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2.

INTRODUÇÃO

O presente relatório visa discorrer sobre as práticas do psicólogo dentro da psicologia


comunitária, com base em estágio supervisionado em centro de psicologia comunitária e
da saúde desenvolvido na instituição PSF 10 16 San Francisco II José Correia Belo.

A psicologia comunitária remete ao início da psicologia social, onde no século XIX


iniciaram-se pesquisas focadas em ciências sociais, o funcionamento da sociedade e
ademais áreas da sociologia. Esses estudos, idealizados por Émilie Durheim, Gabriel
Tarde e Augusto Comte (Álvaro & Garrido, 2006) focaram no estudo das relações entre
indivíduos e sociedade.

Esse estudo fomentou novas pesquisas, como Gustave Le Bom e o estudo da psicologia
das multidões. Essas teorias encontraram refúgios nas investigações de George Mead
(González Rey, 2004) onde o mesmo identificou que o indivíduo, assim como suas
interações com o outro, é de grande importância na construção de sua personalidade.
Tais interações, apesar de terem impacto direto e indireto no tratamento psicológico,
escapam do controle do indivíduo. Assim, na década de 1920, houve a
institucionalização da psicologia social nos EUA, fomentada por Floyd Allport
(González Rey, 2004).

Essa mudança de paradigma, onde o impacto social e as interações comunitárias são


determinantes na formação do indivíduo, foram aprofundadas nas décadas seguintes.

Na década de 1960 um grupo de psicólogos, na Conferência Swampscott em 1965,


determinou que seria importante existir uma prática capaz de tratar questões mais
amplas da sociedade, visto que a psicologia clínica não atendia a essa função, mas sim
dedicada à resolução de problemas individuais. Como cita Bomfim (1988): ”O
psicólogo esbarra nos limites teóricos e técnicos de sua formação na universidade, que
não lhe permite responder às demandas de atendimento psicossocialmente colocadas
pelas populações que frequentam estes postos de saúde”.

Por conta disso, surgiu a psicologia comunitária, cujo objetivo é tratar do bem-estar,
saúde e conscientização de comunidades, com enfoque no âmbito da saúde mental.

Apesar da Psicologia Comunitária ser considerada um ramo da Psicologia Social, há


algumas práticas que as diferem: enquanto a social é fortemente relacionada às ciências
sociais e o relacionamento entre as pessoas, utilizando esses meios para determinar uma
causalidade nos comportamentos apresentados pelo indivíduo ou grupo estudado, e
geralmente é de caráter teórico. Por outro lado, a comunitária analisa os problemas e
necessidades de uma comunidade específica, afim de suprir a demanda que tal grupo
necessita, sendo, portanto, quase que exclusivamente prática. De acordo com Góis
(1990):

”Fazer psicologia comunitária é estudar as condições (internas e


externas) ao homem que o impedem de ser sujeito e as condições que
o fazem sujeito numa comunidade, ao mesmo tempo que, no ato de
compreender, trabalhar com esse homem a partir dessas condições,
na construção de sua personalidade, de sua individualidade crítica, da
consciência de si (identidade) e de uma nova realidade social”.

Essa prática normalmente é realizada com grupos mais vulneráveis da sociedade e


desenvolve-se levando em consideração a subjetividade humana, a interação dos grupos
e outras questões socioculturais, para então chegar à formulação de uma intervenção
adequada que conte com a participação dos indivíduos, visando a satisfação e união dos
mesmos.

O papel do psicólogo na psicologia comunitária é inicialmente de observador, porém


com senso crítico da realidade, para compreender o que afeta o grupo e sua qualidade de
vida, levando em consideração o contexto da comunidade em questão. Em seguida
verifica-se se é necessária uma organização de grupos, os quais podem ser separados de
acordo com a faixa etária ou com necessidades comuns dos indivíduos, assim como a
organização de tempo desses grupos.

Nos processos grupais o psicólogo ou coordenador age como um mediador das


discussões e da integração do grupo, uma vez que um grupo integrado é um elemento
fundamental para o processo terapêutico, além de gerar mais respeito, preocupação e
melhor troca de experiências entre os pacientes, facilitando que auxiliem também uns
aos outros.

Segundo Lane (2007), a mediação é essencial para "análise das três categorias
fundamentais - atividade, consciência e identidade". Com essas relações entre os
integrantes há uma influência nas emoções individuais, que ainda de acordo com a
autora, estaria "possivelmente constituindo conteúdos inconscientes presentes tanto na
consciência como na atividade e na identidade".
Freitas (2005) define que a psicologia social comunitária prioriza os seguintes níveis:

(1) as repercussões psicossociais das condições de vida de indivíduos


e grupos;
(2) a construção de conhecimentos para orientar a definição de
objetivos e as estratégias de intervenção;
(3) o compromisso político e o desenvolvimento de práticas
coletivas que valorizem as relações humanas. A atuação do psicólogo
social comunitário representa uma referência para as práticas sociais
com diretrizes teóricas e metodológicas.

Por fim, verifica-se se houve a obtenção de algum resultado, considerando o diálogo nas
reuniões grupais, a diminuição de queixas dos indivíduos e avaliação das demandas a
serem supridas. Afinal, a atuação do psicólogo “deve dar-se no sentido de que a
resolução das situações de crises individuais resulte na superação das contradições
sociais que geraram” (Bruhl & Malheiros, 1981).

Entretanto, esse trabalho não pode ser realizado apenas pelo psicólogo, é necessária uma
equipe multidisciplinar para garantir a saúde e a atenção básica à população. Por conta
disso, a psicologia comunitária está diretamente ligada ao modelo de Estratégia Saúde
da Família (ESF), programa assistencial de atenção básica iniciado em 1996 e sendo
alocado, principalmente, em regiões periféricas e de vulnerabilidade social por meio de
implantação em conjunto do Ministério da Saúde, da Secretaria de Estado da Saúde e
duas Organizações Sociais de Saúde (Governo Municipal de São Paulo, 2013).
Inicialmente contando apenas com médicos, enfermeiros e agentes comunitários da
saúde, o ESF se mostrou necessário para outros campos e a partir de 2008 iniciou-se a
implementação de profissionais de outras áreas, como psicólogos, professores de
educação física, nutricionistas, fisioterapeutas, dentistas, assistentes sociais, entre outros
profissionais que podem atuar em parceria para proporcionar a saúde.

A introdução de psicólogos à ESF surgiu a partir da necessidade de um profissional que


fosse capaz de atender os usuários em situação de risco psicossocial ou doença mental.
Contudo, mostrou-se eficaz para práticas combativas e preventivas e no enfrentamento
de vícios relacionados ao uso abusivo de álcool e drogas. Portanto, é essencial a
existência de uma equipe multidisciplinar, com o objetivo de cumprir com as
necessidades variadas dos indivíduos da comunidade. Como a Figura 1 demonstra, é
preciso perpassar pelas três intervenções: sanitária, clínica e técnico-pedagógico:
Figura 1
Intervenções da ESF

Nota: Imagem extraída de “A prática da Psicologia e o Núcleo de Apoio à Saúde da Família” (2009, p.37)

No estágio realizado no Programa de Saúde da Família (PSF), foi possível verificar que
a equipe multidisciplinar preenche a esses três requisitos a partir de tais ações:
 Sanitário: Aplicação de métodos preventivos de saúde, assim como o
acompanhamento dos mesmos junto à população;
 Clínico: Acolhimento e encaminhamento dos pacientes aos atendimentos
necessários, acolhimentos individuais de escuta psicológica;
 Técnico-pedagógico: Campanhas em grupos coletivos com diálogos de
promoção à saúde e prevenção de doenças.
Além disso, a equipe promove reuniões entre os profissionais para melhor atender as
demandas da comunidade.
Dentre as atribuições do psicólogo denota-se que a psicologia comunitária busca romper
o conceito elitista, promovendo a saúde mental à indivíduos que possuem dificuldade
em encontrar um apoio psicológico devido a sua vulnerabilidade social e demora no
atendimento psicológico em unidades do Sistema Único de Saúde, o qual é realizado
tanto de forma grupal quanto individual. Isso foi possível de observar nas rodas grupais
– mesmo que a princípio tenha sido realizado apenas para aproximação com os
pacientes - e nos acolhimentos psicológicos individuais acompanhados na unidade.
Segundo dados do Ministério da Saúde (2020), o munícipio de Itatiba atendeu pela
Equipe Saúde da Família quase 60% da população em 2020, apresentando um aumento
de 5% em relação ao ano anterior e de quase 60% em comparação com o ano de 2010.
Essa porcentagem é condizente com a porcentagem do país, que apresenta o mesmo
valor, porém, comparando com a capital do estado e cidades próximas, demonstra um
percentual maior da população coberta pela ESF. São Paulo apresenta 38,9% e Jundiaí
apenas 16,5% da população. Apesar do bom percentual e da estimativa de crescimento,
é necessário o empenhamento das ESF's e da Prefeitura da cidade para que esse número
atinja 100% da população carente.
O estágio foi realizado no PSF 10 16 San Francisco II José Correia Belo localizado no
bairro San Francisco na cidade de Itatiba/SP, nos arredores da unidade pode-se observar
que se trata de um bairro carente, porém bem atendido no que diz respeito ao Programa
de Saúde da Família, contando com mais uma unidade além da qual foi realizada o
estágio. No que diz respeito à população atendida pela unidade, há uma grande
variedade de pessoas, contando com usuários de diversas faixas etárias, embora haja
poucos adolescentes.
Durante o relatório será discorrido sobre as técnicas utilizadas no PSF em questão para
atendimento da comunidade, com referências do que foi realizado durante o estágio,
além de bibliografia pertinente a psicologia comunitária.
Alvaro, J.L, & Garrido, A. (2006) Psicologia social: perspectivas psicológicas e
sociológicas. São Paulo: MccGraw-Hill.

Bomfim, E. (1988). "Vila Acaba Mundo, Bairro Sion”. Anais do III Encontro Mineiro
de Psicologia Social, 2(4).

Brühl, D., & Malheiro, D.P.A. (1981) Psicologia na comunidade e os problemas


psicossociais de grupos populacionais pobres do Nordeste do Brasil. Anais do I
Encontro Regional de Psicologia na comunidade.

Conselho Federal de Psicologia. (2009). A prática da Psicologia e o Núcleo de Apoio à


Saúde da Família. Brasília.

Freitas, M. F. Q. (2005). (In)Coerências entre práticas psicossociais em comunidade e


projetos de transformação social: aproximações entre as psicologias sociais da
libertação e comunitária. Psico, 36(1), 47-54.

González Rey, F. (2004) O social na psicologia e a psicologia social. Petrópolis, Rio


de Janeiro: Vozes.

Lane, S.T.M. (2007) Histórico e fundamentos da Psicologia comunitária no Brasil.


Psicologia Social Comunitária Petrópolis, 17-34.

Ministério da Saúde. (2020). Saúde da Família.


https://sisaps.saude.gov.br/painelsaps/saude-familia

Silva, M.J.C.R, & Gigich, A.R. (2011) Atuação do psicólogo social comunitário.
Revista de Psicologia, 14(20), 63-78.

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