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Faculdade de Ciências Humanas, Sociais e da Saúde - FCH - Psicologia

Disciplina: Psicologia e Saúde Pública


Professor: Rafael Prosdocimi Bacelar
Kathleen Lissa Lima Costa Iannotti

Atividade Autoinstrucional: Resenha


CINTRA, M. S.; BERNARDO M.H.
Atuação do Psicólogo na Atenção Básica do SUS e a Psicologia Social.
Em: Psicologia Ciencia e Profissão, v.37, n.4, 2017.

O objeto de estudo do texto diz respeito à atuação do psicólogo dentro da Atenção Básica do SUS.
Em 1994 surgiu o Programa de Saúde da Família (PSF) que mais tarde tornou-se a Estratégia de
Saúde da Família (ESF), forma de reestruturação da Atenção Básica visando um atendimento que se
aproxime mais da realidade e circunstâncias das pessoas da comunidade. A equipe da ESF
compreende um médico, enfermeiro, técnico e agente comunitário. A Psicologia está situada dentro
de um quadro de apoio, no Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Dentro desse núcleo, o Psicólogo
atua com uma prática diferenciada, distante do modelo biomédico, baseando-se nas abordagens
críticas da Psicologia e nos princípios do SUS. A pesquisa, utilizando-se do método qualitativo,
entrevistou três Psicólogos que atuam na Atenção Básica em Campinas.

O estereótipo do Psicólogo normalmente está associado ao fazer clínico. Ou seja, atendimento


individual embasado na lógica privatista e liberal. Porém, no que diz respeito à saúde pública, ainda
há muita dificuldade de encontrar maneiras mais condizentes de atuar; ou seja, se aproximar da
comunidade, respeitar os princípios do SUS e constantemente procurar um saber crítico acerca da
própria atuação. Essa dificuldade se dá, principalmente, pelo déficit na formação em Psicologia. A
saúde pública apresenta-se como uma “nova possibilidade” no campo da atuação psicológica, sem,
contudo, ser acompanhada do devido preparo na formação. O Psicólogo, muitas vezes, não tem um
preparo adequado para assumir esse contexto, desconhece outras possibilidades de atuação, sequer
pode contar com um local adequado para realizar o trabalho e não possui apoio para atender as
“demandas sociais”.

É inviável utilizar-se da postura individualista para tratar os usuários. Esse tipo de conduta exclui os
aspectos sociais do cuidado, ou seja, não é uma atuação comprometida com a comunidade. Além
disso, por ser uma aplicação direta de modelos europeus e norte-americanos, deriva da colonização
político-científica e não é efetiva para a transformação das condições de vida no contexto
sulamericano. Assim, nenhuma Psicologia é neutra. Por outro lado, a prática transformadora e
reflexiva, condizente com a realidade da comunidade e as bases do SUS, está alinhada com a
Psicologia Social Crítica. Essa é uma corrente de pensamento que surgiu na América Latina e visa
empoderar indivíduos e coletividades, possibilitando que eles promovam mudanças em suas vidas.
Esse empoderamento só pode ser feito quando se conscientizam de sua situação e possuem
autonomia para analisar as possibilidades. Ou seja, somar o saber profissional ao saber do usuário
sobre a própria saúde, valorizando o que a comunidade já tem ao trabalhar no território.

Dentro da Atenção Básica, o profissional deve ter autonomia para inventar estratégias fora das
“fórmulas prescritas”. O autor destaca que “não precisam ser práticas mirabolantes, mas podem ser
pequenos atos”, como, por exemplo, acompanhar um jovem em sua matrícula na escola. É preciso
ter um olhar sensível e atento para identificar as atividades necessárias para aquele momento, e
certa criatividade para se inserir, de fato, na comunidade (compreender o cotidiano dos moradores e
suas dinâmicas). Essas atividades podem ser desenvolvidas em forma de conversas em grupo, visitas
domiciliares, oficinas, etc. A Psicologia vai muito além do consultório privado.
No que diz respeito às falas dos profissionais selecionados para fazer a pesquisa, todos salientaram a
importância de não ficar “patologizando as coisas”, ou seja, não tratar problemas sociais como se
fossem psicológicos. Alguns dilemas sociais complexos (como violência intrafamiliar, negação de
direitos, miséria) estão fantasiados de sofrimento psíquico. Também, sair do Centro de Saúde para
participar da vida das pessoas é fundamental para estabelecer ligações horizontais, menos
hierarquizadas. Mesmo que o atendimento particular possa ser importante e necessário em casos
pontuais (queixas de abuso, agressões e outros eventos delicados demais para serem discutidos em
grupo), deve-se respeitar a territorialidade. O objetivo não é negar o atendimento clínico, mas
compreender que, para além da demanda de recuperação/tratamento, é preciso abrir espaço para
que o trabalho psicológico possa promover a qualidade de vida para aquele grupo. O primeiro
contato deve gerar “acolhimento, contingência, o ‘estar ali’” para, então, acessar, formar grupos,
problematizar, disseminar conhecimento e, se necessário, acionar outros parceiros.

Por último, as experiências relatadas permitem visualizar a diferença entre práticas e práxis. Quem
pratica o faz sem reflexões e questionamentos. Por outro lado, a práxis é uma ação/atividade
transformadora, em que o homem é capaz de atuar sobre si mesmo e sua história. Ela envolve,
necessariamente, reflexão. Dessa forma, para uma práxis adequada dentro da atenção básica, a
saúde deve estar contextualizada com a realidade. Quando a realidade social fundamenta os estudos
psicológicos, é possível compreender o caráter ativo dos seres para a construção dos sentidos dados
ao mundo e à vida. Como esses sentidos estão em constante movimentação, é possível elaborá-los,
repeti-los e modificá-los para, então, produzir novas formas de atuar sobre o mundo - o que é
contrário ao fatalismo. Por esse motivo, apesar do cenário desfavorável para as políticas públicas, é
possível desenvolver uma atuação crítica - e a Psicologia é a ciência ideal para essa transformação.

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