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DOI: 10.1590/1413-812320152110.

01942016 3309

Costa-Rosa A. Atenção psicosocial além da Reforma avança ao sistematizar a forma de implementação

RESENHAS BOOK REVIEWS


Psiquiátrica: contribuições a uma Clínica Crítica de outras mudanças.
dos processos de subjetivação na Saúde Coletiva. No Capítulo 1 – Modos de produção das institui-
São Paulo: Ed. Unesp; 2013. ções na saúde mental coletiva: efeitos na terapêutica
e na ética. Ou a subjetividade capitalística e a outra
Wesley Antonio Lopes de Lima 1 – o autor apresenta a capacidade de subjetivação
Sarah Andrade Campos Christo 1 que instituições de atendimento à saúde mental
Carla Jorge Machado 1 – principalmente hospitais psiquiátricos – têm na
1
Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade atenção psicossocial. Costa-Rosa percorre os pre-
de Medicina ceitos de Karl Marx acerca do processo de produção
social – e as formas como a subjetividade dos indi-
víduos envolvidos aparece – realizando paralelos
A atenção à saúde mental no Brasil passou por mudan- entre transformações de objetos físicos numa linha
ças com o avanço da Atenção Psicossocial. Esse campo de produção, com as que ocorrem no processo de
de pesquisa e atendimento tem crescido e substituído atenção ao sofrimento psíquico. É necessária a trans-
o atendimento hospitalocêntrico e medicamentoso formação das condições objetivas que sustentam o
da psiquiatria tradicional, alterando desde a relação exercício da psiquiatria tradicionalista no modo de
médico-paciente até a forma de construção de insti- produção atual, por meio da implantação efetiva de
tuições mais preparadas para realizar tal prática. Nesse subjetividade pelos trabalhadores da saúde mental.
tempo de transformações se insere a obra de Abílio A subjetividade, embora não tão bem detalhada na
da Costa-Rosa. obra, encontra em outros autores a sua explicação:
O livro possui oito capítulos que trabalham aspec- é dimensão essencial na produção do cuidado. De
tos e temas da Atenção Psicossocial. Os capítulos são acordo com Vasconcelos et al.2 a forma como o tra-
precedidos por Apresentação e Introdução e seguidos balhador “produz para si a ideia de cuidado define a
por Conclusão. A obra apresenta análises sobre a forma com a qual vai trabalhar efetivamente”. Assim,
evolução da reforma psiquiátrica brasileira, ques- fica clara a comparação que Costa-Rosa tece entre
tionamentos referentes a paradigmas psicossociais, a transformação de objetos na linha de produção
críticas à medicalização da saúde mental e à forma por meio da agregação de valor ao produto que vai
como é exercida em hospitais psiquiátricos. O autor sendo construído e a subjetivação, que faz com que o
propõe meios para realizar uma atenção psicossocial portador de sofrimento mental seja ator importante
de qualidade. em seu processo de transformação (e não apenas o
A Introdução constrói um conceito de atenção trabalhador da saúde).
psicossocial. Para tanto, o autor descreve a reforma O Capítulo 2 – A instituição de Saúde Mental
psiquiátrica iniciada na década de 1960, cujo modelo como dispositivo social de produção de subjetivida-
proposto atesta ser possível realizar atenção às doen- de – trata dos paradigmas psiquiátrico, hospitalocên-
ças mentais sem isolar os portadores de sofrimento trico e medicalizador e do psicossocial. A natureza de
mental. Para demonstrar como a reforma psiquiátrica produção e dos produtos finais nos dois paradigmas
suscitou mudanças no Brasil, Costa-Rosa faz uma é diferente e estes produtos seguem direções opos-
retrospectiva dos acontecimentos histórico-médicos tas na teoria, técnica e produção de subjetividade.
dos últimos 30 anos, apontando pequenos focos de Logo, os efeitos obtidos por aqueles que recorrem
transformações da Atenção à Saúde Mental em diver- à ajuda psíquica em cada um dos paradigmas são
sos locais do Brasil. Ao analisar essas transformações, também opostos. O capítulo demonstra a necessi-
o autor propõe construir uma definição do campo dade de valorização da subjetividade na atenção ao
da atenção psicossocial: um conjunto de práticas indivíduo portador de sofrimento mental. Segundo
que objetiva superar ainda mais aquelas da reforma Vasconcelos et al. a clínica deve se fundamentar em
psiquiátrica. O autor propõe uma nova corrente de atitudes de trabalho que envolvam o sujeito e seus
mudanças. De fato, outros estudiosos já sentem esta laços sociais2, o que concorda com o paradigma
necessidade. Fioratti e Saeki1 observaram a incompa- psicossocial abordado por Costa-Rosa.
tibilidade da prática atual com a Atenção Psicossocial No Capítulo 3 – A Estratégia Atenção Psicos-
proposta pela reforma, entre alguns trabalhadores social: novas contribuições – o autor conceitua e
da saúde envolvidos no cuidado. Para muitos destes ressalta a importância da Estratégia de Atenção
trabalhadores, a ideia de reabilitação psicossocial Psicossocial (Eaps). À semelhança da Estratégia da
surge como aproximação do portador de sofrimento Saúde da Família (ESF), a Eaps norteia a estrutura-
psíquico às condutas normatizadas e aos papeis so- ção e o funcionamento da atenção à saúde mental
ciais preconizados pela sociedade – claramente algo no SUS. Essa organização inicial centrada nas Caps,
em desacordo com a reforma1. Nesse sentido, o livro nos anos 2000, avançou na estruturação de uma rede
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mais articulada, contrastando-se ao modelo dos ultrapassa os princípios da Deontologia – que dita
anos 1980. As Caps, contudo, têm como premissa o que se deve ou não fazer, baseado em concepções
central os Projetos Terapêuticos Individuais (PTI) humanitárias ou em códigos redigidos pelas pró-
e ignoram o contexto social do indivíduo. As Eaps, prias disciplinas profissionais. Isso contribui para
por sua vez, são uma estratégia mais abrangente e que o sujeito do sofrimento fique isolado de ações
consideram a complexidade e a abrangência ter- e discussões. No modelo da atenção psicossocial,
ritorial de onde a Unidade se insere. A crítica aos a ética – chamada ética da ação social – pauta-se
PTI também está presente em outros autores2,3 que na premissa de que o indivíduo do sofrimento é
afirmam que se configura em um conjunto de atos o principal agente do processo de produção dessa
de assistência porque a interdisciplinaridade, na atenção. Assim, a ética pressupõe que o sujeito
prática, é difícil de ser implementada, por questões possui inconsciente e potencial de produzir novo
várias, entre elas o próprio momento de encontro sentido às injunções sociais do seu cotidiano.
de toda a equipe de cuidado para discutir casos. Para que o papel daquele que escuta seja exer-
Costa-Rosa acrescenta a essas críticas o fato de que cido é necessário que o trabalhador-intercessor
a abrangência territorial é minimizada nos PTI. esteja consciente de que seu ‘saber’ se encontra
O quarto Capítulo – Interprofissionalidade, muitas vezes alienado ao sofrimento do sujeito,
disciplinas, transdisciplinaridade: modos da divi- sendo, logo, importante agir sobre essa ignorância
são do trabalho nas práticas de Atenção Psicosso- por remanejamentos transferenciais que restabe-
cial – reforça ainda mais importância do contexto lecerão o protagonismo ao indivíduo. A ética da
na prestação do cuidado. atenção psicossocial demanda que o significado
O Capítulo 5 – Para uma crítica da razão de ‘cura’ seja reinterpretado como a capacidade
medicalizadora: o consumo de psicofármacos de ‘cuidar-se’.
com sintoma social dominante – discute como A Conclusão elabora a necessidade de implan-
os psicofármacos são utilizados na atenção e sua tar um modelo novo, onde o sujeito do sofrimento
real necessidade em larga escala na abordagem deve construir, descobrir e resolver seus impasses
do sofrimento psíquico. Embora o autor saliente geradores do sofrimento. Para tanto, os profissio-
que não se deve abolir os psicofármacos, expressa nais de saúde necessitam reconhecer esse saber
a necessidade de um processo de desmedicaliza- inconsciente.
ção como meta. Um psiquiatra não tão médico: Costa-Rosa explora aspectos institucionais
o lugar necessário da psiquiatria da Atenção dos paradigmas atuais e a necessidade da presença
Psicossocial é o Capítulo 6. O autor discute a real da atenção psicossocial na rede de atenção
posição do psiquiatra no sistema de saúde e sua à saúde mental no Brasil. O autor acompanha
contribuição para a persistência de um modelo a opinião de outros estudiosos do tema sub-
hospitalocêntrico medicalizador. O capítulo é uma jetivação em saúde mental e tenta avançar ao
continuação do capítulo 5, e enfoca a mudança utilizar conceitos de modo de produção para a
necessária do paradigma médico, muito calcado ampliação das possibilidades de implementar
nos psicofármacos. ações na atenção psicossocial. A leitura do texto,
No Capítulo 7 – O grupo psicoterapêutico às vezes marcada por dificuldades pelo uso de
na psicanálise de Lacan: um novo dispositivo termos relativos aos modos de produção, vale
da clínica na Atenção Psicossocial – Costa-Rosa pelo esforço que o autor faz ao elaborar um
apresenta uma possibilidade de modo de atenção modelo de atenção que produz saúde mental.
que permita a produção de subjetividade singula-
rizada por indivíduos com sofrimento psíquico e
deslocamento do processo ativo para os pacientes: Referências
o grupo psicoterapêutico. Os benefícios existem
pois, para que haja produção de saúde psíquica, os 1. Fiorati RC, Saeki T. As dificuldades na construção
sujeitos do sofrimento precisam ser os produtores, do modo de atenção psicossocial em serviços ex-
tra-hospitalares de saúde mental. Saúde debate 2013;
e tais relações permitiriam produção de subjeti- 37(97):305-312.
vidade, ao permitirem aos envolvidos a escolha 2. Vasconcelos MGF, Jorge MSB, Catrib AMF, Bezerra IC,
do que é melhor em um tratamento. A teoria de Franco TB. Projeto terapêutico em Saúde Mental: práti-
Lacan sobre os fenômenos interindividuais e a cas e processos nas dimensões constituintes da atenção
representatividade das pulsões em um grupo tem psicossocial. Interface (Botucatu) 2016; 20(57):313-323.
3. Hori AA, Nascimento AF. O Projeto Terapêutico Singular
importante foco no texto.
e as práticas de saúde mental nos Núcleos de Apoio à
No capítulo final 8 – Uma ética da Atenção Saúde da Família (NASF) em Guarulhos (SP), Brasil.
Psicossocial: o cuidado em análise – Costa-Rosa Cien Saude Colet 2014; 19(8):3561-3571.
aborda a ética na saúde mental que, raramente,

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