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LIBERDADE POR UM FIO

História dos quilombos no Brasil


Organização:
JOÃO JOSÉ REIS
FLÁVIO DOS SANTOS GOMES
2" reimpressão
Mcixbooks
"NASCI NAS MATAS, NUNCA TIVE SENHOR"
História e memória dos mocambos
do baixo Amazonas
Euiipedes A. Funes
Falar em escravidão negra na Amazónia pode parecer estranho a muitos,
mais ainda quando se refere aos mocambos ali constituídos por todo o século
XIX. O objetivo deste artigo é fazer algumas abordagens sobre as sociedades
quilombolas, em especial no baixo Amazonas, cuja permanência se concretizou
nas várias comunidades negras rurais hoje estabelecidas nos rios e lagos da
região. Uma história que está viva na memória dos remanescentes, netos e bis-
netos, dos quilombolas que por muito tempo ocuparam as matas, fazendo delas
seu espaço de liberdade.'
Presa em Belém, para onde fora levada juntamente com outros 135
quilombolas do Curuá, Maria Cândida foi submetida a um auto de perguntas
em 28 de março de 1876; indagada sobre quem era seu senhor respondeu:
"Nunca tive senhor por ter nascido na mata". Vários de seus companheiros res-
ponderam não ter senhor, ou não saber quem era este, porque tinham nascido
nas matas do Curuá.2
Na história desses mocambeiros estão as raízes do Pacoval,uma comu-
nidade negra rural localizada à margem direita do rio Curuá, no município de
Alenquer, oeste do Pará, região também conhecida por baixo Amazonas' (Vide
Mapa). História que está presente na memória dos mais velhos, bons nar-
radores da saga de seus antepassados, que permitem resgatar um passado nem
sempre revelado nos documentos escritos. Uma memória que é referencial ao
mesmo tempo de ancestralidade e de identidade.
A comunidade do Pacoval, suas manifestações culturais, seu cotidiano e
seu modo de ser revelam suas origens. Origens mais bem expressas não apenas
na cor da pele de sua gente, mas sobretudo na memória, nas lembranças dos
velhos, de histórias contadas por seus avós, que nos remetem sempre a um ou-
tro passado: o dos mocambos. A história dos avós é história vivida.
Esses aspectos acabaram por revelar, de forma clara, que nem todas as so-
ciedades formadas pelos negros fugidos da escravidão desapareceram com a
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extinção de seus respectivos quilombos, como podem sugerir vários dos estu-
dos hístoriográficos sobre esses agrupamentos, ao analisá-los sob a óptica do
binómio formação/destruição. 4
Busco assim a compreensão do processo histórico que passa pela re-
sistência escrava e pela constituição dos quilombos como contraponto à so-
ciedade escravista, e a sua permanência concretizada nas atuais comunidades
negras, temática muito pouco estudada pelos historiadores.
Este trabalho utiliza a memória oral e a documentação escrita, para dis-
cutir a história daqueles que "não constituíram apenas problemas para o go-
verno",5 mas que foram agentes de um processo histórico marcado pela re-
sistência e pela constituição de um espaço social alternativo ao mundo do
senhor, onde ser livre foi a experiência maior.
Ao se valer tanto de fontes orais como escritas, a preocupação maior é
com os aspectos de complementaridade e não de substituição. 6 Não se trata, co-
mo diz Jan Vansina,
da prima-dona e de sua substituta na ópera: quando a estrela não pode cantar,
aparece a substituta: quando a escrita falha, a tradição sobe ao palco... [as fontes
orais] corrigem as outras perspectivas assim como outras perspectivas as cor-
rigem. 7
Desse modo, evita-se que se tomem apenas as experiências narradas por
uma comunidade como princípio único organizador de sua história, o que pode
levar a uma visão romântica do processo histórico, tornando o oprimido magi-
camente único sujeito. Não se trata, tampouco, de recuperar a "voz dos venci-
dos" e, a partir daí, construir novas mitologias, mas perceber que
o reconhecimento do direito ao passado está ligado intrinsecamente ao^significa-
do presente da generalização da cidadania, por uma sociedade que evitou até ago-
ra fazer emergir o conflito e a criatividade como critérios para a consciência de
um passado comum. 8
Nesse sentido, a memória constitui elemento de significativa importância
à reconstituição do processo histórico. Nas comunidades remanescentes de
mocambos ela está mais viva entre os velhos, netos e bisnetos de mocam-
beiros, guardiões das histórias que seus antepassados lhes contavam. É a eles
que se recorre, para ampliar os horizontes da pesquisa sobre essas organiza-
ções sociais. Um dos critérios básicos para escolher os interlocutores é que se-
jam descendentes de quilombolas e depositários de uma memória que, mesmo
narrada de forma individual, expresse lembranças coletivas.
Raimunda Santana de Assis (d. Dica), noventa anos, neta dos mocam-
beiros Maria Miquelina, por quem foi criada, e Manoel Dionísio ou simples-
mente Dionísio; José Santa Rita, falecido em abril de 1992, aos setenta anos,
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Limite estadual
Limite internacional
Hidrografia
Cidades
neto de Manoel Rodrigues de Oliveira Martins, o Alexandre — "por causa da
Alexandria lá da África"; e Raimundo da Silva Cardoso (Donga), 89 anos, ne-
to do mocambeiro Benedito. Donga do Trombetas e os dois primeiros do Pa-
coval, entre outros narradores, com seus depoimentos contribuíram de maneira
fundamental para se chegar ao passado das várias comunidades quilombolas
que se formaram nos rios Curuá/Cuminá-Panema, Cuminá/Paru do Oeste ou
Erepecuru, Trombetas, Mamiá, Maicuru e lagos da região.9
Quando indagados sobre os seus antepassados, a resposta obtida de ime-
diato é que "eles eram gente inteligente, era gente da África", conforme Santa
Rita. Segundo Dica,
eles vieram da África, uma nação de gente que sabia tudo. Os portugueses gar-
raram a pega os filhos deles, quando eles tavam no campo tirando ninho de mar-
reca. Foram trazidos pra Belém, de lá para Santarém e depois pra vila Curuá, pra
trabalha, de onde eles saíram, subiram o rio Curuá e foram busca melhora.
Essa fala é praticamente uma síntese da trajetória de muitos negros
que, ao fugirem da escravidão, buscaram as "águas bravas" dos afluentes da
margem esquerda do rio Amazonas, onde constituíram os vários mocam-
bos que ali existiram ao longo do século Xix, e que tiveram sua continuidade
nas comunidades negras hoje estabelecidas nas "águas mansas" dos mesmos
rios.
Na Amazónia a escravidão negra não foi tão expressiva, em termos quan-
titativos, quanto nas regiões açucareiras, mineradoras ou cafeicultoras."3 To-
davia, mesmo dividindo o mundo do trabalho com o indígena, o negro consti-
tuiu parcela significativa da mão-de-obra, em especial na agropecuária,
serviços domésticos e atividades urbanas.
A presença da mão-de-obra escrava no baixo Amazonas tornou-se mais
efetiva a partir da segunda metade do século xvin, com os incentivos governa-
mentais através da Companhia de Comércio Grão-Pará e Maranhão, que esta-
beleceu uma relação direta entre os portos africanos e o norte do país. Ali o ne-
gro foi empregado na lavoura cacaueira, em especial até metade do século xix,
posteriormente na agricultura e sobretudo na pecuária. Ao longo desse perío-
do, a escravidão se verificou também nas atividades domésticas. Aos poucos o
africano passou a fazer parte do cotidiano da sociedade amazônica.
Com base na documentação cartorial e paroquial levantada em Santarém,
Alenquer e Óbidos, a maioria dos escravos africanos identificados veio do su-
doeste/centro da África, predominando os de "nação" Angola, Congo, Cas-
sange, Beijogo, Guiné, Benguela, aparecendo em menor número os de Mina e
Moçambique, entre outros."
Em uma região nova, num habitat marcado predominantemente por
matas, água e longas distâncias, o escravo africano foi encontrando meios de
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superar as adversidades e adaptar-se a uma nova sociedade, tornando o seu co-
tidiano e a sua convivência mais suportáveis.
A partir dos inventários post-mortem, foi possível perceber que os plan-
teis da região não eram grandes. Nos 270 inventários consultados, apenas três
senhores possuíam mais de cinquenta escravos, entre eles o barão de Santarém,
predominando os planteis com um a cinco escravos, num total de 128, e de, seis
a dez, para oitenta proprietários.
A leitura dos bens arrolados nesses documentos demonstrou que as pro-
priedades rurais no baixo Amazonas, em sua maioria, eram desprovidas de
construções em alvenaria. Geralmente as casas de vivendas eram construídas
de madeira, pau-a-pique ou adobe, cobertas de palhas. Nenhum deles faz
menção a senzalas fortificadas ou a casas de escravos. Essas, em sua maioria,
deveriam ser construídas de palha de palmeira, sem valer o bastante para serem
arroladas entre os bens.
As longas distâncias entre as propriedades, as dificuldades de comunicação
e o número reduzido de escravos nos planteis contribuíram para uma convivência
mais próxima entre escravos e senhores, e aqueles souberam valer-se dessas
condições.
Muitos dos planteis menores eram compostos de membros de família escra-
va. São poucos inventários em que não aparecem juntos mães e filhos, sendo co-
mum encontrar senhores possuindo duas e até três gerações de uma mesma
família em suas propriedades. A constituição de família foi a primeira forma en-
contrada pelo escravo, em seu universo social, de amenizar as adversidades, pois
"dentro do precário acordo que o escravo extraía dos seus senhores, o casar-se sig-
nificava ganhar mais controle sobre o espaço de moradia".n Ela constituía o lugar
onde a autoridade independia, em grande parte, da presença do senhor.
Esses espaços de autonomia eram buscados, também, nos momentos de la-
zer, em que diferentes elementos culturais se mesclavam. Valendo-se das festas
religiosas, os escravos cultuavam seus santos, cantavam e dançavam, o que muitas
vezes gerava indignação de padres e "homens da sociedade". Esse foi o caso do
vigário de Itaituba, que solicitou providências contra o "estado de desmoraliza-
ção, a que tem atingido o péssimo, estúpido e escandaloso costume de pedir es-
molas com ridículos caracteres que chamam de santo António, santo Estevão, es-
pecialmente no lago grande onde não se passa um dia sem ouvir-se rufo de caixa
ou cantarola de folia".13 Nas vilas, os domingos e dias santificados eram dias de
"pagodes", "sambas", "bailes negrinos" e de frequentar o "cassino africano".
As reclamações contra esses momentos lúdicos não se faziam esperar. Se-
gundo as pessoas "conceituadas do lugar", eram momentos em que o
senhor paga o pacau e a moralidade pública sofre. O escravo frequentador de tais
pagodes, sentindo-se baldo de cobre, exerce uma indústria qualquer, até mesmo
explorando as gavetas do senhor, de fazer face às despesas obrigatórias e no acú-
mulo de entusiasmo. 14
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Diante disso, solicitavam ao delegado de polícia de Santarém "a expressa proi-
bição dos escravos frequentadores do cassino africano que não se acharem mu-
nidos da licença por escrito de seu senhor".15 Sem dúvida havia um espaço
onde negros, libertos ou escravos, eram donos de si.
Esses aspectos não significam, de forma alguma, ideias equivocadas de
que houve uma aceitação tácita do escravo à sua condição social por um lado
e, por outro, uma benevolência explícita, ou mesmo implícita, dos senhores. A
luta de classe não deixa de existir. Há várias formas de fazê-la e é no cotidiano
que o escravo constrói a sua contra-ordem escravista.l6
As fontes documentais têm demonstrado que o escravo, como indivíduo,
mesmo limitado por um estatuto social, conseguia espaço para negociar, ma-
nifestar-se como agente histórico, convivendo num ambiente social do qual
fazia parte o seu senhor. Tinha queixas do destino a ele imposto e por isso es-
tava sempre buscando formas de superá-lo, pois "é nessa micropolítica que o
escravo tenta fazer a vida e, portanto, a história."17
E por que fogem? Bastaria dizer: porque são escravos. Mas há uma série de
razões decorrentes dessa condição, que levaram os cativos a empreenderem fugas.
BUSCANDO AS AGUAS BRAVAS
De acordo com a matéria veiculada no jornal Baixo Amazonas, de 8 de
janeiro de 1876, o ato de fugir era um "fato intuitivo", motivado pela "sedução".
Os escravos
não fogem porque os seus senhores os maltratem com castigos bárbaros, nem
porque desumanos os sujeitem a serviços que vão além de suas forças, antes o
escravo é também tratado como se fosse pessoa da família, porém eles fogem
acariciados pelos sedutores, pelos traficantes que os induzem a deixarem a com-
panhia de seus senhores para viverem livres nas matas em cata de drogas, que
comerciam para fartarem a ganância desses traficantes, que se internam pelos rios
Trombetas e Curuá, em cata de castanha, de óleo e salsaparrilha. A fuga dos
escravos não se opera pelos maus-tratos do senhor, e sim unicamente pela se-
dução.
Observando o conteúdo das falas dos escravos, percebe-se que não era es-
sa "sedução" a razão principal de sua fuga. A intransigência, as truculências e
o rompimento de acordos por parte dos senhores levavam os cativos a respon-
derem com uma das formas mais comuns de resistência, a fuga.
O preto João Pedro, ao ser questionado quanto às razões da fuga de seus
companheiros Mandu Molato, Preto João Pachury e José Cuiabá, respondeu
que fugiram por terem ouvido dizer que o novo administrador dos bens de seus
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antigos senhores iria "fazer salga contra eles e não lhes daria os domingos e
dias santos para poderem se arranjar os seus vinténs". 18
O lado mau dos senhores permanece na memória dos remanescentes e é
sempre ressaltado ao falarem sobre o porquê da fuga de seus ascendentes: "Eu
conheci pretos velhos e pretas que tinham a mão enrolada, isto por efeito da
queimadura, que o trabalho causava; os brancos também tinham o costume de
colocar estearina [vela] na mão dos escravos para lumiarem seus jantares".19
Maria Margarida Pereira Macambira, que tinha muitos dos seus escravos
"homiziados nos quilombos do rio Curuá e Trombetas",20 é personificada co-
mo o símbolo da maldade, fazendo parte do imaginário dos remanescentes:
"quando as mães tão, às vezes, com marvadeza com as crianças se diz: tu tá
Macambira já que mata teus filhos".21
Segundo Santa Rita, os mocambeiros
contavam histórias acontecidas com eles mesmos, lá com a Maria Macambira,
que comiam em cochos, parecia porco. Quando um escravo errava o mandado de-
les, saíam com o chicote pra lambar, davam surra mesmo. Quando tavam dormi-
no, assim muito, aí chegavam lá onde eles tavam dormino e cortavam as cordas da
rede e eles caíam, tinha que alevantá pra trabalha [...] tudo ali era uma sujeição
ridícula, que eles não tavam acostumado mas foram obrigados acostuma, por que
eles vieram da África. Aí foi o tempo que eles resolveram fugi. É penosos, a gente
acha penoso o que eles contavam, como era o trato deles.22
Com certeza a "sedução" de buscar as matas e ser livre não era unicamente o
apelo dos "traficantes sedutores".
A imagem dessa senhora, violenta e sem dúvida de forte personalidade, es-
tá associada aos momentos mais significativos da história desses mocambeiros,
como se depreende das falas dos narradores que, quando se lhes pergunta de
quem eram escravos seus antepassados, respondem rapidamente: "de Maria
Macambira, uma mulher malvada". As fugas dos escravos dessa proprietária e
de seus herdeiros, entre eles o barão de Santarém, constituíram um mito de
origem de uma parcela considerável dos quilombolas do Trombetas e, em espe-
cial, do Curuá, sobretudo daqueles que posteriormente constituíram o Pacoval.
A fuga individual ou coletiva geralmente ocorria em épocas de festas e,
mais especificamente, no período das cheias, dezembro a junho.
É aflitivo e verdadeiramente ameaçador em que [condições] vemos o direito de
propriedade neste município, relativamente aos escravos, [...] levas abandonam
seus senhores para se refugiarem nos soberbos quilombos que nos cercam. Todos
os dias registram-se muitas fugas de escravos e de vez em quando uma leva de dez,
doze, vinte e até trinta escravos [...] como as que se deram nas noites de 28 de
dezembro do ano findo e 3 deste mês [...] De janeiro a maio [período] em que
enche o Amazonas é tempo que os escravos julgam mais apropriado para fugirem.
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Neste tempo o trânsito, que é todo fluvial, facilita-lhes poderem navegar por ata-
lhos que conhecem ou por onde são conduzidos, sem receio de serem agarrados.23
Tempo de festa, tempo de cheias, tempo da castanha — é esse o tempo da fu-
ga. Os escravos buscavam o rio, à noite, em canoas, tomavam os furos, os igara-
pés, passando de um lago a outro. Pelos paranás varavam de um braço a outro do
rio. Adentravam pelo Amazonas, subiam para as cabeceiras de seus afluentes da
margem esquerda, onde se estabeleciam acima das primeiras corredeiras e ca-
choeiras, as "águas bravas".
Não se tem, ainda, conhecimento da existência de mocambos ao longo do
Tapajós, afluente da margem direita do Amazonas, talvez por ser um rio que es-
tava sob maior controle das autoridades. Era uma das vias de acesso à província
de Mato Grosso e, para atingirem as primeiras cachoeiras, os escravos fugidos
teriam de passar pelas vilas de Aveiro, Boim, Itaituba e aldeias dos Mun-
durucus, estes sempre recrutados para combate aos quilombos.
Segundo o mocambeiro Benedito, que tentou levar consigo alguns compa-
nheiros, para chegar ao mocambo "tinha que atravessar um tabocal, passando por
um igarapé e depois de atravessar gasta-se andando três dias para lá chegar".24
Conhecer o meio ambiente tornara-se fundamental para o sucesso das fu-
gas. No tempo das cheias, capinzais crescem às margens dos lagos e formam
tapagens, obstruindo os igarapés que ligam os lagos entre si e aos rios, dificul-
tando a passagem e camuflando os "caminhos". Estabelecidos acima das
corredeiras e cachoeiras, os quilombolas interpunham obstáculos naturais en-
tre si e seus perseguidores. Ultrapassá-los implicava ser bom de remo e hábil
em desviar-se das pedras. Por sua vez, os caminhos pelas matas encurtavam as
distâncias em relação a rios cheios de meandros. Para conhecê-los, era neces-
sário ser mestre.
Segundo Santa Rita, quando os escravos saíram de Santarém para o alto
Curuá,
eles queriam ir atrás do pessoal deles que já tinham regressado um pouco para o
Trombetas, fugidos. Então, eles fizeram essa mente de que se fosse subir ela,
Maria Macambira, já tava mais ou menos cismada de procurar os outros. Então
eles resolveram baixar de Amazonas abaixo no intuito de procurar um lugar onde
eles não fossem perseguidos, que ela ia perseguir. Aí, eles foram pra Monte Ale-
gre, porque iam caçando meio de se esconder mesmo, mas como não havia abri-
go pra eles aí, porque era muito pertinho da perseguição, arresorveram sartar de
Monte Alegre por terra e procurar os destinos deles, pra onde desse pra eles pe-
garem o rumo dos parceiros que havia ido pró Trombetas. Eles contavam isso as-
sim. Aí saíram atravessaram o Maicuru, mas ainda era perto da perseguição; aí
atravessaram o Curuá mas como é um rio muito seco, era verão, e de pouco ali-
mento pra eles, atravessaram pra vê se pegavam mesmo onde os outros parceiros
tavam. Aí foram, não alcançaram. Aí atravessaram o Curuá até que chegaram no
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Cuminá. Subiram rio acima, procurando lugar pra eles se acamparem melhor,
onde podiam fazer as moradas deles. Chegaram lá, deram com uma cachoeira
muito grande [...] Aí atravessaram o lajeiro fizeram a embarcação do lado de cima
onde pernoitaram e dexaram a colocação aí nesta entrada, justamente o nome da
cachoeira puseram o de Tracajá.25
Alcançar os parceiros, buscar um lugar seguro fora do alcance da
perseguição, onde fosse fácil encontrar alimentos junto à natureza, eram ele-
mentos que também estavam nos planos dos negros que foram para o rio Trom-
betas, e não "cidade Trombetas" como escreve Klein. 26
Segundo Donga, "foi depois que eles fugiram dos senhores, que eles
foram fazê a aldeia deles lá muito dentro das cachoeiras do Turuna e Ipoa-
na. A primeira foi Maravilha, a segunda, quando foram atacados, foi no Tu-
runa, daí foram pró Ipoana, lá os homens não chegaram mais".37 "Quando eu
era pequeno ainda cheguei a ver lá acima da cachoeira, a capoeira baixa, aba-
catais, laranjais, armações de casas que pertenciam aos negros de antiga-
mente", diz Dico referindo-se aos locais dos antigos mocambos do Trom-
betas.28
Vários caminhos conduziam aos altos dos rios.29 Após dias de viagem por
rios e caminhadas pelas matas, o negro conseguia romper com sua condição de
escravo ao chegar às "águas bravas", onde "moravam no centro porque que-
riam mas o acampamento, o lugar, o terreiro era na margem da baía".'" O acam-
pamento, o lugar, o terreiro onde o escravo assumia a sua condição de liberto,
era o mocambo. Livre, procurou integrar-se ao meio ambiente, com a outra
cultura ali existente — a indígena —, reestruturar sua vida sócioeconômica e
estabelecer vínculos com o mundo exterior.
VIVER EM MOCAMBO
"Chegaram lá, foram fazer o acampamento deles"; "fizeram as aldeias";
"construíram as casas e foram buscar a família", são frases que os narradores
sempre repetem ao se referir ao momento em que os quilombolas encontraram
o espaço ideal para se estabelecer.
Após superarem as dificuldades, fixaram-se em trechos navegáveis, aci-
ma das cachoeiras, áreas onde se podia plantar e a natureza era pródiga.
"Palmeiras e urucuris aí estão, comprovando-lhe a excelência das terras e mos-
trando que o preto teve dedo na escolha do local para o seu tugúrio", escreveu
Gastão Cruls referindo-se ao antigo sítio do mocambeiro Lauthério, no Ere-
pecuru." Esse mesmo sítio foi visitado pelo padre Nicolino, em 1877, quando
de sua primeira viagem àquele rio.12
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O mocambo Maravilha, por sua vez, "estava assentado sobre ambas as
margens do Trombetas onde ele mais estreita. A posição não podia ser mais có-
moda e bem escolhida: é o ponto mais estratégico. Em todo aldeamento contei
36 casas construídas de taipa cobertas de palha e porta de japa", tipo de cons-
trução ainda predominante na região.11 É necessário chamar a atenção para o
fato de que os quilombos não se localizaram apenas nas margens dos principais
rios. Em caso de se estabelecerem abaixo das cachoeiras, buscavam as cabe-
ceiras dos igarapés, como era o caso dos mocambos do Inferno, Cipoteua e
Caxange, nos igarapés do Inferno e Mamiá, ambos afluentes do rio Curuá.
Cabe ainda ressaltar que as habitações dos mocambeiros não eram neces-
sariamente aglomeradas, podendo estar espalhadas por um espaço relativa-
mente próximo de forma a garantir a segurança e a unidade do grupo. Esse as-
pecto fica claro no relato do franciscano Carmello Mazzarino, que passou dez
dias, em 1868, entre os quilombolas do Trombetas: "acolá achei cerca de 130
pessoas além de índios que estão no meio dos pretos, os quais estão divididos
por muitos lugares e em cada um achei uma linda capelinha onde praticam
alguns atos religiosos".14
A religiosidade ainda hoje é muito forte entre as comunidades negras,
sendo o catolicismo, pelo menos aparentemente, a única religião permitida e
praticada. Aparentemente, porque as benzeduras, a prática do curandeirismo, o
xamanismo, a puçanga (feitiço), a encomendação leiga das almas também
fazem parte de um universo cultural caracterizado pelo sincretismo religioso,
marca forte de identidade dessas comunidades, assim como dos mocambeiros.
Bem enfático é o sentido da devoção destes em relação aos seus santos, cujas
imagens esculpiam do âmago do tronco das palmeiras. Imagens que chocaram
Otille Codreau, em sua passagem pelo Pacoval em fins de 1900, nas quais via
um verdadeiro sacrilégio, considerando-as grotescas e disformes:
têm cada uma nome: este aqui são João, aquilo são Pedro, são Bendito e ali em
companhia de santa Luzia, santa Rosa, são Sebastião e até mesmo uma santa
Maria negra. Tive vontade de os fazer destruir todos esses horrores, tão pouco
artísticos, e que eles denominam de um pomposo nome de santos. Essas estátuas
são só o reflexo de sua cultura, rebaixada ao mais baixo grau da escala social.35
As festas em homenagem aos santos, cujos atos religiosos eram dirigidos
por "vigários e sacristãos" dos mocambos, também faziam parte da vida dos
quilombolas, festas em que o sagrado e o profano se confundiam. Eram mo-
mentos de fé e de lazer, quando dançavam o uuiê — hoje o marambiré entre os
moradores do Pacoval —, tomavam bebidas, e namoravam. Segundo O. Co-
dreau, após os "pagodes" realizados no Barracão de Pedras, "as moças e mu-
lheres jovens passavam nove meses incomodadas".16 Uma nova família estava
surgindo ou sendo aumentada.
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A instituição familiar era a base da organização social dos mocambos e
uma garantia de sua reprodução. Eram frequentes as fugas de famílias escra-
vas, como por exemplo Honorato, escravo de Mathias Afonso, que, na noite de
4 de janeiro de 1876, fugiu do "sítio da costa do Amazonas, levou uma mon-
taria do porte de cinquenta arrobas e foi acompanhado da mulher Domingas,
uma tapuia que costuma mudar de nome, e dois filhinhos"." Foram ainda Se-
verino, mulato de dezessete anos, e Bento, preto de onze anos, ambos filhos da
preta Maria Severina, escravos de José Joaquim Pereira Macambira.
Outras famílias formavam-se a partir da união entre mocambeiros ou des-
ses com indígenas, com os quais dividiam o mesmo espaço. O religioso Maz-
zarino realizou, em 1867, dezoito casamentos no quilombo por ele visitado no
alto Trombetas. Na realidade, o que deve ter acontecido foi a legitimação, pe-
rante a Igreja, da união de casais que, consensualmente, já dividiam havia muito
tempo o mesmo teto. Relacionamento comum ainda hoje entre os moradores do
Pacoval, onde entre as 115 famílias existentes aproximadamente 50% dos ca-
sais "são juntos", ou seja, não oficializaram perante a lei suas uniões.
Os documentos consultados, em especial os autos de inquirição, indicam
a presença de um número considerável de crianças nascidas nos quilombos. A
título de exemplo, observa-se que entre os 74 quilombolas aprisionados nos
mocambos Inferno, Cipoteua e Caxange no rio Curuá, em 1813, dezessete tive-
ram a filiação identificada.38 Entre os 135 mocambeiros do Curuá levados pre-
sos para Belém, em fins de março de 1876, 39% possuíam menos de dez anos
de idade.39
Os mocambos da região cresciam em razão da reprodução natural de sua
população e da chegada de novos fugitivos da escravidão, por iniciativa própria
ou cooptados pelos quilombolas, quando de suas visitas às vilas.
Todos os anos de maio a junho, período em que os quilombolas fazem o desci-
mento para vender seus produtos e adquirir munição e suprimentos, por ser o tem-
po mais oportuno pela facilidade que dá as enchentes dos rios [...J é nesta época
justamente que multiplicam as fugas de nossos escravos.™
De acordo com João B. Rodrigues,
avultado é o número desses desgraçados que sobe a mais de 1000, compreenden-
do a prole aí nascida e criada [...] a avaliar pelas famílias com que tive. Raros são
os africanos que hoje existem, tendo só o distrito de Óbidos, aí fugidos 75, sendo
44 homens e 31 mulheres. 41
A existência desses quilombos por tão longo tempo, com contingente
populacional significativo, implicava a presença de uma estrutura de poder e
lideranças, capazes de garantir alguma unidade, coordenar a resistência e asse-
gurar a reprodução dessas sociedades. O primeiro documento que permite fazer
477
l. Vista de Pacoval
(Foto: Funes).
2. Marambiré: dançando o "Ambirá"
(Foto: Funes).
3. Cena do cotidiano
(Foto: Funes).
uma leitura dessa estrutura, nos mocambos da região, data de 1813. Trata-se do
relatório sobre a prisão dos quilombolas do Inferno, Cipoteua e Caxange, no
rio Curuá. Na relação dos mocambeiros presos aparecem: João Caxange,
cabeça do mocambo; Sebastião, cabeça e reformador do mocambo; Manoel,
vigário do mocambo; Ana Joaquina, rainha do mocambo; Silvestre, ouvidor;
Caetano, sacristão. Estes dois últimos morreram em combate.42
Conforme Barbosa Rodrigues, quando as tropas atacaram esses quilom-
bos, "viram por entre o mato, uma força armada e um preto, ainda moço, que
ia ser justiçado. Ao lado estava um preto africano aos pés do qual viram cair
uma preta lavada em lágrimas implorar o perdão de seu filho, respondeu então
com ar soberano o mesmo 'palavra de rei não volta atrás'".43
É interessante observar três pontos: 1a — O poder de mando em mãos de
africanos, havendo inclusive um dos quilombos com o nome de uma "nação"
africana, Caxange, o mesmo que Cassange; 2a — a forma "monárquica" de
governo; 3S — a existência de um sistema de justiça próprio.
Sobressaem, ainda, as figuras do vigário, sacristão e ouvidor, que talvez na
estrutura administrativa desses mocambos não tivessem essas denominações,
mas sem dúvida desempenhavam atividades condizentes com seus cargos,
semelhantes a outras sociedades, inclusive as africanas. Há uma espécie de con-
479
tinuidade de organização africana e adaptação de estruturas administrativas
americanas. De acordo com Tavares Bastos, os negros do Trombetas viviam
debaixo de um governo despótico e eletivo, com efeito, eles nomeam o seu go-
vernador, e diz-se que os delegados e subdelegados são também electivos. Imitam
nas designações de suas autoridades os nomes que conheceram nas povoações.44
No sentido de conferir as informações dadas por Bastos em 1866, Barbo-
sa Rodrigues escreveu, em 1875, que ao indagar dos quilombolas da Tapagem,
no rio Trombetas, muitos dos quais vivendo ali havia mais de trinta anos, se
existia esse tipo de governo, responderam
que procurando eles a liberdade, não se sujeitavam a poder algum, que cada um
governa a sua família, e que como o proveito era comum, viviam na maior união
sem que até o presente tivesse havido um só caso de homicídio.45
Considerando que no início do século xix havia um contingente significati-
vo de africanos nos mocambos, esses buscavam nas suas origens modelos de
urna estrutura de poder. Posteriormente, quando a presença de nacionais tornou-
se maior, a estrutura de poder não foi rompida. Podem ter desaparecido a figura
da "corte", os governos "despóticos", mas não a autoridade, os chefes, os
cabeças dos mocambos, lideranças que eram em sua maioria os mais antigos dos
quilombos. Um poder que até hoje é lembrado pelos velhos que não sentem mais
o "respeito dos jovens". A autoridade de um idoso representava a de um pai.
BICHO DO MATO — SOBREVIVÊNCIA E SOLIDARIEDADE
Na Amazónia, a relação quilombola/meio ambiente não foi fundamental
apenas para a fuga, mas, principalmente, para a sobrevivência e reprodução
dos quilombos como organização social diferenciada da ordem escravista. O
escravo, até então ocupado em atividades agropastoris e serviços domésticos,
se viu diante de uma nova realidade, na qual, além da agricultura, devia caçar,
pescar e praticar o extrativismo para garantir a sobrevivência.
Conforme Santa Rita, os mocambeiros que chegaram ao Curuá e Cuminá,
"lá estiveram um bocado de tempo, comendo massa de babaçu feito farinha e
umas massas de uricuri que eles chamavam de nhamundá. Eles se sustentavam
como bicho do mato".4'1 Depreende-se dessa fala a alteração na alimentação,
com a inclusão de novos géneros que até então não faziam parte do seu padrão
alimentar. O alimento adquirido junto à floresta os identificava com os animais
e os gentios que dividiam o mesmo espaço. A expressão "bicho do mato" é
bem simbólica, uma forma pejorativa de se referir ao índio, significando, tam-
bém, aquele que pertence à mata, filho da floresta.
480
Essa "relação maternal" é sentida até hoje na fala dos mais velhos, como
na de Rafael Printz Viana, morador da comunidade do Abui, no alto Trombe-
tas, para quem
a floresta é, como nós chamamo essa música — nossa mãe cachoeira — assim nós
chamamo também nossa mãe floresta, nossa mãe porque dela tiramos pode se di-
zer de um tudo, desde a saúde [...] Então quer dizer, nossa mãe floresta é vida.47
Remédios para diarreia, dores de cabeça, fórmulas infalíveis contra picadas de
cobra e medicamentos contra outros males são extraídos da mata, que repre-
senta um grande laboratório farmacêutico, sempre bem utilizado por essas co-
munidades.
Foi a partir da convivência com a floresta, da percepção do que acontece
nela, que um mocambeiro, observando a ingestão de várias espécies de folhas
por animais ofendidos por cobras, descobriu um antídoto, utilizado até hoje.
"O contraveneno", cuja fórmula é mantida em segredo e passada de geração a
geração pela família Assis, tornou-se um elemento de identidade e poder no
Pacoval.
Nos rios e lagos buscavam, e ainda buscam, o peixe, alimento do cotidia-
no. Faziam grandes salgas para se alimentarem nos períodos em que o pesca-
do escasseava. Incorporaram à culinária a tartaruga, o tracajá e os seus ovos.
Segundo J. Maximiano de Souza, do mocambo Maravilha,
vê-se a serra Icamiaba revestida de relva, que disse o preto Benedito ser essa rel-
va batata-doce, que ali cresce espontaneamente e de que se alimentam os mo-
cambeiros e os gentios, disse mais ainda que nessa seira, em certo tempo do ano,
fazem grande caçada de porco montês que charqueiam para o abastecimento do
mocambo/8
As atividades económicas básicas dessas sociedades quilombolas eram o
extrativismo, a agricultura e, em menor escala, o comércio. A região onde se
encontravam era, e ainda é, um castanhal único que vai desde o rio Paru de
Leste até o Trombetas. A coleta da castanha constituía, e ainda é, fonte de ren-
da natural das comunidades. Além disso extraíam a salsaparrilha, o óleo de co-
paíba, fabricavam óleo de uixi-pacu e piquiá, utilizados na iluminação.
Como em outras regiões, ali também se desenvolveu uma agricultura de
subsistência nos roçados, feitos em pequenas clareiras abertas nas matas, onde
plantavam legumes e, em especial, tabaco e maniva, espécie de mandioca
própria para o fabrico da farinha, alimento básico dos mocambeiros. Segundo
Donga, a sua avó lhe contara que os negros quando fugiam do cativeiro
não levavam feixe de maniva não. Aquelas caboclas, mulatas grande quando
tavam iniciando pra fugi, iam na roça tiravam a semente de maniva, tabaco, se-
mente de tudo quanto é planta, melancia, maxixe e iam meteno na volta do ca-
481
belo [...] chegavam lá iam planta, que quando os outros chegavam, já tinha pra
sustento.4'
Ao contrário do que se verifica em outros casos, os quilombos do Curuá,
Cuminá e Trombetas localizavam-se a longas distâncias dos centros urbanos e
não desenvolveram uma "economia parasitária", caracterizada por assaltos e
furtos.50 A grande reclamação, por parte dos senhores, não era contra tais práti-
cas, mas sim em relação ao prejuízo causado pela própria fuga dos escravos,
muitas vezes decorrente da prática de cooptação realizada pelos mocainbeiros.
Mesmo desenvolvendo uma economia voltada principalmente para a
subsistência, os quilombos produziam um excedente que era comercializado
com regatões ou vendido diretamente na cidade a "pessoas certas". Através da
relação comercial, os mocambeiros entraram no esquema do aviamento.5' In-
seriram-se no ambiente local e assumiram importância económica no abaste-
cimento do mercado regional, como produtores de géneros agrícolas e extra-
tivos. "Quando procura-se tabaco, pergunta-se logo: quer do mocambo? É o
melhor."52
Nesse processo de inserção, havia um jogo de cumplicidade. De um lado,
o quilombola, ao definir a "pessoa certa" com quem passava a negociar,
adquiria todos os produtos que lhe eram necessários e ainda ampliava sua rede
de informação sobre os acontecimentos da cidade, podendo inteirar-se das ex-
pedições punitivas com antecedência. Do outro lado, estavam o regatãoe o
comerciante fixo da cidade, interessados em manter uma freguesia que lhes
garantisse lucro; daí passarem informações aos mocambeiros, acoitá-los quan-
do vinham à vila e omitir informações relativas à localização dos mocambos.53
O vínculo com os centros urbanos, via comércio, fazia parte de uma rede,
tecida pelos mocambeiros, que perpassava a relação com os indígenas e os
bush negrões da Guiana Holandesa, além de interligar os vários mocambos da
região.
Na medida em que o homem branco foi ampliando a ocupação do espaço,
forçou o índio, em especial o que escapara da ação missionária, a recuar para
áreas mais distantes, onde, livrando-se do efeito civilizatório, manteve a sua
identidade e reconstruiu a sua territorialidade. Seria esse o espaço a ser ocupa-
do também pelo negro ao fugir da ordem escravista. O encontro entre os "dois
párias da sociedade" foi marcado por momentos de conflito e de aliança.
A convivência dos quilombolas parece ter sido mais tranquila com os gru-
pos Caxuana e Tiriô.54 Por sua vez, os conflitos mais diretos ocorreram com os
Kahyanas, ocupantes do médio e alto Trombetas, na primeira metade do sécu-
lo xix, motivados principalmente por roubo de mulheres. Conforme fala dopi-
adze (pajé) caxuana, Tonhirama, narrada a Protásio Frikel, os negros do mo-
cambo Maravilha atacaram as malocas e roubaram mulheres. Os índios, por
482
sua vez, vingaram-se, provocando represália por parte dos quilombolas e, as-
sim, "os Kahyana criaram medo dos mocambeiros e resolveram logo o caso.
Juntaram os troços mais necessários e foram-se embora para as cabeceiras do
Trombetas, onde tinham parentes"."
Essa experiência histórica de contato e interação social com vários grupos
étnicos indígenas produziu a incorporação de elementos da cultura material e
simbólica, principalmente dos Caxuanas do alto Trombetas e Erepecuru. Um
exemplo concreto desse fenómeno de interação sociocultural é a presença
(incorporação) no imaginário das comunidades negras do "mito da cobra
grande".56
Ao se apropriarem dos meios de resistência disponíveis pelos índios, os
mocambeiros renovaram a sua capacidade de superar novos desafios. Com os
nativos aprenderam os segredos das matas, conheceram os caminhos por terra
e mantiveram contato com os quilombolas do Suriname.
Mesmo que a comunicação entre os mocambeiros dos altos rios da região
e os bush negrões não tenha sido frequente, e o contato comercial entre eles
feito através dos grupos indígenas que circulavam pelas duas fronteiras, em es-
pecial os Xarumas e os Tiriôs, a colónia holandesa e a condição do negro ali
não eram desconhecidas. Os quilombolas brasileiros sabiam que, além dos
campos gerais e da cordilheira do Tumucumaque, a escravidão já não mais
existia, sobretudo após a década de 1860. Um aspecto resgatado por d. Dica, ao
afirmar que os seus antepassados, em razão da perseguição das expedições
punitivas, fizeram um segundo acampamento no al"to rio Cuminá que "ficava
pra pega a margem da baía, não ficava longe a cidade de Holanda, que eles
sabiam onde era mas não iam lá porque não dava".57
Se os mocambeiros do Cuminá-Panema não iam, os do Trombetas "têm
aberto uma comunicação com o norte com a colónia holandesa pela razão de
negociar, e assim essa gente vai subindo pouco a pouco e a comunicação vai
aumentando cada vez mais; não só os pretos como muitos índios".58 Conforme
P. Frikel, com base em indicações indígenas, "anualmente os Dyuka [Djuka]
faziam viagens comerciais às aldeias Tiriô [...] os principais artigos de trocas
mútuas eram cachorro de caça e arcos fortes pelo lado índio, e pano vermelho,
miçangas e instrumentos de ferro por parte dos negros".59
Em 1858 o delegado de Óbidos já alertava as autoridades provinciais
quanto aos riscos da proximidade com a Guiana Holandesa. Dizia ele:
Os perigos que nos cercam são inúmeros porque além dos mocambos do Trom-
betas e de outros menores [...] existem os índios aquém da cordilheira Tremu-
bitaque [Tumucumaque] e para além da mesma cordilheira existem três repúbli-
cas independentes de negros que infalivelmente devem comunicar-se com os de
cá por intermédio dos índios [...] Desta cidade à de Paramaribo, sobre a margem
483
do Surinam, existem apenas 140 léguas de 18 graus [...] As repúblicas de que aci-
ma lhe falei foram reconhecidas pelos holandeses em 1809 e existem uma ao lon-
go do rio Maroni, outra sobre o alto Saramaca, e a outra sobre o alto Gótica. To-
das por conseguinte a menos de 100 léguas desta cidade. A nossa lavoura definha
pelas numerosas fugas que diariamente aparecem e se não der providências cer-
tamente bem cedo estaremos sem um escravo".6"
Tomando por base essas distâncias, os quilombolas do Trombetas es-
tavam a aproximadamente cinquenta a sessenta léguas dos três principais gru-
pos de bush negrões:
Aucan, Saramaccam e Moesinga ou Matracone, que por sua vez têm suas pró-
prias subdivisões conhecidas entre os próprios tribais embora raramente reconhe-
cida pelos outros. Assim, pelo título geral de Aucans, estão incluídos os negros
Bonni, Paramaccam e Poregoedoc; o luango pertence aos Saramaccans e os
Koffys aos moesingas."
A possibilidade de se transferirem para aquela colónia, onde a escravidão
já tinha sido abolida, não era descartada pelos quilombolas do lado brasileiro,
que a utilizavam como forma de pressionar o governo no sentido de reconhecer
a sua condição de libertos. Segundo o frei Mazzarino, os mocambeiros do
Trombetas propuseram ao governo da província condições para se apresen-
tarem, mantendo porém a sua liberdade.
Os ditos pretos desejam muito aldear-se e darem cada um a seu senhor a quantia
de 300SOOO réis para a sua liberdade, no prazo de quatro anos, sofrendo porém al-
guma diminuição os mais velhos. [...] Desejam também pelo espaço de seis anos
ficar isentos de qualquer imposição e recrutamento. Enfim querem ser dirigidos
só por missionários excluindo-se qualquer autoridade civil. Faltando uma das di-
tas condições não querem sair, pela razão de que acabando a guerra do Paraguai
se o governo não lhes dar a liberdade estão resolvidos a transferir-se para a coló-
nia holandesa.62
Chama a atenção o fato de que o aldeamento dos "pretos" também inte-
ressasse a esse religioso, pois facilitaria a ação missionária junto aos índios.
Por outro lado, deve se destacar o domínio dos mocambeiros sobre o que esta-
va ocorrendo no plano de uma conjuntura maior, e o fato de saber valer-se dela,
como é o caso da guerra contra o Paraguai e a vinculação que se fazia entre es-
sa e a abolição da escravatura, e a partir daí negociar sua liberdade.
A comunicação entre quilombolas se dava ainda dentro da "Guiana bra-
sileira", como também é conhecida a região entre a cordilheira do Tumu-
cumaque e o rio Amazonas, possibilitando o fortalecimento dos mecanismos
de informação e resistência. Tornando conhecidos entre si os diversos mocam-
bos, era possível uma maior mobilidade, principalmente nos momentos de
484
ataque. Isso aconteceu com o negro Athanásio, que foi para o Trombetas, com
seus companheiros, após a destruição de seu quilombo no Curuá, em 1813;63 e
com Basílio António, que esteve no Maravilha e depois que "este mocambo foi
destruído, pela tropa do governo, em 1855, passou-se para outro mocambo de-
nominado Turunu, acima do Maravilha", sendo preso no paraná de Alenquer,
localidade distante deste último quilombo.64
A teia de solidariedade e interesses, tecida aos poucos pelos mocambei-
ros, permitiu que os quilombos do Baixo Amazonas sobrevivessem por todo o
período da escravidão.
DESTRUÍDO SIM, DERROTADO NÃO: A RESISTÊNCIA
DOS "MOCAMBOLAS"
Os quilombos representavam uma ameaça constante à sociedade escra-
vista. Eram vistos como uma "praga", uma "chaga de longa data" e acarretavam
prejuízos aos bolsos dos senhores, pois parte de seus bens se evadia para as
matas, diminuindo a força de trabalho e afetando uma economia visivelmente
arruinada. Cabia ao Estado acabar com esses refúgios de escravos, restabele-
cendo a ordem e a tranquilidade.
A partir da década de 1860, não se tem notícias de que alguma expedição
tenha adentrado o Trombetas para bater os mocambos ali existentes. No to-
cante ao Cuminá/Erepecuru, em nenhum momento os documentos men-
cionam a destruição de seus quilombos. Os mocambeiros do Curuá, provavel-
mente por estarem mais próximos dos centros urbanos, conheceram com
maior frequência, até meados da década de 1870, os ataques das expedições
punitivas. Vejamos como se processou a repressão aos mocambos desse rio.
A presença de quilombos no Curuá data da segunda metade do século
xvm, constituindo preocupação para o governo colonial que, em 1799, reco-
mendava que nas expedições punitivas "hajam bons guias e que haja todo seg-
redo para que não se mude".65 Durante uma década as autoridades não lo-
graram êxito nos embates contra os mocambos do Curuá. Em 1807, houve uma
diligência contra eles em que, com certeza, não foram seguidas as orientações
do governo, já que nada se conseguiu por falta de guias. E os "mocambistas
ficaram mais atrevidos e cuidaram logo de se mudarem e desse tempo a esta
parte ignora-se o lugar em que fizeram o novo mocambo".66
O primeiro resultado positivo obtido pelas forças militares ocorreu em 1813,
quando foram destruídos os quilombos do Inferno, Cipoteua e Caxange, por uma
expedição que durou três meses, com um corpo de 375 pessoas — perto de qui-
nhentas, segundo o comandante —, entre as quais vinte índios mundurucus, mais
de duzentos cartuchos e munição de boca para durar um mês.67 Foram aprisiona-
485
dos 74 quilombolas, entre homens, mulheres, crianças e uma índia. Morreram
oito mocambeiros e conseguiram escapar dezessete. Os "quilombos estão arrasa-
dos, tudo feito em pó e tudo quanto era de semente lançado no rio".68
Antes de retornar a Santarém, o comandante da expedição, Manoel Joa-
quim Bentes, enviou correspondência ao comando militar, pedindo permissão
para desembarcar diante da igreja de N. S. da Conceição, a quem gostaria de
primeiramente render as devidas graças
por tantos benefícios que estes são admiráveis, que basta dizer que em perto de
500 pessoas havendo tantos tiros não perigar uma só pessoa [...] eu mandei pedir
ao padre vigário e a V. S. igualmente peço, para estar pronto para dizer uma mis-
sa a N. S., que lhe prometi e logo que chegássemos ir ouvi-la e a tropa toda e de-
pois disto marcharmos com os prisioneiros até o quartel de V. S. para de lá deter-
minar o que bem lhe parecer".6'1
Era a festa da vitória.
Foram muitas as dificuldades enfrentadas pela diligência para alcançar os
referidos quilombos,
passando regatos com água pela cintura, passou serras as mais íngremes, estradas
de pedregulhos e de pedreiras, de que resultou tanto as tropas como os índios
chegarem ao porto de destruição, donde se determinaram a distribuição de várias
bandeiras, todos estropiados [...] passados quatro e cinco dias sem nada poderem
descobrir. Porém saindo o principal dos mundurucu, passados três dias, feliz-
mente, encontrou com o rasto por onde se acostumavam recolher os negros para
os seus mocambos, não era muito fácil que outra nenhuma tropa não estando
dominada de entusiasmo de destruir por uma vez estes péssimos mocambos o
pudessem conseguir, pois só de marcha passaram oito dias ao chegar no primeiro
mocambo e dois ao último [...] terrível se pode chamar pois basta ter o nome de
Inferno.'"
Os mocambeiros apreendidos foram entregues a seus proprietários. Se-
gundo o comandante militar de Santarém, Manoel da Costa Vidal, muitos dos
que conseguiram escapar do cerco aos quilombos vieram procurar padrinhos
para se apresentarem aos seus donos, que "nada fizeram, destes três fugiram
sem que lhes fizesse castigo nenhum" e, dependendo do tratamento dado pelos
senhores a
estes que tão imenso trabalho custaram em pouco tempo teremos outro mocambo
formado, porque já estão mestres das malas então talvez seja pior do que tem sido,
estes são os meus sentimentos e o que a experiência por aqui me tem mostrado."
A previsão se concretizou. Os quilombos podiam ser destruídos, os qui-
lombolas não. Assim como as árvores que têm seus caules decepados, mas,
mantendo as raízes, brotam, ou como as sementes que levadas pelos pássaros e
486
rios nascem em outras paragens, com a mesma qualidade, os mocambos nas-
ciam e renasciam com o mesmo ideal de liberdade em outros cantos das matas.
Por muitos anos os mocambos do Curuá voltaram a ser atacados sem so-
frer grandes danos. A maioria das expedições punitivas obteve mais derrotas
do que sucesso. Fracassos impostos pelos entraves burocráticos, falta de guias,
problemas de ordem natural como a seca ou a chuva, pouca vontade das au-
toridades locais, em especial aquelas ligadas ao comércio e negociando com os
quilombolas, e o fato de estes saberem, com antecedência, das diligências que
estavam sendo organizadas e se mudarem para outros lugares.
Em julho de 1849, em Santarém,
tiveram lugar duas batidas com 75 praças policiais de linha e 33 índios mundu-
rucus servindo de guias e práticos. Na primeira os escravos, pressentindo-a, emi-
graram para a parte superior do Curuá e falhou completamente; na segunda, ten-
do adoecido em marcha o comandante da expedição, e o seu imediato dirigiu tão
mal o cerco do mocambo que os negros se puderam quase todos escapar, cap-
turando-se apenas 11, mas depois disso têm vindo aos lotes muitos escravos
apresentarem-se a seus senhores."
Em 1863, o Curuá foi palco de uma nova expedição, organizada pelo de-
legado de polícia de Santarém José Pereira Macambira, marido de Maria Ma-
cambira, que não obteve sucesso em razão "das dificuldades e obstáculos na-
turais que a mesma diligência encontrou"."
Chama a atenção o fato de os quilombolas "pressentirem" as expedições,
o que sempre era feito por intermédio da informação de algum aliado. Nesse
particular, é interessante uma menção à devoção desses grupos, ao atribuírem
poder de ajuda aos santos como fatores fundamentais na luta contra seus
perseguidores. Conforme José Santa Rita, todas as vezes que o santo António
virava de costas, era sinal de que um ataque ao mocambo estava para ocorrer.
Ilustrativa é a história narrada por d. Dica, que ouvira de sua avó, e prova-
velmente se refira à expedição de 1863.
Foi de manhã, eles foram lá, ele tava direto prá onde vinham. Aí disseram: olhe de
costa Higino, santo António, vamo vê como tá ele, tá dando sina vamo com a ve-
lha, uma velha que tinha que não enxergava mas ela sabia de tudo, que na África
eles sabiam muitas orações boas, ela fazia as preces dela que tudo dava certo. O
velho Higino disse: olhe vamo trata de se arretirá daqui, que o negócio vem atrás
de nós, vem mesmo. Aí não duvidaram, foram roça noutra parada, roçaram tudo,
tocaram fogo e fizeram barraca e se mudaram para lá. Já tinham feito casa, des-
manchado a roça de lá, feito farinha, aí quando conta de cinco dias, eles acabaram
de carrega todos os troços. Aí, lá quando foi esse dia, que já não tinha mais nada
lá, eles tavam perto, a Maria Macambira com o homem lá da vila, dois filhos dela,
um neto e mais um pessoal [...] mas não acharam nada.
487
Na baxada deles, naquelas águas toda, morreu logo um que não era deles, fo-
ram baxando, foram alagado, morreu o filho da Macambira afogado e outros de
febre de sezão, tudo eles [...] Aí essa mulher que veio de novo, dexa que quando
chegaram lá no Benfica (primeira cachoeira do CuruáJ é que baxou uma cabeça
d'água muito grande e ela não pôde passa e ainda quase alagou [...j O tempo foi
passando, aí mesmo sossegado o velho pai disse: Sabe d'uma coisa, vamo embo-
ra se entrega pró governo viu, é certo. Aí olha, desmancharam a roça, fizeram fa-
rinha, açúcar, colheram café e tudo e baxaram.
Essa foi a grande derrota dos quilombolas do Curuá, em 1876. Eles foram pre-
sos por Martinho Beato, a mando da Justiça de Alenquer, diz Santa Rita.
Luiz de Oliveira Martins, o Martinho Beato, era delegado de polícia de
Alenquer, tinha casa de comércio no paraná e com certeza mantinha relações
comerciais com os mocambeiros. Aliás, continuou a fazê-lo logo que esses se
estabeleceram no Pacoval,após regressarem de Belém para onde foram leva-
dos presos.74
Em correspondência ao Ministério da Justiça, o presidente da província
afirmou que,
não querendo empregar inutilmente a força, obtive depois de alguns meses, to-
madas algumas medidas e emprego de meios suasórios, graças à inteligente exe-
cução que ao plano deu o delegado de polícia de Alenquer, major Luiz de Oliveira
Martins, acabar com o célebre mocambo do Curuá em Alenquer, conhecido por
mocambo do Inferno, e estão n'esta capital 135 pretos cuja condição é averigua-
da para os fins legais."
Na certa, um dos meios "suasórios" utilizados prendia-se ao argumento
de que eles, quilombolas, não precisavam mais permanecer refugiados, pois
em razão de não serem matriculados de conformidade com a lei de 1872, se-
riam considerados livres. Sendo aconselhados a se apresentarem às autorida-
des provinciais, o fizeram com o delegado de Alenquer, que provavelmente se
propusera a apadrinhá-los.
Observe-se o depoimento de Manoel da Cruz, setenta anos de idade, na-
tural da Costa da África, um dos quilombolas presos, que já tinha sido liberta-
do pelos herdeiros de Maria M. Pereira Macambira. Perguntado
como chamava sua senhora respondeu que chamava-se Maria Margarida Pereira.
Declarou que de sua livre vontade procurou a autoridade, visto não querer morar
mais no mato e que sua vontade era prestar seus serviços a sua majestade o Im-
perador, em quem confia lhes dará sua liberdade e a de seus companheiros e pa-
rentes a quem aconselhou que viessem consigo.76
É interessante observar que no dia 6 de abril de 1876, d. Pedro 11 passou em
Belém por ocasião de sua viagem aos Estados Unidos.
O Diário de Belém de 28 de março de 1876 abria a notícia "Quilombo do
Inferno" informando da chegada do major Martins, que trouxera em sua com-
panhia e apresentara ao presidente da província
o chefe ou cabeça dos habitantes daquele quilombo, onde há centenas de escravos
fugidos e desertores, pedindo a sua intercessão para que sejam declarados livres
os escravos e agraciados os desertores, para o fim de restituí-los ao seio da so-
ciedade.
Não sabemos até que ponto é exato o fato que nos o referem, como não sabe-
mos se alguma coisa poderá fazer a presidência [...] o que sabemos é que é
necessário extinguir aquele quilombo seja por meios suasórios ou conciliadores,
seja por meio da força, porque o quilombo do Inferno é desde muito tempo um es-
tado dentro do estado e constitui o terror dos habitantes das paragens que mais lhe
avizinham.
Naquele mesmo dia, os mocambeiros do Curuá foram notícia no Jornal
de Belém, que anunciava a chegada deles pelo vapor Óbidos e se congratulava
com o delegado pelo sucesso da diligência: "sem emprego da força e quase
nenhum dispêndio de dinheiro público. Daquele número de pretos fez o digno
delegado balizar na freguesia cerca de 115, entre homens e crianças".
No decorrer de 1876 e 1877, os quilombolas do Curuá sempre estiveram
nas páginas do jornais de Belém, que ao assumirem a causa daqueles, o fize-
ram por serem de oposição ao governo provincial, mais do que por razões abo-
licionistas, como foi o caso do Diário de. Belém, sempre apontando saídas den-
tro da legalidade.
Foi em nome da lei que 115 mocambeiros, dos 135 levados para a capital,
foram classificados em três ordens: os não-matriculados, os nascidos livres e
os em litígio. Por sentença do juiz, tornaram-se libertos (de conformidade com
o artigo 6a, parág. 4a, da lei na 2040, de 28 de setembro de 1871, e parág. 4C, do
artigo 75, do regulamento expedido pelo decreto n° 5315, de 13 de novembro
de 1872) 28 dos quilombolas e 35 menores livres, por terem nascido depois da
Lei do Ventre Livre.77 Os demais, mesmo aqueles que durante os autos de per-
gunta responderam não possuir senhores, foram mantidos presos, em razão de
serem motivo de litígio por parte de seus pretensos senhores, em especial o ba-
rão de Santarém e demais herdeiros de Maria Macambira.
Os quilombolas litigiados, e mesmo alguns considerados libertos, foram
distribuídos entre particulares, a título de depósito, alguns mediante pagamen-
to ao Estado, pelo depositário, de 10$000, e outros sem nenhum pagamento.
No primeiro caso, Roberto Heskth recebeu três; Firmo Dória, três; Camilo
Home, um; Cypriano de Melo, um, e Manuel de Barros Rodrigues, um. Na se-
gunda modalidade, o major Chaves obteve um; o solicitador Rosa, um, e o sr.
Affonso Moagim e Frederico Rhossard, 34.78
489
Tal atitude gerou críticas por parte dos jornais Província do Pará e Diário
de Belém , não pelo fato de os mocambeiros serem dados a depósito, mas pela
forma desigual como foram distribuídos, gerando uma disputa editorial com o
Diário do Grão-Pará, do qual fazia parte Rhossard.
Nas mãos dos depositários, os quilombolas voltaram à escravidão, inclu-
sive aqueles que nunca a haviam vivenciado por haverem nascido nos mocam-
bos. O que evidentemente não aceitaram. Esse momento é ressaltado por d. Di-
ca, ao rememorar o tempo em que seus antepassados estiveram presos em
Belém:
eles foram procura trabalho, mas muitos não foram bem, olha passaram mal. Aí
quando foi um dia se aborreceram, vieram de lá do tal de Rossá [Rhossard]. Vie-
ram, chegaram e disseram pró governo que eles tinham resorvido vim embora,
que eles tavam trabalhando, que o que tavam ganhando num era nem pra come. Já
que queria que eles trabalhassem, ganhassem ao menos pra come.79
Com esse episódio, mais uma vez os quilombolas, recolhidos novamente
na cadeia, ganharam as páginas dos jornais. O Diário de Belém de 25 de março
de 1877 denunciava o estado de abandono e violência contra os mocambeiros
recolhidos na cadeia, e acrescentava
que o sr. dr. Meira Vasconcellos interrogou os pretos e d'eles ouviu a razão deter-
minante, de não sujeitarem ao depósito no estabelecimento de Rhossard, cujo
feitor os obrigava a um trabalho forçado, sem lhes dar roupa para vestir e mais do
que uma comida em 24 horas. Este fato foi comprovado com a declaração unâ-
nime dos infelizes do Curuá ao sr. Meira Vasconcellos, na presença do chefe de
polícia e promotor público, e ainda não despertara uma providência de parte dos
poderes competentes.™
Mais uma vez, as privações, a violência e o desejo de ser livre motivaram
esses negros a reviverem seus tempos de mocambeiros. Entretanto, nesse mo-
mento buscavam, também, os caminhos da lei, na esperança de que se fizesse
justiça e pudessem obter, de uma vez por todas, a liberdade. Na realidade, os
"mocambolas", como várias vezes foram designados pelos jornais, enfren-
tavam não apenas a sagacidade dos senhores mas, também, a burocracia, os en-
traves das leis e a má vontade em cumpri-las.
No dia 8 de março de 1877, referindo-se aos escravos
apreendidos no quilombo do Curuá, termo de Alenquer, abandonados por seus
senhores e julgados libertos pelo juiz de órfãos da capitai, o Ministro da Agricul-
tura comunicaria ao presidente da província: "l 9 declaro libertos os escravos
abandonados por seus senhores na forma do artigo 6a, parág. 1B, da lei de 28 de
setembro de 1871, ficam durante cinco anos sob a inspeção do governo, devendo
controlar seus serviços, sob pena de serem constrangidos no caso de viverem va-
490
dios, a trabalhar nos estabelecimentos públicos, constrangimento que aliás cessa,
sempre que exibam contrato de serviço, como dispõem o referido artigo 6a, parág.
5Q, e artigo 79 do regulamento que baixou o decreto n a 5315 de 13 de novembro
de 1872; 2a declaradas libertas as mães dos ingénuos, estes devem acompanhá-
las, ficando desde logo sujeitos à legislação comum de acordo com a doutrina do
artigo 1 a , parág. 4a, da lei que dá a mulher escrava, que obtiver a liberdade, o di-
reito de levar consigo os filhos menores de oito anos. sl
Em decorrência dessa determinação ministerial e, provavelmente, pelas
denúncias sobre as condições dos quilombolas, em 28 de março de 1877, exa-
tamente um ano após a chegada a Belém, os mocambeiros do Curuá con-
seguiram na justiça importante vitória contra seus supostos senhores. O juiz, de
direito Meira Vasconcellos, "por sentença proferida na questão levantada pelos
senhores Barão de Santarém, José Joaquim Pereira Macambira e Mathias Afon-
so da Silva, como herdeiros da finada d. Maria Margarida Pereira, contra 62
quilombolas do Curuá, declarou livres os mesmos e mandou os relaxar da pri-
são em que se achavam".82
O Diário de Belém não perdeu a oportunidade para alfinetar seus inimi-
gos, ao compará-los aos mocambeiros:
Qualquer que seja o recurso que venha porventura interpor a parte, não tem nem
pode ter efeito suspensivo. Restituídos portanto aqueles infelizes à liberdade, fa-
culte-lhes a presidência, se o quiserem, passagens para Alenquer e deixe os que
não quiserem o recurso de ganhar o pão de cada dia com as forças que Deus
lhes deu.
Vivemos em um país livre, em que o homem dispensa tutela, e se por serem os
pretos do Curuá ignorantes precisar de tutor e depósito, tantos por aí andam no
mesmo caso [...] e figuram entretanto de agentes de poder público.1"
Era o início do regresso ao Curuá.
Vítimas da arbitrariedade, alguns quilombolas ainda foram mantidos na
propriedade de Rhossard, no distrito de Muaná, na ilha de Marajó, até setem-
bro de 1877, quando, auxiliados por um adversário do referido senhor, con-
seguiram fugir para Belém. Na fuga, a canoa em que viajavam foi atacada por
praças de Muaná e "fâmulos" do engenho do Carmo. Espancaram barbara-
mente o mocambeiro Severino, marido de Maria dos Anjos, que, orientada por
terceiros, fez uma petição contra Frederico Rhossard. Ela e seus companheiros
estavam vindo para a capital a fim de "obterem do presidente uma licença para
todos irem morar no lugar denominado Curuá".84
Voltar ao Curuá, ao rio e às matas que por muitos anos lhes serviram de re-
fúgio e sustento, onde muitos desses mocambeiros haviam nascido, representa-
va reconquistar o seu próprio espaço, reconstituir sua territorialidade. Em 18 de
outubro de 1877, Maria dos Anjos e seus companheiros Manuel Assunção,
491
Maria José, Maria Bárbara, Evaristo, José Bicho e Maria Miquelina (avó de Di-
ca) estavam entre os passageiros do vapor Inça, voltando para Alenquer. Sem
dúvida foram juntar-se àqueles que haviam permanecido nas matas do rio Cu-
ruá, constituindo uma nova comunidade negra, o Pacoval. Pacoval dos mocam-
beiros; do "contraveneno"; do marambiré; elevado à categoria de povoado em
1901, quando tinha como "governador" Alexandre, avô de Santa Rita.85
Após se restabelecerem no Curuá, em fíns da década de 1870, retomaram
o estilo de vida que levavam nos mocambos, tanto do ponto de vista sóciocul-
tural quanto económico. Ao lado de uma agricultura de subsistência, prati-
cavam, e praticam, a coleta da castanha e o fabrico de farinha, base da econo-
mia da comunidade, cuja produção era comercializada com os regatões e
comerciantes de Alenquer, entre eles o major Luiz de Oliveira Martins, o que
lhes garantia uni padrão de vida marcado pela simplicidade.
Um modo de vida que, na visão de O. Codreau, estava próximo ao bestial,
alheio ao modm vivendi dos civilizados:
na povoação do Pacoval, os mocambeiros primitivos, aqueles que haviam aban-
donado a seus senhores, desapareceram; são seus filhos e netos e bem pior, não
somente esses descendentes dos mocambeiros herdaram dos pais todos os de-
feitos [...J eles retornaram ao estado selvagem, à barbárie [...] No físico existe
uma marca da degenerescência; eles não são tão fortes e robustos quanto os anti-
gos escravos. Isso se entende porque um escravo era precioso para o senhor, era
um valor mercante, eles tinham todo o interesse em não o estragar e o tratavam
bem. Agora não tem mais senhor e ele prefere viver muito mal, não trabalhar. O
ideal dele é ofarniente, que, aliado ao gosto pelo tafiá [cachaça na língua crioula],
temos as principais causas de sua degenerescência: a preguiça e a ignorância.86
O relato de Codreau sobre essa comunidade negra revela um forte precon-
ceito, característico da ortodoxia antropológica da segunda metade do século
xix, tendo por pressupostos a poligenia e a crença na superioridade da raça bran-
ca. O efeito, segundo K. Thomas, "era empurrar o negro até muito próximo do
nível que a nova crença na capacidade animal criara para os bichos".87
Provavelmente madame Codreau, em 1900, ouvira resposta semelhante à
dada pelos mocambeiros do Trombetas a Barbosa Rodrigues, em 1875, que
afirmava:
personificado vi ali o amor da liberdade. Dois pretos, dois irmãos, António e
Miguel, esqueletos ambulantes, com a neve de mais de setenta anos de existência
sobre a cabeça, nus, trabalhando sem poder, arrastando os perigos de travessias de
cachoeiras, sempre sobressaltados, preferindo a vida infeliz que passa ao sossego
e descanso de que são merecedores debaixo do poder de seu senhor. Aconselhan-
do-os que voltassem ao seio da família que abandonaram, que garantia-lhes obter
ú sua liberdade, responderam-me antes a vida animal em liberdade do que o bem-
estar no cativeiro.**
492
Um sentimento presente nos mocambos do Curuá e de todo o baixo Ama-
zonas, hoje presente entre os seus descendentes que formam as comunidades
negras da região, que guardam consigo esse sentido absoluto de liberdade, e
que faz do passado dos avós uma utopia, como bem expressa a fala de Maria
Francisca, moradora do Trombetas. Diz ela:
o que eu lamento e fico sentida é de ver nossa mesa tomada pelos outros e nós fi-
camo olhando com fome sem pode come. Isso eu lamento muito. Que no tempo
dos meus avós, que eu me criei, isto tudo aqui era liberto, nós não tinha preocu-
pação: ah! não tem comida, pega um peixe, pega uma tartaruga e nós vamo
come... hoje em dia, nós temos saudade. Se nós pega uma tartaruga, nós temo que
come escondido, senão vamos preso, vamos surrado, aqui dentro de nossa terra,
tenho bastante saudade do tempo da liberdade, tempo que passou.
Novas realidades, novos enfrentamentos, novas formas de luta. É a
história.
NOTAS
1l) Uma discussão mais aprofundada sobre as questões aqui levantadas constitui pane sig-
nificativa de minha tese de doutorado, em processo de redação junto ao Departamento de História
da USP.
(2) Arquivo Público do Estado do Pará (APEP) — corpo de polícia — série autos de per-
guntas, 1876. Auto de perguntas feito a catorze quilombolas do Curuá. Documentação em caixa.
As referências aqui utilizadas podem não mais conferir com as atuais do APEP, em razão de que
no momento da pesquisa toda a documentação do século xix ainda não estava organizada, en-
contrando-se em caixas e pacotes, apenas com indicação da data e órgão a que pertenciam e, em
alguns casos, a série.
(3) Sobre o Pacoval existem dois trabalhos monográficos; Aldrim M. Figueiredo, O negro
na fala do branco: o discurso de inadame Codreau sobre os macumbeiros do rio Curuá, Belém,
UFPA, mimeografado, 1989; Ligya Conceição L. Teixeira, O negro no folclore paraense, Belém,
Secult/FCPTN, 1989.
(4) Ver Carlos M. Guimarães, A negação da ordem escravista — quilombos em Minas
Gerais no século XVIII, São Paulo, ícone, 1988; Stuart Schwartz, "Mocambos, quilombos e Pal-
mares: a resistência escrava no Brasil colonial", Estudos Económicos, vol. 17 (1987), pp. 61-88.
Um dos trabalhos mais recentes sobre quilombos, e que foge a essa linha de abordagem, é o de
Flávio dos Santos Gomes, História de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no
Rio de Janeiro — século XIX. Campinas, dissertação de mestrado, 1992.
(5) E. P. Thompson citado por Jim Sharpe, "A história vista de baixo", in Peter Burke, A es-
crita da história, São Paulo, Ed. da Unesp, 1992, p. 60.
(6) Fontes orais: memória, histórias de vida, cantos, lendas, "causos". Fontes escritas: do-
cumentação cartorial, paroquial, atos oficiais, relatos de viajantes e jornais.
(7) Jan Vansina citado por Gwyn Piins, "História oral", in Burke, A escrita da história, p. 166.
(8) Maria Célia Paoli, "Memória, história e cidadania: o direito ao passado", in Secretaria
Municipal de Cultura/Departamento do Património Histórico, O direito à memória —património
histórico e cidadania, São Paulo, DPH, 1992, p. 27.
493
(9) Foram realizadas entrevistas com remanescentes de quilotnbolas das comunidades ne-
gras dos rios Curuá, Trombetas, Erepecuru, no período de 1990 a 1994, num total de 35 entrevis-
tados. Recebi colaborações de Aldrim Figueiredo, que me passou uma entrevista feita com d. Di-
ca, em 1988, e Idaliana Marinho, entrevistas realizadas com Donga, Santa Rita e Dico, em 1988.
(10) Sobre a escravidão no Pará, ver o excelente trabalho de Vicente Salles, O negro no
Pará, Rio de Janeiro/Belém, FOV/UFPA, 1971.
(11) Foram pesquisadas as documentações: cartorial dos séculos xvm e xix, nos cartórios
de Santarém, do século xix nos cartórios de Alenquer, Vila Curuá e Óbidos; paroquial das fregue-
sias de Alenquer, Óbidos e prelazia de Santarém.
(12) Robert Slenes, "Na senzala uma flor: a esperança e as recordações na formação da
família escrava", Campinas, versão preliminar, xerox, 1989, p. 7.
(13) Jornal Baixo Amazonas, 26/271881. Esse jornal era publicado em Santarém. Muitas de
suas notícias foram transcritas pelo sr. João dos Santos e mantidas em seu arquivo particular.
(14)/í/em, 16/2/1876.
(\5)ldem, 10/10/1874.
(16) Sobre a relação senhor/escravo veja, entre outros, Eugene D. Genovese, A terra
prometida: o mundo que os escravos criaram, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988; João J. Reis e
Eduardo Silva, Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista, São Paulo, Com-
panhia das Letras, 1989; Sidney Chalhoub, Visões da Uberdade: uma história das últimas dé-
cadas da escravidão na corte. São Paulo, Companhia das Letras, 1990; Sílvia H. Lara, Campos
da violência', escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro 1750-1808, Rio de Janeiro, Paz
e Terra, 1988; Maria Helena P. T. Machado, Crime e escravidão. São Paulo, Brasiliense, 1987.
(17) Reis e Silva, iífem, p. 21.
(18) Cartório do l' J Ofício de Santarém, "Autos de interrogação aos escravos dos falecidos
Joaquim José Arrelias e José Policárpio Gonçalves", 12/7/1842.
(19) Entrevista de Raimundo Vieira dos Santos (Dico), publicada na Folha do Norte de
3/1/1981.
(20) APEP, Secretaria de Polícia da Província do Pará, série ofícios. "Carta de José Joaquim
Pereira Macambira ao chefe de polícia", 17/12/1870. O remetente era filho de Maria Margarida
P. Macambira.
(21) Entrevista de Donga, julho de 1993.
(22) Entrevista de Santa Rita, fevereiro de 1992.
(23) Jornal Baixo Amazonas, 8/1/1876.
(24) APEP, correspondência de diversos com o governo, 1804-1846. "Auto de interrogatório
do escravo Luiz, pertencente a João Ignácio Rabello", 6/2/1811.
(25) Entrevista de Santa Rita, fevereiro de 1992.
(26) "Na cidade Trombetas, a noroeste de Manaus, o líder escravo cafuz (Atanásio) criou,
em 1820, o quilombo do Pará." Herbert S. Klein, A escravidão africana: América Latina e
Caribe, São Paulo, Brasiliense, 1981,pp. 220-1. Outros equívocos: 1a — o rio Trombetas está no
estado do Pará; 1- — nesse não houve apenas um quilombo, mas dezenas, espalhados pelas
regiões do baixo Amazonas, baixo Tocantins, do Salgado, Marajó e Amapá.
(27) Entrevista de Donga, julho de 1993.
(28) Entrevista de Dico, janeiro de 1981.
(29) Rosa Acevedo e Edna de Castro, Negros do Trombetas guardiães de matas e rios,
Belém, UFPA, 1993. Essas autoras deixam entender que havia um único caminho, mais seguro, de
fuga para os escravos do baixo Amazonas, que era via Alenquer e Curuá (pp. 30 e 31). A do-
cumentação tem mostrado que, tanto de Santarém quanto de Óbidos, era possível alcançar o
Trombetas sem ter de necessariamente fazer o trajeto acima referido.
494
(30) Entrevista de Dica, fevereiro de 1993.
(31) Gastão Cruls, A Amazónia que eu vi. Óbidos-Tumucumaque, Rio de Janeiro, Ty-
pographia do Annuario do Brasil, 1930, p. 61.
(32) Pé. NicolinoJoséR. Sousa, Diário das três viagens ao Ciiminá, 1877, 1878, 1882. Rio
de Janeiro, Imprensa Nacional, 1946.
(33) João Maximiano de Sousa, "Uma viagem ao rio Trombetas", in jornal Baixo Ama-
zonas, de 25/10/1875. O autor comandou uma expedição aos mocambos desse rio em 1855.
(34) APEP, fundo Secretaria da Presidência da Província, série ofícios diversos 1860-1869.
caixa 242, "Ofício do frei Cavmello Mazzarino ao presidente da província", 15/1/1868.
(35) Ottile Codreau, Voyage auRio Ciiruá, Paris. A. Lahure Iinprimeur Editeures, 1903, p. 18.
(36) Ottile Codreau, Voyage au Cuminá. Paris, A. Lahure Inipriineur Editeures, 1901, p. 22.
Barracão de Pedras é uma espécie de gruta, que fica na margem do rio Erepecuru. logo abaixo da
primeira corredeira, local onde os quilombolas se reuniam para descansar, em suas viagens, e fa-
zer festas.
(37) Jornal Baixo Amazonas, 15/1/1876.
(38) APEP, códice 782. Correspondência dos comandantes militares de Santarém com di-
versos. "Ofício de Manoel Joaquim Bentes", 14/2/1813.
(39) Jornal do Pará, 21/9/1876.
(40) APEP, Secretaria de Justiça. "Ofício do delegado de polícia de Óbidos a Secretaria de
Justiça Pública da Província", 15/1/1854.
(41) João Barbosa Rodrigues, Exploração e estudo do valle do Amazonas, Rio de Janeiro,
Typografia Nacional, 1875, pp. 28.
(42) APEP, Códice 782, "Ofício de Manuel J. Bentes", 14/2/1813.
(43) Rodrigues, Exploração do valle do Amazonas, pp. 24 e 25.
(44) A. C. Tavares Bastos, O valle do Amazonas, São Paulo, Nacional, col. Brasiliana, vol.
106, 1966, p. 201.
(45) Barbosa Rodrigues, Exploração e estudo do valle do Amazonas, p. 26.
(46) Entrevista de Santa Rita. fevereiro de 1992.
(47) Entrevista de Rafael Printz Viana, julho de 1991.
(48) Sousa, "Uma viagem ao rio Trombetas" (1875).
(49) Entrevista de Donga, julho 1993.
(50) Guimarães, A negação da ordem escravista, p. 43 e Schwartz, "Mocambos, quilom-
bos e Palmares", p. 67.
(51) Aviamento — sistema de comércio que implica a troca direta de produtos. O "aviador"
(comerciante) fornece ao extrator bens de consumo e instrumentos de trabalho; em troca recebe
a produção agrícola e extrativa do "aviado".
(52) Rodrigues, Exploração e estudo do valle do Amazonas, p. 27.
(53) José Alipio Goulart, O regatão — mascate fluvial do Amazonas, Rio de Janeiro, Con-
quista, 1968.
(54) Aqui segui as denominações empregadas por Protásio Frikel em seus trabalhos sobre
as nações indígenas daquela região: Dez anos de aculturação Tiriyó — mudanças e problemas,
1960-1970, Belém, Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), publicações avulsas, n" 16, 1971; "Os
últimos Kahyana", Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n- l , 1966; Os Kaxúyana — No-
tas etno-históricas, Belém, MPEG, Publicações Avulsas n° 14, 1970; Protásio Frikel e Roberto
Cortez, Elementos demográficos do alto Paru de Oeste, Tumuciimaque Brasileiro — índios
Ewarhoyána, Kaxúyana e Tiriyó. Belém, MPEG, Publicações Avulsas n" 19, 1972.
(55) Frikel, "Tradições histórico-lendárias dos Kachuyana e Kahyana", In Revista do
Museu Paulista, nova série, vol ix, (1955) p. 229.
495
(56) Esse é uni mito de origem dos primeiros Kaxúyana, que sobreviveram após Pura e
Mura, "dois heróis culturais" dessa tribo terem matado Marmaru-imó, a cobra grande, que
habitava o fundo do rio. Ver Frikel, Os Kaxúyana — Notas etno-históricas, pp. 9-20.
(57) Entrevista de Dica, fevereiro de 1992.
(58) APEP, fundo Secretaria da Presidência da Província, série ofícios diversos, "Ofício do
frei Carmelo Mazzarino", 1868.
(59) Frikel, Dez anos de aculturação Tiriyó, p. 10.
(60) APEP, fundo Secretaria de Justiça, "Ofício do delegado de polícia de Óbidos, enviado
ao chefe de polícia da província", 9/2/1858.
(61) W. G. Palgrav, Dutch Guiana, London, Macmillan and Co. 1876, pp. 162 e 163. Sobre
as comunidades saramaka de quílombolas do Suriname, ver Richard Price, Firsí-liine the histó-
rica/ vision of an Afro Americanpeople. Baltimore, The Johns Hopkins University Press, 1983.
(62) APEP, fundo Secretaria da Presidência da Província, ofícios diversos; "Ofício do frei
Carmelo de Mazzarino", 1868.
(63) Barbosa Rodrigues, Exploração e estudo do valle do Amazonas, p. 25.
(64) Cartório do 2" Ofício de Santarém. "Autos cíveis de arrecadação do escravo Basílio
António", 10/9/1867.
(65) APEP, fundo Correspondência de diversos com o governo da província, 1809-1819.
"Ofício da Câmara de Alenquer", 29/4/1811.
(66) Itlem.
(67) APEP, códice 782, "Ofício do comandante militar de Santarém, Manoel da Costa Vi-
dal", 25/2/1813.
((A) Idem.
(69) luein, "Oficio do comandante da expedição Manoel Joaquim Bentes", 14/2/1813.
(70) Idem, "Ofício de Manoel da Costa Viciai", 25/2/1813.
(71) Idem, grito meu.
(72) "Falia de jerônimo Francisco Coelho, presidente da província do Gram Pará à As-
sembleia Legislativa Provincial, na abertura da 2J sessão ordinária da 6" legislatura", 1/10/1849.
(73) Cartório do 1- Ofício de Santarém. "Autos eiveis de libello e justificação de domínio",
21/11/1877. José Joaquim era testemunha da autora contra os réus Maria Olímpia e seus irmãos.
Eram filhos da mocambeira Margarida, falecida no mocambo do Curuá.
(74) Cartório do 2" Ofício de Alenquer. "Inventário de Luiz de Oliveira Martins", 8/2/1888.
Na relação de devedores aparecem nomes de vários moradores do Pacoval, entre eles alguns dos
niocambeiros que foram levados para Belém em 1876.
(75) Arquivo Nacional - u. l - 214 - Ofícios da presidência da província do Pará ao Mi-
nistério da Justiça. 28/3/1876.
(76) APEP, corpo de polícia, série autos de perguntas, 1876. "Auto de perguntas feito a
Manuel da Cruz", 28/3/1876.
(77) AN, Ofício de 24/10/1876.
(78) Jornal Província do Pará, 31/5/1876.
(79) Devo ressaltar que essa entrevista com d. Dica foi realizada antes do início da pesquisa
nos arquivos de Belém. Ela falava sobre a fuga "lá do Rossá" e naquele momento eu me pergun-
tava o que era ou significava. Ao pesquisar em jornais de Belém, de 1876, obtive a resposta ao
descobrir que os mocambeiros do Curuá foram dados em depósito a Frederico Rhossard, o tal de
"Rossá". As fontes orais, como diz Vansina, não podem substituir as escritas, e vice-versa: elas se
complementam.
(80) Jornal Diário de Belém, 25/3/1877.
(81) Idem, 6/4/1877.
496
(82) Jornal Província do Pará, 28/3/1877.
(83) Jornal Diário de Belém, 28/3/1877.
(84) APEP, fundo Secretaria de Polícia da Província, série autos. "Auto crimes de inquéri-
tos", 24/9/1877.
(85) Governo do Pará, lei n a 751 de 251211901.
(86) Codreau, Voyage au Rio Ciiruá, p. 17.
(87) Keith Thomas, O homem e o mundo natural, São Paulo, Companhia das Letras, 1989,
p. 163.
(88) Rodrigues, Exploração e estudo do valle do Amazonas, p. 20, grifo meu.
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