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FORTALEZA – CEARÁ
2015
LEANDRO VIEIRA CAVALCANTE
FORTALEZA – CEARÁ
2015
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Sistema de Bibliotecas
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Profa. Dra. Denise Elias (Orientadora)
Universidade Estadual do Ceará – UECE
________________________________________________
Profa. Dra. Aldiva Sales Diniz
Universidade Estadual Vale do Acaraú – UEVA
________________________________________________
Prof. Dr. Juscelino Eudâmidas Bezerra
Universidade de Brasília – UNB
Aos produtores de coco do Ceará, que muito me ensinaram.
Sem a ajuda deles a consecução deste trabalho não teria sido possível.
AGRADECIMENTOS
É impossível chegar ao final de um trabalho como este sem ter contado com a ajuda, direta ou
indireta, de inúmeras pessoas. Ninguém faz nada sozinho nesta vida, sobretudo um mestrado,
permeado de questões e desafios os quais não teríamos condições de resolver se não fosse o
auxílio recebido ao longo de todo o decorrer do curso e de redação da dissertação. Esse auxílio
partiu de diferentes pessoas e se deu de diversos modos, contribuindo sobremaneira para
chegarmos até aqui. Desse modo, faço questão de agradecer:
À minha mãe Julia e às minhas irmãs Juliana e Tatiana, que juntas tiveram uma participação
importante na formação da pessoa que hoje sou. Obrigado por serem, sempre, o meu porto
seguro, obrigado pelo apoio incondicional e por toda a ajuda durante o mestrado. Ao meu pai
Erivan, em memória, por nos ter mostrado que a honestidade é sempre o melhor caminho, e à
toda minha família, em especial as tias Aldina e Geruza.
Aos colegas de turma da graduação em Geografia, em especial às amigas Patrícia Fernandes e
Michelle Alves, pelo companheirismo e amizade verdadeira, pelas acolhidas e conversas
afáveis, por todos os momentos que vivenciamos juntos. Ainda às amigas Denise Nayara e
Josiane do Nascimento, e aos amigos Samuel Pereira, Rafaela Costa, Nívia Magalhães, Helena
Faustino, Bruno Régis, Paulo Servilio, William Carneiro, Marlus Almeida, entre outros, que
estiveram comigo durante toda a graduação.
Aos bons professores que tive na graduação, por todos os ensinamentos: Cristiane França,
Otávio Lemos, Alexandre Sabino, Luciana Freire, Elton Benevides, Daniel Figueiredo e
Eluziane Mendes. À professora Mariana Fernandes, em especial, pela parceria em vários
momentos, por ter me despertado para a Geografia Agrária, e ainda por me fazer perceber que
a construção de uma outra Geografia, para além da utopia, é verdadeiramente possível. À
professora Cláudia Grangeiro, pela gentileza e profissionalismo, como também pela sua
responsabilidade e compromisso moral com o curso de Geografia.
Aos colegas de turma do mestrado, em especial aos amigos Evelize Teixeira, Débora Freire,
Adriana Martins, Rafaela Martins, Rafael Brito e Leandro Almeida, por toda a ajuda, pelo
companheirismo e pelos ensinamentos, como também aos amigos Júnia de Cássia, Sarah
Bezerra, Otávio Barra, Graziela Gonçalves, Jáder Lima, Washington Bezerra e Luciano de
Paula, pelos aconselhamentos e por, juntos com os demais, terem contribuído para o bom
andamento do curso.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UECE: Otávio Lemos,
Cláudia Grangeiro, José Meneleu e Marcos Nogueira, por terem me mostrado possíveis formas
de apreensão do mundo que nos cerca. Aos professores Edilson Pereira Júnior, com o qual
realizei meu estágio docente, e Denise Bomtempo, responsável pelo seminário do mestrado,
pelo profissionalismo e compromisso. À professora Lúcia Brito, então coordenadora do
PropGeo, e ao professor José Borzacchiello, da UFC.
À equipe do Laboratório de Estudos Agrários (LEA), coordenado pela professora Denise Elias,
do qual faço parte desde a iniciação científica, onde aprendi grande parte do que sei de
metodologia da pesquisa científica e do contexto rural brasileiro. Aos amigos Elane Bezerra,
Érica Pinheiro, Edivania Marques e Sidney da Silva, pela amizade sincera e por todas as
inúmeras ajudas. Aos queridos Edna Couto, Lucenir Jerônimo, Iara Gomes, André Felipe,
Priscila Romcy, Rodrigo Queiroz, Luís Guilherme, Cícero Araújo, Beatriz Farias, Fábio
Siqueira e Thainá Ramos, pelos momentos compartilhados.
Às amigas Camila Dutra, Bruna Nogueira, Kassia Kiss e Gilda Rodrigues, também do LEA,
por toda a ajuda e pelo companheirismo. Cada uma delas, à sua maneira, esteve ao meu lado
em diversas ocasiões e, juntas, deram uma grande contribuição no sentido de avançar na
construção da dissertação. Elas ainda me mostraram, acima de tudo, que a verdadeira amizade
sobrepõe os muros da universidade e as paredes do laboratório, e que é possível nutri-la apesar
da distância e dos muitos desafios aos quais somos expostos todos os dias.
À professora Denise Elias, em especial, pela orientação deste trabalho. Agradeço também pela
seriedade, profissionalismo e dedicação. Pelo rigor metodológico e pelo compromisso com a
pesquisa. Pela confiança em mim depositada desde a iniciação científica, permitindo-me ir
muito além do que eu poderia imaginar. Por me fazer acreditar que tudo é possível e que
devemos sempre sentir saudades do futuro, necessitando apenas de coragem para enfrentá-lo e
para aproveitar o que está por vir. Ao professor Renato Pequeno, pela atenção.
Ao professor Juscelino Bezerra (UECE/UNB), pela importante contribuição no exame de
qualificação, na defesa e em diversas outras ocasiões, e à professora Aldiva Sales (UEVA), pelo
auxílio prestado no exame de qualificação e na defesa. Ainda às professoras Denise Bomtempo
(UECE), Maria do Céu (UFC), Eliane Tomiasi (UEL), Alexandrina Luz (UFS), Rosa Ester
Rossini (USP) e Darlene Aparecida (UNESP), pelas contribuições em alguns momentos de
contato e diálogo.
Aos colegas e amigos que fiz pelos corredores do bloco G e pelo PropGeo: Tereza Vasconcelos,
Victa Andrade, Kailton Jonathan, Ana Lívia Mourão, Heron Freire, Cristiane França, Vanessa
Silva, Glauciana Teles, Yara Castro, Diego Salvador, Rose Maia, entre outros. Às pessoas que
trabalham na UECE, por todas as ajudas: Júlia Oliveira e Adriana (do PropGeo), Abu e Rogério
(da Xerox Central), Neide e Ester (da Ester Lanches), Seu Francisco e Aparecida (do setor de
limpeza), Paulo e Val (da coordenação em Geografia).
Aos amigos Danilo Alcantara, em especial, pelo companheirismo e cumplicidade, pelas
palavras amigas, pelo apoio em momentos difíceis e pela amizade sincera, e Marcos Rodrigues,
também pelo companheirismo e cumplicidade, pelos sonhos compartilhados e pelas conquistas
comemoradas conjuntamente. Aos queridos Cláudio Smalley e Aline Sulzbacher, pela amizade
e pelos debates geográficos.
Às pessoas com as quais convivi na França, onde fiz um mestrado na Université Paris 1 e onde
as ajudas se somaram. Inicialmente aos professores Eve-Anne Bühler e Pierre Gautreau, pela
orientação do mémoire e sobretudo pelos conselhos, sugestões e críticas, que muito colaboraram
para o meu crescimento pessoal e acadêmico. Também à Evelyne Mesclier e Vildan Dogan (do
Institut de Recherche pour le Développement), pela acolhida e gentileza. Ainda aos professores
Jean-Louis Chaléard, Christine Raimond e Thierry Sanjuan, pelos importantes ensinamentos.
Aos amigos e companheiros de turma do master, através dos quais pude conhecer tantas
histórias e tantas geografias e me deparar com a diversidade existente no mundo. Às amigas
Patricia Llanos e Flora Rigo, em especial, pelo carinho, pela parceira e pela amizade sempre
sincera, e ao amigo Octavio Mendoza, pelo companheirismo e ajuda nos mapas. Aos amigos
Qi Yang, Melis Eren, Fabien Langeau, Camille Laurent, Vanessa Serykore, David Espinosa,
Ngakoutou Mbangnoudji, Tchaba Patouani, Celia Auquier, Robert Vargas, Carolina
Hernandez, Jenifer Suárez e Linda Marti.
À família francesa que me acolheu em Paris, em especial, pela carinhosa e gentil acolhida,
proporcionando-me viver bons e importantes momentos. À Micheline Lecomte, de todo o
coração, pelo acolhimento, amizade e conversas afáveis; aos seus filhos Fabrice, Pascalle,
Pascal e Marie, pela hospitalidade e gentileza; e à amiga Laure Haumont, por ter dividido sua
família comigo e por toda a ajuda desde o início. Aos amigos e companheiros de vida parisiense:
Julia Sillo, Thania Alvarez, Sisco Henry e Diea Khemiri, pela amizade.
A todos aqueles que gentilmente me receberam durante os trabalhos de campo, que foram
substanciais para o desenrolar desta pesquisa. Em particular Cícero Araújo, por te me recebido
em sua casa, César Augusto, pelas corridas de moto-táxi, seu Edilson, dona Teresinha, Nivardo,
Romildo, Erandir e seu Zé Maria, pela disponibilidade, dona Euzimar, José Wagner e seu
Venâncio, pelos exemplos de força e superação, dona Ana e seu Val Íris, pelo acolhimento e
pelos exemplos que me levaram a continuar acreditando no futuro. E de entrevista em
entrevista, a partir do contato com o desconhecido, aprendi que o mundo é muito maior e muito
mais fascinante do que imaginamos. Sou muito grato por isso.
Aos funcionários dos seguintes órgãos públicos, pela ajuda: Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, Embrapa Agroindústria Tropical,
Central de Abastecimento do Ceará e Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará. Às
pessoas que atuam nos seguintes estabelecimentos visitados durante os trabalhos de campo,
pela disponibilidade: Secretarias Municipais de Agricultura e Sindicatos dos Trabalhadores
Rurais de Paraipaba, Trairi, Amontada, Itapipoca, Itarema e Acaraú, unidades da Ematerce,
empresas agrícolas e agroindustriais, associações e centros comunitários.
À Simone Pinho, pela revisão ortográfica da dissertação, e à Ariana Tabosa, pela correção do
résumé. À professora Valéria Sales, bem como aos meus ex-alunos e colegas do Colégio
Estadual Jenny Gomes, pelo encorajamento.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela concessão
das bolsas de iniciação científica e de mestrado, que me permitiram custear a realização desta
pesquisa, e pelo investimento na formação técnico-científica do país.
Por fim, a Deus, por ter me dado força, coragem, determinação e sabedoria, por ter me mostrado
que todo esforço vale a pena se realmente acreditarmos que somos capazes e que podemos ir
muito além. A conclusão deste mestrado é uma prova disso.
Muitas coisas são necessárias para mudar o mundo:
Raiva e tenacidade, Ciência e indignação,
A iniciativa rápida, a longa reflexão,
A fria paciência e a infinita perseverança,
A compreensão do caso particular e a compreensão do conjunto:
Somente as lições da realidade podem nos ensinar a transformar a realidade.
(Bertolt Brecht, em The Didactic Play of Baden).
O objetivo principal deste trabalho é compreender como se organiza a nova geografia do coco,
evidenciada a partir de uma reestruturação produtiva que atinge nacionalmente esse setor há
aproximadamente duas décadas e que provoca o desenrolar de novas e importantes dinâmicas
socioespaciais. Enquanto em períodos anteriores não existia um cultivo intensivo de coco no
país, uma vez que era produzido sobretudo em comunidades litorâneas e em pequenas
quantidades sob os moldes do extrativismo, atualmente observamos o desenvolvimento de um
novo modelo de produção do fruto em virtude da reestruturação produtiva em curso. Esse
processo pode ser caracterizado, entre outros, pela incorporação de novas tecnologias ao cultivo
de coco, pela expansão dos cultivos de coqueiro geneticamente modificado, pela popularização
e internacionalização do consumo de água de coco, pela dispersão espacial da produção de coco
e sua consequente especialização territorial, pelo aumento da quantidade produzida e da área
plantada com o fruto e pela consolidação de seu setor agroindustrial. Tudo isso vem acarretando
uma série de implicações no uso e ocupação do espaço agrícola e na organização das relações
sociais de produção do fruto, a exemplo do que é observado nos municípios que cultivam coco
no Ceará. Com efeito, esta pesquisa se dedica a analisar os principais rebatimentos
socioespaciais advindos com a reestruturação produtiva do setor do coco em território cearense,
focando principalmente na configuração dos espaços nos quais esse processo se materializa e
na atuação dos agentes aí inseridos, visando apresentar o desenvolvimento dessa nova geografia
do coco. Para tanto, baseamo-nos em uma metodologia constituída basicamente por um
levantamento bibliográfico acerca da temática, pela organização de um banco de dados
contendo diversos indicadores qualitativos e quantitativos, pela elaboração de uma hemeroteca
e pela realização de trabalhos de campo em alguns dos mais importantes municípios cearenses
produtores de coco. A partir da consecução desta pesquisa concluiu-se que, ao ter seu sistema
produtivo modificado e ao passar a ser produzido em novos espaços, o moderno cultivo do fruto
induziu o desenrolar de dinâmicas anteriormente não observadas, alterando a forma e o
conteúdo espaciais, que foram reorganizados visando atender a expansão e a consolidação da
produção intensiva de coco. A materialização dessa reestruturação produtiva mostrou
especialmente quanto esse processo pode ser excludente e conservador, colaborando para
acentuar ainda mais o caráter desigual de acumulação do capital, agora também observado com
um maior vigor no cultivo de coco, que não ficou à margem da territorialização do grande
capital no campo e que trouxe uma série de rebatimentos negativos ao espaço e à sociedade, a
exemplo da seletiva modernização do processo produtivo, da monopolização da produção e da
comercialização do fruto e da expansão da concentração fundiária, implicações que nos ajudam
a revelar o que há realmente por trás da nova geografia do coco no Brasil.
INTRODUÇÃO 14
APÊNDICES 292
14
INTRODUÇÃO
1
Estamos considerando o “setor do coco” como algo que remete conjuntamente à sua produção agrícola, ao seu
processamento industrial, à sua comercialização, à sua distribuição e ao seu consumo.
16
espaciais (SANTOS, 2009) são importantes categorias que nos permitem compreender os
rebatimentos advindos com essa reestruturação.
Para tanto, e com o objetivo de fornecer uma validade empírica capaz de demonstrar
com mais veemência o comportamento dos processos em curso, escolhemos tomar o Estado do
Ceará enquanto estudo de caso. O Ceará se destaca no cenário nacional como um dos mais
importantes produtores de coco, possuindo uma considerável área plantada com coqueiros e
uma grande quantidade produzida com o fruto, contando ainda com diversas empresas agrícolas
e agroindustriais especializadas no seu cultivo e processamento industrial, apresentando
também um circuito espacial produtivo de coco altamente dinâmico, que passa a ser
reorganizado em virtude da recente mutação observada nesse setor.
Existem determinados espaços no Ceará onde é possível vislumbrarmos o desenrolar de
diversas dinâmicas diretamente associadas a reestruturação produtiva em curso, sendo
importante, pois, tomar o território cearense enquanto o recorte espacial da presente pesquisa,
até mesmo para melhor entendermos o que acontece com a produção brasileira. Desse modo,
realizamos um estudo panorâmico, no intuito de abarcar, em partes, a compreensão da
reorganização do setor do coco no Brasil, e ao mesmo tempo partimos para um estudo que foca
no particular, analisando o novo comportamento desse setor no Ceará. Assim, pretendemos
fazer uma exposição centrada na análise conjunta da nova geografia do coco no Brasil, de um
modo geral, e no Ceará, mais especificamente.
Depois de apresentados os recortes temático e espacial da pesquisa, se faz importante
indicar as questões centrais que orientam o desenvolvimento da nossa investigação, as quais
seriam: como se organiza a nova geografia cearense do coco diante da reestruturação produtiva
que atinge nacionalmente esse setor e quais são as principais dinâmicas socioespaciais
resultantes desse processo? A partir dessa perspectiva, o objetivo principal deste trabalho é
compreender a organização da nova geografia do coco no Ceará, atentando para a reestruturação
produtiva que vem dinamizando o setor e para seus principais rebatimentos socioespaciais.
Nesse sentido, nossos objetivos específicos são:
d) indicar quem são os agentes inseridos no circuito espacial produtivo do coco no Ceará
e perceber de que maneira eles são inseridos nesse contexto de reestruturação produtiva;
Cabe destacar que a pesquisa aqui apresentada não teve início apenas quando da nossa
entrada no mestrado, haja vista que desde 2011 estudamos o contexto produtivo do coco,
incialmente com o intuito de concluirmos nosso trabalho de conclusão de curso, que teve como
objetivo principal a análise dos circuitos espaciais da produção do fruto em seis municípios do
litoral oeste cearense. Com essa pesquisa inicial, nos deparamos com diversas dinâmicas
associadas ao setor do coco como um todo – setor esse que vinha passando por inúmeras
transformações, as quais não foram contempladas na monografia. Concluído esse trabalho2,
passamos a nos dedicar à proposta que, depois de muitas lapidações, resultou na dissertação.
Já outra atividade que contribuiu para o atual estágio da investigação ora apresentada
foi a elaboração de um relatório de pesquisa, o mémoire3 – realizado em função de um master
(semelhante a um mestrado) que fizemos na Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne, na França,
no período de 2013 a 2014 –, no qual expusemos o contexto de reestruturação produtiva do
setor do coco no Brasil e analisamos seus rebatimentos em um perímetro irrigado cearense.
Assim, a realização desses dois trabalhos (a monografia e o mémoire) nos permitiu avançar na
compreensão do contexto produtivo do coco e nos possibilitou inclusive perceber as mudanças
pelas quais ele passa, já que estamos trabalhando com o mesmo objeto de estudo há mais de
quatro anos. No entanto, esse estudo pôde ser consideravelmente aprofundado somente a partir
da realização da pesquisa do mestrado, que foi de março de 2013 a abril de 2015.
A exposição dos resultados desta pesquisa, aqui apresentados em formato de
dissertação, foi dividida em cinco capítulos, interligados entre si. No primeiro deles, tratamos
de fornecer elementos que justificam a existência de uma verdadeira “geografia do coco”,
indicando o que faz da produção desse fruto um objeto de estudo da Geografia. Aqui são
apresentados ainda os principais pressupostos teóricos considerados para dar suporte à
pesquisa. Os procedimentos metodológicos também são indicados nesse capítulo, no intuito de
expor detalhadamente todo o percurso de consecução do nosso trabalho de investigação.
Já no segundo capítulo a organização socioespacial e produtiva do coco no Brasil é
evidenciada, onde indicamos algumas características que perpassam seu sistema produtivo e o
histórico dessa produção no país. São apresentados também os mais importantes elementos que
caracterizam a reestruturação do setor, destacando principalmente a modernização do seu
processo produtivo, a popularização e internacionalização do consumo de água de coco e a
2
Que teve como título “Os circuitos espaciais e os círculos de cooperação da produção de coco no Litoral Oeste
do Ceará” (CAVALCANTE, 2012), realizado sob a orientação da professora Denise Elias.
3
Que teve como título “La restructuration de la production de noix de coco au Brésil: enjeux et défis. Le cas des
nouvelles dynamiques socio-spatiales du Périmètre Irrigué Curu-Paraipaba” (CAVALCANTE, 2014), realizado
sob a orientação dos professores Pierre Gautreau e Eve-Anne Bühler.
19
Capítulo 1
Partindo do princípio de que não há pesquisa científica sem teoria e sem metodologia,
procuramos neste capítulo apresentar as proposições teóricas e o percurso metodológico de
nosso estudo, antes de adentrar mais a fundo a produção de coco, objeto maior de nossa
investigação. Explanamos, inicialmente, acerca do objeto de pesquisa geográfico, visando
justificar o porquê de se trabalhar a produção de coco sob o viés da Geografia e indicando
elementos que comprovem a existência de uma verdadeira “geografia do coco”. Além disso,
apresentamos as principais noções que estamos considerando ao longo da dissertação, que nos
dão um importante suporte teórico. Na sequência, dedicamo-nos a indicar como a pesquisa foi
realizada, evidenciando os procedimentos metodológicos tomados no decorrer desse processo,
atentando para a construção de uma matriz analítica associada a uma busca bibliográfica, de
dados e de informações.
“Mas o que o coco tem a ver com a Geografia?”. Essa foi a pergunta que mais ouvimos
quando da realização de nossos trabalhos de campo e que nos levou a pensar o porquê de o coco
(e todo seu circuito espacial produtivo) poder ser considerado, de fato, um objeto de estudo
geográfico. Entretanto, antes de entrarmos nessa questão, é preciso discutir primeiramente qual
a natureza do objeto de pesquisa da ciência geográfica e o que torna os fenômenos ocorridos
em um dado espaço passíveis de investigação por parte dos geógrafos. Nesse sentido, será que
podemos falar da existência de um objeto geográfico? É o que pergunta Santos (2009) em A
natureza do espaço. E se esse objeto geográfico realmente existe, então o que seria ele?
O referido autor atesta que assim como em outras disciplinas é comum se falar da
existência de “um objeto social ou um objeto antropológico, entende-se que, numa disciplina
geográfica sequiosa de autonomia – e de legitimidade epistemológica – também se queira
afirmar a existência de um objeto próprio” (SANTOS, 2009, p. 72). Com isso, pode-se
considerar que há algo inerente à ciência geográfica e que é perfeitamente passível de se tornar
seu objeto de estudo. Desse modo, e de acordo com Lévy e Lussault (2013, p. 734), em
Dictionnaire de la Géographie et de l’espace des sociétés, “o geógrafo apreende o espaço a
partir da criação de objetos geográficos, que tornam possíveis seu trabalho de investigação”.
De acordo com Santos (2009, p. 72), “os objetos que interessam à Geografia não são
apenas objetos móveis, mas também imóveis, tal uma cidade, uma barragem, uma estrada de
21
rodagem, um porto, uma floresta, uma plantação, um lago, uma montanha. Tudo isso são
objetos geográficos”. Dentro dessa perspectiva, Lévy e Lussault (2013, p. 734) também
acrescentam que “a cidade é um objeto geográfico, o urbano é um outro, assim como o finage,
o terroir, o rio, o sistema produtivo local, enfim, todas as unidades que compõem o espaço e a
espacialidade, em quaisquer que sejam as escalas”. Nesse sentido, infere-se que todo e qualquer
elemento inserido no espaço pode ser considerado enquanto um objeto geográfico.
Para os geógrafos, os objetos são tudo o que existe na superfície da Terra, toda
herança da história natural e todo resultado da ação humana que se objetivou.
Os objetos são esse extenso, essa objetividade, isso que se cria fora do homem
e se torna instrumento material de sua vida, em ambos os casos uma
exterioridade (SANTOS, 2009, p. 72-73).
tivermos do que deve ser o objeto da disciplina geográfica [é que] ficamos em condições de
tratar, geograficamente, os objetos encontrados”.
Nesse sentido, é perfeitamente possível trabalharmos a produção de coco a partir de uma
perspectiva geográfica, que inclusive há tempos é objeto de estudos realizados por geógrafos,
entre os quais destacamos os apresentados por Santos (1941) e Pedrosa (1947), estudos
pioneiros realizados na Geografia acerca do contexto produtivo do coco. Esses artigos foram
publicados nos primeiros volumes da Revista Brasileira de Geografia, editada pelo IBGE, como
parte do projeto “Tipos e Aspectos do Brasil”, que vinha apresentando um grande panorama
geográfico e cultural do país. Neles os autores caracterizaram, respectivamente, a produção de
coco no litoral nordestino e os trabalhadores que faziam a colheita do fruto.
Além desses artigos, destacam-se também as seguintes publicações: o artigo de Simões
(1954), no qual ela apresenta a distribuição espacial do cultivo do fruto na Bahia; a importante
obra A terra e o homem no Nordeste, de Andrade (1964), onde a produção de coco ganha um
relativo destaque, especialmente quando o autor analisa como o seu cultivo se difundiu nessa
região, quais as utilidades do coqueiro e dos frutos e como se processavam as relações de
trabalho nos coqueirais; o artigo também de Andrade (1968), onde ele realiza uma breve análise
da produção de coco em Alagoas; a dissertação de França (1988) e a tese de Costa (1998), que
apresentam as características e as dinâmicas inseridas no cultivo do fruto realizado em Sergipe.
Fora essas publicações, poucos são outros trabalhos realizados por geógrafos acerca da
produção de coco, o que não nos impede de pensar na existência de uma peculiar “geografia do
coco”, que merece ser debatida e analisada com mais vigor, a fim de que se possa aprofundar o
conhecimento acerca das principais dinâmicas que permeiam o seu circuito espacial produtivo.
E esse seria, também, um dos objetivos do presente trabalho, que é dar uma contribuição ao
entendimento de parte dessas dinâmicas inerentes à produção desse fruto, que muitas vezes
passam despercebidas aos olhos de diversos pesquisadores, mas que são igualmente
importantes para a compreensão do processo de uso e organização do espaço rural brasileiro.
Desse modo, e a partir das proposições lançadas especialmente por Castro (1937, p. 23),
quando diz que “dentro do estudo da alimentação, formam-se, assim, especializações orientadas
para o seu estudo fisiológico, sua expressão sociológica, sua repercussão nos domínios da
antropologia, suas aplicações terapêuticas”, e por Freyre (1971, s.p.), ao assegurar que “todo
produto que seja, sob critério antropológico, à base de um complexo sociocultural de vida e de
convivência humana, é susceptível de servir de objeto a uma sociologia especializada no seu
estudo”, encontramos os fundamentos que justificam a existência de uma “geografia dos
alimentos”, uma “geografia dos produtos agrícolas”, e até mesmo de uma “geografia do coco”.
23
Desse modo, se todo produto tem uma história, uma antropologia4 e uma sociologia que lhe são
próprias, por que não também uma geografia5 que lhe seja particular?
Observando os estudos realizados pela Geografia Agrária, nota-se que é recorrente o
desenvolvimento de trabalhos que dão um especial destaque à conotação geográfica da
agricultura e dos produtos agrícolas. As obras organizadas por Elias e Pequeno (2006),
Bernardes e Ferreira Filho (2006), Charvet (2008), Marafon e Pessoa (2008), Bernardes e Aracri
(2010), Ferreira et al. (2011), Guibert e Jean (2011), Costa e Lisboa (2012), Nahum et al. (2014)
e Wizniewsky e David (2015), por exemplo, retratam muito bem esse debate, ao analisarem a
intrínseca relação entre a atividade agrícola e as inúmeras dinâmicas socioespaciais dela
resultantes. Além desses trabalhos, há vários outros que se dedicam a apreender a
geograficidade da produção agrícola, indicando a existência de um vasto campo de pesquisa6.
Com isso, percebe-se que dentro da Geografia Agrária existe um importante pluralismo
temático, teórico e metodológico7, que realiza desde estudos centrados na análise do espaço a
partir do desenvolvimento das atividades agrícolas e da modernização agropecuária, a aqueles
ligados à reprodução das relações sociais de produção, ao aprofundamento do modo de
produção capitalista no campo, à luta pela conquista e permanência na terra, à relação campo-
cidade, entre outros temas. Nesse sentido, em virtude desse pluralismo temático e teórico, nosso
estudo foi pensado, inicialmente, sob o viés da Geografia Agrária, entretanto recebeu fortes
aportes advindos principalmente da Geografia Econômica, assim como da Geografia Regional,
das Indústrias, da População e dos Serviços.
Assim, e de um modo geral, tomamos essa “geografia do coco” enquanto algo que
engloba elementos de diversas subdivisões da ciência geográfica, com o intuito de apreender
nosso objeto de estudo como um todo e não calcado apenas em aspectos meramente produtivos.
Entretanto, diante das nossas próprias limitações e a fim de alcançar os objetivos propostos com
este trabalho, concentraremos nossa análise especialmente na geografia da produção de coco,
enquanto atividade agrícola, assim como nas geografias da produção industrial e da
comercialização, tentando perceber suas principais nuances e articulações estabelecidas entre
espaços e agentes, não abrindo mão de apresentar ainda as geografias da distribuição e do
consumo do fruto, mesmo que parcialmente.
4
Lody (2011), em Coco: comida, cultura e patrimônio, apresenta uma antropologia do fruto, destacando
características da produção e do consumo de coco pelo mundo.
5
A partir da leitura de Paulino (2012), na obra Por uma geografia dos camponeses, fica claro que é possível
construir uma “geografia” de qualquer que seja o objeto, sendo obrigatório, no entanto, sempre considerar as
variáveis derivadas da intrínseca relação entre espaço, sociedade e tempo.
6
A exemplo que retrata Rieutort (2011) ao analisar o caso da Geografia Rural francesa.
7
Ideia compartilhada por autores como Andrade (1995), Bray (2007), Suzuki (2007) e Ferreira (2011).
24
Retomando nossa questão inicial: mas o que o coco tem a ver com a Geografia e quais
são os elementos que caracterizam o estudo da geografia do coco? Para responder a essas
perguntas é necessário atentarmos para a importância que a discussão em torno da noção de
espaço geográfico adquire para a compreensão dos processos inseridos especialmente no
cultivo de coco, tendo em vista que todo ato de produção agrícola é, ao mesmo tempo, um ato
de produção do espaço8, conforme aponta Santos (2008), tornando-se, pois, dois atos
indissociáveis, já que “não há produção que não seja produção do espaço” (SANTOS, 1994, p.
88)9. Nesse sentido, é preciso ficar claro que todo o movimento produtivo do coco é também
um fator que leva à (re)produção e à (re)organização do espaço10.
Esse movimento produtivo do coco vai originar espaços que lhe são bastante
particulares. Retomando a ideia de “instâncias produtivas” apresentada por Santos (1985), que
juntas nos dariam uma melhor compreensão do próprio espaço, entendido pelo autor como algo
uno, total e indivisível, vislumbramos a existência de no mínimo quatro instâncias ligadas à
produção: o espaço da produção propriamente dita, o da circulação, o da distribuição e o do
consumo, mutuamente interligados e interdependentes. Essas instâncias também são
observadas nessa geografia do coco, uma vez que desde a concepção e produção agrícola,
passando pelo processamento industrial, comercialização, circulação, distribuição e consumo
do fruto, observamos um processo constante de (re)produção e (re)organização do espaço.
Assim, sempre que nos referirmos aos “espaços de produção de coco”, por exemplo,
estaremos implicitamente considerando tais espaços como algo socialmente construídos e onde
se dão o desenrolar das relações sociais, considerando ainda seu histórico processo de produção
e seu permanente movimento de reprodução. Pensar nos “espaços de produção de coco” é ir
muito além da dimensão produtiva e abarcar de uma vez só as dimensões espacial e social, ou,
em uma só palavra, socioespaciais. É nesse sentido que pretendemos prosseguir na análise da
geografia do coco, abarcando sempre que possível seus aspectos produtivos conjuntamente com
os aspectos socioespaciais.
Isso nos levaria a uma questão de ordem eminentemente geográfica, pois compreender
como se organiza a geografia do coco é ir para além desse aspecto produtivo, é ver como o
espaço e a sociedade são inseridos nesse movimento específico que remete à produção do fruto.
8
“Produzir significa tirar da natureza os elementos indispensáveis à reprodução da vida. A produção, pois, supõe
uma intermediação entre o homem e natureza, através das técnicas e dos instrumentos de trabalho inventados para
o exercício desse intermédio” (SANTOS, 2008, p. 202).
9
O autor aborda essa questão em diversas obras, mas especialmente em Santos (2008), sobretudo no capítulo O
espaço total de nossos dias.
10
De acordo com Chaleard e Charvet (2004, p. 23), “os agricultores não produzem apenas gêneros agrícolas, eles
produzem também paisagens agrárias”, produzem, portanto, espaço.
25
Analisar essa geografia do coco, entre outras coisas, é identificar e perceber como se organizam
os fixos e fluxos11 relacionados ao seu circuito espacial produtivo; é compreender como se dão
as interações entre seus espaços de produção, distribuição, circulação e consumo; é analisar de
que maneira o global dinamiza o local, e vice-versa, e interfere na produção do fruto; é
compreender o papel de cada um dos agentes inseridos em seu circuito espacial produtivo e
analisar como eles se relacionam entre si; é atentar para o uso e gestão do território por parte
dessa produção e dos agentes que a dinamizam.
Além disso, e grosso modo, quando se analisa a geografia do coco se está diretamente
trabalhando com seu circuito espacial produtivo, que é importante para indicar as inúmeras
escalas pelas quais perpassam a produção do fruto, unindo em um só movimento todas as
instâncias produtivas relacionadas ao setor, espacialmente dispersas. Diversos são os geógrafos,
como M. Oliveira (2002), Elias (2003), Xavier (2003), Bernardes (2006), Castillo e Frederico
(2010), Arroyo (2012), Bomtempo (2012) e Frederico (2014), entre outros, que apontam que a
melhor maneira de se apreender a dimensão geográfica de uma dada produção é tomando como
ponto de partida uma análise centrada no seu “circuito espacial produtivo” (ou da produção),
noção apresentada algumas vezes por Santos (1986, 1994, 1996)12.
De acordo com Castillo e Frederico (2010, p. 463), essa noção enfatiza, ao msmo tempo,
“a centralidade da circulação (circuito) no encadeamento das diversas etapas da produção; a
condição do espaço (espacial) como variável ativa na reprodução social; e o enfoque centrado
no ramo, ou seja, na atividade produtiva dominante (produtivo)”. Esses autores indicam
também que “os circuitos espaciais de produção pressupõem a circulação de matéria (fluxos
materiais) no encadeamento das instâncias geograficamente separadas da produção,
distribuição, troca e consumo, de um determinado produto, num movimento permanente”
(CASTILLO; FREDERICO, 2010, p. 464-465).
Assim, de um modo geral, podemos entender um circuito espacial produtivo como tudo
aquilo que está direta ou indiretamente relacionado à produção propriamente dita de um produto
qualquer até chegar ao seu consumidor final, passando pela distribuição e pela comercialização,
além de envolver uma série de outras etapas e processos incluídos nesse movimento constante
de produção-distribuição-comercialização-consumo, sempre articulado aos “círculos de
11
Para Santos (1994), o espaço seria formado pela junção de fixos, que são os próprios instrumentos de trabalho
e as forças produtivas, e de fluxos, que são o movimento, a circulação. Ainda segundo o autor, “as categorias
clássicas, isto é, a produção propriamente dita, a circulação, a distribuição e o consumo, podem ser estudados
através desses dois elementos: fixos e fluxos” (SANTOS, 1994, p. 77).
12
Santos (1986) vai se referir à existência de três tipos de circuitos: circuitos de ramos, circuitos de firmas e
circuitos territoriais (ou espaciais).
26
cooperação” (SANTOS, 1994, 1996), que vão garantir a transferência de informações, capitais,
ordens, financiamentos e tecnologias.
Segundo Santos (1994), o simples ato de entender a configuração dos circuitos espaciais
de uma dada produção possibilita o entendimento do movimento das mercadorias no espaço,
visto que para apreender o funcionamento desse espaço é indispensável captar tal movimento
(SANTOS; SILVEIRA, 2003). Ainda de acordo com o autor, “como os circuitos produtivos se
dão, no espaço, de forma desagregada, embora não desarticulada”, a importância que o processo
de produção-distribuição-comercialização-consumo tem, “a cada momento histórico e para
cada caso particular, ajuda a compreender a organização do espaço” (SANTOS, 1985, p. 03).
Assim, o movimento das mercadorias no espaço já seria um importante indicador que auxilia
na compreensão desse próprio espaço13.
Atualmente, as diversas relações e as trocas que se dão no interior das instâncias
produtivas não se organizam mais de forma somente local, regional e/ou nacional, e sim de uma
forma global. Por essa razão, segundo Santos (1994, p. 49), não podemos mais falar em circuitos
regionais da produção, onde com “a crescente especialização regional, com os inúmeros fluxos
de todos os tipos, intensidades e direções, temos que falar de circuitos espaciais da produção”.
Além disso, com a crescente desconcentração espacial produtiva, tanto agrícola como
industrial, os mercados consumidores estão se distanciando cada vez mais dos principais
centros produtores, impondo a existência de meios que interliguem os espaços da produção aos
espaços do consumo, geograficamente dispersos.
Como a localização das diversas etapas do processo produtivo (produção
propriamente dita, circulação, distribuição, consumo) pode doravante ser
dissociada e autônoma, aumentam as necessidades de complementação entre
lugares, gerando circuitos produtivos e fluxos cuja natureza, direção,
intensidade e força variam segundo os produtores, segundo as formas
produtivas, segundo a organização do espaço preexistente e os impulsos
políticos (SANTOS, 1996, p. 128).
13
Isso nos levaria, ainda, a apreender o “uso diferenciado de cada território por parte das empresas, das instituições,
dos indivíduos e permitem compreender a hierarquia dos lugares desde a escala regional até a escala mundial”
(SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 144).
27
Por essa razão, pensar essa geografia do coco nos leva, antes de mais nada, a pensar a
própria Geografia, tomada aqui enquanto uma ciência encarregada do estudo da relação entre
espaço e sociedade. A produção de coco é nosso ponto de partida e o tema central que guia
nossa reflexão e análise, entretanto nossa discussão não gira em torno exclusivamente dela e de
seu circuito espacial produtivo, e sim desse espaço e dessa sociedade, objetos maiores e fruto
das constantes inquietações dos geógrafos. Conforme veremos, é o espaço e a sociedade que
dão a tônica ao nosso estudo, mas que só serão apreendidos a partir do vislumbramento da
peculiar geografia do coco.
14
Tais autores são majoritariamente geógrafos, além de alguns sociólogos, economistas e agrônomos, entre outros.
28
15
Soja (1988) assevera que passamos por três tipos de reestruturação: a ontológica (estabelecida pela relação entre
o espaço, o tempo e o ser), a social (ou produtiva, atrelada a uma reestruturação espacial do capitalismo) e a cultural
(ligada à desconstrução e à reconstituição da modernidade).
16
Autores como Thomaz Júnior (2004), Leite (2005), Gomes (2011) e Hespanhol (2013) asseguram que no Brasil
tal reestruturação produtiva é observada desde meados do final da década de 1970, mas que esse processo se
intensificou somente a partir dos anos 1990, assegurado por uma política neoliberal de crescimento econômico,
acarretando transformações em diversas parcelas do território nacional, no processo produtivo de inúmeros
produtos e setores e na organização do trabalho urbano e rural.
17
Para Soja (1988, p. 07), “a reestruturação está enraizada em uma crise e em um conflito competitivo entre o
velho e o novo, entre a ordem herdada e a ordem proposta. Não se trata de um processo mecanicista ou automático”.
18
Entendidas enquanto heranças de tempos antigos, produzidas em um determinado período, mas que continuam
incorporadas ao espaço (SANTOS, 2008).
29
Alves (2008) alerta, entretanto, que a reestruturação produtiva não envolve apenas a
produção propriamente dita, ultrapassando o processo produtivo em si e atingindo diversos
setores, inserindo em uma mesma lógica uma série de diferentes espaços e agentes. Já Benko
(2002) destaca que o regime de acumulação flexível, capaz de levar a uma reestruturação das
atividades produtivas, induz a uma reorganização do espaço e da sociedade, não atingindo
apenas a dimensão econômica, mas influenciando também as dimensões espacial e social. De
acordo com Alves (2008, p. 09), “ao restringir o processo de reestruturação produtiva apenas à
sua dimensão econômica propriamente dita, oculta-se, hoje, mais do que nunca, traços
essenciais da restruturação capitalista”.
Assim, ao dar uma nova configuração ao espaço e à sociedade, a reestruturação
produtiva surge enquanto fenômeno socioespacial (GOMES, 2011). Portanto, essa
reestruturação implica mudança e reordenamento das diversas relações inseridas em um dado
setor, sendo capaz de acarretar modificações na organização dos processos produtivos e das
relações sociais de produção, promovendo reajustamentos nas dimensões sociais, econômicas
e políticas e trazendo rebatimentos diretos na configuração espacial (SOJA, 1988). Dessa
maneira, quando analisamos a reestruturação produtiva de um determinado setor, como o do
coco, deve-se atentar também para suas implicações socioespaciais e não apenas para aspectos
unicamente produtivos19.
Conforme já indicado, esse processo de reestruturação atinge e reorganiza diversos
setores, entre eles o agrícola. Quando essa reestruturação se materializa na agricultura, por
exemplo, estamos diante do que Elias (2003) denomina de “reestruturação produtiva da
agricultura”. Analisando o caso brasileiro, a pesquisadora considera que através desse processo
foi possível intensificar o modo de produção capitalista no campo, modernizar a produção
agrícola e reorganizar as tradicionais formas de comercialização, distribuição e consumo. A
autora destaca também que atualmente a agricultura brasileira não escapa da nova ordem
econômica e se realiza de forma globalizada, “se não na sua produção propriamente, na sua
circulação, distribuição ou seu consumo, mostrando-se uma das atividades mais contagiadas
pela revolução tecnológica” (ELIAS, 2003, p. 59).
Elias (2003) evidencia que muito embora desde o século XVI a atividade agrícola
brasileira apresente crescente processo de internacionalização, somente em meados do século
XX é que se conhece uma ação contínua de reestruturação e globalização, processos esses
19
Nesse sentido, como sugere Gomes (2011), caberia à Geografia analisar tal processo de reestruturação produtiva
sempre no intuito de perceber seus impactos na dinâmica espacial, mostrando suas implicações territoriais e seus
reflexos na sociedade.
30
aprofundados e consolidados nestes primeiros anos do século XXI, quando assistimos a uma
considerável inserção de tecnologia, ciência e informação no processo produtivo agrícola,
culminando em uma reestruturação da agricultura do país e possibilitando novos e importantes
usos do território nacional. Enquanto outrora se tratava apenas de uma internacionalização, com
a exportação da produção agrícola cultivada nos moldes do plantation, Elias (2003, p. 36)
destaca ainda que hoje podemos falar de um “processo mundial de produção e de tudo o mais
que lhe dá sustentação: mundialização do mercado, do capital, das firmas, do consumo, dos
gostos e, até mesmo, da mais-valia e dos modelos de vida social”.
A reestruturação produtiva da agricultura, conforme aponta Elias (2003, 2006, 2007,
2012), caracteriza-se em especial pelos seguintes processos, entre outros: introdução de
modernos insumos e implementos no processo produtivo agrícola, modernizando a produção;
readequação dos principais circuitos espaciais produtivos; consolidação de grandes empresas
agrícolas e agroindustriais; integração de capitais comerciais, financeiros, industriais e
agrícolas; surgimento de novos espaços especializados no desenvolvimento de uma agricultura
científica e de mercado. Destaca-se que essa reestruturação produtiva pela qual passa a
agricultura atinge tanto a base técnica quanto a econômica e a social, exercendo profundos
impactos sobre os espaços rurais, que passam por um acelerado processo de reorganização,
mostrando-se extremamente abertos à forma capitalista de produzir (ELIAS, 2006).
Elias (2003), ancorada em Delgado (1985) e Graziano da Silva (1998), considera que
um dos principais fatores responsáveis pelo desencadeamento da reestruturação da agricultura
nacional foi a mudança da base técnica do processo de produção agrícola, chamado por muitos
de “modernização da agricultura”20. Essa mudança significa que a reprodução ampliada do setor
agrícola passa a depender cada vez menos da dotação de recursos naturais utilizados como
insumos e cada vez mais dos meios de produção gerados em setores especializados da indústria
(DELGADO, 1985), contribuindo para ampliar a dependência da agricultura ao setor industrial.
A esse respeito, Graziano da Silva (2003) afirma que uma série de inovações responsáveis pela
mudança da base técnica da produção do país passaram a adiantar substancialmente o processo
produtivo agrícola, levando, dessa forma, a “um novo uso do tempo e um novo uso da terra”
(SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 118).
20
É importante pontuar que os processos de “reestruturação produtiva da agricultura” e de “modernização da
agricultura”, apesar de complementares, retratam momentos diferentes e não devem ser entendidos enquanto
sinônimos. A reestruturação produtiva da agricultura vai muito além de uma simples modernização do processo
produtivo agrícola, com a substituição da base técnica aí utilizada, expandindo-se também para a comercialização,
a distribuição e o consumo dos produtos, reorganizando o setor produtivo por inteiro, e não somente o agrícola.
31
21
Estamos entendendo aqui o “agronegócio” enquanto um setor produtivo (ideologicamente) altamente rentável,
organizado a partir de uma grande integração de capitais, sejam eles agrícolas, industriais, comerciais ou
financeiros, e que se processa em rede com os diversos setores econômicos e de acordo com os preceitos da
agricultura científica e de mercado. Sobre o agronegócio no Brasil ver, entre outros, Oliveira (2004), Castillo
(2005), Elias e Pequeno (2006), Bernardes e Ferreira Filho (2006) e Fernandes (2008).
32
ações impostas aos produtores pelos agentes hegemônicos detentores de capital 22,
transformando também o meio rural no espaço da racionalidade capitalista (SANTOS, 1996).
A esse respeito, Martins (1995, p. 160) destaca que a tendência do capital é de
justamente “dominar tudo, subordinar todos os setores e ramos da produção e, pouco a pouco,
ele o faz”. E isso se dá até mesmo em setores que anteriormente não eram muito visados por
esse capital, a exemplo do cultivo de diversas frutas tropicais, como caju, coco, açaí, graviola,
acerola, maracujá e goiaba, entre outras. Além disso, infere-se que, para Martine (1991), não
foi só a base técnica da produção agrícola que foi alterada em virtude da utilização intensiva
em capital, mas também a composição dos produtos agrícolas e os processos de produção.
Assim, aos poucos, o capital vai dominando todos os setores e controlando todas as atividades
associadas ao seu circuito espacial produtivo.
A reestruturação produtiva da agricultura brasileira, além de se processar de maneira
espacialmente seletiva e socialmente excludente (ELIAS, 2006), vem privilegiando somente
alguns gêneros agrícolas, que passam por uma modernização de seus processos produtivos e
que são reorganizados com a finalidade de auferir uma maior rentabilidade ao capital,
culminando em uma reconfiguração de seus circuitos espaciais de produção e círculos de
cooperação, implicando novos usos do território, remodelando as dinâmicas socioespaciais
precedentes e envolvendo uma quantidade cada vez maior de novos processos e agentes. Entre
esses gêneros agrícolas que p assaram a ter seus processos produtivos reestruturados destacam-
se especialmente aqueles inseridos nos setores de grãos e da fruticultura.
A fruticultura é tomada por Cavalcanti (1997, 2009) como um dos segmentos mais
dinâmicos e competitivos do setor agrícola, uma vez que, para Ramos (2006, p. 161), as frutas
“encerram novas oportunidades no cenário do agronegócio em razão do aumento da demanda
mundial por produtos com baixas calorias, de fácil preparo e consumo, rico em vitaminas, sais
minerais, fibras e proteínas. Esta é a justificativa para a expansão das negociações com frutas
frescas no mercado mundial”. Assim, por esses motivos, o cultivo de diversas frutas foi, pouco
a pouco, despertando a atenção do grande capital e hoje já está completamente contagiado pela
racionalidade do presente período histórico, compondo uma importante fatia na balança
comercial brasileira (BEZERRA, 2012).
É em todo esse contexto que se insere a reestruturação produtiva do setor do coco no
Brasil, cujas características apresentaremos nos próximos capítulos, sendo diretamente
22
Notadamente grandes empresas e redes agrícolas, de produção de insumos, agroindustriais, de distribuição e de
varejo, com forte atuação nacional e internacional, conforme asseguram Silveira (2005), Elias (2006), Frederico
(2010) e Bezerra (2012), entre outros autores.
33
influenciada pelos mesmos processos que dinamizam o setor agrícola mundial e a economia
brasileira. Desse modo, deve ficar claro que o novo momento pelo qual passa a produção de
coco não é algo que se dá de maneira isolada no contexto nacional. Devemos, pois, entender
esse processo como um desdobramento da reestruturação produtiva da agricultura brasileira,
que por sua vez é diretamente influenciada pelo regime de acumulação flexível característico
da economia globalizada.
Assim, ao analisar a reestruturação produtiva do setor do coco deve-se atentar para os
inúmeros e importantes elementos que agem regulando os mais diversos setores produtivos.
Além disso, sempre que nos referirmos a essa reestruturação estaremos evocando o conjunto de
processos responsáveis por dinamizar todo o circuito espacial produtivo do fruto, e não apenas
sua produção agrícola. Dessa forma, e de um modo geral, podemos entender a reestruturação
produtiva do setor do coco como o conjunto de processos capazes de reorganizar todo o seu
circuito produtivo, invadindo até mesmo as dimensões espaciais e sociais e trazendo fortes
rebatimentos socioespaciais, uma vez que ela não se expressa apenas no plano produtivo, a
partir do que ressalta Alves (2008), como já indicamos anteriormente.
E dentre os desdobramentos intrinsicamente ligados a essa reestruturação da agricultura
brasileira está a territorialização do capital no setor agrícola. Conforme destaca Elias (2007, p.
49), o novo modelo econômico da produção agropecuária observado no país “oferece novas
possibilidades para a acumulação ampliada do capital no setor e viabiliza significativa
intensificação do capitalismo no campo”. Nesse sentido, a reestruturação produtiva da
agricultura e a territorialização do capital no campo, e por sua vez na produção agrícola, são
processos que se materializam conjuntamente. Se entendemos a reestruturação produtiva da
agricultura enquanto uma forma de ajustamento do capital com o intuito de tornar esse setor
mais dinâmico e competitivo, a territorialização desse capital aparece enquanto uma
consequência altamente previsível.
São inúmeras as maneiras pelas quais o capital se territorializa no campo e na atividade
agrícola, e uma delas é aquela apresentada por Oliveira (2001, 2002). Para o autor, essa
territorialização do capital acontece quando se dá o assalariamento e/ou o recrutamento dos
trabalhadores rurais, por mediação de empresas agrícolas e agroindustriais instaladas no campo.
Dessa maneira, o capital se territorializaria a partir do momento que levasse à sujeição formal
do trabalhador, conforme revelam as proposições lançadas por Martins (1995), processo que se
dá especialmente a partir do assalariamento desses trabalhadores. Ainda de acordo com Oliveira
(2001, 2002), associado ao processo de territorialização do capital está o de monopolização do
34
território, que, segundo o autor, ocorre quando há um controle da renda da terra pelo capital,
mormente no momento da comercialização das mercadorias.
Acerca disso, Paulino (2007, p. 344) acrescenta que a territorialização do capital é um
processo “pelo qual o capital se instala na agricultura e, mediante o controle da terra, seja por
meio da compra ou do arrendamento, bem como da contratação de trabalhadores assalariados,
realiza a sua produção”. A autora considera ainda que o controle da produção agrícola por
proprietários fundiários “tem assegurado a extração da renda e do lucro, com emprego de força
de trabalho contratada” (PAULINO, 2012, p. 114). Nesse sentido, os referidos autores tomam
a territorialização do capital especialmente a partir da propriedade privada da terra e através do
assalariamento no campo. Com isso, de qualquer modo, acirra-se consideravelmente a expansão
das relações capitalistas de produção no campo, segundo asseguram Elias e Pequeno (2010).
Através desses exemplos, além de outros que podem ser evidenciados, percebe-se que há
um controle do território pelo capital, que se territorializa e passa a ditar seu conjunto de regras
e imposições23. Destaca-se que o território deve ser entendido sempre enquanto “apropriação
(num sentido mais simbólico) e domínio (num enfoque mais concreto, político-econômico) de
um espaço socialmente partilhado”, ou ainda como “uma construção histórica e, portanto,
social, a partir das relações de poder (concreto e simbólico) que envolvem, concomitantemente,
sociedade e espaço geográfico” (HAESBAERT; LIMONAD, 2007, p. 42)24. Nesse sentido,
segundo ainda afirmam os autores citados, o processo de territorialização indica a
materialização da apropriação e dominação, concreta ou simbólica, de um determinado espaço,
agora já metamorfoseado em território25.
Assim, o capital, ao se territorializar no campo, passa a se apropriar e dominar
determinadas parcelas do espaço, utilizando-as de acordo com as suas necessidades, implicando
um embate direto com os anseios das populações lá existentes e um controle quase que irrestrito
das etapas que compõem os circuitos espaciais produtivos agrícolas. Esse processo pode ser
visualizado com mais intensidade, por exemplo, em determinados cultivos fortemente
contagiados pela racionalidade do capital, como a soja, o milho e o algodão, mas também o
coco, que não escapou de ser inserido no permanente movimento de reajustamento capitalista
evidenciado a partir da reestruturação produtiva.
23
Por essa razão, o território é percebido enquanto um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de
poder, conforme propõe Souza (2006).
24
Ideia apresentada inicialmente em Raffestin (1980).
25
Para Haesbaert (2008, p. 22), “enquanto continuum dentro de um processo de dominação e/ou apropriação, o
território e a territorialização devem ser trabalhados na multiplicidade de suas manifestações – que é também e,
sobretudo, multiplicidade de poderes, neles incorporados através dos múltiplos sujeitos envolvidos [...]”.
35
26
Méo (1985) vai se referir a essa relação entre espaço e sociedade especialmente quando discute a noção de
“formação socioespacial”, entendida por ele como a expressão máxima das interações entre o espacial e o social.
36
(1991), entre outros, que tomam o espaço enquanto uma construção social, fruto do trabalho
humano e um produto histórico. Esses autores veem ainda o espaço como algo diferente da
sociedade, porém intrinsicamente a ela relacionado.
De acordo com Santos (1985), o espaço não seria apenas formado pelos objetos
geográficos, naturais e/ou artificiais; o espaço é tudo isso mais a sociedade. O autor acrescenta
também que para analisar o espaço é necessário apreender sua relação com a sociedade, pois é
ela que dita a compreensão dos efeitos dos processos que se dão desde a produção ao uso e
organização do espaço. Ainda segundo Santos (1985, 2008), esse espaço não tem nenhuma
capacidade explicativa por si só, sendo, portanto, indispensável considerar a dimensão social
que lhe dá vida. Assim, “o espaço impõe sua própria realidade; por isso a sociedade não pode
operar fora dele. Consequentemente, para estudar o espaço, cumpre apreender sua relação com
a sociedade” (SANTOS, 1985, p. 49).
O espaço que nos interessa é o espaço social, já que a essência do espaço é social
(LEFEBVRE, 2000; SANTOS, 2008), uma vez que ele é constantemente (re)produzido pelas
relações sociais. Para Lefebvre (2000), cada sociedade produz um espaço que lhe é particular,
o seu próprio espaço, e dessa forma, ainda segundo o referido autor, o espaço (social) seria
então um produto (social). Esse espaço social, que “corresponde à imbricação dos lugares e das
relações sociais que lhes são associadas” (MEO, 2000, p. 39, grifo nosso), é indispensável para
a realização das atividades humanas, sejam elas sociais, culturais, políticas e/ou econômicas, já
que ele é o lugar de morada do homem, de vida, de produção e de trabalho. Sendo assim, “o
espaço se define como um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e
do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que estão acontecendo diante
dos nossos olhos” (SANTOS, 2008, p. 153).
Ainda segundo Santos (2009, p. 109), “o espaço é a síntese, sempre provisória, entre o
conteúdo social e as formas espaciais”, isto é, o espaço é forma e conteúdo, “formado por um
conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de
ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (p.
63). De acordo com o autor, esses sistemas de objetos e sistemas de ações interagem, onde de
um lado “os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o
sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É
assim que o espaço encontra sua dinâmica e se transforma” (SANTOS, 2009, p. 63). E ao se
transformar, mudam-se os conteúdos desse espaço, mudam-se seus sistemas de objetos e ações,
mudam-se, portanto, as dinâmicas socioespaciais que lhe caracterizavam.
37
Diante disso, o que seriam, na realidade, essas dinâmicas socioespaciais e como elas
podem ser observadas e apreendidas? Por dinâmicas socioespaciais estamos entendendo o
conjunto de relações que perpassam a organização espacial e as relações sociais, ou então as
formas espaciais e os conteúdos sociais. Pensar em tais dinâmicas é considerar, portanto, essa
interação – contínua e contraditória – entre espaço e sociedade. São as dinâmicas socioespaciais
que vão ser responsáveis por garantir uma certa geograficidade aos estudos (geográficos), já
que estaremos considerando todo o movimento observado no espaço, todas as relações aí
expressas. Por essa razão, a maioria dos estudos realizados pela Geografia, notadamente a
Geografia Humana, está se referindo a dinâmicas socioespaciais, mesmo que indiretamente.
Nesse sentido, a partir do momento que algo leva a uma nova configuração do espaço
estamos diante de novas dinâmicas que se expressam socioespacialmente. Toda modificação
gerada no espaço implica, obrigatoriamente, mudança nesse espaço e, por conseguinte, na
sociedade. Assim, retomamos Santos (2008, p. 205) quando ele diz que “as novas atividades
exigem um lugar no espaço e impõem uma nova arrumação para as coisas, uma disposição
diferente para os objetos geográficos, uma organização do espaço diferente daquela que antes
existia”27, indicando a existência de um novo conteúdo presente no espaço, já que ele é recriado
continuadamente, não existindo um espaço imutável (SANTOS, 2009).
No nosso caso específico, estamos analisando como uma dada atividade econômica (a
produção de coco) é capaz de dinamizar ao mesmo tempo o espaço e a sociedade, a ponto de
promover dinâmicas socioespaciais que lhes são próprias, particulares. A nova configuração do
setor do coco impõe uma nova organização espacial, implicando também uma nova organização
social, trazendo rebatimentos em todas as escalas de análise. Diante do apresentado, deve ficar
claro que as dinâmicas socioespaciais originadas a partir da reestruturação e da territorialização
do capital no setor do coco expressam o modo como o espaço e a sociedade se comportam em
face da materialização de todos esses processos. E é nesse sentido que iremos prosseguir na
análise da nova geografia do coco e de suas principais dinâmicas socioespaciais, originadas a
partir da reestruturação produtiva e da territorialização do capital no setor.
27
Entretanto, destacamos que isso também se aplica às antigas atividades, que continuam se desenvolvendo e
levando a um reordenamento dos usos do espaço.
38
28
Cabe salientar que, de acordo com F. Alves (2008), o método nada mais é do que um instrumento organizado
que procura atingir resultados, estando diretamente ligado a uma teoria que o fundamenta e a procedimentos
metodológicos que facilitem a sua operacionalização. Dessa forma, a metodologia deve ser entendida como um
componente inerente ao método, enquanto procedimentos tomados pelo pesquisador no intuito de guiar uma
determinada investigação.
39
Desse modo, e partindo da compreensão de que não basta apenas saber o que será
pesquisado, é imprescindível preocupar-se com o como pesquisar, segundo sugere Sposito
(2004), as questões de método e metodológicas aparecem como basilares para o
desenvolvimento de qualquer que seja o estudo. Assim, o método deve ser visto enquanto um
instrumento fundamental no intuito de auxiliar no conhecimento do objeto estudado, uma vez
que “que vai nortear a delimitação do tema/problema, possibilitando ao cientista selecionar o
que é, e o que não é, importante a ser estudado” (FABRINI, 2005, p. 12). É através do método,
com o auxílio dos procedimentos metodológicos, que conseguimos nos organizar, da melhor
maneira possível, no intuito de apreender a realidade a qual estamos considerando.
Nesse sentido, nosso método de análise está centrado na identificação de importantes
processos observados em virtude da reestruturação produtiva do setor do coco, tema que norteia
todo o desenrolar deste trabalho. Destaca-se que estamos tomando os “processos” enquanto
uma categoria que indica uma “ação contínua, desenvolvendo-se em direção a um resultado
qualquer, implicando conceitos de tempo (continuidade) e mudança” (SANTOS, 1985, p. 50)29.
A compreensão de como se organizam tais processos e o entendimento de como eles evoluem,
tanto no tempo quanto no espaço, possibilita, sobremaneira, uma melhor apreensão do novo
momento pelo qual passa o setor do coco, sobretudo em razão da grande quantidade de
elementos que podem ser mobilizados ao mesmo tempo a fim de caracterizar esses processos.
A esse respeito, Santos (1985, p. 14) considera que quando analisamos um certo
processo, ou um dado espaço, “se nós cogitamos apenas um dos seus elementos, da natureza
desses elementos ou das possíveis classes desses elementos, não ultrapassamos o domínio da
abstração”. Assim, a compreensão do todo pressupõe a análise das particularidades que o
compõem (SANTOS, 2009). Ainda segundo Santos (1985, p. 14), “é somente a relação que
existe entre as coisas que nos permite realmente conhecê-las e defini-las. Fatos isolados são
abstrações e o que lhes dá concretude é a relação que mantém entre si”. Nessa lógica, é
fundamental atentar para os principais processos que configuram e dinamizam a reestruturação
produtiva do setor do coco, no intuito de ampliar a compreensão de sua nova geografia.
Silveira (2010, p. 75) considera que “estamos face a novos problemas de método que
indicam a necessidade de abandonar as abordagens mais preocupadas com os limites e adotar
aquelas mais orientadas a entender os processos”. Para a autora, no atual período histórico
presenciamos a emergência de novos paradigmas que nos levam também a novos problemas de
29
Santos (1985) apresenta quatro categorias de análise indispensáveis para a elaboração de um método
eminentemente geográfico. Além de processo, o autor, assim como Lefebvre (2000), considera ainda as categorias
de estrutura, função e forma.
40
método e que abrem caminho para uma “epistemologia dos processos” (SILVEIRA, 2006). Já
Lévy (2000, p. 334) afirma que “há pouca contestação sobre a existência de mutações no espaço
das sociedades”, restando, no entanto, identificar e analisar os processos que indiquem essas
mutações. É dentro dessa perspectiva centrada na apreensão dos processos que se baseia nosso
principal método de análise, aqui apresentado.
Na nossa pesquisa estamos considerando três processos principais diretamente inseridos
ao contexto da reestruturação produtiva do setor do coco, nos quais centraremos nossa análise
com o objetivo de melhor compreender os seus mais significativos desdobramentos. Os
processos que estamos considerando são: i) reconfiguração do circuito espacial produtivo do
coco; ii) mudança na forma de uso e ocupação do espaço agrícola cultivado com coco; iii)
reorganização das relações sociais de produção de coco. Na sequência, descrevemos as
características de cada um deles, cuja elucidação permite avançar no desenrolar da pesquisa,
tanto do ponto de vista operacional quanto analítico.
ii) Mudança na forma de uso e ocupação do espaço agrícola cultivado com coco
Um dos importantes processos observados com a reestruturação produtiva do setor do
coco é a mudança na forma de uso e ocupação do espaço agrícola associado ao cultivo do fruto.
Notam-se alterações nas dinâmicas de organização dos espaços de produção de coco, que
passam a ser readequados com o intento de fomentar o desenvolvimento dessa atividade. Além
disso, com a reestruturação em curso acentua-se a dispersão espacial do cultivo do fruto por
todas as regiões do país, associada ao acirramento da especialização territorial produtiva,
41
metodológico, haja vista que ela é utilizada para organizar todos os componentes de uma
investigação científica, tal qual propõe Elias (2013).
Essa autora acrescenta ainda que “seu objetivo maior é tentar organizar, de maneira
encadeada, os procedimentos de método e metodologia a serem usados para a construção da
pesquisa” (ELIAS, 2013, p. 205). Destacamos que a utilização desse recurso metodológico
centrado na elaboração de uma matriz analítica no intuito de auxiliar na operacionalização de
uma pesquisa científica vem sendo largamente empregada pelos membros do Grupo de
Pesquisa Globalização, Agricultura e Urbanização (GLOBAU/CNPq)30, que vêm, nestes
últimos dez anos, realizando esforços no sentido de aprofundar a utilização dessa metodologia
em suas pesquisas, muitas das quais relacionadas às áreas de Geografia Agrária, Geografia
Econômica, Geografia Urbana e Planejamento Urbano-Regional31.
A matriz analítica que está sendo considerada em nosso trabalho é composta pelo tema
central da pesquisa – reestruturação produtiva do setor do coco –, pelos três processos já
evidenciados, pelos subprocessos associados a cada um dos processos principais e pelos
indicadores do comportamento desses subprocessos e, por sua vez, do tema central. Observa-
se que todos os componentes da nossa matriz analítica estão profundamente interligados, onde
cada processo se liga a seus respectivos subprocessos, que estão ligados aos seus indicadores.
Apresentamos abaixo o modelo de organização dessa matriz (figura 01).
Reestruturação
produtiva do setor
do coco
Principais
Indicadores processos
Subprocessos
30
Coordenado pela professora Denise Elias, e que conta com alunos de iniciação científica, mestrandos,
doutorandos, professores e pesquisadores entre seus membros.
31
Nos trabalhos elaborados por Elias e Pequeno (2010), Pereira Júnior (2011), Bezerra (2012), Elias (2013) e
Dutra (2013), assim como em outros, é possível termos uma noção das diferentes formas de organização e
operacionalização dessa matriz analítica.
43
Assim, cada um dos três processos indicados pode ser apreendido a partir de uma série
de subprocessos que são fundamentais para explicar a organização de tais processos,
possibilitando melhor analisá-los e apreendê-los. Dessa forma, são esses subprocessos que, de
fato, explicam o comportamento dos processos, já que é através deles que podemos observar
mais precisamente os rebatimentos da reestruturação produtiva do setor do coco. Esses
subprocessos representativos de cada um de seus respectivos processos são:
ii) Mudança na forma de uso e ocupação do espaço agrícola cultivado com coco
32
Destaca-se que, por vezes, esses indicadores fogem do aspecto meramente quantitativo, não sendo representados
através de números, mas sim de outros tipos de informações de caráter qualitativo.
44
33
Desse modo, nem todos os indicadores levantados e analisados foram utilizados na redação da dissertação.
Muitos deles serviram apenas para nos indicar uma apresentação do setor do coco e conhecer algumas de suas
principais particularidades.
34
O IBGE é o maior e mais importante órgão responsável pelo levantamento e pela divulgação de informações
acerca do mundo rural brasileiro, notadamente sobre a agricultura, conforme afirma Rodrigues (2007).
45
35
A caracterização do objeto se trata da própria análise dos indicadores quantitativos.
46
36
Por exemplo, a variável “produção de coco”, para um mesmo município e durante um mesmo ano, apresenta
informações distintas se analisarmos os dados divulgados pela PAM, LSPA e Censo Agropecuário, apesar de todas
serem bases de dados alimentadas pelo IBGE.
37
Através de um recurso conhecido como Google Alerta, via Google News, diariamente recebíamos
automaticamente em nosso e-mail o conjunto de reportagens publicadas referentes ao setor do coco. Dessa
maneira, a organização da hemeroteca foi uma atividade que perdurou durante toda a realização da pesquisa.
47
agroindustriais, como também foi relevante para identificar os principais agentes que integram
o setor do coco, tanto no Brasil quanto no Ceará.
Além do levantamento e da análise dos indicadores e da organização da hemeroteca,
foram indispensáveis a realização de um levantamento de textos científicos/acadêmicos e a
construção de um banco bibliográfico, atividades essas pensadas visando melhor organizar as
obras que foram fundamentais para o suporte teórico, e por vezes também empírico, da nossa
pesquisa. No decorrer da busca bibliográfica levantamos livros, teses, dissertações,
monografias, artigos, relatórios e periódicos científicos que tratavam de assuntos pertinentes ao
nosso estudo38. Durante o levantamento bibliográfico utilizamos palavras-chave, além de
conceitos e categorias de análise, para facilitar e orientar a busca pelas obras.
Esse levantamento bibliográfico foi realizado em dois diferentes momentos. No
primeiro momento, realizamos uma extensa busca de material bibliográfico na internet, que se
concentrou basicamente nos seguintes sites: Google Scholar39; periódicos da CAPES (nas áreas
de Geografia, Economia, Sociologia e Agronomia); portal Domínio Público; currículos Lattes
dos pesquisadores que trabalham com temas próximos ao nosso; diretórios de grupos de
pesquisa do CNPq; banco de teses e dissertações de diversas universidades brasileiras,
especialmente da USP, UNICAMP, UNESP e UFRJ; principais programas de pós-graduação
em Geografia de todo o Brasil; programas de pós-graduação em História, Sociologia, Economia
e Agronomia existentes no Ceará; portais das unidades da Embrapa; portais de revistas
francesas Revues, Persée e Cairn; portal Theses.fr.
Em outro momento, visando complementar o levantamento, realizamos uma busca
bibliográfica nas principais bibliotecas da cidade de Fortaleza, tais como a biblioteca da
Universidade Estadual do Ceará (UECE), da Universidade Federal do Ceará (UFC), do Banco
do Nordeste do Brasil (BNB), do IBGE, do DNOCS e da Embrapa Agroindústria Tropical.
Além dessas, foi realizado um levantamento bibliográfico em algumas importantes bibliotecas
de Paris, tais como a biblioteca do Institut de Géographie, da Université Paris 1 Panthéon-
Sorbonne (Centre Pierre Mendes France), da Université Paris 8 Saint-Denis, do Institut des
Hautes Études de l’Amérique Latine e do AgroParisTech. Foi ainda realizada uma busca nas
bibliotecas municipais de Paraipaba e de Itapipoca, no Ceará.
38
A maioria dos textos levantados é de autoria de pesquisadores brasileiros, havendo ainda alguns outros de autoria
de pesquisadores francófonos. Além disso, nossa busca bibliográfica privilegiou trabalhos especialmente de
geógrafos, mas também de sociólogos, economistas e agrônomos, entre outros.
39
Através do Google Alerta, via Google Acadêmico, diariamente recebíamos automaticamente em nosso e-mail
todas as publicações relacionadas ao setor do coco. Dessa maneira, assim como a hemeroteca, o levantamento de
parte da bibliografia foi uma atividade que perdurou durante toda a realização da pesquisa.
48
De posse de todos os textos que compõem o nosso banco bibliográfico, partimos para a
análise prévia do material e a escolha das obras cuja leitura fosse indispensável. Para cada obra
lida e fichada foi montada uma planilha (as fichas de leitura), na qual registramos as principais
palavras-chave e as principais ideias lançadas pelos autores, com o objetivo de facilitar a
consulta de tais obras em momentos posteriores. A grande maioria das obras lidas diz respeito
à teoria e método em Geografia, à configuração econômica mundial e brasileira, à
reestruturação produtiva da agricultura e ao circuito espacial da produção de coco.
Destacamos que uma das principais dificuldades encontradas durante a busca
bibliográfica foi a relativa escassez de obras acerca do contexto produtivo do coco no Brasil e
no Ceará, com exceção dos textos publicados pela Embrapa, em sua maioria de cunho
basicamente agronômico. Desse modo, o conhecimento acerca da produção cearense de coco,
por exemplo, só foi possível a partir da análise dos indicadores, da organização da hemeroteca
e da realização de entrevistas durante os trabalhos de campo, apresentados na sequência.
Uma outra atividade fundamental para o pleno desenvolvimento da pesquisa, além das
já apresentadas, foi a realização dos trabalhos de campo e, consequentemente, das entrevistas
com os diferentes agentes direta/indiretamente inseridos no setor produtivo do coco. Através
do campo, nossas perspectivas acerca da pesquisa puderam ser bastante ampliadas, já que
passamos a ter um contanto consideravelmente maior, e por vezes diário, com nosso objeto de
estudo, especialmente após adentrar nos “espaços de produção de coco” e observar todas suas
nuances e particularidades. Assim, destaca-se que a realização dos trabalhos de campo foi uma
atividade de grande importância, já que através deles foi possível levantar o restante das
informações necessárias para a análise dos processos, especialmente a partir da observação in
loco das atividades relacionadas ao circuito espacial produtivo do coco.
Foi durante o trabalho de campo que nossa percepção enquanto geógrafo esteve mais
apurada, uma vez que é em campo onde percebemos como se dá a realidade empírica e em que
medida o referencial teórico adotado é o mais apropriado, como indica Lacoste (2006). Além
disso, para Claval (2013, p. 08), “o campo não serve somente para autenticar as informações
mobilizadas pelos geógrafos; ele permite apreender os elementos que escapam ao viajante
comum, […] que escapam aos outros”. Em vista disso, a intenção do trabalho de campo foi
justamente ir além de meras observações descompromissadas com a realidade que se
apresentava diante de nossos olhos e partir para uma análise mais aprofundada dessa realidade.
49
Claval (2013) destaca também que durante o trabalho de campo uma simples observação
não é suficiente para explicar a realidade socioespacial, haja vista que o pesquisador,
especialmente aquele que estuda o contexto rural, deve, além de uma série de outras coisas,
[...] interagir com as pessoas, visitar os estabelecimentos agrícolas, inventariar
os equipamentos agrícolas e seus usos, conhecer o mercado de trabalho e seus
ritmos, investigar a utilização de todas as partes de uma fazenda; ele deve se
interessar às pequenas empresas industriais que impulsionam alguns espaços
rurais [...] (CLAVAL, 2013, p. 10).
40
A exemplo de nossa monografia, onde analisamos de forma detalhada a organização do circuito espacial
produtivo do coco em tais municípios (CAVALCANTE, 2012).
50
41
No retorno a campo em 2014, pudemos rever algumas das mesmas pessoas entrevistadas anteriormente e lhes
perguntar o que mudou nesse período de pouco mais de três anos, no intuito de perceber a evolução da geografia
do coco e a participação dos agentes envolvidos.
42
Se somarmos essas 128 entrevistas com as 75 do período da monografia, temos um total de 203 entrevistas
realizadas entre 2011 e 2014.
52
Abaixo consta um quadro com a discriminação das 128 entrevistas de acordo com os
diferentes agentes entrevistados, subdivididos em produtores de coco, intermediários,
representantes de empresas, representantes de órgãos e instituições e outros. Somente em
Paraipaba realizamos um total de 58 entrevistas43, além de 10 em Itapipoca, 12 em Itarema, 11
em Amontada, 14 em Trairi, 14 em Acaraú e 8 em Fortaleza44.
43
Destacamos que esse importante número de entrevistas realizadas em Paraipaba se deu em virtude da realização
de nossa pesquisa apresentada na Université Paris 1.
44
Realizamos ainda uma entrevista, via e-mail, com o presidente do Sindicato Nacional dos Produtores de Coco.
53
Após a realização dessas entrevistas, partimos para a análise e interpretação das mesmas,
no intuito de resgatar os principais processos que estamos considerando com vistas a construir
um quadro geral da nova geografia do coco no Ceará. Associamos, sempre que possível, as
falas dos entrevistados a cada um dos processos e dos subprocessos que compõem a nossa
matriz analítica, metodologia essa que facilitou a compreensão de como se dá a reestruturação
do setor e todos seus principais rebatimentos. Seguimos aqui as recomendações propostas por
Campenhoudt e Quivy (2013), quando nos dizem que todo método de entrevista deve sempre
vir relacionado a um outro método de análise de conteúdo.
Foi fundamental, além disso, a organização de um banco fotográfico, recurso importante
para representar a realidade observada durante os trabalhos de campo. A esse respeito, Marshall
(2009, p. 02) afirma que a “abordagem fotográfica merece ser levada em conta pela quantidade
de informações úteis que ela permite identificar, pela profundidade de perspectivas que ela
oferece para a interpretação e pela riqueza de extrapolações subjetivas que ela possibilita”,
contribuindo sobremaneira para a análise geográfica. Algumas dessas fotos estão inseridas ao
longo de toda a dissertação, e elas devem ser entendidas enquanto um elemento que compõe o
texto e não apenas como meras imagens dispostas aleatoriamente.
Há de se ressaltar que somente após a realização do trabalho de campo é que foi possível
ver de perto como se configura a nova geografia do coco, ao participarmos de diversas
atividades nas diferentes instâncias produtivas do fruto e ao interagirmos com aqueles agentes
que realmente “dão vida aos coqueirais” cearenses. Nesse sentido, não foi à toa que Calbérac
(2010, p. 133) afirmou categoricamente que “a Geografia, é feita, antes de mais nada, em
campo”. Claval (2013, p. 05) considera também que “sem a experiência do campo, o geógrafo
deixa escapar uma parte essencial da realidade que ele pretende apreender”, visto que só é
possível compreendê-la melhor através do contato direto com essa realidade, entretanto,
obviamente, sem desconsiderar as atividades de levantamento e análise de dados e de leitura de
textos realizadas ao longo de todo o processo investigativo.
54
Capítulo 2
A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO SETOR DO COCO
O Brasil é um dos mais importantes produtores mundiais de coco e tem esse fruto (bem
como o coqueiro) como um dos principais símbolos nacionais, sinônimo da tropicalidade que
caracteriza o país mundo afora, segundo assegura Lody (2011). Entretanto, antes que isso
pudesse acontecer, os produtores brasileiros tiveram de se adaptar, aos poucos, às exigências
que o cultivo de coco impunha, além também de descobrir todas as potencialidades que a
exploração dos coqueiros poderia oferecer, após várias tentativas de domesticação desse fruto
exótico. Hoje o coco é visto como um produto com alta valoração econômica e amplamente
cultivado em todo o país. Nesse sentido, é importante caracterizar esse cultivo e perceber sua
evolução para compreendermos as características que a produção do fruto apresenta atualmente.
O coco é o fruto do coqueiro (Cocos nucifera), uma árvore originária de ilhas de clima
tropical localizadas ao longo dos oceanos Pacífico e Índico, tendo o Sudeste Asiático como
principal referência de centro de origem e diversidade, estendendo-se posteriormente para o Sul
da Ásia, a América Latina, o Caribe e a África Tropical, segundo afirmam Bondar (1939),
Labouisse (2004) e Martins e Jesus Júnior (2011). Desse modo, infere-se que o coqueiro é uma
planta estritamente tropical, cultivado especialmente ao longo da faixa litorânea das baixas
latitudes do planeta, onde são encontradas as condições edafoclimáticas (solo e clima) ideais
para o pleno desenvolvimento das árvores e para a maturação dos frutos.
Conforme demonstram Fontes et al. (2002), em todo o mundo existem três variedades
diferentes de coqueiro: gigante, anão e híbrido (imagem 02). O coqueiro gigante (também
chamado de coqueiro da praia) é cultivado principalmente em moldes extensivos, já que é a
55
variedade mais resistente e a que menos exige cuidados, produzindo frutos entre o quinto e o
sétimo ano após o plantio, chegando a uma altura de 30 metros e possuindo um período de
produção que dura por volta de 60 anos, com colheitas realizadas normalmente a cada três
meses. De acordo com Gerbaud (2011), cerca de 95% dos coqueirais do mundo pertencem ao
grupo do coqueiro gigante, sobretudo em virtude da não obrigação de serem realizados os tratos
culturais e em razão dos baixíssimos custos despendidos na manutenção do coqueiral.
Já o coqueiro anão (também conhecido como coqueiro d’água) é cultivado de forma
intensiva, o que requer cuidados constantes e irrigação diária, chegando a produzir frutos entre
o segundo e terceiro ano após o plantio, não passando dos 12 metros de altura e possuindo uma
vida útil de em média 40 anos, com colheitas comumente realizadas a cada mês. Por fim, o
coqueiro híbrido, cruzamento genético entre as variedades gigante e anão, que começa a
produzir os frutos após o terceiro ano de plantio, chegando a atingir 20 metros de altura e
possuindo uma vida útil de 50 anos, em geral, possibilitando uma colheita também mensal e
apresentando uma produtividade maior do que as outras duas variedades.
produtores, que cultivam o fruto em áreas que raramente passam dos 4 hectares, onde são
plantadas no máximo 100 árvores45, cultivadas em sua maioria de maneira extensiva.
Durante seus trabalhos de campo e a partir de entrevistas realizadas com produtores de
coco, Caillon (2011, p. 14) sempre repetia a mesma pergunta: “para que serve o coqueiro?”, e
recebia também sempre a mesma resposta: “o coqueiro quer dizer dinheiro”, já que
especialmente a copra (ou a popular “carne” do coco, normalmente vendida ralada) representa
a primeira fonte de renda monetária para as populações rurais que habitam as remotas ilhas do
Pacífico (LAMANDA, 2004). Apesar de realizada sob moldes extensivos, essa produção de
coco do Pacífico visa fortemente atender ao mercado de óleo e de coco ralado. Assim, diversos
são os países da Oceania e do Sudeste Asiático que têm a maior parte de suas economias
centradas inteiramente na produção e exportação de coco e seus derivados.
Entretanto, a importância do coqueiro e dos produtos dele originados vai muito além da
atividade econômica, conforme destacam Labouisse (2004) e Gerbaud (2011). Nota-se que o
coqueiro tem quatro funções principais: a alimentar (sobretudo o fruto – o coco, que serve para
o preparo de vários pratos), a doméstica (destinada à confecção de artesanato e à construção de
casas e barcos, por exemplo), a ritualística (usada em cerimônias religiosas realizadas no
Sudeste Asiático e na Oceania) e a mercantil (concretizada com a venda do coco ralado, além
do óleo e da água). Além dessas, Caillon (2008, 2011) acrescenta ainda que o coqueiro também
tem importantes funções sociais, místicas, simbólicas, medicinais e culturais.
Por essa razão, Gerbaud (2011, p. 45) classifica o coqueiro como “a árvore dos cem usos
ou a árvore da vida”, uma vez que todas as partes que o compõem são inteiramente aproveitadas
e possuem diferentes finalidades. As raízes são utilizadas para fazer chás, usados para tratar
diversas doenças, e para a feitura de cestos. O caule é usado para a fabricação de casas, móveis,
barcos, pontes, e ainda muito usado como lenha, entre outras finalidades. As folhas são
aproveitadas na cobertura de casas, barracas de praias, quiosques, na compostagem orgânica,
na confecção de cercas e no artesanato para a fabricação de vários utensílios.
Porém, a parte do coqueiro que oferece mais opções de uso são seus frutos, que possuem
o maior valor agregado, com uma considerável aceitação em um mercado constantemente
aquecido. Cada uma das estruturas botânicas do coco, indo da casca ao miolo do fruto, tem suas
próprias finalidades e são usadas de diferentes formas. Percebe-se que o coco pode ser utilizado
de quatro grandes maneiras: para suprir a alimentação humana, para fabricar o artesanato, para
atender as necessidades específicas da indústria de cosméticos e produtos de limpeza e para
45
Segundo Hebert et al. (2007, p. 10), “o coqueiro é uma cultura de pequenos camponeses, geralmente pobres,
que são confrontados com diversas dificuldades: o débil custo do coco, o envelhecimento das plantações, os riscos
de doenças mortais [das árvores] e as dificuldades de reconversão [com a substituição das árvores mais velhas]”.
57
servir como subproduto de determinados ramos de outras indústrias mais especializadas, como
a indústria civil. Neste trabalho destacaremos apenas as especificidades dos usos do coco
servindo para a alimentação humana46, já que são eles os responsáveis por movimentar o
circuito espacial produtivo desse fruto.
Gerbaud (2011) assegura que o coco é a sexta fruta mais cultivada no mundo, e isso em
aproximadamente 90 países. Entretanto, analisando a distribuição espacial da produção mundial
de coco, percebemos que o seu cultivo se dá com mais intensidade em pouquíssimos países,
sobretudo naqueles localizados no Sul-Sudeste Asiático, na Oceania e na América Latina, que
concentram a quase totalidade da quantidade produzida no globo. Segundo dados da FAO, em
2010 apenas nove países concentravam 90% da produção mundial de coco, comprovando a
concentração geográfica do cultivo do fruto. Esses principais países produtores de coco são, por
ordem de quantidade produzida em 2010: Indonésia, Filipinas, Índia, Brasil, Sri Lanka,
Tailândia, Papua-Nova Guiné, Vietnã e México.
Nesse contexto da configuração mundial da produção de coco, destaca-se que em 2010
a Indonésia concentrava sozinha 30% do coco produzido no mundo, seguida das Filipinas e da
Índia, controlando respectivamente 25,8% e 18% da produção (tabela 01). Juntos, esses três
países concentravam 74% do coco cultivado no planeta. Em seguida aparece o Brasil com 4,7%
da produção mundial, o que aparentemente não parece ser muito, mas já é o suficiente para
colocar o país no quarto lugar no ranking da produção do fruto no mundo. Mas se analisarmos
apenas o contexto americano, o Brasil já concentra mais da metade da produção de coco do
continente, com 56% da quantidade total produzida, despontando como o mais importante
produtor regional do fruto, seguido de longe pelo México.
Tabela 01 – Produção mundial de coco (em toneladas), por países. 1970 – 2010.
1970 1990 2010 % em 2010
Indonésia 6.260.000 12.120.000 18.000.000 30,0
Filipinas 5.686.160 11.941.960 15.510.283 25,8
Índia 4.514.000 7.230.000 10.840.000 18,0
Brasil 426.887 477.372 2.843.453 4,7
Sri Lanka 1.928.000 1.924.000 1.990.440 3,3
Tailândia 713.000 1.426.300 1.298.147 2,2
Papua-Nova Guiné 705.000 644.000 1.210.000 2,0
Vietnã 118.500 894.419 1.162.200 1,9
México 811.157 1.063.600 1.156.800 1,9
MUNDO 26.318.803 43.468.901 60.099.178 100
Fonte: FAO. Elaboração: Cavalcante, 2013.
46
Esses usos estão diretamente relacionados com o estado de maturação dos frutos e com o período de colheita
dos mesmos. O coco verde, normalmente colhido dos coqueiros anão e híbrido, é destinado sobretudo para o
fornecimento de água. Já o coco seco, comumente colhido do coqueiro gigante, é o fruto utilizado para a produção
de coco ralado, óleo de coco e leite de coco.
58
De um modo geral, e conforme apontam os dados da FAO (tabela 01), nota-se que entre
os nove maiores produtores mundiais o aumento da produção de coco é constante, com exceção
da Tailândia, que apresentou um decréscimo em 2010, e do Sri Lanka, que mantém a sua
quantidade produzida sempre constante. Quando se observam as variações da produção nesses
países verifica-se que entre 1970 e 2010 houve um aumento considerável da quantidade
produzida sobretudo na Indonésia, nas Filipinas, na Índia e no Brasil, respectivamente os atuais
quatro mais importantes produtores mundiais (tabela 02). Porém, ao analisar a variação relativa,
percebe-se que o maior aumento proporcional entre os anos 1970 e 2010 foi observado no
Vietnã e logo em seguida no Brasil, que, dentre os principais países produtores de coco, teve o
segundo maior aumento na quantidade produzida com o fruto (566%).
mudança do contexto mundial da produção do fruto, por exemplo, com uma alteração da
participação desempenhada pelo Brasil, indica que modificações substanciais estão se dando
no processo produtivo do fruto no país.
Todo e qualquer cultivo tem uma história e uma geografia que lhe são particulares e que
evoluem de acordo com o próprio movimento da economia local/mundial na qual está inserido.
Nessa lógica, a produção brasileira de coco não se tornou o que ela é hoje da noite para o dia:
foi preciso o desenrolar de inúmeros processos para dotar o cultivo do fruto no país das
características as quais possui atualmente. Por esse motivo é importante apresentar a evolução
da produção brasileira de coco, uma vez que a reconstituição histórica de uma atividade
produtiva nos ajuda a ter uma melhor compreensão de como ela está organizada em períodos
mais recentes, já que em tempos diferentes um determinado cultivo dificilmente possuirá as
mesmas características, conforme assegura Santos (2008).
O coco, em virtude de não ser um produto genuinamente brasileiro, teve de ser
importado de outros países até que a produção nacional se consolidasse. Bondar (1939) e
Siqueira et al. (2002) afirmam que não havia coqueiros em nossas praias quando aqui chegaram
os primeiros portugueses em 1500, e que foram eles os responsáveis pela introdução dos
cultivares no território que viria a ser o Brasil. Para Andrade (1987, p. 87), o coqueiro,
introduzido inicialmente no Nordeste brasileiro nos tempos coloniais pelos portugueses, “[...]
adaptou-se de tal forma à nossa faixa litorânea que, ao observador menos informado, dá a
impressão de ser uma planta nativa”.
Destaca-se que as primeiras mudas de coqueiro gigante foram introduzidas no Brasil
pelos portugueses somente em 1553, quando houve um plantio de algumas mudas no atual
Estado da Bahia, conforme relatam Bondar (1939), Andrade (1964) e Siqueira et al. (2002). Já
as primeiras mudas de coqueiro anão começaram a ser plantadas no Brasil somente em 1925,
há menos de cem anos, como também afirma Bondar (1939), e as variedades de coqueiro
híbrido só começaram a ser cultivadas no país por volta de 1951, segundo apontam Siqueira et
al. (2002). Os plantios dessas três variedades de coqueiro no país foram realizados
primeiramente na região Nordeste, com destaque sobretudo para os coqueiros gigantes.
Costa (1999) assevera que o plantio e a exploração de coco no Brasil coincidem com o
próprio processo de ocupação territorial nordestino, visto que foi nessa região onde as primeiras
mudas começaram a ser cultivadas e onde a produção mais se consolidou. O autor aponta ainda
que a presença dos coqueiros gigantes marcou para sempre a paisagem do litoral do Nordeste,
60
e que seu cultivo se deu desde os primórdios através de “práticas estritamente extrativistas aos
moldes não-capitalistas, isolada territorialmente e ocupando espaços agrícolas marginais”
(COSTA, 1999, p. 11). Até bem pouco tempo atrás falar em produção de coco no Brasil era o
mesmo que falar em produção de coco no Nordeste, em razão da quase exclusiva concentração
de coqueirais nessa região47, constatação que aos poucos vem sendo alterada.
Em A terra e o homem no Nordeste, Andrade (1964, p. 126) já revelava que nas praias
nordestinas o coqueiral dominava inteiramente a paisagem, “sendo visto a grande distância
cobrindo com a sua sombra as habitações dos pescadores, os apetrechos e redes de pescar
quando expostos ao vento”. O autor se refere até mesmo à existência de uma certa
“promiscuidade” resultante da imbricação entre as comunidades e os coqueirais (imagem 03),
que se misturavam de tal forma que era difícil de saber se eram as casas que estavam em meio
aos coqueiros ou se eram os coqueiros que estavam sendo cultivados entre as casas. Nessas
comunidades o mar fornecia o peixe, e a terra sobretudo o coco, além do feijão e da mandioca,
muitas vezes cultivados entre os próprios coqueiros, revelando a existência de um sistema
agrícola bastante peculiar e característico dessa região do país.
O coqueiro foi inicialmente cultivado no Brasil e, por um longo tempo, apenas por
agricultores pobres, formados basicamente por caboclos, caiçaras e índios que povoavam o
47
Destaca-se que ainda é muito comum em todo o Nordeste o cultivo de um a cinco coqueiros nos quintais de
casas, sítios e chácaras, visando exclusivamente o próprio consumo, seja de água ou de coco ralado, e isso acontece
também nas grandes metrópoles e não somente nas pequenas cidades. É por isso que Andrade (1964) vai se referir
ao coqueiro como uma planta de “fundo de quintal”, sendo facilmente encontrada nos quintais nordestinos.
61
litoral nordestino. Muitos desses agricultores trabalhavam em terras arrendadas e/ou devolutas,
e viam no cultivo de coco uma forma de garantir a alimentação e a posse dessas terras (MOTA
et al., 1995). Assim, a produção de coco no Brasil nasceu enquanto uma atividade praticada por
camponeses, especialmente por proporcionar uma produção permanente e por não exigir
praticamente nenhum cuidado com as árvores, que além disso permitia a prática de
consorciação e criação de animais, garantindo a subsistência das famílias que o cultivavam.
De acordo com Mota et al. (1995, p. 14), foi “nesta lógica que gradativamente as
pequenas propriedades amplia[ra]m o cultivo do coqueiro em suas áreas, o explorando, em sua
maioria, de forma extrativista”. Aos poucos o cultivo de coco no Brasil foi se expandindo,
passando a ser produzido também por grandes produtores e seguindo em direção a outras
regiões do país, atestando ainda a expansão da comercialização dos frutos e de seus
subprodutos, alavancando consideravelmente a produção. De uma atividade praticada
exclusivamente por agricultores pobres, o cultivo do fruto passou a despertar o interesse de
outros produtores mais abastados e do crescente mercado consumidor, favorecendo o início de
cultivos com o caráter meramente comercial e não apenas visando a subsistência.
Essa produção de coco no Brasil pode ser subdivida em determinados períodos,
temporalmente identificados. Acerca da importância de traçarmos periodizações no intuito de
facilitar a compreensão de uma determinada história, Silveira (1999, p. 66) considera que “uma
periodização se impõe como regra de método fundamental, pois permite distinguir pedaços
correntes de tempo nos quais um novo arranjo territorial revela uma modernização material e
organizacional”. Santos e Silveira (2003, p. 20) acrescentam que as periodizações se
caracterizam por “extensões diversas de formas de usos, marcadas por manifestações
particulares interligadas que evoluem juntas e obedecem a princípios gerais [...]”.
Assim, e de um modo geral, podemos subdividir a produção de coco no Brasil em quatro
períodos distintos, tal qual propõem Costa e Gebara (2001) para o contexto mundial. Esses
períodos, entendidos por Santos e Silveira (2003, p. 24) enquanto “pedaços de tempo definidos
por características que interagem e asseguram o movimento do todo”, revelam as
especificidades do cultivo do fruto no decorrer da história e sobretudo como elas foram
evoluindo. Destaca-se que esses quatro períodos não apresentam uma rigidez em suas datas e
em suas características principais. Chegamos a essa proposta de periodização sobretudo com
base na leitura da bibliografia levantada48, que apresenta algumas informações acerca da
evolução do cultivo do coco no país.
48
Sousa (1587), Salvador (1627), Kidder (1845), Bondar (1939), Santos (1941), Pedrosa (1947), Simões (1954),
Mesquita (1961), Andrade (1964), Mota et al. (1995), Costa (1999), Siqueira et al. (2002) e Koster (2003).
62
O primeiro período de produção de coco no Brasil, que vai de 1553 até meados de 1800,
é representado pela fase exclusivamente extrativista, quando apenas eram plantadas as árvores
e colhidos os frutos dos coqueiros gigantes, sem a utilização de quaisquer instrumentos técnicos
e/ou a realização de tratos culturais. Os coqueiros eram cultivados de forma aleatória e iam
sendo plantados ao longo das faixas de praia. Além disso, nesse primeiro período foi importante
o processo de adaptação das populações às potencialidades que poderiam ser usufruídas dos
coqueiros, que, em um momento inicial, eram utilizados apenas para fornecer os frutos,
consumidos in natura, isto é, não processados.
Em 1587, quando é publicado o primeiro registro do cultivo de coco em terras
brasileiras, fica nítida a recente introdução dos coqueiros no país, os quais, apesar de apresentar
uma excelente produtividade, não despertavam muito o interesse da população local, como
afirma Sousa (1587, p. 168). Décadas depois, Salvador (1627, s.p.) escrevia que “[...] cultivam-
se palmares de cocos grandes, e colhem-se muitos, principalmente à vista do mar, mas só os
comem, e lhes bebem a água, que tem dentro seus mais proveitos, que tiram na Índia”. Observa-
se que apesar de fornecer alimento, ainda não se conheciam todas as utilidades do coqueiro,
que continuava sendo visto como uma atividade exclusivamente extrativista e que visava apenas
a subsistência das populações praianas que o cultivavam, não havendo qualquer
comercialização dos frutos e muito menos uma agregação de valor a eles.
Num segundo período, que vai de 1800 até meados da década de 1930, houve uma
considerável intervenção do homem no processo produtivo do coco. Os coqueiros continuavam
sendo produzidos ancorados em práticas extrativistas, mas com cultivos já realizados também
em moldes semiextensivos, em que havia uma relativa preocupação com a produtividade das
árvores, e os produtores já aplicavam adubos orgânicos e realizavam a poda dos coqueiros e a
capina do local onde eles eram cultivados. Nesse período começam a ser utilizadas as primeiras
inovações técnicas associadas ao processo produtivo do coco, como exemplo o uso de enxadas
para a realização da capina, de facões para a poda e de foices para a colheita.
Koster (2003) destacava que em 1816 as terras arenosas do litoral onde se plantava o
coqueiro seriam, sem ele, desvalorizadas e inúteis, uma vez que “a renda dos coqueirais as
tornam [as terras] valiosas. Os terrenos ocupados por essas plantações dão uma renda segura
aos seus proprietários que os cultivam sem dificuldades quando para as demais culturas muitos
esforços são exigidos” (KOSTER, 2003, p. 459). O coqueiro aparece, dessa forma, enquanto
uma fonte de renda, servindo não apenas para a alimentação e aparecendo pela primeira vez
como uma atividade econômica com relativa importância para as populações pobres que o
cultivavam. Ainda segundo Koster (2003), o coqueiro já era amplamente aproveitado por esses
63
49
Entretanto, apesar de já ser cultivado com uma atenção maior, na década de 1930 ainda era baixíssimo o índice
de produtividade dos coqueiros brasileiros, segundo aponta Bondar (1939).
64
expansão de novas áreas de cultivo com coqueiros. Em décadas seguintes se observou por todo
o Brasil a consolidação de um setor agroindustrial do coco, com destaque especial para o grande
crescimento das empresas Sococo, fundada em 1966 em Alagoas, e Ducoco, fundada em 1982
no Ceará, atualmente as principais empresas do setor.
Ainda nesse período, começou a esboçar-se o desenvolvimento dos primeiros estudos
relacionados ao setor do coco, concentrados na Embrapa de Sergipe, estudos esses que visavam
basicamente o cruzamento entre diferentes variedades de coqueiros, a produção e o
fornecimento de mudas, o parecer de primeiras recomendações técnicas etc, conforme apontam
Mota et al. (1995). Mas é especialmente após 1980 que se observa o avanço de pesquisas na
área de melhoramento genético do coqueiro, visando ampliar a produtividade do mesmo,
revolucionando o setor e transformando as pesquisas com coco em um negócio altamente
rentável. Foi também nessa época que se iniciou a expansão dos cultivos de coqueiros anão e
híbrido por todo o território nacional.
Assim, nota-se que a arquitetura do atual período da produção de coco no país foi traçada
no decorrer das décadas de 1930 a 1990. Podemos entender esse período como o marco na
transição entre dois distintos modelos produtivos, caracterizados por uma inserção cada vez
maior da técnica, ciência e informação ao processo produtivo do coco, como visto no quarto e
atual período, iniciado por volta de 1990. É somente nesse último período que há um
crescimento considerável da produtividade das árvores, em virtude da disseminação de novas e
modernas técnicas associadas ao processo produtivo do fruto. O grande diferencial desse
período vai ser justamente a utilização da ciência e da informação a serviço do cultivo de coco,
em que a biotecnologia passa a assumir um papel importante. Explanaremos acerca das
principais características desse último período somente no subcapítulo seguinte, onde
analisaremos as mais significativas transformações evidenciadas no setor do coco após os anos
1990, a partir da reestruturação produtiva em curso.
Por fim, deve-se atentar para o fato de que esse atual período da produção de coco não
se dá de maneira homogênea pelo país, dado que apenas algumas parcelas do território nacional
e alguns produtores foram inseridos nesse novo momento do cultivo do fruto, uma vez que,
conforme ressaltam Santos e Silveira (2003, p. 140), “como em todos os períodos, o novo não
é completamente difundido no território”. Além disso, a emergência de um novo momento não
elimina por completo as características do anterior, coexistindo, assim, diferentes períodos ao
mesmo tempo. Organizamos na página seguinte um quadro com as principais características
dos períodos de produção de coco no Brasil (quadro 02), muitas das quais que não constam na
descrição aqui apresentada, mas que são indicadas na bibliografia consultada.
65
Tabela 03 – Brasil. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade produzida de coco (em
mil frutos) e produtividade (mil frutos/ha). 1990 – 2010.
1990 2000 2010
Área plantada 215.652 266.577 276.934
Quant. produzida 734.418 1.301.411 1.895.635
Produtividade 3,41 4,88 6,85
Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.
Tabela 04 – Brasil. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade produzida de coco (em
mil frutos) e produtividade (mil frutos/ha). Variações absoluta e relativa (em %). 1990 – 2010.
Variação Absoluta Variação Relativa
1990 - 2000 - 1990 - 1990 - 2000 - 1990 -
2000 2010 2010 2000 2010 2010
Área plantada 50.925 10.357 61.282 23,61 3,89 28,42
Quant. produzida 566.993 594.224 1.161.217 77,20 43,57 158,11
Produtividade 1,48 1,96 3,44 43,35 40,21 101,00
Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.
50
Como a FAO e o IBGE adotam metodologias diferentes, os dados por eles indicados não são os mesmos.
67
até 10 hectares, indicando que a produção do fruto no país se dava principalmente em pequenas
propriedades. Além disso, verifica-se que são esses pequenos estabelecimentos que ocupavam
mais da metade da área total cultivada com coqueiros.
A análise dos dados relativos à estrutura fundiária também revela quão desigual é a
distribuição de terras entre os produtores de coco no Brasil. Em 2006, 74% dos
estabelecimentos ocupavam apenas 53% da área total cultivada com o fruto, produzindo 39%
do coco do país. Enquanto isso, outros 2,27% dos estabelecimentos somavam 35% da área total,
demonstrando a concentração de uma parte importante das terras nas mãos de poucos
produtores51. Supõe-se que essa concentração esteja sendo acirrada, particularmente em virtude
dos crescentes interesse e aquisição de terras por novos (e grandes) produtores.
Tabela 05 – Brasil. Estrutura fundiária dos estabelecimentos que cultivam coco: total dos estabelecimentos
(em unidades), área total (em hectares) e quantidade produzida (em mil frutos). 2006.
Menos de De 10 a Mais de Sem
Total
10 ha 100 ha 100 ha declaração
Estabelecimentos 43.673 32.500 924 64 10.185
Área total 125.571 66.680 24.157 20.563 14.171
Quantidade produzida 867.763 339.036 341.054 187.674 -
Fonte: IBGE/Censo Agropecuário. Elaboração: Cavalcante, 2013.
Tabela 06 – Brasil. Estrutura fundiária dos estabelecimentos que cultivam coco: total dos
estabelecimentos, área total e quantidade produzida. Proporção (em %). 2006.
Menos de 10 ha De 10 a 100 ha Mais de 100 ha
Estabelecimentos 74,42 2,12 0,15
Área total 53,10 19,24 16,38
Quantidade produzida 39,07 39,30 21,63
Fonte: IBGE/Censo Agropecuário. Elaboração: Cavalcante, 2013.
Obs: A soma total do número de estabelecimentos e da área total não chegará aos 100%, uma vez que foram
desconsiderados os estabelecimentos sem declaração.
Desse modo, percebe-se que a produção de coco no país é realizada, sobretudo, por
pequenos produtores, que ocupam grande parte dos estabelecimentos e da área cultivada com
coqueiros, além de responder por uma produção significativa. Uma tipologia importante desses
produtores de coco é a subdivisão apresentada pelo IBGE, no Censo Agropecuário de 2006,
que os divide entre agricultores familiares e não familiares, tomando como base a força de
trabalho empregada e a área cultivada. De todos os produtores de coco no Brasil, 73% deles
estavam inseridos em estabelecimentos de agricultura familiar – o que corresponde a 32 mil
propriedades –, comprovando, dessa forma, que a produção de coco no país era realizada
51
Ressaltamos que em Censos anteriores a 2006 o IBGE não trabalhava com essa variável de estrutura fundiária
relacionada à produção de coco, impossibilitando perceber a sua evolução ao longo dos anos.
68
especialmente por pequenos produtores, característica que ainda prevalece apesar das recentes
transformações observadas no setor.
E depois de produzidos, os frutos passam por uma primeira comercialização. Ao analisar
os dados que indicam esse primeiro destino do coco depois de colhido, divulgados pelo Censo
Agropecuário, nota-se o importante papel exercido pelas agroindústrias e pelos intermediários
nesse processo, tanto em 1985 como em 200652 (tabela 07). Em 1985, cerca de 80% do coco
produzido era comercializado pelos intermediários, e essa porcentagem passa dos 90% se
acrescentarmos as indústrias, enquanto somente por volta de 8% era destinado às cooperativas
e diretamente aos consumidores. Em 2006 vemos uma ligeira redução da participação dos
intermediários e um consequente aumento do papel das indústrias, que passaram a controlar
cada vez mais a comercialização dos frutos. Apesar disso, em 2006 os capitais comercial e
industrial controlaram juntos 94% de todo o coco comercializado no país.
52
Por divergências de metodologias adotadas pelo IBGE para a obtenção dos dados desses Censos Agropecuários,
não é possível realizarmos uma comparação entre os dois períodos considerados para análise.
53
Ao analisar os dados divulgados pela SECEX/MDIC podemos confirmar essa informação, uma vez que as
exportações brasileiras desse fruto (in natura) são ínfimas.
69
É válido afirmar que a produção brasileira de coco, especialmente após os anos 1990, já
não é mais a mesma, uma vez que a partir desse período ela passa a ser realizada com mais
intensidade sob os moldes da agricultura científica e inserida no contexto da agricultura de
mercado, contrapondo-se a uma produção mais tradicional e de caráter de subsistência, que
caracterizava praticamente todo o setor até o final do século passado, como visto anteriormente.
Foi somente a partir da reestruturação produtiva pela qual passa o setor do coco que se puderam
edificar as bases para uma verdadeira reviravolta no cultivo desse fruto no país, dotando-o de
atributos até então não observados. Essa atual configuração, advinda com a reestruturação
produtiva, deu origem ao que estamos chamando de “nova geografia do coco”.
Nota-se, de um modo geral, que o cultivo desse fruto deixa de ser realizado quase que
exclusivamente por comunidades litorâneas localizadas no Nordeste do país e em pequenas
quantidades sem a utilização de quaisquer insumos, passando a ser cultivado em larga escala
em todas as grandes regiões e a receber importantes aportes de capital, ciência e tecnologia,
levando ao desenvolvimento de uma nova maneira de se produzir coco, ampliando a quantidade
produzida e a produtividade (tabelas 03 e 04, já apresentadas). Nesse sentido, na sequência
apresentamos algumas das características dessa nova configuração do cultivo do fruto no país,
atentando para as novas variedades cultivadas, para a emergência do agronegócio do coco e
para a modernização do processo produtivo aliada à pesquisa científica agrícola.
Todo o lugar muda” (SANTOS, 1994, p. 99). Ainda de acordo com Santos (1985), o novo está
quase sempre ligado a inovações, enquanto o velho é tudo aquilo que já existia antes da chegada
desse novo, e portanto não deve ser visto como sinônimo de atraso, mas sim como algo
representativo de um tempo que já passou, de algo que coexiste com um conteúdo mais novo
em relação ao que já existia anteriormente. Dessa forma, há uma coexistência mútua entre o
novo e o velho, a exemplo do que é observado na produção de coco.
Atualmente podemos perceber a existência de dois modelos produtivos completamente
distintos no Brasil: um centrado no cultivo de coqueiro gigante e outro no cultivo de coqueiros
anão e híbrido. Assim, destaca-se que a reestruturação produtiva não atinge toda a produção de
coco no Brasil com a mesma intensidade, processando-se de maneira diferenciada quanto ao
cultivo dessas diferentes variedades de coqueiro. Percebe-se que o cultivo de coqueiro gigante
é o menos incorporado ao contexto de reestruturação produtiva, uma vez que, em geral, sua
produção ainda se dá fortemente baseada em moldes extensivos e semiextensivos, com uma
rarefeita utilização de inovações técnico-científicas e agronômicas, sem realização de adubação,
pulverização e irrigação, salvo algumas exceções encontradas em grandes fazendas que
cultivam essa variedade (foto 01).
Além disso, observa-se nestes últimos anos uma crescente redução do cultivo de
coqueiro gigante no Brasil, e isso pode ser justificado, entre outros fatores, pelo longo tempo
de espera para o início da produção dos frutos, por volta de cinco anos, pela dificuldade em se
colher esses frutos – já secos (foto 02), voltados para a produção de coco ralado, sobretudo –,
e pela idade avançada dos coqueirais brasileiros, acarretando uma produtividade menor.
Associada a isso está a proliferação de pragas nos coqueiros, os quais, por não receber os
cuidados necessários, acabam ficando altamente susceptíveis e não resistindo. De acordo com
Fontes (2010, s.p.), os “atuais plantios encontram-se em sua maioria abandonados, com
produtores desestimulados, em função não somente dos baixos preços do coco seco, como
também, da falta de políticas governamentais de incentivo à cultura”.
O cultivo dessa variedade, concentrado quase que exclusivamente no litoral da região
Nordeste, lida ainda com uma forte concorrência do mercado externo, em virtude das
importações de coco seco realizadas por empresas brasileiras, que adquirem o produto por um
preço irrisório em países da Ásia, inviabilizando por completo a rentabilidade da produção
interna do fruto. Outro fator que explica a redução do cultivo de coqueiro gigante no Brasil é a
saturação do mercado de coco ralado e leite de coco. Ainda segundo argumenta Fontes (2010),
se nada for feito para reestruturar esse cultivo, teremos que nos acostumar com as imagens dos
71
coqueirais apenas como formadores da paisagem cênica do nosso litoral, preservados apenas
em resorts e condomínios, ou restritos a pequenos plantios54.
Foto 01 – Cultivo de coqueiro gigante em Trairi/CE. Foto 02 – Produção de coco seco em Amontada/CE.
Por outro lado, há uma expansão de áreas cultivadas com coqueiro anão e híbrido, que
são a representação mais fiel da reestruturação produtiva do setor. Quando nos referimos ao
contexto atual do fruto no Brasil estamos falando basicamente do cultivo dessas duas
variedades, em ampla expansão por todo território nacional, passando a ocupar até mesmo áreas
não tradicionais no cultivo de coco, conforme indicam Fontes et al. (2002) e Martins e Jesus
Júnior (2011). Motivados pelo mercado aquecido de coco verde no país (foto 03), os produtores
estão investindo cada vez mais no cultivo dessas variedades (foto 04), com uma utilização
intensiva de tecnologia, ciência e informação.
Dessa maneira, a modernização da produção de coco é uma realidade apenas para os
cultivos de coqueiro anão e híbrido. Foram essas as variedades mais contagiadas pela
reestruturação produtiva e as que mais absorveram as inovações advindas com a agricultura
científica. Além disso, destaca-se que é também nas áreas de cultivo de coqueiro anão e híbrido
onde o capital encontrou meios mais favoráveis de se difundir e de se territorializar, uma vez
que foram essas as áreas elencadas pelo agronegócio para alavancar a quantidade produzida do
fruto, impulsionada pelo aumento considerável do consumo de água de coco, favorecendo a
inserção desse produto nos circuitos globalizados da produção e do consumo.
Assim, percebe-se que, conforme aponta Santos (1994, p. 98), “o novo não chega em
todos os lugares e quando chega não é ao mesmo momento; por isso, o novo nem sempre chega
quando é absolutamente novo”. Desse modo, devemos entender a recente modernização da
produção de coco como algo setorialmente concentrado, já que somente os cultivos de
54
No entanto, apesar de uma certa estagnação, deve-se ficar claro que o cultivo de coqueiro gigante ainda persiste
em inúmeros locais do litoral nordestino, servindo como fonte de renda para centenas de comunidades.
72
coqueiros anão e híbrido foram inseridos nesse contexto. O capital preferiu intencionalmente
atuar no cultivo dessas duas variedades em detrimento do coqueiro gigante, visto que o retorno
financeiro e a renda auferida são infinitamente maiores.
Foto 03 – Produção de coco verde em Acaraú/CE. Foto 04 – Cultivo de coqueiro anão em Paraipaba/CE.
Além dessa expansão dos cultivos de coqueiro anão e híbrido, chama atenção também
a difusão do modelo produtivo do agronegócio pelos coqueirais do país, ancorada no ideário de
se perceber a produção de coco enquanto atividade econômica de enorme potencial de
crescimento, denotando o avanço da agricultura de mercado no cultivo desse fruto, onde a
acumulação de capital passa a ser a palavra de ordem, segundo asseguram Bühler e Oliveira
(2012). A propagação desse ideário pode ser facilmente observada, por exemplo, quando se
conversa com algumas pessoas-chave que atuam no setor com a finalidade de compreender o
atual momento do cultivo de coco no país, como presidentes e diretores de algumas empresas
e representantes do poder público.
De um modo geral, há uma grande euforia do setor especialmente em torno do que vem
sendo chamado de “agronegócio do coco”, termo inclusive já utilizado pela mídia e por alguns
pesquisadores, a exemplo de Fontenele (2005). Um dos relatos mais significativos que ouvimos
que comprovam essa euforia do setor, além de outros, foi em uma entrevista55 com o diretor de
agronegócios da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (ADECE)56. Segundo ele,
Atualmente o coco é um grande negócio, eu estou enfatizando a questão do
“atualmente”. Na verdade, ele atualmente está um grande negócio. Esperamos
que ele continue a ser um grande negócio! Mas por que que ele está um grande
negócio e ainda não é um grande negócio? Ele está se transformando num
grande negócio, muitos investimentos ainda precisam ser feitos. Antigamente,
há uns 20 anos, nem mesmo se podia considerar a produção de coco como
uma atividade econômica, quadro muito diferente do observado atualmente.
55
Entrevista realizada em fevereiro de 2014, na sede do órgão, em Fortaleza.
56
Ligado do Governo do Estado do Ceará, esse órgão é responsável por fomentar o desenvolvimento econômico
cearense, especialmente a partir de atração de empresas e investimentos.
73
O agronegócio do coco é uma realidade por todo o país, e isso tem tudo para
se firmar ainda mais. Tem muita gente grande de olho no coco!
57
Fonte: http://goo.gl/AF4RMv, Revista Globo Rural – “Água de coco faz carreira de sucesso no exterior”, matéria
do dia 28/12/11 e acessada em 30/12/11.
74
terra e hoje possui 20 mil hectares, com aproximadamente 6 mil hectares produzindo e o
restante ocupado por floresta nativa. Além disso, em 2007 a empresa adquiriu outras fazendas
em território paraense, dessa vez no município de Santa Isabel, onde realiza um plantio de
coqueiro anão em 2 mil hectares58. Além da grande quantidade de terras ocupadas pela empresa,
um total de 22 mil hectares em plena Floresta Amazônica, o destaque da Sococo vai também
para a quantidade de coqueiros cultivados.
Somente em Moju há aproximadamente um milhão de coqueiros plantados, o que faz
da Sococo a maior empresa agrícola do setor de coco do mundo. Esse cultivo, exclusivamente
de coqueiros híbridos, fornece uma quantidade que vai de 110 a 150 milhões de frutos
produzidos por ano, inteiramente aproveitados em suas unidades industriais. Hoje o proprietário
da empresa se orgulha de possuir essa imensa quantidade de coqueiros e de ser considerado
como o “rei do coco”, conforme relatou em uma reportagem veiculada pela Revista Globo
Rural59, representando um título que auxilia sobremaneira na difusão do ideário
desenvolvimentista do agronegócio, analisado por Bezerra (2009).
Esse exemplo da Sococo, além de vários outros que podem ser evidenciados, revelam
sobretudo a acirrada atuação do grande do capital no cultivo de coco, a partir da difusão do
modelo produtivo do agronegócio, assentado exclusivamente no latifúndio, utilizando
modernos insumos e implementos agrícolas, com um plantio de coqueiros basicamente anões
e/ou híbridos e ainda com expressiva atuação também no setor agroindustrial. Assim, se em
períodos anteriores eram somente os pequenos produtores que cultivavam o fruto, hoje
observamos também uma série de grandes empresas investindo fortemente no setor. Como se
pode perceber, a produção de coco no Brasil já não é mais a mesma, especialmente quando se
observa a difusão e a territorialização do agronegócio latifundiário.
Uma das principais características dessa atual reestruturação pela qual passa o setor
brasileiro de coco é a modernização do seu processo produtivo agrícola, que, além inserir cada
vez mais aportes de tecnologia, ciência e informação ao cultivo do fruto, vem contribuindo para
modificar os conteúdos técnicos do espaço (SANTOS, 2009). A esse respeito, Elias (2003, p.
53) considera que a difusão de novos sistemas técnicos agrícolas contribui fortemente para uma
58
A fonte de todas essas informações é: http://goo.gl/aq8vqR, Revista Globo Rural – “O maior coqueiral do
mundo”, matéria do dia 07/05/13 e acessada em 30/05/13, como também o site http://www.sococo.com.br.
59
Fonte: http://goo.gl/aq8vqR, Revista Globo Rural – “O maior coqueiral do mundo”.
75
60
Graziano da Silva (2003) afirma que essas inovações podem ser de quatro tipos: mecânicas, físico-químicas,
biológicas e agronômicas.
76
tempo cada uma das árvores existentes na propriedade61, bastando para isso ligar as bombas de
irrigação, que fazem todo o trabalho de levar a água para os microaspersores, que em seguida
segue para o solo e para as raízes dos coqueiros.
61
De acordo com pesquisadores da Embrapa, estudos indicam que o consumo de água por um coqueiro anão já
adulto varia de 30 a 55 litros/planta/dia (FONTES et al, 2002).
62
Composto à base de nitrogênio, fósforo e potássio.
77
Foto 07 – Trator acoplado a uma roçadeira. Foto 08 – Trator acoplado a uma caçamba com pulverizador.
63
Fonte: http://aurantiaca.com.br/
79
64
Fonte: http://goo.gl/01YjDO, Portal iBahia – “Aurantiaca: coco com código de barras”, matéria do dia 13/12/12
e acessada em 30/11/13.
65
Fonte: http://goo.gl/6IOfUv, Portal Uol – “Fibra de coco produzida na Bahia vira tapete”, matéria do dia
17/09/13 e acessada em 29/03/14.
80
66
No final da década de 1990, Castillo (1999, p. 228) já se referia à agricultura de precisão como “um conjunto de
técnicas aplicadas à agricultura com o intuito de racionalizar ao máximo a produção, identificando os diferentes
níveis de produtividade existentes em uma área, tomando como referência as áreas de maior produtividade”.
67
Entrevistado em maio de 2014, na sede da empresa, em Fortaleza.
81
Boa parte dessas inovações só foi possível a partir de investimentos realizados no setor
de pesquisa científica, um forte indutor da modernização da produção agrícola, e em certos
casos também da produção industrial. Segundo Elias (2003), com a pesquisa científica foi
possível reestruturar o conjunto de elementos técnicos empregados na agricultura,
“transformando os tradicionais sistemas agrícolas e abrindo novas e inúmeras possibilidades à
realização da mais-valia mundializada, por meio de um processo de fusão de capitais com os
demais setores econômicos” (p. 60), e contribuindo sobremaneira para a racionalização,
instrumentalização e informatização da agricultura, um setor cada vez mais exigente em capital.
Nesse sentido, e de acordo com Ramos (2003, p. 382), a atuação da ciência na
agricultura “tem colaborado, por exemplo, para o atendimento das exigências de mercado
quanto à padronização dos produtos agrícolas por meio de variedades melhoradas,
uniformizando-se o tamanho, a cor, a forma e o sabor dos produtos”. Dessa forma, a ciência é
colocada a serviço do capital, conforme sugere Arruda (2007), reforçando o controle do
processo produtivo por aqueles que têm acesso aos resultados das pesquisas realizadas com
vistas a um aumento de produtividade e uma redução de custos, a exemplo do que também é
observado na produção nacional de coco.
De acordo com Costa e Gebara (2001), as pesquisas com coco no Brasil podem ser
divididas em dois grandes momentos. O primeiro momento é marcado pelas tentativas de
obtenção de novas variedades de coqueiro anão e por pesquisas que visavam maior eficiência
na aquisição de mudas, mais resistentes e que apresentassem uma melhor produtividade,
atividades essas realizadas por grandes produtores e agrônomos de maneira quase que
individual. Já o segundo momento é marcado pela forte presença do Estado, com uma cerrada
82
intervenção iniciada em meados da década de 1980, período em que a Embrapa começa a ter
uma participação expressiva no que tange às pesquisas realizadas com coco, desenvolvendo
uma série de experimentos e incorporando tecnologias ao processo produtivo.
Dentre as várias pesquisas que foram e estão sendo realizadas no setor do coco, de
acordo com o que consta no histórico de estudos desenvolvidos pela Embrapa68, destacamos
aquelas, entre muitas outras, que abordam questões tais como: melhoramento genético das
sementes; análises de composição do solo; medições para se determinar a quantidade de água e
nutrientes que cada coqueiro necessita; análises de eficiência da fertirrigação em coqueiros;
incremento de novos métodos de irrigação; desenvolvimento de novos mecanismos para
controle de pragas; desenvolvimento de variedades de coqueiro híbrido; tratamento de pós-
colheita de coco verde; métodos de extração e envase de água de coco; experimentos para
expandir o tempo de conserva dessa água; desenvolvimento de mecanismos que propiciem um
melhor aproveitamento da casca do coco.
Ainda hoje a Embrapa assume o destaque com pesquisas com coco no Brasil, sobretudo
as unidades Tabuleiros Costeiros e Agroindústria Tropical, liderando e coordenando a maior
parte dos estudos acerca da produção de coco no país, desenvolvendo novas tecnologias e
gerando novas informações que, quando repassadas aos produtores, contribuem para alavancar
a produtividade dos coqueirais, aumentando a quantidade de frutos produzidos. A Embrapa
Tabuleiros Costeiros se destaca pela atuação direta do processo produtivo agrícola do coco,
enquanto a Embrapa Agroindústria Tropical se distingue pelas pesquisas com um
direcionamento maior para o processamento industrial do fruto.
A Embrapa Tabuleiros Costeiros, localizada em Aracaju (SE), em funcionamento desde
1993, foi originada a partir do Centro Nacional de Pesquisa de Coco (CNPCo), criado em 1985
e encarregado até então da coordenação de toda a pesquisa relacionada com o cultivo do fruto
no Brasil, tornando-se ao longo de sua existência o maior e mais importante centro de pesquisa
e difusão de tecnologia relacionada ao cultivo de coco do continente americano (MOTA et al.,
1995). Hoje essa unidade da Embrapa é a mais especializada do país no que se refere à pesquisa
no setor de produção de coco. A Tabuleiro Costeiros possui ainda um destaque internacional
por abrigar o importante Banco Internacional de Germoplasma de Coco para a América Latina
e Caribe, instalado em 2005 com o objetivo de organizar um banco de informações genéticas
de várias variedades diferentes de coqueiro, originadas de diversas partes do mundo.
68
Fonte das informações: https://www.embrapa.br/transferencia-de-tecnologia
83
69
Fonte das informações: http://www.cpatc.embrapa.br/index.php
70
Fonte das informações: http://www.cnpat.embrapa.br/cnpat/
71
Entrevistado em fevereiro de 2014, na sede da Embrapa Agroindústria Tropical, em Fortaleza.
84
Brasil, conforme informações obtidas com o seu presidente. A Cohibra é ainda a principal
empresa privada do país que atua no ramo de pesquisa agrícola voltada para o cultivo de coco,
possuindo também um relevante destaque internacional.
Essa empresa possui três fazendas instaladas em Amontada, que somadas contam com
uma área produtiva de 1.500 hectares cultivados com mudas e coqueiros. Há ainda, nessa
mesma propriedade, uma estação meteorológica própria, um moderno laboratório de extração
de pólen, duas estufas, uma unidade de apoio a pesquisadores e um escritório central, onde
atuam cerca de 150 trabalhadores formais, entre eles técnicos em irrigação e drenagem, técnicos
em fruticultura irrigada, engenheiros agrônomos, engenheiros químicos e biólogos. A Cohibra
tem também outras duas unidades de produção, uma localizada em Paraipaba (CE) e outra em
Petrolina (PE), e a sua sede empresarial fica em Fortaleza, capital cearense.
O carro-chefe da Cohibra é o desenvolvimento de tecnologias para a produção de mudas
de coqueiro híbrido, geneticamente melhorado e apontado como mais resistentes às pragas.
Nesse sentido, de acordo com Elias (2003), um dos avanços técnicos mais importantes
conseguidos com a biotecnologia foi justamente a produção de híbridos, uma semente
melhorada gerada em laboratório com a utilização da engenharia genética, “constituindo-se um
dos principais signos da modernização da agricultura e um dos insumos industrializados mais
utilizados no processo de mudança da sua base técnica” (ELIAS, 2003, p. 89). Destaca-se que
a variedade de coqueiro híbrido foi a última a ser cultivada no Brasil e sua produção está em
larga expansão por todo o país, motivada especialmente por empresas e grandes produtores
sedentos por uma maior produtividade.
A tecnologia para o melhoramento genético e para a produção de mudas dessa variedade
híbrida é aprimorada pela Cohibra a cada dia. Segundo sua gerente agrícola72, a empresa é a
única instituição do Brasil que possui o certificado de sementes e mudas expedido pelo
Ministério da Agricultura no que se refere à origem genética, procedência e qualidade dessas
sementes e mudas de coqueiro híbrido. Já para o seu proprietário, as pesquisas realizadas pela
Cohibra são tão avançadas – sobretudo no tocante à seleção genética dos cultivares e mudas e
devido à produção completamente automatizada – que a produtividade em suas fazendas chega
a ser uma das maiores do mundo, com uma produção de 250 frutos/ano/coqueiro, enquanto a
média nacional é de apenas 100 frutos.
Além disso, a Cohibra é a maior responsável pela difusão de mudas de coqueiro anão e
híbrido pelo país, atendendo a produtores de praticamente todos os Estados do Brasil,
72
Entrevistada em novembro de 2011, em uma das fazendas da empresa, em Amontada.
85
principalmente Ceará, Pará e Sergipe73, além de exportar suas mudas para países como Angola,
Cabo Verde, Jamaica e México. Para o presidente da empresa, “a Cohibra não vende apenas
mudas, ela faz um completo plano de negócios para o coco”, ou seja, além de comercializar as
mudas, a Cohibra faz também um plano de negócios para os seus compradores e um
acompanhamento da sua produção. Atualmente, os maiores empreendimentos do ramo do coco
no Brasil foram montados pela Cohibra, com destaque para empresas agrícolas como Del
Monte, Aurantiaca, Ducoco, Queiroz Galvão, Kero Coco (PepsiCo), Paragro, Unique, Sococo,
Meri Pobo, entre outras, todas clientes da Cohibra.
A produção anual da Cohibra é de 600 mil mudas de coqueiro híbrido74, conforme
informou a gerente agrícola da empresa. Essas mudas já têm compradores certos mesmo antes
de ser plantadas, e, de acordo com o presidente, os pedidos realizados hoje só poderão ser
atendidos em um ano ou mais. Nas fotos abaixo (fotos 09 e 10) podemos ver o campo onde são
plantadas as mudas de coqueiro, tanto híbrido quanto anão. Para a realização de suas pesquisas,
a Cohibra conta com a parceria de alguns órgãos, majoritariamente públicos, entre eles a
Embrapa Tabuleiros Costeiros, a Embrapa Transferência de Tecnologia e a Embrapa
Agroindústria Tropical, que oferecem assistência técnica nas áreas de irrigação, zootecnia,
melhoramento genético e fitossanidade; conta também com o auxílio da Universidade Federal
do Ceará, no tocante às áreas de apicultura e polinização.
Outro órgão de grande relevância para a produção de coqueiro híbrido no país é o Centre
de Coopération Internationale en Recherche Agronomique pour le Développement (CIRAD),
da França, que atua no Brasil desde a década de 1970 em inúmeras pesquisas e projetos de
73
Além desses Estados, a Cohibra já comercializou suas mudas para São Paulo, Tocantins, Maranhão, Mato
Grosso, Paraná, Rio Grande do Norte, Alagoas, Minas Gerais, Bahia, Paraíba, Rio de Janeiro e Pernambuco.
74
Há na Cohibra 25 mil coqueiros distribuídos nos 1.500 hectares plantados.
86
extensão rural, entre eles o desenvolvimento de mudas dessa variedade de coqueiro. Fundado
em 1984 após agregar nove centros de pesquisa agronômica franceses, entre eles o IRHO75, o
CIRAD é atualmente um dos maiores institutos de pesquisa agrícola do mundo, desenvolvendo
seus estudos em mais de 90 países, inclusive o Brasil76. O primeiro parceiro do CIRAD em
nosso país no tocante à produção de coqueiros híbridos foi a empresa Sococo, que na década
de 1980 realizou o plantio dessa variedade em suas fazendas do Pará. Além dessa empresa, o
CIRAD atua também em constante parceria com a Embrapa e a Cohibra, aprimorando a
engenharia genética aplicada à produção de coco.
A atuação dessas empresas citadas e as pesquisas por elas desenvolvidas foram
fundamentais para modernizar o processo produtivo do coco e para impulsionar a reestruturação
produtiva do setor. Essa introdução de inovações e da ciência na produção de coco mostrou-se,
antes de mais nada, como uma necessidade real para a territorialização do grande capital no
processo produtivo do fruto, já que as barreiras naturais que impediam o pleno desenvolvimento
dessa produção tiveram de ser transpostas77 visando dotar esse cultivo de uma maior
racionalidade capaz de impulsionar a produtividade das árvores, elevando a produção de coco
a patamares anteriormente inimagináveis, mas que já é uma realidade para diversos produtores.
Isso colaborou sobremaneira, entre outros, para acentuar a dispersão espacial do cultivo desse
fruto em direção a regiões que até então não possuíam condições edafoclimáticas ideais para
que a produção de coco fosse aí realizada.
75
Institut de Recherches pour les Huiles et Oléagineux, criado em 1941 com o objetivo de pesquisar e desenvolver
novas tecnologias para a produção de oleaginosas, como o coco, em alguns países localizados na África, Ásia,
Oceania e América do Sul.
76
Fonte das informações: http://www.cirad.fr/
77
Como se refere Graziano da Silva (1998).
87
Diante disso, deve-se atentar que para toda e qualquer modificação ocorrida na produção
agrícola, a produção industrial e o comportamento do mercado, por exemplo, também devem
ser investigados, já que a reestruturação produtiva do setor do coco vem conseguindo
reorganizar ao mesmo tempo diversas etapas que perpassam por seu circuito espacial produtivo,
dinamizando cada uma delas simultaneamente. Nesse sentido, verificar como se comporta o
mercado de coco, particularmente da água de coco, é imprescindível para entender a nova
configuração do processamento industrial do fruto, que por sua vez possibilita uma
compreensão maior do que acontece no setor como um todo.
78
Que são aquelas bebidas à base de água, sais minerais e carboidratos, ideais para reposição de líquidos perdidos
durante a realização de uma atividade física.
79
O mesmo é observado com a expansão do consumo do óleo de coco.
88
Por todo o país, esse crescente consumo de água de coco é realizado sobretudo in natura,
quando se adquire o coco ainda verde, seja em barracas de praia, quiosques, bares, restaurantes,
supermercados, centrais de distribuição e armazenamento etc. Entretanto, quando não é
consumida in natura, a água de coco é adquirida armazenada em garrafinhas de plástico, em
latinhas de alumínio e em caixinhas de papelão tipo Tetra Pak (imagem 05), ampliando as
possibilidades nas quais pode vir a ser consumida, representando um importante potencial de
Fonte: http://goo.gl/bYvZmk, Portal SESC – “Verão movido a água de coco”, matéria do dia 28/04/08 e acessada
80
em 04/08/11.
89
Fonte: Divulgação Kero Coco, 2014. Fonte: Embrapa Agroindústria Tropical, 2000.
81
Segundo assegura Carolino (2005).
82
A título de informação, o “envase de água de coco” é definido como todo aquele processo de extração da água
de dentro do coco e um posterior armazenamento dessa água em algum tipo de vasilhame ou qualquer outro
recipiente, exceto garrafas. Caso seja armazenado em garrafas, o processo se chama “engarrafamento”.
90
entrevistado, faz um depoimento que ilustra bem essa relação entre demanda, mercado e novas
tecnologias para o setor do coco, como podemos observar abaixo.
O que é que mudou nesses poucos anos que fez o coco passar a ser um bom
negócio e que não era antes? Simplesmente a industrialização da água de coco!
A retirada da água de dentro do coco pela indústria era inviável, e isso por
questões químicas e físicas do próprio produto. O papel da Embrapa foi
fundamental, uma vez que ela desenvolveu uma tecnologia relativamente
simples de extração da água de coco, criando uma máquina para a extração
dessa água evitando o contato com o oxigênio, que levava a oxidação do
produto, mudando a cor e o gosto da água. Isso aí foi a diferença básica que
existe no setor do coco. Uma das outras razões é o aumento do consumo, a
demanda aumentou bastante!
Uma das únicas maneiras de mensurar a expansão do consumo de água de coco envasada
é analisando os dados divulgados pela Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e
Bebidas Não Alcoólicas (ABIR), que lançou entre os anos de 2003 e 2010 um importante
levantamento do consumo de bebidas não alcoólicas no país. Conforme indicam os dados83
(tabelas 08 e 09), o consumo de água de coco envasada no Brasil passou dos 18 milhões de
litros em 2003 e chegou aos 61 milhões em 2010, um significativo crescimento de quase 235%
em apenas sete anos. Enquanto a previsão para 2012 lançada pela ABIR é que esse consumo
tenha chegado aos 92 milhões de litros, representando um crescimento de mais de 50% se
compararmos com o ano de 2010, indicando que esse consumo continua em expansão.
Tabela 08 – Brasil. Consumo de água de coco envasada (em milhões de litros). 2003 – 2010.
2003 2007 2010
18,49 35,67 61,92
Fonte: ABIR. Elaboração: Cavalcante, 2014.
Essa expansão do consumo de água de coco envasada é mais considerável ainda quando
observamos os índices obtidos por outras bebidas no período de 2003 a 2010, divulgados
também pela ABIR. Nota-se que apenas o consumo de energéticos (553%), de bebidas à base
de soja (473%) e de guaraná (247%) obteve taxas de crescimento superiores ao consumo da
água de coco (234%), ao passo que campeões de vendas como refrigerantes (34%), suco
concentrado (10%) e água engarrafada (70%) apresentaram taxas de crescimento pouco
83
Salienta-se que os dados divulgados se referem ao consumo de água de coco não in natura, isto é, armazenada
em latinhas, garrafinhas e/ou caixinhas.
91
expressivas se compararmos a essas quatro outras bebidas. Com isso, pode-se concluir que o
consumo de água de coco envasada é um dos que mais crescem no país, crescimento superior
até mesmo ao do consumo de refrigerantes.
E a maior participação desse consumo se dá no Sudeste do país. Em 2010, conforme
indicam os dados da ABIR (tabela 10), de toda a água de coco envasada consumida no país
68% foi somente na região Sudeste, sendo mais de 38% apenas do Estado de São Paulo, de
longe o maior mercado consumidor do produto no Brasil. Segundo um ex-diretor de produção
da empresa Ducoco84, isso pode ser explicado pelo fato de que o mercado nordestino ainda é
bastante resistente em começar a consumir a água de coco envasada, dando preferência pelo
seu consumo in natura, diferentemente do observado no Sudeste, que apresenta um importante
potencial de crescimento do consumo desse produto, sobretudo a cidade de São Paulo. Isso
comprova a eficiência das ações de marketing empreendidas pelas empresas do setor, capazes
de incluir a água de coco envasada no cardápio dos brasileiros, até então habituados somente
com o seu consumo in natura.
84
Entrevistado em março de 2014, em Paraipaba.
92
exportação, o que colocou o Brasil na posição de maior produtor mundial da bebida 85. Na
Ducoco, por exemplo, segundo seus diretores entrevistados, a água de coco envasada já superou
a produção e as vendas de leite e coco ralado. Já de acordo com o diretor-comercial da Sococo,
“a água de coco agora vale ouro”, e é sem dúvida a grande aposta de expansão do setor,
conforme vemos no depoimento abaixo, veiculado pela Revista Dinheiro Rural86.
Graças à fama de estimulante natural, a água de coco é a nova queridinha do
consumo saudável, disputando a preferência entre os naturebas de todos os
calibres com as bebidas energéticas. Antes descartada como resíduo pela
indústria de alimentos, ela se transformou num produto em ascensão no
mercado, e já faz parte do portfólio de multinacionais como a PepsiCo. Do
coco, a indústria queria apenas a polpa da fruta, para a fabricação de doces,
biscoitos e sorvetes. Quem quisesse beber água de coco tinha de recorrer aos
ambulantes espalhados pelas praias e ruas das cidades. “Essa história ficou no
passado”, diz o diretor-comercial da Sococo, a maior produtora brasileira de
água de coco industrializada. “Agora, a água vale ouro”.
É importante destacar que esse crescente consumo de água de coco envasada não se dá
apenas em terras brasileiras, mas também nos Estados Unidos e em diversos países da Europa,
basicamente nesta última década. Em um levantamento sobre o setor do coco realizado por
Gerbaud (2011, p. 42), o pesquisador, que trabalha no CIRAD, já destacava esse boom no
consumo de água de coco pelo mundo. Segundo ele,
O setor de bebidas à base de coco constitui um mercado que cresce fortemente
nestes últimos anos em todo o mundo. No Brasil, por exemplo, ele representa
um negócio que movimenta anualmente cerca de 300 milhões de dólares.
Além disso, a água de coco em Tetra Pak conhece um grande sucesso nos
Estados Unidos e nos países anglo-saxões da Europa. Esse setor conhece um
desenvolvimento muito mais importante do que o próprio fruto, especialmente
após eliminados os problemas da sua dificuldade de consumo.
Conforme uma matéria publicada em 2012 no The Wall Street Journal87, de Nova York,
“as vendas de refrigerantes andam mornas nos Estados Unidos e a indústria de bebidas, de olho
no próximo filão, tem aumentado suas apostas numa velha conhecida das praias brasileiras: a
água de coco”. A matéria destaca ainda que “promovida como uma bebida esportiva, natural e
que ajuda a reidratar corpos cansados, a água de coco está chegando a um número cada vez
maior de prateleiras nos EUA, em caixas, latas ou garrafas”. Já segundo o The New York
Times88, em matéria publicada em 2014, “a água de coco parece ter saído da invisibilidade para
85
Fonte: http://goo.gl/AF4RMv, Revista Globo Rural – “Água de coco faz carreira de sucesso no exterior”, matéria
do dia 28/12/11 e acessada em 30/12/11.
86
Fonte: http://goo.gl/U48XUZ, Revista Dinheiro Rural – “Bebida de gente grande”, matéria do dia 20/10/12 e
acessada em 23/11/14.
87
Fonte: http://goo.gl/xoLtAc, The Wall Street Journal – “Refrigerantes perdem o gás e água de coco ganha
espaço”, matéria do dia 12/02/12 e acessada em 14/02/12.
88
Fonte: http://goo.gl/9lWAwW, The New York Times – “Avaliado em US$ 400 milhões, mercado de água de
coco está na mira dos grandes”, matéria do dia 01/08/14 e acessada em 23/11/14.
93
os refletores em um piscar de olhos. Agora é possível encontrar a bebida em todo o canto – não
apenas em supermercados e lojas de conveniência, mas também nas propagandas de ônibus
(‘Abra um coco, abra a vida’) e em placas de bares (‘Desintoxique enquanto se intoxica’, dizia
uma placa em Manhattan)”.
A considerável expansão do consumo de água de coco envasada nos Estados Unidos,
além de favorecer as exportações brasileiras do produto, leva ao surgimento de dezenas de
empresas especializadas na sua comercialização e distribuição. Apenas nesse país, por exemplo,
podemos citar quatro dessas empresas, que estão entre as maiores revendedoras de água de coco
do mundo, que são: a Vita Coco, fundada em 2004, a O.N.E. e a Naked, adquiridas entre 2009
e 2010 pela PepsiCo, e a Zico Beverages, adquirida em 2009 pela Coca-Cola Company. A
entrada da PepsiCo e da Coca-Cola no mercado de água de coco já é um importante indicador
para demonstrar o peso que o setor adquire pelo mundo, fazendo com que as duas maiores
companhias de refrigerantes do planeta se voltem também para o mercado de água de coco.
A Vita Coco, maior empresa de revenda de água de coco em caixinha nos Estados
Unidos, assume hoje também o posto de maior empresa do setor no mundo, atuando ainda em
outros 13 países, como França, Inglaterra, Alemanha, Espanha, Dinamarca, Holanda, para citar
alguns, conforme indicado no site da empresa89. Nos Estados Unidos, a Vita Coco gere um
negócio que movimenta cada vez mais valores milionários, contando com investidores de peso,
como a cantora Madonna e vários outros astros de Hollywood. Até o começo de 2014, o Brasil
era o principal fornecedor de água de coco para a Vita Coco, notadamente duas empresas
cearenses, a Ducoco e a Paragro, e o produto já saía dos portos do Ceará em direção ao porto
de Nova York com a água dentro das caixinhas com a marca da empresa estadunidense.
De acordo com o The Wall Street Journal, esse mercado altamente concorrido e em forte
expansão no Estados Unidos é majoritariamente controlado pela Vita Coco, seguido pela Coca-
Cola (Zico) e pela PespiCo (ONE e Naked). Já segundo um levantamento realizado pelo The
New York Times, atualmente mais de 200 marcas vendem o produto em todo o mundo. As
empresas que detêm essas marcas usam o marketing como maior aliado na busca por mais
consumidores, sempre atrelando seus produtos ao cuidado com a saúde e os associando a
imagens de praias paradisíacas de algum país dos trópicos, que na maioria das vezes é o Brasil.
Vale destacar que essas empresas não possuem nenhum coqueiro plantado, e seus
fornecedores são oriundos especialmente de países como Indonésia, Tailândia, Brasil, Filipinas
e Vietnã. Somente no Brasil, a Ducoco e a Paragro são as maiores fornecedoras mundiais da
89
Fonte: http://vitacoco.com/
94
Vita Coco, que inclusive possui um funcionário que reside e trabalha no litoral cearense visando
acompanhar de perto a atuação das duas empresas brasileiras; enquanto a Sococo é fornecedora
da Naked, empresa da PepsiCo. Algumas dessas empresas estrangeiras, além de comercializar
água de coco, também vendem o produto saborizado (misturado) com suco de frutas, chás, leite
de soja e até mesmo café, visando ampliar seu leque de consumidores.
Com o boom do consumo de água de coco envasada em todo o mundo, as exportações
brasileiras do produto cresceram significativamente. De acordo com os dados da Secretaria de
Comércio Exterior (SECEX)90, entre 2000 e 2012 as exportações de água de coco pelo Brasil
obtiveram um importante aumento de 278%, isso em apenas dez anos, passando das 8,8 mil
para as 33,4 mil toneladas (tabela 11), com uma tendência de continuidade desse crescimento.
Ainda segundo esses dados, dentre todos os países para os quais o Brasil exporta destacam-se
os Estados Unidos, responsável por adquirir em 2012 aproximadamente 72% do total
exportado, quantidade essa obtida majoritariamente pela Vita Coco.
Tabela 11 – Brasil. Quantidade exportada de água de coco envasada (em quilogramas). 2000 – 2010.
2000 2002 2004 2006 2008 2010
8.830.126 16.483.040 25.967.346 35.122.745 35.644.154 33.422.522
Fonte: MDIC/SECEX. Elaboração: Cavalcante, 2013.
90
Ressalta-se que a partir de 2012 a SECEX mudou a metodologia para o levantamento e divulgação dos dados
referentes às exportações de água de coco, motivo pelo qual não tivemos como fazer a compilação dos dados
divulgados depois desse período.
95
unidades de produção agrícola e industrial; o investimento cada vez maior de empresas que
antes somente processavam os frutos, mas que agora passaram também a produzi-los etc.
Com isso, nota-se um grande desenvolvimento do setor, consolidando uma nova
tipologia de empresas: as agroindústrias do coco, responsáveis por dinamizar de uma vez só as
produções agrícola e industrial do fruto. De um modo geral, observa-se hoje a existência de um
setor fortemente articulado e em expansão, caracterizado pela presença de empresas com
características multifuncionais e multilocalizadas (CORRÊA, 1991)91, que desempenham um
importante papel na dinamização do cultivo de coco nos municípios onde estão instaladas suas
unidades de produção e onde se localizam seus fornecedores, influenciando também na
reorganização das dinâmicas socioespaciais historicamente concebidas nesses espaços.
No setor do coco, a produção agrícola e a produção industrial estão intimamente
interligadas, já que uma mesma empresa controla diretamente, na maioria das vezes, essas duas
atividades, diferentemente do que ocorre com inúmeros outros produtos pelo país. Poucos são
os setores onde há uma imbricação tão forte entre o agrícola e o industrial como o setor do coco.
Todas as principais agroindústrias do coco, além de realizar o processamento industrial dos
frutos, também os produzem em suas próprias fazendas, passando a ter um controle completo
do seu circuito espacial produtivo. Algumas dessas empresas nascem agrícolas e somente
depois se tornam também agroindustriais, enquanto em outros casos é o contrário; já outras são
criadas visando a atuação desde o início na produção e no processamento dos frutos.
Após a leitura completa de nossa hemeroteca, de pesquisas na internet, do resgate
histórico e produtivo das principais indústrias de alimentos, da análise da publicação anual da
Revista Exame - Maiores e Melhores, que apresenta um importante panorama do setor
empresarial brasileiro, de consulta aos produtos comercializados pelo Grupo Pão de Açúcar, a
maior rede de supermercados do país92, entre outras fontes, foi possível identificar quais são as
mais importantes agroindústrias do coco do Brasil e traçar um pequeno perfil do setor. Há de
se destacar que existem também empresas que apenas revendem os produtos já processados à
base de coco, adquiridos em empresas especializadas, ou então aquelas que produzem uma
infinidade de outros produtos a ponto de não se especializar exclusivamente no ramo do coco.
Desse modo, de posse de todas as informações, subdividimos as agroindústrias do coco
existentes no país em quatro grandes grupos, cada um deles apresentando características
91
“Uma grande corporação multifuncional e multilocalizada possui, no que se refere a sua espacialidade, não
apenas diversas localizações, mas também intensas e complexas interações espaciais, envolvendo, de um lado,
suas próprias localizações e, de outro, numerosas empresas e grupos” (CORRÊA, 1991, p. 62).
92
De acordo com a Associação Brasileira de Supermercados.
97
93
A Sococo e a Ducoco foram as únicas empresas associadas à produção de coco inseridas no ranking das 400
maiores empresas do agronegócio do Brasil nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, de acordo com publicação anual
da Revista Exame - Melhores e Maiores.
94
Só para termos uma noção desse grande negócio de revenda de água de coco, 50% de tudo o que era produzido
pela Sococo em 2012 era revendido à PepsiCo. Fonte: http://goo.gl/fhMwmc, Revista Dinheiro Rural – “Bebida
de gente grande”, matéria do dia 20/10/12 e acessada em 23/11/14.
98
Itapipoca e Linhares (ES), e até bem pouco tempo atrás também em Juazeiro (BA), com a sede
administrativa instalada em São Paulo (SP)95. Ambos os empreendimentos possuem também
centrais de distribuição de seus produtos em todas as regiões do país, e adquirem os frutos que
não são produzidos em suas fazendas com produtores e intermediários de praticamente todos
os Estados do Nordeste, e por vezes do Norte e Sudeste, ou até mesmo de países como
Indonésia, Sri Lanka e Vietnã.
Podemos afirmar que estamos diante de empresas realmente nacionais, não apenas pela
abrangência que atingem seus produtos, largamente consumidos sobretudo no Nordeste e
Sudeste, mas sobretudo pela articulação de diferentes espaços e inúmeros fornecedores,
distribuidores e compradores, inserindo-os em um só movimento magistralmente organizado
com o intuito de reduzir custos e aumentar a produção e consequentemente suas participações
no mercado. A Sococo e a Ducoco conseguem, como nenhuma outra empresa o faz, controlar
parte da cadeia produtiva do coco no Brasil, determinando e regulando as atividades necessárias
ao pleno desenvolvimento do setor e introduzindo inovações tanto na parte agrícola quanto na
industrial, interferindo fortemente nos rumos da reestruturação produtiva.
No segundo grupo de empresas agroindustriais do coco se destacam a Kero Coco
(Amacoco/PepsiCo), a Coco do Vale e, até certo ponto, a Aurantiaca. Elas são grandes empresas
que estão apresentando atualmente um acelerado crescimento e/ou que já dominam importantes
fatias do mercado de derivados do coco, e integram essa lista das principais agroindústrias
particularmente por seus volumosos investimentos destinados ao setor de envase e revenda de
água de coco em caixinhas e voltados para a expansão de suas unidades produtivas por todo
país, sejam elas agrícolas e/ou industriais.
A paraense Amacoco foi fundada em 1995 e adquirida em 2009 pela multinacional
estadunidense PepsiCo, conforme já relatamos, passando a ser chamada de Kero Coco. Essa
compra da Amacoco pela PepsiCo significou, antes de mais nada, a ampliação do controle do
capital internacional sobre o mercado brasileiro de água de coco. A empresa é atualmente a
maior revendedora de água de coco no país96, possuindo duas fazendas com cultivo de coqueiro
anão em Petrolina (PE), somando por volta de 430 hectares, e mantendo unidades industriais
em São Mateus (ES), Ananindeua (PA) e Petrolina. A Kero Coco produzia em 2010 apenas
95
Todas as informações sobre as empresas foram retiradas de seus sites: http://www.sococo.com.br/pt/ e
http://www.ducocoalimentos.com.br/.
96
Fonte: http://goo.gl/AcKDdM, Jornal O Estado de São Paulo – “Pepsi compra a líder em água de coco no Brasil”,
matéria do dia 13/08/09 e acessada em 30/11/13.
99
20% do total processado nas fábricas, adquirindo o restante com outros 490 produtores
localizados em todo o Brasil, especialmente no Espírito Santo, no Pará e em Pernambuco97.
Já a pernambucana/paraibana Coco do Vale produz leite de coco e coco ralado desde
2003, e em 2010 resolveu também investir no setor de água de coco, possuindo fazendas e
unidade industrial em Lucena (PB) e sede administrativa em Recife (PE)98. A participação da
Coco do Vale no mercado do coco cresce a cada dia, o que faz com que a empresa esteja
constantemente investimento na produção e no processamento industrial dos frutos. Por fim, a
Aurantiaca, a mais nova das principais agroindústrias do coco do Brasil, fundada em 2006 no
Conde (BA), atuando primeiro como empresa agrícola, através da Aurantiaca Agrícola, e depois
também como empresa agroindustrial, em 2008, através da Frysk Industrial99. A indústria dessa
holding beneficia 100% dos frutos, produzindo água, leite, farinha e óleo de coco, além de fibras
de coco a partir do reaproveitamento da casca dos frutos.
Essas são as cinco principais agroindústrias do coco no Brasil, responsáveis por implicar
fortes rebatimentos na organização produtiva de diversos municípios e espaços de produção do
fruto pelo país, uma vez que, além de possuir suas unidades agrícolas e industriais, adquirem
grande parte da matéria-prima de que necessitam com inúmeros produtores. Chama atenção
também o fato de essas empresas, em sua maioria, se instalarem por diversos pontos do
território nacional, escolhidos sempre de acordo com os recursos dos quais dispõem, como a
abundância de matéria-prima e os incentivos fiscais cedidos pelo Estado. No quadro a seguir
(quadro 03) agrupamos as informações mais relevantes dessas cinco principais empresas.
Existem também outras empresas agroindustriais que se destacam por sua atuação
regional e/ou por sua restrita participação no mercado, apresentando um pequeno e médio porte
e inserindo seus produtos basicamente nos mercados locais e regionais, com algumas poucas
exceções, onde a maioria delas foi criada apenas nos últimos dez anos, representando o forte
potencial para o crescimento do setor do coco, sobretudo da água. Além dessas grandes e médias
empresas, existem ainda centenas de outras locais e/ou domésticas, caracterizadas por funcionar
em pequenos estabelecimentos, até mesmo dentro das próprias fazendas, baseadas no trabalho
familiar e voltadas para atender exclusivamente os mercados localizados próximos às unidades
de produção ou a outras empresas maiores.
97
Fonte: http://goo.gl/qrG2Gm, Revista Dinheiro Rural – “Kero Coco quer sombra e água fresca”, matéria do dia
23/04/10 e acessada em 30/11/13.
98
Fonte: http://www.cocodovale.net.br/index.php
99
Fonte: http://aurantiaca.com.br/
100
Quadro 03 – Resumo com as características das principais agroindústrias do coco em atuação no Brasil.
SOCOCO
Fundação: 1966 DUCOCO
Sede administrativa: Maceió (AL) Fundação: 1982
Unidades de produção agrícola: Moju (PA) e Santa Isabel (PA) Sede administrativa: São Paulo (SP)
Unidades de produção industrial: Maceió (AL) e Ananindeua (PA) Unidades de produção agrícola: Itapipoca (CE), Camocim (CE) e
Marcas próprias: Sococo e Mais Coco Itarema (CE)
Principais produtos: Coco ralado, leite de coco, água de coco, Unidades de produção industrial: Itapipoca (CE) e Linhares (ES)
sucos à base de soja e doce de coco Marcas próprias: Ducoco, Menina e Frutop
Principais produtos: Coco ralado, leite de coco, água de coco, óleo
de coco, gelatinas e sucos
O coco começou a ser cultivado no Brasil somente a partir do século XVI e sua produção
concentrava-se exclusivamente em território baiano, conforme já indicamos. Martins e Jesus
102
Júnior (2011, p. 15) asseguram que, a partir da Bahia, “o coqueiro disseminou-se pelo litoral
nordestino, especialmente por ser uma frutífera típica de clima tropical onde encontrou
condições favoráveis para cultivo, e posteriormente acabou se adaptando em outras regiões do
país”. Do litoral do Nordeste, essa produção se difundiu também para os Estados do Pará e do
Espírito Santo, ainda na década de 1980, passando a ser cultivado em escala comercial pela
primeira vez no Norte e no Sudeste. Assim, até o início dos anos 1990 o cultivo de coco se
restringia apenas às regiões Nordeste, Sudeste e Norte, mas ainda continuava sendo produzido
majoritariamente no litoral nordestino.
Esse quadro começou a ser alterado, entretanto, com a reestruturação produtiva do setor,
que vem sendo responsável por uma importante dispersão espacial do cultivo de coco pelas
cinco grandes regiões do país. Depois de já produzido em todo o litoral do Nordeste, no Pará e
no Espírito Santo, o fruto passou a ser cultivado também no interior nordestino e nos outros
Estados do Norte e do Sudeste100, como também no Centro-Oeste, por volta do começo dos
anos 2000, e no Sul, apenas no início da década de 2010. A esse respeito, Cavalcanti, Mota e
Silva (2006, p. 136) afirmam que “largamente cultivado no Nordeste em condições de sequeiro,
principalmente por pequenos produtores, o coco é um produto em ascensão em diferentes
regiões do Brasil”; como também acrescentam Fontes e Wanderley (2006).
Conforme revelam os dados divulgados pelo levantamento da Produção Agrícola
Municipal, do IBGE, apresentados nas tabelas a seguir (tabelas 12, 13 e 14), o Nordeste
continua sendo o principal produtor de coco no Brasil, destacando-se tanto em quantidade de
frutos produzidos quanto em total de área plantada, tendo a produção dobrada em um período
de 20 anos. Todavia os maiores crescimentos foram observados nas outras regiões, sobretudo
quando consideramos a evolução da área plantada no período de 2000 a 2010, que obteve
importante expansão em todas as regiões, especialmente no Sudeste, Centro-Oeste e Sul, com
exceção apenas do Nordeste, onde se observa uma ligeira queda da área plantada em 2010.
Ademais, todas as regiões apresentaram um aumento na quantidade produzida com coco.
Além do Nordeste, a região Norte também se destaca no quesito área plantada com
coqueiros e quantidade produzida. Logo atrás vem o Sudeste, com uma importante área
plantada e em crescente ascensão, sendo uma das regiões que mais teve seu espaço agrícola
ocupado com coqueiros nas últimas duas décadas, apresentando ainda uma produtividade
100
O jornal Folha de São Paulo noticiou essa dispersão da produção em direção ao restante do território nacional
já no início dos anos 2000. De acordo com a reportagem, “típico das praias nordestinas, os coqueiros estão se
proliferando rapidamente no Centro-Sul do país, e mesmo apesar dos altos investimentos que devem ser realizados,
a proximidade com o mercado consumidor acaba compensando esses custos”. Fonte: http://goo.gl/MeEeiC, Folha
de São Paulo – “Coco muda a paisagem do interior do Brasil”, matéria do dia 18/01/02 e acessada em 30/11/13.
103
excepcional de 14 mil frutos por hectare a cada ano, índice muito superior ao observado no
Nordeste, que é de 5 mil frutos. Em seguida aparecem o Centro-Oeste e o Sul, com uma área
plantada e quantidade produzida ainda irrelevantes se compararmos com as outras regiões, mas
que já apresentam um crescimento importante, demonstrando o caráter nacional que a produção
de coco possui atualmente, não observado em períodos anteriores.
101
De acordo com Martins e Jesus Júnior (2011, p. 24), o cultivo de coqueiros gigantes ainda é predominante no
Nordeste. Já no Norte, Sul, Sudeste e Centro-Oeste, as principais variedades cultivadas são a anã e a híbrida.
104
Apesar dessa dispersão espacial do cultivo de coco pelas outras regiões do país, nota-se
que o Nordeste ainda continua sendo o maior produtor de coco do Brasil, com uma produção
altamente dinâmica, concentrando em 2010 em torno 68% da quantidade produzida com coco
e 81% da área plantada com coqueiros, conforme demonstrado na imagem a seguir (imagem
07). Nesse mesmo período, o Sudeste já era o segundo maior produtor, seguido de perto pelo
Norte, que concentrava a segunda maior área plantada, enquanto as regiões Centro-Oeste e Sul
representavam um ínfimo percentual de 2% da produção nacional. Mesmo com um avanço da
fronteira agrícola do coco pelo país, a maioria considerável da produção ainda se concentra no
litoral nordestino, segundo também ressaltam Martins e Jesus Júnior (2011).
Imagem 07 – Distribuição da quantidade produzida com coco (em mil frutos) e da área plantada com
coqueiros (em hectares), de acordo com as grandes regiões do Brasil. 2010.
Área Quantidade
plantada produzida
Nota-se, com isso, que o Nordeste deixa de ser a única região produtora de coco no
Brasil, uma vez que se percebe que a participação das outras regiões no cultivo desse fruto foi
bastante alterada. Só para termos uma ideia de como isso mudou, em 1980, conforme apontam
os dados do Censo Agropecuário, essa região controlava sozinha por volta de 93% da produção
105
102
Discussão essa também realizada por França (1988).
103
Somente Bahia, Ceará, Sergipe, Pará e Espírito Santo concentravam juntos, em 2010, por volta de 74% da
quantidade produzida com coco e de 71% da área plantada com coqueiros no Brasil (PAM/IBGE).
106
104
Como também ocorre no cultivo de diversas outras frutas, segundo destaca Lucci (2013).
107
105
Conforme relata um distribuidor de coco em entrevista ao jornal O Globo, afirmando que: “o coco capixaba é
melhor, já que chega em dez horas de viagem e o frete não é caro. Quando vem do Nordeste, demora três dias, e
o coco chega bem mais sofrido”. Fonte: http://goo.gl/t9G4Yc, Jornal O Globo – “Nas areis quentes do Rio, o coco
capixaba é rei”, matéria do dia 21/12/14 e acessada em 30/11/14.
106
Fonte: http://goo.gl/GKco81, Portal do Agronegócio – “Onde não dá soja o Paraná vai de coco”, matéria do dia
22/11/11 e acessada em 30/11/13.
108
Tabela 15 – Unidades da Federação. Produção de coco. Área plantada (em hectares) e quantidade
produzida (em mil frutos). Variações absoluta e relativa (de 1990 a 2010). 1990 – 2010.
1990 2000 2010 V. Abs V. Relat
Área plantada 2.783 607 268 -2.515 -90,37
Rondônia
Quant. produzida 6.139 4.639 1.550 -4.589 -74,75
Área plantada 37 47 180 143 386,49
Acre
Quant. produzida 164 205 931 767 467,68
Área plantada 90 281 3.299 3.209 3.565,56
Amazonas
Quant. produzida 523 1.315 8.875 8.352 1.596,94
Área plantada 10.442 17.084 23.960 13.518 129,46
Pará
Quant. produzida 97.227 154.957 232.448 135.221 139,08
Área plantada 0 101 786 786 786,00
Tocantins
Quant. produzida 0 1.059 11.244 11.244 11.244,00
Área plantada 1.729 1.401 2.583 854 49,39
Maranhão
Quant. produzida 6.168 3.705 8.168 2.000 32,43
Área plantada 479 750 1.268 789 164,72
Piauí
Quant. produzida 2.654 6.797 14.762 12.108 456,22
Área plantada 35.431 37.316 44.224 8.793 24,82
Ceará
Quant. produzida 133.880 193.729 266.263 132.383 98,88
Rio Grande do Área plantada 27.122 33.850 22.552 -4.570 -16,85
Norte Quant. produzida 54.478 87.941 62.417 7.939 14,57
Área plantada 10.582 10.371 11.454 872 8,24
Paraíba
Quant. produzida 29.407 54.105 63.267 33.860 115,14
Área plantada 12.723 9.486 10.761 -1.962 -15,42
Pernambuco
Quant. produzida 38.492 35.643 71.346 32.854 85,35
Área plantada 16.177 15.262 12.576 -3.601 -22,26
Alagoas
Quant. produzida 67.050 56.118 55.320 -11.730 -17,49
Área plantada 46.939 45.720 41.890 -5.049 -10,76
Sergipe
Quant. produzida 99.053 91.985 253.621 154.568 156,05
Área plantada 48.564 78.270 76.985 28.421 58,52
Bahia
Quant. produzida 188.516 402.937 502.364 313.848 166,48
Área plantada 652 1.584 2.597 1.945 298,31
Minas Gerais
Quant. produzida 2.875 9.258 39.291 36.416 1.266,64
Área plantada 1.276 8.895 10.002 8.726 683,86
Espírito Santo
Quant. produzida 3.669 132.487 149.899 146.230 3.985,55
Área plantada 603 2.462 4.426 3.823 634
Rio de Janeiro
Quant. produzida 4.051 34.358 74.077 70.026 1.728,61
Área plantada 20 1.203 3.386 3.366 168,30
São Paulo
Quant. produzida 51 10.136 37.250 37.199 72.939,22
Área plantada 0 0 202 202 202,00
Paraná
Quant. produzida 0 0 2.282 2.282 2.282,00
Mato Grosso do Área plantada 3 126 470 467 15.566,67
Sul Quant. produzida 21 1.576 4.553 4.532 21.580,95
Área plantada 0 1.631 1.757 1.757 1.757,00
Mato Grosso
Quant. produzida 0 17.133 20.451 20.451 20.451,00
Área plantada 0 130 1.308 1.308 1.308,00
Goiás
Quant. produzida 0 1.328 15.256 15.256 15.256,00
Área plantada 215.652 266.577 276.934 61.282 28,42
BRASIL
Quant. produzida 734.418 1.301.411 1.895.635 1.161.217 158,11
Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.
109
Imagem 08 – Distribuição espacial produção de coco no Brasil, por Unidades da Federação. 1990 – 2010.
107
Chegamos a tais recortes nos baseando em dados e cartogramas oriundos da PAM (IBGE – 2010). Os recortes
de tais regiões especializadas no cultivo de coco não obedecem às divisões oficiais do IBGE, portanto não se
tratam de mesorregiões e ou de microrregiões, e sim da localização de um conjunto de municípios (ou de apenas
um município) que se configuram enquanto importantes polos da produção de coco no país.
111
no Brasil e a localização das cinco maiores empresas do setor (já indicadas no subcapítulo
anterior). É visível que há uma relativa justaposição da localização das unidades de produção
agrícola e industrial dessas empresas e as principais regiões de cultivo do fruto no país, com
destaque para o nordeste do Pará e os litorais de Ceará, Bahia, Sergipe e Espírito Santo, que,
além de abrigarem unidades produtivas, são também altamente especializados na produção de
coco, assim como o sub-médio São Francisco, entre Bahia e Pernambuco. Chama atenção
também o Estado de São Paulo, que abriga a sede administrativa de duas das maiores empresas
do setor (Ducoco e Kero Coco).
cultivo de coco, que passa a ser responsável por dinamizar a economia dos municípios onde
estão inseridos tais perímetros, levando a uma reestruturação produtiva e territorial dos mesmos,
já que anteriormente não havia produção de coco em nenhum perímetro irrigado nordestino.
Ressalta-se que há um total de 71 perímetros irrigados em todo o Nordeste, construídos
e mantidos pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) ou pela
Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Todos
esses perímetros possuem dinâmicas socioespaciais e produtivas bastante particulares, sendo
comum o grande cultivo de frutas, a exemplo de banana, melão, manga e uva, muitas delas
voltadas para a exportação e para atender diretamente as necessidades das agroindústrias lá
instaladas. A introdução de novos cultivos nesses perímetros depende, na maioria das vezes,
das motivações dos próprios produtores, que possuem à sua disposição uma rede hídrica já
instalada e lotes com forte potencial agrícola. Há uma rotatividade de produções que chega a
ser bastante intensa, sendo comum a substituição de antigos cultivos por novos.
Recentemente, um dos novos cultivos introduzidos nesses perímetros foi o de coco,
produzido tanto por pequenos quanto por grandes produtores. A difusão desse cultivo nesses
locais contribui sobremaneira para modificar o arranjo espacial da produção do fruto no país,
que começou a ser realizada também no interior nordestino. Esse processo, ainda em curso, já
foi inclusive atestado por alguns pesquisadores, como podemos observar nos relatos abaixo,
que associam a introdução do coco nos perímetros irrigados à expansão do consumo da água.
A produção de coco, tradicional do litoral nordestino, começa a ser
desenvolvida nos perímetros irrigados, com o intuito de comercializar os
frutos ainda verdes (BROGGIO, 1999, p. 227).
A partir de meados dos anos 2000 tem-se notado um aumento da exploração
do coco voltado para atender o mercado de água. Essa tendência tem
deslocado a produção do fruto para áreas não tradicionais, a exemplo dos
perímetros irrigados do Nordeste (SIQUEIRA et al., 2002, p. 06).
108
Entrevistado em fevereiro de 2014, na sede nacional do DNOCS, em Fortaleza.
113
da produção de coco nos perímetros está diretamente vinculado à grande disponibilidade hídrica
e à possibilidade de instalação de sistemas de irrigação, fatores cruciais para o desenvolvimento
do coqueiro anão visando a produção de coco verde, atrelado à grande expansão nacional e
internacional do mercado e do consumo de água de coco.
Dentre os perímetros irrigados nordestinos que vêm se especializando no cultivo de coco
destacamos aqueles inseridos nos vales dos rios São Francisco, entre a Bahia e Pernambuco
(localizados na região de Juazeiro/Petrolina e de Rodelas/Petrolândia), Piranhas, na Paraíba, e
Curu e Acaraú, no Ceará. É basicamente nesses locais onde se materializam com mais
intensidade os processos advindos com a reestruturação produtiva do setor, uma vez que é
sobretudo aí onde se difundem as principais inovações técnico-científicas e agronômicas e se
expandem os fixos e fluxos relacionados ao circuito espacial produtivo do fruto.
Essa difusão e consequente especialização da produção de coco em direção aos
perímetros irrigados nordestinos pode ser comprovada ao analisarmos os dados divulgados pelo
Serviço de Monitoramento da Produção dos Perímetros Irrigados (SMPPI), do DNOCS. Como
se pode observar na tabela abaixo (tabela 16), entre os anos de 2000 e 2012 o cultivo do fruto
nesses perímetros teve um importante aumento, tendo a área plantada com coqueiros
apresentado um acréscimo de 77% e a quantidade produzida de quase 80%. Conforme informou
o gerente do DNOCS entrevistado, foi no início dos anos 1990 que os perímetros nordestinos
começaram a esboçar uma considerável produção de coco, se expandindo com mais intensidade
depois dos anos 2000 e que atualmente ainda continua em acelerado crescimento.
Tabela 16 – Perímetros irrigados geridos pelo DNOCS. Área plantada com coqueiros (em hectares) e
quantidade produzida de coco (em unidades). Variações absoluta e relativa (em %). 2000 – 2012.
2000 2012 Variação absoluta Variação relativa
Área plantada 3.379 6.007 2.628 77,77
Quant. produzida 38.361.533 68.702.110 30.340.577 79,09
Fonte: DNOCS/SMPPI. Elaboração: Cavalcante, 2014.
Desses perímetros geridos pelo DNOCS o destaque vai para o Curu-Paraipaba, o Curu-
Pentecoste, o Araras Norte e o Baixo Acaraú, localizados no Ceará, e para o São Gonçalo,
localizado em Souza, na Paraíba. Inclusive, o perímetro irrigado São Gonçalo foi o pioneiro na
produção de coco no interior nordestino e rapidamente transformou o município de Souza em
uma referência nacional no cultivo de coqueiro anão, como demonstra Lucena (2010). A título
de informação, o coco é atualmente o cultivo que ocupa a segunda maior área plantada se
tomarmos a área completa de todos os perímetros do DNOCS, representando 15% da área total
cultivada, atrás apenas do cultivo de banana. O coco já é também o principal produto cultivado
nos perímetros do Ceará e da Paraíba, ocupando a maior área plantada em ambos Estados.
114
***
Depois dessa apresentação de algumas das mais relevantes dinâmicas que caracterizam
a reestruturação do setor do coco no Brasil, podemos nos perguntar, por exemplo, como o
Estado do Ceará é inserido nesse processo, e ainda quais os principais rebatimentos diretos
dessa reestruturação produtiva na configuração dos espaços de produção de coco aí encontrados
e na organização dos agentes que compõem seu circuito espacial produtivo, os quais serão
analisados nos capítulos seguintes. Destacamos que essa contextualização da produção
brasileira é fundamental para melhor compreender como a produção cearense se insere nesse
contexto maior de reestruturação produtiva, já que não conseguiríamos apreender o local sem
levar em consideração o global que o dinamiza, segundo afirma Dimitrova (2005).
Fonte: http://goo.gl/Zn1UDW, Portal G1/Petrolina – “Produção de coco cresce no Vale do São Francisco”,
109
Capítulo 3
O COCO NO CEARÁ: CONFIGURAÇÕES PRODUTIVAS E ESPACIAIS
110
Infere-se que coco já é a terceira fruta mais cultivada no Ceará, atrás apenas da castanha de caju e da banana.
116
nacional e 16% da área plantada no país, configurando-se como o segundo principal produtor
de coco, atrás apenas da Bahia.
Tabela 17 – Ceará. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade produzida de coco (em mil
frutos) e produtividade (mil frutos/ha/ano). 1990 – 2010.
1990 2000 2010
Área plantada 35.431 37.316 44.224
Quantidade produzida 133.880 193.729 266.263
Produtividade 3,78 5,19 6,02
Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.
Tabela 18 – Ceará. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade produzida de coco (em mil
frutos) e produtividade (mil frutos/ha/ano). Variações absoluta e relativa (em %). 1990 – 2010.
Variação Absoluta Variação Relativa
1990 - 2000 - 1990 - 1990 - 2000 - 1990 -
2000 2010 2010 2000 2010 2010
Área plantada 1.885 6.908 8.793 5,32 19,50 24,82
Quant. produzida 59.849 72.534 132.383 44,70 37,44 98,88
Produtividade 1,41 0,83 2,24 37,39 15,97 59,34
Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.
Como tais dados se referem à produção total de coco, não há como fazer uma distinção
entre os cultivos de coqueiro anão, híbrido e gigante, e entre as produções de coco verde e seco.
Mas a partir da realização dos trabalhos de campo, notamos que há uma certa estagnação do
cultivo de coqueiro gigante diante de uma acentuada expansão das outras duas variedades,
fazendo com que haja um aumento da área total plantada. Merece destaque ainda o crescimento
da produtividade, uma vez que já se produz por volta de 6 mil frutos por hectare ao ano, em
razão especialmente da difusão do uso de inovações ao processo produtivo do fruto pelo Ceará,
que garantem a continuidade da modernização dessa produção.
Ainda nesse contexto, outra variável importante que merece ser analisada é a distinção
entre essa produção de coco verde e a de coco seco, tomando como base os dados divulgados
pelo Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA/IBGE)111. Esses dados mostram
que a quantidade produzida com coco seco obteve um aumento entre 2002 e 2012, algo em
torno dos 15%, enquanto a quantidade produzida com coco verde aumentou cerca de 70% no
mesmo período (tabelas 19 e 20). Isso indica que o cultivo de coco verde teve um incremento
significativo nestes últimos anos no Ceará, sobretudo quando observamos o considerável
aumento da sua área plantada em relação à área cultivada com coco seco. Como a maioria dos
111
Há de se destacar que a metodologia utilizada pela PAM e pelo LSPA não é a mesma; por esse motivo, os
resultados podem ser diferentes de acordo com cada levantamento. Além disso, os anos divulgados por esses
levantamentos também não são os mesmos.
117
frutos ainda verdes são advindos de coqueiros anão e híbrido, conclui-se que são essas as
variedades em expansão em território cearense.
Tabela 19 – Ceará. Produção de coco, por tipo de produto. Área plantada com coqueiros (em hectares)
e quantidade produzida de coco (em mil frutos). 2002 – 2012.
Coco verde Coco seco
2002 2012 2002 2012
Área plantada 8.651 12.745 35.333 35.441
Quant. produzida 70.817 120.135 131.549 151.925
Fonte: IBGE/LSPA. Elaboração: Cavalcante, 2013.
Tabela 20 – Ceará. Produção de coco, por tipo de produto. Área plantada com coqueiros (em hectares)
e quantidade produzida de coco (em mil frutos). Variações absoluta e relativa (em %). 2002 – 2012.
Coco verde Coco seco
Variação Variação Variação Variação
absoluta relativa absoluta relativa
Área plantada 4.094 47,32 108 0,31
Quant. produzida 49.318 69,64 20.376 15,49
Fonte: IBGE/LSPA. Elaboração: Cavalcante, 2013.
Associada a essa organização produtiva do coco no Ceará está a estrutura fundiária das
propriedades que cultivam o fruto. Observa-se que, de um modo geral, essas propriedades se
caracterizam por apresentar um pequeno porte, ancoradas no minifúndio. Conforme consta no
Censo Agropecuário de 2006, 88% dos mais de 3 mil estabelecimentos que produziam coco no
Ceará possuíam até 10 hectares, enquanto os estabelecimentos que tinham mais de 10 hectares
não passavam dos 3% (tabelas 21 e 22). Além disso, as pequenas unidades de produção
ocupavam quase a metade da área cultivada e produziam 60% do coco cearense, o que não
impede que a participação das médias e grandes propriedades também seja importante.
Tabela 21 – Ceará. Estrutura fundiária dos estabelecimentos que cultivam coco: total dos estabelecimentos
(em unidades), área total (em hectares) e quantidade produzida (em mil frutos). 2006.
Menos de De 10 a Mais de Sem
Total
10 ha 100 ha 100 ha declaração
Estabelecimentos 3.611 3.197 78 11 325
Área total 12.626 5.741 2.204 2.018 2.663
Quantidade produzida 61.486 37.425 12.588 9.632 1.841
Fonte: IBGE/Censo Agropecuário. Elaboração: Cavalcante, 2013.
Tabela 22 – Ceará. Estrutura fundiária dos estabelecimentos que cultivam coco: total dos estabelecimentos,
área total e quantidade produzida. Proporção (em %). 2006.
Menos de 10 ha De 10 a 100 ha Mais de 100 ha
Estabelecimentos 88,54 2,16 0,30
Área total 45,47 17,46 15,98
Quantidade produzida 60,87 20,47 15,67
Fonte: IBGE/Censo Agropecuário. Elaboração: Cavalcante, 2013.
Obs: A soma total do número de estabelecimentos e da área total não chegará aos 100%, uma vez que foram
desconsiderados os estabelecimentos sem declaração.
118
próprio Ceará, esse fruto, seja ele verde seja seco, tem como foco principal os mercados do
Nordeste e do Centro-Sul do país, principalmente os Estados de São Paulo, Piauí, Maranhão,
Paraná, Minas Gerais, Goiás, Sergipe e Rio Grande do Norte, que foram os mais citados pelos
produtores e intermediários que entrevistamos. Essa informação pôde ser confirmada ao
analisarmos os dados divulgados pelo Prohort/CONAB, que contabiliza a produção
comercializada em algumas Centrais de Abastecimento (CEASAs) do país, indicando a origem
de todos os produtos e a quantidade adquirida por cada uma das CEASAs.
De acordo com essa fonte de dados, entre 2010 e 2015 foram comercializadas 47 mil
toneladas do coco advindo do Ceará nas diversas centrais de abastecimento distribuídas pelo
país. Desse total, 32% foram comercializadas na CEASA do próprio Ceará, localizada em
Maracanaú, na Grande Fortaleza, enquanto 49% foram adquiridas em São Paulo e 16% em
Minas Gerais. Destaca-se que a importância de São Paulo – que adquiriu praticamente a metade
da produção de cearense de coco distribuída pelas centrais de abastecimento – para o mercado
do fruto no país é tão grande, que é aí onde são cotados os preços do coco comercializados por
todo o Brasil, como nos informaram os atravessadores entrevistados.
Além desses destinos, um pequeno percentual da produção de coco e seus subprodutos
é exportado, já que o foco principal é abastecer o mercado nacional. Semelhante ao que ocorre
no contexto nacional, as exportações de coco verde e seco pelo Ceará são inconstantes e com
pouca representatividade, ao contrário do observado com a água de coco, que em um período
de 10 anos teve suas exportações acrescidas aproximadamente 780% (tabelas 24 e 25). Isso se
deve, sobretudo, ao considerável aumento da participação de grandes empresas produtoras e
revendedoras de água de coco envasada, que investem pesado na sua exportação. Com isso, o
Ceará assume a ponta das exportações nacionais desse produto, uma vez que em 2010 o Estado
exportava 46% de toda a água de coco envasada que saía do Brasil, segundo os dados
divulgados pela SECEX/MDIC.
Tabela 24 – Ceará. Quantidade exportada de água de coco (em quilogramas). 2002 – 2012.
2002 2004 2006 2008 2010 2012
3.271.803 5.795.252 9.033.430 11.102.398 15.634.484 28.739.648
Fonte: MDIC/SECEX. Elaboração: Cavalcante, 2013.
Tabela 25 – Ceará. Quantidade exportada de água de coco (em quilogramas). Variações absoluta e
relativa (em %). 2002 – 2012.
Variação Absoluta Variação Relativa
25.467.845 778,40
Fonte: MDIC/SECEX. Elaboração: Cavalcante, 2013.
120
Ainda de acordo com os dados da SECEX/MDIC, em 2002 a água de coco envasada era
destinada somente para 5 países112, enquanto em 2010 foi encaminhada para 15 países113,
notadamente países da Europa e da América do Norte, indicando uma importante expansão do
setor, como se pode comprovar ao analisar os dados apresentados. As exportações cearenses de
água de coco se destinaram especialmente para os Estados Unidos, país que importou, em 2010,
84% de toda água de coco exportada pelo Ceará, somando mais de 13 mil toneladas, adquiridas
majoritariamente pela empresa Vita Coco, que depois revende esse produto para diversos países
europeus. Depois dos Estados Unidos, os maiores importares da água de coco cearense em 2010
foram Reino Unido, Alemanha, Canadá e Portugal.
De um modo geral, esse é o quadro que caracteriza a produção cearense de coco, que,
como percebemos, é bastante dinâmica e difícil de ser apreendida exclusivamente a partir da
análise de indicadores quantitativos, necessitando, pois, da incorporação de novos elementos
qualitativos, apresentados na sequência do capítulo. Além disso, fica evidente que o cultivo do
fruto no Ceará não foge àquelas mesmas características que compõem o perfil da produção de
coco no Brasil, nem no que tange ao comportamento das variáveis apresentadas e nem quanto
ao modo como a reestruturação produtiva do setor se processa.
112
Estados Unidos, Portugal, Venezuela, Cabo Verde e Holanda.
113
Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Canadá, Portugal, França, Áustria, Holanda, Suíça, Cabo Verde,
Austrália, Argentina e Chile.
121
novos espaços distantes da histórica região de produção de coco – os litorais. Além disso, o
foco desse cultivo também muda, passando do coco seco para o coco verde.
De uma produção, até meados do século passado, marcada exclusivamente pelo seu
caráter semiextensivo e em certos casos extrativista, notamos atualmente o desenvolvimento de
um novo modelo de produção de coco. O cultivo de coqueiro gigante no Ceará, a exemplo do
que ocorre no Brasil, está lentamente sendo inserido no processo de modernização produtiva e
continua sendo cultivado da mesma forma que o era há dezenas de anos, diferentemente do
observado com os cultivos de coqueiro anão e híbrido, que já se iniciam modernos, servidos
por eficientes sistemas de irrigação e por insumos das mais diversas naturezas. Com isso, o
coco no Ceará deixa de ser apenas sinônimo de extrativismo e se torna, efetivamente, uma
atividade intensiva e capaz de proporcionar aos seus produtores uma considerável rentabilidade.
A partir da realização dos trabalhos de campo em seis municípios que se destacam no
cultivo de coco (Paraipaba, Trairi, Itapipoca, Amontada, Itarema e Acaraú) e de entrevistas com
os agentes inseridos no circuito espacial produtivo do fruto, visualizamos de perto a consecução
dessa moderna produção de coco no Ceará e ouvimos relatos que evidenciam a reestruturação
produtiva do setor em território cearense. No entanto, ressalta-se desde já que esse processo não
se dá de maneira homogênea, opondo os produtores que historicamente cultivam coqueiro
gigante para a produção de coco seco aos que passaram a cultivar coqueiros anão e híbrido para
a produção de coco verde.
É nos espaços onde predominam os cultivos de coqueiro anão e híbrido que se observa
nitidamente como está organizada a moderna produção de coco no Ceará. Esse cultivo, que visa
basicamente suprir as demandas do mercado de coco verde, já se inicia sob os auspícios da
reestruturação produtiva do setor. É em torno dessa produção de coco verde que são instalados
os sistemas de irrigação automatizada e é aplicada toda uma sorte de adubos e fertilizantes, os
quais garantem uma grande produtividade e uma menor redução das perdas, índices esses que
não são obtidos por aqueles que continuam cultivando coqueiro gigante.
De acordo com os produtores entrevistados, quando se iniciou a moderna produção de
coco verde em larga escala no Ceará, ainda no início dos anos 1990, já se utilizavam inúmeros
insumos, mas o investimento realizado era ínfimo se comparado com o que é feito hoje em dia.
Atualmente, esses produtores pioneiros e os que passaram a se dedicar ao cultivo de coco
necessitam realizar investimentos muito maiores, no intuito de aumentar a produtividade e
122
ampliar seu mercado, cada vez mais competitivo114. Assim, apenas os altos investimentos em
capital e tecnologia empreendidos por parte de alguns produtores já servem para nos indicam
as proporções que tomou o (agro)negócio do coco, especialmente a partir do início dos anos
2010, com o advento da agricultura de precisão no cultivo do fruto.
Segundo um grande produtor de Paraipaba, por nós entrevistado, a produtividade
aumentou bastante desde quando passou a produzir coco, e isso se dá em virtude da
intensificação do uso de adubos, agrotóxicos e sistemas de irrigação; ainda de acordo com esse
produtor: “hoje a produção de coco é sinônimo de tecnologia”. Outro relato, agora do
proprietário da maior empresa de insumos agrícolas de todo litoral oeste cearense e que também
é produtor de coco115, nos ajuda a entender o desenvolvimento do setor e a modernização do
processo produtivo do fruto:
Hoje os produtores de coco estão gastando mais e investindo pesado no
coqueiral, não é como antes. Agora eles utilizam vários tipos de fertilizantes,
adubos e defensivos. Fazem a pulverização mecanizada das árvores, compram
tratores, grades e roçadeiras. Tudo é irrigado, ninguém encontra mais um
produtor que não tenha um microaspersor no pé do seu coqueiro; pra mim a
irrigação automatizada é a melhor expressão dessa nova produção de coco.
Os produtores já sabem o que fazer, estão sempre aprimorando os tratos
culturais, que significa que estão cuidando mais do coqueiral, fazendo sempre
a pulverização, o roçamento, a poda das árvores, comprando mudas
selecionadas. Tanto os produtores quanto os trabalhadores estão se
especializando nesse negócio. (....) E essa modernização pode ser observada
diariamente, todo dia aparece alguma coisa nova. Nunca teve tanta tecnologia
associada ao processo produtivo do coco, e a tendência é tudo ficar cada vez
mais tecnificado; e isso é sinônimo de mais produção, de uma maior
produtividade. Hoje os produtores estão procurando se informar, muitos deles
estão fazendo análises de solo, das folhas e até da água, investindo na
contração de técnicos agrícolas e de agrônomos, e tudo isso com o objetivo de
corrigir as deficiências naturais que impedem o aumento da produtividade.
114
Por esse motivo, Arranz (2002, p. 31) vai afirmar que “[...] o termo ‘produtivismo’ é igualmente associado ao
processo de inserção do setor agrícola na economia global, através da concorrência de mercados e da
competitividade”.
115
Entrevistado em março de 2014, em Paraipaba.
116
No Censo de 2006 tal variável não foi apresentada, impossibilitando a análise da evolução do uso de inovações
associadas ao cultivo de coco.
123
crescimento na utilização desses novos sistemas técnicos, responsáveis por elevar a quantidade
produzida com coco a outros patamares.
É importante ressaltar que a expansão do cultivo desse fruto no Ceará e essa difusão do
uso de novas tecnologias associadas ao seu processo produtivo se deram diante de uma
completa ausência de políticas públicas específicas para promover a reestruturação do setor, ao
contrário do que ocorreu em outros Estados do país, como Espírito Santo e Rio de Janeiro,
segundo apresenta Souza (2005). Nesse sentido, o governo estadual cearense não atuou
diretamente de nenhuma forma na dinamização do cultivo do fruto, exceto com a construção
de infraestruturas hídricas e viárias (ELIAS, 2005), as quais não atendem exclusivamente os
produtores de coco117. Desde o início até hoje não foi desenvolvido nenhum tipo de programa
pelo Governo do Estado com o intuito de realizar quaisquer atividades voltadas para atender as
necessidades do setor do coco, nem mesmo em extensão rural e em financiamento agrícola118.
Apesar disso, o Ceará aparece como um dos principais pontos de difusão nacional do
uso de novas tecnologias na produção de coco, em virtude sobretudo da presença e da forte
atuação das empresas Ducoco, Cohibra e Embrapa Agroindústria Tropical. Segundo nos foi
informado, a Ducoco foi a primeira empresa do país a utilizar o sistema de irrigação
automatizada, em 1999, seguida pela Cohibra e por alguns produtores de Paraipaba, que
importaram essa tecnologia de Israel e contaram com o auxílio de técnicos israelenses para a
implantação de tal sistema. O mesmo se pode dizer do uso da fertirrigação, adaptada para o
cultivo do fruto primeiramente pela Ducoco, Cohibra e Embrapa, depois difundida para o
restante do país. De acordo com o presidente da Cohibra, comprovando esse processo,
Há 20 anos não existia tecnologia para a produção de coco no Brasil, e uma
das pioneiras na utilização e difusão dessas tecnologias foi a Cohibra, em
parceria com a Ducoco. O primeiro grande diferencial na produção de coco
foi justamente a difusão da irrigação nos coqueiros; antigamente ninguém
pensava que um dia os coqueiros poderiam ser irrigados. E do Ceará essa
tecnologia pôde ser incorporada em vários outros lugares do país.
A disseminação dos coqueiros híbridos pelo Brasil também começou, de certa forma,
pelo Ceará. Enquanto o cultivo dessa variedade continuava centralizado no Pará através da
Sococo, no Ceará a sua produção já estava em larga expansão nas fazendas da Ducoco (foto 11)
e da Cohibra, que inclusive se tornou a primeira empresa do país a investir na produção de
mudas para serem comercializadas para outros locais. Segundo o presidente dessa última
117
Diferentemente do observado em outros cultivos, a exemplo do de castanha de caju (CUNHA, 2002) e de outras
frutas como melão, mamão e banana (ELIAS, 2002ab), realizados por intermédio de uma forte intervenção do
governo estadual.
118
A única exceção é o Banco do Nordeste (BNB), do governo federal, que concede importantes empréstimos aos
produtores de coco, além do Banco do Brasil.
124
empresa, foi do Ceará que saíram os híbridos que estão atualmente sendo cultivados em São
Paulo e Mato Grosso, por exemplo. Além disso, foi também no Ceará onde se observou a
formação de um dos primeiros espaços a se especializarem no cultivo de coqueiro anão, o
perímetro irrigado de Paraipaba (foto 12), no mesmo período em que se deu a expansão da
produção de coco nos perímetros instalados em Souza (PB) e em Petrolândia e Petrolina (PE).
119
Durante esse período, o governo de Tasso Jereissati foi responsável por fazer pesados investimentos visando
viabilizar a modernização da agricultura cearense e a construção de infraestruturas de apoio ao agronegócio,
elencado por ele como um dos principais vetores de desenvolvimento da economia do Ceará, conforme asseguram
Elias (2002ab, 2005), Monte (2008) e Araújo (2010), entre outros.
125
120
Estamos chamando de “espacialização produtiva” a distribuição de uma dada produção em um determinado
espaço.
127
Dessa forma, e de um modo geral, o que podemos constatar é que a produção, antes
concentrada exclusivamente no litoral, passa a ser realizada também em diversas outras áreas,
necessitando apenas da irrigação para poder ser efetivada. Dentre essas áreas de importante
incremento na produção de coco nestas últimas décadas destacamos o interior dos municípios
litorâneos, onde é possível cultivar o fruto em uma distância aproximada de até 20 quilômetros
do litoral (em áreas de tabuleiro), e os vales dos rios Curu e Acaraú, que abrigam grandes
projetos de irrigação, públicos e particulares. Além dessas, citamos ainda o Planalto da Ibiapaba
e o Vale do Jaguaribe, áreas de recente expansão do cultivo do fruto. São essas as áreas
(evidenciadas na imagem 10) que compõem o novo arranjo espacial produtivo do coco no
Ceará, todas elas apresentando uma grande disponibilidade hídrica e condições para a
implementação de sistemas de irrigação, basicamente a microaspersão.
Assim, além de promover essa dispersão espacial produtiva, a reestruturação do setor
levou a uma nova concentração do cultivo do fruto, promovendo especializações territoriais
centradas na sua produção, como a observada em uma região contínua que abrange seis
municípios, na qual realizamos nossos trabalhos de campo. Essa importante e contínua região
de produção de coco (imagem 10) é formada pelos municípios de Acaraú, Amontada, Itarema,
121
Fonte: http://goo.gl/S04Dzr, jornal Diário do Nordeste – “Falta de áreas irrigadas é gargalo”, matéria do dia
10/11/13 e acessada em 11/11/13.
122
É importante destacar que essas áreas irrigadas não se resumem somente aos perímetros irrigados, uma vez que
os próprios produtores do fruto estão perfurando poços profundos e instalando os equipamentos para a captação
da água e irrigação dos coqueiros.
128
Tabela 26 – Participação dos maiores municípios produtores de coco em relação ao total produzido no
Ceará (em %). Quantidade produzida (em mil frutos), área plantada (em hectares)
e ranking diante dos demais municípios. 2010.
Quantidade Área
Ranking Ranking
produzida plantada
Trairi 12,05 1° 16,13 1°
Acaraú 8,59 2° 11,33 3°
Itarema 8,23 3° 12,42 2°
Paraipaba 6,31 4° 3,08 11°
Itapipoca 5,58 5° 8,31 4°
Beberibe 5,42 6° 5,31 5°
Pentecoste 5,01 7° 2,92 12°
Amontada 4,98 8° 5,05 6°
Camocim 3,96 9° 3,13 10°
Cascavel 3,95 10° 3,72 7°
TOTAL 64,08 - 71,40 -
Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.
enquanto em Pentecoste esse aumento foi ainda maior, de 4.837% (tabelas 27 e 28). Isso se
justifica sobretudo por esses dois municípios abrigarem grandes perímetros irrigados, que desde
os anos 1990 passaram a cultivar coco verde, tendo à sua disposição eficientes sistemas de
distribuição de água e modernos sistemas técnicos difundidos com a modernização da produção
do fruto. Além disso, ambos apresentam uma produtividade de cerca de 12 mil frutos por
hectare ao ano, índice muito acima das médias nacional e estadual, respectivamente de 6,85 e
6,02 mil frutos anuais para cada hectare cultivado.
Em Acaraú a produção de coco também está sendo bastante incrementada nestes últimos
20 anos, tendo aumentado 205%. Além de cultivos distribuídos por todo o seu litoral e interior,
esse município se destaca ainda por abrigar um importante perímetro irrigado, onde o cultivo
do fruto encontra-se em acelerado crescimento. Fora esses 10 principais produtores, outro que
merece destaque é Varjota, localizado no Vale do Acaraú e que também abriga um perímetro
irrigado especializado na produção de coco, fazendo com que a quantidade produzida por esse
município apresentasse entre 1990 e 2010 um incremento importante e uma produtividade anual
que já passa dos 21 mil frutos por hectare.
Tabela 27 – Principais municípios produtores de coco do Ceará. Área plantada com coqueiros (em
hectares) e quantidade produzida de coco (em mil frutos). 1990 – 2010.
1990 2000 2010
Área plantada 1.500 4.500 5.010
Acaraú
Quantidade produzida 7.500 22.500 22.881
Área plantada 2.500 1.980 2.235
Amontada
Quantidade produzida 12.500 11.484 13.263
Área plantada 1.000 2.255 2.348
Beberibe
Quantidade produzida 2.400 7.015 14.431
Área plantada 640 1.216 1.382
Camocim
Quantidade produzida 2.240 8.018 10.548
Área plantada 740 1.561 1.646
Cascavel
Quantidade produzida 5.600 7.025 10.514
Área plantada 5.000 3.200 3.675
Itapipoca
Quantidade produzida 17.400 18.560 14.860
Área plantada 2.000 4.500 5.493
Itarema
Quantidade produzida 7.500 22.500 21.902
Área plantada 170 1.100 1.362
Paraipaba
Quantidade produzida 850 10.185 16.806
Área plantada 54 305 1.293
Pentecoste
Quantidade produzida 270 1.464 13.331
Área plantada 4.000 6.500 7.132
Trairi
Quantidade produzida 16.000 37.700 32.074
Área plantada 35.431 37.316 44.224
CEARÁ
Quantidade produzida 133.880 193.729 266.263
Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.
131
Tabela 28 – Principais municípios produtores de coco do Ceará. Área plantada (em hectares) e
quantidade produzida (em mil frutos). Variações absoluta e relativa (em %). 1990 – 2010.
Variação Variação
Absoluta Relativa
Área plantada 3.510 234,00
Acaraú
Quant. produzida 15.381 205,08
Área plantada -265 -10,60
Amontada
Quant. produzida 763 6,10
Área plantada 1.348 134,80
Beberibe
Quant. produzida 12.031 501,29
Área plantada 742 115,94
Camocim
Quant. produzida 8.308 370,89
Área plantada 906 122,43
Cascavel
Quant. produzida 4.914 87,75
Área plantada -1.325 -26,50
Itapipoca
Quant. produzida -2.540 -14,60
Área plantada 3.493 174,65
Itarema
Quant. produzida 14.402 192,03
Área plantada 1.192 701,18
Paraipaba
Quant. produzida 15.956 1.877,18
Área plantada 1.239 2.294,44
Pentecoste
Quant. produzida 13.061 4.837,41
Área plantada 3.132 78,30
Trairi
Quant. produzida 16.074 100,46
Área plantada 8.793 24,82
CEARÁ
Quant. produzida 132.383 98,88
Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.
Imagem 11 – Distribuição espacial da produção de coco no Ceará, por municípios. 1990 – 2010.
123
De acordo com os dados do Censo de 2006, dos 3.611 estabelecimentos que produziam coco em todo o Ceará,
2.168 deles estavam localizados apenas nos seis municípios em análise, o que representa 60% do total.
134
agricultores que aí residem. Inclusive, os coqueiros têm também uma representação familiar e
afetiva, já que funcionam como uma herança que os mais velhos deixam para os mais novos124,
conforme ressaltou um produtor entrevistado: “tudo o que tenho na vida é meu pedaço de chão
e os coqueiros que meus pais me deixaram; e são esses mesmos coqueiros, além de outros que
eu plantei, que eu vou deixar para os meus filhos”.
Muitas das comunidades localizadas no litoral cearense se encontram em meio aos
coqueirais, praias e dunas, a exemplo das visitadas durante os trabalhos de campo – Almofala
(em Itarema), Maceió (em Itapipoca) e Caetanos de Cima (em Amontada), essa última
identificada na imagem abaixo, onde é possível perceber a disposição dos coqueirais e dos
campos de dunas. Nessas comunidades, formadas em sua maioria por pescadores e agricultores,
o coqueiro (e o coco) é utilizado de inúmeras maneiras, tais como no artesanato e na construção
de casas e jangadas, sendo também amplamente consumido na alimentação local, de forte
influência indígena. Em tais comunidades os coqueiros estão por toda parte, onde há uma
imbricação entre os espaços de produção e os espaços de moradia e de lazer.
124
Como ocorre em vários outros lugares do mundo, conforme assegura Caillon (2008).
135
legitimador dessa posse. De acordo com um produtor dos Caetanos de Cima, essa prática é
muito comum e são inúmeros os casos em que os moradores comprovam o tempo de
apropriação da terra a partir da presença dos coqueiros, uma vez que quanto mais altas forem
as árvores, indicando sua idade, maior é o tempo de uso daquele território. Esse mesmo produtor
relatou que é comum encontrar coqueiros marcados com as iniciais do seu dono, para garantir
a posse do terreno onde eles estão plantados e/ou então a posse das árvores, no caso de estarem
em um terreno coletivo e dividido entre várias pessoas.
De um modo geral, a produção de coco é por excelência uma das principais atividades
econômicas praticadas do litoral cearense. Nas comunidades aí localizadas, bem como em
algumas encontradas já no interior dos municípios litorâneos, o que mantém as famílias é a
produção de coco. Conforme informaram os produtores, nenhum dos outros cultivos
proporcionam um rendimento tão bom quanto o observado com a venda do coco seco, cuja
colheita é realizada em média quatro vezes ao ano, diferentemente da mandioca e da castanha
de caju, colhidas somente uma vez por ano, e do feijão e do milho, produzidos especialmente
para o consumo, sendo comercializado apenas o excedente. Apesar de também ser consumidos
quase que diariamente, os frutos colhidos, em sua grande maioria, abastecem o mercado de
coco seco, sendo revendidos via atravessadores.
Assim, as quatro colheitas anuais de coco garantem a sobrevivência das famílias que o
produzem, fornecendo uma renda suficiente para suprir os meses nos quais a colheita não é
realizada. Mesmo cultivando uma série de outros produtos (sobretudo mandioca, feijão e
milho)125, os produtores relatam que a principal atividade rentável que existe nessas
comunidades é o cultivo do fruto; um desses produtores diz: “a agricultura por aqui é fraca
demais, o que dá mesmo lucro é a venda do coco”, e afirma ainda: “o peixe está para o pescador
como o coco está para o agricultor; é da venda do coco que todos nós sobrevivemos”.
Com isso, a maioria dos produtores que cultivam coco nesses espaços localizados
próximos ao litoral podem ser facilmente identificados enquanto camponeses. Para Paulino
(2012, p. 140), “é amplamente reconhecido que uma das características que diferenciam
unidades camponesas das demais é o caráter pessoal [e comunitário] permeando o conjunto de
suas relações”, como visto em tais espaços de produção de coco. A autora acrescenta ainda que
“o universo camponês é regido por um código avesso à lógica impessoal do mundo governado
pelas cifras oriundas das trocas”, onde o que está em questão é a reprodução da unidade familiar,
125
Cultivados principalmente nas entrelinhas dos coqueiros, através de consorciamento.
136
Assim como nos Caetanos, no Maceió os coqueiros estão por toda a comunidade (foto
15) e representam a principal fonte de renda das famílias, ao lado da farinha de mandioca. Todos
da comunidade possuem os seus próprios coqueiros, majoritariamente da variedade gigante,
cultivados de forma semiextensiva, objetivando a produção de coco seco, que, além de
comercializados, são amplamente consumidos pelos produtores. O trabalho de Cajado (2013)
mostra ainda que no Maceió o cultivo de coco tem uma relação bastante intrínseca com a
produção de feijão, milho e mandioca, cultivados entre os coqueiros, e ainda com a atividade
pesqueira, em razão da utilização de pedaços de coco seco como isca para atrair as lagostas,
indicando a importância que o fruto tem para o bom desempenho em outras atividades que
chegam a ser complementares.
Enquanto que em Almofala, localizada em Itarema, mais precisamente na comunidade
indígena dos Tremembé126, o coqueiro representa uma forma de preservar as tradições dos
antepassados, responsáveis por difundirem a produção e o consumo de coco. De acordo com o
líder indígena entrevistado, que também é produtor do fruto, todos na comunidade têm seus
próprios coqueiros, que além de fornecer coco para o consumo, abastecem também os
atravessadores inseridos no negócio da venda de coco seco. Esse produtor conta ainda que o
modo de cultivar o fruto não mudou muito com o tempo, mas que o coroamento e a adubação
passaram a ser realizados pelo menos uma vez por ano. Apesar da grande concentração de
coqueiro gigante (foto 16), o cultivo de coqueiro anão cresce significativamente.
Assim, de um modo geral, percebe-se que a importância do coco e dos coqueiros para
as comunidades do litoral pouco tem a ver com o contexto da reestruturação produtiva a qual
126
Essa comunidade sofre com ameaças de grandes fazendas que produzem coco dentro das terras indígenas, como
veremos no capítulo 5.
139
estamos analisando. Além disso, apesar de esses frutos também serem produzidos para atender
o mercado, a dimensão que permeia o seu cultivo foge à lógica meramente produtivista que visa
o lucro a qualquer custo, característica nitidamente observada em outros espaços de produção
de coco. É tanto que as dinâmicas que permeiam o circuito espacial produtivo desse fruto ainda
conseguem preservar relações não propriamente capitalistas em certos momentos, a exemplo
do que foi observado nos Caetanos, onde encontramos uma proprietária de um pequeno
comércio que troca as mercadorias por coco, o qual acaba funcionando como uma moeda que
substitui, de certa forma, o dinheiro.
A maneira como o coco é produzido nos seis municípios vai depender dos espaços onde
essa produção é realizada, fazendas ou sítios, que se distinguem especialmente no que tange à
área cultivada, aos sistemas técnicos utilizados e ao objetivo principal da produção. As
fazendas, grosso modo, possuem a partir de 50 hectares e muitas delas passam dos 1.000
hectares cultivados com coqueiros, diferentemente dos sítios, que ocupam uma área média de
até 10 hectares. Os sistemas técnicos encontrados nas fazendas são muito mais modernos e
utilizados constantemente, e a produção aí realizada tem a finalidade de atender o mercado e
não é consumida pelos produtores, diferentemente do observado nos sítios.
Durante os trabalhos de campo constatamos que os seis municípios possuem inúmeras
fazendas, que chegam a ocupar juntas milhares de hectares plantados com coqueiros. Podemos
afirmar que elas são fruto direto da reestruturação produtiva do setor, uma vez que surgiram em
sua maioria apenas nos últimos 20 anos e visam basicamente a produção de coco verde. É
também em tais fazendas onde se difunde primeiramente o novo pacote técnico-científico
utilizado para modernizar o processo produtivo do coco. Essas fazendas são responsáveis ainda
142
por introduzir uma lógica empresarial no cultivo dos frutos, já que o aumento da produtividade
e dos lucros são seus objetivos principais.
Após visitarmos 12 fazendas e entrevistarmos grandes produtores, é possível indicar
algumas características comuns a todas elas, objetivando compreender como o coco é aí
cultivado e quais as principais relações que permeiam essa produção. De um modo geral, seus
proprietários atuam em outros ramos, não propriamente agrícolas, e o cultivo de coco não é a
única atividade por eles realizada, visto como mais uma possibilidade de ampliação de seus
rendimentos. No entanto, comumente nessas fazendas são cultivados apenas coqueiros, quase
nunca consorciados com outros cultivos menores, ao contrário do que ocorre nos outros espaços
de produção do fruto.
Cada uma das fazendas cultiva a partir de mil coqueiros, podendo chegar facilmente a
200 ou 300 mil pés, em sua maioria das variedades anão e híbrida; todavia, em algumas dessas
fazendas ainda há um importante cultivo de coqueiro gigante, mas que progressivamente está
sendo substituído por variedades mais produtivas. Devido ao grande número de unidades de
coqueiro cultivados, a quantidade de coco produzida em cada fazenda também é muito grande,
chegando a 200 mil frutos por mês, quase sempre coco verde, mas dependendo do
comportamento do mercado privilegia-se também o coco seco. Nas maiores fazendas a
produção normalmente chega a 6 milhões de frutos por ano.
As inovações utilizadas no processo produtivo do coco são amplamente difundidas
nessas fazendas. Todos os coqueiros são irrigados, por vezes até mesmo os gigantes, e em várias
fazendas é possível encontrar o sistema de fertirrigação; além disso, a utilização de insumos
químicos e orgânicos é corriqueira em todas elas. O uso e a posse de máquinas agrícolas também
são comuns, sendo as mais encontradas os tratores, os arados, as grades e os pulverizadores
motorizados. O diferencial dessas fazendas é a utilização da mão de obra de técnicos agrícolas
para vistoriar o coqueiral, atividade realizada a cada mês ou semestre, como também a
realização de análises de solo e foliar em laboratórios especializados.
Na maioria das vezes, os proprietários de tais fazendas não moram nos munícipios onde
elas estão instaladas, ou não moram dentro de suas propriedades, de modo que as atividades
relacionadas à produção dos frutos ficam a cargo dos administradores rurais ou dos moradores,
responsáveis por gerir a fazenda e prestar contas com os seus proprietários ao final de cada mês.
A fazenda pode até ser caracterizada como um empreendimento familiar, mas não é a família
quem realiza as principais atividades, diferentemente do observado nas comunidades litorâneas,
nos sítios e nos assentamentos. Quem realiza o trabalho são funcionários contratados, diaristas
e/ou assalariados, que se encarregam de todo o processo produtivo.
143
Já nos sítios, a maneira como o coco é produzido e as relações sociais que permeiam
essa atividade se assemelham muito com o observado nas comunidades litorâneas,
diferenciando-se bastante da produção realizada nas fazendas. De acordo com o observado em
seis sítios visitados em Trairi e a partir de entrevistas realizadas com pequenos produtores,
percebemos que a maioria deles começou cultivando coqueiro gigante e só recentemente passou
a cultivar também o anão (foto 19). Em uma área que dificilmente ultrapassa 10 hectares, há
uma grande concentração de coqueiros dividindo o mesmo espaço com os outros cultivos,
sobretudo feijão, milho e mandioca (foto 20), e com a criação de pequenos animais. Esses
produtos são consumidos pela própria família e/ou doados aos vizinhos, indicando que se trata
de uma produção essencialmente camponesa.
apenas nos coqueiros anões, isso quando são realizadas, já que não são todos os produtores que
dispõem de renda extra para investir no coqueiral.
Nos seis sítios visitados, além de outros observados à distância, os produtores moravam
dentro do estabelecimento, dividindo-o entre espaço de moradia e espaço de trabalho. Nesses
sítios, a família é a responsável por desempenhar todas as atividades, e ao patriarca ou ao filho
mais velho é delegada a função de manter o coqueiral, recrutando diaristas somente quando o
trabalho aumenta, como na aplicação dos adubos e na limpa dos coqueiros, ou então na colheita
dos frutos, quando não são os atravessadores que a realizam. Infere-se que a produção de coco
em sítios se expande na mesma proporção que é ampliada nas fazendas, visto que também os
pequenos produtores já se deram conta da grande rentabilidade proporcionada por esse cultivo.
Outro exemplo de espaços de produção de coco localizados no interior dos municípios
litorâneos são os assentamentos, encontrados sobretudo em Itarema, Acaraú, Itapipoca e
Amontada. Grosso modo, eles possuem as mesmas características dos assentamentos
encontrados ao longo do litoral, entretanto sem quaisquer ligações com o mar, e têm os
coqueiros ocupando espaços predeterminados, e não dispostos aleatoriamente, como
identificado nas comunidades litorâneas. Esses assentamentos começaram a produzir coco
porque viram no fruto a melhor possibilidade de realizar uma atividade que oferecesse um
retorno capaz de compensar os gastos com a sua produção, não observado nos demais cultivos.
Em Acaraú, por exemplo, todos os assentamentos aí localizados produzem coco,
conforme informou o representante dos assentamentos na secretaria de agricultura do
município, que indicou ainda que o cultivo de coqueiros começou no início dos anos 2000, a
partir de financiamentos obtidos através do Pronaf127 e do projeto do São José, do governo
estadual. O diferencial desses cultivos realizados nos assentamentos é que todos eles são de
coqueiros híbridos e que não visam o consumo dos assentados, e sim a comercialização de coco
seco para as fábricas e/ou os atravessadores da região.
Um desses assentamentos que produzem coco em Acaraú é o Cedro, que existe desde
1998 e conta com 22 famílias assentadas em uma área de 800 hectares, dos quais 30 são
cultivados com 3.200 coqueiros híbridos. De acordo com o presidente da associação que
representa o assentamento, são realizadas cinco colheitas de coco seco por ano, totalizando de
20 a 80 mil frutos por colheita, dependendo do período do ano. A escolha em produzir coco
seco, e não verde, deve-se ao fato de a produção já possuir um comprador certo: o proprietário
de uma agroindústria localizada no município vizinho, Itarema. Os coqueiros são todos
127
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, do Governo Federal, encarregado de conceder
crédito aos produtores rurais.
145
128
Em um estudo sobre alguns assentamentos localizados em Acaraú, Oliveira (2005) também demonstrou o
caráter coletivo da produção de coco aí realizada, questão abordada ainda em Oliveira e Pereira (2011).
129
Prática comum também no Assentamento Maceió, porém com algumas diferenças. De acordo com Rodrigues
(2005, p. 11), existem no Maceió “campos comunitários” formados pelos cultivos de coqueiro, onde os
camponeses dão semanalmente um dia de trabalho e a produção obtida nesses campos é dividida em partes iguais,
de acordo com a quantidade de famílias que participa do trabalho.
130
O IDACE (Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará), semelhante ao INCRA.
146
131
Acerca dos perímetros irrigados cearenses, ver Diniz (2002).
132
São eles: Araras Norte, Baixo Acaraú, Curu-Paraipaba, Curu-Pentecoste, Forquilha, Icó-Lima Campos,
Jaguaruana, Morada Nova e Várzea do Boi.
133
Além dos perímetros cujos coqueiros já estão produzindo, também apresentam plantios os perímetros Ema,
Jaguaribe-Apodi e Tabuleiro de Russas.
147
de frutos colhidos e por volta de 4.600 hectares cultivados com coqueiros, conforme apontam
os dados fornecidos pelo Serviço de Monitoramento da Produção dos Perímetros Irrigados
(SMPPI/DNOCS)134. A título de informação, existem 14 perímetros irrigados no Ceará,
construídos e mantidos pelo Governo Federal via DNOCS, sendo possível verificar a existência
de um plantio de coco em 12 deles, anteriormente inexistente.
Ao analisarmos os dados de produção e de área plantada de todos os perímetros irrigados
cearenses, entre os anos de 2000 e 2012, é possível perceber a grande importância do cultivo
do coco nesses espaços, conforme indicado na tabela abaixo (tabela 29). Enquanto em 2000 o
coco ocupava 23% da área plantada nos perímetros irrigados, em 2012 esse índice caiu para
17%, demonstrando uma redução da participação do fruto na área total plantada, que aumentou.
No entanto, mesmo assim o coco já ocupava em 2012 a segunda maior área plantada nos
perímetros do Ceará, atrás somente do cultivo de milho, que preenchia 19% da área total
plantada, tornando-se o fruto mais cultivado nesses espaços, especializados na produção de
mamão, melão e banana, e agora também coco.
Tabela 29 – Perímetros irrigados do Ceará. Área total plantada e área total plantada com coco (em
hectares), e participação do coco no total plantado (em %). 2010 – 2012.
2000 2012
Área total 11.266 25.836
Área coco 2.592 4.606
% coco 23,01 17,83
Fonte: DNOCS/SMPPI. Elaboração: Cavalcante, 2014.
Entre 2000 e 2012, a área plantada com coqueiros nos perímetros irrigados cearenses
praticamente dobrou e apresentou um aumento de 77% (tabelas 30 e 31), indicando que os
irrigantes135 estão investindo cada vez mais no cultivo do fruto em detrimento de antigas
plantações, que estão sendo substituídas pela de coco, a exemplo da considerável redução dos
cultivos de cana-de-açúcar, banana e mamão em diversos perímetros, abrindo margem para um
importante processo de reconversão produtiva nesses espaços. Além da expansão da área
plantada, a quantidade produzida com coco também apresentou um aumento nos perímetros, de
52%, com perspectivas de crescimento, uma vez que inúmeros coqueiros ainda não estão em
idade produtiva, atingida normalmente de dois a três anos após realizado o plantio das mudas,
134
Destaca-se que os dados divulgados pelo DNOCS e pelo IBGE não são os mesmos, em virtude de ambos os
órgãos utilizarem metodologias diferentes para a coleta e a divulgação desses dados. Adverte-se, ainda, que o
DNOCS não realizava esse levantamento em períodos anteriores a 2000.
135
Irrigantes são aqueles produtores que estão instalados em perímetros irrigados. Dependendo do perímetro, eles
também podem ser chamados de “colonos”.
148
e em virtude do aumento de novos lotes agrícolas que passaram a cultivar coco, conforme
observado nos trabalhos de campo em dois desses perímetros irrigados.
Tabela 30 – Perímetros irrigados do Ceará. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade
produzida de coco (em unidades). 2000 – 2012.
2000 2012
Área plantada 2.592 4.606
Quantidade produzida 33.782.320 51.538.950
Fonte: DNOCS/SMPPI. Elaboração: Cavalcante, 2014.
Tabela 31 – Perímetros irrigados do Ceará. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade
produzida de coco (em unidades). Variações absoluta e relativa (em %). 2000 – 2012.
Variação absoluta Variação relativa
Área plantada 2.013 77,70
Quantidade produzida 17.756.630 52,56
Fonte: DNOCS/SMPPI. Elaboração: Cavalcante, 2014.
Dentre os nove perímetros que produzem coco no Ceará, além dos outros três em que a
produção ainda não começou, o destaque vai especialmente para aqueles localizados nos vales
dos rios Curu e Acaraú. Juntos, os perímetros Curu-Paraipaba, Curu-Pentecoste, Araras Norte
e Baixo Acaraú, identificados abaixo (imagem 13), concentravam em 2012 aproximadamente
99,5% do coco produzido por esses espaços no Estado, além de 95,8% da área cultivada com
coqueiros (tabela 32). Nota-se, dessa forma, que a produção de coco de todos os perímetros
irrigados do Ceará se dá basicamente nesses quatro, indicando uma forte especialização
territorial produtiva, configurando-os como importantes locais de cultivo do fruto.
Tabela 32 – Perímetros irrigados do Ceará. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade
produzida de coco (em unidades) e proporção em relação ao total do Ceará (em %). 2000 – 2012.
2000 Proporção 2012 Proporção
Área plantada 232 9,0 236 5,14
Araras Norte
Quant. produzida 0 - 2.098.240 4,07
Área plantada 0 - 1.302 28,27
Baixo Acaraú
Quant. produzida 0 - 12.718.600 24,68
Área plantada 2.122 81,87 2.533 55,00
Curu-Paraipaba
Quant. produzida 31.373.730 92,87 31.820.570 61,74
Área plantada 224 8,7 338 7,36
Curu-Pentecoste
Quant. produzida 2.336.300 6,92 4.637.210 9,00
Todos os perímetros Área plantada 2.592 - 4.606 -
do Ceará Quant. produzida 33.782.320 - 51.538.950 -
Fonte: DNOCS/SMPPI. Elaboração: Cavalcante, 2014.
Além disso, é considerável o peso que a produção de coco exerce nesses quatro
perímetros. Analisando apenas a variável área plantada (tabela 33), nota-se que o fruto já ocupa
mais da metade do total cultivado no Curu-Pentecoste e em praticamente toda a área do Curu-
Paraipaba. No Araras Norte, as maiores áreas plantadas são ocupadas pelos cultivos de banana
e mamão, e no Baixo Acaraú a maior parte plantada já é com coco, onde observamos ainda uma
produção importante de banana e mamão. Entretanto, após entrevistarmos os produtores desse
último perímetro, notamos o grande interesse em substituir os outros cultivos exclusivamente
pelo coco devido à alta rentabilidade advinda com a comercialização do fruto, com o foco no
mercado de água de coco, processo esse que já ocorreu no Curu-Paraipaba, quando substituiu-
se a produção de cana-de-açúcar pela de coco.
150
Tabela 33 – Perímetros irrigados do Ceará. Área total plantada e área total plantada com coco (em
hectares), e participação do coco no total plantado (em %). 2010 – 2012.
2002 2012
Área Área % Área Área %
total coco Coco total coco Coco
Araras Norte 488 232 47,54 876 236 27,03
Baixo Acaraú 165 0 0,00 4.887 1.302 26,64
Curu-Paraipaba 2.835 2.122 74,83 3.155 2.533 80,29
Curu-Pentecoste 535 224 41,91 660 338 51,29
Todos os perímetros
11.266 2.592 23,01 25.836 4.606 17,83
do Ceará
Fonte: DNOCS/SMPPI. Elaboração: Cavalcante, 2014.
136
Trabalhos de campo que ocorrem em dois momentos, o primeiro deles em 2011 e o segundo em 2014.
137
Destacamos que um único produtor pode adquirir quantos lotes pretender.
151
no subcapítulo seguinte, diferentemente do Baixo Acaraú, onde a produção de coco ainda está,
de certa forma, no início, mas já possuindo dinâmicas bastante particulares.
O cultivo de coco se expande progressivamente nesse último perímetro, motivado
especialmente pela maior disponibilidade de terras e de água, em virtude da sua recente
construção, finalizada em 2000. Mas foi somente em 2005 que se passou a cultivar coco nesse
espaço, atividade iniciada por produtores oriundos do Curu-Paraipaba. De acordo com o diretor
da associação que gere o Baixo Acaraú, no começo todos os produtores cultivavam melão para
exportação, depois teve um período de produção de goiaba e agora o principal cultivo realizado
no perímetro é o de coco, além de uma importante produção de banana. Ainda segundo o diretor
entrevistado, foi o mercado aquecido de coco verde que motivou os produtores a investirem
nesse cultivo, além da importante infraestrutura hídrica aí instalada, como vemos na foto 22.
diversos lotes de uma única vez com o objetivo expresso de cultivar coco; de acordo com um
deles, basicamente todos os novos produtores são de Sapezal e de Tangará da Serra, que ainda
continuam com suas produções de soja, milho e algodão em suas terras de origem, mas que
agora se somam aos cultivos de coco realizados no perímetro irrigado. Assim, aos poucos cada
vez mais grandes produtores investem na produção do fruto no Baixo Acaraú, bem como em
outros perímetros, notadamente aqueles localizados no Vale do Jaguaribe.
Essa migração de grandes produtores oriundos das mais diversas partes do país em
direção aos perímetros irrigados cearenses para cultivar coco indica sobretudo o crescente
interesse que a produção do fruto passou a despertar, contribuindo para acirrar a territorialização
do capital nesse setor, elevando-o a patamares anteriormente inimagináveis, ao ponto de fazer
com que produtores já habituados em atuar com grandes cultivos nos moldes do agronegócio
globalizado também passem a se voltar e a investir fortemente na produção de coco. Com isso,
associado a outros fatores, o que se observa é que cada vez mais o modo de produção capitalista
passa a ditar os rumos do cultivo do fruto, não só no Ceará, como em todo o país.
138
Especialmente os produtores de coco instalados no perímetro, muitos deles chamados de “colonos”.
154
em razão de a cidade ter sido construída ao lado do perímetro irrigado139, anos depois de sua
inauguração. Em diversos locais apenas uma rua separa os lotes agrícolas da área urbana (foto
24), demonstrando uma intrínseca relação entre o perímetro e a cidade de Paraipaba.
O Curu-Paraipaba foi inaugurado pelo DNOCS em 1975, sendo um dos mais antigos
perímetros irrigados do Nordeste, e ocupa uma área total irrigável de 3.357 hectares,
localizando-se na porção centro-sul do município de Paraipaba, na margem esquerda do Rio
Curu (imagem 14). Esse perímetro tem um arranjo espacial bastante particular, estando divido
em duas etapas: a primeira, entregue no decorrer dos anos 1970 e 1980 e subdividida em seis
comunidades (B, C1, C2, D1, D2 e E), e a segunda, entregue entre as décadas 1980 e 1990 e
139
Tal proximidade vem inclusive limitando o crescimento urbano da cidade de Paraipaba. Para sanar esse
problema, uma das saídas encontradas está sendo a venda dos lotes agrícolas anteriormente cultivados com coco
para a construção de casas, loteamentos e estabelecimentos comerciais.
155
subdivida em uma comunidade chamada de GH. Existe ainda uma área à parte, o Centro
Gerencial do DNOCS, onde estão localizados a sede do órgão, a associação que gere o
perímetro, uma agroindústria do ramo do coco e a área de preservação ambiental. Na imagem
abaixo vemos como está organizado esse perímetro.
140
As áreas mortas foram aquelas não divididas inicialmente aos colonos por estarem localizadas ao lado de
rodovias, rio e lagoas, ou então por se tratarem de áreas de preservação ambiental.
156
mandioca, tomate, pimentão, cenoura, cebola, laranja, abacate e maracujá, produção essa
realizada tanto nos lotes quanto nos quintais, além da existência de uma pequena criação de
bois e galinhas nos quintais. Nesse período inicial os colonos e o DNOCS iam testando as
potencialidades naturais do perímetro para ver qual cultivo mais se adaptaria. Há de se destacar
que toda a produção era, obrigatoriamente, comercializada pela cooperativa existente no
perímetro, sempre sob mediação do DNOCS.
Essa fase diversificada, porém, rapidamente daria lugar a monoculturas que possuíam
um maior valor agregado: primeiro a cana-de-açúcar e depois o coco. E foram esses dois
cultivos que marcaram sobremaneira a história produtiva do perímetro irrigado Curu-Paraipaba,
assim como a dos colonos que dele tiram o sustento de suas famílias. Esse histórico produtivo
do perímetro é retratado especialmente por Martins (2008), que descreve alguns elementos
inerentes à especialização produtiva baseada na cana, e por Vasconcelos (2011), Mendes (2011)
e sobretudo Alves (2013), que apresentam importantes elementos relativos à especialização
centrada no cultivo do coco.
A primeira grande mudança observada na estrutura produtiva do perímetro se deu por
pressão da Agrovale, uma grande agroindústria localizada na região do Vale do Curu e
importante produtora de derivados de cana-de-açúcar, contando com o aval e a intermediação
do Estado via DNOCS. Juntos, esses agentes conseguiram mudar a vocação econômica do
Curu-Paraipaba, que passou da policultura, baseada na hortifruticultura, para a monocultura da
cana. Dessa forma, a fase de produção diversificada evidenciada no início perdurou apenas por
uns dois ou três anos. Em 1977 começaram a chegar os novos colonos e todos eles já recebiam
os lotes prontos para o plantio de cana, segundo alguns desses colonos nos relataram.
A Agrovale foi fundada em 1964 e iniciou suas atividades produzindo açúcar. Porém
Martins (2008) assegura que com a inauguração oficial do perímetro irrigado Curu-Paraipaba,
em 1975, os rumos dessa empresa mudaram completamente e sua história passou a ser
associada à própria história do perímetro, marcando o início de uma atuação cerrada e
controladora por parte do DNOCS. O país estava em plena Ditadura Militar e assistia ao início
do Proálcool, um importante programa que impulsionou a produção de álcool à base de cana-
de-açúcar. Nesse período, a Agrovale recebeu um grande financiamento por parte do Governo
e firmou uma parceria com o DNOCS que marcaria por completo os rumos do Curu-Paraipaba.
De acordo com Martins (2008), o contrato firmado entre a Agrovale e o DNOCS
indicava que todos os 522 colonos lá existentes passariam, a partir daquele momento, a ser
fornecedores exclusivos de cana para a empresa, e caso desobedecessem essa norma perderiam
o direito de posse dos lotes e seriam expulsos do perímetro. A partir daí, esse espaço foi
158
durante o mês. Com o coco também sobra mais espaço no lote para realizarem o cultivo
consorciado com alguns outros produtos nas entrelinhas dos coqueiros. Esses colonos
informaram ainda que com o coco a vida de suas famílias melhorou consideravelmente
comparada à realidade observada na época da cana. De acordo com os funcionários do DNOCS
e da associação que administra o perímetro, até o início de 2014 todos os colonos produziam
coco no Curu-Paraipaba, sem nenhuma exceção.
Foto 25 – Imagem aérea dos lotes agrícolas Foto 26 – Cultivo de coqueiro anão e
ocupados por coqueiros em Paraipaba/CE. produção de coco verde em Paraipaba/CE.
lotes agrícolas. Os colonos contam ainda que quem introduziu o coco no Curu-Paraipaba foram
os técnicos do DNOCS, já que no começo da década de 1980 o órgão distribuiu alguns
coqueiros da variedade anã para cada colono, plantando-os em frente às casas e dentro dos
quintais (fotos 27 e 28). A intenção do órgão com essa distribuição de coqueiros era traçar um
limite preciso entre os quintais e as ruas existentes nas comunidades, uma vez que nessa época
não existiam cercados e muros, além de fomentar uma certa arborização das comunidades.
Entrevistamos o primeiro colono a cultivar coco nos lotes agrícolas, que nos contou
como se deu a expansão da produção desse fruto por todo o Curu-Paraipaba. Segundo ele, uns
dois anos após terem sido plantados em frente às casas, os coqueiros do DNOCS começaram a
produzir, dando inúmeros frutos devido à grande fertilidade do solo. Como não se tratava de
um cultivo comercial, esses frutos foram sendo consumidos pelos próprios colonos. Entretanto,
devido a uma elevada produção, nem todos os frutos puderam ser aproveitados, gerando um
enorme excedente. Diz o colono que nesse momento de pico da produção já existiam
atravessadores que compravam as frutas produzidas no perímetro, sobretudo o mamão e a
laranja, e que esses mesmos atravessadores resolveram adquirir também o coco e se
comprometeram a comprar a produção futura. Animado com o negócio, o entrevistado resolveu
tanto investir no cultivo de coco verde como também comprar a produção dos outros colonos e
revender para o atravessador.
A partir daí, percebeu-se a grande rentabilidade do coco e começaram os primeiros
ensaios do cultivo do fruto em escala comercial e não mais para o próprio consumo. A grande
reviravolta na história da produção de coco no perímetro se dá quando esse colono resolve levar
os coqueiros para serem cultivados nos lotes, em pleno período da cana-de-açúcar e ainda com
certa vigilância exercida pelo DNOCS. Aos poucos, ele começou a cultivar pequenas áreas com
162
o coco nos lotes, em um espaço anteriormente destinado ao cultivo de cana, e foi expandindo
essa área à medida que percebia que os lucros advindos do coco eram muito superiores aos
obtidos com a cana. Entretanto, segundo consta, o DNOCS foi expressivamente contra o cultivo
de coco nos lotes, alegando que isso colocaria em risco o fornecimento de cana para a Agrovale
e que os coqueiros eram “apenas para enfeitar as ruas”.
Mesmo contra a vontade do DNOCS, diversos colonos foram plantando coco em
pequenos espaços dentro dos lotes, por volta de 1985, encorajados e auxiliados pelo pioneiro
no cultivo do fruto. Esse colono, além de ter sido o primeiro a levar o coco para os lotes e atuar
como o primeiro atravessador do fruto, foi também o maior fornecedor de mudas de coqueiro
anão para o perímetro. Além de produzida nos próprios lotes, a grande maioria das mudas foi
adquirida em outros dois perímetros irrigados, o de Pentecoste (no Ceará), onde havia uma
estação experimental do DNOCS para o cultivo de mudas de cultivos diversos, e o de Souza
(na Paraíba), onde o coco já vinha se expandindo fazia alguns anos.
Em um curto período de tempo todos os colonos do perímetro perceberam a
lucratividade advinda do cultivo de coco, seja a partir de suas pequenas produções realizadas
nos quintais seja a partir da produção já realizada pelo grupo dos colonos que primeiro levou o
cultivo para os lotes. Desse modo, e depois das colheitas iniciais, ocorreu uma verdadeira
revolução agrícola naquele espaço, o que os colonos chamam de “a febre do coco”, dando início
à uma reconversão produtiva do perímetro. Assim, dentro de um período de menos de 10 anos,
o Curu-Paraipaba já estava completamente tomado pelos coqueirais. À medida que chegava ao
fim a hegemonia da cana, o que se observou foi o desenrolar de uma nova configuração
produtiva no perímetro, marcado pelo cultivo do coco, responsável por dinamizar aquele espaço
e transformá-lo completamente.
Como bem sabemos, a produção de coco perdura com um importante dinamismo até os
dias atuais e ainda apresenta um grande potencial de expansão. Isso pode ser comprovado pela
quantidade de lotes ainda não explorados no perímetro, pela falta de interesse e/ou de condições
de mantê-los produzindo, e pela quantidade de lotes recém-plantados com coqueiros (foto 29).
Isso pode ser notado ainda pelo plantio crescente de novos coqueiros ao lado dos coqueiros
mais antigos (foto 30), uma vez que, visando evitar a queda na produção, inúmeros são os
produtores que substituem os antigos coqueiros plantados no início da expansão do coco por
novas árvores, garantindo assim a continuidade da atividade por, no mínimo, mais 20 anos.
163
perímetro se tornou ao longo desses anos um “território do coco”, uma vez que é a produção
desse fruto que determina os principais acontecimentos que aí se dão, conforme notamos
durante a realização dos trabalhos de campo e com as entrevistas.
Ademais, estamos diante de uma especialização da produção, que pode ser comprovada
pelo fato de todos os produtores cultivarem coco e já conhecerem as técnicas de manejo e os
equipamentos de irrigação e insumos mais indicados, conhecimento esse transmitido de pai
para filho. A expressiva especialização produtiva pode ser observada também devido ao atual
estado de saturação do solo e a uma disseminação e resistência maior das pragas, processos
típicos advindos quando se investe em demasiado em uma monocultura, que contribui para o
esgotamento dos recursos naturais disponíveis (SÁ, 2008).
Associada a essa especialização territorial e produtiva, é visível também uma
especialização do trabalho, onde já notamos claramente a existência de um “mercado de
trabalho do coco”, representado pelos mais diversos tipos de profissionais, sobretudo por
aqueles responsáveis pela limpeza e manutenção do coqueiral, pelo aplicador dos agrotóxicos,
pelos responsáveis pela colheita e carregamento dos frutos e por aqueles que fazem o papel de
administradores e técnicos agrícolas. A existência de todas essas novas funções e o
recrutamento dos trabalhadores acabam contribuindo para acirrar a divisão técnica e social do
trabalho naquele perímetro.
Há de se deixar claro que a entrada do coco no Curu-Paraipaba modificou por completo
as relações que lá se davam e vem impondo muitas outras141. Nesse sentido, para Vasconcelos
(2011, p. 202), “depois que a cana cedeu lugar ao coco, as relações sociais no perímetro tiveram
mudanças substantivas”, dando origem a um sistema produtivo completamente diferente,
alterando a forma e o conteúdo daquele espaço, já que, de acordo com Santos (1996), toda e
qualquer modificação na estrutura produtiva provoca alterações imediatas no uso e na
organização espacial, bem como nas relações sociais de produção. Não nos ateremos a analisar
essas mudanças, mas é preciso tecer alguns breves comentários especialmente acerca da
alteração do perfil inicial dos colonos.
O perímetro foi pensado e planejado inicialmente para assentar exclusivamente um tipo
de produtor, com o objetivo principal de fomentar a sua reprodução familiar, uma vez que a
própria família seria a responsável pela manutenção dos lotes e dos quintais e pelo cultivo de
todos os produtos que seriam ali produzidos. No entanto, essa característica passa a ser
completamente modificada quando os produtores de cana se tornaram produtores de coco,
141
Uma análise mais aprofundada sobre as principais dinâmicas socioespaciais inerentes à produção de coco
realizada no perímetro irrigado Curu-Paraipaba foi por nós apresentada em Cavalcante (2014).
165
142
Quando utilizamos a palavra “colonos” estamos nos referindo aos colonos assentados pelo DNOCS. Já a palavra
“produtores” podem se referir a esses colonos, aos seus filhos e aos novos agentes que chegaram ao perímetro.
166
Capítulo 4
O CONTEXTO DAS RELAÇÕES SOCIAIS DE PRODUÇÃO
Nosso objetivo neste capítulo é apresentar as relações sociais de produção de coco no Ceará.
Para isso, são evidenciadas as principais características inerentes aos mais importantes agentes
inseridos no seu circuito espacial produtivo. Primeiramente apresentamos a diversidade dos
produtores do fruto, destacando especialmente o contexto no qual estão inseridos aqueles que
se localizam no perímetro irrigado Curu-Paraipaba. Em seguida analisamos a configuração dos
trabalhadores que atuam na produção, colheita e comercialização do coco, e na sequência
ressaltamos o papel exercido pelos intermediários que agem comprando e vendendo o fruto.
Por fim, indicamos as características das principais agroindústrias do coco instaladas no Ceará
e averiguamos suas formas de atuação.
Um dos mais importantes agentes inseridos no circuito espacial produtivo do coco são
os produtores, que estão na base dessa geografia do coco, já que são eles que vão atuar, quase
que diariamente, na realização de diversas atividades centradas no seu cultivo, garantindo a sua
continuidade. São eles os responsáveis por gerir as atividades relacionadas ao processo
produtivo dos frutos, e são, por esse motivo, os primeiramente afetados por quaisquer que sejam
as modificações que venham a acometer esse setor, a exemplo dos rebatimentos da
reestruturação produtiva em curso.
Os produtores se responsabilizam pelas seguintes atividades, entre outras: aquisição das
mudas; plantio dos coqueiros; compra dos adubos e equipamentos agrícolas; controle de pragas
e demais tratos culturais; recrutamento de trabalhadores e de serviços especializados; colheita
e comercialização dos frutos. Assim, além de agir na produção propriamente dita, eles também
atuam fortemente a jusante e a montante do processo produtivo em si. Vale destacar que ser
produtor de coco não implica, necessariamente, que esse agente vá atuar diretamente no cultivo
do fruto, uma vez que ele pode apenas gerir a atividade sem, no entanto, produzir o coco ele
mesmo, serviço que fica a cargo de trabalhadores contratados.
Por esse motivo, muitos são os produtores que cultivam coco no Ceará, distribuídos nos
quase 4 mil estabelecimentos dedicados majoritariamente ao desenvolvimento dessa atividade.
Quem são esses produtores, afinal? Como eles estão organizados? Por que decidiram investir
na produção dos frutos? Quais são os principais rebatimentos da reestruturação produtiva do
setor nas relações estabelecidas entre eles? Essas são perguntas as quais não temos condições
de responder no momento, uma vez que exigem um estudo mais aprofundado para cada uma
delas. Procuramos, entretanto, indicar na sequência alguns elementos capazes de caracterizar,
minimamente, tais produtores.
168
Deve ficar claro, antes de mais nada, que estamos diante de produtores que apresentam
características bastante distintas, assim como o setor no qual eles integram. Dessa forma, não
há um único “tipo” de produtor de coco, já que as diferenças existentes entre eles chegam a ser
tão acentuadas a ponto de não nos permitir homogeneizar essa categoria e traçar uma
caracterização que seja comum a todos eles. Durante os trabalhos de campo, ao entrevistarmos
66 produtores, percebemos que eles possuíam “perfis” completamente distintos uns dos outros,
o que nos levou a constatar que estávamos diante de uma categoria bastante heterogênea,
dificultando a indicação de um perfil comum a todos esses produtores.
Atuam cultivando coco no Ceará produtores que são também sitiantes, fazendeiros,
assentados, colonos, moradores, comerciantes, indígenas, industriais, políticos, estrangeiros,
entre outros, que podem ser perfeitamente inseridos em categorias às quais pertencem
camponeses, agricultores familiares, médios produtores, produtores capitalistas, empresários
rurais etc. Deixando de lado os embates que envolvem as calorosas discussões acerca das
características de cada uma dessas categorias, é necessário atentarmos para o fato de que os
produtores do fruto estão inseridos em, no mínimo, uma delas e que todos fazem parte da mesma
multifacetada geografia que representa a produção de coco realizada no país.
Assim, diante dessa polissemia de diferentes tipos de produtores, seria inviável dividi-
los apenas entre dois grandes grupos e inseri-los nas categorias de produtores capitalistas e
camponeses, ou de produtores empresários e familiares. Entendemos que seja qual for a
subdivisão adotada, os produtores rurais do país como um todo não devem ser apreendidos de
maneira unicamente dual. Nesse sentido, estamos de acordo com Wolfer (2010) e Purseigle e
Hervieu (2009), que asseguram não existir um único e homogêneo mundo rural, já que o que
se observam são contextos e realidades completamente diferentes umas das outras, onde até
mesmo em um espaço restrito é possível evidenciar a existência de uma enorme diversidade de
produtores, ideia essa também debatida em trabalhos elaborados por Bühler (2008), Sourisseau
et al. (2012), Hernandez e Phelinas (2012), entre outros autores.
A realidade empírica nos aponta uma infinidade de possibilidades para caracterizar e
agrupar esses produtores rurais, de modo que ao reuni-los em apenas dois grandes grupos
estaríamos fazendo uma generalização e uma homogeneização do setor que não encontram
bases realmente sólidas para sua sustentação. Nesse sentido, conforme assevera Wanderley
(2003), nem mesmo o novo momento pelo qual passa a agricultura brasileira conseguiu
homogeneizar os agentes sociais que nesse setor atuam. E com o coco isso não foi diferente.
Desse modo, é importante procurar apreender os produtores desse fruto a partir de todas as suas
nuances, buscando sempre perceber as diferenças inerentes a cada um desses agentes.
169
Essas diferenças entre os produtores de coco podem ser observadas quando analisamos
aspectos relacionados aos planos produtivos, fundiários, técnicos, mercadológicos, laborais e
familiares. Entre as muitas variáveis que os diferenciam destacamos as principais: tamanho e
posse do estabelecimento; quantidade produzida e número de coqueiros plantados; tecnologia
utilizada na produção e acesso às inovações; formas de comercialização e acesso ao mercado;
possibilidades de financiamentos e assistência técnica; mão de obra utilizada e formas de
contrato e pagamento; atividades realizadas pela pessoa que dirige o estabelecimento; e
composição da renda familiar.
Dependendo da variável escolhida, a diversidade de produtores de coco pode ser
percebida de distintas maneiras. Assim, cada variável abrange diferentes tipos de produtores.
Notamos isso, por exemplo, quando analisamos a quantidade de hectares plantados com
coqueiros por cada um deles, que nos revela a existência de produtores que possuem por volta
de 4 hectares e de outros que chegam até mesmo a possuir 2 mil hectares cultivados com coco.
Já quando levamos em conta os sistemas técnicos utilizados, observamos que a sua utilização e
posse não se dão de maneira homogênea, variando de produtor para produtor. Assim, podemos
diferenciar os produtores de coco de inúmeros modos, sempre de acordo com cada variável, o
que atesta o importante processo de diferenciação existente no seio dessa categoria.
A análise de cada uma das variáveis que caracterizam os produtores do fruto permite
perceber ainda as formas de inserção desses agentes na reestruturação produtiva do setor, que
se dá de maneira também diferenciada. Durante os trabalhos de campo foi comum encontrar,
por exemplo, produtores que continuam cultivando coqueiros sob moldes semiextensivos, com
uma rarefeita utilização de insumos e com uma produção que visa somente a aquisição de
suprimentos e a sobrevivência de suas famílias, ao passo que outros produtores mantêm uma
produção altamente moderna e especializada, realizada sob os princípios do agronegócio
globalizado, veem o cultivo de coco apenas como mais um investimento e dispõem de capital
e tecnologia suficientes para incrementar essa produção.
Percebe-se, de um modo geral, que a diversidade de produtores atuando do cultivo do
coco é bastante considerável, cabendo um estudo mais aprofundado no intuito de perceber as
principais nuances inerentes a esses produtores, já que, conforme destaca Chapuis (2011), não
podemos compreender as atividades agrícolas sem levar em conta as pessoas que as produzem.
Visando preencher essa lacuna, no tópico seguinte apresentamos uma breve caracterização dos
produtores de coco que atuam no perímetro irrigado Curu-Paraipaba.
170
143
Escolhemos privilegiar os produtores desse perímetro para melhor caracterizá-los em virtude da grande
quantidade de entrevistas realizadas com os mesmos e em razão deles estarem inseridos em um contexto muito
específico, estando todos localizados em um mesmo espaço.
144
O autor também retrata isso em Alves et al. (2014).
145
Carozo (2010) chegou a essa mesma conclusão ao traçar um perfil dos produtores de coco de Piaçabuçu (AL).
171
146
Essa quantidade de 34 produtores representa aproximadamente 6% do total de produtores de coco encontrados
no perímetro, o que nos possibilita a elaboração de uma primeira tentativa de aproximação de uma tipologia que
agregue tais agentes, que não estão sendo abarcados aqui em sua totalidade.
147
A metodologia utilizada por Bühler (2008), para traçar uma tipologia dos produtores de arroz do sul do Brasil,
consistiu no levantamento de seis variáveis, através das quais foi possível analisar especialmente as conjunturas
socais e produtivas desses produtores, apreendendo a diversidade existente entre eles.
148
Cuidado esse também retratado por autores como Bühler (2008) e Wesz Júnior (2014).
172
principais fontes de renda e atividades exercidas pelo responsável pelo lote; vi) organização do
trabalho no cultivo do coco; vii) comercialização dos frutos e acesso ao mercado.
A quantidade de lotes agrícolas e o local de moradia (i) mostram como esses produtores
acederam os lotes, demonstrando o papel que eles têm na configuração produtiva e social do
perímetro a partir do conhecimento da quantidade de lotes que eles exploram e onde eles
moram. Já os produtos cultivados no lote e no quintal (ii) e a área cultivada com coco, a
quantidade produzida e a quantidade de coqueiros (iii) indicam qual a participação de cada
produtor no contexto produtivo do perímetro, revelando se são pequenos ou grandes.
Os sistemas técnicos utilizados na produção e as formas de acesso à água (iv), por sua
vez, mostram de que maneira cada produtor tem acesso aos recursos e meios técnico-científicos
recomendados para a produção intensiva de coco, indicando as formas de inserção desses
produtores na modernização do processo produtivo do fruto, e demonstrando ainda o quanto
eles são dependentes de tais insumos e das formas de distribuição de água pelo DNOCS, órgão
responsável por gerenciar essa distribuição.
As principais fontes de renda e as atividades exercidas pelo responsável pelo lote (v)
permitem analisar de que maneira o produtor garante a sobrevivência de sua família e investigar
qual a participação dela no rendimento total familiar. A partir dessa variável percebe-se qual o
papel da produção de coco na composição da renda da família, quais outras atividades que
porventura são realizadas pelo produtor no sentido de complementar essa renda, qual a
rentabilidade do cultivo de coco e sobretudo qual os rumos dessa atividade.
A organização do trabalho no cultivo do coco (vi) é importante por revelar a participação
do responsável pelo lote no processo de produção agrícola em si, na gestão desse lote e do
coqueiral e na comercialização dos frutos, indicando possíveis divisões sociais e técnicas do
trabalho e a participação da família na produção do coco. Por fim, a comercialização dos frutos
e o acesso ao mercado (vii) indicam de que maneira os produtores são inseridos no mercado do
coco, como eles comercializam os frutos produzidos e como se dá a participação dos outros
agentes responsáveis por essa comercialização, notadamente os atravessadores.
Analisando essas variáveis foi possível reunir os produtores de coco do Curu-Paraipaba
em quatro grupos distintos, a saber: a) produtores cuja renda advinda do coco é insuficiente; b)
produtores cuja maior parte da renda advém do coco; c) produtores cuja renda advém do coco
e de outras atividades igualmente rentáveis; d) produtores cuja renda excepcional advém do
coco. Essa denominação foi pensada a partir do percentual da renda obtida com o coco e com
173
149
Mantivemos essa denominação, apesar de a renda não ser a principal variável considerada, sobretudo com o
intuito de evitar a utilização de nomes aleatórios e que não fossem representativos do grupo em questão, evitando
chamá-los de Produtor 1 e Produtor 2, por exemplo.
174
dessa divisão, o lote passou a ser explorado apenas por alguns filhos, onde cada um deles é
responsável pelo trabalho e pela venda dos frutos colhidos dos coqueiros que lhes pertencem.
O principal produto cultivado no lote é o coco. Esses produtores realizam sempre um
plantio consorciado de feijão e mandioca nas entrelinhas do coqueiro durante a estação chuvosa
(de janeiro a junho), visando o consumo da família e a venda do excedente; por vezes cultivam
ainda capim, mamão, abóbora, melancia e/ou hortaliças entre as árvores. No quintal, cultivam
coqueiros e uma série de árvores frutíferas e hortaliças, e às vezes possuem uma pequena
criação de galinha e até duas cabeças de vaca. Como o único lote da família é divido entre os
irmãos, exploram apenas uma área média de 0,5 a 2 hectares, onde cultivam entre 75 a 250
coqueiros, que dão uma produção mensal de coco verde que varia entre 1.200 e 3.500 mil frutos.
Esses produtores fazem a aplicação dos adubos químicos e agrotóxicos nos coqueiros a
cada dois meses, já que exploram uma área pequena, e anualmente aplicam adubo orgânico,
quase sempre esterco de vaca. Alugam as máquinas agrícolas (trator, grade e roçadeira) com
outros produtores no perímetro de uma a duas vezes ao ano e/ou fazem todo o trabalho com o
auxílio de uma enxada. Como não dispõem de recursos financeiros suficientes para trocar o
sistema de irrigação utilizado, os coqueiros continuam sendo irrigados por aspersão
convencional e/ou parte deles por microaspersão, mas nunca todos os coqueiros são irrigados
individualmente pelos microaspersores. Além disso, dependem exclusivamente do
fornecimento da água distribuída pelos canais do DNOCS, enfrentando sérios problemas
quando esse fornecimento é suspenso.
Em virtude do número reduzido de coqueiros que possuem, os rendimentos da família
não advêm exclusivamente da venda do coco, levando esses produtores a exercerem diversas
atividades, como diaristas nos lotes dos outros produtores, ou ainda como pedreiros, eletricistas,
motoristas, mecânicos, vendedores, entre outras. Para complementar a renda, vendem também
os produtos cultivados entre os coqueiros e nos quintais. As esposas desses produtores são
donas de casa e responsáveis pelo cultivo dos produtos nos quintais, e os filhos adolescentes
trabalham como diaristas ou na colheita do coco. A família pode contar ainda com a
participação do Bolsa Família e do aposento dos pais já idosos na composição da renda.
Os produtores desse grupo são os próprios responsáveis por todo o trabalho realizado
nos lotes, normalmente contando com a ajuda de algum membro da família, seja um irmão ou
filho. Dificilmente recrutam os serviços de diaristas, seja porque a área explorada é pequena
seja porque os custos para o pagamento de tais profissionais são altos; somente recrutam um
diarista quando é necessária a aplicação dos agrotóxicos. No que tange à comercialização do
175
Nesse grupo, os produtores são os principais responsáveis pela manutenção dos lotes,
mas contam sempre com a ajuda de diaristas e/ou de algum familiar. Esses produtores
costumam recrutar diaristas de uma a três vezes por semana, dependendo dos serviços a ser
realizados no lote, tais como a capina, a adubação, a poda das árvores, a pulverização, a colheita
do feijão e da mandioca etc. Já a comercialização dos frutos é realizada exclusivamente via
atravessadores, responsáveis pela colheita, com o auxílio de seus próprios trabalhadores, e pelo
transporte dos frutos destinados aos consumidores finais.
carência durante a suspensão do seu fornecimento; além disso, todos os coqueiros plantados
são servidos por um microaspersor.
Devido a uma considerável produção mensal, a mais importante fonte de renda desses
produtores advém do cultivo de coco, vista como a atividade principal da família. Entretanto,
apesar de proporcionar os maiores rendimentos, a produção do fruto não é a única atividade
igualmente rentável desempenhada pelos produtores, que atuam ainda como pecuaristas,
atravessadores (vendendo a própria produção e a de outros produtores) e/ou comerciantes,
ampliando a renda mensal familiar. Há ainda alguns produtores que complementam a renda a
partir do aposento do casal, situação observada quando o produtor já é aposentado.
Nesse grupo, os responsáveis pela exploração direta dos lotes não são os produtores, e
sim os diaristas e algum funcionário de confiança, cabendo aos produtores se responsabilizarem
somente pela gestão do lote e pela comercialização dos frutos. Devido ao grande número de
lotes, esses produtores recrutam semanalmente ou diariamente de dois a oito diaristas para
realizarem as atividades nos lotes. Os produtores possuem ainda em seu quadro de funcionários
um trabalhador fixo responsável por gerir a produção agrícola na sua ausência, cabendo a ele
também recrutar os diaristas e comprar os insumos.
A comercialização dos frutos produzidos é também outro diferencial dessa tipologia de
produtores, já que eles podem vender a produção via atravessadores e/ou encaminhá-la
diretamente para o mercado. Alguns desses produtores dependem exclusivamente da atuação
dos atravessadores, não possuindo outros meios de revender os frutos; por vezes o atravessador
pode ser até mesmo o filho do produtor. Já outros produtores inseridos nesse grupo atuam
também como atravessadores, encaminhando a produção diretamente para as fábricas, para os
mercados atacadistas do país e/ou para os consumidores finais. Esses produtores possuem,
portanto, uma autonomia maior no momento da comercialização.
Cultivam basicamente coco nos lotes, nos quintais e nas áreas mortas, que chegam a
medir juntos entre 30 e 50 hectares. Possuem em média 5 a 12 mil coqueiros distribuídos nas
áreas que possuem, dando uma produção que vai de 60 a 120 mil frutos por mês. Por vezes
fazem um plantio consorciado com feijão e mandioca visando exclusivamente a
comercialização e/ou a fixação de nutrientes no solo, nunca o consumo da família. No quintal
comumente plantam coco, e um dos produtores cria 200 cabeças de gado. Não cultivam nenhum
outro produto nos quintais além do coco, diferentemente dos demais grupos.
Fazem a aplicação dos adubos químicos e agrotóxicos mensalmente, e de adubo
orgânico anualmente, e compram os insumos nas lojas de Paraipaba e de Fortaleza ou até
mesmo diretamente com os fabricantes e fornecedores. É o único grupo de produtores que
possui máquinas agrícolas, podendo ainda alugar esse maquinário para outros. Têm amplo
acesso à assistência técnica, contando inclusive com agrônomos no quadro de funcionários, e
fazem análises de solo e foliar em laboratórios especializados. Os coqueiros são todos irrigados
por microaspersão, e muitos deles são adubados através do sistema de fertirrigação. Esses
produtores possuem poços profundos e/ou reservatórios de água em cada um dos lotes,
dispondo de motores para puxar água e garantir o seu abastecimento.
A principal fonte de renda desses produtores é a produção de coco, mas apesar de
proporcionar os maiores rendimentos, não é a única atividade desempenhada pelo produtor.
Citamos exemplos de três produtores específicos. Um deles começou primeiramente apenas na
atividade agrícola e em 1987 abriu uma pequena loja de variedades no centro da cidade; com o
tempo, comprou vários lotes no perímetro e investiu pesado na produção de coco, fazendo
crescer também a sua loja e investindo na criação de gado. Outro produtor, filho de colono,
começou vendendo a produção de coco do pai, em seguida de vizinhos, e após um período já
tinha se transformado em um dos maiores atravessadores do perímetro, tendo resolvido também
investir na produção do fruto e na aquisição de lotes. Já o outro exemplo é de um produtor
espanhol que chegou no perímetro em 2005 e começou adquirindo alguns lotes e investindo na
produção de coco; em 2010 resolve abrir uma loja de insumos, atualmente a maior loja desse
tipo de toda a região. Temos, portanto, produtores que são também comerciantes, pecuaristas e
atravessadores, atividades essas ligadas ao cultivo de coco.
Esses produtores atuam sempre com o auxílio de trabalhadores fixos e permanentes,
cabendo a eles apenas a gestão do lote e a comercialização dos frutos, atividades por vezes
assumidas por funcionários de confiança. Os trabalhadores fixos, que vão de dois a quatro e
que atuam de carteira assinada, geralmente são responsáveis pela administração dos lotes, pelo
recrutamento de diaristas, pelo conserto dos equipamentos de irrigação, pela compra dos
179
insumos, pela manutenção do maquinário agrícola, entre outros afazeres, podendo também ser
agrônomos e técnicos agrícolas. Já os trabalhadores temporários variam sempre numa
quantidade de 6 a 15, dependendo das atividades a serem realizadas.
Tais produtores possuem um maior leque de possibilidades para realizar a
comercialização dos frutos, podendo vender através dos atravessadores, direto para as fábricas
e/ou diretamente para os consumidores finais. Um desses produtores comercializa
exclusivamente via atravessadores, não precisando se preocupar com a colheita, o escoamento
e a venda dos frutos. Já outro é também um atravessador, vendendo sua produção e a de outros
produtores diretamente para as empresas Ducoco, Paragro e Adelcoco, ampliando seus
rendimentos, já que comercializa sem a intermediação de outros agentes. Ainda um outro
produtor destina a sua produção para a empresa Ducoco, para atravessadores e para os
consumidores finais, dependendo sempre do valor do coco.
Inclui esse grupo a empresa Paragro, a agroindústria que exerce uma maior influência
no perímetro, já que se localizada dentro da área do Curu-Paraipaba e consome uma elevada
quantidade de frutos todos os dias, que são adquiridos no próprio perímetro. Devido à
proximidade com os lotes agrícolas, reduzindo os gastos com transporte, e à enorme quantidade
de atravessadores e produtores existentes, a Paragro acaba adquirindo grande parte do coco
verde que ela processa, conforme relataram seus diretores.
A Paragro comprou seu primeiro lote no perímetro em 2012, e desde esse período já
adquiriu 8 lotes, todos voltados exclusivamente para o plantio de coqueiro anão. Em uma área
média de 30 hectares a empresa cultiva 6 mil coqueiros, responsáveis por uma produção de 80
mil frutos por mês. Assim como os produtores do último grupo, a Paragro faz uma ampla
utilização de inovações técnico-científicas, dispondo de máquinas agrícolas, irrigando os
coqueiros através do sistema de microaspersão, associado à prática de fertirrigação, possuindo
ainda técnicos agrícolas e agrônomos à sua disposição.
Diferentemente dos outros grupos de produtores do perímetro, a Paragro é regida por
uma lógica financeira e comercial que não é baseada na produção de coco para a
comercialização, e sim para o próprio consumo, visando ampliar o seu estoque de matéria-
prima. Partindo desse prisma, observa-se a entrada de uma lógica industrial na produção
agrícola do fruto e na aquisição dos lotes no Curu-Paraipaba, uma vez que a Paragro se tornou
a primeira empresa a realizar a compra desses lotes, abrindo um caminho para o desenrolar de
novas dinâmicas socioespaciais e produtivas no perímetro.
180
Além dessa atuação direta da Paragro, cabe destacar também a recente chegada de outra
empresa naquele espaço. Trata-se da Cohibra, que em março de 2014 (período de realização do
trabalho de campo) havia comprado um lote e iniciado o plantio de mudas de coqueiro anão
visando a comercialização das mesmas; a Cohibra tem um propósito diferente da Paragro,
investindo apenas no plantio e na comercialização de mudas de coqueiro. A recente chegada
dessas duas empresas no perímetro é um indicador de que novas e importantes mudanças estão
em via de acontecer, mudanças essas marcadas pelo desenvolvimento de uma agricultura de
caráter ainda mais empresarial e com finalidades completamente distintas dos cultivos
realizados pelos outros produtores.
Quadro 05 – Proposta de tipologia dos produtores de coco do perímetro irrigado Curu-Paraipaba e suas principais características.
Tipologias
Grupo cuja renda Grupo cuja renda advém Grupo cuja renda
Variáveis Grupo cuja maior parte da
advinda do coco é do coco e de outras excepcional advém do Produtor agroindustrial
renda advém do coco
insuficiente atividades coco
Cultivam no lote
Cultivam no lote Cultivam no lote Cultivam no lote
principalmente o coco.
principalmente o coco. principalmente o coco. principalmente o coco.
Normalmente fazem um
Sempre fazem um plantio Sempre fazem um plantio Fazem um plantio
plantio consorciado com
Produtos cultivados consorciado com feijão e consorciado com feijão e consorciado com feijão e Cultiva exclusivamente
feijão, mandioca e capim.
no lote e quintal mandioca. No quintal mandioca. No quintal mandioca. No quintal coco.
No quintal plantam coco e
plantam coco e uma série comumente plantam coco e plantam coco e criam gado.
criam gado bovino, e em
de árvores frutíferas e uma série de árvores Não cultivam outros
alguns deles cultivam outros
hortaliças. frutíferas e hortaliças. produtos nos quintais.
produtos.
Exploram em média apenas Exploram por volta de 3,6 a Exploram por volta de 8 a Exploram entre 30 e 50ha,
de 0,5 a 2ha do lote. 4ha, que correspondem à 30ha, distribuídos nos vários distribuídos nos lotes, Explora por volta de 30ha,
Área cultivada com
Possuem de 75 a 250 área de apenas um lote. lotes, quintais e áreas quintais e áreas mortas. com um plantio de 6 mil
coco, quantidade
coqueiros, que dão uma Possuem de 400 a 600 mortas. Possuem em média Possuem em média de 5 a coqueiros, responsáveis
produzida e de
produção que varia entre coqueiros, que dão uma 1.000 a 3.200 coqueiros, que 12 mil coqueiros, que dão por uma produção média
coqueiros
1.200 a 3.500 frutos por produção de 5 a 10 mil dão uma produção que vai uma produção mensal que de 80 mil frutos por mês.
mês. frutos por mês. de 15 a 40 mil frutos. vai de 60 a 120 mil frutos.
Os rendimentos não advêm
exclusivamente da renda do
A principal fonte de renda é A principal fonte de renda é
coco, em virtude do A maior parte da renda da
Principais fontes de a produção de coco, mas, a produção de coco, mas,
número reduzido de família advém da venda do A produção de coco visa
renda e atividades apesar de a atividade apesar de a atividade
coqueiros que possuem. coco. O produtor atua exclusivamente atender as
exercidas pelo proporcionar os maiores proporcionar os maiores
Exercem várias outras essencialmente como necessidades da empresa.
responsável pelo rendimentos, não é a única rendimentos, não é a única
atividades para agricultor, trabalhando
lote desempenhada pelo desempenhada pelo
complementar a renda, exclusivamente no lote.
produtor. produtor.
trabalhando como diaristas,
pedreiros, motoristas...
182
(continuação)
Tipologias
Grupo cuja renda Grupo cuja renda advém Grupo cuja renda
Variáveis Grupo cuja maior parte da
advinda do coco é do coco e de outras excepcional advém do Produtor agroindustrial
renda advém do coco
insuficiente atividades coco
Fazem a aplicação dos
Fazem a aplicação dos Fazem a aplicação dos Faz a aplicação dos
adubos químicos e Fazem a aplicação dos
adubos químicos e adubos químicos e adubos químicos e
agrotóxicos de dois em dois adubos químicos e
agrotóxicos mensalmente, e agrotóxicos mensalmente, e agrotóxicos mensalmente,
meses, e anualmente agrotóxicos mensalmente, e
anualmente aplicam o adubo anualmente aplicam o e anualmente aplica o
aplicam o adubo orgânico. anualmente aplicam o adubo
orgânico, por vezes adubo orgânico. Possuem adubo orgânico. Possui
Sistemas técnicos Alugam as máquinas orgânico. Sempre alugam as
produzido no próprio máquinas agrícolas. Têm máquinas agrícolas. Tem
utilizados na agrícolas e/ou fazem todo o máquinas agrícolas. Os
quintal. Sempre alugam as acesso a assistência técnica acesso a assistência
produção e formas trabalho com o auxílio de coqueiros são
máquinas agrícolas. Os e a análises de solo e foliar. técnica e a análises de solo
de acesso à água uma enxada. Os coqueiros majoritariamente irrigados
coqueiros são Os coqueiros são e foliar. Os coqueiros são
são irrigados por aspersão por microaspersão.
exclusivamente irrigados por exclusivamente irrigados exclusivamente irrigados
convencional e/ou parte Dependem exclusivamente
microaspersão. Possuem por microaspersão. por microaspersão e
deles por microaspersão. do fornecimento da água via
poços profundos e/ou Possuem poços profundos atendidos por
Dependem do fornecimento canais do DNOCS.
reservatórios de água. e/ou reservatórios de água. fertirrigação.
da água.
Os responsáveis pela Os responsáveis pela
Fazem todo o trabalho nos exploração direta dos lotes exploração dos lotes são
Fazem todo o trabalho no
lotes, normalmente com a são os diaristas e um sempre os trabalhadores Os responsáveis pela
Organização do lote, sempre acompanhados
ajuda de um membro da trabalhador fixo, cabendo temporários e fixos, exploração dos lotes são
trabalho no cultivo de diaristas e às vezes de
família (irmão e filho) e aos produtores se cabendo aos produtores se sempre os trabalhadores
do coco algum outro membro da
dificilmente recrutam os responsabilizarem somente responsabilizarem somente temporários e fixos.
família.
serviços de diaristas. pela gestão do lote e pela pela gestão do lote e pela
comercialização dos frutos. comercialização dos frutos.
Possuem um maior leque
São inteiramente São inteiramente
de possibilidades para A produção de coco visa
dependentes dos dependentes dos Comercializam os frutos via
Comercialização realizar a comercialização exclusivamente atender as
atravessadores para atravessadores para atravessadores e/ou
dos frutos e acesso dos frutos, podendo vender necessidades da empresa,
comercializar os frutos. Só comercializar os frutos. Só encaminham a produção
ao mercado com atravessadores, não sendo destinada à
acedem ao mercado através acedem ao mercado através diretamente para o mercado.
diretamente para as fábricas comercialização.
dos atravessadores. dos atravessadores.
ou para os consumidores.
Fonte: Trabalho de campo, 2014. Baseado em Bühler (2008). Elaboração: Cavalcante, 2014.
183
150
Um importante estudo sobre o mercado de trabalho em espaços de produção de coco foi realizado por Mota
(2003), onde são analisadas as relações de trabalho existentes na produção de diversas frutas, especialmente o
coco, cultivadas em perímetros irrigados instalados no Platô de Neópolis (SE).
151
De acordo com Cavalcanti, Mota e Silva (2006, p. 139), “[...] por estar o coqueiro muito associado à conquista
de espaço e à reserva de valor, foi sempre uma atividade muito relacionada aos homens, que o escalavam e
controlavam o comércio dos seus frutos”.
184
recrutados para executar essas atividades. Depois do primeiro ano após o plantio, o número de
trabalhadores atuando no cultivo do fruto tende a se estabilizar.
Analisando somente o processo da produção agrícola propriamente dita, é possível notar
que existem variadas funções exercidas pelos mais diversos trabalhadores, muitas das quais
surgidas somente após o advento da reestruturação produtiva do setor, como é o caso das
atividades relacionadas à manutenção dos equipamentos de irrigação e à realização das novas
práticas agronômicas. É possível observar ainda a existência de uma divisão técnica e social do
trabalho ligada à produção de coco, que possui um mercado de trabalho bastante peculiar.
Além de atuar no preparo do terreno e no plantio, os trabalhadores estão envolvidos em
várias atividades, muitas das quais realizadas a cada mês, como limpeza do coqueiral, roçagem,
realização do rodapé do coqueiro, aplicação de fertilizantes e adubos, pulverização, controle de
pragas, poda das folhas dos coqueiros, análise dos nutrientes do solo, instalação e manutenção
dos equipamentos de irrigação, manutenção das cercas, colheita dos frutos, retirada da casca do
coco seco, limpeza dos cachos de coco verde, transporte e armazenamento dos frutos, entre
outras. Todas essas funções vão depender diretamente do foco da produção – coco verde ou
seco – bem como da variedade de coqueiro cultivada, dependendo ainda do período do ano.
Grosso modo, podemos dividir o conjunto dos trabalhadores que atuam na produção de
coco em três grandes grupos, de acordo com as atividades que são desempenhadas e a própria
organização da divisão social e técnica do trabalho. O primeiro desses grupos é composto pelos
trabalhadores diretamente vinculados à produção agrícola, responsáveis pelo processo
produtivo em si. O segundo grupo é formado por profissionais com uma formação técnica
especializada, que exercem funções bastante específicas. Já o terceiro e último grupo é
composto por aqueles trabalhadores que atuam basicamente na colheita, no transporte e no
armazenamento dos frutos.
Os trabalhadores responsáveis pela produção de coco em si, que integram o primeiro
grupo, podem ser tanto o dono do coqueiral e sua família como também os diaristas e os que
trabalham com carteira assinada. Nesse grupo é possível observar uma nítida divisão do
trabalho, segmentado em três atividades principais. A primeira delas é a que diz respeito aos
tratos com os coqueiros (fotos 33 e 34), a exemplo das práticas de limpeza, rodapé152 e aplicação
de adubos e fertilizantes, atividades praticadas sempre por um grande número de trabalhadores.
A segunda atividade refere-se à instalação e manutenção dos equipamentos de irrigação, que
152
Os trabalhadores encarregados de fazer o rodapé dos coqueiros ganham um valor que depende do total de
árvores nas quais eles fazem esse rodapé. Para cada coqueiro trabalhado, estava sendo pago, na época do trabalho
de campo, 50 centavos pelo serviço.
185
ficam a cargo de trabalhadores que têm um conhecimento mais específico e que sabem operar
tais equipamentos, com formação técnica na área ou não.
A terceira atividade é a pulverização dos coqueiros (quando são aplicados os
agrotóxicos), que não é realizada por todos os trabalhadores devido aos altos riscos a que eles
são expostos, razão pela qual essa atividade fica a cargo apenas daqueles já bastante experientes
e habituados com o manuseio dos venenos153. Em praticamente todas as entrevistas realizadas
com produtores e trabalhadores, ficava sempre evidente os riscos aos quais eles são submetidos
ao entrar em contato com os agrotóxicos; e muitos deles se recusam a aplicar os venenos em
virtude de já terem apresentado algumas complicações devido à utilização indevida desse tipo
de inovação amplamente difundida pela chamada Revolução Verde e que apenas recentemente
foi incorporada pelos produtores de coco.
153
Os trabalhadores responsáveis pela aplicação dos agrotóxicos recebem um pagamento maior que os outros, já
que o valor é pago em função da quantidade de veneno aplicada.
186
Por fim, no terceiro grupo estão os trabalhadores que atuam basicamente na colheita, no
transporte e no armazenamento dos frutos. Aqui o que vai determinar a tarefa de cada é o tipo
de coco que será colhido, o verde ou o seco. Na colheita do coco verde (em um coqueiro anão),
é comum cinco trabalhadores atuarem ao mesmo tempo, um deles se encarregando de cortar o
cacho contendo os frutos com uma espécie de lança/foice e outros dois de segurar os cachos
com a ajuda de um guincho, evitando o impacto dos mesmos com o solo. A partir daí, depois
de colhido o coco, os demais ficam encarregados de fazer a limpeza dos cachos, deixando
somente os frutos, e de transportá-los até o caminhão, por exemplo.
Tais trabalhadores são conhecidos popularmente como “tiradores de coco” e surgiram
apenas a partir da expansão do cultivo de coqueiro anão pelo Ceará, conforme nos foi relatado.
Como visto, tais tiradores de coco se dividem em quatro funções principais no momento da
colheita dos frutos, através de uma distinta divisão técnica do trabalho, dando origem a quatro
personagens distintos, identificados nas fotos 35 e 36: o foiceiro, responsável por cortar os
cachos com coco, o gancheiro, responsável por manusear o guincho para segurar os cachos, o
pelador, incumbido da limpeza dos frutos retirando as hastes que ficam no coco, e o puxador,
encarregado de retirar os cachos do chão e carregá-los até o caminhão154.
Foto 35 – Colheita do coco verde, com destaque para Foto 36 – Colheita do coco verde, com destaque
o trabalho do foiceiro e dos gancheiros, em Paraipaba/CE. para o trabalho do puxador, em Paraipaba/CE.
Já a colheita do coco seco (em um coqueiro gigante) é realizada por trabalhadores que
sobem no alto dos coqueiros, chamados de subidores ou derrubadores, e cortam os cachos com
o auxílio de um facão, fazendo-os vir ao chão; alguns deles sobem nos coqueiros com uma
espécie de correia amarrada nas pernas e no tronco da árvore, com o auxílio de esporas nos pés
para ajudar a subir nos coqueiros ou então sobem sem auxílio nenhum e se seguram no tronco
154
Esses trabalhadores ganham individualmente em média 60 reais a cada colheita realizada (que pode chegar aos
10 mil frutos por dia). Esse valor depende sempre da quantidade de frutos colhidos por toda a equipe e da função
exercida por cada um deles, já que nem todos ganham o mesmo valor.
187
dos coqueiros apenas com os braços e as pernas. Em seguida outros trabalhadores ficam
encarregados de retirar a casca dos frutos, os chamados descascadores (foto 37), enquanto os
demais se encarregam de transportá-los para o caminhão (foto 38). Destaca-se que os
responsáveis pela colheita e por descascar o coco ganham sempre por produção 155, o que
depende muito da habilidade e disposição de cada profissional. Na maioria das vezes, todos os
trabalhadores que atuam na colheita do coco, verde ou seco, são recrutados pelos
atravessadores, responsáveis pela revenda desses frutos.
155
Na época da realização dos trabalhos de campo, os derrubadores estavam ganhando 1 real por cada coqueiro
colhido, já os descascadores ganhavam 4 reais por cada 100 frutos descascados.
188
indicaram ainda que antes desse período praticamente ninguém trabalhava no ramo do coco
com carteira assinada e direitos trabalhistas assegurados156.
Assim, o assalariamento desses trabalhadores é um processo muito recente, iniciado
basicamente a partir da instalação de grandes fazendas de coco pelo Ceará, que estão investindo
na contratação formal de seus funcionários. Isso se deve diretamente ao advento de uma
produção de coco realizada em moldes empresariais, onde se viu a necessidade da criação de
um mercado de trabalho para poder atuar permanentemente nas atividades relacionadas ao
cultivo dos frutos, além de atender as normas impostas pelo Ministério do Trabalho, que
acompanha e fiscaliza com certa frequência as condições de trabalho nas principais fazendas
de produção de coco, no intuito de evitar a exploração dos trabalhadores.
É em tais fazendas, que geralmente funcionam também como empresas agrícolas157,
onde observamos a existência do trabalho assalariado, não encontrado nos demais espaços de
produção do fruto. Nesse sentido, é evidente a relação entre a expansão de empresas agrícolas
com o aumento da contratação de trabalhadores formais no campo, como demonstra Bezerra
(2012), indicando, acima de tudo, que “o surgimento de uma classe de trabalhadores
assalariados no campo representa a materialização do movimento do capital” (ELIAS, 2006, p.
47), que encontra meios mais favoráveis de se reproduzir a partir do momento em que é capaz
de subjugar diretamente os trabalhadores rurais aos seus ditames.
Entre os estabelecimentos que possuem apenas trabalhadores assalariados, visitados
durante os trabalhos de campo, podemos citar as fazendas Bom (em Trairi) e São Francisco (em
Paraipaba), as empresas agrícolas Iolla, Unique e Adel Coco (em Trairi), Paragro (em
Paraipaba) e Cohibra (em Amontada), que juntas possuíam 265 funcionários com carteira
assinada atuando diretamente na produção de coco, exercendo as mais diversas atividades.
Dentre esses profissionais destacam-se desde os responsáveis pelos tratos culturais no
coqueiral, passando pelos responsáveis pela colheita e pelos agrônomos e técnicos.
Além do observado em tais empresas, talvez o exemplo mais elucidativo desse mercado
de trabalho formal na produção de coco é o evidenciado na Ducoco. Segundo informações não
oficiais obtidas com seus funcionários, atuavam nas sete fazendas dessa empresa por volta de
580 trabalhadores assalariados, o que a torna a maior empregadora do setor em todo o Ceará.
156
Consultamos os dados referentes ao mercado de trabalho formal no Brasil, divulgados pelo Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) através da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), no intuito de comprovar
estatisticamente essa evolução no número de trabalhadores assalariados no setor do coco, no entanto as
informações divulgadas estavam muito aquém das obtidas durante os trabalhos de campo.
157
Que são aquelas que possuem CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica).
189
158
Entrevistado em abril de 2014, em Itapipoca.
159
Esses ex-funcionários informaram também que todos os trabalhadores possuem carteira assinada, ganham um
salário mínimo, e a jornada diária de trabalho vai das 6 horas da manhã até às 3 da tarde, com uma hora de almoço,
não fornecido pela empresa.
160
Graziano da Silva (1981, apud Elias, 2006, p. 53) considera que esse tipo de trabalhador agrícola temporário é
fundamentalmente “um proletário, ou seja, um trabalhador desprovido dos meios de produção e, enquanto tal,
obrigado a vender a sua força de trabalho para garantir a subsistência, como é o operário urbano e/ou o trabalhador
rural assalariado permanente”.
161
Além dos diaristas, notamos também a presença dos moradores, que são contratados pelos proprietários das
fazendas e encarregados de gerir todo o estabelecimento, além de passar a morar na própria unidade produtiva
juntamente com a sua família.
190
pequenas unidades de produção coco tem uma remuneração que “somente será considerada por
ocasião da venda dos produtos, ou seja, sua utilização não é contabilizada como custo, uma vez
que o salário é definido pela família e não pelo mercado”.
A associação do trabalho familiar com o trabalho temporário é bastante corriqueira,
tendo em vista que quando o produtor percebe que não tem como realizar todas as atividades
sozinho ou com a ajuda de parentes, a melhor saída acaba sendo recrutar os serviços de diaristas,
permitindo até mesmo a reprodução tanto da família dos produtores quanto desses
trabalhadores. Para Paulino (2012), é essa associação entre trabalho temporário e familiar que
garante a sobrevivência de muitos pequenos produtores pelo país, que encontram aí uma forma
de se livrar da proletarização e de continuar desempenhando suas atividades.
Assim, percebe-se que, de um modo geral, com a reestruturação produtiva do setor do
coco mudam não apenas as maneiras de se produzir o fruto, como também as relações de
trabalho associadas ao seu cultivo, com o surgimento de novas atividades que contribuem para
acirrar a divisão técnica e social do trabalho e com uma expansão do mercado de trabalho
assalariado associado à permanência do trabalho temporário e familiar. Desse modo, observar
a composição do mercado de trabalho do coco é importante para o entendimento da
configuração de uma parte das relações sociais de produção do fruto e de seus constantes
reajustamentos, contribuindo também para ampliar o leque de possibilidades de apreensão da
nova geografia do coco no Ceará.
esse grupo de intermediários sobretudo os atravessadores, que são aqueles que adquirem os
frutos com os produtores e os revendem em seguida, além também dos distribuidores,
operadores logísticos e proprietários de depósitos e armazéns, incumbidos de escoar e
armazenar toda a produção e fazer com que a mesma chegue aos comerciantes e vendedores.
De todos esses agentes o principal deles é, sem dúvidas, o atravessador, encarregado
direto de chegar até o produtor de coco e adquirir a sua produção, que depois é encaminhada
para os demais agentes inseridos nesse circuito. Por esse motivo, restringiremo-nos a descrever
apenas as principais características dos atravessadores e não as dos demais agentes que atuam
na comercialização, circulação e distribuição dos frutos, o que será feito a partir da realização
de 14 entrevistas com tais atravessadores, que foram muito importantes no sentido de facilitar
a compreensão da forma na qual eles estão organizados e atuam.
De um modo geral, e a partir do que observamos durante os trabalhos de campo, os
atravessadores que atuam na região em análise são também produtores de coco e/ou têm algum
parentesco com esses produtores, que inicialmente resolveram atuar comercializando o fruto
por uma necessidade de ampliar seus rendimentos. Esses atravessadores iniciaram nessa
atividade vendendo sua própria produção (e/ou de algum familiar) e, percebendo a sua
viabilidade, começaram também a comercializar a produção de outros produtores, dando
origem aos atravessadores tal qual conhecemos hoje.
Destaca-se que para atuar como um atravessador é necessário, antes de mais nada, ter
uma grande capacidade de articulação com os outros agentes inseridos no circuito espacial
produtivo do coco, passando pelos produtores e chegando aos distribuidores, atacadistas e
vendedores. Ademais, precisa possuir um importante montante de capital acumulado, para
iniciar o negócio, como também dispor de um pequeno caminhão para realizar a colheita e as
entregas próximas e/ou ter os contatos das empresas de frete para transportar os frutos para
regiões mais longínquas. Desse modo, apenas uma ínfima parcela de produtores se arrisca a
tentar entrar no negócio de compra e venda de coco.
Por esse motivo, e com a total ausência de cooperativas, a maioria desses produtores se
tornam diretamente dependentes dos atravessadores para que seus frutos sejam
comercializados, processo esse que gera uma série de conflitos entre esses dois agentes,
conforme destacaremos apenas no próximo capítulo. Todavia, existem ainda outros produtores
que eliminam o papel do atravessador e comercializam diretamente com as agroindústrias e/ou
com os consumidores finais, reduzindo a participação dos intermediários no controle dessa
atividade. Isso explica por que nem todos os frutos comercializados no Ceará passam,
necessariamente, pela intermediação dos atravessadores.
193
Esses importantes agentes não se destacam apenas por adquirir e revender a produção
de coco, mas também por realizar a colheita dos frutos, no caso do coco verde, e por descascá-
los, no caso do coco seco. É de responsabilidade dos atravessadores recrutar um grupo de
trabalhadores que ficam encarregados de colher a produção de coco verde, já que esses frutos
devem ser comercializados e distribuídos no mesmo dia em que são colhidos, devido à sua alta
perecibilidade; desse modo, há não colheita de coco verde que não esteja a cargo dos
atravessadores. Já em se tratando de coco seco, na maioria das vezes são esses agentes os
responsáveis por também recrutar os trabalhadores para descascá-los e transportá-los.
Além disso, os atravessadores são também responsáveis por decidir para quem revender
os frutos e determinar o destino da produção, assim como a maneira como se dará esse
escoamento, excluindo por completo o produtor de participar desse processo. No ato da
negociação e comercialização dos frutos, eles são encarregados ainda por, de certa forma,
controlar os preços que serão repassados aos produtores e determinar quanto cada um deles vai
receber por sua produção, resultando em uma série de embates entre ambos, conforme já
mencionamos. Mesmo assim, hoje são os atravessadores os quase únicos agentes que atuam
nesse processo de comercialização e distribuição dos frutos.
Por esse motivo, os atravessadores podem ser facilmente encontrados nos principais
espaços de produção de coco no Ceará. O perímetro irrigado Curu-Paraipaba, por exemplo, foi
o local onde observamos a maior concentração de atravessadores, quantidade que varia sempre
de acordo com o período do ano e com a demanda de coco verde no mercado nacional, que
pode fazer aumentar a procura pelo fruto e consequentemente ampliar o número de
compradores do produto162. Ressalta-se que esses agentes sempre estiveram presentes naquele
espaço, onde, de acordo com Lima (2005, p. 156), os atravessadores encontrados nos perímetros
irrigados cearenses surgiram inicialmente por uma necessidade dos próprios produtores, que
encontraram nesses atravessadores o único meio possível de vender a sua produção.
Só para termos uma ideia dessa presença efetiva dos atravessadores nos locais onde o
coco é cultivado, estudos demonstram a grande concentração desses agentes em espaços
altamente especializados na produção do fruto, como é o caso do perímetro irrigado Curu-
Paraipaba, onde 91% dos produtores comercializam coco exclusivamente via atravessadores,
conforme aponta Mendes (2011), e do Curu-Pentecoste, com 94% dos produtores negociando
apenas via esses agentes, como indica Lima (2005). Isso também é observado em outros
perímetros fora do Ceará, a exemplo do São Gonçalo (PB), a partir do que apresenta Lucena
162
No período da realização dos trabalhos de campo havia aproximadamente 30 atravessadores atuando no Curu-
Paraipaba, quantidade que facilmente pode chegar a 60 em determinadas épocas do ano.
194
São também esses os atravessadores com maior poder de negociação no momento da compra
dos frutos, em virtude da grande quantidade de mercadoria em questão.
Nesse contexto, é evidente a formação uma verdadeira “rede de atravessadores” atuando
no mercado do coco no Ceará, onde uns sempre acabam comprando a produção dos outros.
Dessa forma, esses atravessadores dificilmente atuam sozinhos, havendo uma grande
articulação com os outros que agem nessa mesma atividade, como também com os produtores
e com os compradores e distribuidores. E são esses últimos os responsáveis por chegar até os
atravessadores informando a intenção na compra dos produtos, cabendo a eles adquirir a
quantidade de frutos determinada por tais compradores.
Muitos são os fornecedores de coco para esses atravessadores, indo desde pequenos a
grandes produtores, sem distinção. No entanto, normalmente não há fornecedores fixos,
cabendo aos atravessadores estar sempre em busca de novos produtores dispostos a lhes vender
a sua produção; além disso, também não há um mercado fixo de coco, uma vez que os
compradores finais163 devem sempre estar em contato com os atravessadores. Por vezes chegam
a existir “produtores de confiança”, que normalmente fornecem coco aos atravessadores, como
também “compradores certos”, que adquirem esses frutos; no entanto, não existe nada
assegurado concretamente.
Assim, mesmo não havendo um mercado fixo, há uma tendência de cada atravessador
se consolidar no fornecimento de coco para alguns poucos locais, mas para diferentes
compradores. Por exemplo, existem atravessadores que vendem exclusivamente para Fortaleza,
que abriga o maior mercado de coco verde do Ceará164, já outros vendem apenas para cidades
como Teresina, São Luís e Natal, atuando somente no Nordeste, enquanto outros ainda atuam
apenas vendendo coco para o mercado do Sudeste, representado especialmente pela cidade de
São Paulo. Há atravessadores que comercializam os frutos para as agroindústrias, instaladas ou
não no Ceará, que diariamente adquirem uma grande quantidade de coco (fotos 39 e 40). Ainda
há outros que revendem os frutos tanto para agroindústrias quanto para distribuidores,
dependendo sempre do preço do coco no mercado. Percebe-se, desse modo, que são vários os
locais de destino do coco e que os atravessadores se especializam em atender mercados já
previamente estabelecidos.
163
Que podem ser donos de centrais de distribuição e armazenamento, donos de restaurantes e barracas de praia,
vendedores de coco, representantes de supermercado e agroindústrias, entre outros estabelecimentos.
164
Informação repassada pelo diretor do setor de estatísticas da CEASA/CE, entrevistado em fevereiro de 2014.
196
Fotos 39 e 40 – Caminhões carregados com coco verde nos pátios das empresas Paragro (em
Paraipaba/CE) e Edcoco (em Acaraú/CE).
industrial dos frutos. Com a reestruturação produtiva do setor do coco no Brasil observamos
uma rápida multiplicação dessa tipologia de empresas, motivada sobretudo pela expansão do
consumo de água de coco envasada, conforme já relatamos no capítulo 2. E esse processo é
também observado com bastante vigor no Ceará, onde estão localizadas algumas das mais
importantes empresas do ramo do coco do país e onde notamos a instalação de novas empresas
a cada ano, que passam também a investir na produção agrícola dos frutos.
Na sequência apresentamos algumas características das sete principais agroindústrias
em atuação no Ceará, a saber: Ducoco, Paragro, Adel Coco, Monteiro Cocos, Edcoco, Itcoco e
Dicoco, localizadas nos seis municípios elencados para a realização dos trabalhos de campo.
Iremos focar nos aspectos históricos, produtivos e comerciais de cada uma delas, esboçando,
mesmo que de maneira não aprofundada, uma breve caracterização de seus circuitos espaciais
produtivos e de suas formas de atuação165. Essas empresas devem ser entendidas, antes de mais
nada, enquanto “organizações, atores coletivos capazes de realizar um fim particular, cujas
ações se dão de forma indissociável dos sistemas técnicos presentes no território”, segundo
afirma Xavier (2003, p. 285).
A Ducoco, como já abordamos em capítulos anteriores166, é a principal empresa em
atuação no setor cearense de coco. Oficialmente fundada em 1982, desde 1979 essa empresa
agrícola vinha investindo na produção dos frutos, que eram revendidos para outras empresas de
alimentos. Mas somente em 1982 é lançada a marca “Ducoco”, e a empresa passou a investir
também no ramo industrial, inaugurando, através de financiamentos oriundos da Sudene e de
outras instituições financeiras, sua primeira indústria, no município de Itapipoca, ainda hoje em
funcionamento. Esse foi o início da história dessa empresa cearense que se tornaria, em pouco
tempo, uma das maiores do país.
Há de se destacar que a Ducoco é um empreendimento familiar, tocado inicialmente por
empresários locais ligados à família Pinheiro, fundadora e administradora da empresa até hoje.
Nossos levantamentos indicam que essa família, além de atuar no ramo agroalimentar, sempre
atuou também em instituições financeiras e que já possuiu alguns bancos ao longo dos anos167.
Entre esses bancos de propriedade de família Pinheiro podemos citar o Banco Central do
165
Os aspectos relacionados à estrutura fundiária e à compra dos frutos por parte dessas empresas serão abordados
apenas no próximo capítulo.
166
Apesar de já termos apresentado várias características inerentes à Ducoco, cabe aqui analisarmos mais afundo
algumas delas, diante da sua importância no contexto produtivo do coco no Ceará.
167
Constatamos que os proprietários da Ducoco são os mesmos proprietários desses bancos ao comparar os nomes
dos fundadores e presidentes tanto da empresa como dos bancos, a partir de levantamentos realizados na internet.
199
168
Todas essas informações foram obtidas com o diretor de produção da Ducoco, em entrevista realizada nas
instalações da empresa em Itapipoca, em abril de 2014.
169
A relação da Ducoco com esses produtores e atravessadores que a fornecem coco verde será analisada apenas
no capítulo seguinte, como também a atuação de outras empresas.
200
de coco, isotônicos, sucos de frutas acrescidos de água de coco, e também sobremesas em geral,
como gelatinas, pudins, manjares e quindins e, ainda, alguns tipos de chás, o que demonstra que
a produção da empresa vai muito além de produtos oriundos do coco. A Ducoco dominava, em
2007, 40% do mercado de produtos derivados do coco, 20% do mercado de água de coco e 23%
do mercado de sobremesas semiprontas do Brasil170, atuando principalmente nas regiões
Sudeste, Sul e Centro-Oeste.
De acordo com os diretores de produção entrevistados, atualmente 70% de todo o
faturamento da Ducoco advém apenas da água de coco envasada, seja ela exportada e/ou
consumida no mercado nacional, quantidade que aumenta a cada ano. Esses diretores
informaram ainda que a Ducoco está envasando 150 mil litros de água de coco por dia, sendo
necessárias 12 toneladas de frutos verdes diariamente para atender essa importante demanda.
Por ano, a Ducoco está processando um total aproximado de 40 milhões de frutos (dados de
2013), enquanto em 2003 essa quantidade não passava dos 4 mil.
A agroindústria de Itapipoca171 (foto 45 e imagem 16) é responsável pelo primeiro
processamento de toda a matéria-prima produzida pela Ducoco à base de coco. Na unidade é
processado um total de 360 mil frutos por dia, o que gera, junto com as demais atividades,
aproximadamente 700 empregos diretos, que chegam aos 1.048 se somados os empregos
indiretos e os trabalhadores rurais que atuam nas fazendas, conforme informaram os diretores
da empresa. Devemos ressaltar que essa unidade da Ducoco de Itapipoca é a maior e mais
importante agroindústria localizada na região Norte do Ceará, representando um grande
impacto na economia do município e dessa região.
Há na Ducoco uma especialização produtiva entre suas unidades fabris, uma vez que a
agroindústria de Itapipoca fabrica somente produtos da marca Ducoco, e a de Linhares das
marcas Menina e Frutop. Além disso, a fabricação dos produtos é segmentada: a unidade de
Itapipoca produz apenas água de coco e leite de coco em caixinha, além de processar todo o
coco ralado, que somente depois é encaminhado para a unidade de Linhares para dar origem
aos outros produtos. Trata-se, portanto, de uma empresa cujo circuito é ao mesmo tempo
funcional e espacial (BENKO, 2006), o que implica diretamente uma redução de custos e uma
maior otimização da produção.
A Ducoco, além de fabricar e vender seus produtos em marcas próprias, fornece ainda
matéria-prima (sobretudo coco ralado) para a fabricação de produtos de algumas outras grandes
empresas, como Nestlé (que produz o chocolate Prestígio), Garoto, Unilever, Danone, Batavo,
Kopenhagen, Hershey’s, Lacta e Bimbo, além de atender grandes redes de varejo para a
fabricação de produtos de marcas próprias (seja leite de coco, água de coco ou coco ralado),
como Carrefour, Atacadão, Walmart e Pão de Açúcar (marca Taeq), segundo informaram seus
diretores. Fornece ainda água de coco envasada para a empresa estadunidense Vita Coco, que
já sai de Itapipoca nas caixinhas com a embalagem da Vita e segue diretamente para o Porto do
Pecém (localizado na Grande Fortaleza), por onde são exportadas.
Visando ter uma atuação em todo o território nacional, a Ducoco possui três centros de
distribuição localizados em Itapipoca, Linhares e Barueri (SP), que distribuem os produtos de
suas fábricas às diversas partes do país, formando uma complexa rede de distribuição, como
mostra C. Oliveira (2010), em um estudo inteiramente dedicado a analisar a logística da
Ducoco. O autor indica ainda que o escoamento da produção da empresa é realizado por mais
de 20 empresas transportadoras, com quem a Ducoco firma contrato em cada Estado, as quais
retiram os produtos em algum dos seus três pontos de distribuição e os encaminham aos pontos
de venda espalhados pelo país.
Durante os trabalhos de campo realizados em dois períodos distintos, evidenciamos o
grande e contínuo fluxo de caminhões dessas transportadoras, como também dos caminhões
dos atravessadores, entrando e saindo diariamente da fábrica da Ducoco em Itapipoca. Nas duas
ocasiões, notamos a presença sobretudo dos caminhões da transportadora capixaba Belmok,
uma das que prestam serviço à empresa. Segundo os moradores que residem próximo a essa
fábrica, é comum se formarem longas filas de caminhões, seja das transportadoras seja dos
fornecedores de coco, na entrada da Ducoco todos os dias, como vemos na foto 46, já sendo um
fato corriqueiro desse local.
202
A Ducoco é, ainda, uma das maiores empresas exportadoras de água de coco envasada
do Ceará, ao lado da Paragro. O início da exportação da empresa aconteceu em 2000, quando
foi encaminhado o primeiro carregamento de água de coco em caixinha para Portugal. A partir
daí as exportações se tornaram um dos focos da empresa, que já chegou a exportar para 24
países diferentes, principalmente para os Estados Unidos, além de Portugal, Alemanha, Itália e
Espanha, entre outros172. Assim, além de ser atualmente o principal produto no mercado
nacional, a água de coco é ainda o único produto exportado pela Ducoco, o que lhe garante um
importante faturamento anual e o que fez com que a empresa mudasse toda sua estrutura
produtiva, deixando o coco ralado e o leite de coco em segundo plano.
Essas são algumas das características que fazem da Ducoco a principal empresa do setor
no Ceará, tendo uma grande capacidade de empreender as seguintes ações, entre outras:
embolsar grandes investimentos de instituições financeiras, públicas e privadas; fazer com que
o Estado instale infraestruturas que a beneficiem; movimentar grandes quantidades de matérias-
primas diariamente; empregar centenas de funcionários; gerir unidades produtivas agrícolas e
industriais geograficamente dispersas; controlar a produção de diversos produtores. Ao
executar simultaneamente todas essas atividades a Ducoco influi de maneira crucial na
organização espacial e na regulação territorial das áreas onde atua.
Outra importante empresa do ramo do coco instalada no Ceará é a Paragro (Paraipaba
Agroindustrial), atualmente uma das principais exportadoras de água de coco envasada do país.
A empresa, implantada em 2003, é uma sociedade mista suíço-brasileira173 e está instalada em
uma área dentro do perímetro irrigado Curu-Paraipaba. Conforme relataram dois de seus
diretores174, os proprietários da empresa resolveram instalar a Paragro no município de
Paraipaba por ele abrigar um importante polo de produção de coco verde, garantindo o
172
Fonte: http://ducocoalimentos.com.br/empresa/exportacao.
173
Um dos proprietários da empresa é suíço e o outro é brasileiro.
174
Entrevistados em março de 2014, na sede da empresa, em Paraipaba.
203
175
Espécie de tambor ou bolsa, dependendo do caso, onde a água de coco extraída é armazenada e transportada
antes de ser envasada.
176
Desse total, 95% dos trabalhadores são oriundos do próprio município, os outros 5% são funcionários
especializados e com nível superior, originários de cidades como Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro.
204
produção de coco orgânico, e alguns lotes agrícolas instalados no perímetro irrigado, com um
cultivo de mais de 20 mil coqueiros, todos anões. A empresa resolveu iniciar suas atividades
no ramo agrícola com a finalidade de ter uma maior estabilidade no fornecimento de matéria-
prima, além de poder iniciar a produção de água de coco orgânica, no intuito de atender novos
nichos de mercado, tanto nacional quanto internacional.
Além de estar investindo na produção agrícola, a Paragro se empenha na conquista de
novos mercados no país, especialmente a partir do lançamento de sua própria marca de água de
coco em caixinha, que atende exclusivamente os mercados das regiões Sul e Sudeste do Brasil.
Fornece também água de coco para as empresas Native, Organic, Beba Rio e Bioleve, todas do
Estado de São Paulo, fornecendo ainda o produto para a marca do grupo Pão de Açúcar. Tudo
que é adquirido por essas outras empresas já sai da fábrica de Paraipaba nas suas próprias
embalagens e prontas para serem comercializadas.
Entretanto, apesar dos investimentos no mercado interno, o foco de atuação da Paragro
é o externo, como nos foi informado. A empresa é a maior fornecedora nacional de água de
coco para a estadunidense Vita Coco, para onde são destinados em média dois contêineres por
semana. Fornece ainda água de coco para as empresas Coco, Cocowell e Isolabio, amplamente
comercializadas no Canadá e em mais de 20 países da Europa, entre eles Inglaterra, França,
Itália, Alemanha e Rússia. A Paragro abastece também a Kokissimo, do Chile, e a Coco Canada,
do Canadá. Revende ainda sua marca própria no México, país onde a empresa pretende abrir
uma filial futuramente.
Atualmente, de toda a água de coco produzida pela Paragro 90% é exportada, e desse
total aproximadamente 90% segue somente para a Vita Coco, sendo o restante distribuído entre
as demais empresas, como informaram seus diretores. Todos os produtos são exportados pelo
Porto do Pecém (90%), localizado em São Gonçalo do Amarante, e pelo Porto do Mucuripe
(10%), localizado em Fortaleza, e seguem em contêineres refrigerados diretamente para o Porto
de Nova York, maior importador de água de coco envasada pela empresa. Durante os trabalhos
de campo observamos nos arredores da unidade da Paragro, ao mesmo tempo, um grande fluxo
de caminhões carregados com coco verde (foto 47), advindo dos mais diversos locais, e uma
importante movimentação de transportadoras e contêineres (foto 48), seguindo respectivamente
em direção aos mercados localizados no Centro-Sul do país e aos portos cearenses,
demonstrando o movimento que há nos meandros da geografia do coco.
205
Foto 47 – Caminhões carregados com coco verde Foto 48 – Contêiner a ser carregado com a água
no pátio da Paragro em Paraipaba/CE. de coco da Paragro em Paraipaba/CE.
Desse modo, percebe-se que ao longo de 10 anos a pequena unidade que fabricava e
vendia água de coco no restrito mercado nordestino torna-se uma das principais empresas do
Brasil, com expressiva atuação internacional, que teve, como nenhuma outra, toda a sua
estrutura produtiva modificada por influência direta da reestruturação produtiva do setor do
coco e pelo boom do consumo de água. Com isso, a Paragro contribuiu sobremaneira para a
inserção do coco cearense nos circuitos globalizados da produção e do consumo, incluindo o
município de Paraipaba na acirrada divisão internacional do trabalho.
A Adel Coco, localizada em Trairi, é outra empresa que inclui o grupo das principais
agroindústrias do coco instaladas no Ceará. De acordo com um de seus sócios177, a Adel foi
fundada em 2004, no município de Santo Antônio da Patrulha (RS), onde os seus fundadores
possuíam uma pequena fábrica de doces. Eles resolveram se dedicar integralmente ao mercado
do coco porque viram um importante potencial de crescimento nesse setor, e começaram, aos
poucos, a adquirir coco ralado no Nordeste e em alguns países do Sudeste da Ásia e revendê-lo
para empresas de alimentos do Rio Grande do Sul. Assim, abandonaram definitivamente a
fabricação de doces e se especializaram na venda de coco ralado, abrindo inclusive uma fábrica
em Maragogi (AL), fechada um ano após ser inaugurada.
Os fundadores da Adel instalaram a unidade industrial em Trairi apenas em 2007, e
optaram por esse munícipio devido aos incentivos fiscais que a empresa recebeu do Governo
Estadual e à proximidade com uma grande região de produção de coco seco, o litoral oeste
cearense. A Adel conta hoje com duas unidades industriais178, uma em Trairi e outra em Santo
Antônio da Patrulha, que abriga também uma distribuidora. Todo o processamento industrial
da empresa é realizado na unidade cearense, e no município gaúcho são realizados apenas uma
177
Entrevistado em maio de 2014, no escritório da Adel, em Fortaleza.
178
Em 2011 a Adel chegou a ter também uma fábrica em Neópolis (SE), desativada no ano seguinte.
206
parte do empacotamento e a distribuição pelo sul do país. Além disso, a Adel conta com duas
fazendas instaladas em Trairi e com um escritório comercial em Fortaleza.
O carro-chefe da empresa é a produção de coco ralado. Segundo um de seus sócios, a
Adel produz o segundo maior volume de coco ralado em escala industrial do país, atrás somente
da Sococo. O diferencial da Adel é que seu foco está no atacado, fornecendo por ano cerca de
6 milhões de toneladas desse produto para padarias, confeitarias e fábricas de produtos à base
de coco. Assim, a maior renda da empresa advém da venda de coco ralado em grandes
quantidades, cujos pedidos de encomenda são feitos por essas outras empresas. A Adel produz
também leite de coco e água de coco comercializados em marcas próprias, além de óleo de
coco, vendido para empresas de sabão e cosméticos, e fibra de coco, vendida para
estabelecimentos especializados em jardinagem. Para dar conta de toda essa produção, a
empresa conta com 200 funcionários trabalhando na unidade de Trairi.
A Adel atua com quatro marcas próprias: Adel Coco (coco ralado e leite de coco), Super
Coco (coco ralado), Qualicoco (coco ralado e leite de coco) e Vitcoco (água de coco), e é uma
das únicas empresas que vendem água de coco em latinhas de alumínio e não em caixinhas
Tetra Pak. O principal mercado consumidor da Adel está localizado no Centro-Sul do país, e os
seus maiores compradores e consumidores de água e coco ralado são os Estados de São Paulo,
Rio de Janeiro, Goiás e Paraná. Dentre as principais empresas que adquirem coco ralado da
Adel estão: Risato, Flamboyant, Nestlé, Unilever, BR Foods e Bauduco. A Adel fornece ainda
50 toneladas de coco ralado por mês para a Ducoco.
Além de comprar coco com produtores e atravessadores locais179, a Adel investe desde
2011 no próprio cultivo dos frutos. A empresa já possui duas fazendas, que somam ao todo 440
hectares, com 24 mil coqueiros anões plantados, que irão produzir exclusivamente coco verde
para a fabricação de água de coco; uma dessas fazendas está instala nos arredores da unidade
industrial, como vemos na imagem 17, a seguir. Os coqueiros cultivados na Adel são irrigados
por microaspersores e assistidos por fertirrigação, e frequentemente são realizadas análises de
solo e foliar para garantir a produtividade e a qualidade dos frutos. Nessas fazendas atuam 50
funcionários, todos com carteira assinada.
Destacamos que a Adel é uma empresa que já nasceu direcionada para a produção de
coco ralado, mas, devido ao grande potencial do mercado de água de coco, investe também
nesse ramo. É tanto que seus diretores já estão em negociação com algumas empresas
estadunidenses para revender esse produto. E foi por esse motivo que a Adel resolveu investir
179
Destaca-se que 60% do coco ralado processado pela Adel são importados da Indonésia, Sri Lanka e Vietnã, e
o restante é adquirido com fornecedores do Ceará.
207
também na produção agrícola, por uma imposição direta do mercado, a exemplo do que ocorre
com todas as principais agroindústrias do coco em atuação no Ceará, modificando a organização
produtiva do coco em Trairi.
Além dessas três grandes empresas, existem no Ceará diversas outras pequenas e médias
empresas agrícolas/agroindustriais que atuam na produção e no processamento do coco. Tais
empresas se destacam por fornecer água de coco e coco ralado para a Ducoco e/ou por
destinarem uma importante quantidade desses produtos para outras indústrias de alimentos, e
para padarias, confeitarias, restaurantes, fábricas de doces, redes de varejo, entre outros
estabelecimentos. Dentre essas empresas destacam-se a Monteiro Cocos, a Edcoco, a Itcoco e
a Dicoco, todas elas com coqueiros plantados e produzindo, possuindo uma atuação regional
bastante considerável180.
A Monteiro Cocos foi instalada em 2008 em Itarema e é de propriedade de uma família
que exerce uma grande influência política no município, além de ser uma das maiores
produtoras de coco da região. De acordo com o fundador da empresa181, desde os anos 2000 ele
trabalha produzindo, comprando e vendendo coco, atuando como atravessador, assim como seu
pai. Já consolidado no ramo da compra e venda de coco, sendo considerado hoje como o maior
atravessador em atuação em Itarema, ele resolveu abrir uma fábrica para processar esse coco e
agregar um maior valor ao produto, surgindo então a Monteiro Cocos. Com isso, o proprietário
da empresa passou a controlar parte do circuito produtivo do coco no município, passando pela
produção, comercialização, processamento industrial e distribuição.
180
Além dessas, existia também a Coconutri, localizada em Amontada, mas que encerrou suas atividades em 2012
em virtude de um grande incêndio que atingiu a fábrica, resultando no óbito de um funcionário.
181
Entrevistado em abril de 2014, na sede da empresa, em Itarema.
208
Hoje a Monteiro trabalha apenas vendendo água de coco seco e a polpa do coco (não
ralada) para a Ducoco, fornecendo em 2013 um milhão de quilos de polpa e 600 mil litros de
água para essa empresa. Além disso, vende flocos de coco para a Pasteuriza, de São Paulo, e
óleo de coco para uma fábrica de sabão, a Indove, de Juazeiro do Norte (CE). Vende também a
ração feita à base de restos da película do coco para fazendas de criação de porcos, e as cascas
do fruto não aproveitadas nas caldeiras da empresa são vendidas para a Ducoco. Atualmente,
está processando uma média de 30 mil frutos por dia, contando com um total de 60 funcionários,
como informou o proprietário da empresa.
Visitamos a Monteiro em duas oportunidades, em 2011 e em 2014, o que nos permitiu
perceber a evolução produtiva dessa empresa, bem como o próprio comportamento do setor
industrial do coco, já que num primeiro momento o seu foco era a produção de coco ralado para
atender o mercado em geral, e hoje é a produção de polpa de coco para atender as necessidades
da Ducoco. Além disso, seguindo a tendência observada em outras empresas, os planos da
Monteiro são investir no processamento de água de coco, que deverá abastecer também a
Ducoco. Desse modo, o que é observado na Monteiro serve de exemplo de como a
209
182
Entrevistado em abril de 2014 na sede da empresa, em Acaraú.
210
água de coco, que é somente extraída; os principais impedimentos para isso acontecer eram a
obtenção de todo o maquinário e da patente da Tetra Pak.
A Edcoco, assim como outras empresas, resolveu investir pesado no negócio do coco,
adquirindo 80 hectares no perímetro irrigado Baixo Acaraú e plantando 10.500 coqueiros
híbridos, com o intuito de expandir sua produção de água de coco. Com isso, nota-se que mais
uma empresa passou também a se dedicar ao rentável negócio do coco. O diretor da Edcoco
afirma: “atividade melhor não poderia existir, estamos conseguindo inacreditáveis um milhão
de reais de lucro por ano; é dinheiro demais... e isso nos motiva a continuar investindo na
aquisição de terras e no plantio de coqueiros”. Esse depoimento ajuda a reforçar a discussão
acerca da difusão cada vez maior de uma lógica empresarial no cultivo dos frutos.
Além das empresas citadas, temos também a Itcoco, instalada em Itarema e em atuação
desde 2008. O seu proprietário informou183 que antes de investir no setor do coco contratou
uma agência para fazer uma pesquisa de mercado e analisar as potencialidades do negócio, que
foram muito positivas. Assim, ele resolveu instalar a unidade de processamento industrial e
iniciar um plantio de coqueiros híbridos. Quando iniciou, a empresa possuía apenas 300 metros
quadrados e contava com 13 funcionários, e hoje a fábrica já passa dos 900 metros e conta com
35 empregados, ainda apresentando potencial para expansão.
A Itcoco, diferentemente das outras empresas, produz somente farinha, óleo e torta de
coco. A farinha é vendida em grandes quantidades para fábricas que atuam no ramo alimentício,
notadamente do setor da panificação, localizadas no Centro-Sul do país. Já o óleo segue para a
empresa Sabão Juá, de Juazeiro do Norte, e a torta é adquirida pelos criadores de porcos da
região. São processados por dia 6 toneladas de frutos, adquiridos com produtores e
183
Entrevistado em abril de 2014, na sede da empresa, em Itarema.
211
184
Fonte: http://www.dicoco.com.br/pagina/14114/inicial.html.
185
Destacamos que de todas as empresas do ramo de coco em atuação na região em análise, a Dicoco foi a única
na qual não conseguimos realizar uma entrevista com seus diretores/representantes.
186
Informação repassada pelo secretário de desenvolvimento econômico de Paraipaba.
212
Além dessas empresas, outro grande estabelecimento que também está investindo
pesado no processamento industrial de seus frutos é a Cohibra, anteriormente dedicada somente
à área de pesquisa e à venda de mudas de coqueiro anão e híbrido, comercializando todos os
seus frutos para a Ducoco. De acordo com o seu proprietário, os planos da Cohibra são de abrir
a maior fábrica de óleo de coco do Brasil, cuja unidade industrial já está sendo construída no
polo industrial do Pecém (em São Gonçalo do Amarante, Grande Fortaleza), com previsão para
começar a funcionar em meados de 2016. Serão construídas ainda três outras fábricas, com
localizações não divulgadas, uma de briquete (espécie de carvão à base de fibra de coco), uma
de substrato/fibra de coco e outra de extração de água de coco, que vai funcionar também em
parceria com a Ducoco, expandindo o número de agroindústrias dessa natureza no Ceará.
Observando a localização dessas oito principais empresas, chama atenção o fato de todas
elas estarem instaladas no litoral oeste cearense, concentração não observada em nenhuma outra
região do Ceará, tampouco do Brasil, comprovando a importância do Litoral Oeste não somente
213
para a produção agrícola, como também para o processamento industrial do coco, e reafirmando
sua significativa especialização produtiva centrada nesse fruto. No quadro seguinte (quadro 07)
demonstramos a topologia dessas empresas, indicando os locais onde estão instalados seus
fixos, sejam suas unidades administrativas, produtivas agrícolas, produtivas industriais, sejam
de distribuição e de vendas, o que possibilita uma melhor compreensão da organização espacial
dessa tipologia de agroindústria, cujas atuações não se restringem ao Ceará.
Destaca-se, por fim, que essas agroindústrias do coco apresentadas, além de ser alguns
dos agentes mais importantes do circuito espacial produtivo do fruto, agem a partir de lógicas
territoriais que lhes são próprias, de acordo com o que indicam Santos e Silveira (2003)187,
conforme percebemos nos trabalhos de campo e com a realização de entrevistas,
desempenhando um papel fundamental na organização e na regulação espacial (CORRÊA,
1991). Desse modo, devemos entender essas empresas como algumas das principais
representantes da ação do grande capital atuando na produção de coco, já que o território onde
elas se instalam passa a ser organizado e utilizado em função de seus próprios interesses,
interferindo diretamente na organização dos produtores e atravessadores do fruto, por exemplo.
187
Há de se considerar que, para Xavier (2003, p. 283), a “lógica territorial das empresas não está restrita à sua
localização. Ela inclui os fluxos criados em seus circuitos espaciais da produção nas diversas etapas pelas quais
passariam seus produtos”.
214
Capítulo 5
OS LIMITES DE UMA REESTRUTURAÇÃO CONSERVADORA
Neste capítulo debatemos acerca do caráter conservador em que está ancorada a reestruturação
produtiva do setor do coco, que tem se mostrado prejudicial a uma série de sujeitos. Após
caracterizar a reestruturação conservadora da agricultura brasileira, primeiramente analisamos
a questão do acesso às inovações técnico-científicas e agronômicas advindas com a
modernização produtiva do coco. Na sequência, demonstramos como os capitais comercial e
industrial monopolizam a produção e a comercialização de coco. Por fim, discorremos como a
expansão do cultivo desse fruto contribui para ampliar a concentração fundiária e os conflitos
por terra em território cearense.
188
Noção trabalhada por autores como Delgado (1985, 2001), Martine (1991), Graziano da Silva (2003) e Pires e
Ramos (2009), entre outros.
215
uma outra roupagem, justamente por ele preservar as arcaicas estruturas produtivas, como a
concentração fundiária, a exploração de produtores e trabalhadores e a destruição da
biodiversidade, ao mesmo tempo que insere novos e modernos elementos ao campo, como a
mecanização agrícola, a vulgarização do uso de defensivos e adubos, a utilização da
biotecnologia, a expansão do crédito rural, entre outros. Tudo isso culminou na configuração
atual da reestruturação produtiva da agricultura brasileira que, além de conservadora, pode ser
considerada ainda seletiva e excludente.
Assim, o que vemos é uma modernização não inteiramente moderna, uma vez que
preserva traços arcaicos não condizentes com o atual período no qual estamos inseridos,
gerando um contraditório contexto, classificado por Porto-Gonçalves (2004) como moderno-
colonial. Com isso, as velhas práticas vêm se somar aos novos processos, refletindo “um dos
principais traços da sociedade brasileira – a contemporaneidade do atraso e do moderno como
constitutivos de nossa formação histórica [....]” (BRUNO, 2008, p. 83-84). Essa característica
também já foi indicada por Martins (1994, 2014), que atesta para a força do poder do atraso na
lenta história nacional e questiona o que há de realmente moderno em nossa sociedade e em
suas práticas, conservadoras por natureza.
Ademais, essa reestruturação é também conservadora porque nem todos puderam
aproveitar as benesses dela advindas (ALVES, 2001) e porque desde o início visava
expressamente atender os grandes produtores e as grandes empresas comerciais, agrícolas e
agroindustriais (ANDRADE, 1979). De acordo com Elias (2007, p. 56), esse processo é
marcado por seu caráter seletivo, social e espacialmente, já que “manteve intocáveis algumas
estruturas sociais, territoriais e políticas incompatíveis com os fundamentos do verdadeiro
significado do conceito de desenvolvimento”, privilegiando “determinados segmentos sociais
e econômicos, assim como os espaços mais rapidamente suscetíveis a uma reestruturação
sustentada pelas inovações científico-técnicas e pela globalização da produção e do consumo”.
Dessa maneira, atesta-se o esgotamento desse modelo de reestruturação produtiva da
agricultura brasileira, gerador de inúmeras desigualdades que puderam ser acirradas em virtude
do caráter conservador e seletivo no qual esse processo está ancorado, o que leva Pires e Ramos
(2009) a afirmarem categoricamente que ele “foi marcado por uma exclusão autoritária das
classes sociais do acesso [ao] dinheiro, trabalho e terras” (p. 419), bem como do acesso às
inovações técnico-científicas e aos mercados, reforçando “a heterogeneidade da agricultura
nacional, pois ampliou os hiatos existentes entre os produtores” (PIRES; RAMOS, 2009, p.
420) e as distintas regiões do país, segundo argumenta Elias (2006, 2007).
216
Todos esses aspectos serão melhor discutidos nos subcapítulos seguintes, que têm por
objetivo analisar algumas das evidências capazes de comprovar que a reestruturação produtiva
do coco se dá fundamentada em práticas conservadoras, acarretando impactos negativos dos
mais diversos. Assim, apresentaremos as principais conflituosidades (BRUNO, 2008) inerentes
à materialização da reestruturação produtiva que atinge o setor do coco no Ceará,
conflituosidades essas muito importantes para serem apenas citadas nas considerações finais,
como ocorre em vários trabalhos que se dedicam a caracterizar a reestruturação produtiva da
agricultura brasileira. Desse modo, não podemos “cair na armadilha dos indicadores de
produtividade”, como já dizia Paulino (2006, p. 16), e negar a existência de uma série de
rebatimentos negativos advindos com essa reestruturação.
217
nativa (vegetação litorânea ou caatinga) para dar lugar aos novos cultivos de coqueiros,
associado às queimadas e às práticas inadequadas de manejo; a poluição, erosão e salinização
dos solos, devido aos incorretos destinos dados à casca do coco e à utilização de uma irrigação
diária e intensiva, que contribui para o seu desgaste. Destacam-se que essas implicações já eram
até esperadas, uma vez que, de acordo com Sá (2002, p. 62), a agricultura por si mesma já se
constitui como “um elemento de alta influência na descaracterização da paisagem e na
diminuição da biodiversidade”.
Outro problema observado foi o uso indiscriminado de agrotóxicos, que causam sérios
problemas tanto para a saúde dos trabalhadores e produtores quanto para a saúde do ambiente,
conforme demonstra um estudo organizado por Rigotto (2011), como também para a saúde dos
consumidores do coco e de seus derivados189. Esses agrotóxicos, normalmente algum tipo de
inseticida, são amplamente utilizados no cultivo do coco verde, ocasionando um
envenenamento das árvores, do solo e da água, além dos próprios trabalhadores, visto que várias
foram as vezes que presenciamos a sua aplicação190 e em nenhuma delas os trabalhadores
usavam roupas especiais e nem havia um controle da dosagem utilizada. Mensalmente os
agrotóxicos são aplicados nos coqueiros, sempre após a colheita dos frutos, e por um período
de 10 dias ainda é possível sentir o cheiro e inalar o produto, tamanha a sua “eficácia”.
Em entrevista aos produtores de coco, poucos foram os que afirmaram que não
utilizavam agrotóxicos em seus cultivos, que são aplicados por profissionais que
constantemente se queixam de problemas de saúde. Isso pode ser comprovado a partir do
trabalho realizado por Lima et al. (2006) com os produtores do fruto no perímetro irrigado
Curu-Paraipaba, onde os pesquisadores constataram que 98% deles utilizavam pelo menos um
tipo de agrotóxico, o que acarretava problemas de saúde de forma contínua, uma vez que 55%
deles já sentiram alguma complicação durante a aplicação da substância e 32% apresentaram
mais de dois sintomas relacionados à intoxicação provocada pela inalação dos agrotóxicos191.
E é nessas condições, além de outras que podem ser indicadas, que está assentada a “moderna”
produção de coco no Ceará, a partir da materialização dessa reestruturação conservadora.
189
Não é demais destacar que ao consumir um coco verde, ou uma caixinha com água de coco, se está consumindo
também uma dosagem significativa de veneno, que pode acarretar ao longo dos anos sérios problemas de saúde.
Risco ao qual são expostos diariamente os produtores e os trabalhadores rurais.
190
Em uma ocasião, enquanto entrevistámos um produtor em meio ao coqueiral, em Paraipaba, a bomba que servia
para a aplicação dos agrotóxicos explodiu, banhando literalmente o trabalhador que a manuseava, bem como a
criança que acompanhava o seu trabalho, exalando um forte cheiro. Nenhum dos dois utilizava equipamentos de
proteção, cena recorrente ao observar a aplicação dos agrotóxicos pelos coqueirais do Ceará.
191
Por esse motivo, já é crescente a substituição dos agrotóxicos por inseticidas ditos “naturais”, à base de óleo de
algodão e detergente neutro.
219
utilizando regularmente, uma outra minoria dispõe de diversas máquinas que auxiliam no
adiantamento do processo produtivo do fruto, garantindo-lhes uma autonomia técnica e
produtiva não observada entre aqueles que não as utilizam.
No perímetro irrigado Curu-Paraipaba, por exemplo, apenas três dos 34 produtores
entrevistados possuíam algum maquinário agrícola, conforme destacado com a descrição das
tipologias. Com isso percebe-se que a posse dessas máquinas é extremamente pontual, uma vez
que poucos são os produtores que dispõem de tais equipamentos. Desse modo, nota-se que em
um mesmo espaço e a partir de um mesmo cultivo é possível coexistirem produtores que
dificilmente conseguem adquirir os insumos regularmente e aqueles que possuem diversas
máquinas e que agem monopolizando o uso de tais inovações.
Quando não realizam as atividades manualmente, com o auxílio de uma enxada, esses
produtores que não dispõem de máquinas agrícolas são, de certa forma, obrigados a alugá-las
de quem as possui. Essa prática acaba encarecendo os custos com a manutenção do coqueiral e
reduzindo o lucro com a venda do coco, mas, por outro lado, pode ser até mais rentável, já que
esses produtores não teriam como comprar e manter essas máquinas. O preço do aluguel do
trator com a grade ou com a roçadeira varia de 80 a 130 reais por hora (inclusos os valores do
serviço do tratorista e da gasolina), dependendo da localidade e da demanda por tais serviços.
Além da discrepância observada no que se refere à posse do maquinário agrícola, o
sistema de irrigação utilizado também demonstra o abismo que separa os produtores de coco,
sobretudo os que cultivam coqueiro anão e híbrido. Nos espaços de produção do fruto a
presença dos microaspersores é algo sempre recorrente, entretanto essa não é uma inovação que
está ao alcance de todos. No Curu-Paraipaba, por exemplo, percebemos que a grande maioria
dos produtores entrevistados (um total de 29) utilizava o sistema de irrigação automatizada e
localizada, todavia outros cinco produtores ainda irrigavam os coqueiros por aspersão ou por
aspersão associada à microaspersão.
Um produtor que ainda não instalou o sistema de microaspersão afirmou: “eu ainda uso
o sistema de irrigação por aspersão, mesmo não sendo o mais indicado para o coco. Eu só não
mudei a irrigação porque ainda não consegui juntar dinheiro suficiente para fazer essa
mudança”. Já outro revelou: “está nos meus planos mudar o sistema de irrigação, mas não no
momento, preciso de dinheiro para fazer isso, os gastos são muito altos e o que eu ganho com
a venda do coco é para cobrir outras despesas”. Esses depoimentos se repetiam a cada município
visitado e demonstram que apenas quem tem dinheiro ou uma boa carta de crédito consegue
adquirir os microaspersores.
221
O que ocorre é que esse sistema de irrigação por microaspersão exige um alto custo de
instalação e de aquisição dos canos e microaspersores192, e quando é instalado há um aumento
considerável do consumo de água e de energia, elevando os custos de manutenção do coqueiral
e provocando um endividamento dos produtores, especialmente aqueles que não dispõem de
recursos extras para cobrir as despesas com esses serviços. Não é demais destacar que o não
uso da microaspersão reduz consideravelmente a produtividade dos coqueiros e
consequentemente os rendimentos de seus produtores.
O mesmo se pode dizer da implementação da fertirrigação nos coqueiros, uma das
grandes novidades advindas com a modernização, mas que está disponível apenas para uma
pequena parcela de produtores, já que ela exige um alto custo para a sua instalação, sendo
necessária uma análise prévia dos componentes do solo para indicar a carência de nutrientes,
exigindo também um alto consumo de água e de energia. Por esse motivo, a utilização da
fertirrigação é observada somente nas maiores fazendas produtoras de coco, a exemplo da
Ducoco, da Cohibra, da Adel, da Paragro e da Unique, entre outras.
Já no que se diz respeito ao uso dos adubos e fertilizantes, também se observa um caráter
seletivo na difusão desses insumos. Apesar de cultivar coqueiro anão e híbrido, não são todos
os produtores que possuem recursos suficientes para adquirir mensalmente a quantidade
necessária de adubos, o que acaba provocando a redução da produtividade dos coqueiros e
exigindo a realização de um investimento ainda maior para recuperá-los. Essa situação só é
amenizada quando os produtores encontram outras formas de adubar os coqueiros, utilizando,
por exemplo, restos de cobertura morta e esterco de gado.
Tal exigência na utilização de adubos e fertilizantes nos remete a um outro aspecto que
surge camuflado à modernização do processo produtivo do coco, que é a dependência dos
produtores da utilização de tais insumos. Durante as entrevistas, grande parte desses produtores
informou que a modernização da produção tornou obrigatória a utilização de insumos e
implementos agrícolas193. Um produtor assegurou: “hoje a gente tem que botar o adubo e o
veneno, por exemplo, caso contrário o coqueiro não dá coco, nós somos forçados a utilizar esses
produtos para poder garantir a sobrevivência dos coqueiros”, enquanto outro afirmou
192
Atualmente são as lojas de insumos agrícolas, localizadas sobretudo em Paraipaba e Acaraú, que instalam o
sistema de irrigação localizada e automatizada. A Agrocity (em Paraipaba), por exemplo, estava cobrando 4 mil
reais por cada hectare para realizar o serviço. Assim, um pequeno produtor que possui 4 hectares necessita de 16
mil reais para implantar a microaspersão em seu coqueiral, o que para muitos é completamente inviável.
193
Obrigatoriedade essa resultante da excessiva especialização produtiva no cultivo do coco em determinados
locais, que contribuiu para o empobrecimento dos solos.
222
categoricamente: “hoje o coqueiro não vive sem veneno e sem adubo, como também não vive
sem a irrigação”.
Os produtores relataram ainda a grande dificuldade para adquirir os insumos devido ao
seu alto custo e, consequentemente, para realizar a manutenção do coqueiral, dificuldade
também relatada por Alves (2013). A aquisição dos adubos, fertilizantes e defensivos obriga os
produtores a disporem de uma importante soma de dinheiro para ter acesso aos insumos
necessários, já que no atual momento no qual a agricultura está inserida não basta apenas ter
terra para produzir, é necessário acima de tudo ter capital para adquirir as inovações disponíveis
para o setor, conforme destaca Martine (1991, p. 19).
A esse respeito, Alves (2001, p. 21) considera que “a grande maioria das tecnologias
exige investimentos e capital de custeio de porte. Quem não tem recursos próprios ou acesso ao
crédito [...] não tem como adotá-las”. A fala de um produtor expressa essa dificuldade: “para
cuidar do coqueiral é preciso ter condições; sem dinheiro a gente não consegue continuar nessa
atividade”. Já outro produtor, na mesma situação, confessa: “conheço muitas pessoas que
resolveram entrar no ramo da produção de coco e hoje tão enfrentando uma dificuldade danada,
já que eles não têm a mínima condição de comprar os insumos a cada mês pra manter o
coqueiral... tudo isso é muito caro!”
Nota-se que essa modernização da produção de coco só se efetiva concretamente para
aqueles que podem pagar pelos novos serviços. Por esse motivo, concordamos com Alves
(2001, p. 22) quando ele destaca que “as barreiras à entrada à inovação tecnológica geram um
perfil dual na nossa agricultura, entre os que entraram no clube da agricultura moderna e os que
estão fora dele. Se todos tivessem as mesmas oportunidades de acesso, nada haveria a objetar”.
A esse respeito, Frederico (2010, p. 129) assevera que a “implantação de objetos técnicos cada
vez mais especializados promove uma seletividade dos agentes que detêm as informações
necessárias para produzi-los e utilizá-los”, e apenas os agentes com “maior acesso ao capital e
à informação conseguem sobreviver [...]”.
A falta desse capital para investir no coqueiral leva alguns produtores a desistirem de
continuar na produção de coco, mesmo apesar do ainda grande potencial de crescimento para o
setor. No Curu-Paraipaba, por exemplo, isso chega a ser um dos principais fatores de abandono
e de venda do lote, como contou um produtor: “o lote está um pouco abandonado, eu não tenho
recursos suficientes para todo mês estar comprando os insumos e pagando os diaristas. Se as
coisas não melhorarem eu vou acabar vendendo o lote, como fizeram outros, já que chega a não
compensar manter ele produzindo”.
223
194
Acontecimento com certa repercussão na mídia local e nacional, com inúmeras matérias publicada a esse
respeito, a exemplo da vinculada pelo G1/Ceará, “Seca prejudica produção de coco no Ceará”
(http://goo.gl/zdX2mi), em 25/08/2014, dentre outras.
195
Destaca-se que cada coqueiro anão necessita de uma média de 250 litros de água por dia, a fim de se obter uma
boa produção de coco verde.
196
A título de informação, para se cavar um poço profundo e ainda adquirir a bomba e os canos para puxar e fazer
a distribuição da água o produtor tem que desembolsar inicialmente 16 mil reais, serviço realizado em Paraipaba
pela Agrocity. Entretanto o lucro mínimo de um pequeno produtor, que possui apenas um lote, é de 1.500 reais
por mês, ficando completamente inviável arcar com a despesa.
224
estavam irrigando os coqueiros, passando por aqueles que já haviam adquirido os motores e
possuíam poços profundos em atividade197, não enfrentando grandes problemas para conseguir
manter a produção do coco verde.
Esse mesmo problema da falta de água foi observado nos outros municípios visitados,
onde a seca contribui para diferenciar os produtores de coco entre aqueles que podem pagar
para ter o acesso à água e aqueles que têm que esperar pela chuva para encher os seus pequenos
reservatórios e irrigar seus coqueiros, o que favorece um progressivo abandono do coqueiral. A
esse respeito, um produtor de Trairi chegou a afirmar: “quem é pobre não tem como manter
coqueiro anão, eles consomem muita água, e o pequeno produtor não tem condições de furar
poço e instalar os microaspersores... cultivo de coqueiro anão é coisa de rico (sic)”, depoimento
esse que ajuda a comprovar a desigualdade que se esconde por trás da produção de coco.
197
Chegamos a entrevistar um produtor que havia instalado oito poços profundos, em cada um de seus lotes, e
contava ainda com cinco motores que captavam água das poucas lagoas existentes no perímetro.
225
198
Essa prática de atuar em prol do capital privado também é observada em outros locais e com outros cultivos,
conforme demonstra o estudo realizado por Oliveira (2012), ao analisar a parceria estabelecida entre a Embrapa e
grandes produtores e empresas instaladas no perímetro irrigado Jaguaribe-Apodi (CE).
227
199
Somente na UFC existem três programas de pós-graduação especializados no desenvolvimento de pesquisas
também relacionadas à produção de coco, são eles: Engenharia Agrícola, Solos e Nutrição de Plantas, e Fitotecnia.
200
Há no Ceará a Ematerce (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural), que presta assistência somente a
uma pequena quantidade de agricultores familiares e assentados. Entrevistamos os diretores desse órgão em três
municípios, e todos afirmaram que a produção de coco não poderia ser incluída na categoria de agricultura familiar,
já que não se trata de um cultivo de subsistência, ou seja, voltada para o próprio consumo de seus produtores.
228
assistência técnica a serviço apenas dos grandes produtores pode ser obtida em empresas que
atuam nesse ramo, na Embrapa e/ou em lojas de insumos agrícolas.
Como exemplo dessas lojas que prestam serviços aos seus clientes, citamos a Agrocity,
localizada em Paraipaba, especializada em trabalhar com produtos direcionados ao cultivo de
coco, além de atuar também na instalação de microaspersores e na perfuração de poços
profundos. A Agrocity dispõe de três técnicos agrícolas que fornecem assessoria apenas aos
produtores que são clientes da loja, realizando um trabalho permanente em seus lotes (que são
identificados com uma placa própria, destacada na foto 54) e indicando quais os adubos,
fertilizantes e agrotóxicos apropriados para cada caso específico, que são adquiridos na própria
loja. Desse modo, a Agrocity, entre outros estabelecimentos, atua fortemente na dinamização
do “consumo produtivo agrícola” (ELIAS, 2006) relacionado ao cultivo de coco e na
incorporação de novos aportes tecnológicos à sua produção.
A produção de coco tá se modernizando, mas não pra todo mundo, apenas pra
quem tem um alto poder aquisitivo. Quem é rico tem uma produção toda
mecanizada, tem irrigação com microaspersão, tem fertirrigação, tem
pulverização motorizada. Já os pequenos não têm condições de modernizar a
produção, não existe nenhum investimento para isso, falta dinheiro, falta
projetos do governo. Os grandes usam as tecnologias mais avançadas,
enquanto os pequenos continuam fazendo um trato básico.
201
Estamos tomando como critério para essa denominação apenas a variável quantidade produzida.
202
E esse processo é observado com produtores de coco por todo o Nordeste, conforme indicam Fontes et al.
(2002, p. 55), onde a produção do fruto é realizada por produtores que apresentam “uma organização incipiente,
principalmente na comercialização, derivando daí o baixo poder de barganha e vulnerabilidade às imposições dos
intermediários que retêm maior percentual da margem de lucro na comercialização [...]”.
231
que sem eles não haveria mercado”, e ainda indicou: “chega a ser até mesmo mais vantajoso
pra mim, já que eu não preciso me preocupar com a colheita e nem com a distribuição da minha
produção. Eu ganho muito mais deixando essas atividades para os atravessadores”. Foi de livre
escolha desse produtor negociar com os atravessadores, sendo até mesmo mais rentável,
situação bem diferente da observada com outros produtores.
Apesar de atuar de maneira completamente distinta, os atravessadores guardam algumas
características em comum no que tange às relações estabelecidas com os produtores e ao
processo de comercialização dos frutos. O que mais chama atenção é o fato de não existir
nenhum tipo de contrato entre atravessador e produtor. Desse modo, há uma flexibilização da
atividade que, por um lado, dota o produtor de uma maior autonomia em escolher para quem
vender seus frutos, mas que, por outro lado, torna-os mais vulneráveis já que não há nada que
assegure o recebimento do pagamento, por exemplo. Tratam-se de relações estritamente verbais
e informais, onde tudo é decidido tomando como base a confiança mútua existente entre os
agentes envolvidos.
Merece destaque ainda o período no qual são realizados os pagamentos aos produtores,
também decididos verbalmente. Grosso modo, não há uma regra que determine o período de
recebimento do pagamento, variando muito do tipo de produto que o atravessador comercializa
(coco verde ou seco) e do acordo estabelecido entre os agentes envolvidos. Na maioria das
vezes, o produtor só recebe depois que o atravessador também recebe, a partir do momento em
que ele consegue revender os frutos, já em outros casos o produtor recebe no ato da colheita do
coco ou até mesmo antes. Normalmente quem também recebe adiantado são os atravessadores
menores, que atuam nas comunidades litorâneas de Itapipoca e Amontada, recebendo dinheiro
dos atravessadores como forma de garantir o fornecimento dos frutos.
Como não há nada previamente definido, essa flexibilidade acaba se refletindo na forma
como os atravessadores chegam até os produtores. No caso do coco verde, por exemplo, e como
observado no Curu-Paraipaba, normalmente são esses atravessadores que agem visitando o
perímetro em busca de lotes propícios para a realização das colheitas. Definido esse local, os
atravessadores se dirigem aos produtores para juntos “negociarem os preços”. Se ambos
estiverem de acordo é realizada a colheita e em seguida o produtor é notificado para receber o
pagamento, que pode ser imediato ou não. Assim, é o atravessador quem dá o preço pelo coco,
faz a colheita, conta os frutos, revende e escoa a produção.
Por esse motivo, a grande maioria dos produtores não tem qualquer conhecimento do
local para onde está sendo escoada a sua produção, perdendo completamente o poder que tem
perante o circuito espacial produtivo do coco, já que seu papel passa a ser restrito e inteiramente
232
vinculado à produção agrícola em si. Pimentel e Souza Neto (2003, p. 24), em um estudo sobre
os perímetros irrigados cearenses, consideram que já é esperado que os produtores não tenham
conhecimento do destino da sua produção, “uma vez que o principal canal de comercialização
é o intermediário, que não tem interesse em prestar ao produtor essa informação, minimizando,
assim, o poder de barganha dos produtores no momento da comercialização, além de evitar
qualquer tipo de concorrência”.
É justamente no momento da “negociação dos preços” que os diferentes interesses de
produtores e atravessadores são contrapostos, já que esses últimos têm plena consciência de que
são vitais para os primeiros, na medida em que possuem poucas opções de escolha para quem
comercializar. Assim, os produtores relataram que é comum os atravessadores controlarem os
preços e pagarem um valor abaixo do que, segundo eles, “merecidamente” deveria ser pago, e
que em seguida esse mesmo coco é revendido por um preço muito acima do que foi comprado.
Desse modo, grande parte do lucro acaba ficando todo com o atravessador203.
Os atravessadores explicaram que vários são os fatores que agem influenciando o
mercado do coco, oscilando os preços dos frutos, e que por esse motivo essa “negociação” entre
produtor e atravessador é tão importante. De acordo com esses atravessadores, dentre os
principais fatores que fazem com que o preço do coco verde seja sempre inconstante estão
aqueles de ordem climática, visto que sempre que a temperatura aumenta nos principais centros
consumidores, como Fortaleza e São Paulo, há uma maior demanda por coco e os seus preços
aumentam, da mesma forma que quando chove pouco a produção cai e os preços sobem204. O
mesmo se pode dizer do coco seco, que apresenta picos de demanda, sobretudo no período da
Páscoa, quando há um maior consumo de coco ralado.
Segundo os atravessadores, tudo vai depender dessa lei da oferta e da procura e dos
fatores climáticos, como também do valor dos fretes, o que faz com que os preços do coco não
dependam exclusivamente da vontade desses agentes, tendo em vista que também atuam nesse
processo inúmeros atacadistas, distribuidores, agroindústrias, além de outros, igualmente
importantes para taxar os preços dos frutos. No entanto, a decisão final é sempre dos
atravessadores, porque no momento da comercialização eles incluem a margem de lucro que
irão receber, pouco importando se os produtores receberão um “preço justo” por seus frutos.
Ilustrando esse processo, um atravessador de Paraipaba relatou: “o atravessador sempre ganha
203
Para Lima (2005, p. 128), “toda essa situação leva a uma determinação do preço pelo atravessador visando o
maior lucro possível, ficando os produtores sem alternativa e sem condições de discutir o preço compatível com
os custos da produção”.
204
Durante um mesmo ano, o preço do coco verde pago aos produtores costuma variar de 20 centavos a R$ 1,50.
233
Um exemplo que ilustra esse depoimento foi observado em março de 2014, quando o
coco saía do coqueiral em Paraipaba cotado a R$ 1,00, e chegava a ser revendido nas praias de
Fortaleza por R$ 3,50, ou até mesmo por R$ 5,00 em determinados locais. O que chama atenção
é o fato de Paraipaba e Fortaleza estarem distantes apenas 100 quilômetros uma da outra, o que
não chega a ser suficiente para encarecer o frete, por exemplo. O que ocorre é que o preço dos
234
frutos aumenta à medida que passa por todos os intermediários que compõem esse circuito até
chegar aos consumidores. Nas fotos abaixo vemos um produtor que vendia o fruto por R$ 1,00
e o vendedor que o repassava ao consumidor final por R$ 3,50, representando “a distância
abissal existente entre o preço das mercadorias quando em poder dos produtores e ao fim do
circuito, já à disposição dos consumidores finais” (PAULINO, 2012, p. 428).
Foto 55 – Produtor de coco verde em Paraipaba/CE. Foto 56 – Vendedor de coco verde em Fortaleza/CE.
205
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.
206
Já descontados o montante pago pela água e por todos insumos, como também o valor pago aos diaristas, entre
outros custos.
235
quem é dono do coqueiral mal tem uma bicicleta”; já outro indicou: “o que se vê é o
atravessador enricando e o produtor ficando cada vez mais pobre”. “Nessa história toda quem
sai ganhando mesmo é o atravessador. Ora, em dois meses o atravessador ganha mais do que o
produtor em um ano”, relatou outro produtor.
Cientes dessa situação e em virtude das constantes reclamações por parte dos
produtores, os atravessadores passam a se recusar a ser chamados por esse nome. Em alguns
locais visitados, ser chamado de “atravessador” soava como algo pejorativo, como sinônimo de
mal pagador e aproveitador, conforme eles próprios informaram. Por essa razão, muitos deles
preferem ser chamados de “corretores de coco”. Segundo esses atravessadores, o adjetivo
“corretor” também serve para designar quem faz a intermediação entre os vendedores e
compradores. No entanto, esse é mais um nome que serve apenas para mascarar a antiga prática
de monopolização da produção e da comercialização.
Essa monopolização se dá sobretudo quando há um controle dos preços e das vias de
comercialização dos frutos. Entretanto, em Itarema notamos a existência de uma outra estratégia
utilizada pelo atravessador para controlar a produção de coco. O atravessador em questão vem,
desde 2007, fornecendo adubo orgânico para 20 produtores de coco seco, que em troca
encaminham-lhe obrigatoriamente os frutos ao final de cada colheita, além de pagar pelos
adubos em produção. “Essa foi a melhor forma encontrada de segurar o produtor, forçando ele
a nos vender a sua produção, já que não tem nenhum contrato entre a gente que faça com que
ele me venda o coco... além também de garantir o pagamento dos insumos”, relatou esse
atravessador, explicando o seu mecanismo de garantir o fornecimento dos frutos ao “segurar o
produtor” e o “forçar” a vender o coco.
Outro motivo de embate entre produtores e atravessadores é o momento da contagem
dos frutos, como observado com mais vigor no perímetro Curu-Paraipaba. Além de realizar a
colheita do coco verde, muitas vezes na ausência dos produtores, é comum os próprios
atravessadores fazerem a contagem dos frutos e somente depois notificar os produtores do total
que foi colhido. No entanto, há relatos de que os atravessadores costumam errar
propositalmente essa contagem, visando obter um lucro maior ainda, forçando os produtores a
acompanharem todo esse processo. De acordo um deles: “tem alguns atravessadores que não
gostam da presença do produtor na hora da contagem, eles pensam que a gente não confia
neles... mas é que às vezes os atravessadores costumam enrolar a gente”.
Desse modo, ao não acompanhar a colheita e a contagem dos frutos, os produtores
entram em uma relação de total dependência dos atravessadores, perdendo por completo o
controle de tudo o que é produzido e comercializado. Aqui vemos claramente o poderio do
236
207
Nesse sentido, de acordo com Locatel e Hespanhol (2002, p. 181), “diante da falta de infra-estrutura para a
comercialização [...], o capital comercial, que, em outros casos, se transforma em capital usuário torna-se, para
grande parte dos produtores, a única alternativa para a distribuição da produção no mercado”.
237
atravessadores, e sim a lógica na qual o capital comercial costuma atuar. Desse modo, os
produtores são, na verdade, reféns não só dos atravessadores, mas também desse sistema no
qual estão inseridos e de onde não há muitas possibilidades de escapar.
Nesse sentido, Paulino (2012, p. 257) consegue resumir bem a atuação dos
atravessadores, ao indicar que a sua presença efetiva na produção agrícola representa a melhor
“evidência da mediação perversa do capital comercial na produção camponesa”. Já Santos
(2008c, p. 292) aponta que o produtor rural é sempre o mais prejudicado como vendedor e como
comprador, e que a sua fraqueza diante dos intermediários, seja ela qual for, mostra que nesse
processo de compra/venda sempre alguém vai sair perdendo. E além da atuação dos
atravessadores, os produtores de coco têm que lidar ainda com a atuação das agroindústrias.
208
Como tais empresas apenas adquirem os frutos, a maioria delas não participa e nem acompanha diretamente
seus processos produtivos, diferentemente do observado com agroindústrias de outros setores, que fornecem
insumos e assistência técnica aos seus fornecedores, por exemplo, visando assegurar o fornecimento do produto.
238
aos capitalistas o domínio completo sobre o processo produtivo, do qual auferem tanto a renda,
extraída socialmente, quanto o lucro, extraído individualmente dos trabalhadores envolvidos na
produção” (PAULINO, 2012, p. 42), atuando de maneira hegemônica da produção agrícola e
subordinando os produtores rurais às suas necessidades.
O caso da Ducoco ilustra muito bem esse processo. Além de ser a maior e mais
importante agroindústria do coco instalada no Ceará, essa empresa é também a que mais adquire
frutos via produtores e atravessadores, já que 100% do coco verde por ela processado advém
de diversos fornecedores209, como informou o seu gerente de compras de matéria-prima.
Diferentemente das outras empresas do setor, a Ducoco atua somente com fornecedores fixos,
tanto produtores quanto atravessadores, com quem são firmados “termos de responsabilidade”
anuais de fornecimento de coco verde, em quantidades que podem variar de acordo com suas
demandas e com o próprio comportamento do mercado.
Em 2014, a Ducoco atuava com 130 fornecedores ativos, localizados sobretudo no
Ceará. Ainda segundo o gerente de compras de matéria-prima da empresa, em 2013, 95% dos
frutos foram originados de municípios cearenses210, sendo 46% de Pentecoste, 33% de
Paraipaba, 6% de Acaraú, 5% de Paracuru e os outros 10% de Trairi, Apuiarés, Itarema, São
Luís do Curu, Amontada, Uruburetama e Varjota. A empresa acaba privilegiando fornecedores
do Ceará devido à proximidade com os principais polos produtores, o que contribui para a
redução do frete; somente quando o preço do coco está muito alto no mercado estadual é que a
Ducoco dá preferência aos fornecedores externos.
A Ducoco sempre adquiriu seus frutos via atravessadores, que contribuem para fazer a
intermediação entre pequenos e médios produtores e a empresa. Um dos responsáveis por
organizar a produção advinda dos atravessadores justificou a existência desses profissionais
alegando que eles “são um mal necessário, já que possuem o caminhão e têm a função de reunir
o coco de vários produtores. Por esse motivo, o pequeno produtor não seria nada sem o
atravessador... já que a produção de apenas um desses produtores não é o suficiente para
completar uma carrada [um carregamento completo]”. Esses atravessadores são fornecedores
fixos, porém não exclusivos da Ducoco, e têm a obrigação de lhe fornecer coco apenas quando
são solicitados, que pode ser semanalmente ou a cada mês/trimestre.
Desse modo, quem mais fornecem coco para a Ducoco são os pequenos e médios
produtores, por intermédio direto dos atravessadores, conforme relatou o diretor de compras da
209
Já no caso do coco seco, todos os frutos processados pela Ducoco advêm atualmente de suas próprias fazendas.
210
O restante (5%) foi advindo de municípios de outros cinco Estados nordestinos: Souza (PB), Petrolina (PE),
Juazeiro (BA), Parnaíba (PI) e Touros (RN).
239
empresa. Segundo ele: “hoje aproximadamente 70% do coco verde processado pela Ducoco
vem dos pequenos produtores, que chega até nós através dos atravessadores. Não seria um
exagero afirmar que é o pequeno produtor que mantém a Ducoco”. Assim, fica evidente que a
segunda maior agroindústria do coco do país é altamente dependente dos pequenos produtores
para continuar existindo. Isso corrobora a tese de Oliveira (2001, 2007) de que os pequenos
produtores são indispensáveis para a reprodução do grande capital211, e que por isso mesmo não
desaparecerão, na medida em que esses pequenos produtores representam uma condição para a
existência de grandes empresas agrícolas e agroindustriais.
Ainda de acordo com o diretor entrevistado: “a empresa tem consciência disso; é tanto
que a nossa política é privilegiar o pequeno produtor, fazendo com que ele fique menos
dependente da atuação dos atravessadores”. Entretanto, não foi isso que ouvimos dos pequenos
produtores entrevistados, que relataram que a Ducoco não tem interesse algum em negociar
diretamente com eles, haja vista que faz uma série de exigências as quais eles não têm condições
de atender. Diferentemente dos grandes produtores que fornecem para a Ducoco, que podem
arcar com os custos do frete e podem atender as exigências no que tange sobretudo às práticas
agrícolas. Outro fator limitante é que a empresa paga apenas pela quantidade de água do coco,
e não pelo fruto, o que pode reduzir os lucros dos produtores.
Os grandes produtores que agem fornecendo coco verde para a Ducoco são obrigados a
seguir o guia de “Boas Práticas Agrícolas”, criado pela empresa com o intuito de ter um maior
controle do processo produtivo dos frutos, o que não é exigido quando a produção é adquirida
via atravessadores. Desse modo, para se tornar um fornecedor fixo da Ducoco, os produtores
têm que seguir uma série de recomendações, listadas em um documento chamado de “Cartilha
de fornecedor de coco verde”, à qual obtivemos acesso, além de responderem um “Questionário
de avaliação”, que serve para avaliar se o produtor está apto ou não a ser tornar um fornecedor
da empresa. Destaca-se que os atravessadores também são obrigados a seguir algumas
“recomendações” caso se tornem fornecedores da Ducoco.
Dentre as recomendações indicadas na “Cartilha de fornecedor de coco verde” estão:
usar somente defensivos químicos permitidos para o cultivo de coco; aplicar os defensivos
atendendo a todas as normas de segurança recomendadas; colher o coco somente 30 dias após
a aplicação dos agrotóxicos; encaminhar o coco para a empresa fora do cacho e completamente
limpo. No “Questionário” estão pontos referentes às seguintes normas, entre outras: realização
de tratos pós-colheita nos frutos; utilização correta dos agrotóxicos; realização de tratos
211
Como também demonstram Marshall, Mesclier e Chaleard (2012) e Paulino (2012), entre outros pesquisadores
que se dedicam ao estudo da relação entre agricultores e agroindústrias.
240
212
Durante esse período o valor pago pelo coco é sempre o mesmo, decidido previamente, pouco importando o
comportamento do mercado e o período do ano.
241
Até mesmo aos atravessadores a Paragro impõe algumas exigências, como garantias da
qualidade da água e da aparência externa dos frutos, sendo comum relatos desses profissionais
que chegaram a perder carradas de coco verde porque os frutos não se enquadravam nas normas
impostas pela empresa. Além disso, a forma de atuação da Paragro é motivo de
descontentamento também entre os produtores inseridos no perímetro irrigado Curu-Paraipaba,
já que, devido à grande disponibilidade de matéria-prima, essa empresa sempre paga um valor
muito baixo pelos frutos, abaixo do valor de mercado, não sendo economicamente viável a
negociação com a empresa nem mesmo para os atravessadores.
Já no caso da Adel, que adquire tanto coco verde quanto coco seco, 20% dos frutos
advém de atravessadores e os outros 80% de produtores, localizados sobretudo em Trairi,
Paraipaba e Itarema, além dos produzidos em suas próprias fazendas, como informou o diretor
da empresa, indicando também que, apesar de preferir negociar diretamente com os produtores,
isso se torna muito difícil devido à pequena quantidade produzida por cada um deles e as
dificuldades enfrentadas para realizarem a entrega dos frutos. Outra limitação indicada por esse
diretor diz respeito ao que se costuma chamar de “leilão do coco”, que é quando há uma redução
na produção levando a uma menor quantidade de frutos no mercado, o que faz com que os
atravessadores e produtores subam os preços do coco213.
Entrevistamos um produtor e um atravessador que fornecem coco seco para a Adel,
localizados em Trairi, que informaram que na maioria das vezes não chega a ser vantajoso
comercializar com essa empresa, “já que ela sempre paga um preço muito abaixo do valor de
mercado”, devido à grande oferta de matéria-prima e de fornecedores interessados em revendê-
la, sendo melhor vender esse coco para São Paulo, por exemplo. Produtores e atravessadores
apontaram ainda que em períodos de pico de produção de coco seco a Adel, além de pagar
pouco, costuma exigir que o peso do coco passe, obrigatoriamente, das 400 gramas, e que ela
costuma devolver os frutos que não se enquadrem nessas características, gerando um grande
prejuízo tanto para quem produz como para quem revende.
A Edcoco, por sua vez, que trabalha somente com coco verde, compra a maior parte dos
frutos diretamente dos próprios produtores, sendo somente 10% adquirido via atravessadores,
como relatou um de seus diretores. Um ponto que conta a favor da Edcoco é que ela está
instalada dentro do perímetro irrigado Baixo Acaraú, que possui majoritariamente médios e
grandes produtores, e que portando retiram uma produção mensal significativa, tanto que essa
empresa compra coco somente de produtores desse perímetro. Além disso, a Edcoco possui seis
213
Sobretudo por essa razão a Adel e a Paragro resolveram investir na produção agrícola de seus frutos, reduzindo
a participação dos atravessadores e produtores no fornecimento da matéria-prima.
242
fornecedores fixos, que toda semana lhe vendem seus frutos. Um dos produtores que fornecem
coco para essa empresa assegurou que o principal diferencial é mesmo a questão da localização,
pois o frete fica muito barato.
Ainda no Baixo Acaraú, outro fato merece destaque. Nos foi informado que a PepsiCo
estava começando a instalar um sistema de “parceria” com os produtores aí instalados. Segundo
consta, a PepsiCo só trabalha com “pequenos produtores fidelizados”, localizados em
perímetros irrigados de Petrolina, que são aqueles para os quais essa empresa fornece insumos
e assistência técnica e financeira e que devem pagar por esses serviços em coco verde, para que
se tornem fornecedores fixos e exclusivos de tal empresa. Em virtude do grande potencial de
expansão do cultivo de coco no Baixo Acaraú, a PepsiCo viu aí uma enorme possibilidade de
aumentar a quantidade de “produtores fidelizados”, além dos 300 com os quais atua em
perímetros irrigados do vale do São Francisco.
De um modo geral, percebemos que os grandes produtores que negociam diretamente
com essas empresas, além das outras existentes, possuem uma autonomia que nem de longe é
observada entre os pequenos e médios produtores. Eles são “livres” para negociar com as
agroindústrias e para eliminar a intermediação dos atravessadores, fornecendo ora seus frutos
para a Itcoco e a Monteiro, no caso do coco seco, ora para a Ducoco e a Edcoco, no caso do
coco verde, ora ainda para a Dikoko e a Adel, que adquirem os dois frutos. A Ducoco é a única
das empresas que firma uma espécie de “contrato” com os produtores. Entretanto, o que pode
ser vantajoso para os grandes produtores nem sempre o é para os demais.
Assim, muitos são os produtores que preferem vender seus frutos via atravessadores e
não diretamente para as empresas, como foi relatado durante as entrevistas. Todos esses
produtores foram unânimes em afirmar que as agroindústrias sempre pagam menos do que os
atravessadores, apesar de os frutos serem os mesmos. As empresas chegam a fazer também um
controle inegociável dos preços, “já que elas são o próprio mercado”, conforme assegurou o
diretor da Ducoco, deixando seus fornecedores sem muita escolha. Por esse motivo, de acordo
com um produtor de Paraipaba:
É muito melhor vender para o atravessador do que para as fábricas. Mesmo
com os atravessadores querendo ganhar o deles, com as fábricas é muito pior,
elas não pensam nos produtores, só o lucro importa. As fábricas querem pagar
o mesmo valor pelo coco durante todo o ano; e essa prática de segurar os
preços e de segurar também os produtores não é vantajosa, já que sempre
quem vai sair ganhando são elas.
Desse modo, fica evidente que a prática de “segurar os preços e segurar os produtores”
é recorrente entre as agroindústrias do coco, que, assim como os atravessadores, também
determinam quanto estão dispostas a pagar pelos frutos. Em virtude disso, a renda auferida
243
pelos produtores vai depender muito das necessidades dessas empresas, deixando-os
completamente à mercê de suas demandas, reproduzidas por intermédio dos atravessadores.
Assim, as agroindústrias se somam aos atravessadores na monopolização da produção e da
comercialização do fruto, indicando uma imbricação entre capitais industrial e comercial e
especialmente uma menor autonomia dos produtores do fruto.
Ainda analisando a tabela anterior, outro aspecto que chama atenção é a quase
inexistente atuação das cooperativas e a inexpressiva quantidade de frutos vendidos diretamente
aos consumidores, como em feiras e em mercados, o que deixa os produtores do fruto mais
vulneráveis. Isso indica a falta de articulação entre esses produtores e também a ausência de
uma ação mais eficiente do poder público no intuito de intermediar essa relação e de regular
esse mercado. Desse modo, nota-se ainda que a dependência dos produtores é ampliada devido
à ausência de cooperativas214, que poderiam funcionar como uma alternativa para a
comercialização dos frutos215.
Desse modo, analisando esses dados, a dupla monopolização da produção e da
comercialização de coco pelo capital comercial e industrial fica ainda mais evidente, reforçando
o que os produtores já haviam relatado. A esse respeito, e de acordo com Oliveira (2010, p. 47-
48), “a prática de subjugar os produtores, através do controle da comercialização dos produtos,
tem sido a esfera particular de atuação do capital comercial que, em alguns casos, tem evoluído
para atuação também industrial”. Ainda segundo o autor, essa foi a melhor maneira encontrada
pelo capital para sujeitar a agricultura aos seus ditames. Além disso, “estabelecendo o
monopólio na circulação, o capital subjuga, de um lado, grandes e pequenos agricultores e, de
outro, os consumidores, com seus preços monopolistas” (OLIVEIRA, 2010, p. 23).
Também de acordo com Oliveira (2001, 2010), estaríamos, assim, diante de dois
mecanismos de monopólio do capital: de um lado as agroindústrias monopolizando a produção,
e de outro os atravessadores monopolizando a comercialização e a circulação. Entretanto, no
214
Havia duas cooperativas que comercializavam coco nos municípios visitados, uma em Trairi e outra em
Paraipaba, mas ambas estavam desativadas há vários anos, devido sobretudo a problemas relacionados à gestão
dessas cooperativas e de constantes desentendimentos entre os seus diretores e os cooperados.
215
Nesse sentido, segundo Pimentel e Souza Neto (2003, p. 23), “em razão de não existir uma associação de
produtores [de coco], o preço praticado é sempre inferior ao que poderia ser obtido se os produtores tivessem poder
de barganha”.
245
caso do coco, e de uma série de outros produtos agrícolas, essa dupla monopolização se dá
concomitantemente, já que ao controlar a comercialização os atravessadores e as agroindústrias
controlam também a produção, direta e/ou indiretamente. A partir do momento em que esses
agentes determinam como e quando querem adquirir os frutos cultivados pelos produtores, há
um controle do que é produzido, já que essas são decisões não lhes cabem.
Oliveira (2010, p. 21) acrescenta também que “no atual estágio de expansão capitalista
no Brasil, o que assistimos é o predomínio, quase completo, do capital industrial ou comercial
atuando na circulação e sujeitando a renda da terra produzida na agricultura”. Assim,
atravessadores e agroindústrias atuam fortemente na sujeição da renda da terra ao capital,
apropriando-se de grande parte da renda advinda do cultivo de coco e que deveria ser auferida
por seus produtores. Locatel e Hespanhol (2002, p. 176-177) explicam esse processo
assegurando que “o simples desenvolvimento de uma atividade agrícola, por mais vantajosa
que ela seja, não garante ao agricultor se apropriar de toda a renda da terra gerada por essa
atividade”.
Isso se dá porque, ainda segundo os autores, “no processo de circulação da mercadoria,
ocorre a mediação entre as diversas unidades e segmentos de produção, havendo uma
concorrência pelo controle de parte da renda que acaba sendo apropriada por outros agentes”
(LOCATEL; HESPANHOL, 2002, p. 152)216. Para Oliveira (2007, p. 12), essa sujeição da
renda da terra ao capital representa o mecanismo básico de expansão do capital no campo,
deixando os produtores, camponeses ou não, a mercê de suas vontades, como já bem indicava
Martins (1995, p. 177). Oliveira (2007) destaca ainda que a renda da terra da qual estamos
falando, também chamada de renda territorial ou renda fundiária, trata-se do lucro
extraordinário permanente, ou seja, um produto do trabalho excedente, devendo ser entendida
como uma fração da mais-valia.
De acordo com Martins (1995), essa sujeição da renda da terra ao capital se dá quando
o produtor continua proprietário da terra e dos meios de produção, entretanto grande parte da
renda que lhe cabia é auferida por outros agentes, sobretudo no momento da comercialização
da sua produção, seja pelos atravessadores seja pelas agroindústrias. Desse modo, “(...) o capital
não se torna proprietário da terra, mas cria as condições para extrair o excedente econômico, ou
seja, especificamente renda onde ela aparentemente não existe” (MARTINS, 1995, p. 175).
216
Destaca-se que os mecanismos de apropriação da renda de terra pelo capital se dão de inúmeras outras formas,
“(...) como na intermediação do capital comercial, na ação do capital financeiro, no mecanismo de preços
estabelecidos pelas indústrias de insumos e máquinas, enfim, são diversas as situações em que essa transferência
ocorre” (PAULINO, 2012, p. 122).
246
Caso o representante desse capital também fosse o proprietário da terra, estaríamos diante de
um outro processo, o de sujeição do trabalho ao capital, conforme acrescenta o citado autor.
Martins (1995, p. 176) assevera também que “é um fato claro que toda a renda
diferencial tem sido sistematicamente apropriada pelo capital no momento da circulação da
mercadoria de origem agrícola”. Essa renda diferencial só existe quando a terra é posta para
produzir, e pode derivar tanto da fertilidade natural dos solos e da localização das terras como
dos investimentos feitos para melhorar essa fertilidade, conforme aponta Oliveira (2007). Para
Locatel e Hespanhol (2002, 157), esse mecanismo criado pelo capital comercial em associação
ao capital industrial para “para dominar e determinar as relações estabelecidas entre o setor
agrícola e o urbano-industrial” indica especialmente uma forma de territorialização do capital
no campo, como observamos com a produção de coco.
Por tudo isso, podemos afirmar que estamos diante de uma nova produção, mas que vem
acompanhada da velha subordinação, na qual está alicerçada essa conservadora reestruturação
produtiva que acomete o setor do coco, onde notamos que mudaram as práticas produtivas, mas
que os canais de comercialização continuaram os mesmos. Assim, mudaram as formas de
produzir e permaneceram as de comercializar, fazendo com que os novos produtores de coco já
nasçam subordinados ao mercado e tenham sua produção monopolizada por alguns poucos
agentes que detêm o controle do setor. Aliás, essa é uma prática recorrente que acompanha o
desenrolar da reestruturação produtiva da agricultura nacional, conforme demonstra o estudo
de Pinheiro (2014), entre outros, atestando que esse processo é inerente e só se efetiva com a
sujeição da renda da terra ao capital.
Desse modo, fica claro que o verdadeiro “inimigo” dos produtores não é,
necessariamente, o atravessador, como se costuma acreditar, e sim todo o mercado, que não é
favorável a dotar esses produtores de uma maior liberdade no momento da produção e da
comercialização de seus frutos. Por esse motivo, acreditamos que uma tomada de autonomia se
faz necessária não só para garantir a continuidade da produção de coco, mas também para
garantir a sobrevivência de seus produtores. Nesse sentido, de nada adiantam a modernização
da produção de coco e a reestruturação do setor se os produtores do fruto continuam sem poder
decidir o que, para quem e como vão revender o que está sendo produzido.
217
Acerca da concentrada estrutura fundiária cearense, ver Alencar (2005) e Oliveira (2005).
248
esse produto. O diferencial dessas fazendas é que elas já nascem assentadas no latifúndio,
contribuindo para acirrar o quadro de concentração fundiária, de compra e venda de terras e de
disputas por elas.
Durante os trabalhos de campo, visitamos e/ou entrevistamos representantes de 12
dessas fazendas, o que nos possibilitou compreender melhor além da estrutura produtiva desses
estabelecimentos, a sua estrutura fundiária. Foram reveladas as estratégias dos latifundiários
para se inserirem no rentável negócio do coco, que se faz a partir de pesados investimentos em
inovações e novas práticas agronômicas, como também na aquisição de terras, de preferência
com um solo naturalmente fortalecido e com grande disponibilidade hídrica, como é o caso de
praticamente todas as fazendas visitadas. Dentre essas fazendas, muitas das quais funcionando
como empresa agrícola, sobressaem-se a Bom, a Iolla e a Campestre.
A Fazenda Bom, localizada em Trairi, é a maior fazenda contínua de produção de coco
do Ceará e a sua história é digna de nota. Segundo informou seu administrador218, responsável
por gerir todas as atividades da fazenda, a Bom surgiu em 1976 por iniciativa de um grupo
espanhol que resolveu investir no ramo da produção de frutas no Brasil e que desde esse período
passou a cultivar coco, graviola, melão, tomate e mamão, sobretudo. De acordo com um
pequeno produtor que mora ao lado da Fazenda Bom, entre as táticas encontradas pelos
espanhóis para comprar essas terras estavam a grilagem, a expropriação de antigos moradores
e o pagamento irrisório pelas terras.
A Fazenda Bom possui ao todo 2.800 hectares, segundo informações obtidas, divididos
em áreas produtivas (700 ha) e áreas de dunas, lagoas, preservação ambiental e quase 5
quilômetros de praia particular, como podemos ver na imagem 18, a seguir. A propriedade
possui ainda quatro açudes próprios, uma unidade de beneficiamento de água de coco,
atualmente desativada, além de depósitos, armazéns e casas de antigos moradores. Devido ao
seu grande tamanho, que vai muito além da média dos estabelecimentos que produzem coco no
Brasil, a Bom costuma realizar outras atividades nessa área além do cultivo do fruto com o
objetivo de auferir uma renda fundiária ainda maior, a exemplo da locação da praia e das dunas,
como aconteceu em 2009 quando o programa No Limite (da TV Globo) foi aí realizado.
218
Entrevistado em novembro de 2011 e em abril de 2014, na sede da fazenda, em Trairi.
249
foram demitidos e esses que nunca vão ganhar nada mesmo, como é o meu caso... passei 30
anos trabalhando como diarista lá e saí com as mãos abanando”.
Atualmente dependendo apenas da venda do coco seco que amadurece nos coqueiros
sem manutenção, a Fazenda Bom investe em dois projetos para reativar a empresa e a produção,
como relatou seu administrador. Um dos projetos consiste em um investimento para revitalizar
os coqueiros e reiniciar a produção de coco verde, além da reativação da fábrica de água de
coco, prevista para começar a funcionar até 2018. Além desses investimentos no setor do coco,
um outro projeto fundamenta-se na geração de energia eólica dentro das terras da Fazenda, com
a construção de um parque com 70 torres, e depende apenas da liberação dos empréstimos para
ser iniciado, o que deve ocorrer até o final de 2015.
Com esses dois projetos, a Bom, além de produtora de coco, vai atuar gerando e
vendendo energia eólica, atividade em larga expansão em Trairi e em todo o litoral cearense, e
vai também arrendar parte de suas terras para a alocação de outra empresa eólica. Inclusive,
nesse município, conforme foi relatado e como pudemos notar, muitas são as fazendas de coco
que estão sendo arrendadas para a alocação de grandes empreendimentos de energia eólica. Isso
demonstra que também a produção de coco pode estar associada a outros empreendimentos,
baseados em atividades não propriamente agrícolas, mas intimamente relacionadas a negócios
fundiários, associados a compra, venda e arrendamento de terras.
219
Entrevistado em abril de 2014, no escritório da empresa, em Trairi.
252
Desde de 2010 a Iolla enfrenta uma grave crise, deflagrada especialmente devido a
vultuosos empréstimos realizados junto ao BNB e ao BNDES, que não foram pagos, assim
como observado na Fazenda Bom. Em razão disso, a produção de coco foi paralisada e entrou
em decadência, e atualmente a Iolla produz apenas coco seco, revendido para a Adel e para
atravessadores de Trairi. Em seu pico de produtividade, a empresa chegava a produzir um
milhão de frutos por mês, e hoje não produz mais do que 50 mil. Também antes havia 140
trabalhadores na Iolla, e hoje são apenas 17. Para sair dessa crise, o proprietário da empresa
passou a se dedicar a dois projetos distintos.
Um dos projetos consiste na revitalização da produção de coco, completamente
fragilizada, mas que pode ser reestabelecida com maiores investimentos. O proprietário da Iolla
havia arrendado, em 2013, todas as fazendas com coqueiros para um grupo de São Paulo, que
possui pontos de venda de coco na Ceagesp. Esse grupo vem se encarregando de resgatar a
produção, com a utilização de modernos implementos e com o auxílio de técnicos
especializados no seu cultivo. Depois de finalizado esse processo, o grupo paulista vai se tornar
proprietário dos coqueiros e também de todos os frutos, que serão vendidos diretamente na
Ceagesp, e ficarão pagando apenas a renda fundiária ao dono das terras. Além disso, ainda está
em discussão a instalação de uma fábrica de extração de água de coco, que será destinada a
abastecer as grandes empresas que atuam no setor, localizadas no litoral oeste cearense.
O outro projeto empreendido pela Iolla, não para resgatar a produção de coco, mas para
garantir o retorno de seus investimentos na aquisição de terras, trata-se de dois distintos
negócios fundiários: um deles consiste na desativação da fazenda cultivada com graviola, que
soma 174 hectares, que serão transformados em um “loteamento urbano”, e o outro consiste no
arrendamento de duas fazendas, que somam 637 hectares, para empresas de geração de energia
eólica, exatamente como ocorreu na Fazenda Bom. Com isso, ainda restarão 380 hectares de
área com mata nativa à disposição para empreendimentos futuros. Assim, percebe-se que os
grandes produtores de coco, e que por coincidência também são estrangeiros, sempre associam
o cultivo do fruto a rentáveis negócios fundiários.
Diferentemente dessas duas grandes empresas, que passam por crises, a Fazenda
Campestre, em Itarema, vê sua área produtiva com coco crescer a cada ano220. O proprietário
dessa fazenda221, que inclusive é o atual prefeito do município, informou que cultiva coco
gigante desde meados de 1970, passando a investir também no cultivo de coqueiro anão e
220
Essa fazenda já foi objeto de um estudo realizado por Sant’ana (2011), onde a autora demonstra as formas como
o coco é aí cultivado.
221
Entrevistado em novembro de 2012 e em abril de 2014, em Itarema.
253
híbrido a partir dos anos 1990, e que hoje já possui 100 mil árvores plantadas em suas sete
fazendas, o que dá uma produção média de 2 milhões e meio de frutos por ano. Esse conjunto
de fazendas, todas elas localizadas nos arredores da zona urbana de Itarema (foto 59), ocupa
uma área total de aproximadamente 1.200 hectares, onde, além de coco, são cultivados
mandioca, cana-de-açúcar e capim e criados ovinos e bovinos entre as linhas dos coqueiros.
Está nos planos desse produtor continuar adquirindo terras: “enquanto estiver vivo, vou
estar comprando fazenda e plantando coco”. O “rei do coco”, como é conhecido esse produtor,
tem uma forma particular de demarcar seu território e de identificar as suas propriedades,
possuindo um portão azul que lhe serve como uma “marca própria” e que indica quais são suas
fazendas, como vemos na foto 60. Além de ser o maior produtor individual de coco em Itarema,
o proprietário da Campestre e toda sua família também participam ativamente da vida política
do município, uma vez que tanto ele quanto seus irmãos, primos e sobrinhos já ocuparam (ou
ocupam) cargos no legislativo e no executivo municipal, transformando a associação entre
política e produção de coco em um negócio promissor.
Aliás, essa associação entre políticos e produção de coco foi algo constantemente
mencionado durante as entrevistas realizadas em quase todos os municípios, sendo mais
evidente em Itarema. A família Monteiro, proprietária da Fazenda Campestre e da Monteiro
Coco, é por excelência uma família de políticos e, coincidentemente ou não, possui algumas
das maiores fazendas de coco em Itarema (de posse do atual prefeito) e até mesmo no município
vizinho de Acaraú (de posse do ex-prefeito itaremense). Além desses políticos, dois ex-prefeitos
de Itarema, pertencentes à família Rios, também possuem diversas fazendas de coco no
município. Já em Amontada, quem possui grandes fazendas cultivadas com esse fruto é um
deputado federal e um ex-prefeito, como relatado nas entrevistas.
Foto 59 – Coqueiral de uma das propriedades Foto 60 – Portão de entrada de uma das propriedades
da Fazenda Campestre, em Itarema/CE. da Fazenda Campestre, em Itarema/CE.
Fora essas três fazendas, dentre as outras que visitamos, destacamos as seguintes:
Cacimbão (Paraipaba), com 85 hectares cultivados com coqueiro anão, instalada por volta dos
anos 2000 e de posse de um atacadista que atua vendendo frutas na CEASA; São Francisco
(Paraipaba), com 75 hectares cultivados com 12 mil coqueiros anões, instalada em 1999 e de
propriedade de empresários do ramo da construção civil de Fortaleza; Nalplius (Acaraú), com
74 hectares cultivados com 10 mil coqueiros anões, instalada em 1998 e de posse de um
comerciante de Fortaleza; Araújo (Acaraú), com 650 hectares, sendo 100 plantados com 15 mil
coqueiros híbridos e anões, instalada em 1995 e de posse de um comerciante local; Chapadão
(Trairi), com 76 hectares, sendo 40 plantados com 20 mil coqueiros anões, de posse de um
empresário de Portugal; Barroso (Itapipoca), com 150 hectares, sendo 30 cultivados com 15 mil
coqueiros anões e híbridos, de propriedade de um comerciante local.
O que chama atenção nessas seis fazendas é o fato de elas terem surgido apenas nas
últimas duas décadas, coincidindo com a expansão da produção e do consumo de coco verde
no Brasil, e de todas cultivarem praticamente coqueiro anão e/ou híbrido. Além disso, nota-se
que os proprietários dessas grandes fazendas não eram, inicialmente, agricultores, e sim
comerciantes e empresários que resolveram investir no promissor negócio do coco. Outro
destaque que deve ser feito, conforme foi relatado durante as entrevistas, é que os proprietários
de tais fazendas só as fundaram a partir de importantes empréstimos adquiridos em bancos
federais222, como o BB e BNDES, mas sobretudo o BNB, que possui uma linha de crédito
exclusiva para grandes produtores rurais, o FNE223.
Além dessas fazendas e empresas agrícolas citadas, temos também as empresas
agrícola-industriais, que igualmente contribuem para acirrar o quadro fundiário do Ceará em
virtude da expansão da produção de coco. Como apresentado no último capítulo, todas as
principais agroindústrias que atuam no processamento industrial desse fruto em território
cearense também agem produzindo coco, muitas delas há pouquíssimos anos. A Adel já possui
440 hectares cultivados com coqueiros, a Paragro aproximadamente 400, a Dicoco por volta de
200, e a Edcoco 80. E está nos planos de todas essas empresas expandirem suas áreas produtivas
com coco verde, como nos foi relatado. Há também a Cohibra, que possui três fazendas,
totalizando 1.500 hectares, sendo 860 cultivados com coqueiros, além de um lote agrícola com
produção de mudas no perímetro Curu-Paraipaba.
222
Desse modo, observa-se que a atuação do Estado na reestruturação produtiva do setor do coco pode ser maior
do que prevíamos, uma vez que essas fazendas só conseguem se expandir, na maioria das vezes, a partir do
financiamento do Governo Federal, via concessão de empréstimos através de bancos estatais.
223
Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste.
255
Entretanto, a área cultivada de todas essas empresas juntas não consegue superar a da
Ducoco, que possui 4.000 hectares cultivados com aproximadamente 300 mil coqueiros em três
municípios, tornando-se a maior proprietária de terras plantadas com coco do Ceará. As
fazendas da Ducoco juntas somam 10 mil hectares, muitos dos quais ocupados por áreas de
matas que funcionam como reserva de valor para futuros investimentos. E essa grande
quantidade de terras veio sendo adquirida aos poucos, através da aquisição de terras com antigos
proprietários, a exemplo dos ex-governadores Adauto Bezerra e Tasso Jereissati.
Esses 10 mil hectares de posse da Ducoco estão distribuídos em sete fazendas, cujas
áreas ultrapassam até mesmo os recortes dos municípios onde estão instaladas (Itarema,
Itapipoca e Camocim), estendendo-se também para Amontada e Acaraú. Não nos foram
divulgados os tamanhos exatos de cada uma dessas fazendas e nem onde todas elas se localizam,
mas basta ir aos referidos municípios que rapidamente é possível avistar algumas delas, a
exemplo da indicada na imagem 20, abaixo. Essa era a fazenda que pertencia a Tasso Jereissati,
propriedade que destoa na paisagem devido à grande quantidade de coqueiros plantados,
estando localizada em uma região de grande concentração de assentamentos (a exemplo do
Assentamento Maceió, apresentado no capítulo 3) e de comunidades formadas por pequenos
produtores, inclusive de coco. Já nas imagens seguintes (21 e 22), podemos ter uma noção da
área ocupada por algumas outras fazendas da Ducoco.
Imagem 20 – Dimensão da propriedade ocupada por uma das fazendas da Ducoco em Itapipoca/CE.
Os dados obtidos com esse nosso levantamento, realizado em 2014 em apenas seis
municípios, ultrapassam até mesmo os dados divulgados pelo Censo Agropecuário de 2006
para todo o Ceará. Como visto no capítulo 3, nesse período a área total ocupada com a produção
de coco em território cearense chegava a 12 mil hectares, e a área total cultivada com coqueiros
por estabelecimentos de mais de 100 hectares chegava apenas a 2 mil hectares, quantidades
essas bastante diferentes da realidade atual. Isso indica que no próximo Censo é provável que
a área ocupada por esses estabelecimentos apresente um crescimento considerável,
comprovando a ampliação da concentração fundiária devido à difusão do agronegócio do coco,
impulsionado por essas grandes fazendas e empresas.
Associada a isso está também a instalação de grandes empresas multinacionais no Ceará,
que passaram a se dedicar ao cultivo do fruto, contribuindo para agravar ainda mais o quadro
fundiário relacionado à sua produção. Dentre essas empresas, que há pouquíssimo tempo
passaram a produzir coco, estão a Del Monte, a Meri Pobo e, especialmente, a Unique, que
enxergaram nesse fruto uma possibilidade de ampliar seus rendimentos, explorando todas as
vantagens (fiscais e estruturais) oferecidas pelos governos estadual e federal na ânsia de atrair
cada vez mais investidores externos.
A Del Monte, dos Estados Unidos, é hoje uma das maiores empresas do setor de frutas
de todo o mundo e possui por volta de 3 mil hectares cultivados com melão e banana em áreas
que vão do Ceará ao Rio Grande do Norte224. Desde 2013 essa empresa está produzindo coco
em suas fazendas em Limoeiro do Norte, no Vale do Jaguaribe, em uma área que já soma 300
hectares, anteriormente destinada ao cultivo de banana225. De acordo com o presidente da
Cohibra, que é quem vem assessorando o empreendimento, a meta da Del Monte é cultivar de
500 a 1.000 hectares com coco nessa região, visando produzir coco verde para atender as
necessidades de empresas de água de coco envasada, nacionais e internacionais.
Já a Meri Pobo, da Áustria, chegou ao Brasil em 2013 e já está com 70 hectares plantados
com coco no perímetro irrigado Tabuleiro de Russas, também no Vale do Jaguaribe, além de
plantios de milho, goiaba e acerola, em uma área total que chega a mil hectares. De acordo com
o presidente da Cohibra, que é quem também está assessorando essa empresa, a meta da Meri
Pobo é adquirir de 10 a 30 mil hectares em todo o país, cultivando-os de acordo com as
potencialidades naturais do local onde suas fazendas serão instaladas. A atuação dessas duas
empresas no Vale do Jaguaribe passa a instigar outras empresas e produtores que começarem a
224
Essa empresa já foi objeto de pesquisa de alguns geógrafos, a exemplo de Freitas (2010) e Albano (2011).
225
Fonte: http://goo.gl/8uXphr, Tribuna do Norte – “Del Monte vai demitir 6,2 mil trabalhadores”, matéria do dia
18/03/14 e acessada em 05/04/14.
258
investir também no cultivo de coco, contribuindo para impulsionar ainda mais a produção do
fruto nessa região, que já se destaca como uma grande produtora de melão, mamão e banana.
A Unique, da Inglaterra, por seu turno, chegou ao Brasil em 2012 e se instalou em Trairi,
dedicando-se exclusivamente ao cultivo de coco. Segundo informações prestadas por uma de
suas secretárias226, a Unique faz parte de um grande conglomerado de empresas que atua no
mercado financeiro e em negócios imobiliários, chamado de Liquid Investiments, fundado em
2006. A Liquid é de uma empresa de investimentos, que movimenta capital para setores que
acredita que podem ser altamente rentáveis e que apresentem pouquíssimos riscos227, e que por
esse motivo resolveu investir também no ramo agropecuário, optando por cultivar coco em
território brasileiro e tendo a Unique como a empresa responsável por representar esse
investimento228. A Liquid/Unique possui o escritório central em Londres, um escritório
secundário em Fortaleza e um escritório de apoio em Trairi, bem como suas fazendas.
De acordo com os sócios ingleses que fundaram a Unique229, a grande procura pela água
de coco em inúmeros países pelo mundo os motivou a investir no negócio do fruto e a adquirir
terras em locais com relevante potencial produtivo, como o que foi encontrado no Ceará. Ainda
segundo esses sócios, o município de Trairi foi escolhido por apresentar uma “indústria
agrícola” do coco em expansão, um clima ideal para esse cultivo, uma ampla oferta de água em
todos os períodos do ano, uma relativa segurança na produção e um importante conhecimento
local no cultivo do fruto. No Brasil, a Unique se aliou à maior referência nacional no cultivo de
coco com as tecnologias das mais modernas, a Cohibra (foto 61), que é quem gere a produção
da empresa, prestando assistência técnica em suas fazendas e lhes revendendo mudas de
coqueiro anão e híbrido.
Em 2012 foi adquirida a primeira fazenda da Unique em Trairi, com uma área total de
400 hectares, com coqueiros já produzindo e de propriedade de um produtor espanhol. Em
seguida, a empresa comprou mais 230 hectares e logo depois mais 670, ambas de propriedade
da Iolla, como informou o seu dono. Dessa forma, a Unique está atualmente com 1.200 hectares
em Trairi, nem todos cultivados com coqueiros em idade produtiva (foto 62). De acordo com o
presidente da Cohibra, a meta da Unique é implantar nos próximos anos por volta de 5 mil
226
Entrevistada em abril de 2014, no escritório da Unique, em Trairi.
227
Fonte: http://liquid-investments.com/.
228
De acordo com Bühler e Oliveira (2012), na atual configuração da chamada agricultura empresarial é cada vez
mais comum observarmos a atração de investidores habituados a atuarem no mercado financeiro e que passam a
investir também no mercado agrícola, seja adquirindo terras e/ou investindo na produção propriamente dita.
229
Fonte: http://www.coconutinvestments.com/why-brazil.
259
hectares cultivados com coco por todo o Brasil230, sendo o empreendimento de Trairi apenas o
começo de um grande projeto. O que hoje é produzido pela Unique, coco verde e seco, está
sendo revendido para atravessadores e empresas como a Adel e a Dicoco, e muito em breve
seguirá para as fábricas da Cohibra, em instalação.
Foto 61 – Placa indicando a parceria entre Foto 62 – Entrada de uma das fazendas
a Liquid/Unique e a Cohibra, em Amontada/CE. da Unique em Trairi/CE.
230
Ainda de acordo com o presidente da Cohibra, muito provavelmente os novos plantios da Unique, bem como
os de outras grandes empresas, serão realizados sobretudo no Estado do Tocantins.
260
Por tudo isso, podemos afirmar que a Unique não é apenas mais uma empresa que está
investindo no ramo do coco e que não atua como as outras empresas desse setor. Trata-se de
um grande empreendimento, de nível internacional, que envolve um grande número de pessoas
de várias partes do mundo, que passam a ser diretamente responsáveis pelo que acontece em
Trairi, no Ceará, no Brasil. Muitos investimentos estão sendo feitos – segundo nos foi
informado, o grupo Liquid está injetando aproximadamente 100 milhões de dólares no negócio
do coco no país –, e por isso mesmo podemos nos perguntar se o coco realmente compensa todo
261
esse investimento. Acreditamos que esse caso da Unique seja o exemplo mais cabal que
comprova, definitivamente, a materialização da reestruturação produtiva e da territorialização
do capital na produção brasileira de coco.
Assim, nota-se o desenrolar de um outro processo, em curso há alguns anos, que seria a
compra de terras por estrangeiros visando à produção de coco. Conseguimos vislumbrar esse
processo com mais intensidade em Trairi, onde as principais fazendas aí instaladas são de
propriedade de grupos estrangeiros: a Fazenda Bom, de espanhóis, a Iolla e a Fazenda
Chapadão, de portugueses, e a Unique, de ingleses, que juntas somam 5.776 hectares. De acordo
com um produtor desse município: “a produção deles é diferente da dos outros produtores, tudo
é muito mais moderno, é uma produção em larga escala, uma produção que visa diretamente
atender o mercado”. Isso foi observado ainda em Paraipaba, onde também há produtores
sobretudo portugueses e espanhóis cultivando coco nesse município, inclusive no perímetro
irrigado, como também visto em Russas e em Limoeiro do Norte.
Destaca-se que com os novos investimentos citados e com a considerável quantidade de
fazendas/empresas já instaladas, o agronegócio do coco no Ceará tem tudo para continuar em
expansão, consolidando a reestruturação produtiva do setor e fomentando a territorialização do
grande capital no cultivo do fruto. Ainda é cedo para mensurar os rebatimentos provocados no
território com a chegada dessas empresas, entretanto, como sempre ocorre, “tudo que existia
anteriormente à instalação [de] empresas hegemônicas é convidado a adaptar-se às suas formas
de ser e de agir, mesmo que provoque, no entorno preexistente, grandes distorções, inclusive a
quebra da solidariedade social” (SANTOS, 2003, p. 85).
A expansão da produção de coco pelo Ceará contribui também para levar ao desenrolar
de conflitos por terra, demonstrando o poder de atuação do capital no cultivo do fruto,
representado aqui pelas grandes empresas agrícolas e agrícola-industriais do coco, que se
reproduzem também a partir da aquisição de terras. Nota-se, todavia, que esse processo é
observado em todo o país e em vários outros tipos de cultivos, conforme asseguram Fabrini e
Roos (2014), referindo-se aos “conflitos territoriais entre o campesinato e a agronegócio
latifundiário”, sendo cada vez mais evidente essa associação entre agronegócio e latifúndio no
sentido de elevar a quantidade e a intensidade desses conflitos territoriais.
Como a difusão da produção de coco se dá em regiões com forte tradição da agricultura
familiar/camponesa, é comum encontrar casos em que comunidades formadas por camponeses
se veem ameaçadas pelas grandes empresas do setor, que investem pesado na aquisição de terras
262
com o intuito de ampliar as suas capacidades produtivas. Tais empresas, a partir do momento
em que se envolvem em conflitos por terras, estão diretamente disputando o território já
ocupado pela população que lá habitava e produzia, onde, além expropriar os antigos
proprietários da terra, passam também a fazer um “uso coorporativo desse território”
(SANTOS; SILVEIRA, 2003), que vai ser organizado unicamente em função das necessidades
dessas empresas.
Dentre os conflitos observados nas regiões de produção de coco, motivados pela ação
devastadora das empresas do setor, citamos os relacionados à Ducoco, que foi uma das que
mais se envolveu em conflitos por terra, especialmente contra comunidades indígenas
localizadas no litoral cearense. Assim, a Ducoco, ao longo de sua “história de sucesso”231, não
deixou de se envolver em uma série de conflitos das mais diversas naturezas. O caso mais
elucidativo desses conflitos é o embate já bastante antigo entre essa empresa e o povo indígena
dos Tremembé de Almofala, em Itarema. Registram-se também conflitos na Lagoa dos
Mineiros e no Assentamento Maceió, em Amontada e Itapipoca, como destaca Pereira (2011).
A presença da Ducoco em território Tremembé já dura mais de 30 anos, uma vez que
esse conflito se desenrola desde meados da década 1980, quando a empresa chega em Itarema
e aí instala uma de suas maiores fazendas, levando à expropriação dos indígenas que há séculos
habitavam no local, segundo afirmam Santos e Oliveira (2012), dando início a uma violenta
disputa pelas terras e a inúmeros processos judiciais que ainda não conseguiram dar fim a tal
impasse. Visitamos a região dos conflitos em duas ocasiões distintas232, quando foi possível ver
de perto a realidade na qual estão inseridos os Tremembé e observar o poderio da Ducoco sobre
as comunidades nas quais vivem os indígenas, especialmente a partir da realização de
entrevistas com lideranças locais, incluindo o cacique.
Esses indígenas da etnia Tremembé estão localizados sobretudo em três municípios
cearenses: Itarema, Itapipoca e Acaraú, que são também alguns dos mais importantes
produtores estaduais de coco. Em Itarema, um dos principais pontos de concentração dos
indígenas é o distrito de Almofala, distribuídos em três comunidades principais: Batedeira,
Varjota e Tapera, ambas localizadas no vale do rio Aracati-Mirim. Somente em Almofala há
aproximadamente 2.500 famílias, que vivem principalmente da pesca e da agricultura e mantêm
pequenos roçados plantados com mandioca, milho e feijão, visando a subsistência, além de uma
importante produção de coco, com o fim de abastecer o mercado (o que inclui a Ducoco). De
231
Termo que consta no site da empresa.
232
Durante os trabalhos de campo realizados em novembro de 2011 e abril de 2014.
263
acordo com o antropólogo Messeder (1995), há tempos os Tremembé lutam pela demarcação
de seus territórios e pela manutenção e valorização de suas identidades indígenas.
Conforme assegura a também antropóloga Porto-Alegre (2000), e segundo relataram os
indígenas entrevistados, o conflito entre os Tremembé e a Ducoco teve início em 1979, três
anos antes da criação oficial da empresa. Segundo consta, em 1979 duas fazendas localizadas
nas comunidades Varjota e Tapera foram vendidas aos donos da Ducoco233, fazendas essas
instaladas ao lado da área indígena e utilizadas pela população local para caça, colheita de frutos
e pequenos plantios. Além disso, extensas áreas pertencentes a essas duas comunidades foram
irregularmente incluídas na transação (MESSEDER, 1995), mesmo já ocupadas há séculos
pelos indígenas. Atualmente, a Ducoco tem nessa região um de seus maiores cultivos de
coqueiros, observados nas fotos abaixo.
233
De acordo com o cacique entrevistado, o primeiro dono de parte dessas fazendas foi Tasso Jereissati, que depois
as vendeu para outros proprietários, que em seguida as revenderam para a Ducoco.
264
Porto-Alegre (2000) destaca que, tendo suas moradias destruídas, uma parte dos
habitantes da Tapera foi fixar-se junto aos parentes na Batedeira e na Varjota, enquanto outros
ficaram próximos de onde já estavam, formando um aglomerado precário hoje conhecido como
Vila Ducoco, uma faixa alagadiça de mangue, imprópria para a agricultura, localizada entre o
rio e as cercas colocadas pela empresa. A Vila Ducoco é atualmente um dos principais focos de
resistência dos Tremembé da Tapera, que presenciaram a violenta ocupação de grande parte de
seu território. Esses indígenas ficaram privados das principais fontes de sustento, já que foram
proibidos de caçar, criar animais e plantar nas terras agora de posse da Ducoco, impedidos até
mesmo de atravessar essas terras e chegar a outras localidades onde havia indígenas, o que
ocasionou uma verdadeira fragmentação de seus territórios, “isolando toda a comunidade,
desestruturando a luta e a vivência desses povos”, como relatou o cacique.
Na imagem abaixo (23), podemos observar a região onde se dão as investidas da Ducoco
no território dos Tremembé. As localidades da Varjota e da Tapera ocupavam áreas muito
maiores do que as que ocupam atualmente, sobretudo a Tapera, hoje resumida a um pequeno
núcleo, a Vila Ducoco, formado por 150 famílias. Uma parte importante da área da fazenda da
Ducoco era anteriormente ocupada por esses indígenas.
dentro das fazendas da Ducoco, onde havia capangas armados para evitar que isso acontecesse.
Passados alguns anos, depois de processos judiciais, os Tremembé obtiveram o direito de entrar
nas fazendas da empresa, tanto para ter acesso ao outro lado da comunidade, como para pescar
em uma lagoa existente dentro desse espaço, em dias e horários predeterminados, pegando uma
quantidade de peixe limitada, e para tirar lenha e colher murici (um fruto) em uma área ainda
não ocupada pelos coqueirais.
Além disso, muitos dos indígenas reunidos na Vila Ducoco, sem ter como plantar e tirar
seu sustento da agricultura, tiveram que se proletarizar e trabalham desde esse período nas
fazendas da Ducoco. Tais trabalhadores recebem “como pagamento quantias irrisórias que mal
contribuem para o sustento doméstico. Além disso, o assalariamento costuma ser apenas
sazonal” (PORTO-ALEGRE; 2000, p. 13), mas há também um grupo de indígenas que trabalha
para a Ducoco de carteira assinada. Alguns desses funcionários atuam como vigias, coibindo a
entrada dos moradores da Vila Ducoco nas terras da empresa, “o que acaba botando índio contra
índio, desestabilizando completamente a luta, já que alguns são a favor da Ducoco, porque ela
lhes dá trabalho”, como assegurou o cacique.
A Ducoco só tentou invadir as terras da comunidade da Varjota em 1982, porém a
ocupação foi impedida pelos indígenas lá residentes, os quais entraram com um processo
judicial contra a empresa (PORTO-ALEGRE, 2000). Os Tremembé da Varjota, desde a
ocupação da Tapera, viram a necessidade de uma organização política mais efetiva, capaz de
responder às pressões sobre seu território, conforme destaca Messeder (1995). O processo
movido contra a Ducoco deu um parecer favorável aos indígenas, que obtiveram em 1984, por
usucapião, a posse de parte das terras que a empresa tentou invadir, sucesso não observado na
Tapera. A luta travada pelos Tremembé da Varjota, agora bem mais articulados, contou com o
apoio de alguns setores da Igreja Católica, entre eles a Comissão Pastoral da Terra.
Desde o início desse conflito, diversas investidas de intimidação aos Tremembé foram
empreendidas pela Ducoco. De acordo com o cacique: “essa é uma briga silenciosa, a empresa
não quer muito alarde não, e por isso mesmo nunca existiram grandes conflitos abertos. Mas,
mesmo assim, sempre ocorreram ameaças de morte, de ambas as partes, inclusive um gerente
da Ducoco já chegou a ser morto pelos indígenas”, um fato isolado e que não representou o
movimento de resistência, como nos foi informado. Já uma das investidas da empresa, por
exemplo, ocorreu na área da Varjota e foi realizada por homens fortemente armados que
rondavam a comunidade. Esse fato, conforme conta Messeder (1995, p. 89),
[...] ocorreu durante o dia e assustou as crianças, que estudavam na escola e
saíram correndo desesperadas; os homens foram chamados às pressas, e
266
vieram das roças com foices e enxadas. O pânico foi geral. Um dos líderes
Tremembé aproximou-se do representante da DUCOCO e perguntou-lhe qual
a razão de tantos homens e armas. Segundo ele, era para dar proteção ao trator,
máquina muita cara.
234
Fonte: http://goo.gl/Aj8dcV, Instituto Socioambiental, “Tremembé – Mobilização política e situação jurídica
da terra”, matéria de 2005 e acessada em 20/11/14.
235
Fonte: http://goo.gl/LBfwuP, Jornal do Commércio, “Índios disputam terras com indústrias do Ceará”, matéria
do dia 24/09/99 e acessada em 20/11/11.
267
Sem terem sido completamente decididas, essas ações se desenrolam lentamente ao longo dos
últimos anos na Justiça, e diversos processos são encaminhados respectivamente pela Ducoco
e pela FUNAI/Tremembé. De acordo com o cacique, já ocorreram três grandes audiências, e a
Ducoco sempre perde e em seguida entra com recurso anulando os resultados; a primeira delas
foi realizada em Recife, e as outras duas em Brasília, tendo sido a última em uma das instâncias
do Supremo Tribunal Federal, onde ficou decidido que a área ocupada pela Ducoco pertence,
de fato e de direito, aos indígenas.
Em tramitação na justiça, o processo de demarcação das terras ainda não foi
completamente finalizado, faltando apenas a conclusão de uma outra perícia antropológica na
área para serem concluídos os trabalhos, já que a primeira perícia foi anulada por pressão da
Ducoco, que alegou a confiabilidade da mesma. Dos 4.900 hectares contestados pelos
Tremembé para serem demarcados, uma parte importante está ocupada pela Ducoco, como
podemos observar na imagem abaixo, divulgada pelo Instituto Socioambiental, através do
projeto “De Olho nas Terras Indígenas”236. No entanto, destaca-se que a comunidade sofre
ameaças de ocupação de seu território por diferentes outros empreendimentos, além da Ducoco,
como por empresas de geração de energia eólica, de criação de camarão em cativeiro e de
investimentos turísticos e imobiliários, muitos dos quais geridos por grupos estrangeiros.
236
Disponível em http://ti.socioambiental.org/pt-br/#!/pt-br/terras-indigenas/3979.
268
Assim, ainda hoje os Tremembé aguardam pela demarcação de suas terras e resistem,
bravamente, à invasão de terras não ocupadas pela Ducoco, que conta com apoio de diversos
políticos bastante influentes em Itarema, sobretudo da família Monteiro. “Os políticos de
Itarema são todos contra os índios”, indicou o cacique, afirmando que há um interesse político
muito grande na não demarcação das terras. Já os Tremembé contam com o apoio de
pesquisadores de algumas universidades, como das Universidades Federal e Estadual do Ceará,
além da atuação direta da FUNAI, da Igreja Católica/Comissão Pastoral da Terra, das Igrejas
Metodista e Presbiteriana, do Ministério Público, da Polícia Federal, da Procuradoria Geral da
União e da ONG Conselho Indígena Tremembé de Almofala.
O cacique afirma: “A Ducoco tem plena consciência de que as terras são dos índios e
que uma hora a empresa vai ter que sair; ela não é dona dessas terras, elas são nossas, do povo
Tremembé”. O indígena ainda argumenta: “Um dia nós vamos tomar de volta, isso é certo...
nós vamos recuperar o que é nosso. Moramos aqui desde que nascemos, assim como nossos
avós e bisavós, temos muita história com a terra”. Esse relato demonstra o quanto os indígenas
estão confiantes da recuperação de suas terras. Assim, dessa maneira, a luta dos Tremembé
continua, e não somente pela demarcação de seu território e pela retomada das terras ocupadas
pela Ducoco, mas sobretudo pela preservação de suas identidades.
E além de lidarem com a invasão das terras, os Tremembé também sofrem com a grande
quantidade de agrotóxicos que a Ducoco usa nos coqueirais. Eles temem que o rio que abastece
todas as comunidades, o Aracati-mirim, esteja contaminado com os agrotóxicos usados pela
empresa: “tomamos água do rio! Se o solo é contaminado o rio também é”, afirma um indígena.
Além do risco iminente de contaminação, segundo um dos Tremembé entrevistados, alguns
indígenas que trabalham na Ducoco já chegaram a ficar doentes devido ao contato frequente
com os agrotóxicos aplicados no coqueiral, que contaminam os frutos, os trabalhadores e todo
o ambiente, a exemplo do solo e do lençol freático.
Em matéria publicada no Jornal O Povo237 em 2011, um dirigente da Ducoco, se
referindo ao conflito com os Tremembé, diz que: “A gente tenta a convivência mais amistosa
possível. Somos adversários, não somos inimigos. Temos pontos divergentes e pontos
convergentes”; o dirigente critica ainda o fato dos Tremembé terem muita dificuldade para
compreender que o desenvolvimento local está ligado ao próprio desenvolvimento da empresa.
E à margem do que acontece em Itarema, a Ducoco age como se não houvesse nenhum tipo de
conflito, é tanto que nada a esse respeito foi mencionado nas entrevistas que tivemos com os
237
Fonte: http://goo.gl/7Lmq2j, Jornal O Povo – “Disputa em Almofala 25 anos de conflito”, matéria do dia
19/06/10 e acessada em 20/11/11.
269
diretores da empresa. Além disso, a Ducoco assume uma postura contraditória às suas próprias
práticas, levantando falsas bandeiras, como pudemos observar ao analisar o seu perfil no
Facebook, onde são comuns postagens em defesa do meio-ambiente e dos direitos das
comunidades indígenas, a exemplo da indicada abaixo, quando a Ducoco assume a clara
intenção de mudar a sua imagem e aparecer aos seus consumidores como uma empresa
preocupada com a causa indígena, produzindo um discurso que muito lhe favorece.
Consideramos importante levantar questões como essas que ora apresentamos, que
possibilitam a compreensão de como grandes empresas fazem um uso corporativo do território
e ao mesmo tempo submetem populações inteiras aos seus interesses, pouco importando suas
consequências. Dessa forma, é fundamental termos a consciência que ao adquirir produtos da
Ducoco estaremos contribuindo para que a empresa continue suas investidas no território dos
Tremembé e continue ampliando seu poderio. Acreditamos, portanto, que adquirir produtos
Ducoco é uma das formas de financiar e de assegurar as investidas da empresa.
Por tudo o que foi exposto, fica evidente que a expansão da produção de coco pelo Ceará
pode ser muito prejudicial a uma enorme quantidade de sujeitos, que nada têm a ver com o
processo de reestruturação produtiva do setor, mas que são diretamente impactados,
especialmente pelas empresas que aí agem hegemonicamente, usando o território em função
dos seus próprios fins e exclusivamente em função desses fins, como destaca Santos (2003). O
embate entre a Ducoco e os Tremembé é apenas um dos conflitos envolvendo o poderio
devastador do agronegócio latifundiário sobre comunidades indígenas e camponesas espalhadas
pelo país, que inclusive estão no rastro da expansão do cultivo de coco.
270
CONSIDERAÇÕES FINAIS
foi diferente, já que o espaço, bem como a sociedade, teve de ser reorganizado em virtude da
consolidação dos processos que marcam a nova geografia do fruto.
Assim, com a chegada do coco, o que existia antes foi chamado a se adaptar ao seu novo
sistema produtivo e à nova racionalidade imposta por esse cultivo, gerando conflitos das mais
diversas naturezas, uma vez que passaram a entrar em choque direto as antigas relações que se
davam nos espaços elencados para a difusão dessa produção com os novos processos resultantes
da reestruturação produtiva do setor. Isso contribuiu, sobremaneira, para a mudança na forma
de uso e ocupação dos espaços agrícolas ocupados pela produção de coco, já que tais espaços
tiveram seus conteúdos alterados em virtude da difusão de uma agricultura de caráter
empresarial e científica, aumentando a artificialidade dos espaços e modificando as relações
sociais que lá se reproduziam.
A materialização dessa reestruturação produtiva mostrou especialmente o quanto esse
processo pode ser excludente e conservador, como vimos no último capítulo, que abordou
questões que versavam sobre os impactos e as limitações do desenrolar dessa reestruturação
produtiva. Esse processo veio acentuar ainda mais o caráter desigual de acumulação do capital
no campo, agora observado com um maior vigor também na produção de coco, que não ficou
à margem da territorialização desse grande capital no espaço agrícola brasileiro, sendo
fortemente incorporada aos circuitos globalizados da produção e do consumo e tendo seu
processo produtivo inteiramente modificado com o objetivo de aumentar os índices de
produtividade e consequentemente os lucros.
Com a modernização do processo produtivo do coco, é latente a considerável ampliação
das desigualdades entre os produtores do fruto, já que nem todos passaram a ter acesso de forma
igualitária às inovações disponíveis para o setor. Observa-se também que uma parcela desses
produtores não pôde sequer cogitar a possibilidade de adquirir tais inovações, correndo o risco
de não conseguir garantir a sua permanência nessa atividade. Além disso, enquanto
anteriormente os coqueiros eram cultivados de forma extensiva, agora eles são altamente
exigentes em capital e tecnologia, levando os produtores a ficarem cada vez mais dependentes
dos insumos advindos da indústria e abrindo margem para acirrar ainda mais a territorialização
do capital no setor, “segundo o qual é a lógica do capital que se impõe a todos os processos”
(TAVARES DOS SANTOS, 1981, p. 109).
A comercialização da produção também se mostrou outro grande desafio para os
pequenos produtores, indicando que somente quem consegue permanecer e lucrar com esse
mercado são aqueles que detêm capital, e por sua vez o controle do setor, como também do
território nos quais eles atuam impondo suas determinações e normas. Esse mercado criou uma
272
considerável demanda por coco verde, e se encarregou também de fomentar a criação de novos
produtores do fruto, muitos dos quais que já entram no negócio do coco com o objetivo de
acumular mais e mais capital. A partir dessa reestruturação produtiva, saberes historicamente
construídos foram muitas vezes substituídos por novos modos de produzir o fruto, onde nem
todos os produtores foram inseridos da mesma forma nessa nova lógica de produção de coco.
Os pequenos produtores, sobretudo, acabaram sendo os mais prejudicados com as
imposições desse novo mercado, basicamente de coco verde, tendo que submeter sua produção
às exigências dos atravessadores e das agroindústrias e tendo que concorrer com os sistemas
técnicos agrícolas cada vez mais modernos e de posse somente dos grandes produtores,
evidenciando que nem todos puderam usufruir dessa reestruturação, que modificou as
principais relações observadas ao longo do seu circuito espacial produtivo. Percebemos, assim,
que com esse processo de reestruturação ampliou-se a dependência de inúmeros produtores.
Com isso, o capital, ao aprofundar seu processo de reprodução ampliada nas áreas
produtoras de coco, acabou impondo novas “solidariedades organizacionais” (SANTOS, 2009)
entre os agentes envolvidos no circuito espacial produtivo do fruto, ocasionando uma série de
modificações na maneira como se organiza o seu cultivo e resultando em novas relações sociais
de produção que até então não existiam, acirrando o nivelado embate existente entre produtores,
trabalhadores, atravessadores e agroindústrias, agentes esses que foram os principais
impactados, de distintas maneiras, com o novo momento pelo qual passa o setor do coco.
Desse modo, consideramos que o grande diferencial da nova geografia do coco no país
é especialmente a materialização de uma reestruturação conservadora, caracterizada não só pelo
aumento da dependência e subordinação dos produtores, mas também pelos seguintes fatores,
entre muitos outros: expansão dos conflitos por terra nos espaços de produção do fruto;
agravamento de problemas ambientais relacionados ao uso indiscriminado de agrotóxicos e ao
avanço da monocultura; redução da lógica camponesa de produção em detrimento da expansão
das relações de produção tipicamente capitalistas; ampliação da solidariedade organizacional
em detrimento da orgânica entre os agentes inseridos no setor; permanência da exploração dos
trabalhadores; aumento do poderio de grandes grupos empresariais do ramo do coco;
artificialidade dos espaços e das relações sociais.
Nessa perspectiva, é necessário, portanto, aprofundar essa discussão acerca da
reestruturação produtiva do setor do coco, intentando revelar qual é a real reestruturação pela
qual a produção de coco passa e principalmente descobrir a quem ela verdadeiramente atende,
abrindo margem para que novos estudos sejam iniciados com o fim de analisar esse processo
com mais afinco. Assim, será possível continuar contribuindo para a apreensão de algumas das
273
Ceará, ou até mesmo no Brasil? De acordo com alguns elementos apresentados ao longo da
dissertação, tudo indica que sim, que essa será a realidade a ser vislumbrada onde quer que a
reestruturação produtiva do coco chegue. O que virá pela frente ninguém pode prever, mas uma
coisa é certa: o capital continuará fazendo suas escolhas, pouco ou nada importando quais serão
os seus rebatimentos e mesmo enfrentando todo tipo de resistências. O capital sempre faz suas
escolhas, e usa os espaços de acordo, e exclusivamente, em função dessas escolhas e de seus
interesses; e isso é latente ao observarmos a longa história da produção agrícola realizada no
país, não sendo uma exclusividade do coco.
Cabe reiterar que essa reestruturação produtiva não foi pensada, em momento algum,
visando melhorar a vida dos produtores de coco. O objetivo expressamente aberto desse
processo sempre foi a modernização da produção agrícola do fruto e a reorganização de seu
circuito espacial produtivo com a finalidade de atender exclusivamente a demanda por matéria-
prima por parte do mercado consumidor e das empresas hegemônicas do setor. Assim, essa
reestruturação não foi realizada em prol da maioria dos produtores do fruto, mas sim para
fomentar a reprodução do grande capital no seu cultivo. Dessa forma, como sempre acontece,
nem todos os produtores foram convidados a compartilhar do grande banquete do capital, e o
que observamos é que, cada vez mais e em todo lugar, a autonomia desses produtores é posta
em xeque, sendo notável o acirrar da subordinação dos mesmos.
***
Além de tudo o que foi apresentado, devemos, por fim, fazer uma autocrítica e refletir
sobre o papel que poderá vir a ter a pesquisa aqui apresentada, sobretudo na tentativa de dar
voz aos sujeitos sociais diretamente impactados pelos processos destacados anteriormente, e
que continuam resistindo, de diferentes maneiras. A realidade observada parcialmente durante
os trabalhos de campo se mostrou um tanto quanto perversa, isso porque nosso foco estava
voltado apenas para a produção de coco, e caso tivéssemos ampliado nosso olhar, muitos outros
problemas poderiam ter sido revelados. Não podemos, e nem devemos, continuar alheios a tudo
isso. Muitos são os problemas que acometem os produtores de coco, e eles esperam que façamos
algo para resolver esses problemas, o que é altamente compreensível, mas que nos leva a
repensar o nosso papel enquanto geógrafo e pesquisador.
Não foram poucas as vezes em que ouvimos dos produtores entrevistados os seguintes
questionamentos: “E como essa sua pesquisa vai poder me ajudar? Como a minha vida vai
poder melhorar depois dela?”. Porque é isso que é cobrado da Universidade, da pesquisa e dos
275
pesquisadores. Entretanto, a pesquisa não tem essa função imediata. Ela nos possibilita
compreender os problemas que há mundo, e esse seria talvez o melhor ponto de partida para,
de fato, nos prepararmos para tentar resolver tais problemas. Pessoalmente cremos que essa
seria uma das principais funções da pesquisa e dos trabalhos que fazemos na Universidade:
ajudar-nos a ter uma tomada de consciência do mundo que nos cerca e, a partir disso, vislumbrar
possibilidades que nos levem a transpor alguns dos problemas que o acometem.
Acreditamos, ainda, que nenhuma pesquisa deve ser imparcial e isenta de
responsabilidades. Devemos, todos, perceber a pesquisa enquanto instrumento político e
emancipatório, tal qual propõe Demo (2006). É para isso que deveria “servir” a pesquisa,
evidenciando nosso real “papel” enquanto pesquisadores e a verdadeira “função” da
Universidade e do conhecimento nela gerado. Dentro disso, a Geografia também passa a ter a
sua “parcela de responsabilidade”, já que ela deve, antes de mais nada, ser usada também como
um instrumento político, um instrumento que nos ajude a perceber e apreender a realidade na
qual estamos todos inseridos, e a partir daí participar ativamente na tentativa de transformar
essa realidade, e com ela o conjunto do espaço e da sociedade. A Geografia também tem seu
caráter emancipatório, porém muitas vezes completamente esquecido.
Consideramos, pois, que a pesquisa já é um começo que pode levar a essa emancipação,
mas não da noite para o dia, e nem no curto período de um mestrado, por exemplo. Obviamente,
não sabemos e nem temos condições de propor soluções para resolver os problemas do mundo,
nem mesmo os que acometem os produtores de coco, aparentemente mais fáceis de serem
resolvidos. Entretanto, temos consciência de que a pesquisa tem um papel importante para isso,
e que em particular a nossa pesquisa, em algum momento e de alguma maneira, poderá ser
utilizada para esses fins. Assim, ao concluir esta dissertação nos conformamos em ter a
compreensão de que o pontapé inicial foi dado, cabendo agora sabermos que passos tomar e
quais direções seguir.
276
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- Brasil, Grandes
- Área plantada com
regiões, Unidades da
coqueiros - IBGE/PAM
Federação, Ceará,
Dispersão - Quantidade produzida com
municípios cearenses
espacial da coco
- 1990, 2000 e 2010
produção de
coco pelo país
- Dinâmicas das produções - Produtores de coco
- Brasil, Unidades da
estaduais de coco - Bibliografia
Federação
- Localização de empresas levantada
- 2014
agrícolas e agroindustriais - Hemeroteca
- Produtos cultivados
- Perímetros irrigados
- Área total plantada
do Nordeste
- Área plantada com coco - DNOCS/SMPPI
- Perímetros irrigados
- Quantidade total produzida
de Paraipaba e Acaraú
- Quantidade de coco
- 2000 e 2012
Especialização produzida
territorial - Dinâmica da produção de
produtiva coco nos perímetros - Gerência do
centrada no - Perfil e organização dos DNOCS
- Perímetros irrigados
cultivo de coco produtores - Associação dos
de Paraipaba e Acaraú
- Organização dos lotes irrigantes
- 2014
agrícolas - Colonos/Produtores
294
- Infraestrutura hídrica
existente
- Localização e tipo do
estabelecimento
- Área total do - Produtores de coco
estabelecimento - Bibliografia
Reorganização e - Área cultivada com coco levantada
readequação dos - Produtos cultivados - Secretarias
- Municípios cearenses
espaços de - Variedades e número de Municipais de
- 2014
produção de coqueiro cultivados Agricultura
coco - Quantidade de coco - Sindicatos dos
produzida trabalhadores rurais
- Origem do proprietário - Hemeroteca
- Sistemas técnicos utilizados
- Destino da produção
- Localização das empresas
agrícolas - Prefeituras
- Ano de instalação - Produtores de coco
- Origem do capital - Empresas agrícola
- Produtos cultivados e - Brasil e municípios de coco
quantidade produzida cearenses - Jornais e revistas
- Área total do - 2014 - Sites das empresas
estabelecimento - Bibliografia
- Hectares cultivados com levantada
coco - Hemeroteca
Expansão de - Forma de compra da terra
empresas
- Área e número dos
agrícolas e - Brasil, Unidades da
estabelecimentos produtores - IBGE/ Censo
reconfiguração Federação, Ceará.
de coco, por grupos de área Agropecuário
da estrutura - 2006
total
fundiária
- Produtores de coco
- Sindicatos dos
- Conflitos por terra e/ou
Trabalhadores Rurais
água observados nos espaços
- Secretarias
de produção de coco - Municípios cearenses
Municipais de
- Motivos e rebatimentos de - 2014
Agricultura
tais conflitos
- Bibliografia
- Agentes envolvidos
levantada
- Hemeroteca
- Formas de inserção na
reestruturação produtiva que
atinge o setor
- Divisão social do trabalho
- Divisão técnica do trabalho
- Perfil dos trabalhadores - Produtores de coco
agrícolas rurais e não-rurais - Trabalhadores
- Atividades exercidas - Municípios cearenses rurais
Evolução e
- Remuneração - 2014 - Atravessadores
reconfiguração
- Origem dos trabalhadores - Sindicatos dos
do mercado e
- Trabalho especializado trabalhadores rurais
das relações de
- Formas de contrato de - Hemeroteca
trabalho
trabalho
- Brasil, Unidades da
- Perfil dos trabalhadores
Federação, Ceará,
- Quantidade de empregos -MTE/RAIS
municípios cearenses
formais
- 2000 a 2010
- Quantidade comercializada
- Formas de comercialização
- Origem dos fornecedores
- Produtores de coco
- Destino da produção - Municípios cearenses
- Atravessadores
- Valor cobrado - 2010 e 2014
- CEASA/CE
- Mercado consumidor
- Produtos comercializados
- Pontos de comercialização
Evolução das - Produtores de coco
- Perfil dos atravessadores
formas de - Atravessadores
- Tipos de relações
comercialização - Municípios cearenses - Atravessadores
estabelecidas com os
e controle da - 2014 - Bibliografia
produtores
produção levantada
- Conflitos existentes
- Hemeroteca
- Produtos exportados pelo
município
- Quantidade de coco verde e - Municípios cearenses
leite de coco e água de coco - 2006, 2008, 2010 e - MDIC/SECEX
exportadas 2012
- Locais por onde a produção
é exportada
- Ano de instalação
- Origem do capital
- Ramos de atuação
- Perfil produtivo e
- Prefeituras
organizacional
Municipais
- Variedade de produtos
- Produtores de coco
- Quantidade produzida
- Empresas do ramo
Participação de - Localização das unidades
- Municípios cearenses do coco
empresas de produção agrícola e
- 2014 - Atravessadores
agroindustriais industrial
- Jornais e revistas
na regulação do - Número de funcionários
- Sites das empresas
setor - Destinos da produção
- Bibliografia
- Formas de aquisição da
levantada
matéria-prima
- Hemeroteca
- Relação com os produtores
- Relação com os
atravessadores
296
Local:
Nome do entrevistado: Cargo/Função:
Contatos:
Área total do estabelecimento: Hectares totais:
Hectares cultivados com coqueiros: Quantidade de coqueiros plantados:
=> Histórico/Produtivo
4. Por que passou a produzir coco? Quais foram as motivações? Quais agentes envolvidos
diretamente nesse processo de introdução na produção de coco?
7. Qual a quantidade produzida com coco? Se produz mais coco verde ou coco seco?
8. O modo como o coco é produzido vem mudando com o tempo? Se sim, quais são essas
mudanças?
=> Insumos/Inovações
10. Como, onde e com que frequência esses insumos são adquiridos?
11. A produção é irrigada? Se sim, qual o sistema de irrigação utilizado? Por que e desde
quando se utiliza tal sistema? Quais suas principais vantagens?
12. O sistema de irrigação utilizado foi sempre o mesmo? Já tinha experiência no uso de tal
sistema? De onde vem a água utilizada?
13. Como e onde o sistema de irrigação foi adquirido? Quem auxiliou na introdução desse
sistema?
14. Já fez ou faz uso de crédito rural? Se não, por quê? Se sim, qual tipo de crédito, em qual
banco, quais as formas de pagamento, qual prazo para pagar o empréstimo...?
15. Já fez ou faz uso de assistência técnica? Tem acesso a pesquisas agrícolas na área do
coco?
=> Comercialização
19. Do decorrer dos anos houve alguma mudança na forma como o coco vinha sendo
comercializado?
=> Agentes
20. Quais tipos de relações existentes entre todos os agentes inseridos no setor do coco? a)
Secretaria de Agricultura; b) Atravessadores; c) Empresas; d) Embrapa/Ematerce.
=> Atividades/Trabalho
21. Qual a porcentagem da renda advinda da produção de coco e com cada uma das outras
atividades?
22. Que mudanças a introdução do cultivo de coco significou na renda e nas atividades
realizadas no estabelecimento?
23. (Caso seja um estabelecimento de caráter familiar) Quais todas as atividades remuneradas
que são realizadas pelos membros da família?
24. Quais são todas as atividades realizadas no processo produtivo do coco? Quem
desempenha cada uma dessas atividades?
298
25. Há contratação de mão de obra de fora para a realização de alguma atividade? Se sim,
para quais atividades?
26. (Caso contrate mão de obra de fora) Por que contrata mão de obra de fora? É mão de obra
permanente ou temporária? Quais as formas de contrato e pagamento?
27. Há quantos trabalhadores? Esse número é fixo ou depende do período do ano? Qual a
origem desses trabalhadores?
28. Há demanda de mão de obra especializada? Se sim, de onde vem tal mão de obra e em
qual segmento atua?
=> Limites/Perspectivas
30. Quais são as principais dificuldades encontradas na produção de coco e quais suas
possíveis formas de adaptação?
32. Quais são as principais perspectivas para a produção de coco para os próximos anos?
33. Fazendo um balanço geral, podemos dizer que o setor do coco mudou muito nessas duas
últimas décadas? Se não, por quê? Se sim, quais foram essas mudanças?