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POR ONDE ANDA A PSICANÁLISE?

DESAFIOS DO TRABALHO
EM CAPS

Why is Psychoanalysis walking? Challenges of work Psychosocial Care Centers

Leda Antunes Rocha1


Ertz Ramon Teixeira Campos2
Francisco Malta de Oliveira3
José Américo Coutinho Júnior4

1
Faculdades Integradas Pitágoras - FIP-Moc
Bacharel em Psicologia
E-mail: ledanatunes03@yahoo.com.br

2 Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES


Mestrando em História
E-mail: ertzramon@hotmail.com

3
Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES
Doutorando em Desenvolvimento Social
E-mail: franciscomalta@gmail.com
4
Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES
Bacharel em Direito
E-mail: Jose.americo89@yahoo.com.br

RESUMO
Este trabalho tem por objetivo levantar questionamentos e problematizar a prática e a formação
dos Psicólogos de orientação psicanalítica nos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS. No
entanto, deve-se considerar que a psicanálise é utilizada como referencial por diversos pro-
fissionais que atuam no contexto da saúde mental, o que torna esse cenário propício para se
pensar a Psicanálise para além de um discurso meramente clínico, de uma única categoria.
Propõe-se nesse trabalho discutir a formatação da prática no cotidiano dos serviços, levando
em consideração seus diversos atores e saberes. Tendo em vista que os CAPS são serviços cujo
trabalho é orientado a partir da interdisciplinaridade e do conhecimento multiprofissional, há de
se estabelecer certa relação entre trabalho enquanto grupo e as intervenções que são pensadas
por este viés.

Palavras-Chave:Centros de Atenção Psicossocial – CAPS; psicanálise; prática psicológica.


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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo levantar questionamentos e problematizar a prática e


a formação dos Psicólogos de orientação psicanalítica nos Centros de Atenção Psicossocial –
CAPS. No entanto, deve-se considerar que a psicanálise é utilizada como referencial por diver-
sos profissionais que atuam no contexto da saúde mental, o que torna esse cenário propício para
se pensar a Psicanálise para além de um discurso meramente clínico, de uma única categoria.
Propõe-se nesse trabalho discutir a formatação da prática no cotidiano dos serviços, levando
em consideração seus diversos atores e saberes. Tendo em vista que os CAPS são serviços cujo
trabalho é orientado a partir da interdisciplinaridade e do conhecimento multiprofissional, há de
se estabelecer certa relação entre trabalho enquanto grupo e as intervenções que são pensadas
por este viés.

CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – TRAJETÓRIA HISTÓRICA

É preciso compreender, ainda que de forma breve, a trajetória histórica que colocou os
centros de atenção psicossocial como pilar dos cuidados em saúde mental. A Reforma Psiqui-
átrica Brasileira tem seu início na década de 70, é contemporânea ao movimento sanitário, que
reivindicava mudanças nos modelos de gestão da saúde. Ganha força a partir da constituição
de 1988, onde cria-se SUS e suas diretrizes. Deve-se destacar o movimento dos trabalhadores
em saúde mental (MTSM), formado por familiares de usuários, associações e sindicalistas, que
se unem em favor dos direitos dos portadores de sofrimento mental e, sobretudo, lutaram para
o fim de internações prolongadas em hospitais psiquiátricos. Esse movimento foi marcado por
diversas conquistas, principalmente no que diz respeito a leis e decretos que não só põe fim ao
modelo hospitalocêntrico, mas também inaugura uma nova rede de cuidado em saúde men-
tal- Rede de Atenção Psicossocial (BRASIL, 2005). O movimento da reforma se deu de forma
complexa e progressiva, atualmente luta-se para que os direitos assegurados aos portadores de
sofrimento mental sejam, de fato, apropriados por eles. A batalha é travada não mais no campo
legislativo, mas sim no Real do cotidiano.
A portaria 336 de fevereiro de 2002 estabelece as diretrizes para o funcionamento dos
CAPS em todo território nacional, sendo categorizados por porte e tipo de clientes. Recebem,
a partir de então, as seguintes denominações: CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPS i e CAPS
ad. Tais serviços oferecem cuidado especializado a pacientes portadores de sofrimento men-
tal severo e persistente em seu território, de forma intensiva, semi-intensiva ou não-intensiva
(BRASIL, 2002).A rede de atenção a saúde mental é, assim como preconiza o SUS, regiona-
lizada, descentralizada, obedece a uma hierarquia e preconiza a participação social.Tendo em
vista que o trabalho se faz em rede e tem como premissa a noção de que “saúde é um completo
bem- estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou enfermida-
de” (OMS,1946), pode-se levantar diversas questões sobre o trabalho da psicanálise em tais
instituições. Ora, se por um lado há uma exigência de cuidado que visa um bem estar quase que 659
utópico, na outra ponta encontra-se os sujeitos que buscam os serviços, portadores de sofrimen-
tos de toda ordem, embebidos em angustias, se havendo ou não com a dor de existir. É preciso
problematizar tal questão, qual lugar da psicanálise nesse contexto? O que nos propomos a
fazer? E talvez a questão mais importante: Em que perspectiva se faz nossa clínica? Muitas
vezes a prática cotidiana é absorvida de tal modo pelas exigências institucionais e ideológicas,
e incluo aqui as fantasias e crenças pessoais dos profissionais, que a matéria prima do trabalho
passa a ser tudo, menos o sujeito.

RELEVÂNCIA DA ESTRATÉGIA

Amarante (1995), destaca a importância dos serviços substitutivos para que o sujeito
portador de sofrimento mental seja tratado não como doente, mas como cidadão. Há ainda a
ideia de que cidadania pressupõe Razão, ou seja, os ditos alienados não podem gozar de direitos
e muito menos cumprir deveres. Mutila-se os sujeitos de suas próprias capacidades, e porque a
psicanálise deveria se haver com isso?
A psicanálise, partindo da ética do Desejo, traz a possibilidade de um trabalho que emer-
ge da escuta e deságua no próprio sujeito. É fazer um percurso com ele, acompanhar, secreta-
riar, intervir. Como isso é possível dentro de uma instituição – CAPS, permeada por discursos
diversos, saberes que se abraçam, mas que também se repelem? A finalidade muitas vezes é um
tratamento que tem objetivos traçados em portarias, leis e impasses de toda ordem. É aí, que a
psicanálise tem ocupado lugar. A Psicanálise é, mais do que nunca, convocada a ocupar espaço
no setor público, infiltrar-se, dar ouvidos ao sujeito do inconsciente, tal qual previa Freud em
1987 “é possível prever que, mais cedo ou mais tarde, a consciência da sociedade despertará, e
lembrar-se-á de que o pobre tem exatamente tanto direito a uma assistência a sua mente quanto
o tem agora à ajuda oferecida pela cirurgia”. Eis que chega o tempo oportuno, e devemos nos
perguntar: Estamos preparados para isso?
Falar sobre o trabalho dos analistas em instituições como CAPS, é dizer de uma pos-
tura profissional que sofreu mudanças ao longo dos anos. Tais mudanças deram-se devido às
transformações do mundo, surgimento de novas formas de tratamento, ou ainda, em resposta as
mudanças paradigmáticas do nosso tempo. Eric Laurent, em seu texto “O analista cidadão” faz
uma importante observação quanto ao novo contexto em que o trabalho analítico se encontra
“Os analistas se encontram em um mundo que se tornou muito permissivo, sua denúncia, então,
de que havia alguma forma de gozo escondida detrás dos ideais, ficou um pouco fora de moda,
porque havia outros que o diziam de forma mais precisa e decidida” (LAURENT,1999).
E tendo passado o tempo das grandes revoltas, onde as regras e a moral foram diluídas
na permissividade, chega-se a um presente onde todas as causas podem ser reivindicadas, com
suas devidas proporções, é claro. Reclama-se direitos, grita-se clamando por justiça e igualdade
de classes, raças e sexos. Com todas essas mudanças os analistas começam a assistir movimen-
tos se empoderarem, fazerem de causas seus modos de vida, o futuro das polêmicas, da geração
Z, do exagero contemporâneo é o agora da Psicanálise.
Não foi diferente com a reforma psiquiátrica, movimento fomentado pelos trabalhado-
res da saúde mental, tendo ganhado força com a participação popular. Não há como medir a par- 660
ticipação de Psicanalistas em tal processo, e erro seria ignorar a influência destes nessa luta.
Entretanto, o que se pretende questionar aqui é a postura do analista vazio que por muito
tempo achou-se ser o semblante mais adequado. Laurent usa a expressão “intelectual crítico”
para se referir a essa postura desidentificada, vazia, sem nenhum ideal que foi sustentado por
muitos analistas. O mesmo autor critica tal posicionamento “Há que se passar do analista fe-
chado em sua reserva, crítico, a um analista que participa, um analista sensível ás formas de
segregação”(LAURENT,1999).
Ao analista não restou o lugar de reivindicador exclusivo, milhares de vozes já o fazem,
mas é preciso juntar-se a elas. Não em nome de uma universalização, mas em nome da singula-
ridade. E não há outro espaço que demande tanto uma postura firme e engajada como na saúde
mental.
Alberti nos alerta para o perigo de que a clínica fique em segundo plano diante da fer-
vura com que tratam a reforma.

“E verdade que às vezes a política da Reforma pode tomar a forma de um manda-


mento exterior a tudo que se observa no cotidiano da clínica, a ponto de ser possível
encontrar experiências que, em nome da reforma psiquiátrica, exilam a clínica do
atendimento aos usuários...e então se trabalha para a Reforma e não para os pacien-
tes que, no lugar do sujeito do pathos ($), sujeito do sofrimento, sustentam o modelo
da Reforma da mesma forma que o proletariado pode sustentar o capitalista no lugar
de S1 no discurso do mestre” (ALBERTI,2010, p.22)

A Reforma é o contexto da clínica, um meio e não o fim. O processo de Reforma pri-


vilegiou a clínica, e diante disso não há como recuar. E estando nos serviços de saúde mental,
outro desafio se impõe aos psicanalistas. A difícil tarefa de trabalhar em equipe. As equipes dos
CAPS são, obrigatoriamente, multiprofissionais, porém, nem sempre o trabalho é interdisci-
plinar. Figueiredo (2005) destaca dois tipos de equipe, a hierárquica e a igualitária. A primeira
diz respeito à equipes que hierarquizam os saberes, o poder de decisão estão a cargo de certas
categorias ou profissionais. Já as equipes igualitárias distribuem o poder de forma horizontal,
privilegiam as discussões, todos podem opinar e questionar condutas e intervenções.
Aqui se chega a um entrave, Impasse aparentemente difícil de resolver. Como dife-
renciar-se enquanto profissional, como intervir em um contexto onde os pacientes são com-
partilhados, em que condutas são a todo momento atravessadas, esmiuçadas, questionadas e
problematizadas. Deve-se considerar a dinâmica própria de cada equipe, o que é feito diante
das fragilidades, dos impasses, dos furos e disputas narcísicas que não raramente se observa
nas instituições. Corre-se o risco de sufocar o trabalho clínico quando tais problemas não são
questão para a equipe, produz-se alguma coisa no um a um, mas não no coletivo.
A Psicanálise, através do seu método de trabalho – associação livre, privilegia o sujei-
to, sua fala, seus tropeços e construções. O analista escuta, ratifica, interpreta, provoca, faz-se
secretário, cala-se. Mas a clínica da Reforma exige mais, Amancio (2012) faz uma importante
colocação sobre o trabalho nesse contexto:

Afirmar que cada caso é uma caso é ficar no óbvio. A clínica antimanicomial deve ser
uma clínica que convide o sujeito a sustentar sua diferença, sem excluir-se do social 661
contrariarmente às clínicas que visam adaptar o sujeito ao meio social, diluindo o
particular no geral. O tratamento tem como direção levar o sujeito a seguir o cami-
nho que lhe é próprio, ao mesmo tempo em que o comporta nos limites da cultura”
(AMANCIO, 2012, p.148)
Percebe-se aqui a sutileza da clínica, a delicadeza com que o trabalho deve ser conduzi-
do. É trabalhar no sentido de permitir que a singularidade apareça, mas é também propiciar que
esse sujeito singular se enlace, em algum sentido, no social. E para que isso aconteça o trabalho
não deve se limitar a escutas com portas fechadas, é necessário sair do útero seguro chamado
consultório, já que o espaço analítico não se limita a uma estrutura física. Lacan (1958) desloca
o ato analítico do setting, o trabalho pauta-se na ética do Desejo, a Psicanálise ganha status
coletivo, onde houver Desejo haverá trabalho analítico.
É preciso considerar também que nas instituições- CAPS há diversos “sujeitos em trata-
mento”, as abordagens são direcionadas não só ao paciente, mas incorpora também familiares,
escola e rede social (PERICO, 2014). Envolve estratégias como oficinas terapêuticas, grupos
operativos e visitas domiciliares, o que confere à clínica seu caráter ampliada.

CONSIDERAÇÕES

É preciso desocupar o lugar do saber para que o inédito aconteça. Não é por acaso que
somos convocados a inventar saúde a partir do que escapa ao discurso capitalista. Um fazer
novo requer uma formação contextualizada, ética e balizada pelo desejo, sem perder de vista os
usuários dos serviços,caso contrario, estaremos simplesmente respondendo ao imperativo que
diz: Trate os sintomas! Em tempos de massificação é preciso escutar o singular. Não vacilar
diante das novas formas sintomáticas é, além de bravura, não deixar cair o que sustenta a clíni-
ca, ou seja, a força propulsora do desejo.

REFERÊNCIAS

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