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FRANCISCO DINIZ SÓ DE CASTRO E GUILHERME DE OLIVEIRA CARVALHO

Atuação do Profissional de Psicologia no Contexto da Saúde Pública

Segundo Scliar (2007) o que se entende por saúde reflete a conjuntura social,
econômica, política e cultural. No Brasil, a saúde se torna um direito para todos a partir da
Constituição de 1988. Em 1990 o SUS é regulamentado, construído por movimentos sociais
sob os princípios de universalidade, gratuidade, integralidade e descentralização.

Porém, a tradição da formação em Psicologia no Brasil firmado em um modelo clássico


de clínica, liberal, privada, e individual, pautado no modelo biomédico. Absoluta até meados
da década de 90. Se faz sentir até hoje. A visão do trabalho dos psicólogos voltado para o
exercício autônomo e liberal da profissão em consultórios particulares, se mostra ainda muito
enraizada no debate de saúde mental. “Parecem compreender que essa atuação é a principal,
senão a única, forma de a Psicologia contribuir com os usuários do sistema de saúde e com a
comunidade” (Cintra e Bernardo, 2017).

Muitos chegam à Saúde Pública sem o devido preparo para assumir esse contexto de
trabalho. Para Silva e Corgozinho (2011), não há referenciais teórico-metodológicos específicos
capazes de suprir os afazeres do profissional nesse campo, devido à implantação do SUAS
(assim como do SUS) ser muito recente, bem como o fato de não se buscar, nas produções
psicológicas já existentes, a base teórico-conceitual e metodológica para o desenvolvimento das
atividades. Além de questões como a inexistência de um local que permita práticas diferentes
das já estabelecidas e a ausência de preparo para atender as demandas sociais.

“O encontro com essa clientela inédita, vinda dos segmentos mais pobres da população,
promoveu novos questionamentos e impôs alterações tanto na atuação quanto na formação dos
psicólogos” (Neto, 2010a). Essa postura individualista contraria o compromisso social e o
conceito de saúde do SUS. Dessa forma, nos cabe indagar como se dá a atuação do psicólogo
no contexto da Saúde Pública.

Atuação do Psicólogo no SUS

O SUS está dividido em três níveis de atenção: o nível primário (também chamado de
Atenção Básica), procedimentos que requerem menos tecnologia ou equipamentos podem ser
realizados para resolver a maioria dos problemas da população, é a porta de entrada do usuário
no sistema de saúde; o nível secundário, destinado a atender problemas de saúde que requerem
pessoal especializado e recursos mais sofisticados do que o nível primário, e o nível terciário,
com procedimentos, técnicas e custos muito complexos. A presença de equipes
interdisciplinares no primeiro nível de atenção que desenvolvam ações intersetoriais é
fundamental para o cuidado integral da saúde. “O psicólogo, nesse contexto, oferece uma
importante contribuição na compreensão contextualizada e integral do indivíduo, das famílias
e da comunidade” (Böing e Crepaldi, 2010).

A Saúde Pública inclui uma parcela significativa de psicólogos no Brasil, mas o uso de
técnicas é limitado principalmente pelo desconhecimento sobre o SUS e pela falta de formação
e preparo profissional, o que dificulta muito o trabalho nessa área. O serviço se reduz a uma
clínica clássica voltada para o indivíduo com cuidado de longo prazo que não leva em
consideração o contexto sociocultural em que o paciente vive. Ademais, os psicólogos, como
outros profissionais, são colocados em suposta igualdade em equipes multiprofissionais, mas
trabalham em um estado de subordinação na hierarquia interna do campo, dominado pela área
médica.

Porém, mesmo assim, a transformação gradativa e permanente do SUS e da prática


exigida do psicólogo nessa área tem avançado imensamente no desenvolvimento de uma
atuação mais relevante e determinada do psicólogo. A replicação do modelo assistencial
privado tão prevalente na área da saúde começou a se tornar insustentável, sendo necessário
desenvolver as conexões necessárias entre a prática clínica e o contexto mais amplo da saúde
pública. “Temos um cenário que aponta a importância da ampliação das ações no trabalho dos
psicólogos na saúde mental, ampliando não somente a clínica, mas também as intervenções
extraclínicas” (Neto, 2010b).

Atuação do Psicólogo no SUAS

O saber fazer psicológico tornou-se essencial para a atuação no campo das políticas
públicas, especialmente no SUAS. Isso porque a subjetividade está intimamente relacionada
ao mundo social do sujeito e, portanto, a seus direitos, autonomia, necessidades humanas,
família e seu contexto no território. O psicólogo devem atuar no sentido de compreender as
redes interativas das comunidades e dos territórios, bem como a relação singular de pessoas e
grupos que ali vivem, e a relação destas com o ambiente que as cercam.

Assistência Social é um direito do cidadão e dever do Estado, consagrado pela


Constituição Federal de 1988. A partir de 1993, com a publicação da Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS), é definida como Política de Seguridade Social, compondo o tripé
da Seguridade Social, juntamente com a Saúde e Previdência Social. Em 2005, é instituído o
Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que tem por função a gestão do conteúdo
específico da Assistência Social no campo da proteção social brasileira.

O SUAS é uma Política Pública da Seguridade Social, extremamente recente, que está
em processo contínuo de construção, se organiza de forma descentralizada e participativa os
elementos precisos para a execução dos serviços, programas, projetos e benefício
socioassistencias com qualidade, baseando-se nos princípios de universalidade, gratuidade,
integralidade, intersetorialidade e equidade. Para atingir seus objetivos, o SUAS viabiliza
diversas medidas para reduzir e prevenir a vulnerabilidade e os riscos sociais decorrentes do
ciclo de vida, deterioração das relações familiares e sociais.

O Sistema organiza as ações da assistência social em dois tipos de proteção social: a


proteção social básica, com os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), e a
proteção social especial, dividida em média e em alta complexidade, incorporando os Centros
de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS).

Centros de Referência da Assistência Social (CRAS)

“A inserção do psicólogo na atenção primária, como é o caso dos CRAS, é um


importante ponto de partida para o desenvolvimento das comunidades, pois é através do bem-
estar dos sujeitos e dos grupos sociais que se pode construir a autonomia destes, proporcionando
sua inserção na sociedade de forma digna” (Silva e Corgozinho, 2011a). Um dos focos
principais das ações do CRAS é a prevenção das situações de risco, tendo em vista o
fortalecimento do convívio e desenvolvimento da qualidade de vida familiar-comunitário.
Conhecendo o território, a equipe do CRAS pode apoiar ações comunitárias, atuando junto à
comunidade na construção de soluções para o enfrentamento de problemas comuns (MDS,
2015a).

O papel do profissional de psicologia é ajudar e colaborar com a comunidade e trabalhar


com os usuários para estabelecer os objetivos a serrem alcançados, buscando desde o início a
participação destes, pois são eles os sujeitos capazes de colocar em prática ações que
possibilitem a melhoria de seu bem-estar psicossocial. “Busca-se, portanto, desenvolver
sujeitos autônomos, comprometidos com sua realidade, pois, ao criar possibilidades, estes
poderão sair da situação de vulnerabilidade social em que se encontram. Após essa finalização,
a equipe retorna à fase inicial, revendo projetos já pensados e formulando novos, reiniciando o
planejamento e implementando novos projetos” (Silva e Corgozinho, 2011b).
Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS)

O CREAS é uma unidade pública da política de Assistência Social onde são atendidas
famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social, com violação de direitos, como:
violência física, psicológica e negligência; violência sexual; afastamento do convívio familiar
devido à aplicação de medida de proteção; situação de rua; abandono; trabalho infantil;
discriminação por orientação sexual e/ou raça/etnia; cumprimento de medidas socioeducativas,
entre outras. Além de orientar e encaminhar os cidadãos para os serviços da assistência social
ou demais serviços públicos existentes no município, no CREAS também se oferece
informações, orientação jurídica, apoio à família, apoio no acesso à documentação pessoal e
estimula a mobilização comunitária. (MDS, 2015b). A articulação no território é fundamental
para fortalecer as possibilidades de inclusão da família em uma organização de proteção que
possa contribuir para a reconstrução da situação vivida.

Tais unidades necessitam ter em sua equipe o coordenador, o assistente social, o


psicólogo, o advogado, profissionais de nível superior ou médio para trabalhar na abordagem
dos usuários e o auxiliar administrativo. (Silva e Corgozinho, 2011c). São implantados de
acordo com o porte, nível e demanda dos municípios, bem como o grau de incidência e
complexidade das situações de risco e de violação de direitos.

Compete ao psicólogo que atua no CREAS: realizar atendimento aos usuários em


situação de violação de direitos, orientá-los e acompanhá-los, criar grupos de apoio para acolher
os indivíduos para que superem situações de violação de direitos, contribuir com a equipe de
referência e orientá-los para que desenvolvam seus trabalhos com base na Política Nacional de
Assistência Social (PNAS) e na Proteção Social Especial (PSE), contribuir com a equipe para
que as ações da mesma sejam, dentro do possível, mais harmoniosas e profissionais, entre outras
coisas.

Conclusão

Diante do exposto, podemos destacar a importância que tem a atuação do psicólogo


dentro da Saúde Pública, no sentido de promover autonomia e conscientização dos usuários,
visando a transformação social, quando a prática deste não se limita pelo atendimento clínico
tradicional. Ao mesmo tempo que se pode destacar as dificuldades impostas a estes
profissionais que atuam na saúde de fazer uma prática mais ampla. Seja pela inexistência de
uma estrutura sólida que permita a prática livre de profissionais capacitados ou pela própria
formação acadêmica, capturada por uma ideologia liberal, individualizante e focada na prática
clínica privada, que atravanca a formação de profissionais preparados para lidar com as
demandas da Saúde Pública.

Por fim, se mostra também a necessidade de buscarmos derrubar os obstáculos que


prendem a atuação do psicólogo a uma única ação e dar liberdade para que ela se transforme
naquilo que precisar ser em determinado espaço e momento.

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