas simbologias)
15-Músicas, cantos, toques, ritmos, estilos 30-Outras práticas corporais (brincadeiras
tradicionais\jogos e outros)
16- Danças afro e indígenas