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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA


FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

RITA DE CÁSSIA SANTANA DE OLIVEIRA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:


macro/micropolíticas e etnométodos para permanência
estudantil na Educação Básica

Salvador
2019
1

RITA DE CÁSSIA SANTANA DE OLIVEIRA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:


macro/micropolíticas e etnométodos para permanência
estudantil na Educação Básica

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Educação da Universidade Federal da Bahia,
como pré-requisito para aprovação no doutorado.

Linha de pesquisa: Currículo e (In) Formação

Orientador: Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo

Salvador
2019
2

Ficha catalográfica elaborada por: Eliana Caralho / CRB -5/1100

O48 Oliveira, Rita de Cássia Santana de.


Educação de Jovens e Adultos: macro/micropolíticas e
etnométodos para permanência estudantil na Educação
Básica / Rita de Cássia Santana de Oliveira. – Salvador,
2019.
184f.

Orientador: Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo


Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Fede
ral da Bahia, Faculdade de Educação/Programa de Pós-
Graduação em Educação, 2019.

1. Educação de Jovens e Adultos. 2. Etnométodos.


3. Macro/micropolíticas. 4. Políticas de Permanência Estu-
dantil. 5. Educação Básica. I. Título. II. Macedo, Roberto
Sidnei (Orientadora). III. Universidade Federal da Bahia.

CDD 374
3

RITA DE CÁSSIA SANTANA DE OLIVEIRA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:


macro/micropolíticas e etnométodos para permanência
estudantil na Educação Básica

Tese apresentada ao Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação,


Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, como requisito para obte-
ção do grau de Doutora em Educação.
Salvador 14 de março de 2019.

Roberto Sidnei Macedo – Orientador ______________________________________


Pós-Doutor em Teoria de Currículo pela Universidade do Minho, Portugal
Universidade Federal da Bahia

Denise Moura de Jesus Guerra __________________________________________


Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil
Universidade Federal da Bahia

Maria Ornélia Marques da Silveira ________________________________________


Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo, Brasil
Universidade Federal da Bahia

Moema Ferreira Soares ________________________________________________


Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil
Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia

Silvia Michele Lopes Macedo de Sá ______________________________________


Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Tânia Regina Dantas __________________________________________________


Doutora em Educação pela Uniersitat Autònoma de Barcelona, Espanha
Universidade do Estado da Bahia
4

À Marcony, meu esposo e companheiro, que,


com seu afeto e parceria contribuiu para a
realização deste trabalho se tornasse mais leve.

Ao meu filho José Neto, expressão de vida e


inspiração para me tornar um pouco melhor a cada dia.
5

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente, a Deus e à Espiritualidade, pela condição de acesso


e permanência nessa etapa de estudo que ainda se constitui um espaço para pou-
cos (as), assim como força para a concretização desse trabalho;
Aos meus pais Marizete e Antônio (in memoriam), de cujas histórias lembrei-
me, durante muitos momentos da escrita – histórias de superação na luta pela reali-
zação de seus sonhos, e que nos tornaram mais fortes. Sempre presentes!
Às minhas irmãs Ana, Kátia e ao meu irmão Mário, pelas palavras e ações ca-
rinhosas de amparo e força, nesse e em vários momentos da minha vida. Sem a
ajuda de vocês, essa caminhada seria muito mais difícil!
Ao meu orientador, Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo, que, de forma ética, cui-
dadosa e competente, orientou-me durante todo o processo de doutoramento, o que
tornou essa produção muito mais leve e possível. Minha gratidão!
As professoras convid\adas da banca
A Eli, trabalhadora/estudante que, na fase adulta, após dezesseis anos, con-
seguiu concluir a Educação Básica, sempre driblando os desafios para conciliar vida
pessoal, trabalho e estudo. Amizade construída e regada com risos e muita parceria,
principalmente nos momentos mais difíceis de minha vida. Sempre grata!
A Zete, Isa, Berna Chele e Dene: amigas-irmãs, presentes que a Vida me
deu... Obrigada pelas orações, sabedorias, risos e sisos. Feliz encontro!
Aos amigos e às amigas de longas datas que tive a grata satisfação de en-
contrar na vida, meu muito obrigada!
Aos (Às) colegas do FORMACCE/UFBA, pelas parcerias e aprendizagens nas
itinerâncias formativas;
Às colegas da PROGRAD/UNEB, que, apesar do volume e densidade das
nossas ações, externavam sempre a alegria e o riso largo;
Aos (Às) colegas do DEDC XI/ UNEB, pelas ricas tessituras profissionais du-
rante meu ingresso na UNEB. Obrigada pelo carinho e respeito!
Aos colegas DEDC I/ UNEB, pelo acolhimento respeitoso, bem como pelas ri-
cas parcerias que estão sendo tecidas;
Aos (Às) colegas da Escola Municipal Comunitária da Histarte, pelas trocas
de saberes e parcerias!
6

Aos (às) estudantes, professores (as), gestores (as) e demais profissionais


das escolas investigadas que me acolheram tão bem e que de forma aguerrida
lutaram para que as suas portas não fechassem. A luta não foi em vão, vamos (re)
existir de outras formas e em outras condições.
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RESUMO

A presente tese apresenta como centralidade a compreensão das ma-


cro/micropolíticas e etnométodos para a permanência de jovens e adultos (as) na
Educação Básica. No plano teórico, orienta-se pelos conceitos de etnométodos e
macro/micropolíticas e, no plano metodológico, pelas práticas de pesquisas do tipo
etnográficas, por meio da Etnopesquisa Contrastiva. Assim, tomando como ponto de
partida dois estudos de caso, apresenta como objetivos: 1) compreender a perspec-
tiva dos diversos segmentos que compõem a EJA no que diz respeito à formação
nesta modalidade de educação e às políticas de permanência estudantil; 2) compre-
ender como se entrelaçam trajetórias de vida e trajetórias escolares na vivência dos
(as) jovens e adultos (as) da EJA, bem como os tempos de sobrevivência e traba-
lho, tão típicos da vida jovem e adulta na pobreza; 3) descrever os etnométodos que
são construídos pelos (as) jovens e adultos (as) ao longo de sua formação no con-
texto da EJA, a fim de permanecer e concluir este processo formativo; e, 4) reco-
nhecer, nas ações dos diferentes segmentos que compõem esta modalidade de en-
sino, indicadores para a formulação de políticas de permanência estudantil na EJA.
A pesquisa foi realizada em duas escolas da rede estadual de ensino localizadas no
município de Salvador, que se constituíram em casos a partir dos quais a pesquisa
foi desenvolvida; uma delas ofertava cursos de EJA nos turnos diurno e noturno, en-
quanto a outra funcionava exclusivamente no noturno e foi criada para ofertar cursos
da Educação Básica para jovens e adultos (as) trabalhadores (as). Por meio da pes-
quisa contrastiva, buscou-se identificar relacionalmente e, portanto, entre os casos,
singularidades e contrastes, onde foi possível perceber nas narrativas dos (as) ato-
res (atrizes) sociais maneiras peculiares para lidar com a permanência estudantil na
Educação Básica. A compreensão dos etnométodos produzidos pelos (as) atores
(atrizes) sociais, assim como as micropolíticas produzidas pelas escolas investiga-
das em prol da permanência de estudantes jovens e adultos (as) para a conclusão
dos estudos na Educação Básica constituem o caminho trilhado para esta análise,
que resultou na construção das categorias compreensivas. Dentre outros aspectos,
percebeu-se que as condições pelas quais os (as) estudantes trabalhadores (as)
dão continuidade aos estudos na Educação Básica ainda requer um esforço indivi-
dual tamanho, o qual, em muitos casos, gera reincidência na desistência dos estu-
dos. Assim, muitos etnométodos produzidos pelos (as) estudantes trabalhadores
(as) para driblar esses desafios precisam ser identificados, compreendidos e con-
templados tanto nas micropolíticas das escolas quanto nas macropolíticas, no âmbi-
to do Estado. Eles funcionam como um índice, apontando não apenas para a criati-
vidade e a capacidade de resistência e luta dos (as) atores e atrizes sociais, mas
também para as ausências no campo das políticas públicas. Um exemplo disso é
quando os (as) estudantes trabalhadores (as) reportam-se ao deslocamento entre
casa/trabalho/escola, pois aí estão a falar de etnométodos produzidos para dar con-
ta dessa mobilidade urbana, bem como tocam em questões intimamente relaciona-
das, como o quantitativo de escolas que ofertam cursos de EJA nessas localidades,
assim como remetem à oferta de cursos de EJA em diversos turnos de funciona-
mento da escola, além da manutenção de linhas de ônibus em horários compatíveis
com os horários de estudo, denunciando as ausências no campo das políticas de
mobilidade. No âmbito das micropolíticas produzidas pelas escolas, por sua vez, no-
ta-se, a partir dos relatos dos etnométodos, a importância de incluir o estudo sobre o
processo de escuta enquanto pauta para formação de professores (as) e gestores
(as) que atuam na Educação de Jovens e Adultos, condição fundante para a
8

compreensão das condições de vida e de estudo desses (as) atores (atrizes) sociais
curriculantes, bem como para promover a permanência. Os resultados indicam, pois,
que é na potência do inexistente que residem as micropolíticas, ou seja, a produção
das micropolíticas dos (as) jovens e adultos trabalhadores (as) que re(existem), ten-
sionando a criação de políticas públicas de permanência estudantil na Educação
Básica que se aproximem de suas necessidades.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Etnométodos. Ma-


cro/micropolíticas. Políticas de Permanência Estudantil. Educação Básica.
9

ABSTRACT

The present thesis takes as its core the understanding of macro / micropolitics and
ethnomethods for permanence of young people and adults in Basic Education. At the
theoretical level, it is guided by the concepts of ethno-methods and macro / mi-
cropolitics and, at the methodological level, by ethnographic research practices,
through Contrastive Ethnopooking. Taking as its starting point two case studies, the
objectives of the study are as follows: 1) to understand the perspective of the various
segments that make up the EJA with regard to training in this type of education and
student permanence policies; 2) to understand how life and school trajectories are
interwoven in the experience of the youth and adults of the EJA, as well as the sur-
vival and work times, so typical of youth and adult life in poverty; 3) describe the eth-
nomethods that are built by the young people and adults throughout their formation in
the context of the EJA in order to stay and conclude their educational process; and 4)
to recognize, in the actions of the different segments that make up this modality of
education, indicators for the formulation of student stay policies in the EJA. The re-
search was carried out in two schools of the state education network, which are lo-
cated in the city of Salvador, and were taken as cases from which the research was
developed; one of them offered EJA courses in the day and night shifts, while the
other worked exclusively at night and was created to offer Basic Education courses
for youth and adult workers. Through contrastive research, it was sought to identify
relationally and, therefore, among the cases, singularities and contrasts, where it was
possible to perceive in the narratives of the social actors (actresses) peculiar ways to
deal with student permanence in Basic Education. The understanding of the ethno-
methods produced by the social actors, as well as the micropolitics produced by the
schools investigated in favor of the stay of young students and adults for the comple-
tion of the studies in Basic Education, are the path taken for this analysis, which re-
sulted in the construction of comprehensive categories. Among other aspects, it was
noticed that the conditions by which the student workers continue their studies in
Basic Education still requires an individual effort, which, in many cases, leads to re-
currence in the dropping out os school. Thus, many ethnomethods produced by
working students to overcome these challenges need to be identified, understood,
and contemplated in both the school micropolitics and macro policies within the state.
They act as an index, pointing not only to the creativity and resilience and struggle of
social actors and actresses, but also to absences from public policies. An example of
this is when the student workers report the displacement between home / work /
school, because they are talking about ethnomethods produced to deal with this ur-
ban mobility, as well as touching on issues related to them , such as the number of
schools that offer EJA courses in these localities, as well as refer to the EJA courses
offered in various shifts of the school, as well as the maintenance of bus lines sched-
uling compatible with study routines, denouncing absences in the field of mobility pol-
icies. In the context of the micropolitics produced by the schools, in turn, it can be
noticed, from the reports of the ethnomethods, the importance of including the study
on the listening process as well as the teacher training and managers who work in
youth and adult education, a fundamental condition for understanding the living con-
ditions and the study of these social actors, as well as to promote permanence. Re-
sults suggest, therefore, that micropolitics, that is, the production of micropolitics by
working youths and adults that re (exist), should lead to the creation of public policies
of permanence in basic education that are close to their needs.
10

Keywords: Youth and Adult Education. Ethnomethods. Macro/micropolitics. Student


Permanence Policies. Basic education.
11

RESUMEN

En esta tesis se presenta como centralidad la compreensión de las ma-


cro/micropolítcas y etnométodos para la permanencia de jovens y adultos (as) en la
Educación Básica. En el plano teórico orienta se pelos conceptos de etnométodos y
macro/micro políticas y, en el plano metodológico, por las práticas de investigaciones
del tipo etnográficas, través de la Etnoinvestigación Contrastiva. Así, pues, en se
tomando como puento de partida dos estudios de caso, presenta como objetivos : 1)
la comprensión de la perspetiva de los diversos artejos que componen la EJA, en lo
que diz respeto a la formación en esta modalidad de educación y a las políticas de
permanencia de los estudiantes ; 2) la comprensión de como se entrelaçan trayeto-
rias de vida y trayetorias de escuela en la vivencia de los (las) jovens y de los (las)
adultos (as) de la EJA, bién como el tiempo de supervivencia y trabajo, muy típico
de la vida joven y adulta en la pobreza ; 3) la descrición de los etnométodos constru-
ídos por los (las) jovens y adultos (as) en el longo processo de su formación en la
EJA, con la finalidad de permanencia y conclusión en este processo de formación ;
y, 4) el reconocimiento, en las aciones de los diversos artejos que componen esta
modalidad de ensinãnza, de los indicadores para la formulación de políticas de per-
manencia de los (las) estudiantes en la EJA. La investigación ha sido hecha en dos
escuelas estaduales de la ciudad de Salvador, que se constituiran en casos a partir
de los cuales esta investigación ha tenido su desarrollo ; en una, eran ofrecidos cur-
sos en el dia y en la noche ,en la otra solamente habian cursos en la noche y habia
sido criada para en ella se ofreceren cursos de la Educación Básica para jovens y
adultos (as) trabajadores (as). Través de la investigación contrastiva se ha buscado,
con racionalidad, y, pues, entre los casos, la identificación de singularidades y con-
trastes, cuando se fué possible percebir , en las narraciones de actores y de actrizes
sociales, mañeras peculiares para trabajar com la permanencia de los estudiantes
en la Educación Básica. La comprensión de los etnométodos producidos por los ac-
tores y por las actrizes sociales, bién como las micropolíticas producidas por las es-
cuelas em investigación, en favor de la permanencia de los (las) estudiantes jovens
y de adultos (as) para la conclusión de los estudios en la Educacón Básica, se cons-
tituen en el caminho percorrido para esta analisis la cual ha resultado en la constru-
ción de las categorias compreensivas. Dentre otros aspetos, se ha percebido que las
condiciones por las cuales trabajadores (as) jovens y adultos (as) dan continuidad a
sus estudios en la Educación Básica requieren de ellos y ellas un esfuerzo individual
muy grande, lo cual, en muchos casos, resulta en reincidencia de la desistencia de
los estudios. Así, muchos de los etnométodos producidos por los (las) estudiantes
trabajadores (as) para el enfrentamiento a eses desafios precisan de identificación,
de comprensión y de una mirada especial, tanto por las micropolíticas de las escue-
las, sino tambiém por las macropolíticas del Estado. Esos etnométodos funcionan
como norte y muestran non solamente la criatividad y la capacidad de resistencia y
de lucha de los actores y de las actrizes sociales, pero también las ausencias en el
campo de las políticas públicas. Uno ejemplo de eso es quando los (las) estudiantes
trabajadores ( as) se repuertan a el deslocar se entre moradia/ trabajo/ escuela,
cuando, entonces, hablan de etnométodos producidos para el enfrentamiento a esa
mobilidade en la ciudad, bién como hablan de cuestiones muy relacionadas entre si,
como la cantidad de escuelas que ofrecen cursos de EJA en ciertas localidades,
así como se remeten a los turnos oferecidos por las escuelas. Además, ainda hacen
referencia a la cantidad y a los horarios de lo transporte ni siempre compatibles con
las horas de estúdio, con denuncia de la ausencia de las políticas públicas de
12

mobilidad. En el campo de las micropolíticas producidas por las escuelas, por su


vez, se ha notado que los relatos de los etnométodos producidos muestran la impor-
tância de inclusión de estudios sobre el proceso de escucha como pauta para la
formación de professores y gestores que actuen en la EJA, condición fundante para
la comprensión de las condiciones de vida y de estudio de esos actores y de esas
actrizes sociales curriculantes, bién como para garantir se la permanencia. Los resul-
tados muestran, pues, que es en la potencia de lo inexistente que están fincadas las
micropolíticas, o sea, la produción de las micropolíticas de los (las) jovens y adultos
(as) jtrabajadores(as) que re(existen), haciendo presión para la criación de políticas
públicas para la permanencia de los estudiantes en la Educación Básica que ven-
gan a acercar se de sus necessidades.

Palabras–clave: Educación de Jovens y Adultos. Etnométodos. Macro/micro políti-


cas. Permanencia de los estudiantes. Educación Básica.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AC Atividades Complementares
Ceneb Centro Noturno de Educação da Bahia
CFESS Conselho Federal de Serviço Social
CJA Coordenação de Educação de Jovens e Adultos
CONFITEA Conferência Internacional de Educação de Adultos
CPA Comissão Permanente de Avaliação
DPAEJA Diretoria de Políticas de Educação de Jovens e Adultos
EJA Educação de Jovens e Adultos
EP Educação Profissional
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
FEBA Faculdade de Educação da Bahia
FAC Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras de Candeias
FORMACCE Grupo de Pesquisa em Currículo e Formação
HRW Human Rights Watch
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IFG Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás
Incra Instituto Nacional de Colonização e de Reforma Agrária
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Nacionais Anísio
Teixeira
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Avançada
MEC Ministério da Educação
MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização
MOVA Movimento de Alfabetização de Adultos
ONG Organização Não Governamental
OSBA Orquestra Sinfônica da Bahia
OSID Obras Sociais Irmã Dulce
RMS Região Metropolitana de Salvador
Parfor Programa Nacional de Formação de Professores da Educa-
ção Básica
PAIP Projeto de Monitoramente, Acompanhamento, Avaliação e
Intervenção Pedagógica
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Pnad Pesquisa Nacional por Mostra de Domicílios (Pnad)


Planfor Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador
PNAC Plano Nacional de Alfabetização e Cidadania
PNAES Programa Nacional de Assistência Estudantil
PNE Plano Nacional de Educação
PPGEduC/UNEB Programa de Pós-Graduação em Educação e Contempora-
neidade da Universidade do Estado da Bahia
PPG/FACED/UFBA Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal da Bahia
Proeja Programa de Integração Profissional de Jovens e Adultos
PROJOVEM Programa Nacional de Inclusão dos Jovens
Pronera Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
SEC Secretaria da Educação
SECAD Secretaria de Educação Continuada e Diversidade
SEJA I Segmento da Educação de Jovens e Adultos
SGE Sistema de Gestão Escolar
SUPED Superintendência de Políticas para a Educação Básica
TIC Tecnologias da Informação e da Comunicação
UNEB Universidade do Estado da Bahia
USAID United States Agency of InternationalDevelopment
15

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 16
2 UM APROXIMAÇÃO ÀS PRODUÇÕES NO CAMPO DA EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS ...................................................................... 30
2.1 Historiando a educação de jovens e adultos no Brasil ..................... 30
2.1.1 O cenário da EJA estadual na Bahia ...................................................... 37
2.2 Políticas da EJA e políticas na EJA .................................................... 41
2.2.1 A política de EJA NA Bahia ..................................................................... 53
2.3 A formação de jovens e adultos: o fundante na EJA ........................ 56
3 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA DA PESQUISA .............. 62
3.1 A etnopesquisa implicada .................................................................... 64
3.1.1 Os etnométodos como possibilidades de compreensão ......................... 66
3.1.2 Os micro/macropolíticas como possibilidades de compreensão ............ 68
3.2 A pesquisa contrastiva ......................................................................... 70
3.3 Dispositivos de Produção de Saberes ................................................ 72
3.3.1 A observação participante ....................................................................... 73
3.3.2 A entrevista semi-estruturada ................................................................. 75
3.3.3 Diário de campo ...................................................................................... 76
3.3.4 Diálogos formativos ................................................................................. 78
3.4 Os (as) atores (atrizes) sociais e o locus da pesquisa .................... 79
3.4.1 O Centro Noturno de Educação Joana Angélica .................................... 82
3.4.2 O Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares ........................... 84
4 COMPREENDENDO AS DIFERENTES PERSPECTIVAS .................... 86
4.1 O pensamento multirreferencial como abordagem teórica .............. 86
5 ANÁLISE DOS CONHECIMENTOS PRODUZIDOS NO CAMPO ......... 90
5.1 Contrastando as políticas de permanência de jovens e adultos na
Educação Básica ................................................................................... 92
5.1.1 Caso 1: o Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica ........ 92
5.1.2 Caso 2: o Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares .............. 119
5.2 O relacional e o contraste em ato: estudo de casos - Centro No-
turno de Educação da Bahia Joana Angélica e Centro Estadual de
Educação Zumbi dos Palmares ........................................................... 154
5.2.1 O Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica e suas singu-
16

laridades .................................................................................................. 155


5.2.2 Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares: singularidades
outras ...................................................................................................... 159
5.2.3 Aproximações e contrastes nos casos investigados ............................... 160
6 DAS MICROPOLÍTICAS ÀS POLÍTICAS DE PERMANÊNCIA DE
JOVENS E ADULTOS (AS) NA EDUCAÇÃO BÁSICA: NOTAS IN-
CONCLUSAS ......................................................................................... 165
REFERÊNCIAS ..................................................................................... 170
APÊNDICES ........................................................................................... 178
APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .............. 178
APÊNDICE B – Roteiro para Mediação do Diálogo Formativo com os
(as) Estudantes ....................................................................................... 180
APÊNDICE C – Roteiro para Mediação do Diálogo Formativo com os
(as) Professores (as) ............................................................................... 182
APÊNDICE D – Roteiro de Entrevista dos (as) Gestores (as) ................ 183
16

1 INTRODUÇÃO

Conforme o dicionário Houaiss (2010), implicar é tomar parte em; envolver-se;


confundir-se; embaraçar-se. Minha implicação com o campo da educação é de lon-
gas datas: lembro-me das “escolas” montadas na varanda de nossa casa, no bairro
do Jardim Cruzeiro, na Península de Itapagipe, em Salvador. Faço aqui uma pausa
para falar da constituição desse bairro, o que marcou profundamente minha infância.
O Jardim Cruzeiro renteia com o final de linha de outro bairro – o bairro dos Alaga-
dos, cujas casas foram construídas acima do manguezal que o banhava. Filha caçu-
la de um casal de trabalhadores, deliciava-me acordar cedo aos sábados, para
acompanhar minha mãe à feirinha do Jardim Cruzeiro, como ela era conhecida. A
feirinha era simples, mas mantinha várias sessões, e minha mãe adorava passar em
todas elas, a dos peixes frescos – que, aliás, era a sua preferida; a das plantas, de
que ela gostava muito; o Camarão de Cabeceira, um senhor com traços espanhóis,
que vendia camarões secos, azeite de dendê, coco e outras iguarias necessárias à
culinária baiana. A feira beirava tão de perto o manguezal, que, ao retornar à casa
com minha mãe aos sábados, tínhamos de lavar as pernas respingadas de sua lama
preta. Ver os feirantes organizando suas barracas, a minha mãe negociando os pre-
ços com os feirantes, me fazia, mesmo aos oito anos de idade, “viver” aquele mundo
da adultez (da minha mãe e dos (das) feirantes), por que não dizer, do adulto traba-
lhador, no acontecer de sua vida cotidiana, a tecer aqui e ali seus etnométodos e
suas micropolíticas. Encantava-me a habilidade, que exibiam, de fazer tanto e ainda
organizar as coisas do seu dia-a-dia.
Na época, uma de minhas brincadeiras infantis prediletas era brincar de pro-
fessora; ensinar e entrar nesse mundo era possível quando “montava” minha escola
com pedaços de madeira para formar o quadro e pedia para minha mãe comprar giz,
elemento indispensável na vida das professoras àquela época. Outro momento de
grande aproximação que tenho com o universo da educação era quando minha mãe
trazia as atividades dos (as) estudantes para que pudesse organizar, corrigir e “dar o
visto”; adorava ajudar minha mãe, especialmente a dar o visto nas atividades, pois
considerava que estava acompanhando as atividades dos (as) estudantes.
Desse modo, posso afirmar que meu desejo pelo campo da Educação de Jo-
vens e Adultos (EJA) confunde-se com minha história de vida, desde os seus pri-
mórdios. Ao pensar sobre isso, lembro-me das narrativas de minha mãe sobre a sua
17

trajetória de escolarização e formação como mulher. Ela estava com aproximada-


mente 25 anos de idade quando conseguiu concluir o secundário, atual ensino mé-
dio, no então curso de magistério. Contava com muito orgulho o esforço que fez pa-
ra concluir a Educação Básica, dividindo-se entre as atividades de confecção e co-
mercialização de flores de papel – produzidas para permitir o custeio da mensalida-
de da escola particular que frequentava – e os estudos. Referia-se também a uma
grande amiga que muito a apoiou neste intento, ensinando-lhe matemática após cui-
dar (inclusive com ajuda da amiga-aprendiz) dos afazeres domésticos. Entre histó-
rias de vida e de lutas de sobrevivência contadas com os olhos em lágrimas, minha
mãe passava a mensagem de que estudar, no Brasil, era um privilégio de poucos. A
instituição escolar era para jovens rapazes, brancos e de camadas privilegiadas. A
luta de minha mãe para estudar tinha estreita relação, agora posso ver, com sua po-
sição de mulher de camada popular, e revelava, para quem desejasse ver, seus et-
nométodos para permanecer na escola em face das insuficiências do Estado em
garantir educação para todos.
Por outro lado, ouvia as histórias de vida de meu pai, filho de trabalhador e
trabalhadora rurais do sertão baiano, no município de Tucano. Aos cinco anos de
idade, trabalhava na roça para ajudar na sobrevivência da família. Seus pais, serta-
nejos de classe popular, não alisaram os bancos escolares e resolveram, na década
de 50 do século XX, tentar a vida na capital – Salvador – cidade onde, mais tarde,
meu pai residirá e formará a nossa família. Em Salvador, dedicou-se ao trabalho,
não tendo condições físicas para estudar, pois o cansaço era grande na labuta diá-
ria, em que exercia a função de “praça”, ou, em termos atuais, motorista. Pois bem:
a luta pela sobrevivência distanciou meu pai da escola, interrompendo seus estudos
na 4ª série do antigo primário, hoje 5º ano do Ensino Fundamental. Interessante, no
entanto, é notar como o saber não está limitado ao ambiente escolar. Meu pai, ape-
sar de não ter concluído seus estudos, era conhecedor de muitas coisas. Hoje con-
sidero que ele era depositário de uma rica experiência de vida e leituras de mundo
que causavam inveja a muitos de nós, tão fartos de títulos. Essa sabedoria de vida
vivida me encantava, pois sabia que, para quase todos os assuntos, meu pai se ar-
riscava a expressar sua opinião, suas ideias, que, por sinal, eram muito bem articu-
ladas.
Por outro lado, lembro-me da minha condição de estudante da escola pública,
que em virtude de inúmeras greves de professores (as) e reformas em pleno ano
18

letivo, levava-me a “sonhar” em estudar em escolas particulares para poder dar con-
tinuidade aos estudos sem interrupções. Afinal de contas, o (a) filho (a) do (a) traba-
lhador (a) que se encontra na escola pública, muitas vezes não tem opção de estu-
dar em outra escola, quer seja em virtude da distância, quer seja em virtude da vio-
lência urbana, o que muitas vezes tem impedido a mobilidade dos (as) estudantes
das escolas da rede pública na Educação Básica.
Interessante notar que, apesar de ter apenas 17 anos quando finalizei o curso
de magistério, essas questões me angustiavam muito: tanto as constantes interrup-
ções das aulas em virtude das condições físicas das escolas, quanto as condições
de trabalho dos (as) professores (as), que tinham de paralisar as aulas, por meio das
greves, para verem seus direitos minimamente assegurados.
Foi esse o cenário familiar e estudantil que me levou à Educação de Jovens e
Adultos e mobilizou, de forma mais ou menos consciente, o meu desejo de compre-
ender a luta de tantos atores (atrizes) sociais1 que vivem cotidianamente os desafios
da conciliação: tempo de estudo e tempo de trabalho.
A escolha de uma trajetória profissional não é nada fácil para um (a) jovem
que ainda não tem dimensão do mundo que o (a) espera; esse, contudo, não foi o
meu caso. Desde cedo soube o que desejava: tornar-me professora. Na condição de
adolescente, tinha muito claro que necessitava fazer uma escolha profissional, então
resolvi fazer o curso de Magistério. De toda experiência vivida nesse período, as
mais significativas estão associadas às discussões teóricas proporcionadas por al-
guns (as) professores (as), além dos laços afetivos construídos. A lembrança desse
tempo me faz pensar no poema de Paulo Freire2, particularmente do trecho em que
diz que “escola é o lugar onde se faz amigos, não se trata só de prédios, salas, qua-
dros, programas, conceitos... Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, que
estuda, que se alegra, que se conhece e se estima...” Foi em especial no cenário
da(s) escola(s) que construí toda a minha trajetória, ora na condição de estudante,
ora na condição de professora, coordenadora, dentre outras funções já exercidas no
campo profissional. Dessa experiência, conservo amizades que perduram no tempo,
sempre corrido, nada tedioso, de quem decide fazer da escola – mais ainda, da edu-

1 Utilizo esse termo, a partir das leituras realizadas de Macedo (2002, 2005, 2010, 2012, 2015, 2017,
2018) ao me referir aos (às) estudantes jovens e adultos (as) e demais colaboradores (as) dessa
pesquisa. Esse termo será aprofundado posteriormente no capítulo sobre metodologia.
2 A escola é – poesia do educador Paulo Freire, disponível no site do Instituto Paulo Freire
(www.paulofreire.org).
19

cação – a sua vida. Foi nesses trilhos, melhor ainda, nessas trilhas que, após con-
cluir o Curso de Magistério passei a lecionar em algumas instituições de ensino da
rede privada. Nessa ocasião, dei-me conta que faltava aprofundamento teórico-
metodológico para o exercício de uma docência que hoje entendo como, necessari-
amente, reflexiva.
Vivenciei nesse período sentimentos diversos, desde as alegrias das aprendi-
zagens construídas aos desânimos inevitáveis frente à realidade da educação públi-
ca brasileira. Devo dizer que, não obstante todo o meu desejo de formar e logo leci-
onar, não estive imune às interrupções de ano letivo (por greves, paralisações ou
reformas) que desde essa época faziam parte da rotina das escolas públicas de
nossa cidade/país, que há muito vem sofrendo com a precarização da educação.
Esses períodos desanimadores, oportunizaram, contudo, a leitura de obras que
marcaram a minha trajetória. Eram leituras em geral indicadas pelos (as) professores
(as), e que me davam a sensação de ainda estar na escola, estudando. Em meio às
leituras indicadas, uma marcou-me de forma particular: A importância do ato de ler
(FREIRE, 1985), indicada pela professora de Metodologia da Alfabetização. Foi meu
primeiro diálogo com o pensamento paulofreireano. Um pensamento altamente revo-
lucionário, porque marcado pelo ideário de uma prática pedagógica dialogada e poli-
tizada que, sem dúvida alterou e orientou o meu olhar em relação à docência e ao
papel relevante que a alfabetização de jovens e adultos (as) possui na formação de
cidadãos (ãs) críticos (as). Decidi, então, aprofundar essas questões no ensino su-
perior, optando por permanecer no campo da educação e cursar Pedagogia.
Na graduação experienciei o ápice do deleite em relação aos estudos. No ano
de 1991, aos dezoitos anos de idade, ingressei no curso de Licenciatura em Peda-
gogia, na Faculdade de Educação da Bahia (FEBA). O curso proporcionou reflexões
importantes para minha formação, além da construção de laços afetivos fortemente
alimentados e sedimentados, pautados nos princípios de companheirismo e lealda-
de, laços que até hoje fazem parte da minha vida. Durante os quatro anos do curso,
tive a oportunidade de conviver com colegas que possuíam diversas experiências
acadêmicas e profissionais: professores (as) das redes pública e privada, dirigentes
sindicais, militantes de movimentos sociais, enfim, pessoas como eu, trabalhadores
e estudantes de um curso noturno que via, naquele espaço, um celeiro fecundo para
o aperfeiçoamento profissional e o crescimento pessoal, um espaço formativo de-
marcado por ideais em prol de uma educação de qualidade para a população brasi-
20

leira, particularmente para aquela porção desde muito excluída ou incluída de forma
perversa, como observam alguns teóricos.
O currículo do Curso foi produzido a partir das discussões fomentadas pelos
diversos componentes curriculares, que transitavam por temáticas muito enferves-
centes na época, como a discussão acalorada da pedagogia histórico-crítico social
dos conteúdos, o processo de democratização da escola pública, a influência do so-
ciointeracionismo na educação, os constructos teóricos de Ferreiro e Teberosky
(1986) sobre o processo de alfabetização, as discussões acerca da Educação de
Jovens e Adultos enquanto um direito e campo de estudo que encontrava-se em
processo de consolidação, a relevância da formação docente para a melhoria da
qualidade da educação, enfim, temáticas que acirravam discussões no cenário for-
mativo e que saltavam aos meus olhos como possibilidades de melhoria da educa-
ção.
Devo dizer que, na condição de professora da Educação Básica no diurno e
estudante da graduação no noturno, levava muitas vezes, para a sala de aula do
curso de Licenciatura em Pedagogia, saberes construídos na prática de professora
do ensino básico, ao tempo em que também alterava a minha atuação no contexto
da educação básica, graças às alterações provocadas por tudo que aprendia na
formação superior. Assim, fui tecendo minha trajetória acadêmica e profissional, ca-
da vez mais ciente dos desafios da formação docente, uma formação que nunca es-
tá acabada e que se nutre da vida vivida.
Ainda na metade do Curso de Pedagogia, fui aprovada no processo seletivo
para estagiária da Escola de Educação Infantil do Serviço Social do Comércio
(SESC), em Salvador, meses depois sendo efetivada na condição de docente dessa
instituição. Essa experiência me trouxe intensos aprendizados e aquisição de novos
conhecimentos. Criamos, nesse ambiente profissional, um grupo de estudos com
todos os profissionais que atuavam na Educação Infantil, forjando um espaço de re-
flexão da própria prática, sempre alimentado por meus aprendizados no contexto da
formação superior.
Fui me apaixonando, nesse processo, pelo Curso de Licenciatura em Peda-
gogia, apesar das discriminações que já sentia na pele em função dessa escolha.
Cada componente curricular possibilitava o aprofundamento de questões que não
haviam sido contempladas no Magistério. Tudo que pulsava vida dentro da Faculda-
de me chamava a atenção, compondo o que costumo considerar como uma geração
21

desejosa de abertura política, movimentos sociais e “revoluções pedagógicas da


época” fomentadas pelo advento do “construtivismo”. Nesse período, o modelo dos
meus professores revolucionários do início dos anos 90 e minha esperança na edu-
cação pública de qualidade foram dando contorno a uma prática de ensino, sempre
pautada na crítica da prática. A possibilidade de desenvolver com estes e com meus
colegas uma relação dialógica foi fundamental, além das chances, sempre renova-
das, de travar discussões políticas e pedagógicas no interior do próprio curso e fora
dele, nas reuniões mais informais. Quero destacar que, dentre as inúmeras temáti-
cas abordadas nesse percurso, não havia nenhuma que me mobilizasse mais que
aquelas que diziam respeito à busca de uma educação pública de qualidade. Dese-
java e ainda desejo ver este sonho (para alguns ilusão) concretizado, e trabalho co-
tidianamente nesse sentido.
O perfil dos (as) professores (as), as relações dialéticas fomentadas neste
espaço, a participação em diversos cursos, congressos e seminários, além das ex-
periências significativas durante o estágio curricular, foram fundamentais para minha
reflexão/ação/reflexão na condição de docente. A proposta do Curso estava muito
bem articulada com os estágios curriculares, e um deles marcou-me muito, pois rea-
lizávamos cursos de extensão acerca de questões pedagógicas para professores de
uma comunidade de Salvador. Essa experiência possibilitou minha aproximação
com a formação continuada, e com as questões urgentes da realidade desses pro-
fessores, além da possibilidade de criar canais de diálogo importantes, que me leva-
ram a compreender o outro, do lugar de onde fala. Mas não parei aí, minha trajetória
de engajamento em cursos de aperfeiçoamento voltados à área de educação teve
continuidade, ou melhor, foi intensificada ao longo de minha profissionalização do-
cente, assim como da minha inserção no espaço da pesquisa acadêmica. Após a
conclusão do curso de Pedagogia, novas perspectivas foram sendo delineadas, de
tal sorte que percorri diversas cidades da Bahia, realizando cursos de formação de
professores, nos quais buscava, insistentemente, dialogar a respeito das novas
perspectivas para a educação. Esta experiência foi fundamental na minha formação.
A decisão sobre a primeira especialização a fazer surgiu a partir das demandas que
emergiram nesse cenário. Decidi especializar-me em Consultoria Educacional. Essa
experiência ampliou o desejo pela pesquisa e pela temática da formação de profes-
sores.
22

Nesse período, já atuava como professora do Ensino Fundamental na rede


municipal de ensino de Salvador, no bairro do Uruguai, periferia de Salvador. Essa
vivência se constituiu na possibilidade de colocar em prática meus ideais de educa-
ção, aqueles amplamente produzidos no percurso da minha formação superior. De-
senvolvi um trabalho pedagógico balizado em projetos, o que permitia a implicação
dos estudantes com as temáticas desenvolvidas. Foi nessa ocasião que recebi, em
minha sala de aula, a visita de uma pesquisadora do Ministério da Educação (MEC).
Isso gerou, posteriormente, entrevistas e publicação de um artigo (escrito por esta
pesquisadora), baseado em minha experiência profissional na Educação Básica.
Graças ao fato de ter minha prática docente sido visibilizada, fui convidada pela Se-
cretaria Municipal de Educação de Salvador para assumir o cargo de Subcoordena-
dora da Coordenadoria Regional de Educação na Cidade Baixa, atuando na forma-
ção de professores e acompanhamento das escolas, assim como assessorando pro-
jetos desenvolvidos nas unidades escolares, ação que realizei durante 12 anos.
Em 1998, realizei o concurso para coordenador/a pedagógico/a da Secretaria
da Educação do Estado da Bahia e comecei a atuar na condição de coordenadora
pedagógica de uma escola também na Cidade Baixa, que ofertava o Ensino Funda-
mental. As ações desenvolvidas nesse período culminaram no convite para atuar
como Coordenadora Pedagógica de uma escola de Ensino Médio que ofertava cur-
sos de Educação de Jovens e Adultos. Foi significativo vivenciar alguns dos dilemas
vividos por este (esta) profissional de ensino, que busca a redefinição de seu papel
no contexto educacional, assim como foi importante compreender a relevância de
seu trabalho como mediador (a) em situações de reflexão da prática docente, muitas
vezes relegadas ao ativismo profissional.
Em 2002, iniciei minha trajetória como docente da educação superior, lecio-
nando em uma faculdade particular no Recôncavo Baiano, na Faculdade de Filoso-
fia, Ciência e Letras de Candeias (FAC), no curso de Licenciatura em Pedagogia.
Essa experiência permitiu-me o estabelecimento de uma articulação entre as bases
teóricas estudadas e a realidade que os acadêmicos e acadêmicas em formação
vivenciavam na escola e em outros espaços sociais, a partir de uma relação dialógi-
ca e dialética.
Mais tarde fui trabalhar como docente no cenário da educação superior públi-
ca, mais especificamente, no interior da Universidade do Estado da Bahia (UNEB),
no Programa Rede UNEB 2000, no ano de 2004, no município de Camaçari. Mais
23

uma vez, a formação de professores em atuação profissional constitui objeto de mi-


nha dedicação. No trabalho realizado na Rede UNEB 2000, como professora do cur-
so de Pedagogia nos componentes curriculares Estágio Supervisionado e História
da Educação e Alfabetização, agreguei experiências importantes sobre a Universi-
dade e suas funções: ensino, pesquisa e extensão. Foram construídas relações de
amizade, companheirismo e profissionalismo com o grupo de professoras-
estudantes. Ao término do curso, fui homenageada como professora Amiga da Tur-
ma. Considero este momento como uma síntese das tessituras sociais construídas
no decorrer do curso.
Em 2005, fui aprovada na seleção de professores da Fundação Visconde de
Cairu, no curso de Pedagogia, em que leciono as disciplinas: Educação de Jovens e
Adultos, Estágio Supervisionado e Didática. Nesse mesmo ano, também fui aprova-
da no concurso público para professora efetiva da Universidade do Estado da Bahia.
Enquanto aguardava a convocação do concurso, fui aprovada em outro processo
seletivo da UNEB, na condição de professora substituta, atuando ao longo dos anos
de 2006 e 2007 no Campus de Itaberaba, nos componentes curriculares Educação
de Jovens e Adultos, Pesquisa e Estágio e Pesquisa e Prática Pedagógica. Lecionei
nesse Campus em um Curso de Extensão em Educação de Jovens e Adultos, cuja
experiência fortaleceu minha aposta nas práticas extensionistas e minha inserção
nesse campo de estudo.
Em 2007, ingressei como professora efetiva na UNEB, no campus de Serri-
nha, onde tenho atuado como professora dos componentes curriculares Estágio e
Currículo, desenvolvido cursos de extensão, além de participar como membro da
Comissão de Estágio e do Grupo de Pesquisa Formação, Currículo e Intersubjetivi-
dades (FORMACI/UNEB). Essa experiência tem contribuído para a compreensão da
importância da universidade pública na qualificação do trabalho docente no contexto
da Educação Básica, função social que se encontra intimamente relacionada com o
objetivo do Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
(Parfor), ao qual me vinculei como coordenadora regional do ano de 2010 ao ano de
2013. Esse programa tem o intuito de contribuir para a elevação da qualidade da
Educação Básica, através da formação de professores em atuação profissional.
Antes, porém, de atuar no Parfor, iniciei de forma mais incisiva minha trajetó-
ria como pesquisadora, através do ingresso na disciplina Currículo, do Programa de
Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da
24

Bahia (PPGEduC/UNEB), na condição de aluna especial. Este curso provocou uma


série de inquietações acerca das questões vinculadas ao currículo e às tecnologias
da informação e da comunicação, contribuindo para a construção de um referencial
teórico que se refletiu no anteprojeto de pesquisa por mim apresentado na seleção
de mestrado da UNEB.
Já no mestrado, na condição de professora/pesquisadora, e interessada por
questões relativas à inserção das tecnologias digitais na educação, além de mobili-
zada pelo desejo de vivenciar esses novos cenários acadêmicos, iniciei minha inves-
tigação sobre a inserção das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC)
nos currículos escolares, orientada pela professora Lynn Alves. Durante esse perío-
do, matriculei-me em diversas disciplinas do Programa que, ao mesmo tempo em
que tratavam de questões relativas às TIC e ao currículo, contribuíram para o apro-
fundamento da temática, fortalecendo minha formação enquanto pesquisadora.
No percurso, foi ficando cada vez mais claro o meu desejo em seguir estu-
dando o campo da formação e, em especial, a formação de estudantes jovens e
adultos na Educação Básica, de tal sorte que, ao concluir o mestrado, decidi dar se-
guimento à minha carreira como pesquisadora no interior de um grupo especialmen-
te dedicado ao campo dos estudos sobre currículo e formação. Assim, iniciei minhas
interlocuções com o Grupo de Pesquisa em Currículo e Formação (FORMACCE).
Foi a partir de minha inserção nesse grupo de pesquisa, e dos constantes diálogos
com o Prof. Roberto e demais membros do grupo, que o projeto de pesquisa que
apresento nessa seleção, intitulado A formação de jovens e adultos e as políticas de
apoio estudantil à formação na Educação Básica foi se configurando. Neste era evi-
dente a minha ligação com esse campo apaixonante, que é o campo da formação.
A entrada no doutorado, na Linha de Pesquisa Currículo e (In) formação, sig-
nificou a possibilidade de, em diálogo com outros pesquisadores, pensar sobre esse
campo a que sempre estive vinculada, ampliando meus conhecimentos, e alterando,
como propõe Ardoino (2000), formas de atuação e produção que foram há tempo
tecidas na prática de acompanhamento de estudantes jovens e adultos em proces-
sos de formação. O alcance dessa meta, junto à rica experiência que vinha vivenci-
ando como coordenadora da Coordenação da Educação de Jovens e Adultos da
Secretaria de Educação do Estado da Bahia, traduziu-se na consolidação de um an-
seio alimentado ao longo da minha trajetória profissional-acadêmica.
25

Nestas poucas linhas, em que traço as minhas primeiras aproximações com a


realidade da EJA, tento mostrar que a experiência vivida não pode ser desconside-
rada ou tratada como “epifenômeno”, como algo de menor valor. Sobre essa ques-
tão, Macedo (2015, p. 25), citando Larrosa Bondia (2013), afirma que “[...] a experi-
ência se configura através de tudo que nos passa, de tudo que nos acontece, que
produz sentido para nós, mas, também, o que nos faz viver o sem-sentido.” É a par-
tir dessa experiência que o desejo pelo campo da EJA, em especial pelas políticas
de apoio à formação na Educação Básica, toma a forma de um projeto de pesquisa,
uma experiência que se junta como um híbrido às minhas experiências profissionais
nesse campo, aproximando-me ainda mais desta realidade.
Inspirada nas contribuições de Macedo (2012), considero que a implicação,
sendo uma competência epistemológica e heurística, é justamente o ponto de parti-
da, a questão indutora que “alimenta o caráter autorizante da pesquisa”.
É nesse cenário de implicação que meu interesse em pesquisar sobre a EJA
em especial, sobre a formação de jovens e adultos e as políticas de apoio à forma-
ção na Educação Básica, foi adquirindo robustez e levou a essa tese.
A Educação de Jovens e Adultos é um campo fronteiriço, que extrapola os
processos de escolarização de jovens e adultos, pois envolve práticas formativas em
espaços e tempos de aprendizagens diversos3. A história da Educação de Jovens e
Adultos, denominada de EJA desde 1996, com o advento da Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educação, porém, nos mostra que a atenção dispensada a essa modalidade
de educação, inclusa no contexto da Educação Básica, ainda é deveras incipiente. O
censo de 2010, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
por exemplo, afirma que o percentual de indivíduos entre 18 e 24 anos de idade que
não concluíram a Educação Básica corresponde a 36,5%. É importante destacar que
esse percentual é ampliado na medida em que indivíduos de faixa etária superior
forem inclusos nessa pesquisa.
Esse dado aponta para a fragilidade da EJA enquanto política pública, ou se-
ja, para a ausência de políticas voltadas não somente para o acesso, como também
para a permanência de sujeitos que, na condição de jovens e adultos, ainda não fi-
nalizaram a Educação Básica. Sobre isso, quem comenta é Pereira (2007), referin-

3 Alguns trechos desse texto introdutório integram o artigo de minha autoria, intitulado “A formação de
jovens e adultos e a educação noturna: compreensões formativas de uma experiência baiana em
movimento”, publicado em Educação, territorialidade e formação docente: contextualizando
pesquisas.
26

do-se ao fato de que, embora nossa Constituição afirme que a Educação Básica é
um direito de todos, o que se verifica, na prática, é que nem sempre o estado assu-
me as suas responsabilidades no que diz respeito à oferta e à qualidade da educa-
ção pública, especialmente para jovens e adultos trabalhadores. Ao formular políti-
cas para esta população, muitas vezes o estado negligencia suas condições de exis-
tência e suas reais necessidades, mantendo a Educação de Jovens e Adultos traba-
lhadores numa posição que, nas palavras de Rummert e Ventura (2007), é de subal-
ternidade.
Vale sublinhar que, para estes jovens e adultos brasileiros, a conclusão da
Educação Básica depende do retorno a um processo formativo que demanda não
apenas o investimento individual enquanto sujeito aprendente, mas também apoios
institucionais que frequentemente são desconsiderados pelas políticas públicas para
a Educação de Jovens e Adultos, de modo que estes apoios não se fazem ver no
cenário atual do sistema educacional brasileiro. É bom lembrar que a conclusão
dessa etapa de escolarização pode significar, para um jovem ou adulto, tanto o
acesso a educação superior como a possibilidade de encontrar melhores oportuni-
dades de emprego e viver um futuro com melhor qualidade de vida. Porém, para es-
tes jovens e adultos que ainda lutam pela elevação da sua escolaridade, não é sufi-
ciente o acesso à Educação Básica: fazem-se necessárias políticas de apoio estu-
dantil que contemplem as demandas destes atores, cuja condição de aprendizagem
tem suas particularidades.
Foi em face desse cenário que, em 2013, aceitei o convite para coordenar a
Educação de Jovens e Adultos no estado da Bahia, coordenação que, vinculada à
Superintendência de Políticas para a Educação Básica (SUPED), na Secretaria da
Educação (SEC), envolve a gestão pedagógica e administrativa da referida modali-
dade da educação, cujas origens remontam à década de 40 do século XX, após o
fim da II Guerra Mundial, quando questões relacionadas à educação básica passam
a adquirir relevância. A partir da referida experiência profissional nesta coordenação,
da qual já me desvinculei, fui movida intensamente em direção ao aprofundamento
crítico das questões que giravam em torno das políticas de apoio à formação dos
jovens e adultos que procuram as escolas públicas, motivo pelo qual pretendo inves-
tigar, através deste projeto de pesquisa: quais etnométodos e micropolíticas são
produzidas pelos (pelas) atores (atrizes) sociais da EJA, em particular pelos (as) es-
tudantes, a fim permanecer e concluir sua formação no nível da Educação Básica?
27

E mais, pautando-nos nas explicitações heurísticas construídas, quais políticas de


apoio estudantil poderiam ser formuladas para esta modalidade da Educação Bási-
ca?
A partir dessas questões da pesquisa, apresento o objetivo geral: compreen-
der quais etnométodos e micropolíticas são produzidas pelos (pelas) atores (atrizes)
sociais da EJA, particularmente os (as) estudantes jovens e adultos (as), a fim de
permanecer e concluir sua formação no nível da Educação Básica. Isto posto, apre-
sento, então, os objetivos específicos: 1) compreender a perspectiva de cada seg-
mento que compõe a EJA no que diz respeito à formação nesta modalidade e às
políticas de apoio ao estudante; 2) descrever os etnométodos4 que são construídos
pelos jovens e adultos ao longo de sua formação no contexto da EJA, a fim de per-
manecer e concluir este processo formativo; 3) reconhecer nas ações dos diferentes
segmentos que compõem esta modalidade de ensino possíveis indicadores para a
formulação de políticas de apoio estudantil na EJA; 4) compreender como se entre-
laçam trajetórias de vida e trajetórias escolares na vivência dos discentes da EJA, a
fim de que a formulação de uma possível política de apoio estudantil a este segmen-
to da educação básica contemple dificuldades tais como as de articular o tempo
passado na escola, de estudo e de aprendizagem, bem como os tempos de sobrevi-
vência e trabalho, tão típicos da vida jovem e adulta na pobreza.
Sobre esse último objetivo, vale salientar que, inspirada em Arroyo (2012), a
formação desses atores sociais, que em geral já se encontram no mundo do traba-
lho, exige pensar nestes apoios. Articular as discussões em torno da formação de
jovens e adultos com as políticas de apoio estudantil na Educação Básica supõe o
reconhecimento das diferenças dos processos econômicos, sociais e políticos a que
os (as) jovens e adultos (as) provenientes de processos de exclusão escolar e em
desvantagem do ponto de vista socioeconômico foram submetidos (as) ao longo dos
anos.
Essas inquietações surgem, de um lado, como resultante desse meu longo
processo formativo em torno da educação de jovens e adultos; de outro lado, do fato
de que a literatura sobre esta modalidade de educação carece de discussões cujo
foco esteja sobre as políticas de apoio estudantil à formação na Educação Básica, o
que já não ocorre na literatura relativa às problemáticas da Educação Superior. Inte-

4 O conceito de etnométodo é inspirado em Garfinkel (1984) e, no Brasil, é trabalhado de forma fulcral


pelo Prof. Roberto Macedo, líder do FORMACCE, da UFBA. Esse conceito será melhor
aprofundado no capítulo sobre abordagem teórico-metodológica.
28

ressante notar que, embora a literatura sobre as políticas públicas para a EJA apon-
te para várias questões importantes para a constituição da EJA enquanto política
pública, não responde às questões básicas relativas aos apoios institucionais que
um estudante desta modalidade de ensino requer para dar continuidade à sua for-
mação. Além disso, não apresenta investigações mais voltadas para a atuação ativa
dos atores (atrizes) sociais curriculantes na construção de saídas para as ausências
nas políticas, ou seja, para a produção de micropolíticas por parte dos sujeitos da
EJA.
Ademais, não obstante autores como Arroyo (2013) façam referência ao en-
trelaçamento entre as trajetórias de vida e as trajetórias escolares na vivência dos
(as) discentes da EJA – sugerindo que a formulação de políticas para este segmento
da educação envolve pensar sobre os impasses da formação, ou seja, sobre as difi-
culdades de articular o tempo passado na escola, de estudo e de aprendizagem, e
os tempos de família e trabalho, tão típicos da vida jovem e adulta na pobreza –, o
fato é que as políticas públicas para esta modalidade da educação pouco têm con-
templado as políticas de permanência ao (à) estudante jovem e adulto (a) ao longo
do seu processo formativo na Educação Básica.
Em decorrência do contorno teórico-metodológico dessa investigação, dos ob-
jetivos e de minha implicação com o campo, essa pesquisa esteve inserida no cam-
po epistemológico e metodológico da fenomenologia, e desenhou-se com base na
abordagem multirreferencial de inspiração no contexto da etnopesquisa. O método
utilizado foi o da pesquisa contrastiva e dos estudos multicasos.
A presente investigação desenvolveu-se em duas escolas da rede estadual
de ensino da Bahia, localizadas no município de Salvador, tendo como atores (atri-
zes) sociais estudantes jovens e adultos (as) trabalhadores (as) e profissionais do
Ensino Médio na modalidade da Educação de Jovens e Adultos.
Desse modo, esse trabalho incialmente aborda o campo da Educação de Jo-
vens e Adultos no Brasil, por meio de uma breve contextualização, realçando aspec-
tos históricos e políticos. A partir dessa reflexão, problematizamos o campo das polí-
ticas públicas da/na EJA no Brasil e na Bahia, na tentativa de compreender as políti-
cas de permanência de jovens e adultos (as) na Educação Básica produzidas. Com
o intento de ir ao encontro dos (as) atores (atrizes) sociais da pesquisa, objetivando
compreender os etnométodos e micropolíticas produzidas para permanência na
Educação Básica, apresentamos as inspirações teórico-metodológicas que deram
29

suporte aos movimentos de investigação produzidos no/com o campo de pesquisa.


Os resultados desse diálogo, apresentamos no capítulo seguinte, em que refletimos
sobre compreensões produzidas tanto pelos atores (atrizes) sociais como pela pes-
quisadora em formação. No último capítulo realizamos uma síntese da investigação
com a apresentação de algumas notas não-conclusivas, na qual realçamos que, na
produção das micropolíticas, os (as) jovens e adultos trabalhadores (as) que
re(existem), tensiona-se a criação de políticas públicas de permanência estudantil na
Educação Básica que se aproximem de suas necessidades, na medida em que ali
se explicitam as ausências nesse campo.
Compreendo que essa pesquisa se constitui como uma possibilidade reflexiva
e formativa para pensarmos em políticas de apoio à permanência de jovens e adul-
tos (as) na Educação Básica a partir dos etnométodos e micropolíticas produzidas
por estes (as), levando em consideração seus saberes e necessidades, bem como
as condições precárias de sobrevivência. No entanto, somos cientes da incompletu-
de dos conhecimentos e da necessidade de abertura de novos caminhos que contri-
buam para a discussão da temática.
30

2 UM APROXIMAÇÃO ÀS PRODUÇÕES NO CAMPO DA EDUCAÇÃO DE JO-


VENS E ADULTOS

2.1 Historiando a educação de jovens e adultos no Brasil

Conforme aponta Pereira (2007), à medida que o país buscava o crescimento


político e econômico, tornava-se fundamental a organização do sistema de ensino
público e gratuito, com propostas pedagógicas de base. Assim, no início de 1950,
deu-se início a várias campanhas de alfabetização de adultos, pois, com a moderni-
zação, tornava-se necessário o ajustamento da população, principalmente a do
campo, para o modelo econômico da época.
De acordo com Ana Freire (2006), o governo de Juscelino Kubitschek, presi-
dente da república àquela altura, estava preocupado com a miséria de seu povo.
Entre as preocupações deste governo estavam as questões educacionais, o que
tornou possível a disseminação das ideias paulofreireanas que, em suas origens,
dirigiam-se à educação de adultos. É nesse contexto que se concretiza o II Con-
gresso de Educação de Jovens e Adultos, que legitimou as efervescentes discus-
sões que corroboravam a perspectiva de se pensar a educação de jovens e adultos
para além dos métodos e técnicas de alfabetização; antes, realçando as consequên-
cias políticas e educacionais da educação popular.
A proposta altamente politizada de educação de Paulo Freire, no entanto, foi
abortada em função dos movimentos de articulação política dos militares. Segundo
Pereira (2007), em 31 de março de 1964, as forças da direita instalaram-se no país
por meio do golpe militar, assumindo o comando político da nação e controlando to-
dos os programas de alfabetização de adultos (as) desenhados conforme a proposta
paulofreireana, ou seja, elaborados com base na participação popular.
Durante os dois anos de instalação do regime militar, não se produziram pro-
postas e nem discussões acerca da alfabetização de adultos (as), estratégia utiliza-
da pelo sistema de governo da época para calar a efervescência política e pedagó-
gica dos anos anteriores, bem como para disseminar a ideia de neutralidade política
na educação. Nessa altura, a educação de adultos (as) foi entregue, junto aos de-
mais níveis de ensino, à United States Agency of InternationalDevelopment (USAID),
com o objetivo de proceder a uma ordenação do sistema de ensino conforme as exi-
gências de modernização e repressão que imperavam àquela época.
31

Foi somente em 1967 que o governo lançou o Movimento Brasileiro de Alfa-


betização (MOBRAL), programa financiado pelo capital norte-americano, com o ob-
jetivo de alfabetizar jovens e adultos (as), livrando-os do fardo do analfabetismo,
problema mais que individual, na medida em que suas consequências atingem o
sistema em suas dimensões sociais e políticas. A concepção de alfabetização do
Mobral era muito diferente da defendida por Paulo Freire. Segundo Freitag (1986),
eles utilizavam as técnicas paulofreireanas para alfabetização de adultos (as), des-
vinculadas, porém, do seu contexto filosófico e político.
Apesar da intensa repressão das ideias de conscientização, a resistência
acontecia em diferentes instâncias da sociedade civil, refugiando-se em movimentos
sociais, Organização Não Governamental (ONG) ou partidos políticos clandestinos
que trabalhavam para manter a mobilização popular. Em fins dos anos 70 e início
dos anos 80, aumentam os movimentos do povo contra o custo de vida, pela anistia,
pela democracia e pela abertura política. Os movimentos populares ganham força e,
em decorrência disso, greves e manifestações políticas se espalham por todo o país.
Esse cenário tensiona o regime político da época e reacende a esperança da re-
construção de um país mais justo e mais igualitário.
Para Saviani (1995), do ponto de vista da organização do campo educacional,
a década de 80 do século XX foi uma das mais fecundas, momento em que foram
alimentadas importantes discussões em torno da educação e da escola enquanto
instância formadora de apropriação do saber por parte dos (as) trabalhadores (as),
capaz de, mais tarde, contribuir para sua participação na sociedade. Ainda nessa
década, mais especificamente em 1985, o governo federal extingue o MOBRAL,
sem realizar uma escuta pública dos quase 300 mil educadores (as). Em 1988, no
entanto, a Constituição Federal é homologada, apresentando a educação enquanto
direito de todos (as), direito que até hoje lutamos para dar concretude no plano da
prática.
Em 1989, após eleições municipais e federais, o governo Fernando Collor de
Melo cria um plano para a educação que incentiva o setor privado e desobriga o po-
der público das suas obrigações sociais e educacionais. Cria ainda, em 1990, o Pla-
no Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC), que no ano seguinte é extinto
sem qualquer explicação para a sociedade civil. No âmbito municipal, Luiza Erundi-
na é eleita prefeita da cidade de São Paulo e convida o professor Paulo Freire para
assumir a Secretaria Municipal de Educação da Cidade. Freire aceita o convite e cria
32

o Movimento de Alfabetização de Adultos (MOVA). A inserção de Freire na gestão


pública municipal da cidade de São Paulo contribuiu para a retomada das discus-
sões em torno da Educação de Jovens e Adultos.
Em 1990, Ano Internacional da Alfabetização, ocorre em Jontiem (Tailândia) a
Conferência Mundial sobre Educação para Todos (convocada pela organização das
Nações Unidas pela Educação, Ciência e Cultura (UNESCO)). Nesse encontro é
elaborada a Declaração Mundial de Educação para Todos, em cujo texto fica explíci-
ta a necessidade de garantia da satisfação das necessidades básicas para a apren-
dizagem. Após essa Conferência, o Brasil elabora o Plano Decenal de Educação
para Todos, cujo objetivo mais amplo é “[...] assegurar, até o ano 2000, às crianças,
jovens e adultos, conteúdos mínimos de aprendizagem que atendam necessidades
da vida contemporânea.” (BRASIL, 1993, p. 12).
É bom sublinhar que, nos finais de 1992, era flagrante a ausência de políticas
públicas para a educação de jovens e adultos. No entanto, apesar do descaso do
Governo Federal, muitos grupos de alfabetização de jovens e adultos ressurgem por
meio de sindicatos, comunidades e ONG e a experiência do MOVA atinge vários
estados e municípios. O plano Decenal de Educação para Todos, aprovado em
1993, traçou objetivos e metas para a erradicação do analfabetismo no Brasil. Esse
documento apresenta princípios democráticos que, se postos em prática, trariam
avanços significativos para a Educação de Jovens e Adultos. Tornou-se necessária,
contudo, a sistematização das discussões no campo da Educação de Jovens e Adul-
tos.
No governo de Fernando Henrique Cardoso, a Educação de Jovens e Adultos
não foi incluída no campo das prioridades governamentais. Negligenciados por este
governo, os programas de alfabetização de jovens e adultos (as) em geral aparecem
vinculados a outros Ministérios, como é o caso do Plano Nacional de Qualificação do
Trabalhador (Planfor), vinculado ao Ministério do Trabalho; Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária (Pronera), vinculado ao Instituto Nacional de Coloni-
zação e de Reforma Agrária (Incra), e Alfabetização Solidária e Recomeço, do Minis-
tério da Educação. A distribuição desses projetos e programas em torno da educa-
ção de jovens e adultos para outros Ministérios ou instituições governamentais, e
não para o Ministério da Educação, denotam a pouca importância dada pelo governo
vigente a essa modalidade da educação.
33

É somente em 1996, após acirrados debates políticos e pedagógicos, que é


sancionada por Fernando Henrique Cardoso, então Presidente da República, a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/96, primeiro documento a apresentar a
EJA como modalidade da educação – um avanço no processo de constituição da
EJA enquanto política pública. Esta lei, porém, não consegue escapar às contradi-
ções que envolvem esta modalidade de educação desde o início de sua história. As-
sim, na seção V, artigo 27, ela apresenta a EJA, de um lado, como modalidade de
educação; de outro, na condição de suplência, caracterizada como cursos e exa-
mes. Essa fragilidade na legislação tem contribuído para a manutenção da Educa-
ção de Jovens e Adultos na condição de subalternidade, como frisa Saviani (2010),
dificultando iniciativas mais consistentes no sentido de atender às particularidades
da formação daqueles (as) que acessam esta modalidade de educação.
Rummert e Ventura (2007) consideram que, nos anos 90 do século XX, uma
“nova” identidade de EJA vai se configurando. Ela passa a apresentar-se de forma
mais ampla, embora mais fragmentada, de tal sorte que suas novas características
não alteram sua marca histórica, ou seja, “[...] ser uma educação política e pedago-
gicamente frágil, fortemente marcada pelo aligeiramento, destinada, predominante-
mente, à correção de fluxo e à redução de indicadores de baixa escolaridade e não
à efetiva socialização das bases do conhecimento.” (RUMMERT; VENTURA, 2007,
p. 5). Uma educação que se revela basicamente comprometida com a permanente
construção e manutenção da hegemonia inerente às necessidades de sociabilidade
do próprio capital, ainda muito distante do projeto de emancipação da classe traba-
lhadora, de inspiração paulofreireana.
No período que compreende 2003 a 2006, um número mais significativo de
ações voltadas para a educação de jovens e adultos passa a acontecer. No entanto,
essas ações dão ênfase aos mecanismos de certificação, ora visando à conclusão
do Ensino Fundamental, ora com vistas à formação profissional, de caráter inicial,
com pouca ênfase na conclusão do Ensino Médio. Podemos destacar, entre as
ações circunscritas a período, o Projeto Escola de Fábrica, o Programa Nacional de
Inclusão dos Jovens (PROJOVEM) e o Programa de Integração Profissional de Jo-
vens e Adultos (Proeja), além do Programa Brasil Alfabetizado e o Fazendo Escola,
esses dois últimos, implementados pela então Secretaria de Educação Continuada e
Diversidade (SECAD).
34

No ano de 2009 foi realizada a Sexta Conferência Internacional de Educação


de Adultos (VI CONFITEA), sediada em Belém/PA, que se constitui um evento de
âmbito internacional na modalidade EJA e busca discutir o reconhecimento dessa
modalidade educativa da Educação Básica, bem como o processo de aprendizagem
de jovens e adultos (as) como condição fundante à educação ao longo da vida.
Em abril de 2016, no final do governo de Dilma Roussef, em meio às eferves-
cências do processo de impeachment da então presidenta da República, o MEC rea-
lizou o Seminário Internacional de Educação ao Longo da Vida e Balanço Intermedi-
ário da VI CONFITEA no Brasil, cujo objetivo político era se constituir em importante
estratégia para fortalecer as políticas de educação (escolar e não escolar) de jovens
e adultos (as) no contexto nacional. Em virtude do momento político da época, as
discussões foram constantemente entremeadas pelas pautas político-partidárias de
resistência ao impeachment de Dilma Rousseff.
No referido evento, dentre as diversas discussões em pauta, diversos dados
sobre a situação da EJA no Brasil foram divulgados, dentre eles a análise da Pes-
quisa Nacional por Mostra de Domicílios (Pnad) de 2014, que indica que cerca de
25% de pessoas que completaram 18 anos não haviam concluído o Ensino Médio e
não frequentavam a escola naquele ano. Além desses dados, o Censo da Educação
Básica realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Nacionais Anísio
Teixeira (INEP), no período compreendido entre 2007 e 2014, registra uma diminui-
ção de matrículas de Educação de Jovens e Adultos, representando uma queda em
média de 4,6% ao ano, e, consequentemente, houve um crescimento de estudantes
com 18 ou mais anos de idade que não completou a Educação Básica, bem como
os (as) adultos (as) de baixa escolaridade fora da escola aumentaram. Esses dados
sugerem que muito precisa ser reformulado na oferta de EJA em todo o país. De
acordo com Nacif, Camargo, Silva, Antunes e Queiroz (2016, p. 102),

a urgência dessa reformulação se impõe, pois a transição demográfica por


que vem passando o país agrava ainda mais a situação apresentada. Verifi-
ca-se na população brasileira uma maior longevidade, ao mesmo tempo que
cai acentuadamente a taxa de natalidade. Isto é, a população tende a ficar
mais velha, mantendo-se o número de pessoas com baixa escolaridade
(que passam a viver mais). O público de potencial da EJA é maior que o
público do chamado ‘regular’, enquanto a taxa de cobertura desta modali-
dade é inferior a 4,5%.
35

No governo de Temer, vivemos um período de retração das ações voltadas


para a Educação de Jovens e Adultos, principalmente no que tange ao financiamen-
to de políticas públicas para essa modalidade de educação, bem como no que se
refere às pautas reivindicatórias de manutenção dos direitos trabalhistas adquiridos
através de lutas históricas. Essas e outras pautas têm mobilizado a sociedade civil
brasileira, em processos intensos de resistências, inclusive os coletivos sociais que
lutam em prol do fortalecimento do campo da EJA no Brasil.
Nesse ínterim, vivemos vários momentos que fragilizaram o campo da EJA,
dentre eles, o fato ocorrido em dezembro de 2016, quando o então Ministro da Edu-
cação Mendonça Filho declarou na mídia nacional que defendia o fim do ensino no-
turno. Essa declaração se apresentou no campo da EJA como uma possibilidade de
enfraquecimento dessa modalidade da educação básica, na medida em que eviden-
cia incialmente o desconhecimento do direito de reparação social dos (as) jovens e
adultos (as) que historicamente foram alijados (as) do processo de educação; evi-
dencia também a fragilidade de políticas públicas para essa modalidade que rever-
berem em maior financiamento, política de formação de professores (as), produção
e publicização de materiais didáticos adequados à realidade e expectativas desses
(as) atores (atrizes) sociais, bem como demais ações de apoio à formação dos jo-
vens e adultos (as) na Educação Básica.
Uma análise preliminar da literatura nos mostra que pensar na formação de
jovens e adultos (as) na Educação Básica e nas políticas de apoio estudantil para
esse nível de ensino não é uma prática corrente nesse campo. De modo geral, os
estudos sobre educação de jovens e adultos (as) têm se organizado em torno das
seguintes categorias temáticas: políticas públicas para a EJA, alfabetização de jo-
vens e adultos (as), formação de professores (as) e prática pedagógica.
No âmbito das pesquisas sobre formação de jovens e adultos (as) nessa mo-
dalidade de educação, vários trabalhos têm discutido a formação de jovens e adultos
(as) na perspectiva da evasão escolar desses (as) atores (atrizes) sociais.
Lara (2011) investiga a evasão para conhecer as expectativas dos (as) estu-
dantes ao ingressarem na EJA, tendo em vista apontar as causas do elevado índice
de evasão escolar nas séries iniciais dessa modalidade de ensino.
Fonseca (2016) analisa a evasão escolar num projeto de alfabetização e pós-
alfabetização realizado com trabalhadores (as) da construção civil em João Pessoa,
a partir da identificação de fatores que determinam esta evasão, da caracterização
36

destes fatores no contexto das condições de vida e de trabalho do (a) estudante, de


sua visão de mundo e identidade de trabalhador (a), e da prática pedagógica do pro-
jeto. Procura compreender como estes fatores se manifestam no âmbito da experi-
ência do projeto.
Motta (2007) apresenta estudo que visa a compreender os fatores que pro-
moveram a evasão escolar, os motivos do regresso e as perspectivas originadas
desse processo na vida de seis estudantes da EJA de uma escola pública São Pau-
lo. O autor aponta para o fato de que os fatores mais marcantes relacionados à eva-
são, ao retorno e às perspectivas futuras desses (as) atores (atrizes) estão vincula-
dos à questão do trabalho, ao resgate da autoestima e à realização pessoal e profis-
sional.
Outras pesquisas focalizam a investigação da evasão escolar no Curso Pro-
grama Nacional de Integração Profissional com a Educação Básica na Modalidade
de Educação de Jovens e Adultos, como Oliveira (2011), que, dentre as causas da
evasão investigadas, destaca a falta de identificação com a especialização profissio-
nal oferecida, a qual apresenta demanda restrita no mercado de trabalho; o despre-
paro do corpo docente para atuação nesta modalidade de ensino e as dificuldades
relativas à acessibilidade, especialmente no tocante à falta de meios de transporte.
A escola pública tem sido um dos espaços institucionais de busca pelo pro-
cesso de continuidade dos estudos para muitos jovens e adultos (as), mas que, con-
traditoriamente, não tem contribuído com eles para a conclusão da educação básica.
Pesquisas sobre escolarização de jovens e adultos (as) e evasão (ANDRADE,
2005), por exemplo, buscam compreender, do ponto de vista dos (as) estudantes e
dos (as) professores, o alto índice de evasão e repetência constantes nessa modali-
dade de ensino em município do interior de Minas Gerais, impedindo a conclusão da
educação básica.
Santos (2012) observa que, ao analisar casos de trajetórias escolares ininter-
ruptas de estudantes da EJA no Ensino Fundamental, identificou que a experiência
de cursar essa etapa ininterruptamente perpassa as relações de sociabilidades
construídas nesse ambiente, bem como pela criação de estratégias pessoais de
mudança de horário no trabalho e delegar a parentes e/ou amigos (as) o cuidado
dos (as) filhos nos horários destinados aos estudos.
37

2.1.1 O cenário da EJA estadual na Bahia

Nos últimos anos, mais precisamente durante o ano de 2016, o Brasil intensi-
ficou os questionamentos sobre a qualidade do Ensino Médio ofertado e sobre a re-
formulação deste, já que não tem cumprido efetivamente seu objetivo, haja visto que
não tem contribuído para o ingresso dos (as) estudantes no ensino superior, assim
como um número ainda tímido de jovens se encontram no mundo do trabalho.
Várias pesquisas têm apontado para a falta de atratividade dos currículos es-
colares, que, associada à baixa qualidade do ensino, tem sido um dos principais fa-
tores para o alto índice de evasão e de reprovação no Ensino Médio, isso no deno-
minado Ensino Médio seriado, frequentado por estudantes jovens, verificados atra-
vés das avaliações em larga escala aplicadas no país. As dificuldades que perpas-
sam o Ensino Médio foram comprovadas a partir da divulgação do Índice de Desen-
volvimento da Educação Básica (IDEB), referente ao ano de 2015, que se mostrou,
em sua maioria, abaixo da meta prevista.
Compreendendo que muitos dos jovens e adultos (as) que acessam o Ensino
Médio o fazem em busca da conclusão dessa etapa de escolarização da Educação
Básica, principalmente para fins de ingresso ou progressão em áreas profissionais
que possam garantir maior rentabilidade e, consequentemente, qualidade de vida
para si e para sua família, considerei que investigar de que maneira esses (as) estu-
dantes conciliam tempo de vida, de estudo e de trabalho seria importante para com-
preender essa problemática.
Pensando em toda essa questão, escolhemos investigar, através da escuta
sensível (BARBIER, 2007), alguns estudantes, professores (as), gestores (as) e ato-
res (atrizes) sociais que frequentam as escolas pesquisadas como espaços sociais
que têm contribuído para as políticas de permanência de jovens e adultos (as) na
Educação Básica no estado da Bahia.
Na contramão das políticas de permanência na EJA, desde 2013, a Secretaria
de Educação do Estado da Bahia vem desenvolvendo uma política de matrícula na
rede estadual de ensino, na qual se verifica uma redução significativa da oferta dos
anos iniciais da Educação Básica, que, numa escala de conversão, corresponderia
ao Ensino Fundamental, anos iniciais e finais, tendo como discurso e amparo legal o
artigo 11 , Inciso V, da LDB nº 9.394/1996 que afirma que:
38

Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:


[...]
V – oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com priorida-
de, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino
somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua
área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vincu-
lados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensi-
no. (BRASIL, 1996).

Compreendemos que gradativamente a transferência de responsabilidade da


oferta do Ensino Fundamental é necessária e legal, no entanto, ela precisa aconte-
cer considerando as condições econômicas, sociais e políticas de cada território de
identidade da Bahia, e, consequentemente, de cada município, bem como ser reali-
zada a partir de um plano de ação conjunto entre estado e municípios, tendo em vis-
ta a articulação de transferências/ações financeiras, administrativas e pedagógicas
em prol da garantia dessa oferta com qualidade. O que foi possível identificar nos
anos em que estive à frente da Coordenação Estadual da EJA (2013-2017) na
SEC/BA, foi uma transferência pouco cuidadosa dessa responsabilidade aos muni-
cípios, com parca orientação e formação para as equipes de gestores (as) munici-
pais, principalmente no que se refere à oferta do Ensino Fundamental na modalida-
de EJA.
Outro fato observado durante esse o período diz respeito ao fechamento de
turmas de Ensino Médio na modalidade EJA, principalmente nos povoados localiza-
dos no campo, onde a justificativa maior versava sobre o baixo número de estudan-
tes matriculados (as), o que, segundo os responsáveis, não justificava a manutenção
de turmas na localidade. Essas medidas provocaram transtornos na vida dos (as)
atores (atrizes) sociais da EJA, pois, para concluir a Educação Básica, os (as) estu-
dantes têm que se deslocar para a “sede” do município, o que por sua vez era deve-
ras complicado, principalmente porque teriam que depender do transporte escolar
ofertado pelo município no turno noturno.
Além do fechamento de turmas/turnos que ofertam EJA em vários municípios,
temos o agravante problema da falta de oferta de cursos de EJA em diversos muni-
cípios baianos, como veremos no quadro a seguir:
39

Quadro 1 – Municípios baianos sem oferta de EJA (2016)


(continua)
Nº TERRITÓRIO DE MUNICÍPIOS SEM OFERTA TOTAL
IDENTIDADE DE EJA

01 Irecê Barra do Men- 05


des/Cafarnaum/Itaguaçu da
Bahia/Mulungu do Morro/Uibaí
02 Velho Chico Malha/Sítio do Mato 02

03 Chapada Diamantina Abaíra/Barra da Esti- 04


va/Boninal/Ibicoara
04 Sisal Barrocas/Monte San- 03
to/Quijingue
05 Litoral Sul Almadina/Arataca/Aurelino 09
Leal/
Barro Preto/Floresta
Azul/Maraú/
Mascote/Itapitanga/Santa Lui-
za
06 Baixo Sul Aratuípe/Ituberá/Jaguaripe. 03

07 Extremo Sul Caravelas/Vereda 02

08 Médio Sudoeste da Firmino Alves/Santa Cruz da 03


Bahia Vitória

09 Vale do Jiquiriçá Irajuba/Lajedo do Tabocal 03

11 Bacia do Rio Grande Angi- 08


cal/Baianópolis/Catolândia/
Cristópolis/Formosa do Rio
Preto/Mansidão/Riachão das
Neves/Santa Rita de Cássia
13 Sertão Produtivo Contendas do Sincorá/ Dom 06
Basílio /Ituaçu / Malha de Pe-
dras/
Rio Antônio/Tanhaçu.
15 Bacia do Jacuípe Pintadas /São José do Jacuípe 03
/
Várzea do Poço.
16 Piemonte da Diamantina Mirangaba/ Várzea Nova 02

Fonte: Elaborado pela autora, 2018


40

Quadro 1 – Municípios baianos sem oferta de EJA (2016)


(conclusão)
Nº TERRITÓRIO DE MUNICÍPIOS SEM OFERTA TOTAL
IDENTIDADE DE EJA

17 Semiárido Nordeste II Adustina/Antas/ 10


Cícero Dantas/Cipó/Coronel
João Sá/Novo Triun-
fo/Paripiranga/
Pedro Alexandre/Santa Brígi-
da/
Sítio do Quinto.
18 Litoral Norte e Agreste Aramari/Cardeal da Silva/ 06
Baiano Crisópolis/Esplanada/Jandaíra
/Pedrão
19 Portal do Sertão Água Fria/Antônio Cardoso/ 05
Ipecaetá/Teodoro Sam-
paio/Terra Nova
20 Sudoeste Baiano Anagé/Aracatu/Bom Jesus da 10
Serra/
Caetanos/ Cândio Sales/ En-
cruzilhada/ Maetinga/Piripá/
Ribeirão do Largo/Tremedal
21 Recôncavo Salinas das Margaridas 01

22 Médio Rio de Contas Apuarema/Barra do Ro- 03


cha/Itamari
23 Bacia do Rio Corrente Brejolandia/Canápolis 06
/Cocos/Jaborandi/Santa Maria
da Vitória/Tabocas do Brejo
Velho.
24 Itaparica Abaré/Chorrochó/Macururé 03

25 Piemonte Norte do Caldeirão Grande 01


Itapicuru
27 Costa do Descobrimento Itagimirim 01

Fonte: Elaborado pela autora, 2018

Esses dados foram levantados em 2016 pela Coordenação de Educação de


Jovens e Adultos (CJA) e revelam o grande número de jovens e adultos (as) que
não têm acesso ao Ensino Médio na modalidade Educação de Jovens e Adultos no
estado da Bahia, perfazendo um total de aproximadamente 100 municípios localiza-
dos nos 27 Territórios de Identidade5 da Bahia, exceto o território de identidade Me-

5 O termo território de identidade é aqui utilizado para referir-se ao espaço físico, geograficamente
definido, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a
sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população com grupos sociais relativamente
41

tropolitano de Salvador, no qual todos os municípios a ele pertencentes ofertam cur-


sos de EJA.
Com relação ao perfil dos/as estudantes da EJA, Haddad e Di Pierro (2000, p.
126-127) comentam que:

[...] emerge um segundo desafio para a educação de jovens e adultos, re-


presentado pelo perfil crescentemente juvenil dos (as) estudantes em seus
programas, grande parte dos quais são adolescentes excluídos da escola
regular. Há uma ou duas décadas, a maioria dos (as) educandos (as) de
programas de alfabetização e de escolarização de jovens e adultos (as)
eram pessoas a partir de 50 anos ou idosas, de origem rural, que nunca ti-
nham tido oportunidades escolares. A partir dos anos 80, os programas de
escolarização de adultos (as) passaram a acolher um novo grupo social
constituído por jovens de origem urbana, cuja trajetória escolar anterior foi
malsucedida.

A vinda, cada vez maior, dos (as) jovens nas salas de EJA tem modificado o
ambiente escolar, pois tem sido necessária a convivência dos (as) jovens com os
(as) adultos (as) e os idosos (as), cujas expectativas escolares e de vida são diferen-
tes, além de exigir uma nova postura do (a) professor (a).

2.2 Políticas da EJA e políticas na EJA

De acordo com o dicionário de filosofia, a palavra política tem origem no gre-


go politikós, polis, que significa tudo o que diz respeito à cidade, ao que é urbano,
civil e público. Esse termo foi utilizado durante séculos para se referir às atividades
humanas vinculadas ao Estado. Hanna Arendt (2013), na obra Entre o passado e o
futuro, ao tratar do tema política, reporta-se a Aristóteles, que, na sua obra clássica
A Política, considera que a polis se constitui numa comunidade de iguais, tendo em
vista uma vida que é potencialmente a melhor.
É nas palavras de Freire (1974) que a associação entre política e educação
ganha pertinência acadêmica e política. Para esse autor, educação é um ato político,
um ato de amor, por isso, um ato de coragem, que não pode desconsiderar o deba-
te, a análise da realidade, ou seja, “[...] não pode fugir à discussão criadora, sob pe-
na de ser uma farsa [...]” (FREIRE, 1974, p. 96). A partir dessa compreensão, não

distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se
pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade, coesão social, cultural e territorial.
Disponível em: http://www.seplan.ba.gov.br. Acesso em: 02 abr. 2017.
42

podemos pensar na transformação da sociedade sem a compreensão do seu pro-


cesso.
Oferecendo grande contribuição para os estudos brasileiros sobre movimen-
tos sociais e emancipação do sujeito, Arroyo (2012) observa que, “[...] Na cultura
social e política ainda predomina a crença de que na medida em que as políticas
distributivas universalistas diminuam as distâncias entre pobres e ricos (as), as dis-
tâncias de raça e gênero, orientação sexual, campo, periferias serão eliminadas”
(ARROYO, 2012, p. 164). O referido autor (2012) nos convoca a refletir sobre a cen-
tralidade da cultura social e política no que se refere à ênfase nas políticas distributi-
vas, como se diminuir as diferenças entre ricos (as) e pobres, assimetricamente, fos-
se diminuir as diferenças na sociedade.
Chamando atenção para essa situação, Arroyo (2012) alerta que a crítica dos
movimentos sociais vai mais longe, pois destaca a timidez e os limites dessas políti-
cas distributivas compensatórias, como estratégias de controle e de regulação das
lutas por direitos, por igualdade social, ética, racial, de gênero, de orientação sexual,
por direito a terra, trabalho, espaço, memórias, identidades, e, principalmente, por
direito a outra educação, por outras políticas.
As reflexões provocadas por Arroyo (2012) colaboram para a compreensão
de que as respostas do Estado à emergência das pautas em que a diferença se
apresenta como centralidade denotam um viés universalista, o que vem resultando
no ocultamento das diferenças, e, nesse sentido, há uma exigência dos movimentos
sociais por políticas mais efetivas que reflitam a complexidade da situação. No cam-
po da EJA, em especial no plano governamental, essas diferenças ainda são trata-
das de forma pasteurizada, invisibilizando o fato de que ser um (a) jovem ou adulto
(a) que em pleno século XXI ainda não concluiu a Educação Básica o (a) exclui do
acesso aos bens culturais, materiais e políticos.
Desse modo, ao tratar da formação de jovens e adultos (a) na EJA, torna-se
inevitável trazer à tona o lugar da mulher, mãe e trabalhadora que se encontra na
desafiadora tarefa de trabalhar, retornar aos estudos e cuidar dos (as) filhos (as);
mães que muitas vezes têm feito a opção mais uma vez de abandonar os estudos
para cuidar da prole; há que refletir também sobre o desafio dos (as) estudantes jo-
vens e adultos (as) com necessidades especiais, que não podem frequentar as au-
las no noturno em decorrência das limitações da saúde, mas se veem na condição
de abandono dos estudos devido à pouca oferta de vagas da EJA no diurno.
43

Vale lembrar que, apesar da existência histórica de uma dívida social com os
(as) jovens e adultos (as) que não puderam continuar seus estudos em nível médio,
as políticas públicas existentes em nosso país, para esse campo de estudo, pouco
tocam questões nevrálgicas da formação de jovens e adultos (as) na Educação Bá-
sica.
Nessa pesquisa optei por utilizar o termo políticas de permanência à formação
de jovens e adultos (as), por considerar que o termo política assistencial estudantil6
carrega a histórica visão de assistencialismo, doação, benesse aos (às) estudantes
jovens e adultos (as) destinatários (as) dessas políticas. Nesse viés, as desigualda-
des são reduzidas às carências, os (as) diferentes são vistos (as) como atores (atri-
zes) sociais faltantes e não diferentes, que, portanto, necessitam de políticas que
realcem as especificidades de vida, orientação sexual, trabalho, vida, dentre outras.
Como bem observa Arroyo (2012), “as raízes estruturais, políticas, econômi-
cas da produção e reprodução da diversidade de desigualdades exige políticas mais
radicais e estruturais do que os tímidos programas de diminuição de distâncias soci-
ais.” (ARROYO, 2012, p. 167). Assim, é possível afirmar que a eliminação da dívida
social histórica desse país para com os (as) jovens e adultos (as), no que se refere
às condições para que o processo formativo na Educação Básica aconteça de forma
digna, terá lugar através da elaboração de políticas públicas a partir da escuta des-
ses (as) atores (atrizes) sociais.
Para Arendt (2010), agir, em seu sentido mais geral, significa tomar iniciativa,
iniciar (como indica a palavra grega archein, “começar”, “conduzir” e, finalmente,
“governar”), imprimir movimento a alguma coisa (que é o significado original do ter-
mo latino agere). Por constituírem um initium, por serem recém-chegados e iniciado-
res em virtude do fato de terem nascido, os homens tomam iniciativas, são impelidos
a agir. [Initium] ergo ut esset, creatus est homo, ante quem mullus fuit (para que
houvesse um início, o homem foi criado, sem que antes dele ninguém o fosse), diz
Agostinho, em sua filosofia política.

6 É importante distinguir acerca dos termos assistência e assistencialismo, que de acordo com o Con-
selho Federal de Serviço Social (CFESS), a assistência social é uma política pública prevista na
Constituição Federal e direito de cidadãos e cidadãs, tais como a saúde, a educação, a previdência
social, dentre outras. O assistencialismo, por sua vez, se constitui em uma: forma de oferta de um
serviço por meio de uma doação, favor, boa vontade ou interesse de alguém, e, não como um direito
assegurado normativamente.
44

[...] A crença popular de um ‘homem forte’, que, isolado dos outros, deve
sua força ao fato de estar só, é ou mera superstição, baseada na ilusão de
que podemos “produzir” algo no domínio dos assuntos humanos – “produzir”
instituições ou leis, por exemplo, como fazemos mesas e cadeiras, ou pro-
duzir homens ‘melhores’ ou ‘piores’ – ou é, então, a desesperança consci-
ente de toda ação, política e não política, aliada à esperança utópica de que
seja possível tratar os homens como se tratam outros ‘materiais’. (ARENDT,
2010, p. 235-236).

Esse trecho da obra de Arendt (2010) nos ajuda a refletir sobre tantas políti-
cas públicas pensadas e instituídas nos gabinetes institucionais, sem discussões
com o coletivo dos (as) atores (atrizes) sociais que serão impactados por elas. Políti-
cas que em muitas situações não levam em consideração os (as) atores (atrizes)
sociais diretamente envolvidos (as), tornando-se palavras ocas, sem eco, sem res-
sonância. É nesse sentido que pensar em políticas de permanência para jovens e
adultos (as) em processo de escolarização na Educação Básica deve, em primeira
instância, ouvir os (as) atores (atrizes) sociais envolvidos (as0: estudantes, professo-
res (as), família, órgãos colegiados, movimentos sociais, órgãos governamentais,
dentre outros (as).
Desse modo, para Arendt (2010, p. 220),

O discurso e a ação revelam essa distinção única. Por meio deles, os ho-
mens podem distinguir a si próprios, ao invés de permanecerem apenas dis-
tintos; a ação e discurso são os modos pelos quais os seres humanos apa-
recem uns para os outros, certamente não como objetos físicos, mas qua
homens. Esse aparecimento, em contraposição à mera existência corpórea,
depende da iniciativa, mas trata-se de uma iniciativa da qual nenhum ser
humano pode abster-se sem deixar de ser humano. Isso não ocorre com
nenhuma outra atividade da vita activa [...]

Nas palavras de Arendt (2010), precisamos nos mover com o discurso e a


ação. No campo da política, essa articulação é fundamental para traduzirmos os an-
seios e necessidades de um determinado segmento da sociedade.

A formação do Estado moderno e o desenvolvimento das revoluções bur-


guesas apoiam-se, justamente, em um imbricamento particular em que inte-
resses privados, particulares e os públicos encontram pontos de articulação
através de uma visão de mundo que foi exaustivamente analisada por auto-
res como Max Weber. A eficácia dessa visão de mundo passava por sua
capacidade de articular domínios diferenciados ou em processo de diferen-
ciação.
A modernidade está associada a uma fragmentação e/ou diferenciação de
esferas da vida social e cultural. A cultura da burguesia foi capaz de, parale-
lamente, diferenciar domínios como a família e o trabalho, mas, ao mesmo
tempo, reorganizar suas vinculações e organicidade em outros patamares e
instâncias.
45

[...] Contemporaneamente, pelo menos, desde o início do século XX, há cla-


ras demonstrações culturais e artísticas que trazem a marca da contradição,
da fragmentação e da desintegração [...]. (VELHO, 2006, p. 86-87).

Adverte-nos Velho (2006) quanto à existência de marcas históricas de fusão


entre interesses públicos e privados desde a formação do Estado moderno e o de-
senvolvimento da revolução burguesa. Destaca ainda o autor (2006) que, se por um
lado a modernidade está associada à fragmentação nas esferas social e cultural, por
outro, ela realiza associações em outros níveis e instâncias sociais que lhes interes-
sam. Na contemporaneidade, vemos demonstrações de contradições, de desinte-
gração e fragmentação, algumas das quais no campo da articulação política da so-
ciedade, salvo alguns momentos históricos da sociedade brasileira, como nos anos
finais da década de 50 do século XX, quando movimentos de cultura popular impul-
sionaram campanhas de alfabetização de adultos (as); nos anos 90 do mesmo sécu-
lo, quando os movimentos sociais foram às ruas: movimento dos (as) sem-terra, dos
(as) sem-teto, dos (as) campesinos (as), dos homoafetivos, indígenas, das mulheres
a lutar por políticas de reparação.
A história da Educação de Jovens e Adultos nos mostra que o grande número
e a variedade de programas de alfabetização de jovens e adultos (as) descontínuos
não favoreceu o fortalecimento desse campo por meio de políticas públicas. Torna-
se necessária a mobilização dos (as) atores (atrizes) sociais em prol de políticas pú-
blicas para essa modalidade da educação básica, pois os jovens e adultos (as) da
EJA vivenciam cotidianamente a exclusão social dos seus direitos – à educação, à
moradia, à saúde, ao lazer, dentre outros.
Bonetti (2006) afirma que as políticas públicas são produzidas por agentes
definidores. De acordo com o autor (2006), um dos importantes agentes determinan-
tes de políticas públicas nacionais são as elites internacionais.
Fátima Urpia (2009), assevera que a EJA vem passando por transformações
importantes, mas que se situam na perspectiva de organismos internacionais como
a UNESCO — educação voltada para a cidadania e não para a emancipação huma-
na. Sobre essa questão, recordo-me que, durante a realização da Conferência Ge-
ral, realizada em Paris, em novembro de 2015, a UNESCO, na sua 38ª sessão, trou-
xe como pauta a Recomendação sobre a Aprendizagem de Adultos, em define ne-
cessidade de políticas públicas em vários países para essa modalidade da educa-
ção.
46

Em dezembro de 2016, foi realizado o Seminário Internacional sobre Educa-


ção ao Longo da Vida – CONFITEA BRASIL + 6 e, no mesmo evento, o Seminário
Internacional de Educação ao Longo da Vida, a Reunião Técnica Brasileira de ba-
lanço Intermediário do Marco de Ação de Belém e a Reunião de Órgãos de Coope-
ração Técnica Internacionais, caracterizando-se como uma importante estratégia
para trazer a educação (formal e não formal) de jovens e adultos (as) para a agenda
nacional.
É importante destacar que o Seminário foi planejado, organizado e coordena-
do por um Grupo de Trabalho composto de representantes de órgãos governamen-
tais e diversas instituições. Assim, o evento foi composto por estudiosos (as), gesto-
res (as), profissionais da educação, lideranças da sociedade civil, atores (atrizes)
sociais de diversos segmentos educacionais e de setores sociais vinculados ao pro-
cesso de educação de jovens e adultos (as), tendo como alvo a educação popular
como forma de educação ao longo da vida.
Esse seminário possibilitou revisitar compromissos com a política brasileira de
educação de adultos (as) na perspectiva da Educação ao Longo da Vida, bem como
de lócus de avaliação das ações educacionais realizadas no território nacional no
campo da EJA. Nesse evento, foi aprovado o documento intitulado Marco de Ação
de Belém, o que gerou o compromisso, da parte do governo brasileiro, de se instalar
no país um processo de debate para a formulação de políticas públicas de educação
de jovens e adultos (as) ao longo da vida. Esse documento tem se constituído dis-
positivo político importante para se lutar em prol de ações de fortalecimento do cam-
po da EJA no Brasil.
As conferências internacionais de educação de jovens e adultos (as) realiza-
das nos últimos sessenta anos já apontavam para a indicação de políticas globais de
ensino relacionadas à Educação ao Longo da Vida, inclusive no VI CONFITEA, rea-
lizado em 2009, no município de Belém/PA.
Em fevereiro de 2017 teve lugar em Brasília a reunião para apresentação do
3º Relatório Global sobre aprendizagem de Adultos (GRALE III), promovido pela
UNESCO, cujo objetivo foi discutir o impacto da aprendizagem e da educação de
adultos (as) na saúde e no bem-estar, no emprego, no mercado de trabalho e na
vida social, cívica em comunitária.
No prefácio desse relatório, são explicitados os objetivos que o norteiam: ana-
lisar os resultados de um estudo de monitoramento dos Estados-membros da
47

UNESCO e realizar um balanço sobre se os países estão cumprindo os compromis-


sos que acordaram na Conferência Nacional de Educação de Adultos (CONFITEA)
VI; fortalecer a questão da aprendizagem e a educação de adultos (as), comprovan-
do seus benefícios em saúde e bem-estar, no emprego e no mercado de trabalho,
bem como na vida social, cívica e comunitária; fornecer uma plataforma para o de-
bate e a ação, no âmbito nacional, regional e global.
De acordo com o GRALE III, no capítulo intitulado Mensagens Principais, oito
itens foram apresentados tendo em vista o monitoramento e a avaliação dos com-
promissos firmados com os membros-nações no encontro internacional realizado em
Belém, em 2009. Nesse documento, relata-se que os países-membros participantes
da UNESCO mencionam progressos em todas as áreas do Marco de Ação de Belém
de 2009:

 Política: 75% dos países relataram ter melhorado suas políticas na área
de aprendizagem e educação de adultos (as) desde 2009. 70% deles
promulgaram novas políticas;
 Governança: 68% dos países relataram que ocorrem consultas entre as
partes interessadas na educação de adultos (as) e a sociedade civil, no
intuito de assegurar que os programas voltados à educação de adultos
(as) estejam vinculados às necessidades deste segmento;
 Financiamento: foi identificado que a aprendizagem e a educação de
adultos (as) ainda recebem apenas uma ínfima parcela do financiamento
público, cerca de 42% dos países gastam menos de 1% dos seus orça-
mentos em educação pública na aprendizagem e educação de adultos
(as) e apenas 23% dos países gastam mais de 4%;
 Participação: os índices de participação aumentaram em três entre cinco
países, mas uma grande parcela dos adultos (as) ainda está excluída da
aprendizagem e da educação de adultos (as);
 Qualidade: 66% dos países compilam dados sobre índices de conclusão
de curso, e 72% compilam informações sobre certificação. 81% dos paí-
ses fornecem formação preparatória e formação em serviço para educa-
dores (as) e profissionais de aprendizagem e educação de adultos (as).
48

Outro aspecto destacado no 3º Relatório Global sobre aprendizagem de Adul-


tos (GRALE III) explicita que a aprendizagem e a educação de adultos (as) são
componentes-chave da aprendizagem ao longo da vida, e que poderão contribuir
para a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. No entanto, o próprio do-
cumento evidencia que os níveis de alfabetização de adultos (as) permanecem bai-
xos, assim como a desigualdade de gênero continua a ser uma preocupação.
Na avaliação geral do Relatório, considera-se que, apesar dos progressos no
monitoramento e na avaliação da aprendizagem de adultos (as) desde 2009, dados
básicos sobre a aprendizagem e a educação de adultos (as) continuam sendo ina-
dequados, e, desse modo, seus verdadeiros efeitos são pouco compreendidos. Ou-
tro aspecto importante trazido pelo Relatório é que o foco em 2030 é estimular a ca-
pacitação das pessoas para atender as demandas do futuro.
Além dos agentes internacionais, nas palavras de Bonetti (2006, p. 59), existe
ainda outra composição de forças agindo como “[...] agentes definidores das políti-
cas públicas, que são as organizações da sociedade civil e os movimentos sociais
em geral, que atuam no âmbito nacional e global. ”
No século XX havia também a presença dos movimentos sociais, mas o que
diferencia esse momento atual? Para o autor (2006, p. 60), “[...] os movimentos so-
ciais hoje se apresentam como resultado de um processo de mundialização no con-
texto de suas múltiplas formas e dentro de uma trama histórica complexa, derivadas
tanto do inédito quanto do ressurgente [...]”. Desse modo, a participação dos movi-
mentos sociais constitui um importante fator para que políticas públicas sejam pen-
sadas a partir dos (as) atores (atrizes) sociais atravessados por elas.
Ao refletir sobre essas questões, lembrei-me que, durante uma videoconfe-
rência realizada no mês de maio de 2017, com a presença de gestores (as) escola-
res da rede estadual de ensino que ofertam cursos da EJA, uma fala me chamou
atenção: nessa reunião, que envolvia 16 dos 27 territórios de identidade da Bahia,
ao discutirmos sobre a oferta da EJA nos diversos turnos de funcionamento da esco-
la, uma gestora escolar afirmou que professores (as), gestores (as) e estudantes da
EJA necessitam se mobilizar para rever questões relacionadas ao campo da EJA na
Bahia, dentre elas o fechamento das escolas e turmas para esses atores (atrizes)
sociais.
49

Esse pensar reflexivo sobre o cotidiano, expresso nas palavras dessa gesto-
ra, nos aponta para a retomada das ações coletivas pensadaspraticadas7 pelos (as)
atores (atrizes) sociais em prol da melhoria da oferta da educação proposta pe-
los/para os (as) jovens e adultos (as), que, em muitas situações, são afetados (as)
pelo alijamento dos seus direitos.
Macedo (2012) afirma que, quando a heterogeneidade coloca-se como condi-
ção humana, e o outro revela-se em dignidade e em conquistas igualitárias, as soci-
edades que se pautam na compreensão e na constituição social com o outro, a partir
de lutas políticas, se movimentam e se transformam, alterando-se por dentro, pois
compreendem que não existem leituras únicas do mundo, ou seja, cada um de nós
constrói identificações e, de forma articulada, produz pautas comuns, a partir de
análise e compreensões de suas realidades.
No prefácio da 49ª reimpressão do livro de Paulo Freire, Pedagogia da Auto-
nomia, o professor Ernani Maria Fiori inicia o texto falando do patrono da Educação
Brasileira; afirma que “Paulo Freire é um pensador comprometido com a vida: não
pensa ideias, pensa a existência” (FIORI, 2005, p. 7). Dito isso, posso afirmar que
Freire falava da necessidade de se pensar em formas de apoiar os (as) estudantes
trabalhadores (as) da EJA na sua vida existencial, o que implica conceber os (as)
jovens e adultos (as) com pessoas em sua totalidade.
No campo das pesquisas sobre as políticas públicas para a Educação de
Jovens e Adultos no Brasil, Pierro (2005) aborda o processo de redefinição da
identidade da Educação de Jovens e Adultos, desencadeado pelo reconhecimento
da identidade sociocultural dos (as) educandos (as), bem como pelo embate do pa-
radigma compensatório e da educação continuada ao longo da vida. Discute tam-
bém os desafios e impasses das políticas públicas para superar a posição marginal
ocupada pela EJA na reforma política realizada na segunda metade dos anos 90 do
século XX. Aponta ainda os principais desafios a serem respondidos pelas políticas
públicas no presente, tais como a articulação entre alfabetização e escolarização, as
estratégias de financiamento público e a colaboração entre as instâncias do gover-
no, assim como a formação e a profissionalização dos (as) educadores (as).
Ainda com o foco nas políticas públicas, Rummert e Ventura (2007) apontam
para o fato de que os principais programas para a educação de jovens e adultos (as)

7 O termo pensadopraticado é cunhado por Alves, ao se referir aos currículos escolares que são
criados no plano das ideias e se corporificam no cotidiano das escolas.
50

trabalhadores (as) no MEC representam rearranjos na mesma lógica que sempre


presidiu as políticas para a educação de jovens e adultos (as) no Brasil, e que con-
sistiu em atender as necessidades de sociabilidade do próprio capital. As autoras
mostram que as políticas públicas de caráter aligeirado e compensatório reiteram, a
partir de reordenamentos econômicos, os quais corroboram o desemprego estrutural
e novas formulações ideológicas centradas no empreendedorismo e na empregabili-
dade, a subalternidade das propostas de educação para a classe trabalhadora.
Rummert e Ventura (2007) analisam, em especial, os programas Brasil Alfabetizado
e o Fazendo Escola no conjunto das políticas de governo para a educação, procu-
rando evidenciar o quanto esse tipo de política reafirma o caráter seletivo e exclu-
dente do sistema educacional no Brasil.
Pietro, Joia e Ribeiro (2009) apresentam a situação atual da Educação de Jo-
vens e Adultos no Brasil, realizando uma revisão histórica das políticas de EJA nas
grandes reformas educacionais deste século e analisam as possibilidades de se rea-
lizar uma educação em suplência que, de forma renovada, não acabe por reproduzir
os equívocos do passado nem escolarize demais esse nível de ensino.
Machado (2009) analisa historicamente as ações do governo federal quanto
aos seus marcos legais, operacionais e políticos, no período entre 1996 e 2009, a
fim de compreender como as ações do Estado e da sociedade civil interferiram na
consolidação ou não desse campo enquanto política pública. A autora realiza um
levantamento analítico dos programas, projetos e ações promovidas pelo governo
federal para a educação de jovens e adultos (as), avaliando a distância entre o pro-
posto e o executado pelo governo, principalmente no que tange aos impactos nos
âmbitos das políticas públicas para a EJA municipais e estaduais e sua relação com
as demandas postas pelos movimentos sociais, através dos fóruns da EJA do Brasil
e pelas agendas nacionais e internacionais que a envolvem.
Entre os teóricos deste campo, é em Maria Machado (2009) que encontro as
bases para uma reflexão que parece ausente da literatura científica sobre a Educa-
ção de Jovens e Adultos. É esta autora que, ao discutir sobre políticas públicas para
a EJA, aponta para o fato de que esta é, em si mesma, uma política, para a qual se
tem dado pouca atenção. Ao propor uma discussão sobre a possibilidade de a edu-
cação de jovens e adultos (a) constituir-se como política pública, a autora acaba por
nos colocar diante do fato de que a constituição da EJA enquanto política pública no
Brasil exige pensar em políticas para a EJA, questão que muito me interessa.
51

Uma análise preliminar em torno do campo dos estudos da Educação de Jo-


vens e Adultos, em especial sobre formação de jovens e adultos (as), bem como
sobre políticas públicas na EJA, apontou pelo menos três direções: primeiro, para o
fato de que não há investimento numa discussão mais criteriosa sobre este campo,
do ponto de vista da formação dos estudantes trabalhadores (as) aos quais se desti-
na esta modalidade de ensino, apesar de essa preocupação só aparecer de forma
mais clara na proposta de Paulo Freire para a educação de jovens e adultos (as);
segundo, a ausência de uma discussão mais abrangente sobre a formação de jo-
vens e adultos (as) na EJA, capaz de oferecer uma leitura multirreferencial, sensível
às perspectivas dos diferentes atores (atrizes) sociais envolvidos no desafiador pro-
jeto de dar concretude a uma formação tão marcada pelos desafios (as) da vida co-
tidiana do (a) estudante trabalhador (a); e terceiro, que as discussões no campo da
EJA pouco têm apontado a necessidade de políticas de permanência na Educação
Básica como uma questão central na formação destes. Sob esse viés, inferimos que
os estudos sobre a permanência de jovens e adultos (as) nessa modalidade de edu-
cação nos apontam possibilidades de pensar a formação desses (as) atores (atrizes)
sociais, a partir de suas demandas existenciais; sugerem outras formas de apoio
para pensar sua formação, provocando proposições de políticas de permanência de
jovens e adultos na Educação Básica.
No campo dos estudos sobre a educação superior, ocorre o contrário. A dis-
cussão avança, saindo de uma visão assistencialista para uma visão afirmativa. A
temática da assistência hoje faz parte de uma discussão mais ampla compreendida
no cenário das políticas de ação afirmativa. Neste campo, Piva (2011) buscou in-
vestigar se as práticas de assistência estudantil alteraram-se ao longo do tempo e se
estão condizentes com a atual expansão do ensino profissionalizante em instituições
do ensino superior. Kowalski (2012) analisou de que modo a política educacional
de assistência estudantil se efetiva na garantia de direitos aos (às) estudantes que
ingressam em instituições federais de ensino superior. Silveira (2012) buscou co-
nhecer e refletir sobre as ações ligadas à política de assistência estudantil, realizan-
do uma pesquisa por meio de consulta aos sites das quatorze instituições federais
criadas ou federalizadas durante o período de 2003 a 2010. Seu objetivo era identifi-
car os serviços, projetos e programas existentes em torno da permanência. Menezes
(2012) identifica, por sua vez, de que forma a bolsa de assistên-
cia estudantil contribui para permanência do (a) estudante bolsista da UFRJ. Mariz
52

(2012) analisa quais os desdobramentos do Programa Nacional


de Assistência Estudantil (PNAES) na assistência ao (à) estudante da UFPB, identi-
ficando os avanços e/ou retrocessos para a efetivação do direito de acesso e per-
manência à/na universidade.
No conjunto dos estudos sobre a permanência, identifiquei uma autora discu-
tindo a permanência de estudantes jovens e adultos (as) do Proeja vinculados aos
institutos federais de educação: trata-se de Pereira (2011), que analisa os fatores
que favorecem ou dificultam o acesso e a permanência dos (as) estudantes do Pro-
grama Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, desenvolvido no Campus Goiânia do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG).
A questão que ora se apresenta é que as discussões acerca das políticas de
apoio estudantil têm se concentrado de certa forma no campo dos estudos sobre
educação superior, mobilizadas pelas últimas reformas no seio das universidades
públicas brasileiras. No que tange à Educação Básica, as pesquisas voltadas para
as políticas de permanência estudantil na Educação de Jovens e Adultos ainda se
apresentam em número muito reduzido. Dentre estas, destaca-se a pesquisa de
Santana (2011), que realizou uma investigação sobre o abandono e as estratégias
desenvolvidas para permanência dos (as) educandos (as) no processo de escolari-
zação no Primeiro Segmento da Educação de Jovens e Adultos (SEJA I) do municí-
pio de Salvador. Trata-se, porém, de um estudo sobre estratégias que estão cir-
cunscritas ou ao âmbito das iniciativas individuais do (a) estudante ou ao âmbito das
iniciativas grupais, sem uma ampliação para a discussão das políticas públicas de
apoio à formação do (a) estudante. Cardoso e Mendonça (2012) tratam mais direta-
mente da assistência estudantil e buscam analisar como a legislação federal trata
essa questão na Educação de Jovens e Adultos. Estas pesquisas merecem, a meu
ver, maiores investimentos, especialmente no que se refere à articulação com a dis-
cussão mais ampla da formação no âmbito da Educação de Jovens e Adultos.
Verifiquei, durante minha permanência na Coordenação da Educação de Jo-
vens e Adultos, no âmbito da Secretaria da Educação, a partir de dados do Sistema
de Gestão Escolar (SGE), que foram matriculados nas escolas estaduais da Bahia,
no ano de 2013, 78.000 estudantes no último ano do ciclo formativo da EJA8, refe-

8 Na rede estadual de ensino da Bahia, a Educação Básica na modalidade Educação de Jovens e


Adultos, desde 2008, está organizada em Tempos Formativos I, II e III (Ensinos Fundamental e
53

rente ao Ensino Médio. Esse número, porém, quando comparado ao número de


concluintes desse mesmo ano, indicava a necessidade de se pensar acerca dos mo-
tivos que levavam este jovem ou adulto (a) a abandonar os estudos ou ser reprova-
do sem concluir sua formação básica, e, mais ainda, sobre as formas pelas quais se
poderia superar este atual cenário da EJA.

2.2.1 A política de EJA na Bahia

O campo da EJA é bastante vasto, mas historicamente as pessoas o associ-


am somente à alfabetização de jovens e adultos (as). No entanto, falamos dessa
modalidade de educação como aprendizagem ao longo da vida. Nessa pesquisa,
meu esforço foi investigar os (as) estudantes jovens e adultos (as) que se encontram
na etapa final da Educação Básica, mais especificamente no Ensino Médio. Na Ba-
hia, essa última etapa de escolarização da Educação Básica na rede estadual, na
modalidade EJA, está vinculada à Coordenação de Educação de Jovens e Adultos
(CJA), à Diretoria da Educação e suas Modalidades, que por sua vez é ligada à Su-
perintendência de Políticas para a Educação Básica (SUPED). Compete à Coorde-
nação de Educação de Jovens e Adultos acompanhar as ações pedagógicas desen-
volvidas nas escolas da rede estadual que possuem turmas de EJA, bem como im-
plementar ações de fortalecimento dessa modalidade de educação no âmbito das
escolas estaduais.
De acordo com a Proposta Pedagógica da Educação de Jovens e Adultos no
Estado da Bahia (2008), o Ensino Médio, na modalidade EJA, é ofertado na rede
estadual de ensino a partir dos cursos Tempos Formativos e Tempo de Aprender.
O curso Tempo Formativo contempla uma matriz curricular a partir de eixos
temáticos, temas geradores e seleção de conteúdos a partir de cada área do conhe-
cimento. Esse curso dialoga com os seguintes pressupostos: o reconhecimento dos
(as) estudantes trabalhadores (as) da EJA como protagonistas pela educação, for-
mação e desenvolvimento humano, bem como considera relevante a identificação,
valorização e reconhecimento dos saberes, culturas, valores, memórias e identida-
des desses (as) atores (atrizes) sociais.

Médio). O primeiro Tempo Formativo é organizado em três Eixos Temáticos e tem a duração de 03
anos, os demais Tempos Formativos estão organizados em Eixos IV e V; VI e VII, respectivamente,
com duração de dois anos cada um desses Tempos.
54

Propõe por meio de processos pedagógicos o acompanhamento da formação


dos (as) estudantes trabalhadores (as), considerando a especificidade do processo
de aprendizagem dos (as) jovens e adultos (as); Sugere a problematização da reali-
dade existencial favorecendo o aprender a conhecer e o fazer fazendo; a garantia do
tempo pedagógico específico destinado ao processo de formação, de modo a garan-
tir o acesso, a permanência e a continuidade dos tempos de formação.
A organização curricular do Curso Tempos Formativo está estruturada em ei-
xos temáticos, temas geradores e áreas do conhecimento diferenciadas em função
do nível de ensino, a saber: Tempo Formativo I (Aprender a Ser), eixos temáticos
Identidade e Cultura; Cidadania e Trabalho e Saúde e Meio Ambiente, perfazendo
total de 2.400 horas/aulas e duração de três anos. O Curso Tempo Formativo II
(Aprender a Conviver) apresenta como eixos temáticos Trabalho e Sociedade; Meio
Ambiente e Movimentos Sociais, cuja carga horária é de 1.600 horas/aulas e dura-
ção de dois anos. O Tempo Formativo III (Aprender a Fazer), corresponde a etapa
do Ensino Médio, cujos Eixos Temáticos versam sobre Globalização, Cultura e Co-
nhecimento; Economia Solidária e Empreendedorismo, totalizando 1.600 ho-
ras/aulas com duração de dois anos.
Os princípios teórico-metodológicos propostos contemplam o reconhecimento
dos coletivos de educandos (as) e educadores (as) como protagonistas do processo
de desenvolvimento e formação humano; o reconhecimento e valorização do reper-
tório de vida dos (as) estudantes trabalhadores (as) da EJA; a criação de um currícu-
lo que contemple a diversidade: sexual, de gênero, raça/etnia, cultural, valores e vi-
vências específicas; utilização de metodologia adequada às condições de vida dos
(as) jovens e adultos (as) e relacionadas ao mundo do trabalho; explorar pedagogi-
camente as potencialidades formadoras do trabalho como princípio educativo;
acompanhamento do percurso formativo, com base no princípio no processo de
Desse modo, o documento intitulado Política de EJA da Rede Estadual:
aprendizagem ao longo da vida (2008) apregoa que o ensino na EJA na referida re-
de de ensino, possibilita a problematização da realidade, favorecendo o aprender a
conhecer e o fazer fazendo; a garantia do tempo pedagógico específico ao processo
de formação, tendo em vista assegurar o acesso, a permanência e a continuidade
dos tempos de formação.
Na rede estadual de ensino da Bahia também é oferecido aos (às) estudantes
trabalhadores (as) da EJA o curso Tempo de Aprender I (Ensino Fundamental) e o
55

Tempo de Aprender II (Ensino Médio), que se constituem em cursos com duração de


quatro anos (dois para cada nível de ensino). O referido curso é destinado ao aten-
dimento de estudantes jovens e adultos (as), com idade acima de 18 anos.
A organização curricular do Curso Tempo de Aprender é semipresencial, com
oferta semestral modular e desenvolvimento de atividades complementares que po-
dem ser realizadas em ambientes não escolares, considerando o contexto de vida e
de trabalho dos (as) estudantes jovens e adultos (as). Apresenta metodologia espe-
cífica, que os (as) professores (as) das diversas áreas do conhecimento realizam um
diagnóstico que possibilita identificar os conhecimentos prévios dos (as) estudantes,
na perspectiva de aquisição de aprendizagem significativa de conteúdos articulados
com a realidade social. Tem como premissa, em sua práxis educativa, os fundamen-
tos da pedagogia paulofreireana, que entende como função da educação o desen-
volvimento do processo de conscientização e do senso crítico para o exercício da
cidadania.
A proposta deste Curso adotou inicialmente como dispositivos didáticos as
tecnologias audiovisuais (TV, aparelho de vídeo/dvd, programas do Telecurso 2000)
como mecanismos que contribuíam para a permanência dos (as) alunos (as), já que
os horários disponíveis para aulas presenciais na escola são flexíveis aos tempos de
trabalho e estudo dos (as) estudantes jovens e adultos (as). O (A) professor (a), por
sua vez, assume nesse Curso a função de mediador (a) da aprendizagem, à medida
que orienta também as atividades complementarem que deverão ser realizadas no
tempo fora do horário escolar.
Compreendemos a relevância do Curso Tempo de Aprender para a formação
de jovens e adultos (as) trabalhadores (as), pois, se por um lado, oportuniza a flexi-
bilização de horários para os (as) estudantes, por outro, exige dos (as) profissionais
que nele atua formação que dialogue com os princípios formativos requeridos. Du-
rante as observações realizadas no período em que estive na condição de gestora
estadual da EJA, tornou-se possível perceber que a insuficiência de formação conti-
nuada, a não apropriação da proposta pedagógica por parte de muitos (as) professo-
res (as), bem como a inadequação de material didático, se constituem entraves às
condições necessárias para a oferta de qualidade no referido curso.
Ainda referente ao cenário baiano, identificamos que a implantação do Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação de Jovens e Adultos - nível Mestrado Pro-
fissional (MPEJA), pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), vem impulsionan-
56

do pesquisas referentes a esse campo de estudo. O referido Programa foi recomen-


dado em 2012 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes), tendo iniciado suas atividades em 2013, no Departamento de Educação –
Campus I da UNEB, sob a coordenação da Profª Drª Tânia Dantas.
De acordo com Dantas (2016), o Mestrado Profissional em Educação de Jo-
vens e Adultos, em consonância com suas áreas de concentração9 vem realizando
atividades nas seguintes áreas de atuação:

[...] formação de professores e pesquisadores de EJA; realização de


pesquisas empíricas e projetos de intervenção que contribuam para a
transformação efetiva dos espaços de EJA no Estado da Bahia; reali-
zação de cursos de formação continuada em EJA; formação de pro-
fissionais do Estado e dos municípios baianos envolvidos na gestão
da EJA; desenvolvimento de pesquisas que explicitem as causas dos
problemas da EJA em nosso Estado, desenvolvimento de pesquisas
sobre os impactos da EJA na vida dos formandos; desenvolvimento
de projetos pedagógicos de intervenção na EJA; realização de Parce-
rias universidade-escola; universidade/secretaria de educação.
(DANTAS; HETKOWSKI, 2016, p.98)

Compreendemos que o Programa de Pós-Graduação em Educação de Jo-


vens e Adultos - nível Mestrado Profissional (MPEJA), vem possibilitando o desen-
volvimento de pesquisas no campo da EJA, contribuindo veementemente para que
os debates e ações nesse campo se robusteçam.

2.3 A formação de jovens e adultos: o fundante na EJA

Inicialmente faz-se necessário distinguir educação de formação. Quando fa-


lamos da educação de jovens e adultos (as), inserimos nesse campo a formação
desses atores (atrizes) sociais, mas a educação não se resume à formação: ela a
inclui, mas envolve outros aspectos que necessitam ser considerados, como o tem-
po, o espaço, os (as) atores (atrizes) sociais, e tantos outros elementos necessários
ao processo educacional.
Na condição de integrante do Grupo de Pesquisa FORMACCE, assim como
do Grupo de Pesquisa Formação, Currículo e Intersubjetividades (Formacci), conce-
bemos a formação como experiencial, pois começa e termina na experiência do (a)
ator (atriz) social e que, portanto, só pode ser alcançada em termos compreensivos,

9
O MPEJA apresenta três grandes áreas de concentração: educação, meio ambiente e trabalho; formação de
professores e políticas públicas; gestão educacional e tecnologias da informação e da comunicação.
57

na perspectiva de quem se forma e seus etnométodos (MACEDO, 2012). É nesse


sentido que essa pesquisa apresenta relevo, na medida em que, ao tratar da forma-
ção de jovens e adultos (as), interessa-nos investigar os etnométodos produzidos
nas itinerâncias formativas desses (as) atores (atrizes) sociais.
Desse modo, Freire (2002), ao falar da formação dos homens e mulheres que
formam e se formam, diz que somos do-discentes10
É em Macedo (2010) que busco inspiração para refletir sobre a íntima relação
entre compreensão e formação. Nas palavras desse autor,

[...] existimos compreendendo para poder viver e com isso, nos formamos.
Obviamente, a luta por uma melhor compreensão do mundo, de nós mes-
mos, de nossa formação, de nossas invenções e dos problemas que cria-
mos, deverá fazer parte do nosso trabalho do dia-a-dia, seja em termos
cognitivos, políticos, éticos, estéticos e espirituais. (MACEDO, 2010, p. 41).

É a partir da indexicalidade do termo compreensão ao conceito de formação


que essa discussão se amplia e ganha relevo, pois a formação, como uma experiên-
cia irredutível do (a) ator (atriz) social que se forma, não pode ser explicada, mas
somente o (a) mesmo (a), foco dessa experiência formativa, é capaz de compreen-
dê-la na sua inteireza.
Macedo (2010) considera ainda que,

A formação do Ser não se realiza sem o Ser da formação, seus contextos


de referências, seus pertencimentos e as suas diversas demandas existen-
ciais. Refletir sobre essa realidade num projeto ou numa prática curricular
formativa significa realçar a importância central do que seja um sujeito em
formação, uma identidade social, cultural se fazendo em formação. (MACE-
DO, 2010, p. 53-54).

Macedo (2010) nos faz refletir sobre a relevância da pessoa que se forma, em
toda sua complexidade11, do humano ser que carrega consigo marcas experienciais
próprias do mundo dos (as) jovens e adultos (as), as quais não podemos descartar.
O referido autor (2010) ainda fala da etnoformatividade, que se constitui em
um conjunto de experiências e condições envolvidas na formação dos (as) atores
(atrizes) sociais que vai se constituindo e incorporando seus etnométodos.

10 O conceito de do-discente é cunhado por Freire (2002), que considera a capacidade de ensinar e
aprender do docente, ou seja, ele tanto ensina quanto aprende ao ensinar.
11 O termo complexidade será tratado nesse texto de qualificação a partir da perspectiva moriniana.
58

Nesse aspecto, destaco que é nesse cenário de escuta clínica, ou seja, a es-
cuta que interpreta a singularidade dos (as) atores (atrizes) sociais, que se acentua
uma importante ação educativa – a “ex-posição do (a) ator (atriz) social”, ou seja, é
quanto ele (a) põe para fora aquilo que pensa e sente sobre o fenômeno formativo, o
que muito contribuirá com as condições das formações. Penso inclusive que as di-
versas condições pelas quais o processo formativo acontece interferem sobremanei-
ra na qualidade da formação realizada.
A formação aqui em pauta afina-se com a inspiração paulofreireana, na medi-
da em que assume um caráter político e ético, em níveis de existência cidadã em
aprendizagem, que requer reflexão e explicitação ampliadas e aprofundadas, esco-
lha, compromisso, corresponsabilidade, que vai além da informação, do aprender
simplesmente, do conhecimento e da ilustração.
É inspirada em Ardoino que darei relevância, nessa pesquisa, ao conceito de
negatricidade, ao discutir sobre o processo formativo de jovens e adultos (as), cada
um dos quais, à medida que se constitui em um Ser que se coloca diante do outro
como diferença, teria, portanto, as condições de re-existir ao constrangimento de ser
transformado em um pretenso produto fabricado em série, compondo estatísticas de
produção, mediante a qual trabalham a lógica do acúmulo e da “qualidade” cultiva-
das pela mercoeducação (MACEDO, 2010, p. 56-57).
Para Macedo (2010), o conceito de formação está intrinsecamente relaciona-
do com a noção de alteração, isto é, “a transformação em face da presença de um
Ser singular na presença de outro Ser singular; a possibilidade de ser um outro. Vale
ressaltar que no processo de formação nos alteramos com o outro e sem o outro.”
(MACEDO, 2010, p. 57).
Desse modo, podemos afirmar que formar-se implica, em termos de possibili-
dades, dar sentido à vida, a partir do que somos enquanto atores (atrizes) sociais e
o que vivemos enquanto atores (atrizes) sociais aprendentes, que nos formamos. É
provocar interrogações acerca da própria existência e das experiências dos (as) ou-
tros (as). Conforme Freire (1997), é compreender o estar no/com o mundo.
Sobre alteridade em Arendt (2010, p. 220), “a alteridade é, sem dúvida, as-
pecto importante da pluralidade, a razão pela qual todas as nossas definições são
distinções, pela qual não podemos dizer o que uma coisa é sem distingui-la da outra
[...]”.
59

Só o homem, porém, é capaz de exprimir essa distinção e distinguir-se, e só


ele é capaz de comunicar a si próprio e não apenas comunicar alguma coi-
sa – como sede, fome, afeto, hostilidade ou medo. No homem, a alteridade,
que ele partilha com tudo o que existe, e a distinção, que ele partilha com
tudo o que vive, tornam-se unicidade, e a pluralidade humana é paradoxal
pluralidade de seres únicos. (MACEDO, 2010, p. 220).

Macedo (2010), na obra Formação, ao citar Honoré, afirma que a formação é


uma necessidade de nossa existência e quatro aspectos são fundamentais:

(i) a formação como direito do homem;


(ii) a formação como construção do desenvolvimento econômico e social;
(iii) a formação como experiência reveladora das necessidades pessoais fun-
damentais;
(iv) a formação como aspecto aplicado das ciências humanas.

O referido autor (2010) apresenta aspectos fundamentais que não podem ser
desconsiderados nas discussões sobre formação. No entanto, considero necessário
acrescentar a perspectiva da formação enquanto condição político-existencial, como
condição de sobrevivência da espécie humana. Desconsiderar essa condição é ne-
gar a capacidade inerente dos seres da formação de interpretarem o mundo, de in-
dagarem, de filtrarem e reconstruírem incessantemente suas experiências formati-
vas, que são tecidas também fora dos espaços oficialmente eleitos como formativos,
nos movimentos sociais, nos espaços de luta e de sobrevivência, de forma intuitiva,
por derivas.
É mediante as palavras de Macedo (2010) sobre a temática da formação que
nos aproximamos do dilema da formação de jovens e adultos (as), que, concebidos
como atores (atrizes) sociais, não podem ser desconsiderados em sua dimensão da
autoformação, muito presente nas discussões sobre formação de jovens e adultos
(as), e que por vezes apresenta-se denominada de autodidaxia; autoaprendizagem,
dentre outros termos.
É a condição da autoformação que impulsiona muitos (as) jovens e adultos
(as) a retornarem a seus estudos em virtude de novos rumos da vida, inclusive da
vida profissional, de novos desafios e projetos de vida, que na juventude e na fase
adulta foram se (re)definindo.
60

Importante atentar para o fato de que, quando falamos sobre formação, há


uma tendência a centrar nossa atenção nas condições da formação. Compreender
que o processo formativo necessita de condições físicas para acontecer é importan-
te; no entanto, tais questões não devem ocupar a centralidade das preocupações
formativas. Macedo (2010) alerta que a formação está intimamente relacionada com
a evolução do Ser, que, desafiado pelos contextos e implicado em um projeto de
vida, deverá assumir a posição de centralidade para que as outras necessidades se
realizem. A questão que aqui se coloca, ao realçar o (a) ator (atriz) social como cen-
tro da formação, é – quais condições são necessárias para apoiá-lo nesse processo
formativo?
É nesse cenário que Macedo (2012) nos provoca com reflexões sobre aprendizagem,
que, para esse autor, implica mobilizar etnométodos em meio a uma cultura que ensina e
aprende, em que o sujeito aprende referenciado na e pela cultura. É nesses termos que “a
etnopesquisa formação pensa a formação como uma experiência intermediada e intramedi-
ada, na qual o conhecimento e as atividades aí envolvidas passam, necessariamente, pelo
crivo das implicações e pelo contexto sociocultural e político dos envolvidos.” (MACEDO,
2012, p. 93).
É desse modo que não podemos conceber a formação de atores (atrizes) so-
ciais jovens e adultos (as), que carregam consigo marcas das experiências de vida e
de trabalho, descolada desses cenários socioculturais e políticos, que são radical-
mente formativos. Tomo aqui o conceito de radicalidade a partir da concepção filosó-
fica, que considera que não podemos compreender a realidade sem ir à “raiz” das
questões.
No contexto brasileiro, autores como Freire (1974) já provocavam discussões
sobre a formação calcada em princípios democráticos da formação humana, tendo
em vista a emancipação do “sujeito que se forma e que forma ao formar-se”. Para
Freire, quanto mais experiências democráticas vivenciarmos, tanto mais conheci-
mento crítico da realidade produziremos. Nas palavras de Freire (1974, p. 95),

quanto mais crítico um grupo humano, tanto mais democrático e permeável,


em regra. Tanto mais democrático, quanto mais ligado às condições de su-
as circunstâncias. Tanto menos experiências democráticas que exigem dele
o conhecimento crítico de sua realidade, pela participação nela, pela sua in-
timidade com ela, quanto mais superposto a essa realidade e inclinado a
formas ingênuas de encará-las. [...] Quanto menos criticidade em nós, tanto
mais ingenuamente tratamos os problemas e discutimos superficialmente os
assuntos.
61

Nesse sentido, no campo da Educação de Jovens e Adultos, em espe-


cial, não cabe considerar as experiências vividas pelos (as) atores (atrizes) sociais
como conhecimento de menor valor, um epifenômeno. Desse modo, o desenvolvi-
mento de um processo formativo que realça o contexto de vida e etnométodos dos
(as) atores (atrizes) sociais ganha relevo, na medida em que respeita as trajetórias
experienciais e as contradições vividas no cotidiano como condição fundante para
uma formação emancipatória.
Na tentativa de compreender como os (as) jovens e adultos (as) constroem
seus etnométodos, criam conhecimentos implicados, ou seja, como se processam
suas aprendizagens mediadas pelas suas histórias de vida, contextos culturais, re-
corro ao conceito das etnoaprendizagens, forjado pela antropóloga Silvia Michele Sá
(2013), que nos impulsiona a compreender a possibilidade de encontrar novos cami-
nhos possíveis para a relação com os conhecimentos, construindo relações solidá-
rias de emancipação e construção sociocultural.
62

3 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA DA PESQUISA

Essa sessão tem como objetivo descrever e esclarecer minhas opções epis-
temológicas, metodológicas e políticas. As reflexões que compartilho sobre minhas
itinerâncias durante essa pesquisa doutoral apresentam meu olhar enquanto pesqui-
sadora implicada no campo da EJA. Dialogo “de dentro” deste campo, e, portanto,
das minhas “dobras”, o que se constitui em um grande desafio, pois minha aproxi-
mação com esse campo, quer na condição de professora, gestora, militante ou pes-
quisadora, me ofereceram condições singulares de interpretação da realidade, tor-
nando “familiar” este meu olhar em relação ao campo, exigindo de mim um exercício
de “estranhamento” para que fosse possível compreender para além do “familiar”.
Para Velho (2006), “[...] o que sempre vemos e encontramos pode ser familiar
mas não é necessariamente conhecido e o que não vemos e encontramos pode ser
exótico mas, até certo ponto, conhecido.” (VELHO, 2006, p. 126). Foi nessa pers-
pectiva que minha inserção no campo exigiu de mim o exercício de transformar o
familiar em conhecido, na medida em que avançava na pesquisa.
Velho (2006, p. 133) considera que “[...] o processo de estranhar o familiar
torna-se possível quando somos capazes de confrontar intelectualmente, e mesmo
emocionalmente, diversas versões e interpretações a respeito de fatos, situações”.
Esse confronto intelectual e emocional das diversas versões que se apresentam a
respeito de situações no/do cotidiano exige de nós muita maturidade e ética, acima
de tudo para perceber que se trata das perspectivas dos atores sociais envolvidos
(algumas das muitas referências em que se pautam pesquisas no modelo multirrefe-
rencial), eles “falam”, expressam suas “verdades” a partir do lugar em que se encon-
tram.
Sobre essa questão, lembro-me que, no contexto da gestão estadual da EJA,
estive no lugar de vários confrontos: comigo mesma, com a legislação e com as in-
terpretações dos outros a respeito das políticas públicas estaduais, que ora conduzi-
am para o fortalecimento dessa modalidade de educação, ora fragilizavam as políti-
cas públicas já existentes, principalmente quando inúmeras turmas de EJA foram
fechadas, sob a justificativa do reduzido número de estudantes, desconsiderando-se
as especificidades desses atores (atrizes) sociais, suas condições de vida, de estu-
do e de trabalho.
63

Desse modo, compreendemos que o familiar, apesar de todas as necessárias


relativizações, é um caminho importante para pesquisadores (as) preocupados (as)
em investigar não somente “grandes transformações históricas” (VELHO, 2006), mas
situações que produzem decisões cotidianas eficientes justamente porque ampara-
das nesse olhar de dentro, nem mais válido nem menos válido, porém fundamental.
Inspirada em Macedo (2012, p. 22), compreendo a pesquisa como “campo de
práxis social” e método como “pauta política, ou seja, um trabalho de opção, de es-
colha na polis”. Desse modo, percebo o trabalho de pesquisa como “implicação his-
tórico-existencial” (BARBIER, 2007, p. 120). Assim, nossas implicações com a pes-
quisa fazem parte dos nossos pertencimentos, inclusive dos grupos de pesquisas
aos quais nos vinculamos, pois contribuem veementemente para nosso processo
formativo sempre em construção. Sobre essa questão, Macedo (2012, p. 24), tam-
bém inspirado em Barbier (2007), realça que as ações em pesquisa são parte de
nossa existência, da nossa itinerância formativa, que contribui para as escolhas que
fazemos na nossa caminhada enquanto pesquisadora em formação.
No que tange ao aspecto metodológico, a etnopesquisa compreende que o
trabalho do (a) pesquisador (a) não se restringe à descrição de situações apresenta-
das durante a imersão no campo, mas também se trata de um trabalho interpretati-
vo, o que requer do (a) investigador (a) a busca constante de não apenas apresentar
as itinerâncias dos (as) atores (atrizes) sociais, mas também as cenas e os cenários
nos quais eles se configuram, realizando um esforço que exige uma aproximação da
perspectiva da subjetividade dos (as) atores (atrizes) sociais envolvidos (as) (URPIA,
2014).
Boumard (1999) considera que a investigação etnográfica dá lugar ao (à) ator
(atriz) social numa atitude nunca neutra, sempre atenta à produção de sentidos.
Hugh Mehan apud Coulon (1990) sugere o termo “tecelagem etnográfica” para des-
tacar a postura do (a) investigador (a), que consiste em levar em conta suas próprias
implicações na estratégia de investigação. Para Boumard (1999), na tecelagem et-
nográfica, o (a) investigador (a) situa as descrições no contexto estudado, sendo
assim levado a considerar as produções dos membros dos grupos estudados como
verdadeiras instruções de investigação. Assim, é a compreensão da dinâmica de
produção de sentidos dos grupos pesquisados que considero relevante para com-
preender as políticas de permanência de jovens e adultos (as) na Educação Básica.
64

Boumard (1999) sinaliza que o olhar etnográfico define uma postura e não
somente uma técnica. Nessa perspectiva, a ideia foi ir a campo, registrar, escutar,
sentir de que maneira os (as) atores (atrizes) sociais produzem sentidos sobre a vi-
da, sem fazer disso “a administração da prova”, como o próprio autor indica, mas sim
elementos para que o discurso do outro faça sentido.
Assim, Boumard (1999) considera que, para compreender o sentido complexo
da situação, é preciso nela própria penetrar e apreendê-la nas interações entre os
(as) diferentes atores (atrizes), sem prejuízo das consequências para o (a) investi-
gador (a).
Desse modo, podemos dizer que essa pesquisa se constituiu em uma etno-
pesquisa de inspiração fenomenológica, já que, “[...] para a fenomenologia, a reali-
dade é o compreendido, o interpretado e o comunicado. Não havendo uma só reali-
dade, mas tantas quantas forem as interpretações e comunicações, a realidade é
perspectivas.” (MACEDO, 2010, p. 15).
Nesse lugar de provisoriedade do conhecimento em que se assenta essa
pesquisa, compreende-se o caráter de provisoriedade e transitoriedade da realidade,
que é sempre coconstruída através do olhar. O conhecimento é resultado de um
processo de significação que não é só do (a) pesquisado (a), mas também do (a)
pesquisador (a).
De acordo com Macedo (2010, p.15), uma pesquisa de orientação fenomeno-
lógica parte do princípio de que é impossível “pleitear o conhecimento fora dos âmbi-
tos existenciais”. É na existência e “(re) existência” (PAIM, 2013) dos (as) estudantes
jovens e adultos (as), no cotidiano da escola e na escuta das suas condições de vida
que essa pesquisa se robustece. Não há como pensar sobre isso fora do contexto
desses (as) atores (atrizes) sociais, e aqui é importante dizer que esse contexto se
confunde com minhas itinerâncias profissionais e acadêmicas.

3.1 A etnopesquisa implicada

Nos estudos de Macedo (2012) sobre a etnopesquisa implicada, ele nos con-
voca à condição de pesquisadora que se autoriza de forma implicada. Para o referi-
do autor (2012), a etnopesquisa é um caminho metodológico que valoriza os estudos
de campo. Assim, inspirada na etnografia, no interacionismo simbólico, nos sociólo-
gos da Escola de Chicago, a etnopesquisa implicada contribuiu para a presente in-
65

vestigação, por meio da escuta sensível12 (BARBIER, 2007) dos (as) atores (atrizes)
sociais. Procura-se compreender, por meio dos etnométodos, ou seja, das maneiras
pelas quais significam e resolvem situações do cotidiano – no caso dessa pesquisa,
como os (as) estudantes (as) jovens e adultos (as) produzem maneiras particulares
para permanecerem nos estudos na Educação Básica.
Nas palavras de Macedo (2012, p. 89), “[...] o etnopesquisador caminha fun-
damentalmente entre as compreensões de compreensões.” dos (as) diversos(as)
atores(atrizes) sociais e suas formas peculiares de resolver questões do cotidiano.
Nesse sentido, através dessa investigação pretendi, no contexto da etnopesquisa,
uma abordagem multirreferencial.
No caso dessa pesquisa, a opção pela etnopesquisa implicada foi, acima de
tudo, uma opção política de quem acredita que a pesquisadora em formação e sua
trajetória de vida não podem e não devem ser desconsideradas durante o processo
de pesquisa – sua leitura compreensiva é implicada.
Nessa pesquisa, o termo implicação é concebido como um modo de criação
de saberes (KOHN, 2002; DEVEREUX, 1980). Macedo (2012) considera que o valor
vinculante significará não só o comprometimento e o compromisso, mas também,

[...] vinculação social, cultural, existencial, profissional, erótica, espiritual, vi-


vida e explicitada na pesquisa, a partir de uma experiência refletida de per-
tencimento, sabendo-se dos profundos motivos inconscientes e muitas ve-
zes opacos que trabalham para que o conhecimento seja o que é. (MACE-
DO, 2012, p. 34).

É nesse contexto que a presente pesquisa se inseriu, na investigação do te-


ma vinculado à “pauta de possibilidades emancipacionistas” (MACEDO, 2012), na
medida em que, levando em consideração as trajetórias de vida e de trabalho de
jovens e adultos (as) que historicamente sofreram o alijamento do direito à educa-
ção, investigou quais os etnométodos produzidos por esses (as) atores (atrizes) so-
ciais na tentativa de dar continuidade aos estudos na Educação Básica.
Le Breton (2004) considera que apenas a familiaridade com os (as) atores
(atrizes) sociais legitima a possibilidade de falar sobre eles (as) e o mundo social
onde se movimentam e vivem a vida de todos os dias.
Nas palavras de Macedo (2015),

12 O conceito de escuta sensível (BARBIER, 2007) será aprofundado no próximo tópico, em que
abordarei os dispositivos metodológicos da pesquisa.
66

da experiência emerge o que há de mais fundamental para as pesquisas


experienciais, ou seja, o ponto de vista, as definições das situações, as opi-
niões. Com isso em toda a experiência surgem políticas de sentido, lutas
por significados, nesse veio, a experiência vive relações de poder que impli-
cam legitimações e deslegitimações, com consequências políticas importan-
tes [...] (MACEDO, 2015, p. 27).

É esta noção de experiência, que valoriza as opiniões, definições e pontos de


vista, que muito me interessou nessa pesquisa, e a partir da qual realizei um esforço
de compreender as trajetórias vivenciadas pelos (as) diversos (as) atores (atrizes)
sociais, no que diz respeito às condições vividas, na tentativa de conciliar estudo,
vida profissional e pessoal durante o retorno aos estudos na Educação Básica, em
especial no Ensino Médio na modalidade EJA.
Foi durante todo o processo de escuta no campo da EJA que compreende-
mos, tal qual Macedo (2012, p. 53), os (as) atores (atrizes) sociais como “[...] teóri-
cos do seu mundo, da realidade, formuladores de pontos de vistas, definidores de
situações.”

3.1.1 Os etnométodos como possibilidades de compreensão

Macedo (2006, p. 70) destaca que, na perspectiva de Garfinkel (1984), “os


pesquisadores em ciências sociais concebem o homem em sociedade como idiota
desprovido de julgamento, um idiota cultural que produz a estabilidade da sociedade
agindo conforme as alternativas de ação preestabelecidas e legítimas fornecidas
pela cultura”. Silva, Devide, Ferraz, Peterei e Peçanha (2015) consideram que Gar-
finkel (1984) tem na teoria da ação de Talcott Parsons (1968) uma de suas fontes
principais. Parsons (1968) afirma que, para a teoria da ação, as motivações dos (as)
atores (atrizes) sociais são integradas em modelos normativos que regulam as con-
dutas e as apreciações recíprocas.
Ao criticar a referida teoria, Garfinkel (1984 apud COULON, 1995, p. 24) in-
troduz a noção de que o (a) ator (atriz) social “não é somente esse incapaz de jul-
gamento que se limitaria a reproduzir – sem ter consciência disso – as normas cultu-
rais e sociais que, previamente, teria interiorizado. ”
A partir de pesquisas capitaneadas por Garfinkel (1984), aberturas epistemo-
lógicas fundantes para as Ciências Sociais são iniciadas, provocadas pela compre-
ensão de que “o ator social não é um idiota cultural” (GARFINKEL, 1984). Ao consi-
67

derar o (a) ator (atriz) social e sua capacidade de produção de saberes, Garfinkel
(1984) inaugura o conceito de etnométodos, que se constitui em seu objeto de estu-
do: “[...] os procedimentos intersubjetivamente construídos que as pessoas na sua
cotidianidade empregam para compreender e edificar suas realidades.” (MACEDO,
2006, p. 70).
Nessa pesquisa, o conceito de etnométodos apresenta relevância, conside-
rando que a compreensão dos etnométodos produzidos pelos (as) estudantes jo-
vens e adultos (as) para darem continuidade aos estudos na Educação Básica cons-
titui o cerne dessa investigação.
Para Silva, Devide, Ferraz, Peterei e Peçanha (2015), o corpus da pesquisa
etnometodológica é o conjunto dos etnométodos. Ainda de acordo com os (as) refe-
ridos (as) autores (as), o termo etnometodologia significa o estudo dos etnométodos,
que são os métodos de que todo (a) ator (atriz) social se utiliza para descrever, in-
terpretar e construir o mundo social. Desse modo, a sociologia de Garfinkel (1984)
se institui sobre o reconhecimento da capacidade reflexiva e interpretativa própria
dos (as) ator (atrizes) sociais.
Sob essa perspectiva, o conceito de etnométodos anuncia que os (as) atores
(atrizes) sociais constroem maneiras particulares para resolver os problemas dos
cotidianos. Para Macedo (2012), os etnométodos produzidos pelos (as) atores (atri-
zes) sociais nos possibilitam compreender como estes (as) constroem as realidades
em que estão envolvidos (as) /implicados (as) e marcam essas realidades com todas
as condições sob as quais foram edificadas.
Dessa maneira, Silva, Devide, Ferraz, Peterei e Peçanha (2015) destacam
que a etnometodologia interessa-se pelo papel criativo desempenhado pelos (as)
atores (atrizes) na construção de sua vida cotidiana, atribuindo relevância aos por-
menores dessa construção.
Assim, para Garfinkel (1984), num processo dialético e dialógico, os (as) ato-
res (atrizes) sociais produzem seus etnométodos, quer dizer, suas maneiras de per-
ceber para compreender e intervir propositivamente na vida, o que nos leva a perce-
ber que os etnométodos são impregnados de histórias singulares. Macedo (2015, P.
30), considera que “[...] só a narrativa dos agentes-atores-sujeitos pode, via a expe-
riência irredutível deles, descrever e atualizar esses modos de pensarfazer a vida”.
68

3.1.2 Os micro/macropolíticas como possibilidades de compreensão

Os termos macro e micropolíticas são adotados nessa pesquisa a partir das


contribuições de Deleuze e Guattari (1995, 1996), que concebem que “as lutas soci-
ais são, ao mesmo tempo molares e moleculares”13. Ferreira Neto (2015), ao anali-
sar a obra Mil Platôs, considera que Deleuze e Guattari (1995, 1996) retomam a no-
ção mais ampla de política, apresentando uma formulação do processo político. Pa-
ra os referidos atores (1995, 1996), a política, apesar de operar por macrodecisões e
escolhas binárias, tem uma extensa dimensão de indecidibilidade, pois a decisão
política está imersa no mundo de indeterminações, atrações e desejos, que ela deve
pressentir ou avaliar de um outro modo. Desse modo, a política possui julgamentos
molares, mas seu acontecer é micropolítico. Sobre estes conceitos, encontramos
alguns esclarecimentos importantes em Guattari e Ronilk (2007), em Micropolíticas:
cartografias do desejo. Nesta obra, os autores consideram que, em nível analítico,
as lutas sociais se apresentam a partir da macropolítica, denominada por esses au-
tores de molar, e também da micropolítica, denominada molecular. No entanto, des-
tacam que estas “são sempre inseparáveis em seu acontecer” (GUATTARI; RO-
NILK, 2007).
Lazzarato (2011 apud FERREIRA NETO, 2015), fazendo uma leitura dos au-
tores supracitados, compreende que as contribuições de Deleuze e Guattari
(1995,1996) possuem uma “fecundidade heurística”, que escapa às análises macro-
políticas de viés exclusivamente socioeconômico. Segundo autores como Zourabi-
chvili (2000), o diferencial deleuziano está em não projetar a construção de uma con-
juntura desejável, o que implicaria acreditar em outro mundo, mas acompanhar “a
emergência de novos campos possíveis” (ZOURABICHVILI, 2000, p. 354). Trata-se
de uma política imanente de atenção ao acontecimento, que inova ao não demandar
um modelo prévio de sociedade ideal.
Para Guattari e Ronilk (2007, p. 155),

[...] a análise micropolítica se situaria exatamente no cruzamento entre es-


ses diferentes modos de apreensão de uma problemática. É claro que os
modos não são apenas dois: sempre haverá uma multiplicidade, pois não
existe uma subjetividade de um lado, do outro, a realidade social material.

13 É importante destacar que as expressões molar e molecular, macro e micropolítica, como Guattari
declara, são suas contribuições oriundas da formação em Farmácia (GUATTARI; ROLNIK, 2007, p.
149).
69

Sempre haverá “n” processos de subjetivação que flutuam constantemente


segundo os dados, segundo a composição de agenciamentos que convém
apreciar o que são as articulações entre os diferentes níveis de subjetivação
e os diferentes níveis de relação de forças molares.

Sob essa perspectiva, Guattari e Ronilk (2007, p. 154) consideram que o pro-
blema de uma análise micropolítica é “justamente de nunca usar um só modo de
referência”. Os referidos autores ressaltam ainda que “a questão da micropolítica é a
de como reproduzimos (ou não) os modos de subjetivação dominantes.” (GUATTA-
RI; RONILK, 2007, p.155). Significa dizer, pois, que o que está em foco é a dinâmica
dos processos de subjetivação e de agenciamento da vida realizada por diferentes
sujeitos e grupos humanos, realizado no acontecer da vida de relação. São estes
processos moleculares, na sua relação com os molares, que movimentam a vida, e
que, no tempo, podem mobilizar mudanças, mais ou menos significativas.
Ferreira Neto (2015) ressalta que o princípio de que ambas as dimensões es-
tão intimamente entrelaçadas nos conduz à compreensão de que não se deve subs-
tituir a análise macropolítica pela micropolítica, mas que se deve agregar a segunda
à primeira, mais explorada. Contudo, a presença de agenciamentos complexos na
dimensão molecular entrelaçados com a molar torna seu manejo mais suscetível a
erros de avaliação tanto no nível prático quanto no nível teórico.
Deleuze e Guattari (1995) falam de uma “potência micropolítica ou molecular”
como um campo de intensidades que tende a agitar e manejar os segmentos ma-
cropolíticos. É interessante ressaltar que, para os referidos autores (1995), na pers-
pectiva micropolítica, uma sociedade não se define por suas contradições, mas por
“suas linhas de fuga […] Sempre vaza ou foge alguma coisa, que escapa às organi-
zações binárias” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 94). E esse vazamento deve-se,
justamente, a esta movimentação que se dá no plano molecular.
Para Ferreira Neto (2015), podemos considerar que a macropolítica molar e a
micropolítica molecular podem ser distinguidas no nível analítico, mas são sempre
inseparáveis em seu acontecer. Nesse sentido, nosso foco não deve ser unilateral-
mente, a micropolítica, mas as articulações entre micro e macropolítica.
Lazzarato (2011) afirma que as noções de macro e micropolítica possuem
uma fecundidade heurística ainda a ser explorada, especialmente no período em
que as análises macropolíticas revelam certo esgotamento.
70

Desse modo, Ferreira Neto (2015) compreende que Deleuze e Guattari bus-
caram, incessantemente, construir um olhar sobre a política do ponto de vista da
micropolítica. Para o referido autor (2015), “[...] dado o caráter inovador desse con-
ceito forjado diretamente no núcleo em que a política ‘acontece’, isso não é pouco.”
(FERREIRA NETO, 2015, p. 405).
Guattari e Ronilk (2007, p. 157) afirmam ainda que,

a democracia talvez se expresse em nível das grandes organizações políti-


cas e sociais; mas ela só se consolida, só ganha consistência, se existir no
nível da subjetividade dos indivíduos e dos grupos, em todos esses níveis
moleculares, novas atitudes, novas sensibilidades, novas práxis, que impe-
çam a volta de velhas estruturas.

Assim, compreendemos a relevância desse termo para a presente pesquisa,


que se propôs a compreender os etnométodos e micropolíticas produzidas pelos
(as) estudantes jovens e adultos (as) trabalhadores (as) no intuito de permanecerem
na Educação Básica.

3.2 A pesquisa contrastiva

Lembro-me do desconforto que me tomava ao investigar duas escolas muito


relevantes para essa pesquisa com singularidades visíveis e diferenças que nos sal-
tavam aos olhos. Indagava-me constantemente: como interpretar tais realidades
sem cair na tentação de realizar interpretações marcadas pela lógica do comparati-
vismo científico? Como compreender as relações existentes entre as duas escolas e
respeitar as singularidades e diferenças desses espaços formativos sem “formatá-
los” em modelos historicamente construídos?
Macedo (2018), na obra Pesquisa contrastiva e estudos multicasos: da crítica
à razão comparativa e ao método contrastivo em ciências sociais e educação, expli-
cita as bases epistemológicas e políticas da pesquisa comparativa e apresenta o
método contrastivo como alternativa, ou melhor, como uma modalidade de pesquisa
que realça a experiência, a singularidade e o movimento relacional na investigação
de realidades distintas, que, ao meu ver, traz um novo tom às pesquisas que enve-
redam por nessas searas.
Desse modo, Macedo (2018) nos leva a refletir acerca do comparativismo ci-
entífico ao considerar que
71

o comparativismo científico de base evolucionista, por exemplo, inaugurou


um tipo de pesquisa afeita às explicações essencialistas que, fundamental-
mente, partem de modelos teóricos, empíricos e socioculturais para conhe-
cer singularidades outras e seus etnométodos. Não raro, descuidam-se da
perspectiva de que toda pesquisa, na sua concepção e contexto, é um ‘es-
tudo de caso’ (GEERTZ, 1989), ou seja, é construída nos seus movimentos
singulares e singularizantes, a partir de uma certa realidade situada, tanto
temporal, quanto culturalmente, na qual habitam, desde o seu nascedouro,
intenções que implicam visões de ciência, de mundo, de sociedade, de ho-
mem, de mulher, de formação, com as quais as pesquisas se organizam e
propõem seus dispositivos de produção de informações e compreensões.
(MACEDO, 2018, p. 28).

Assim, para Macedo (2018), no comparativismo, a singularidade é tratada


como algo de menor importância, como um epifenômeno, desprezando o “movimen-
to relacional das experiências” (MACEDO, 2018).
Para o referido autor, a pesquisa contrastia “[...] possui um diálogo íntimo com
a epistemologia crítica, na medida em que se dispõe a realizar a escuta sensível da
experiência, na sua singularidade e complexos movimentos que a compõem, e
quando necessário, realizar transingularidades, como ele prefere denominar.” (MA-
CEDO, 2018, p. 31). O autor complementa, “contrastar é aproximar diferenças”.
A partir dessa perspectiva, compreendo que o estudo de casos adquire nova
relevância, na medida em que “cria relações, apreende em conjunto” (MACEDO,
2018), deixando de lado das conclusões que excluem as diferenças, pasteurizando–
as.
Penso que estamos diante de compreensões sobre o lócus de investigação
realizadas de forma mais cuidadosa com os espaços de investigação e suas singula-
ridades. Concordo com Macedo (2018), quando afirma que,

ao contextualizar o caso, fundamental é buscar compreender as relações


que se estabelecem e que, de toda forma, criaram ou criam as condições
para que a realidade pesquisada seja o que é. Essa é uma forma de não
simplificar o caso à sua emergência reduzida a um cotidiano sem relações,
como se isso pudesse existir. Se tomarmos o caso como uma construção
social relacional, temos a oportunidade de compreendê-lo com e a partir das
relações que ele estabelece ou estabeleceu, tendo acesso, por conseguinte,
à complexidade da sua emergência. A síntese compreensiva é que o caso é
uma construção social relacional. Buscar compreender essas relações sem
perder os termos da sua singularidade, é sua característica única e singular.
Isso significa entrar na sua rica emergência constitutiva irrepetível, feita de
uma composição de experiências e acontecimentos indexicalizados às suas
bacias socioculturais.

Dessa maneira, essa pesquisa pretendeu realizar um estudo de dois casos,


no intuito de perceber contrastivamente, via etnopesquisa implicada, perspectivas e
72

etnométodos criados pelos (as) atores (atrizes) sociais no retorno ao processo de


escolarização, apoiando-os nesse processo. A ideia foi perceber, de forma contrasti-
va, sem desconsiderar as singularidades das experiências vividas pelos (as) atores
(atrizes) sociais; pelo contrário, considerando-as como diferenças experienciais,
através dos seus etnométodos e das micropolíticas que iam se apresentando.
Nessa perspectiva, Macedo (2006) pontua que, na pesquisa contrastiva, os
objetos estudados são tratados como únicos, mesmo sendo compreendidos como
“emergências relacionais”, ou seja, relaciona-se a uma totalidade complexa que
compõe outras realidades. Na reflexão de Macedo (2006, p. 90), “[...] os casos estu-
dados vão constituir teorias em ato, impregnadas dos aspectos inerentes à tempora-
lidade da emergência complexa das realidades estudadas.”
Desse modo, na presente investigação buscou-se dar ênfase ao fato de que a
formação de jovens e adultos (as) que historicamente foram excluídos (as) do cená-
rio da educação básica exige que se pense sobre as políticas de permanência estu-
dantil para esta formação, haja vista as suas especificidades relativas às condições
existenciais e de aprendizagem. Obviamente isso exige um tipo de abordagem teóri-
ca que responda à exigência de uma escuta atenta aos diferentes segmentos que
compõem e organizam esta formação, uma abordagem sensível a uma multiplicida-
de de perspectivas.

3.3 Dispositivos de Produção de Saberes

Inicialmente considero pertinente falar sobre minha opção pelo termo disposi-
tivo. O conceito de dispositivo tratado aqui é inspirado em Ardoino (2003, p. 80), co-
mo “[...] uma organização de meios materiais e/ou intelectuais, fazendo parte de
uma estratégia de conhecimento de um objeto.”
Trago-o aqui, inspirada em Macedo (2012), quando diz que a ideia de disposi-
tivo é tomada como práticas e criações humanas, abrindo mão da concepção aplica-
cionista. Para o autor (2012), um dispositivo é o prolongamento da capacidade hu-
mana de interferir nas realidades. É desse modo que compreendo que, ao pensar
em dispositivos de produção de informações, ou de saberes, como prefiro, encontro-
me aberta à dinâmica relacional do campo, ao inusitado, ao devir, ao que o campo
pode me proporcionar.
Para Paquay, Chahay e Ketele (2006 apud MACEDO, 2018, p. 35),
73

emergem, transversalizando essa bacia epistemológica multirreferencial, o


que se denomina de uma epistemologia clínica, pautada na disponibilidade
para escutar sensivelmente a experiência, a singularidade e seus múltiplos,
complexos e singularizantes movimentos e, quando necessário, experimen-
tar ‘generalizações analíticas’.

Desse modo, a sessão seguinte tem o objetivo de apresentar os dispositivos


de produção de saberes utilizados nessa pesquisa: observação participante, entre-
vista semiestruturada, diários reflexivos e diálogos formativos.

3.3.1 A observação participante

Esse foi meu maior desafio: olhar o campo da EJA, prestar atenção com o
olhar do estrangeiro em espaços que me são familiares. Para Boumard (1999), o
etnógrafo, definido como tal em função de seu olhar, é ao mesmo tempo implicado.
Para Velho (2006, p. 123),

na Antropologia, embora sem exclusividade, tradicionalmente identificou-se


com os métodos de pesquisa ditos qualitativos. A observação participante, a
entrevista aberta, o contato direto pessoal, como universo investigado cons-
tituem sua marca registrada. Insiste-se na ideia de que para conhecer cer-
tas áreas ou dimensões de uma sociedade é necessário um contato, uma
vivência durante um período de tempo razoavelmente longo, pois existem
aspectos de uma cultura e de uma sociedade que não são explicitados, que
não aparecem à superfície e que exigem um esforço maior, mais detalhado
e aprofundado de observação e empatia.

Boumard (1999) considera que a investigação etnográfica dá lugar ao (à) ator


(atriz) social numa atitude nunca neutra, sempre atenta à produção de sentido. Se-
guindo a etnografia de Hugh Mehan, Coulon (1990), sugere o termo “tecelagem et-
nográfica” para a postura que consiste e levar em conta suas próprias implicações
na estratégia de investigação. Para Boumard (1999), na tecelagem etnográfica, o (a)
investigador (a) situa as descrições no seu próprio contexto, sendo assim levado a
considerar as produções dos membros do grupo estudado como verdadeiras instru-
ções de investigação.
Inspiro-me em Boumard (1999), quando afirma que o olhar etnográfico define
uma postura e não somente uma técnica. Nessa perspectiva, a ideia é ir a campo,
registrar, fotografar, escutar, sentir de que maneira os (as) atores (atrizes) sociais
produzem sentido sobre a vida, sem fazer disso “a administração da prova”, mas
fazer disso elementos para que o discurso do outro faça sentido.
74

Para Boumard (1995, p. 234),

[...] o trabalho de campo obriga a levar em consideração e a aprender a cul-


tura do grupo observado. Daí a importância da observação participante, que
permite num movimento pendular metodológico entre o ponto de vista do in-
vestigador e dos atores sociais, reconhecendo uma multivetorialidade da
análise em cujo processo aqueles a priori do investigador são questionados
da mesma maneira que os pontos de vista dos autores.

É justamente desse campo situado e dinâmico que pretendo falar, pois aten-
der ao cronograma de pesquisa determinado por um prazo acadêmico nem sempre
é tarefa fácil, considerando que estamos no campo das ciências humanas. Portanto,
adiamentos de entrevistas em virtudes de outras demandas da gestão ou remarcar
as observações porque a escola suspendeu aula em virtude de intempéries traba-
lhistas, em prol de reivindicações de seus direitos, nos impõe outro ritmo e outra
qualidade de vida na produção.
Concordo com Velho (2006, p. 127), quando ele afirma que,

[...] dispomos de um mapa que nos familiariza com os cenários e situações


sociais de nosso cotidiano, dando nome, lugar e posição aos indivíduos. Is-
so, no entanto, não significa que conhecemos o ponto de vista e a visão de
mundo dos diferentes atores em situação social nem as regras que estão
por detrás dessas interações, dando continuidade ao sistema.
Desse modo, compreendo como Velho (2006, p. 128) que “[...] o meu conhe-
cimento pode estar seriamente comprometido pela rotina, hábitos, estereótipos. Lo-
go, posso ter um mapa, mas não compreendo necessariamente princípios e meca-
nismos que o organizam.” Assim, minha aproximação do campo que para mim era
familiar, com uma postura de “estranhamento”, me possibilitou outras percepções
antes não compreendidas.
Inspirada na sociologia compreensiva, desenvolvida por Max Weber (1979),
permiti que essas ideias fossem ganhando força na presente pesquisa. Para ele, se
a compreensão e a explicação têm pontos de partida distintos, a sociologia deve re-
belar-se contra a ideia de que se trata de dois modos de pensamentos separados. O
processo compreensivo apoia-se na convicção de que os seres humanos não são
simples agentes portadores de estruturas, mas produtores (as) ativos (as) do social,
portanto depositários (as) de um saber importante que deve ser assumido do interi-
or, através do sistema de valores dos indivíduos.
Desse modo, lançarei mão da capacidade interpretativa de todos os (as) ato-
res (atrizes) sociais implicados (as) com a educação de jovens e adultos (as), atra-
75

vés de alguns dispositivos de produção de saberes: entrevistas semiestruturadas,


observações participantes, diário de campo e diálogos formativos.
Para Velho (2006, p. 130), “[...] a ‘realidade’ (familiar ou exótica) sempre é fil-
trada por determinado ponto de vista do observador, ela é percebida de maneira di-
ferenciada.”

3.3.2 A entrevista semi-estruturada

Em sua obra Etnografia crítica, Etnografia Formação, Macedo (2006) nos ins-
tiga a refletir sobre a escuta do outro, impulsionando-nos a sair de nós mesmos e
nos deslocar do nosso lugar, já que

O importante é ressaltar que, para conhecer como o outro experimenta a vi-


da, faz-se necessário o exercício sensivelmente difícil de sairmos de nós
mesmos. Há que nos desdobrarmos, revirarmos, suspendermos preconcei-
tos, criticarmo-nos, abrirmo-nos a certa violação de habitus sagrados e soli-
dificados da sociedade do “eu”. Experiência intestina e radicalmente relaci-
onal da intercriticidade. (MACEDO, 2006, p. 28).

É a partir desse processo de suspensão que pretendo realizar a escuta dos


(as) atores (atrizes) sociais envolvidos nessa pesquisa. Nesse processo de compre-
ensão do outro a partir de como o outro se apresenta é que, para o (a) pesquisador
(a) no campo, torna-se fundante realizar a descrição densa, na perspectiva de Gee-
rtz (2008).
Macedo (2009) observa que, no contexto das preocupações com as centrali-
dades, a qualidade do conhecimento que produzimos sobre o mundo não está sepa-
rada da qualidade antropossocial que queremos para o mundo. É convencida dessa
afirmativa que creio na necessidade de os atores (atrizes) sociais da Educação de
Jovens e Adultos pensarem e produzirem políticas públicas que apoiem a formação
dos (as) jovens e adultos (as) que se encontram na Educação Básica, mantendo-os
nos ambientes de formação escolarizados. Portanto, a presente tese pode contribuir
qualitativamente para a produção de saberes para esse campo de estudo, imbricada
com o mundo que queremos.
Macedo (2012) nos convida a compreender a relevância da narrativa quando
estamos implicados com as pesquisas político-implicacionais. Para o autor (2012),
“[...] se, precisamos do ponto de vista do ator social, da compreensão dos seus et-
76

nométodos, que organiza e define situações, para sabermos da experiência vivenci-


ada e das relações instituídas, a narrativa passa a ter um status de centralidade na
pesquisa.” (MACEDO, 2012, p. 98).
Reporto-me a Lapassade (2005), que, ao se referir à entrevista etnográfica,
sustenta que a principal característica desse tipo de entrevista é o fato de ser não-
estruturada, ou seja, o fato de não ser programada de antemão. Segundo o autor
(2005), a pesquisa etnográfica pode ser descrita como “um encontro social”, o que
implica uma forma de entrevista em que o conteúdo e suas questões são elaborados
no desenrolar da situação de entrevista, quase como uma conversação “aos saltos”.
Contudo, desta última se distingue, na medida em que não é ditada pelas circuns-
tâncias e nem espontânea. Ao contrário, esta “[...] põe face a face duas pessoas cu-
jos papéis são definidos e distintos: o que conduz a entrevista e o que é convidado
para responder, a falar de si.” (LAPASSADE, 2005, p. 79).
Outro dispositivo de produção de conhecimentos que utilizei nessa pesquisa
foi o diário de campo, no qual eram registradas algumas descrições/notas de minha
experiência e reflexões a partir do contato com os (as) colaboradores (as). Nas pala-
vras de Macedo (2012), descrição reflexiva das implicações e validação intersubjeti-
va são condições irremediáveis do que se denomina etnografia constitutiva em edu-
cação e em ciências antropossociais.
Sem etnografia constitutiva não há etnopesquisa, sem etnopesquisa e seus
princípios não há etnografia constitutiva, ou seja, para haver etnopesquisa, a descri-
ção fina e densa e o trabalho interpretativo são fundamentais. Para haver etnografia
constitutiva, teremos que trabalhar com as bacias semânticas dos (as) atores (atri-
zes) sociais e seus “sítios de pertencimentos simbólicos” (ZAOUAL, 2003), isto é, o
instituinte etno (MACEDO, 2012, p. 104).

3.3.3 Diário de campo

O dispositivo diário de campo me proporcionou uma escrita ainda mais impli-


cada com a pesquisa, além de contribuir para um processo metacognitivo de minha
práxis enquanto pesquisadora, desde o início desse processo de investigação. Bar-
bier (2007) utiliza a terminologia diário de itinerância. Para esse autor, o diário de
itinerância se compõe de três fases:
77

 Primeira fase: o diário-rascunho – é quando o (a) pesquisador (a) implica-


do (a) com sua pesquisa escreve seu diário de itinerância cotidianamente
sob forma de um diário-rascunho no qual ele(a) escreve tudo o que tem
vontade de anotar no fervilhar da ação ou na serenidade da contempla-
ção. Trata-se da parte mais íntima do diário de itinerância: a que somente
será lida pelo (a) seu (a) autor (a) ou pelas pessoas mais próximas a ele
(a) (BARBIER, 2007, p. 138).
 Segunda fase: o diário elaborado – ele vai ser constituído a partir do diá-
rio-rascunho desde o momento em que o (a) pesquisador (a) quer, por in-
termédio dele, dizer alguma coisa a alguém. O autor elabora com um tipo
de leitura flutuante o que já está escrito, deixando-se levar pela ressonân-
cia criadora, à deriva, analógica. Dessa maneira, outras reflexões, outros
fatos, vêm-me à memória, os quais registro imediatamente. (BARBIER,
2007, p. 138). Nesse momento, podem ser inseridos comentários filosófi-
cos, científicos ou poéticos encontrados em obras ou improvisados pelo
(a) próprio (a) autor (a) (BARBIER, 2007, p. 139).
 Terceira fase: o diário comentado – é quando o(a) autor (a) do diário ofe-
rece para a leitura (ou expõe um fragmento ou a totalidade do diário ela-
borado) por parte do (a) leitor (a) ou grupo de leitores (as). O (A) autor (a)
fica na escuta das críticas e das ressonâncias e tenta compreender o que
se quer dizer com as críticas.

O diário, como dispositivo de pesquisa, se constitui em narrativas reflexivas


das experiências subjetivas no processo formativo do (a) ator (atriz) social, enquanto
protagonista, autor (a) da sua construção, da sua itinerância formativa.
Denise Guerra (2014) considera que a experiência das narrativas, por meio
dos diários, amplia o desejo, a iniciativa, o hábito, a habilidade, o rigor de escrever,
provoca ressonâncias permanentes nas ações cotidianas. Em se tratando de experi-
ências formativas, a referida autora (2014) o registro de narrativas por meio dos diá-
rios proporciona o compartilhamento das experiências e mudanças mais cooperati-
vas no trabalho, contribui para a perspectiva de avaliação pautada no acompanha-
mento e co-orientação na qual a negociação, a responsabilização, a autonomização
e a intercompreensão concretizam a avaliação na formação.
78

Nessa pesquisa, o diário teve a função de registro de minha itinerância no


campo, constituiu-se num companheiro de jornada para guardar algumas memórias
e impressões de minhas idas a campo, sem seguir rigorosamente a formalidade re-
comendada por Barbier (2007).

3.3.4 Diálogos formativos

Minha inspiração pela produção de saberes por meio dos diálogos formativos
deu-se a partir das leituras das obras de Paulo Freire (1974, 1997, 2005), pois en-
contrei nos princípios epistemológicos do referido autor, a possibilidade de fomentar
o diálogo entre os (as) atores (atrizes) sociais colaboradores (as) dessa pesquisa,
realçando um tom de respeito aos saberes por eles (as) produzidos. Para Dalmolin,
Faria, Perão, Nunes, Meirelles e Heidemann (2016), a concepção dialógica freirea-
na, por meio de um olhar político/filosófico, demonstra que a vida humana tem um
significado, enquanto razão de ser, e está além das relações de opressão presentes
na sociedade.
Freire (1974) falava em Círculos de Cultura quando estava incentivando a
realização de encontros didático-pedagógicos ou a outras vivências culturais e edu-
cacionais, pautados no processo de ensino e de aprendizagem. Podemos considerar
que os círculos de cultura se constituem dispositivos de formação na medida em que
favorecem o diálogo, a participação, o respeito e o trabalho em grupo, em torno de
um tema especificado por um ou mais mediador (a).
Durante a presente pesquisa, desejava realizar diálogos com o grupo de co-
laboradores (as) sem a formalidade requerida pelo grupo focal, e, para tanto, consi-
derei que nomear esse momento como diálogos formativos se aproximava mais
dessa perspectiva.
Ademais, é interessante ressaltar que, mesmo conferindo um tom de informa-
lidade a esse momento da pesquisa, tornou-se necessário revisitar os objetivos, a
organização da pesquisa, o quadro teórico e as formas de interação com os (as) ato-
res (atrizes) sociais colaboradores (as), sem perder de vista o construto dessa pes-
quisa.
Nessa investigação, em que problematizo saberes e experiências dos (as) jo-
vens e adultos (as), considero os diálogos formativos como espaços fecundos para
provocar a produção de novos saberes. Essa concepção ganhou “guarida” nessa
79

pesquisa e contribuiu de forma veemente para a produção de saberes a partir da


“escuta sensível” (BARBIER, 2007) dos (as) estudantes jovens e adultos (as) e dos
(as) professores (as) que atuam nessa modalidade de educação das duas escolas
investigadas.
Desse modo, considero que os diálogos formativos proporcionaram maior in-
teração e discussão acerca do tema abordado pelos (as) atores (atrizes) sociais,
permitindo uma narrativa integrada à vida cotidiana destes. Pelo clima informal esta-
belecido, o ambiente tornou-se mais acolhedor, provocando maior abertura para
questões narradas acerca das trajetórias de vida, trabalho e estudo que foram sendo
tecidas nos diálogos.

3.4 Os (as) atores (atrizes) sociais e o locus da pesquisa

Inspirada pela leitura da tese de Sá (2013), intitulada A emergência da etnoa-


prendizagem no campo antropoeducacional: uma investigação etnológica sobre a
aprendizagem como experiência sociocultural, busquei estar inserida no campo de
pesquisa sempre com a “perspectiva aberta”, sempre atenta e que minha vivência
cotidiana nele me possibilitasse as pistas dos melhores caminhos, tendo como ba-
ses as relações estabelecidas durante os anos de trabalho no campo da EJA. Quer
seja na condição de professora, militante, gestora estadual ou pesquisadora, procu-
rei identificar, encontrar ou reencontrar as pessoas que poderiam ser significativas
para meu trabalho de pesquisa de doutorado. A partir daí, nas ações que realizava
no campo da EJA, utilizei roteiros de entrevistas semiestruturados, ou até em vários
momentos da pesquisa, acionei a “escuta sensível” (BARBIER, 2007), que, nas con-
versas cotidianas, participação em reuniões, eventos e aulas revelavam significati-
vas singularidades.
Macedo (2014, p. 146), ao falar sobre o trabalho de campo, pondera que

[...] o trabalho em campo implica uma confrontação pessoal com o desco-


nhecido, o confuso, o obscuro, o contraditório, o assincronismo. Ademais,
além dos sustos com o inusitado sempre em devir, o campo tem uma resis-
tência natural que demanda uma dose de paciência considerável face, por
exemplo, às rupturas com ritmos próprios do pesquisador ou determinados
prazos acadêmicos.
80

Concordo com o fato de o campo muitas vezes nos pregar “várias peças”, nos
impondo um ritmo outro. Em inúmeros momentos, tive de abrir mão da agenda já
estabelecida para dar conta de acontecimentos que se apresentavam sem um pla-
nejamento prévio, mas que prometiam ser muito ricos para o escopo da pesquisa,
pelo menos na ótica de uma pesquisadora interessada em se aventurar nas discus-
sões sobre as políticas de permanência de jovens e adultos (as) na Educação Bási-
ca.
Sempre busquei nas observações participantes, nas entrevistas semiestrutu-
radas e nos diálogos formativos, numa perspectiva de cuidado com rigor, uma apro-
ximação com meus (minhas) colaboradores (as) da pesquisa.
Inspirada em Macedo (2012), optei por utilizar o conceito de atores (atrizes)
sociais, considerando que os (as) participantes da pesquisa são “[...] instituintes or-
dinários das suas realidades; são teóricos (as) e sistematizadores (as) dos seus co-
tidianos e, com isso, edificam as ordens sociais em que vivem.” (MACEDO, 2012, p.
22), são sujeitos coletivos criadores (as) e recriadores (as) de conhecimento. Desse
modo, são produtores (as) de descritibilidades, inteligibilidades e analisabilidades
relacionadas às bacias semânticas.
Assim, os (as) estudantes trabalhadores (as) da EJA, os (as) professores (as)
que atuam nessa modalidade de educação, bem como gestores (as) escolares, são
os (as) atores (atrizes) sociais centrais desta pesquisa, que na presente tese optei
em não revelar seus nomes, preservando a identidade dos (as) mesmos (as), bem
como das escolas investigadas. Desse modo, nomeei personalidades nacionais que,
em sua trajetória de vida lutaram em prol dos direitos humanos. Mas a atenção foi
destinada também às pessoas que em certa medida influenciam o campo da EJA na
Bahia, tais como: gestora estadual da EJA, coordenadora do Mestrado Profissional
de EJA, conselheira do Conselho Estadual da Bahia, bem como a coordenadora do
Fórum Estadual da EJA Bahia. Assim, o conjunto de entrevistas, diálogos formativos
e observações participantes caracterizaram-se como dispositivos de produção de
saberes sobre o campo e seus atores e suas atrizes sociais. Importante dizer que,
em face do tempo exíguo para a finalização da tese, não pude fazer uma análise
cuidadosa dos relatos destes (as) últimos (as) atores e atrizes sociais do campo da
EJA, o que será criteriosamente feito em artigo a ser publicado após a tese. Na tese,
optei por dar destaque aos etnométodos e às micropolíticas das duas instituições
escolares estudadas e, sobretudo, a seus atores e atrizes curriculantes.
81

Considero também importante explicitar os motivos que me levaram a esco-


lher as duas escolas estaduais para essa pesquisa: o Centro Noturno de Educação
da Bahia Joana Angélica e o Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares,
ambas as instituições localizadas em Salvador e com atuação junto ao público jovem
e adulto (a).
É interessante que, inicialmente, não havia percebido que ambas as escolas
estaduais são denominadas de centros. De acordo com o Dicionário de Português
Online (2018), centro significa “lugar onde se reúnem atividades”, definição que con-
sidero muito pertinente para identificar as duas escolas públicas investigadas. Am-
bas se constituem em espaços educacionais que desenvolvem atividades voltadas
para estudantes jovens e adultos (as), e as ações neles desenvolvidas estão inti-
mamente relacionadas com esses (as) atores (atrizes) sociais.
Vários fatores me fizeram optar pelas duas unidades escolares citadas anteri-
ormente como campos de investigação: o fato de eu ser a coordenadora estadual de
EJA na época em que iniciei a pesquisa, o que me possibilitou ter acesso às duas
instituições e aproximar-me do trabalho pedagógico que estas realizam; a diversida-
de de estudantes de EJA que as frequentam, possibilitando uma compreensão mais
ampla e diversa dos (as) atores (atrizes) sociais pesquisados (as).
Para compreender os etnométodos produzidos (as) pelos (as) estudantes da
EJA que contribuem para a permanência na Educação Básica, tornou-se necessário
compreender o perfil dos (as) estudantes colaboradores (as) da pesquisa das duas
escolas pesquisadas. Em sua grande maioria são trabalhadores (as) jovens e adul-
tos (as), sendo nove mulheres e quatro homens, sendo a maior parte deles (as) tra-
balhadores (as) do mercado informal, com faixa etária heterogênea variando de 19 a
53 anos; apresentam um percurso escolar descontínuo, com períodos de interrup-
ções marcados por ausências e retornos frequentes, devido a diversas situações
que desfavorecem a permanência nos estudos, sendo que, em média, os (as) estu-
dantes colaboradores (as) da pesquisa contam mais de dez anos sem estudar.
Isto posto, farei a seguir uma descrição das duas escolas que se constituíram
locus dessa investigação.
82

3.4.1 O Centro Noturno de Educação Joana Angélica

Os Centros Noturnos de Educação da Bahia são unidades escolares que ini-


cialmente foram implantados no âmbito do Estado nos municípios de Feira de San-
tana, Senhor do Bonfim e Vitória da Conquista e, nos anos subsequentes implanta-
dos nos municípios de Salvador, Cachoeira, Jacobina, Campo Formoso, Conceição
do Coité e Itamaraju com o objetivo de reestruturar a educação noturna da rede de
ensino estadual, ao considerar as necessidades e expectativas desses sujeitos14.
É importante destacar que esse movimento de reestruturação da educação
noturna estadual perpassa também pela crise histórica instaurada no ensino médio
noturno, pois inúmeras são as críticas feitas no que tange à transposição didática do
ensino voltado para adolescentes para a educação noturna, cujas metodologias e
materiais didáticos utilizados precisam ser vinculados à realidade dos (as) jovens e
adultos (as) trabalhadores (as) que acessam a EJA e apresentam saberes construí-
dos ao longo das trajetórias de vida e de trabalho.
É oportuno salientar que, durante a implantação dos Centros Noturnos de
Educação da Bahia, tive ciência do trabalho pedagógico do Ceneb Joana Angélica
ora investigado, o que me provocou o desejo de realizar uma investigação mais cri-
teriosa acerca das ações de permanência de jovens e adultos (as) na educação no-
turna.
O Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica possui em sua itine-
rância institucional vivências formativas que a constituiu em uma escola reconhecida
pelo trabalho pedagógico desenvolvido na comunidade, caracterizado pelo acolhi-
mento e sensibilidade com os (as) jovens e adultos (as) com os quais atuam.
O referido Centro Noturno foi criado em 2015, cuja proposta pedagógica tem
a intenção de aproximar-se do contexto vivido pelos (as) jovens e adultos (as), bem
como suas expectativas de estudo e de vida. Dentre os dez Ceneb criados pela Se-
cretaria de Educação, o Ceneb Joana Angélica foi escolhido em virtude de localizar-
se em Salvador, bem como pelo número crescente de estudantes trabalhadores (as)
matriculados anualmente. Importante destacar que em 2018 esse número se apro-
ximava de 800 estudantes jovens e adultos (as).

14 Esse texto constitui parte integrante do capítulo elaborado por mim, intitulado “A formação de
jovens e adultos e a educação noturna: compreensões formativas de uma experiência baiana em
movimento”, integrante da obra Amorim, Silva e Castro, Educação, territorialidade e formação
docente.
83

O Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica, que integra essa


pesquisa, é localizado na Península de Itapagipe 15. Esta região da Cidade Baixa é
marcada historicamente pelo descaso dos órgãos públicos, onde a população de
bairros mais populares possui pouco acesso aos serviços de saúde, educação e se-
gurança. É uma região de intensos contrastes: em virtude da desassistência do po-
der público, nessa região atualmente encontramos, no que se refere à saúde, as
Obras Sociais Irmã Dulce (OSID), que atende a população, principalmente dos di-
versos municípios do interior da Bahia. No que tange à educação, na Península de
Itapagipe encontrávamos algumas escolas que, em décadas anteriores, constituíram
espaços formativos da população jovem e adulta trabalhadora, na oferta de cursos
de formação profissional, muito expressivos nas décadas de 60 e 70 do século XX.
Em 2015 foi realizado pela Secretaria de Educação a junção de escolas, nes-
sa região, que ofertavam cursos no noturno, procedimento realizado, de acordo com
a justificativa do órgão, em decorrência do “baixo número de estudantes”, o que, se-
gundo ele não justificava a manutenção das turmas. Tal fato muito me causa incô-
modo, pois os (as) poucos (as) estudantes no noturno, para uns, torna-se número
significativo para outros (as) tantos (as), pois são vidas, jovens e adultos (as) traba-
lhadores (as) que, nesse momento de sua história, estão dispondo de condições de
continuarem os estudos.
A segurança na região é bastante precarizada, apesar de nela estar localiza-
do o 8º Batalhão da Polícia Militar da Bahia, no bairro de Dendezeiros. Essa área de
atuação direta dos órgãos públicos é atravessada por outras questões estruturais de
vida da população dessa região, como iluminação pública, saneamento básico, mo-
radia, crescimento desordenado do comércio informal na região.
Assim, o Ceneb Joana Angélica implantado com o objetivo de atender peda-
gogicamente jovens e adultos (as) trabalhadores (as) que acessam a educação no
noturno, oferta cursos de Ensino Fundamental e Ensino Médio na modalidade EJA,
Ensino Médio, bem como curso de EJA articulado com Educação Profissional.
É interessante salientar que, apesar de o município de Salvador agregar três
Centros Noturnos, a escolha por esse, em especial, deu-se pelo número crescente
de estudantes jovens e adultos (as) trabalhadores (as) no período de 2015-2018,

15 A Península de Itapagipe é uma região localizada na Cidade Baixa, que agrega diversos bairros,
dentre eles: Bonfim, Ribeira, Uruguai, Massaranduba, Vila Rui Barbosa, Caminho de Areia, Boa
Viagem, Dendezeiros, Mont Serrat, Roma, dentre outros.
84

fato que me provocou inquietação e que me impeliu a investigá-lo como fenômeno


de crescimento e permanência de estudantes jovens e adultos (as) na Educação
Básica, o que contraria as estatísticas de evasão existentes nessa etapa de escola-
rização.

3.4.2 O Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares

O Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares é considerado pela


SEC uma escola “exclusiva de EJA”, pois atende especificamente jovens e adultos
(as) trabalhadore (as) da EJA, oferecendo projetos pedagógicos específicos para
esses (as) atores (atrizes) sociais.
A proposta inicial de criação das escolas exclusivas de EJA era ofertar cursos
de EJA nos três turnos de funcionamento, bem como oferecer exames de certifica-
ção de saberes para fins de conclusão da Educação Básica.
A ideia era formar um grupo de profissionais oriundos das diversas áreas do
conhecimento, com significativa experiência no atendimento a estudantes jovens e
adultos (as) em situação de conclusão, equivalência e regularização da vida escolar
para prosseguimento de estudos, fato que foi fragilizado ao longo dos anos em de-
corrência dos diversos interesses políticos. Assim, ao longo dos anos o número de
escolas exclusivas foi sendo reduzido e, nos últimos anos existiam na rede estadual
de ensino da Bahia somente escolas exclusivas de EJA, nos municípios de Feira de
Santana, Barreiras, Vitória da Conquista e Salvador, este último contando com duas
unidades escolares.
Assim, o meu interesse em investigar o Centro Estadual de Educação Zumbi
dos Palmares se deu pela sua história de criação e trajetória educacional nessa mo-
dalidade de educação. Outro fato que contribuiu para a escolha dessa escola foi
que, ao iniciar essa pesquisa, encontrava-me à frente da Coordenação Estadual da
Educação de Jovens e Adultos na Bahia, o que me aproximou desse lócus de inves-
tigação, compreendendo sua dinâmica de atuação e sua história intimamente vincu-
lada ao campo da EJA no Estado da Bahia.
Conforme dito anteriormente, o Centro Estadual de Educação Zumbi dos
Palmares localiza-se no município de Salvador, no bairro dos Barris, oferta turmas
de EJA no diurno e no noturno. Oferece os cursos Tempo de Aprender I e II; Tem-
85

pos Formativos I, II e III, além de realizar Exames de Certificação da Educação Bási-


ca, através da Comissão Permanente de Avaliação (CPA).
A escola está localizada em uma região próxima à Estação da Lapa e em
uma área comercial do centro da cidade, o que resulta na presença de estudantes
jovens e adultos (as) que, ou trabalham na região, ou são oriundos de bairros mais
distantes, mas que circulam na referida Estação, o que facilita inclusive o acesso de
jovens e adultos (as) dos municípios da Região Metropolitana de Salvador (RMS 16).
No ano de 2017, a escola deixou de ofertar o curso Tempo de Aprender I, corres-
pondente aos anos Iniciais do Ensino Fundamental, pois, de acordo com o setor de
Reordenamento da Rede da SEC, a oferta do Ensino Fundamental I ficaria sob a
responsabilidade dos municípios, o que tem produzido prejuízos para jovens e adul-
tos (as) que historicamente foram excluídos do processo de escolarização.

16 Os municípios da Bahia que fazem parte da Região Metropolitana de Salvador são: Salvador,
Camaçari, São Francisco do Conde, Lauro de Freitas, Simões Filho, Candeias, Dias d’Ávila, Mata
de São João, Pojuca, São Sebastião do Passé, Vera Cruz, Madre de Deus e Itaparica, totalizando
cerca de 4 milhões de habitantes. Disponível em:
https://www.suapesquisa.com/geografia_do_brasil/regiao_metropolitana_salvador.htm. Acesso em:
12 fev. 2019.
86

4 COMPREENDENDO AS DIFERENTES PERSPECTIVAS

4.1 O pensamento multirreferencial como abordagem teórica

A teoria que orientará o percurso desta pesquisa será a abordagem multirrefe-


rencial, respeitando a complexidade do objeto de estudo deste projeto de pesquisa –
a formação de jovens e adultos (as) e as políticas de permanência estudantil na
Educação Básica, objeto que requer uma análise plural, a partir de uma escuta dos
diferentes segmentos da EJA, e em diálogo com referenciais teóricos que são articu-
lados a fim de permitir uma maior compreensão do fenômeno.
Macedo (1998) considera que Ardoino reconhece a impossibilidade de se
pensar o conhecimento como algo acabado, completo; desse modo, o fenômeno a
ser investigado convoca uma análise que não fragmente a realidade ao decompô-la
artificialmente. É o que se propõe fazer a abordagem multirreferencial.
Ana Urpia (2014), destaca que a noção de multirreferencialidade foi desenvol-
vida por Jacques Ardoino desde os anos 50/60 do século XX, na França. Coulon
(1995), considera que a multirreferencialidade se constitui na conjuga-
ção/interlocução de várias perspectivas, com o intuito de superar “[...] o limite das
disciplinas monorreferenciais a fim de ter acesso a uma inteligibilidade mais perfeita
dos fenômenos estudados [...]” (COULON, 1995, p. 54).
Martins (2004) afirma que a multirreferencialidade pode ser considerada como
uma (entre várias) resposta às críticas que são dirigidas aos modelos científicos
concebidos a partir do racionalismo cartesiano e do positivismo comteano
Ardoino (1986) considera que a multirreferencialidade constitui uma perspec-
tiva de compreensão da realidade mediante a observação, investigação, escuta,
descrição por espectros e sistemas de referências diferentes, mas, acima de tudo,
irredutíveis uns aos outros e explicitados por linguagens diferentes.
Ardoino (1986) argumenta que a análise multirreferencial das situações, das
práticas, dos fenômenos, se propõe a uma leitura plural, sob diferentes ângulos, e
em função de sistemas de referência distintos (psicológico, sociológico, antropológi-
co), os quais não podem reduzir-se uns aos outros. Para Ardoino (1986), as relações
sociais nos convocam para uma outra análise hermenêutica e que não se mutile a
realidade que se quer interpretar/compreender/explicitar.
Nas palavras de Ardoino (1995, p. 7),
87

[...] a análise multirreferencial das situações das práticas dos fenômenos e


dos fatos educativos se propõe explicitamente uma leitura plural de tais ob-
jetos, sob diferentes ângulos e em função de sistemas de referência distin-
tos, os quais não podem reduzir-se uns aos outros. Muito mais que uma po-
sição metodológica, trata-se de uma decisão epistemológica.

Desse modo, Ardoino (1995) ressalta que a multirreferencialidade como uma


abordagem investigativa pressupõe mais que uma proposição metodológica, diz
respeito a uma opção epistemológica. Propõe mais que uma justaposição de olhares
disciplinares, mas a capacidade de levar em consideração a perspectiva dos diver-
sos atores sociais envolvidos no fenômeno sob análise, bem como de articular dife-
rentes, porém não incongruentes perspectivas teóricas. O conhecimento produzido
por esta postura seria um conhecimento “[...] 'tecido' (bricolado): ele se estabelece a
partir da convergência, ou melhor, da convivência, do diálogo, trans, pluri, interdisci-
plinarmente.” (MARTINS, 1988, p. 23 apud URPIA, 2014, p. 45).
Segundo Urpia (2014), a abordagem multirreferencial de Ardoino (1986, 1998,
2000) envolve três espectros: a multirreferencilidade de compreensão, no domínio
da aproximação clínica, a partir do que se desenvolvem as demais, a saber: multirre-
ferencialidade interpretativa, exercida igualmente no interior das perspectivas e prá-
ticas dos (as) atores (atrizes), visando certo tratamento desse material; e a multirre-
ferencialidade explicativa ou de explicitação, mais pluri ou interdisciplinar e orientada
para a produção do saber, desenvolvida mediante a heterogeneidade das multirrefe-
rencialidades compreensivas e interpretativas de uma parte, ligadas à escuta, e à
multirreferencialidade explicativa, organizada com base em referenciais, irredutíveis
uns aos outros, contudo articulados a fim oferecer uma leitura plural, sob diferentes
ângulos, e em função de sistemas de referência distintos.
Para início de conversa, Macedo (2015) nos convida a compreender o signifi-
cado da palavra compreensão, que vem do latim praetenere, “nesse sentido, com-
preender é apreender em conjunto, é (re)criar relações, englobar, integrar, unir;
combinar; conjugar; (re)criar entendimentos e, com isso, qualificar a atitude atentiva
e de discernimento do que nos rodeia e de nós mesmos, para aprender o que entre-
laça elementos (MACEDO, 2015, p. 92).
Algumas pessoas, ao se referirem à Educação de Jovens e Adultos, costu-
mam afirmar que “a EJA é problemática”. Considero uma simplificação tal afirmação;
88

prefiro ponderar que atuar na EJA é um campo complexo. Nesse sentido, parto da
concepção de complexidade assumida por Morin (1982, p. 221), segundo o qual,

a complexidade é uma noção cuja primeira definição não pode deixar de ser
negativa: a complexidade é aquilo que não é simples. O objeto simples é o
[...] que pode ser concebido como uma unidade elementar indecomponível. A
noção simples é a que permite conceber este objeto de forma clara e distinta,
como uma entidade isolável do seu ambiente. [...] A causalidade simples é a
que pode isolar a causa e o efeito e prever o efeito da causa segundo um es-
trito determinismo. O simples exclui o complicado, o incerto, o ambíguo, o
contraditório. Os fenômenos simples correspondem a uma teoria simples. To-
davia, pode-se aplicar a teoria simples a fenômenos complicados, ambíguos,
incertos. Faz-se então simplificação. O problema da complexidade é o que é
levantado por fenômenos não redutíveis aos esquemas simples do observa-
dor. É certo, pois, supor que a complexidade se manifestará primeiro, para
este observador, sob forma de obscuridade, de incerteza, de ambiguidade e
até de paradoxo ou de contradição.

É interessante atentar que ao mesmo tempo que Morin afirma que a comple-
xidade é a negação da simplicidade, afirma que ela também não se reduz à compli-
cação. Para Morin (2011, p. 69),

não se pode compreender nenhuma realidade de modo unidimensional. A


consciência da multidimensionalidade nos conduz à ideia de que toda visão
unidimensional, toda visão especializada, parcelada, é pobre. É preciso que
ela seja ligada a outras dimensões; daí a crença de que se pode identificar
a complexidade com a completude.

Esse mesmo autor afirma ainda que “[...] estamos condenados ao pensamen-
to incerto, a um pensamento trespassado de furos, a um pensamento que não tem
nenhum fundamento absoluto de certeza.” (MORIN, 2011, p. 69).
Nas palavras de Macedo (2015, p. 91),

O encontro com os saberes da experiência se realiza quando acolhemos a


experiência compreensivamente. Só acolhendo compreensivamente a expe-
riência acessamos os saberes da experiência e realizamos (objetivamos)
nossa experiência compreensiva, aí está a objetivação pretendida por uma
pesquisa da/com a experiência, prática que a etnopesquisa se esmera em
realizar como um processo de objetivação de sua caminhada heurística.

Partindo de uma linha de investigação inspirada na etnografia, adotada nesse


projeto de pesquisa, compreende-se a análise do corpus de conhecimentos (MA-
CEDO, 2010, p. 136) produzido durante todo o processo de investigação como um
movimento constante do início ao fim, que se densifica, formando um conjunto de
conhecimentos.
89

Para Macedo (2012, p. 92), “[...] o saber criado emerge de uma recontextuali-
zação, de um entre-nós, de um entre-dois, da intercrítica compósita, híbrida, constru-
ída pelo etnopesquisador, fazendo esforços para evitar conclusões integrativas e
assimilacionistas.” Acreditamos, a partir dessa perspectiva formativa da pesquisa,
que o (a) ator (atriz) social não é anulado (a) pelo (a) pesquisador (a), mas é produ-
zido nesse encontro, diálogos compreensivos que potencializam tanto o (a) partici-
pante da pesquisa quanto o (a) pesquisador (a).
Creio que analisar a complexidade do campo da EJA requer uma leitura do
fenômeno a partir de diferentes perspectivas, a partir da compreensão de diferentes
sistemas de referência. Inspirada nessa perspectiva, intento nesse capítulo compre-
ender os relatos do campo a partir de uma postura de reflexividade, requerido pelo
objeto de estudo, a partir de vários referenciais. Assim, a escuta aos (às) estudantes
da Educação de jovens e Adultos de duas escolas públicas estaduais se constituí-
ram em momentos importantes da pesquisa, bem como a escuta dos (as) profissio-
nais dessas escolas, através dos diálogos formativos.
90

5 ANÁLISE DOS CONHECIMENTOS PRODUZIDOS NO CAMPO

Início essa sessão com o registro que fiz em uma aula do Prof. Roberto Ma-
cedo (2015), no componente curricular Métodos e Técnicas da Pesquisa, do Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação. Ao iniciar a aula sobre interpretação dos
conhecimentos produzidos no campo de pesquisa, o referido professor citou o poe-
ma de Eduardo Galeano (2002, p. 12), para realçar a relevância da nossa percepção
com “os achados da pesquisa”:

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadlof, levou-o para que des-
cobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das
dunas altas, esperando.

Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois


de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a
imensidão do mar, e tanto fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.

E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:

- Me ajuda a olhar!

Ao término da reconto do texto de Galeano, estava justamente sentindo-me


na condição do menino, tremendo diante da quantidade de conhecimentos produzi-
dos no campo que requeria de mim um olhar atento, cuidadoso e rigoroso. Assim,
inicio o relato do meu processo de análise dos conhecimentos produzidos pedindo
licença aos (às) colaboradores (as) dessa pesquisa para explicitar o nosso diálogo
tecido no campo de investigação, bem como aos demais (as) autores (as) que me
ajudaram a olhar com olhos mais atentos o que os (as) atores (atrizes) sociais dessa
pesquisa nos disseram. Precisamos deixá-los falar!
Macedo (2006, p. 135), considera que “[...] a prática da etnopesquisa crítica
nos mostra que, na realidade, a interpretação se dá em todo o processo de pesqui-
sa.” Essa percepção eu tive ao longo da investigação, pois, após as idas ao campo,
buscava interpretar os conhecimentos produzidos, realizando registros no meu diário
de campo. Macedo (2006) destaca que o movimento de análise dos conhecimentos
intensifica as interpretações, nos conduzindo às considerações sempre em aberto
dos conhecimentos produzidos no campo, cuja análises serão sempre transitórias.
O referido autor (2006), salienta que uma das primeiras tarefas da análise dos
conhecimentos produzidos no campo é o exame atento e extremamente detalhado
deles, realizado também a partir das questões da pesquisa, para identificar em que
91

medida os conhecimentos produzidos podem responder aos questionamentos previ-


amente feitos no projeto de investigação.
Após três anos de imersão no campo durante meu doutoramento, percebi que
havia conhecimentos suficientes para sofrerem interpretação, o que me possibilitou
sua análise. No entanto, devo confessar que, mesmo me considerando satisfeita
quanto aos conhecimentos produzidos no campo de investigação, em alguns mo-
mentos me senti “tentada” a retornar ao campo para capturar aquela “azeitona” da
empada. O fato é que precisamos ter a percepção do momento de saída do campo,
para, no distanciamento necessário, continuar o processo de interpretação dos co-
nhecimentos nele produzidos.
No processo de análise dos conhecimentos produzidos foi feita inicialmente a
transcrição das entrevistas e das falas nos diálogos formativos. Essa etapa foi muito
interessante, pois, à medida que retomei as falas dos (as) atores (atrizes) sociais
colaboradores (as) da pesquisa, fui recompondo em minha mente o cenário, os ros-
tos dos (as) atores (atrizes) sociais, bem como sua expressão facial no período da
pesquisa, fato que contribuiu positivamente para a compreensão dos relatos.
A partir desse momento, realizei a releitura minuciosa das transcrições e
construí uma tabela em que especifiquei em colunas as perguntas que nortearam as
entrevistas e diálogos formativos; em uma outra coluna, incluí as respostas dos (as)
colaboradores (as) da pesquisa, onde fui destacando as palavras ou expressões que
se repetiam, para a partir daí construir as categorias de análise. A essa forma pecu-
liar de realizar a análise dos conhecimentos produzidos no campo de investigação,
Macedo (2006) denomina redução: “Aqui se determina e se seleciona as partes da
descrição que são consideradas ‘essenciais’, e aquelas que, no momento, são avali-
adas como não-significativas [...]” (MACEDO, 2006, p. 137). A partir desse momento,
as expressões que surgiram no processo foram se transformando em “síntese das
unidades significativas” (MACEDO, 2006).
Em seguida, realizei o que Martins (1992 apud MACEDO, 2006) denomina de
unidades dos significados, que, no início do processo de análise dos conhecimentos
produzidos, devem ser tomadas tal qual os (as) colaboradores (as) da pesquisa ex-
pressam. Em seguida, essas expressões foram transformadas em “síntese das uni-
dades significativas” (MACEDO, 2006), que provém dos conhecimentos produzidos
dos (as) atores (atrizes) sociais colaboradores (as) da investigação. Nesse momento
da análise dos conhecimentos produzidos no campo de investigação, pudemos re-
92

correr à pluralidade, detalhamento e contextualização desses conhecimentos para


consubstanciá-los durante essa etapa de análise.
O momento seguinte, que considerei mais complexo e denso, se constituiu na
interpretação dos conhecimentos, pois exigiu uma leitura refinada dos relatos, bem
como minuciosa análise das falas dos (as) colaboradores (as) dessa pesquisa. De
acordo com Macedo (2006, p. 138), nessa etapa

[...] aparecem os significados e acontecimentos, recorrências, índices repre-


sentativos de fatos observados, contradições profundas, relações estrutura-
das, ambiguidades marcantes; emerge aos poucos o momento de reagrupar
as informações em noções sunsoras – as denominadas categorias analíti-
cas –, que irão abrigar analítica e sistematicamente os subconjuntos das in-
formações, dando-lhes feição mais organizada em termos de corpus analíti-
co escrito de forma clara e que se movimenta para a construção de um pat-
tern compreensível e heuristicamente rico.

Macedo (2006, p. 139) destaca algumas operações cognitivas que são ne-
cessárias para a análise e interpretação dos conhecimentos:

distinção do fenômeno em elementos significativos, exame minucioso des-


ses elementos; codificação dos elementos examinados; reagrupamentos
dos elementos por noções subsunsoras; sistematização textual do conjunto;
produção de uma metanálise ou uma nova interpretação do fenômeno estu-
dado.

5.1 Contrastando as políticas de permanência de jovens e adultos na Educação


Básica

5.1.1 Caso 1: o Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica

A receptividade construída durante a pesquisa de doutorado no Centro Notur-


no de Educação da Bahia (Ceneb) Joana Angélica foi tecida desde a implantação do
colégio na rede estadual, pois, à época, encontrava-me à frente da coordenação da
Educação de Jovens e Adultos nesta rede, o que me permitiu participar das discus-
sões coletivas, com os membros da comunidade escolar, sobre questões curricula-
res, bem como compreender os dilemas de implantação de uma nova unidade esco-
lar, desprovida dos recursos financeiros necessários para o andamento da referida
proposta curricular. Houve uma acolhida solidária e respeitosa por parte dos atores
sociais, tendo se estreitado o nosso relacionamento pela convivência durante o perí-
93

odo de inserção no campo, no qual realizei entrevistas com o gestor e a coordena-


dora pedagógica, bem como diálogos formativos com estudantes e professoras da
Educação de Jovens e Adultos vinculados (as) ao curso Tempo Formativo. A partir
dos dispositivos de produção de informações, e de sua posterior análise, apresento,
a seguir, algumas compreensões, com base nas categorias de análise que foram
delineadas a partir das narrativas dos atores sociais e também nos objetivos da pes-
quisa.

Micropolíticas de permanência produzidas pelos estudantes

É importante destacar que os (as) estudantes que se constituíram como cola-


boradores (as) dessa pesquisa no Ceneb eram estudantes-trabalhadores (as), em
sua grande maioria do mercado informal, o que significa dizer que não possuem car-
teira assinada e, portanto, não têm todos os seus direitos trabalhistas garantidos.
Outra marca importante a ser destacada é que muitos desses (as) jovens e adultos
(as) experimentaram sucessivas histórias de fracasso ou abandono escolar, o que
faz dessa escola um espaço privilegiado para se pensar sobre esses processos,
bem como para compreender os etnométodos envolvidos nesse retorno à escola e
ao processo de escolarização por meio da EJA, como alternativa à continuidade dos
estudos. Uma outra marca desse grupo de estudantes que participou da pesquisa é
que ele é composto em sua maioria por mulheres negras de camadas populares,
com idade entre 23 e 42 anos.
As subcategorias a seguir foram produzidas a partir das compreensões que
fui tecendo durante as análises das informações, considerando que as micropolíticas
de permanência produzidas pelos (as) estudantes foram se configurando a partir dos
desafios que estes enfrentavam no período em que a pesquisa foi se constituindo.

a. “Cabo de guerra”: Quando a sobrevivência mede forças com o estudo

Um sorriso negro, um abraço negro


Traz felicidade
Negro sem emprego fica sem sossego
Negro é a raiz da liberdade. (SORRISO..., [19--]).
94

Difícil não iniciar essa análise reafirmando que nossos (as) colaboradores (as)
eram, em sua grande maioria, mulheres e homens negros (as), oriundos(as) das
camadas populares, cujas trajetórias de vida são marcadas pela luta pela sobrevi-
vência e, como a composição de Dona Yvonne Lara expressa, “negro sem emprego,
fica sem sossego”. E é na falta dessa paz – quando as necessidades diárias “batem
à sua porta” – que muitas mulheres e homens jovens e adultos (as) criam alternati-
vas informais para sobreviver, tendo que optar pelo trabalho (que para a grande
maioria exige esforço físico diário), em detrimento dos estudos. Aqueles (as) que
conseguem conciliar trabalho e estudo para concluir a Educação Básica trazem con-
sigo marcas de superação ao longo de sua trajetória escolar.
Lembro-me de uma amiga que conheci na época em que trabalhei na SEC,
que dizia que “[...] toda vez que a escola tenta medir forças com o trabalho, ela per-
de.” (CASTRO, 2013). Isso nos faz compreender, de alguma forma, as sucessivas
tentativas malsucedidas de continuidade dos estudos que jovens e adultos (as) tive-
ram ao longo de suas vidas, nas quais a escola talvez tenha tentado medir forças
com o trabalho, sem êxito do ponto de vista da continuidade da vida escolar. Para os
jovens e adultos (as) das camadas populares, as demandas externas à escola –
que, nesse caso, podemos dizer que é o correspondem ao trabalho – competem for-
temente com a escolarização, exercendo sobre este ambiente uma força muitas ve-
zes descomunal, capaz, não raro, de retirar estes atores sociais do fluxo contínuo da
vida estudantil. Sobre a questão de sobrevivência da produção da vida material,
condição sine qua non da existência humana, Marx e Engels (2007, p. 53) diziam:

[...] somos obrigados a lembrar que o primeiro pressuposto de toda a exis-


tência humana e, portanto, de toda a história é que todos os homens devem
estar em condições de viver para fazer história. Mas para viver, é preciso
antes de tudo comer, beber, ter moradia, vestir-se e algumas coisas mais.

E são essas condições de viver a que Marx e Engels (2007) se referem que
funcionam como marcas identitárias dos sujeitos da EJA. Não considerá-las em seu
processo formativo é negar a sua existencialidade, sua condição de estudante-
trabalhador.
É importante salientar que, no caso dos estudantes da EJA, a entrada no
mundo do trabalho tem sido antecipada em virtude das necessidades de sobrevi-
vência. Felícia Madeira (2006), em artigo intitulado Educação e desigualdade no
95

tempo de juventude, alerta para o fato de que, além de ser uma marca da transição
para a vida adulta, a antecipação da entrada do jovem no mundo do trabalho rever-
bera em outras questões:

Do ponto de vista das pessoas, a antecipação da entrada na vida adulta


significa a eliminação de um importante momento de exploração e experi-
mentação, tanto no campo da afetividade como na preparação e qualifica-
ção para tarefas mais produtivas e mais bem remuneradas. Do ponto de vis-
ta da sociedade, acarreta menos desenvolvimento, manutenção das desi-
gualdades sociais e persistência da pobreza. Tem-se, aqui, mais um dos di-
ferentes efeitos indiretos e perversos do déficit educacional. (MADEIRA,
2006, p. 140).

Esse déficit educacional a que se refere Madeira (2006) foi observado nas
histórias de vida dos estudantes colaboradores desta pesquisa. Na fala de Custódia
Machado, compreendemos o quanto conciliar trabalho e estudo vem se constituindo
um grande desafio, na medida em que a permanência na escola requer esforço de
driblar o cansaço e continuar sua jornada no noturno:

É um pouco complicado, porque assim, pra você manter o trabalho e a es-


cola a sua mente fica cheia. Eu mesma não tenho uma casa fixa, eu moro
com um casal de idosos. Aí de manhã eu acordo cedo, acordo 5 horas da
manhã pra vender lanche na Baixa do Bomfim. Aí eu só chego em casa só
pra tomar banho e sair pra escola. [sic] (EC Custódia Machado).

Custódia Machado é uma das estudantes colaboradoras que em seu relato


explicitam a tensão diária do “cabo de guerra”, na medida em que está envolvida se
vê enredada a fatores externos que “a puxam para fora da escola” e a fatores inter-
nos à escola que a fazem permanecer nos estudos. Sendo uma estudante que fre-
quenta a escola no turno noturno, recolhe-se tarde, sendo um grande esforço acor-
dar às cinco horas da manhã para preparar os alimentos que comercializa durante
todo o dia, e, após o trabalho físico exaustivo, retornar para casa, “só para tomar um
banho e sair logo”. Esses são etnométodos produzidos por Custódia para assegurar
sua permanência na escola: chegar em casa e sair logo. Acreditamos tratar-se de
uma maneira que Custódia encontrou para resolver seu problema de passar em ca-
sa, pois se ficar um pouco mais e comer talvez algo, o cansaço tomará conta do seu
corpo, agravando o “cabo de guerra” diário entre o cansaço de um dia de trabalho e
a continuidade dos estudos no noturno.
96

Na sequência do seu relato, Custódia Machado ainda declara que, ainda que
com o cansaço inerente ao trabalho realizado, tem consciência da necessidade de
dar continuidade aos estudos, o que a faz buscar forças para ir à escola, pois, como
diz, “se eu não for para escola, quem vai se prejudicar sou eu”. Sobre a questão do
prejuízo de jovens que abandonam os estudos e sua relação com a pobreza, Madei-
ra (2006, p. 147) observa que,

[...] independentemente dos seus efeitos econômicos mais diretos, a educa-


ção traz diversas outras implicações relevantes que atuam de forma indireta
e colaboram para a compreensão dos mecanismos que entravam o desen-
volvimento e atuam na persistência da pobreza e da desigualdade.

Vários (as) jovens e adultos (as) vivenciaram períodos longos sem estudo,
muitas vezes por motivos que não foram produzidos por eles (as), mas pelas condi-
ções familiares, sociais e de gênero, o que os (as) faz estacionar em condições de
vida subumanas.
Constatamos isso no relato da história de vida de Custódia, quando afirma:
“Eu fiquei 8 anos sem estudar, mas não porque eu não queria, e sim porque eu fui
obrigada a parar de estudar”. Ela relata que não tinha um bom relacionamento com
a tia, o que a fez sair de casa e morar em um abrigo, passando por situações cons-
trangedoras na luta pela sobrevivência, fato esse que a distanciou ainda mais da
escola.
Conciliar trabalho e estudo para Custódia Machado tem sido tarefa deveras
complicada; nas palavras da própria colaboradora, “a mente fica cheia” – cheia de
preocupações e de conteúdos a serem estudados. É importante salientar que, para
muitos (as) jovens e adultos (as) que resolvem retornar à escola, a visão que possu-
em desse espaço educacional ainda é a mesma de anos atrás. Isso nos ajuda a
compreender a “mente cheia” a que Custódia se refere. Paivandi (2012) considera
que, na Educação Básica, os (as) estudantes muitas vezes são submetidos a uma
lógica de acumulação de conhecimentos e ausência de diálogo entre os componen-
tes curriculares, sendo que “[...] os alunos têm, frequentemente, a tendência de ado-
tar uma abordagem passiva em relação à aprendizagem, fundada na memorização
ou acumulação de conhecimentos destinados a fazer com que obtenham sucesso
nos exames [...]” (PAIVANDI, 2012, p. 32).
Para alguns (as) jovens e adultos (as), apesar dos esforços empreendidos pe-
lo coletivo de profissionais que atuam na instituição escolar no intuito de desenvolver
97

práticas pedagógicas que se aproximem da sua realidade, a sensação que muitos


(as) vivenciam é de que nada aprenderam se não tiverem o caderno cheio de apon-
tamentos reproduzidos a partir dos registros elaborados pelo (a) professor (a). Sobre
essa questão, Freire (1968), na obra Educação como prática de liberdade, já reali-
zava crítica à educação bancária, que apresenta uma lógica de educação para acú-
mulo de conteúdos e ausência de reflexão dos (as) estudantes.
José Machado Pais (2005), em sua obra Ganchos, tachos e biscates: jovens,
trabalho e futuro, apresenta o conceito de pontos de inflexão, que, para o referido
autor, são acontecimentos que ocorrem que “dão novos rumos à vida”. (PAIS, 2005,
p. 86). No caso de Custódia Machado, a situação incômoda de morar em uma casa
“de favor” e submeter-se às condições que lhe são dadas, inclusive de ficar sem es-
tudar para fazer companhia ao casal de idosos que lhe cederam a casa para mora-
dia, a fez ter força para ir à escola em busca de dias melhores, dando novo ruma à
sua vida. Mas é importante destacar que, no caso de Custódia, sua vida foi marcada
por novos “pontos de inflexão”, desde a saída da casa de sua tia, passando pela mo-
radia no abrigo, até a experiência atual de morar na casa de um casal de idosos,
que solicitam constantemente sua permanência, em detrimento de sua assiduidade
no ambiente escolar.
A colaboradora Zilda Arns também enfatiza em seu relato a dificuldade de
conciliar trabalho e estudo: “E conciliar o trabalho não é fácil [...]” Zilda, ao expressar
a dificuldade que enfrenta em conciliar trabalho e estudo, faz uma pausa em sua
fala, como se estivesse refletindo o que vivenciou naquele dia para estar na escola,
e continua: “[...] eu mesma, hoje, cheguei já no 2º horário [...]” (risos). O riso esboça-
do por Zilda traduz a quase impossibilidade de conciliar o horário de término do ex-
pediente de trabalho e o horário de início das aulas. Essa incompatibilidade de horá-
rios tem dificultado a permanência dos (as) estudantes nessa modalidade de educa-
ção, em especial os que frequentam a EJA no turno noturno. É importante destacar
que a grande maioria dos (as) estudantes dessa modalidade de educação, que
apresenta frequência descontinuada, tende a abandonar os estudos, principalmente
pela sobrecarga de trabalho, pela dificuldade de conciliar horário de estudo e de jor-
nada profissional, bem como pela dificuldade em compreender os conteúdos traba-
lhados em sala de aula. No caso de Zilda, podemos afirmar que se constitui um et-
nométodo produzido por ela chegar à sala de aula mesmo no segundo horário, já
98

que, conclui, chegar atrasada e perder parte da aula é melhor do que deixar de
comparecer e acabar por abandonar a escola.
Apesar de a escola investigada constituir uma instituição criada para ofertar
cursos de Educação Básica para estudantes trabalhadores que estudam no turno
noturno, a proposta curricular não logrou contemplar a mudança de horário de início
das aulas para o Ensino Médio Noturno, permanecendo um horário que, na prática,
não atende às necessidades dos (as) estudantes que estudam nesse turno, ficando
sob a responsabilidade tanto destes quanto do(a) docente criar acordos tácitos que
contribuam para a permanência dos (as) estudantes-trabalhadores (as) na escola.
Na tentativa de conciliar o trabalho com os estudos, alguns (as) estudantes
produzem outros etnométodos, tal como Maria da Penha, que consegue distanciar-
se mentalmente dos afazeres domésticos por fazer e concentrar-se nas tarefas es-
colares demandadas pelos (as) professores (as); com isso, garante sua aprovação e
evita a própria evasão:

Eu mesma, eu sou dona de casa, eu não ligo pra nada. Quando o professor
passa trabalho mesmo, foi ontem, passou trabalho de História. Eu acordei
cedo, eu não fiz nada em casa, só fiz malmente almoçar, peguei e descan-
sei um pouquinho e fiz o trabalho. Fiz 10 ou foi 12 pesquisas, tudo em um
dia só. Enfim, peguei e entreguei pra ele me dar nota, odeio tomar zero! [sic]
(risos gerais) (EC Maria da Penha).

Para Maria da Penha, dedicar um dia “integralmente” aos trabalhos escolares


e se “desligar” das tarefas domésticas constituem um etnométodo produzido para
evitar o “zero”, o que pode significar, para ela, evasão da escola.
É interessante destacar o quanto as mulheres são sobrecarregadas pelas ta-
refas domésticas, o que muitas vezes as distancia de ações que desejam empreen-
der, mas que, devido à sobrecarga das ações domésticas, são relegadas a segundo
plano. De acordo com dados do IBGE (2014), o tempo que os homens dedicam aos
afazeres domésticos é muito inferior ao tempo que as mulheres investem nas tarefas
do cotidiano.
Lélia Gonzalez é uma estudante colaboradora que chegou um pouco após o
início desse diálogo formativo; sentou-se na roda e, após ouvir o relato de algumas
colegas, falou o quanto para ela também se constitui um desafio conciliar trabalho e
estudo:
99

Eu mesma cheguei atrasada, tentando fazer tudo rápido em casa, porque


se você não vier para o colégio e ficar em casa, realmente a gente perde
muitas coisas. Eu tranquei no 2º ano, eu tranquei o colégio, e eu já perdi vá-
rias oportunidades de emprego porque não tenho Ensino Médio. E hoje eu
me arrependo de ter largado, mas quando eu comecei agora, eu pensei:
‘poxa, quanto tempo eu perdi!’ Porque a gente abre a mente, né? Tem tan-
tas coisas que a gente vê, o povo pode enrolar a gente e se a gente não ti-
ver uma mente aberta... e o colégio abre a mente da gente! [sic] (EC Lélia
Gonzalez).

Em seu relato, Lélia afirma que parou de estudar no 2º ano do Ensino Médio,
o que a impediu de estar trabalhando na área em que gostaria de atuar. Ao mesmo
tempo, relata que, em retornando aos estudos, percebeu o tempo que havia perdido
desde que os interrompeu. Na sua história de vida, Lélia relata que o marido tem
sido um apoiador para que conclua a Educação Básica, haja vista que ele também
não pôde concluir os estudos, mas considera que ela precisa dar-lhes continuidade.
Em sua fala, Lélia destaca o quanto o estudo “abre a mente” das pessoas e ninguém
“enrola a gente”, o que nos leva a crer que considera importante ampliar sua com-
preensão da vida, para que possa ter condições de definir o próprio destino. Lélia
nos fala sobre ampliação de conhecimentos, de liberdade de escolha, de tomada de
decisões, formação cidadã, enfim, questões fundantes para a educação emancipató-
ria, conforme preconizava Freire (1997).
O relato do único representante masculino presente ao diálogo formativo per-
tence a Mestre Moa, estudante que veio de outra experiência escolar recente 17 e
desenvolve atividades profissionais como garçom. Moa confessa que não pretende
interromper os estudos e afirma que, apesar das dificuldades de conciliar trabalho e
estudo, o que acarreta muito cansaço físico, deseja seguir lutando, ou melhor, no
“cabo de guerra”. Desse modo, podemos considerar que “seguir lutando” é um et-
nométodo adotado por dele, na medida em que não desiste das adversidades, que,
nesse caso, se corporificam no cansaço físico do labor e na indisposição mental pa-
ra estudar.

Eu sigo pelo mesmo caminho dela, não pretendo parar. As dificuldades que
eu tenho no trabalho são muitas, chego cansado [...] Mas não vou parar, eu
vou seguir porque eu quero crescer mais um pouquinho, não quero ficar
como eu tô não, quero ser maior. Aí eu tô igual a ela, lutando. [sic] (EC,
Mestre Moa)

17Mestre Moa estudava em uma escola que ofertava exclusivamente cursos e exames da EJA, mas
em 2015, frente à política de reordenamento da rede estadual, essa escola foi fechada e os
estudantes transferidos para o Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica.
100

É recorrente, na narrativa de Moa, que ele não vai parar de estudar, o que
pode ser compreensível, já que encetou inúmeras tentativas de dar continuidade,
sem êxito, aos estudos. É interessante destacar o esforço que ele faz para se con-
vencer de que, apesar das dificuldades, prosseguirá em seus estudos.
Em sua grande maioria, os (as) estudantes jovens e adultos (as) envolvidos
(as) em atividades profissionais que lhe consomem grande parte do tempo e cujos
conhecimentos escolares não mantêm relação com a área profissional, enfrentam
grande dificuldade em conciliar os estudos com o trabalho, haja vista que o tempo
para se dedicarem à leitura de textos e realização dos trabalhos escolares é exíguo,
o que contribui para sua infrequência ou mesmo o abandono da escola.
Retomando a questão da migração de escola, experiência vivenciada por
Mestre Moa, importa lembrar que torna-se em alguns casos prejudicial para muitos
(as) jovens e adultos (as), pois vários fatores – dentre os quais mudança de endere-
ço da escola, ruptura de laços afetivos e troca de professores (as) – podem produzir
outra interrupção nos estudos. Por sua vez, o Ceneb Joana Angélica, escola que
recebeu esses estudantes no momento da extinção do turno noturno de várias esco-
las do entorno, necessitou produzir etnométodos que favorecessem a permanência
deles, por meio de práticas de acolhimento e encantamento.
É importante salientar que esse fato fez do Ceneb Joana Angélica uma escola
que, ao longo dos anos, não enfrentou tantos problemas relativos a baixa matrícula;
pelo contrário, foi consolidando marcas de êxito no acolhimento dispensado aos (as)
estudantes e no trabalho pedagógico desenvolvido. Esses resultados positivos acar-
retaram, em vários momentos de sua existência, a criação de lista de espera de jo-
vens e adultos (as) que pretendiam estudar na referida instituição.
Outro aspecto realçado no relato de Mestre Moa é a questão de que ele tem
uma meta que o mantém firme na escola: ele quer “ser maior”; para isso, sabe que
precisa da escola, local que, pelo que podemos subentender, lhe permite esse cres-
cimento. Crescimento aqui parece rimar com conhecimento: ele quer crescer, ser
maior, mas, para tanto, precisa do saber escolar. Percebemos então que Mestre
Moa formou para si mesmo um projeto de vida atrelado à continuidade dos estudos,
o que o tem levado a continuar lutando em prol da sua permanência na escola.
Para muitos (as) estudantes jovens e adultos (as), a permanência na escola
não é somente um meio de concretização do sonho inacabado, é também uma es-
101

tratégia de crescimento profissional, que lhes permitirá melhores condições de vida


para si e para seus familiares.
Vemos nos relatos dos (as) colaboradores (as) a imensa quantidade de ener-
gia pessoal e social envolvida para conciliarem estudo e trabalho, um “cabo de guer-
ra” que historicamente tem sido vencido pelas forças externas à escola, mas muitos
(as) deles (as), nesse momento de suas vidas, querem “virar esse jogo”. O fato de
que alguns (as) desses (as) estudantes não puderam contar em algum momento da
vida estudantil com o apoio familiar parece ter produzido essa condição de estudan-
te-trabalhador (a) à custa de muito esforço pessoal e de apoio de outras pessoas
mais próximas, que aqui denomino de rede de sociabilidade, tema que abordarei
mais adiante.

b. Ser mãe e ser estudante... isso e aquilo!

Outro conteúdo que emergiu na investigação sobre os etnométodos produzi-


dos pelos (as) estudantes para permanecerem na escola foi o esforço de conciliar a
função de ser mãe com o desejo de continuar os estudos.
Marielle Franco é uma estudante de 28 anos de idade bastante comunicativa
que exerce informalmente, entre o grupo de colegas da turma, a função de líder. É
dona de uma boa oratória e veio de experiências escolares anteriores, inclusive de
escolas particulares, devido à condição financeira de que a família desfrutava à épo-
ca. Após a morte de sua mãe, ainda adolescente, parou de estudar e somente qua-
se dez anos depois retornou à escola. Na sua fala, verbaliza o respeito que cultiva
pela escola à qual está vinculada como estudante, pois considera que aquela insti-
tuição desenvolve um bom trabalho na área de educação; reporta-se também de
forma muito carinhosa ao ensino ministrado pelos (as) professores (as) e à atenção
que a equipe técnica-pedagógica e docente dispensa aos (às) estudantes.
Quando a estudante colaboradora resolveu, segundo ela, “tirar o diploma”,
decidiu submeter-se ao exame de certificação na Comissão Permanente de Avalia-
ção (CPA). Não logrando êxito, sentiu a necessidade de se matricular no curso de
EJA e retornar aos estudos. Quando perguntei-lhe como consegue conciliar a vida
de mãe e estudante, ela confessou o quanto é difícil, principalmente quando não tem
quem cuide do filho:
102

Tipo, ‘hoje eu não vou olhar seu filho’, vai ficar em casa? Não vai, é isso. Aí
no início do ano aqui eu fiquei chateada. Fui pra casa chorando, porque
aconteceu uma coisa comigo aqui [...] eu trouxe meu filho no primeiro dia de
aula [...]. Eu me sentei com meu filho e falei: ‘eu não quero depender de
ninguém, eu vou arrastar meu filho pro colégio comigo’ Levei o celular, car-
reguei o celular todo e deixei o celular com ele jogando, ‘vai ficar aqui comi-
go’. Só que me barraram logo no primeiro dia, falei: ‘Meu Deus do céu, vou
desistir!’. Eu fui acabada pra casa, porque eu vim toda empolgada pra esse
colégio, dizendo a mim mesma: ‘agora vai!’ [sic] (EC Marielle Franco)

Marielle explicita em seu relato uma crença: “não depender de ninguém”. A si-
tuação a fez reconsiderar sua crença, a fim de não interromper novamente os estu-
dos. Um aprendizado importante, na medida em que não há como viver sem depen-
der de ninguém em algum momento da vida. Com base no apoio de sua rede de so-
ciabilidade18, ela também constrói um etnométodo: conversar/negociar com os (as)
professores (as), deixando-os cientes de sua situação e de seus impedimentos.
Aqui, novamente, a questão de gênero também reaparece em relação aos
cuidados com os (as) filhos (as). Percebemos no relato que Marielle fala da sua an-
gústia em ter que conseguir alguém para cuidar de seu filho, sem citar em nenhum
momento o pai da criança para ajudar nessa tarefa, o que nos leva a crer que mais
uma vez a tarefa do cuidado das crianças termina sendo exclusivamente da mulher.
A fala de Marielle remete-nos à discussão sobre a impossibilidade de um
apoio via creches e educação infantil durante o turno noturno, mas, ao mesmo tem-
po, convoca-nos a pensar que outras alternativas podem ser pensadas para acolher
os (as) filhos (as) dos (as) estudantes da EJA enquanto seus pais retomam a desafi-
adora tarefa de retornar aos estudos.
Sobre essa questão, ficamos a questionar: como o Estado poderia apoiar
nesses casos em que a necessidade de estudo da mãe ou do pai se choca com a
necessidade de cuidado dos (as) filhos (as)? Quais políticas seriam possíveis? Co-
mo os sistemas de ensino poderiam viabilizar a continuidade dos estudos dos pais
sem descuidar da criança que deles depende?
Sobre essa questão, destaco que, durante o Seminário Internacional sobre
Educação ao Longo da vida – Conferência Internacional de Educação de Adultos
(CONFITEA) BRASIL+6, realizado em 2016, na cidade de Brasília/DF, foi publicado
o caderno intitulado Coletânea de Textos CONFITEA BRASIL +6, um conjunto de

18 Conforme dito anteriormente, adoto o termo rede de sociabilidade ao me referir ao sistema


recíproco de relações estabelecido entre pessoas para se apoiarem mutuamente, tanto em termos
materiais quanto emocionalmente, no intuito de colaborarem para o desenvolvimento da autonomia
e crescimento pessoal.
103

artigos sobre o tema central e oficinas temáticas do evento, organizado pela Secre-
taria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), por
intermédio da Diretoria de Políticas de Educação de Jovens e Adultos (DPAEJA).
Dentre os diversos textos da coletânea, o artigo Educação de Jovens e Adultos na
perspectiva do Direito à Educação ao Longo da Vida: caminhos possíveis (NACIF;
CAMARGO; SILVA; ANTUNES; QUEIROZ; 2016) aponta alguns caminhos interes-
santes para fortalecermos esse campo de educação, que para os referidos autores
poderia acontecer a partir da implantação da Política Nacional de Educação de Jo-
vens e Adultos, cujo objetivo era promover a elevação da oferta de oportunidades
educacionais para jovens, adultos e idosos por meio de um sistema brasileiro de
educação ao longo da vida. Assim, versa a proposta:

[...] instalar, de maneira gradual, Centros de Educação ao Longo da Vida


em municípios de acordo com critérios a serem especificados. Esses cen-
tros atuarão como espaços de referência da EJA na região territorial de in-
fluência do município, realizarão atividades de formação, pesquisa, produ-
ção de material didático pedagógico, formação docente continuada, articu-
lação com outros espaços de formação e com diversas políticas públicas
disponíveis para os grupos populacionais. Além de possuírem infraestrutura
de referência para a oferta adequada de cursos nessa modalidade com sa-
las de aula, telecentros, biblioteca e salas de estudo, tem-se em mente que
sejam também espaços com políticas de assistência e atenção à vida dos
estudantes da EJA (salas de acolhimento, salas de recursos para viabilizar
a inclusão de pessoas com deficiência, brinquedotecas etc.) e que possibili-
tem a articulação com sindicatos patronais e de trabalhadores, Pontos de
Cultura, CRAS, Universidades, Institutos Federais, extensão, turmas de EJA
nos bairros, turmas de alfabetização etc. (NACIF; CAMARGO; SILVA; AN-
TUNES; QUEIROZ, 2016, p. 108).

A proposta do Plano Nacional de Educação de Jovens e Adultos nos parece


interessante, ao considerar as demandas apresentadas pelos atores sociais da EJA
ao longo dos anos, sendo elaborada, de acordo com os autores, a partir da escuta
de vários gestores (as) públicos (as), pesquisadores (as) do campo e das experiên-
cias em andamento no Brasil.
Desse modo, para driblar a inexistência de políticas de apoio ao (à) estudante
com filhos (as), Marielle produziu um etnométodo para lidar com essa situação, ten-
tando levar consigo o seu filho para a escola em que ela estuda no noturno (com
todo o aparato tecnológico para concentrá-lo), sem êxito, sendo que essa forma de
resolver a situação apresentada a deixou preocupada com a possibilidade de não
poder estudar de novo: “meu Deus, vou desistir!” O desespero e a frustação de Ma-
rielle traduz a tensão vivida por muitas estudantes da EJA que pensam em retornar
104

aos estudos, mas que precisam pensar também nas articulações que farão para cui-
dar da prole enquanto estudam. Desse modo, para muitos (as) jovens e adultos (as),
principalmente as mulheres, a desistência dos estudos está muito atrelada ao nas-
cimento do (a) filho (a).
Ainda sobre como conciliar a maternidade com os estudos, Mãe Stella de
Oxóssi, uma colaboradora que também é mãe e estudante, fala que quando a filha
adoeceu, mesmo dedicando-se aos cuidados da saúde dela, não faltava às aulas:

Ave Maria! No dia que eu não venho pra escola, eu fico triste, todo dia eu
quero vim pra escola! Minha menina ficou no hospital, ficou dez dias, mas
mesmo assim eu chegava, mesmo a aula já terminada, mas eu vinha, sem-
pre presente aqui. E não gosto de professor nenhum que me dê falta. [sic]
(EC Mãe Stella de Oxóssi).

Assim, a estudante colaboradora Mãe Stella de Oxóssi fala que, mesmo “a


aula já terminada”, sempre esteve presente na escola. Os sentimentos que fazem
parte da luta da permanência de que falava Mestre Moa são também diferenciados
por gênero. Essa luta é exigente, e convoca não só o pensamento, mas também o
sentimento dos atores sociais, como traduz a colaboradora: “No dia que eu não ve-
nho pra escola, eu fico triste”. Estes sentimentos e pensamentos também merecem
atenção da instituição escolar, pois constituem também um fator que pode trabalhar
contra a continuidade dos estudos. A tristeza aqui pode estar apontando para pelo
menos dois fatores: primeiro, um forte desejo de estar na escola e concluir a forma-
ção, perante o qual, em não logrando êxito, (re)aparece com força o sentimento de
“fracasso”; segundo, os desafios vividos na tentativa de dar conta da vida pesso-
al/familiar e da vida escolar.
Outro aspecto destacado na fala de Mãe Stella de Oxóssi foi a informação de
que não gosta de receber falta dos professores, do que podemos inferir que a falta,
nesse caso, pode significar a materialização da sua ausência de “capacidade” de
conciliar vida pessoal/familiar e vida escolar.
Em seguida, apresentaremos as micropolíticas de permanência produzidas
pelo Ceneb Joana Angélica, pois consideramos fundante compreender as maneiras
pelas quais a instituição investigada produz etnométodos para lidar com a questão
da permanência dos (as) estudantes jovens e adultos (as) na escola.
105

Micropolíticas de permanência produzidas pela escola

Considero pertinente iniciar essa sessão descrevendo o contexto no qual a


instituição escolar investigada está inserida. O Ceneb Joana Angélica é uma institui-
ção inaugurada a partir do decreto, na etapa de ampliação dos Centros Noturnos de
Educação da Bahia.
No período de sua inauguração, a instituição funcionava em uma escola pró-
ximo à Igreja do Bonfim, no bairro do Bonfim; no entanto, em virtude da ampliação
do número de estudantes, tornou-se necessário migrar para outra escola estadual,
localizada próximo ao Largo do Papagaio. Assim, a escola mudou-se de prédio após
um ano de funcionamento, o que gerou novas expectativas, negociações de espa-
ços, enfim, tudo o que o processo de mudança acarreta.
É interessante rememorar que a proposta de implantação dos Ceneb envolvia
a concepção de gestão compartilhada do espaço físico, o que constituía um grande
desafio, pois ainda existem compreensões diferenciadas de gestão do bem público,
o que, na prática, pode reverberar sob forma de algumas tensões. O gestor do
Ceneb, por sua vez, havia assumido a gestão da escola no seu segundo ano de im-
plantação, assumindo, com isso, o desafio de transferência do espaço físico da es-
cola, bem como a gestão administrativa e pedagógica da proposta com parcos re-
cursos.

a. A escuta como etnométodo para a permanência

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), esta-


belece, no Art. 37 e no Art. 38, as bases para a educação de jovens e Adultos. O Art.
37 define o contexto e o comprometimento que o poder público deve ter com a EJA:

Art. 37. A Educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não ti-
veram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio
na idade própria.
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e adul-
tos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades
educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus
interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do
trabalhador na escola, mediante cursos e exames.
§ 3º A educação de jovens e adultos deverá articular-se, preferencialmente,
com a educação profissional, na forma do regulamento. (Incluído pela Lei
11.741, de 2008);
106

Art. 38 – Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que


compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosse-
guimento de estudos em caráter regular.
[...] II – no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito
anos (BRASIL, 1996).

Haddad e Di Pierro (2000) apontam que a EJA sempre foi compartilhada no


Brasil por instituições públicas e organizações societárias, que se constituem em
espaços formativos organizados por sindicatos, igrejas e associações de bairros.
Entretanto, foi somente a partir da Constituição Federal de 1988 que se reconheceu
o direito a uma escolarização pública que estivesse atenta às necessidades e expec-
tativas dos jovens e adultos.
Quando pergunto ao gestor do Ceneb Joana Angélica sobre as ações desen-
volvidas pela escola para contribuir com as políticas de permanência dos estudan-
tes, ele afirmou que:

A primeira delas é o acompanhamento desse estudante, a gente se encon-


tra em reuniões semanais que regularmente acontecem, a gente faz o
acompanhamento junto ao professor: ‘olha, os estudantes da turma na qual
você está lecionando estão todos frequentando? Você notou alguma dife-
rença? Notou alguma situação que tá peculiar?’. E aí a gente vai dialogar
com esse estudante. [sic] (GC Ceneb Joana Angélica).

O gestor refere-se a questões fundamentais para a permanência do (a) estu-


dante na EJA: o acompanhamento pedagógico do (a) estudante e a capacidade de
escuta do outro – nesse caso, estamos falando dos (as) professores (as) e dos (as)
estudantes. O acompanhamento do (a) estudante é um processo importante na EJA,
pois colabora para o desenvolvimento do(a) educando(a) durante seu processo for-
mativo, e isso envolve percebê-lo(a) enquanto pessoa humana, com suas possibili-
dades, necessidades e desafios.
O gestor colaborador do Ceneb Joana Angélica também apresenta outro et-
nométodo importante para contribuir para a permanência dos (as) estudantes: as
reuniões com a equipe de professores (as), no intuito de compreender a participação
dos (as) estudantes nas salas de aula, assim como sua frequência à escola. Essas
reuniões se constituem como espaços formativos para os (as) docentes, pois, além
de promover a escuta dos pares, tornam-se fecundos espaços de aprendizagem so-
bre especificidades dos sujeitos da EJA, bem como sobre alternativas para os desa-
fios que se apresentam no seu cotidiano. Para isso, é fundamental, além da escuta,
a capacidade de observação de todos os envolvidos.
107

Esses espaços formativos, frequentados por docentes na instituição, são es-


paços fecundos para discussão sobre “[...] conhecimentos e pedagogias fora da es-
cola, nas lutas sociais, no trabalho, nos movimentos e ações coletivas daqueles
pensados como inferiores.” (ARROYO, 2012, p. 34). Para instituições que se pro-
põem a trabalhar com/para sujeitos trabalhadores jovens e adultos, é fundamental a
abertura de pautas formativas que dialoguem com questões éticas e políticas, no
intuito de evitar o ocultamento de espaços formativos e de outras experiências soci-
ais vivenciados por esses atores sociais, reconhecendo-os como “produtores de co-
nhecimentos e de pedagogias” (ARROYO, 2012, p. 34).
A diversidade de ofertas de cursos de EJA na escola, segundo o gestor do
Ceneb, também se constitui um etnométodo produzido para contribuir com a perma-
nência dos (as) estudantes, o que tem trazido para essa instituição escolar uma ca-
pacidade de escuta e compreensão das trajetórias escolares e de vida dos (as) es-
tudantes, para, em seguida, encaminhá-los (as) para a matrícula nos cursos que
mais se aproximam de suas necessidades e expectativas:

Outra situação que a gente faz na escola é o acompanhamento dos estu-


dantes pra tentar saber o que tá acontecendo, às vezes, quando estão ma-
triculados no ensino médio ‘regular’19 e a gente percebe que é melhor pra
ele estar na EJA (no Tempo Formativo ou no Tempo de Aprender). Então
como a gente tem esses currículos diferentes aqui para poder ofertar ao
aluno, então a gente pode matricular ele no que melhor satisfaz: ‘professor,
não posso vir todos os dias, só posso vir três vezes à noite por causa do
meu trabalho’. Então, de acordo com a situação dele, é melhor que ele se
matricule no Tempo de Aprender, pois tem um projeto pedagógico diferen-
ciado. Você tem que compreender que o tempo do estudante é diferente [...]
[sic] (GC Ceneb Joana Angélica).

O gestor realça mais uma vez a importância do acompanhamento e da escuta


do (a) estudante para compreender o que tem levado os (as) estudantes a se dis-
tanciarem dos estudos. De acordo com a fala do gestor, podemos compreender que,
a partir da escuta dos (as) estudantes, outras possibilidades formativas são propos-
tas para que o (a) discente continue seu itinerário formativo. Assim, para o gestor, a
política do Ceneb que disponibiliza uma variedade de desenhos curriculares para
atenderem às necessidades e expectativas dos (as) estudantes-trabalhadores (as)
(Tempos Formativos e Tempo de Aprender) colaborou para a permanência nos es-
tudos. Conforme dito em capítulos anteriores, a SEC, desde 2009, implantou a polí-

19 O ensino regular a que se refere o gestor da instituição educacional é a oferta de Ensino Médio em
três anos letivos.
108

tica de EJA da Bahia e, de acordo com esse documento, a oferta de EJA deve acon-
tecer a partir dos cursos Tempos Formativos e Tempo de Aprender, que visam a
atender às diversidades de sujeitos que frequentam a Educação de Jovens e Adul-
tos. O curso Tempo Formativo estrutura-se em aulas diárias e os componentes cur-
riculares organizam-se por áreas do conhecimento, cuja oferta é anual; o Tempo de
Aprender apresenta um portfólio de componentes curriculares semestrais, que po-
dem ser selecionados pelos (as) estudantes de acordo com a dinamicidade de sua
itinerância formativa no semestre em curso. Ao tratar dessa diversidade de organi-
zações curriculares, Arroyo (2006, p. 229) destaca que

temos que reconhecer que muitas experiências de EJA acumularam uma


herança riquíssima na compreensão dessa pluralidade de processos, tem-
pos e espaços formadores. Aprenderam metodologias que dialogam com
esses outros tempos. Incorporam nos currículos dimensões humanas, sabe-
res e conhecimentos que forçaram a estreiteza e a rigidez das grades curri-
culares escolares.

Arroyo (2006) nos ajuda a pensar nas diversidades de propostas curriculares


desenvolvidas no campo da EJA que rompem com modelos curriculares pasteuri-
zantes, que por vezes concebem formas únicas de organização dos conhecimentos
e dos tempos e espaços de formação. Muitas delas realizam tentativas de equiva-
lência em relação ao ensino fundamental e médio que pouco colaboram para o real-
ce das especificidades da Educação de Jovens e Adultos, enquanto uma modalida-
de da Educação Básica que requer formas específicas de pensar o currículo, os
tempos e os espaços pedagógicos, haja vista que os sujeitos dessa educação são
diferentes.
O documento Política de EJA da Rede Estadual (2009) objetiva implantar uma
política de Educação de Jovens e Adultos na Bahia que esteja atenta às questões
ora apresentadas. Entretanto, ao longo dos anos, diversas “amarras” vêm dificultan-
do sua operacionalização, desde a compreensão pelo órgão gestor no que se refere
a essa modalidade de educação (em várias situações, a especificidade da EJA é
concebida como epifenômeno), até a formação de professores, os tempos pedagó-
gicos e a gestão de pessoas para atuarem nessa modalidade; sem mencionar mate-
riais didáticos, espaços físicos, articulação entre demais secretarias e instituições
educacionais, dentre outras questões.
109

É importante lembrar que, no final de cada ano letivo, o fechamento de turmas


e escolas que ofertam cursos de EJA retorna como “fantasma” para muitos (as) jo-
vens e adultos (as), que têm de buscar outras instituições escolares para continuar
os estudos, as quais muitas vezes são distantes de sua residência, ou, em virtude
da violência entre os bairros, novamente precisam fazer a opção pela desistência
dos seus estudos.
No final de 2018, na Bahia, vivemos momentos de tensão com a constatação
de fechamento de muitas turmas e escolas que ofertavam cursos de EJA. Dentre
elas, escolas exclusivas dessa modalidade de educação e escolas com currículo
específico para esse fim. Interessante destacar que, apesar de os argumentos ver-
sarem sobre a necessidade de otimização dos espaços escolares e redução de cus-
tos (alegava-se que muitas escolas utilizavam prédios alugados, que, por sua vez,
oneravam o Estado), algumas escolas que contavam com trabalho específico na
EJA não estavam alocadas em prédios alugados e, sim, prédios próprios. Esse fato
nos faz pensar que se torna fundante maior compreensão dos gestores públicos
quanto à importância dessa modalidade de educação para a elevação da qualidade
de vida da população e, consequentemente, elevação do Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) dos 417 municípios baianos.
Ainda sobre os etnométodos produzidos pela instituição escolar em prol da
permanência de jovens e adultos (a) na escola, o gestor do Ceneb Joana Angélica
informou que o diálogo telefônico com os (as) estudantes é um mecanismo adotado
pela escola para compreender o(s) motivo(s) da infrequência e, assim, ajudar os (as)
estudantes no retorno às aulas. Segundo o gestor,

[...] outra situação é quando a gente percebe que a frequência do aluno tá


caindo demais, tá aquela coisa de estar há duas semanas sem vir, três se-
manas sem vir, de a gente tá perguntando em sala de aula: ‘O que que tá
acontecendo com teu estudante?’, então a coordenação pedagógica tem
essa ação: ‘Ó, por que fulano não tá vindo mais?’. Aí liga pro estudante,
perguntar se ele vai vir ou não vai vir. [sic] (CG Ceneb Joana Angélica).

Essa ação assumida pela escola é interessante, pois, além de aproximá-la


das situações vivenciadas pelos (as) educandos (as) – o que pode contribuir para a
atualização do currículo, na medida em que ele se aproxima do cotidiano dos dis-
centes –, os(as) estudantes passam a perceber a importância que eles têm para a
instituição escolar.
110

Novamente a escola lança mão da escuta e do diálogo para compreender o


(s) motivo (s) que estão levando os (as) estudantes a trancarem as matrículas, ação
que traduz a coragem e a humildade presentes no cotidiano escolar, pois as falas
dos (as) estudantes podem explicitar suas dificuldades pessoais, como também in-
satisfações vinculadas ao trabalho pedagógico e/ou à gestão administrativa da insti-
tuição educacional. As palavras do gestor ilustram a situação:

[...] outra situação é quando o aluno vem solicitar o trancamento de matrícu-


la, aí quando ele vem e: ‘Ó! Eu vim trancar minha matrícula, não vou estu-
dar mais aqui’; ‘Por quê? O que tá acontecendo? Violência no seu bairro? O
trabalho tá impedindo de você chegar aqui? Não dá tempo de você estudar?
O que é que tá acontecendo pra solicitar?’. Então a gente vai tentar viabili-
zar a melhor forma possível pra que ele não desista, pra que ele possa
permanecer na escola conosco, então é esse o trabalho que a gente faz,
um trabalho corpo-a-corpo. [sic] (GC Ceneb Joana Anagélica).

Sobre essa questão, reporto-me a Freire (1997), quando afirma que “[...] é
preciso e até urgente que a escola vá se tornando um espaço acolhedor e multipli-
cador de certos gostos democráticos como o de ouvir os outros.” (FREIRE, 1997, p.
60). Nessa perspectiva, compreendo que a escuta do (a) estudante, realizada pela
escola, no momento em que aquele decide trancar o curso, é fundamental para uma
dinâmica democrática.
Escutar e acolher ajuda no trabalho de permanência. A escuta antes de um
trancamento é muito interessante, mostra a preocupação da escola com o (a) estu-
dante, com sua possível evasão. Uma preocupação em não deixar ir sem que se
tenha certeza de que a escola não tem mais nada a fazer sobre a situação apresen-
tada pelo (a) estudante.
Quando perguntei aos (as) estudantes sobre quais ações a escola está de-
senvolvendo que têm contribuído para a permanência deles (as), a colaboradora
Marielle Franco destacou de forma veemente a realização dos projetos. Na sua fala,
ela afirmou:

Essa ideia de criação de projetos que eles [equipe gestora e professores] ti-
veram está maravilhoso porque até colegas da gente que não quer saber de
nada, querem somente jogar bola e pronto, eles estão com a gente, estão
colados, tá todo mundo ajudando a gente pro projeto de amanhã. A minha
sala tá cheia de gente, todo mundo entrou no nosso grupo, todo mundo
quer saber o que tá acontecendo, querendo saber no que pode ajudar. Esse
projeto está fazendo com que pessoas gostem de algumas coisas [...] está
incentivando, tira a vergonha, tá unindo os alunos, unindo professores, pro-
fessor tem whatsapp do aluno, se encontra com o aluno pra conversar. Isso
111

faz com que a pessoa tenha vontade de ficar vindo pra cá. [sic] (EC Marielle
Franco).

O projeto a que a estudante colaboradora se refere é realizado anualmente,


sob a coordenação da articuladora do Eixo do Mundo do Trabalho 20 e vem mobili-
zando os (as) estudantes para pensarem a criação de produtos ou serviços para
apresentarem à comunidade escolar. A fala da estudante Marielle é reveladora do
envolvimento produzido nessa atividade. Ela ressalta que até estudantes que apa-
rentemente não se envolviam em outras atividades pedagógicas foram tocados por
esse projeto. Isso nos leva a crer que a dimensão trabalho e a EJA devem estar in-
tegradas; afinal de contas, esses sujeitos trazem essa marca identitária na sua con-
dição de jovens e adultos (as).
Além do ganho pedagógico, o que Marielle também apresenta em seu discur-
so é o fortalecimento de vínculos afetivos entre os (as) estudantes, bem como entre
os (as) estudantes e professores (as), todos envolvidos na mesma sinergia de
aprendizagem. O desenvolvimento de outras habilidades relacionais necessárias à
formação do (a) jovem e adulto (a) estão vinculadas às atividades desse tipo, que
envolvem metodologias ativas21. Desse modo, o processo de encantamento pela
escola, que mobiliza e impulsiona novas aprendizagens, reverbera no desejo de
permanecer estudando e se envolvendo nas atividades pedagógicas por ela propos-
tas.
Ainda sobre as ações que a escola realiza, Marielle afirma que as visitas téc-
nicas, bem como as atividades culturais, têm sido ações que colaboram com a per-
manência deles na escola.

Os passeios, eu adoro os passeios! E eles (professores e equipe gestora)


são carinhosos com a gente, eu observo, tudo deles é do bom, eles querem
dar o bom pra gente, eles querem trazer cultura, teatro, eles trazem tudo pra
gente e querem que a gente adquira o bom, o gostoso da vida, a educação,
coisas boas, eles querem trazer pra gente. Eles trouxeram um ator aqui, da
peça 1,99, e a gente assistiu, foi legal. Eles trazem peças teatrais pra cá, le-
vam a gente pro Teatro Castro Alves (TCA), passeio, é maravilhoso. [sic]
(risos gerais) (EC Marielle Franco).

20 Conforme dito anteriormente, a equipe técnica de profissionais do CENEB é composta por


articuladores, vinculados a três dimensões do currículo: Mundo do Trabalho; Arte e Cultura;
Ciência e Tecnologia.
21 Metodologias ativas se constituem em dispositivo metodológico de aprendizagem cuja principal
característica é a inserção do (a) estudante como ator (atriz) social responsável pela
sua aprendizagem, comprometendo-se com seu aprendizado.
112

O relato de Marielle realça a pertinência da observação que os (as) estudan-


tes fazem em relação às ações da escola, em prol de uma formação estética. As
ações da escola voltadas para a cultura são mobilizadas pela articulação de Arte e
Cultura, que tem fomentado a realização de atividades que tanto levam os (as) estu-
dantes até o teatro, possibilitando a ambiência cultural inerente a esse ambiente
formativo, quanto tem levado peças teatrais ao colégio, contribuindo para que maior
número de estudantes da EJA tenha acesso a essa produção cultural e demais lin-
guagens artísticas. Essas ações têm aproximado estudantes jovens e adultos (as)
da linguagem artística e ampliado a sua itinerância formativa.
Esses atos de currículo produzidos na escola, por meio dos projetos didáticos,
apresentações teatrais, aulas-passeio e visitas técnicas aos quais Marielle se refere,
produzem etnométodos interessantes para a permanência desses atores sociais no
processo formativo. Mas é importante enfatizar que esses atos de currículo provo-
cam um sentido de permanência, tal qual aquele a que Santos (2009) se refere:
permanência como duração e transformação. Desse modo, o movimento pedagógi-
co, cultural, ético, político e estético, provocado pela escola, tem oportunizado a tro-
ca de experiências entre o coletivo de estudantes, professores (as) e funcionários
(as), e entre cada um deles enquanto ator social em formação. Vivenciar essas ex-
periências formativas tem reverberado no estado de encantamento de Marielle pela
escola, constituindo-se, assim, em etnométodo fundante para contribuir com a per-
manência dos (as) estudantes-trabalhadores (as) na referida instituição educacional.

A rede de sociabilidade como recurso à permanência

Essa categoria de análise emergiu durante a interpretação das informações


do campo de pesquisa, quando os (as) colaboradores (as) externaram que, em mui-
tas situações, pessoas da família ou do círculo de amizade se constituíram verdadei-
ros apoios no processo de continuidade dos estudos, o que nesta tese denomino de
rede de sociabilidade. É interessante perceber que a rede de sociabilidade vai sendo
tecida para resolver problemas imediatos que vão se apresentando no decorrer do
processo de retorno aos estudos desses (as) jovens e adultos (as), tal como as situ-
ações que se apresentam em nossas vidas, na condição de estudante ou não. No
entanto, no caso de retorno aos estudos, algumas questões se evidenciam, pois, a
depender do contexto familiar, o valor simbólico dos estudos ganha maior ou menor
113

força enquanto capital cultural, haja vista que pode constituir-se como algo supérfluo
ou imensamente relevante para a qualidade da vida familiar.
Conforme dito anteriormente, adoto o termo rede de sociabilidade ao me
referir ao sistema recíproco de relações estabelecidas entre pessoas para se
apoiarem mutuamente, tanto em termos materiais quanto emocionalmente, no intuito
de colaborarem para o desenvolvimento da autonomia e do crescimento pessoal.
Assim como Pinton e Marcon (2006), considero que o apoio produzido por
meio da rede de sociabilidade pode ser caracterizado por qualquer informação ou
ajuda oferecida por pessoas ou grupos com os quais temos contato habitual. Em seu
relato, Marielle Franco explicita o quanto a rede de sociabilidade das amigas foi fun-
dante para sua permanência na escola:

Umas amigas minhas que sabem que eu estou comprometida com esse co-
légio foram atrás de gente pra tomar conta de meu filho, iam juntar dinheiro
pra me ajudar pra botar alguém pra tomar conta, mas graças a Deus o povo
viu [...] porque assim, quando a gente está determinada, quem quer ver a
sua felicidade vê que você quer e tenta te ajudar. E graças a Deus eu final-
mente consegui, tem uns dias que não dá pra vim, mas como eu já conse-
gui aqui, conheço quase todos os professores, então eu explico, ‘não tenho
condição de vim hoje porque não tenho ninguém pra olhar meu filho’, e a
maioria dos alunos aqui tem esse problema, tem essa dificuldade. [sic] (EC
Marielle Franco).

Marielle visualiza nas amigas uma rede de apoio que a acolheu e se mobili-
zou para ajudá-la no momento em que não havia conseguido ninguém para olhar
seu filho. Ela faz questão de destacar seu grau de comprometimento com os estu-
dos, o que, pressupõe, foi decisivo para que a mobilização das amigas repercutisse
positivamente.
De acordo com o relato de Marielle, a mobilização das amigas desencadeou
um efeito “cascata” de solidariedade no intuito de apoiá-la para dar continuidade aos
estudos. Segundo a estudante colaboradora dessa pesquisa, “o povo viu”, sendo
que o povo a que se refere são seus familiares; e continua em seu relato, “porque
assim, quando a gente está determinada, quem quer ver a sua felicidade, vê que
você quer e tenta te ajudar.” Marielle ressalta a importância da determinação e força
pessoal, o que robustece a rede de sociabilidade, tão necessária para a realização
de projetos de vida.
É interessante destacar ainda que Marielle foi construindo outros etnométo-
dos que a ajudaram a ampliar sua rede de sociabilidade na escola, através do diálo-
114

go com os (as) professores (as), pois, quando não dá para ir à escola porque não
conseguiu ninguém para cuidar do seu filho, lança mão da relação interpessoal já
estabelecida com os (as) professores (as) para explicar-lhes a situação e, desse
modo, angariar a compreensão deles (as).
No seu relato, a estudante colaboradora faz questão de destacar que essa si-
tuação não é específica dela, ou seja, vários (as) estudantes que possuem filhos
(as) passam pela dificuldade de conseguir alguém que cuide deles (as), enquanto
estuda, pois “a maioria dos alunos aqui tem esse problema, tem essa dificuldade”.
Essa questão nos impulsiona a pensar que, se grande parte dos (as) estudantes jo-
vens e adultos (as) que acessam a escola no noturno apresentam dificuldades em
deixar seus (suas) filhos (as) em casa aos cuidados de outras pessoas para estudar,
como podemos pensar em políticas de permanência que os (as) apoiem no retorno
aos estudos e não desprezem essa realidade imediata em suas vidas? E mais ain-
da: possivelmente, essas redes de apoio, apesar de contribuírem, e muito, para a
continuidade dos projetos de vida desses (as) jovens e adultos (as), provavelmente
“pesem” para outras mulheres da família ou da vizinhança, às vezes uma avó, uma
filha mais velha, ao disponibilizar uma parcela de tempo diariamente para os cuida-
dos dispensados às crianças. Novamente concluímos que os cuidados com os (as)
filhos (as) recaem sobre as mulheres, como se os pais se desobrigassem dessa res-
ponsabilidade. Destacamos, inclusive, que os pais das crianças não são citados co-
mo colaboradores na rede de sociabilidade.
Desse modo, compreendemos que a rede de sociabilidade é essencial para
mulheres que decidem retornar aos estudos na fase da juventude ou da adultez, es-
pecialmente as que se tornaram mães, pois precisam de suporte, auxílio e orienta-
ção no encaminhamento de suas atividades neste cotidiano de sobrecarga. Rodri-
gues, Mazza e Higarashi (2014, p. 467) constataram que “[...] as interações da famí-
lia com as pessoas que os cercam, bem como com os diversos segmentos da socie-
dade, facilitam a tomada de decisões, auxiliando na superação de problemas, e con-
tribuindo para uma melhor qualidade de vida para a mulher trabalhadora e sua famí-
lia.”
Craig e Winston (1989) apresentam alguns tipos de apoios sociais, que eles
denominam de apoio instrumental e emocional à pessoa, em suas diferentes neces-
sidades. Para os referidos autores,
115

apoio instrumental é entendido como ajuda financeira, ajuda na divisão de


responsabilidades, em geral, e informação prestada ao indivíduo. Apoio
emocional, por sua vez, refere-se à afeição, aprovação, simpatia e preocu-
pação com o outro e, também, a ações que levam a um sentimento de per-
tencer ao grupo. (CRAIG; WINSTON, 1989, p. 221).

Algumas pesquisas (BRITO-DIAS,1994; FERREIRA, 1991) destacam que vá-


rias pessoas podem oferecer suporte à família e ao indivíduo, promovendo, desse
modo, uma melhoria na qualidade dos beneficiados. Dentre elas, os próprios mem-
bros da família, outros parentes da família extensa (avós, tios, primos), amigos (as),
companheiros (as), vizinhos (as) e profissionais, que podem auxiliar de diversas ma-
neiras, fornecendo apoio material ou financeiro; apoiando na realização das tarefas
domésticas; cuidando dos (as) filhos (as); orientando e prestando informações e ofe-
recendo suporte emocional.
A estudante colaboradora Lélia Gonzalez traz consigo uma história em que
aparece o marido como apoiador dos seus estudos. Afirma que quando sentia difi-
culdades em compreender algum conteúdo do componente curricular Física, o mari-
do a ajudava na revisão dos assuntos. A postura do marido revela o apreço pelos
estudos, o que contribui para a permanência de Lélia na escola. Quando perguntei
se apresentava dificuldade de conciliar os estudos com a vida pessoal, Lélia foi ve-
emente em informar o apoio que recebe do marido:

Não, pelo contrário, ele me incentiva a estudar, ele ficou feliz porque eu vol-
tei pro colégio. Se eu perder aula ele já reclama: “Faltou hoje e já perdeu o
assunto!”. Ele adora que eu estude. E aí não empata, porque ele trabalha e
a gente chega no mesmo horário. Na mesma hora que eu saio daqui, ele sai
do trabalho, a gente chega junto. [sic] (EC Lélia Gonzalez).

No relato de Lélia, podemos perceber que o marido assume a função de


apoiador no processo de aprendizagem, na medida em que acompanha sua fre-
quência na escola, bem como colabora na revisão de conteúdos nos quais ela apre-
senta dificuldades. Outro elemento interessante mencionado pela estudante colabo-
radora foi o fato de o marido trabalhar no mesmo turno em que ela estuda, o que,
segundo ela, facilita a dinâmica do casal, pois a ausência dela em casa coincide
com o horário em que ele também não está na residência. No entanto, isso nos faz
pensar que, nas relações conjugais em que o horário de trabalho de um dos cônju-
ges não coincide com o horário de estudo do outro, esse fato constitui fator de risco
para a não permanência na escola, sendo que essa situação tem se tornado mais
116

pesarosa para as mulheres, que historicamente têm abdicado dos estudos em prol
do “bem-estar” da família.
Ainda sobre o apoio do marido aos seus estudos, Lélia afirmou que só voltou
a estudar por causa dele, que insistentemente falava que ela estava perdendo opor-
tunidades:

Olha, eu realmente só voltei porque ele ficou batendo na tecla ‘volta a estu-
dar porque é importante, você tá perdendo muitas oportunidades’. Não só
por isso, mas ele sempre [...] ele ama estudar, ele parou e não continuou
por causa do trabalho dele, mas se fosse por ele, também continuava estu-
dando. [sic] (EC Lélia Gonzalez).

Interessante destacar no relato de Lélia que ela afirma que o marido insiste
tanto para ela retornar aos estudos porque, além de considerar que ela está perden-
do oportunidades, segundo ela, “ele ama estudar”, parou os estudos porque não po-
de conciliar os horários com os estudos, mas seu desejo também era continuar es-
tudando.
Um aspecto que me chamou muito a atenção durante a roda de conversa foi
perceber a rede de sociabilidade que estava sendo tecida pelas estudantes que par-
ticipavam do diálogo formativo. Como disse anteriormente, Marielle assume o papel
de liderança nesse grupo, o que tem fortalecido várias estudantes na desafiante ta-
refa de permanecer nos estudos. Quando perguntei se elas contavam com o apoio
de alguém para permanecer na escola, Custódia Machado logo falou: “tem gente
aqui que fica nervosa se alguém desiste” e, nesse momento, Marielle prontamente
se anunciou: “É porque assim, a minha determinação é muito forte... e outra, elas
aqui [referindo-se às colegas presentes], principalmente elas que estão aqui e al-
guns lá, quando eu vejo desanimado, eu fico: ‘meu Deus’, parece que eu que tô de-
sanimando também.” [sic]
O apoio dado por Marielle aos (às) colegas tem um significado duplo, tanto
para ela quanto para suas (seus) colegas de turma. Sua fala traduz que também é
retroalimentada pela permanência dos (as) colegas na escola, ou seja, é uma rela-
ção recíproca, quando afirma que – “quando vejo que eles estão desanimando, eu
fico: ‘meu Deus’, parece que eu que tô desanimando também”. Além da possibilida-
de de não continuar a trajetória escolar, tantas vezes já iniciada e interrompida pelos
colegas e por ela mesma, Marielle se vê na condição de não desistir e não “permitir”
que os demais colegas também o façam.
117

Dando continuidade ao diálogo sobre o apoio mútuo que recebem, Marielle


Franco menciona os demais colegas, referindo-se às suas histórias de vida, transpa-
recendo que sabe das “lutas e labutas” de cada um para estarem na escola:

Porque ela [referindo-se a uma colega presente], eu conhecia a história de


vida, ela mesma me contou. Você [dirigindo-se a outra colega], eu já conhe-
cia sua vida desde o ano passado, acabou comigo [...] Ela é o meu coração
aqui dentro, adoro ela! E se eu ver que alguém vai desistir, é como se eu ti-
vesse desistindo também. Não, eu fico conversando no WhatsApp: ‘Como é
que é a conversa? (risos gerais). Não, pelo amor de Deus, mulher, eu vou
dar na sua cara!” (risos). Se arrume logo aí, vai [...]’ [sic] (EC Marielle Fran-
co).

O conhecimento e respeito sobre as histórias de vida das colegas faz de Ma-


rielle uma pessoa que une, agrega e acolhe, tecendo um vínculo de afetividade que
fortalece a permanência delas na escola, compreendendo que é uma permanência
que as tem transformado em mulheres mais fortalecidas e unidas por um único pro-
pósito: concluir a Educação Básica. Durante esse momento do diálogo formativo,
marcado pela emoção, que transbordava muita afetividade e respeito, Custódia Ma-
chado, uma das estudantes colaboradoras presentes, desabafa: “Até ano passado
eu não podia estudar e hoje eu posso vim pra escola, sentar, conversar com as me-
ninas, se eu tiver dúvidas... tem ela aí mesmo [referindo-se a Marielle] que é uma
amigona, não é porque tá na frente não ...” [sic] (EC Custódia Machado). A fala de
Custódia expressa a importância dessa rede de sociabilidade construída a partir da
escuta mútua e da empatia produzida nessa relação, o que as transformou em estu-
dantes da EJA que não permitem “nenhum (a) a menos” no processo de continuida-
de dos estudos.
No diálogo com as docentes do Ceneb, o relato da professora colaboradora
Antonieta de Barros foi muito revelador do quanto a própria instituição se constitui
em uma rede de sociabilidade para os estudantes:

Outro dia estava pensando... Já estou na “boca” de me aposentar e estava


relembrando que um dia desses estava dando aula em uma turma do Eixo
VI, que tem poucas mulheres e só tinha nesse dia os homens. Então, passei
uma atividade de leitura e interpretação e foi interessante, pois aqueles
“homenzarrões” o tempo todo me perguntando se estava certo ou não o que
estavam fazendo. Concluí que a gente ainda precisa dar mais para nossos
alunos, precisamos dar amparo e acolhimento, orientar, fazer eles pensa-
rem no que estão dizendo para escrever, sabe... essa coisa de chegar junto.
[sic] (PC Antonieta de Barros).
118

O relato da professora Antonieta de Barros aponta para a reflexão sobre o


papel de mediador do docente, na medida em que os jovens e adultos veem nesse
profissional a condição de colaborar com eles para avançar na aprendizagem. Que-
rem mais e querem com qualidade na mediação. Não é qualquer intervenção que
vale, é aquela que se aproxima tanto fisicamente quanto intelectualmente das suas
necessidades. Independentemente de idade, o apoio sempre é bem-vindo. Esse
apoio é intelectual, mas também é afetivo, que acolhe, mas que também impulsiona
a ir além, buscar suas forças.

Algumas considerações...

As escutas realizadas no Ceneb Joana Angélica, de forma peculiar, nos apre-


sentou elementos significativos para compreendermos os etnométodos produzidos
tanto pelos (as) estudantes quanto pela instituição escolar para a permanência dos
(as) estudantes-trabalhadores (as) na Educação Básica. Compreender esses cami-
nhos nos ajuda a compreender o que pensam, necessitam e como (con)vivem nos-
sos (as) estudantes-trabalhadores (as) na labuta diária para conciliar vida pessoal,
trabalho e estudo.
Sobre essa questão, reporto-me a Santos (2009) em sua pesquisa sobre
permanência de negros (as) cotistas na universidade, em que apresenta o conceito
de simultaneidade de permanência. Trago esse conceito para a Educação Básica,
em especial para o estudo de jovens e adultos (as) estudantes-trabalhadores (as)
em processo de conclusão da Educação Básica, pois considero que a dimensão da
permanência simultânea é importante na medida em que vemos não só a matrícula
deles como fator relevante, mas também o papel que esses (as) jovens e adultos
(as) passam a desempenhar enquanto referência para outros (as) que (con)vivem
em situações similares.
Em certa medida, é o que vem acontecendo com esse grupo de estudantes
colaboradores (as) investigados (as), pois, ao ingressar na escola, a trajetória deles
(as) passa a ser reconhecida na sua comunidade familiar, de moradia e escolar co-
mo um caminho possível, e isso influencia positivamente outros (as) jovens e adultos
(as) a (re)ingressarem na Educação Básica para conclusão dos estudos. Para San-
tos (2009), há uma simultaneidade de permanência, uma vez que “eu existo no ou-
119

tro”, havendo uma transformação do indivíduo e também do meio social em que ele
(a) circula.
Desse modo, compreendemos que o movimento produzido tanto pelos (as)
estudantes jovens e adultos (as) trabalhadores (as), quanto pelos professores (as) e
gestor do Ceneb Joana Angélica, apontam caminhos autorizantes e emancipatórios
para uma formação qualificada, contribuindo, assim, para a permanência de jovens e
adultos (as) na Educação Básica.

5.1.2 Caso 2: o Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares

Como foi dito anteriormente, essa escola é uma unidade escolar vinculada à
rede estadual de ensino que oferta cursos de EJA nos três turnos de funcionamento,
além de oferecer diversos tempos/espaços que possibilitam o trânsito dos (as) estu-
dantes nas modalidades organizativas do currículo: Tempo de Aprender, Tempo
Formativo, bem como exame para certificação de conhecimentos através da Comis-
são Permanente de Avaliação22, gerando mobilidade dos (as) estudantes para tran-
sitar entre os cursos e exames que a escola oferece. No período de realização do
diálogo formativo, alguns dos (as) estudantes colaboradores (as) estavam matricula-
dos (as) em cursos da EJA, bem como inscritos (as) na CPA. Apresento a seguir as
valiosas contribuições desses (as) autores (as) /atores dessa pesquisa.

Micropolíticas de permanência produzidas pelos (as) estudantes

O diálogo formativo com os (as) estudantes colaboradores (as) foi realizado


no pátio do colégio, aproveitando o intervalo das aulas. No momento em que me
aproximei deles (as), percebi que o grupo realizava diferentes atividades concomi-
tantemente: uma dupla conversava sobre questões familiares, outro trio revisava um
assunto da avaliação de um componente curricular, o estudante com deficiência 23
dialogava com outro colega de forma interativa; enfim, os (as) estudantes estavam
juntos (as), ainda que desenvolvendo atividades diferenciadas. Pareceu-me que es-

22 As Comissões Permanentes de Avaliação foram implantadas no Estado da Bahia em 1993 com o


intuito de facilitar o acesso de candidatos aos exames supletivos, por meio de acompanhamento
sistemático das avaliações.
23 A escola investigada vem se constituindo uma instituição que desenvolve a inclusão de jovens e

adultos (as) com deficiências em parceria com outras instituições de atendimento especializado no
município de Salvador.
120

se lugar era um dos preferidos desse grupo para conversarem entre si sobre vários
assuntos que os (as) afetam nos seus cotidianos, bem como vem se instituindo co-
mo espaçotempo24 para revisarem os conhecimentos em processo de aprendizagem
e planejarem algumas ações da/na escola
O vice-diretor da escola apresentou-me aos (às) estudantes, mas confesso
que não sabia se eles (as) ficariam tão à vontade para conversar comigo, pois pode-
riam considerar que o fato de o vice-diretor me apresentar já estabeleceria uma co-
notação de oficialidade para nossa conversa. Mesmo assim, resolvi, da maneira me-
nos formal possível, apresentar-me aos (às) estudantes e socializar o propósito do
nosso diálogo.
O perfil do grupo de estudantes colaboradores (as) era de jovens e adultos
(as), com idade entre 19 e 28 anos, que frequentavam a escola no turno matutino,
sendo que alguns (as) informaram que também estavam trabalhando e conciliando
os estudos com a criação dos (as) filhos (as), enquanto outros (as) estavam estu-
dando e cuidando dos (as) filhos (as), mas em “vista” de emprego.
É importante ressaltar que o Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palma-
res “nasceu” inspirado na compreensão de que o (a) estudante da EJA necessita de
espaços formativos que dialoguem com suas experiências de vida e itinerâncias
formativas, constituindo-se em uma das escolas estaduais implantadas na Bahia,
nos anos 90, com o objetivo de instituir espaçotempos, metodologias, materiais didá-
ticos, enfim, políticas para atender aos (às) jovens e adultos (as) em processo de
escolarização na Educação Básica.
Desse modo, o diálogo formativo com os (as) estudantes colaboradores (as)
aconteceu pela manhã, pois acreditava que, ao realizar a escuta com os (as) discen-
tes que acessavam a escola nesse turno, seria possível compreender os etnométo-
dos por eles (as) produzidos para conciliar estudo, trabalho e vida pessoal, conside-
rando que a oferta desse turno de estudo para jovens e adultos (as) ainda se consti-
tui raridade nesse Estado. Destaco aqui que no período em que estive na gestão
estadual da EJA na SEC/Bahia (2013-2017), fomos convidados (as) pelo Ministério
Público da Bahia (MPB), juntamente com demais secretarias municipais de educa-
ção, para dialogar sobre a ampliação da oferta da EJA no diurno. Essa iniciativa do

24 O termo espaçotempo é inspirado nos estudos de Nilda Alves (2012) nos/dos/com os cotidianos, e,
nessa pesquisa, é compreendido como o local/período em que as ações dos cotidianos
acontecem, na perspectiva de suas singularidades e indissociabilidades.
121

MPB deu-se em virtude do aumento da demanda de jovens e adultos (as) com defi-
ciências que retornavam ou até mesmo iniciavam seu processo de estudo na pers-
pectiva de inclusão escolar. Ter acesso a escola que oferte cursos de EJA no diurno
ainda constitui uma luta mantida pelos movimentos sociais, dentre os quais, o Fórum
de EJA Bahia25
Assim, organizei essa sessão em subcategorias de análise, em virtude dos
“achados” do campo. Percebi que no diálogo com os (as) estudantes a questão do
tempo e da mobilidade eram fatores decisivos para a permanência deles na escola.
A instituição educacional investigada, por sua vez, fica próximo à Estação da Lapa 26,
que recentemente passou por uma reforma em virtude da integração com o sistema
metroviário de Salvador. O Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares é lo-
calizado no bairro dos Barris, próximo à referida Estação, o que facilita a vinda de
estudantes de várias regiões da cidade, bem como dos municípios da Região Me-
tropolitana de Salvador (RMS)

a. O tempo e a mobilidade nossa de cada dia... botou o metrô? Botou, mas....

És um senhor tão bonito


Quanto a cara do meu filho
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo

Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo
Entro num acordo contigo
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo. (ORAÇÃO..., 1979).

Quando iniciei o diálogo formativo e perguntei aos (às) estudantes colabora-


dores (as) qual era o maior desafio que enfrentavam para permanecer na escola,
muitas questões se apresentaram, dentre as quais a questão do tempo, da mobili-
dade urbana, do trabalho, do cuidado com os (as) filhos (as), enfim, questões do co-
tidiano que afetam diretamente os projetos de vida desses (as) estudantes-
trabalhadores (as). Caetano Veloso (1979), de forma poética, nos aproxima de uma

25 Os Fóruns de EJA no Brasil foram criados em 1996, dentre eles o Fórum EJA Bahia. Para maiores
informações: URPÍA, Fórum EJA Bahia: implicação na definição da política pública da Educação de
Jovens e Adultos.
26 A Estação da Lapa é a maior estação de transbordo de Salvador, que oferta transporte coletivo

inclusive para a Região Metropolitana de Salvador (RMS). Atualmente integra o sistema metroviário
da cidade.
122

reflexão muito interessante que diz respeito ao tempo: parece-nos que, para o refe-
rido cantor e compositor, o tempo é concebido como um Senhor que rege toda a
existência, “compositor de destinos”, “tambor de todos os ritmos”. Muitas vezes é a
ausência do tempo que nos faz adiar sonhos, embalando nossas vidas para “outras
bandas”, por meio de ritmos céleres ou serenos, dependendo da interação que reali-
zamos com ele.
Mestre Didi, estudante colaborador dessa pesquisa, foi enfático ao falar que a
questão da mobilidade urbana se constitui um desafio para sua permanência na es-
cola. Somos cônscios de que a mobilidade tem íntima relação com o tempo, pois, a
depender da minha condição de mobilidade, meu tempo “se estica” ou torna-se curto
demais para realizar determinadas ações. O tempo e sua relação com a mobilidade
pode retardar projetos durante muito, mas muito tempo mesmo! E é isso que acon-
tece na vida de muitos (as) jovens e adultos (as): são cinco, oito, dez, quinze, vinte
anos ou mais, durante os quais a conclusão da Educação Básica vai sendo adiada.
Mestre Didi, 25 anos, é negro, atualmente está trabalhando, é casado e tem um fi-
lho. Em seu relato, fala que a questão da mobilidade representa um desafio para sua
permanência na escola, pois, apesar do advento do metrô, para alguns bairros da
cidade, a situação da mobilidade ainda tem dificultado o acesso à escola:

Porque quem mora longe, entendeu? E também não tem dinheiro pra vir
daquele lugar... Botou metrô? Botou, mas tem gente que tem dificuldade de
pegar metrô. Eu mesmo moro em São Cristóvão, eu pego metrô? Pego sim,
mas se eu fosse pra casa de minha avó, que é pro lado de Itapuã, eu tenho
que pegar o metrô, pegar um ônibus, saltar lá e outro ônibus para poder su-
bir, tenho que pegar três agora, antes eu pegava um só e saltava na porta.
[sic] (EC Mestre Didi).

Mestre Didi revela que o fato de morar no bairro de São Cristóvão 27 e a escola
estar localizada no bairro dos Barris, que compreende uma distância de 25 km de
deslocamento, é um esforço significativo para garantir sua presença diária na esco-
la, principalmente considerando os fatores tempo e recursos financeiros.
No entanto, esse esforço se torna necessário, considerando que não existe
em seu bairro, nem no entorno, uma escola que oferta curso de EJA no diurno. As-
sim, a escolha por essa instituição educacional foi pelo fato de oportunizar a conti-
nuidade dos seus estudos no turno em que ele tem disponibilidade de estudar. Essa

27 O bairro de São Cristóvão está localizado no limite entre os municípios de Salvador e Lauro de
Freitas, próximo ao Aeroporto Internacional Luís Eduardo Magalhães, sendo que a escola está
situada no centro comercial de Salvador.
123

questão é deveras relevante para o campo da EJA, pois comumente essa modalida-
de de ensino está associada ao turno noturno, excluindo os jovens e adultos traba-
lhadores que, por força do trabalho ou pela dinâmica da vida, só podem estudar no
diurno.
O estudante colaborador Mestre Didi reconhece que o advento do metrô trou-
xe melhorias para algumas regiões da cidade, mas quando está na escola e neces-
sita se deslocar para a casa de sua avó (pois às vezes o filho fica sob os cuidados
dela enquanto estuda), sua logística de transporte é desfavorecida, em virtude da
ampliação do número de linhas de ônibus que necessita utilizar, devido às altera-
ções no sistema de mobilidade da cidade. A casa da avó ainda se constitui para ele
um espaço de apoio para subsidiar seus estudos, conciliando-os com seu trabalho.
Em função disso, Mestre Didi afirma que os gestores públicos ainda necessitam me-
lhorar o transporte para a parcela da população que o acessa no seu cotidiano.

Então, é muita dificuldade, mas eles não olham, eles só olham mais pro la-
do do turismo que vai ajudar eles, não olha nosso lado não. A gente que é
um pouquinho besta, entre aspas, desculpe falar isso, que a gente cai no
truque deles: “eu vou endireitar isso, vou endireitar aquilo”, a gente acaba
caindo no papo deles, vota neles, porque não tem como votar em outras
pessoas, vota neles e acaba perdendo nas outras coisas. [sic] (EC Mestre
Didi).

O relato de Mestre Didi demonstra sua insatisfação em relação às questões


voltadas à administração pública da cidade, a qual lhe o afeta diretamente, haja vista
que disso depende sua permanência na escola. Destaca que as promessas políticas
têm ficado no papel e, quando postas em prática, têm beneficiado diretamente ou-
tras camadas sociais que não dependem diariamente dos serviços públicos essenci-
ais, a exemplo do transporte coletivo. A dificuldade de mobilidade urbana de muitos
jovens e adultos (as) trabalhadores (as) entre casa, trabalho e escola tem colabora-
do para o abandono dos estudos na Educação Básica, e compete diretamente com
as demais ações no seu cotidiano.
O estudante colaborador Mestre Didi realça sua indignação quanto às propos-
tas das campanhas políticas que muitos gestores públicos não cumprem, o que tem
prejudicado a população economicamente oriunda das camadas populares: “A gente
que é um pouquinho besta, entre aspas, desculpe falar isso, que a gente cai no tru-
que deles: ‘eu vou endireitar isso, vou endireitar aquilo’, a gente acaba caindo no
papo deles, vota neles... e acaba perdendo outras coisas”. Quando fala que a popu-
124

lação “acaba perdendo outras coisas”, podemos inferir que as questões vinculadas
ao cotidiano da população menos favorecida muitas vezes não são consideradas ao
se pensar em políticas públicas e que as perdas muitas vezes têm recaído sobre
questões vitais para a formação crítica da população, como o acesso à educação.
Mestre Didi nos faz pensar que a pouca formação política da população muitas ve-
zes tem reverberado em escolhas políticas que não contribuem para a melhoria de
sua qualidade de vida.
Compreendemos o quanto o conhecimento é condição fundante para o de-
senvolvimento pessoal, profissional e coletivo. Ele é um processo, é contínuo. Como
nos alerta Freire (2000, p.121), “[...] somos ou nos tornamos educáveis porque, ao
lado da constatação de experiências negadoras da liberdade, verificamos também
ser possível a luta pela liberdade e pela autonomia contra a opressão e o arbítrio.”
Como analisado no relato anterior, o mundo do trabalho se constitui condição
fundante de sobrevivência de estudantes jovens e adultos (as), em especial, oriun-
dos das camadas populares, pois consiste em condição sine qua non para sobrevi-
vência material e, em certa medida, para sua permanência material (SANTOS, 2009)
no processo de retorno à escolarização. Desse modo, ao tratarmos da permanência
de jovens e adultos na Educação Básica, a questão do trabalho apresenta-se de
forma modo marcante. A escuta de estudantes-trabalhadores (as) do Centro Esta-
dual de Educação Zumbi dos Palmares, bem como do Centro Noturno de Educação
Joana Angélica, revelou que, apesar de sua relevância no processo de existência
humana, conciliar trabalho com estudo constitui grande desafio.
Reconhecemos no relato do estudante colaborador Mestre Didi a maneira
como os (as) estudantes jovens e adultos (as) trabalhadores (as), afetados (as) pe-
las condições socioeconômicas, ao retornarem aos estudos buscam conciliar traba-
lho e vida escolar, produzindo etnométodos para dar conta desse desafio.
O estudante colaborador Mestre Didi resolveu retornar aos estudos logo após
sua esposa concluir a Educação Básica. Atualmente ele está concluindo o Ensino
Médio na modalidade Educação de Jovens e Adultos. Em seu relato, explicita o
quanto as ações do cotidiano necessitam estar organizadas, bem planejadas, de
modo que ele consiga conciliar os estudos, o trabalho e o cuidado com o filho:

Pra poder fazer tudo isso tem que ser tudo pontual, uma hora faz uma coi-
sa, outra hora faz outra, não pode fazer tudo correndo, porque senão a gen-
te se atrapalha. Quando a criança cai doente mesmo, pra poder faltar no
125

colégio é uma dificuldade daquelas! Tem professor que não aceita isso, se
não fez a prova, não vai fazer em outro dia. É muito difícil. Minha esposa
mesmo trabalha, hoje mesmo quem está com ele [o filho] sou eu. Quando
os dois estão trabalhando, ele fica com minha sogra ou com minha mãe.
Teve um dia mesmo, cheguei do trabalho, tive que levar o pessoal no colé-
gio e fui deixar meu filho na casa da avó, quando cheguei na sala de aula,
nem assisti a aula, dormi em sala! É corrido trabalhar, cuidar do filho e estu-
dar. Tem gente que é sozinho, é mais difícil ainda. É muito difícil, não é fácil,
não. Com tanta gente do meu lado e eu estou achando difícil, imagine as
pessoas que não têm? [sic] (EC Mestre Didi).

Percebemos na fala de Mestre Didi que os etnométodos produzidos por ele


para conciliar os estudos com o trabalho e demais atividades do cotidiano envolvem
o planejamento das ações e a execução destas nos tempos previamente estabeleci-
dos. A pontualidade a que Mestre Didi se refere diz respeito à realização das ações
no tempo preestabelecido, o que produz no estudante colaborador um sentimento de
controle da situação. Bergson (2006, p. 120), em sua obra O pensamento e o mo-
vente, nos diz em relação ao tempo:

Seria o Tempo que teria estragado tudo. Os modernos colocam-se, é ver-


dade, de um ponto de vista inteiramente diferente. Não tratam mais o Tem-
po como um intruso, perturbador da eternidade; mas de bom grado o reduzi-
ram a uma simples aparência. O temporal, então, não é mais do que a for-
ma confusa do racional. O que é percebido por nós como uma sucessão de
estados é concebido por nossa inteligência [...]

A vida nos presenteia com situações inesperadas, e isso Mestre Didi sabe
muito bem, como destaca em sua fala: “Quando a criança cai doente mesmo, pra
poder faltar o colégio é uma dificuldade daquelas!” O adoecimento do filho muitas
vezes se constitui um acontecimento inesperado, impondo-lhe a reestruturação de
ações planejadas previamente. Sobre a questão do acontecimento, Macedo (2016)
diz que “o acontecimento é aquilo que nos aciona a decidir por uma nova maneira de
ser, de atuar ou de atrair. Suplemento incerto, imprevisível, dissipado, apenas apa-
rece.” (MACEDO, 2016, p. 32). O acontecimento não pede licença para entrar, ele é,
existe no seu tempo, à sua maneira. Mas, como administrar o acontecimento, se
nossa formação não contemplou essa questão? Estamos diante de uma grande con-
tradição humana na medida em que desejamos a linearidade nas ações do cotidia-
no. Porém, a dinâmica da vida insiste em nos mostrar essa impossibilidade. A vida
não é linear, é marcada por rupturas, mas o que fazer quando elas aparecem? Jogar
fora todo o esforço empreendido ou ressignificar nossa caminhada? Parece que lidar
126

com a imprevisibilidade é uma pauta formativa necessária para os dias atuais, haja
vista que o inesperado, o imprevisto e as incertezas estão presentes no cotidiano.
O filósofo Henri Bergson (2006, p. 105) considera que “[...] o ser vivo dura es-
sencialmente, ele dura, justamente porque elabora incessantemente algo novo e
porque não há elaboração sem procura, nem procura sem tateio. O tempo é essa
hesitação mesma, ou não é absolutamente nada”. Podemos inferir que o ser huma-
no dura porque elabora a vida a todo instante, ele está constantemente se reinven-
tando, ao tempo em que reinventa a vida. É o que muitos (as) atores (atrizes) curri-
culantes jovens e adultos (as) fazem ao manter-se no trabalho, na tentativa de conci-
liá-lo com os estudos. Eles reinventam novas formas de viver e dar andamento aos
seus projetos de vida, driblando as condições precárias de vida, nas quais são ex-
postos.
Arroyo (2017) nos fala sobre as consequências de o projeto político-
pedagógico de educação de jovens e adultos (as) reconhecê-los (as) como traba-
lhadores (as):

Uma consequência será organizar os tempos, as turmas, os horários, tendo


como referente as possibilidades e limitações que lhes impõe sua condição
de trabalhadores, submetidos ao não controle de seu trabalho e de seus
tempos. Outra consequência será assumir suas experiências sociais e cole-
tivas de trabalho como estruturantes da proposta curricular, dos conheci-
mentos, dos valores, da cultura a serem trabalhados. (ARROYO, 2017, p.
45).

Outro aspecto apresentado por Mestre Didi trata da dificuldade de alguns (as)
professores (as) flexibilizarem as datas das provas quando o (a) estudante apresen-
ta dificuldade em realização de avaliação por causa de impedimentos pessoais, em
especial, em situação de adoecimento do (a) filho (a). É interessante considerar que,
apesar de alguns (as) professores (as) compreenderem a condição do (a) estudante
jovem e adulto (a) trabalhador (a), quando lidamos com a situação de avaliação es-
colar ainda tratamos as diferenças como epifenômenos e reificamos a lógica da ava-
liação como uma ação pedagógica inabalável e inadiável.
Outra questão interessante abordada por Mestre Didi diz respeito à logística
necessária para conciliar trabalho, estudo e cuidado do filho, numa tentativa de
agregar essas ações no seu cotidiano. Para isso, ele recorre à rede de sociabilida-
127

de28, em especial, sua mãe e sogra, como etnométodos produzidos para apoiar nes-
sa tarefa.
Mestre Didi destaca ainda que em algumas vezes, apesar dos esforços em-
preendidos, é “nocauteado” pelo cansaço, como exemplifica: “Teve um dia mesmo,
cheguei do trabalho, tive que levar o pessoal no colégio e fui deixar meu filho na ca-
sa da avó, quando cheguei na sala de aula, nem assisti a aula, dormi em sala!”. Es-
sa experiência vivenciada por Mestre Didi nos faz lembrar que, como o estudo re-
quer esforço intelectual, foi o momento apropriado para o corpo sinalizar que “a pilha
acabou!”. Visualizamos comumente que nas salas de aula de estudantes jovens e
adultos (as) trabalhadores (as), a “pilha acaba”, em virtude da precariedade da vida
cotidiana a que esses (as) atores (atrizes) curriculantes são submetidos (as).
Heilbom e Cabral (2006) consideram que, no debate sobre a transição da vida
adulta, diferentemente dos (as) jovens dos segmentos sociais mais favorecidos, on-
de há a extensão da transição, seja pelo prolongamento dos estudos e/ou sua per-
manência na casa dos pais (BRANDÃO, 2003), os (as) jovens das camadas popula-
res, por sua vez, apresentam uma transição que denominam de “[...] transição curta
ou condensada” (HEILBOM; CABRAL, 2006, p. 233). Considerando os (as) estudan-
tes jovens e adultos (as) trabalhadores (as), essa transição condensada é ainda
mais acirrada, pois, em sua grande maioria, ainda se encontram na Educação Bási-
ca com condições vulneráveis para sua conclusão, em virtude das condições preca-
rizadas de vida.
Como afirma o estudante colaborador Mestre Didi, “É corrido trabalhar, cuidar
do filho e estudar. Tem gente que é sozinho, é mais difícil ainda. É muito difícil, não
é fácil, não” [sic]. Mestre Didi repete algumas vezes o quanto é difícil para ele conci-
liar o trabalho, o cuidado com o filho e os estudos, bem como realça mais uma vez a
importância da família na rede de sociabilidade para apoiá-lo nessa desafiante tare-
fa, arriscando-se a dizer que certamente é muito difícil “fazer tudo isso sozinho”. Ar-
royo (2017) nos leva a refletir como é articular o tempo do trabalho informal e o tem-
po de EJA:

A caracterização do desemprego e das formas de trabalho instáveis às


quais são submetidos esses jovens e adultos, além de interrogar os currícu-
los, interroga também, a organização da própria EJA e da escola, e a orga-
nização dos seus tempos, sobretudo. Uma coisa é o tempo de um trabalha-

28 Falaremos da rede de sociabilidade enquanto categoria de análise mais adiante.


128

dor que sabe a hora que entra e a hora que sai nas oito horas de trabalho, e
outra coisa é o tempo de um sobrevivente em situações informais de traba-
lho. Ele não tem tempo, ou melhor, ele não controla seu tempo, ou ele tem
de criar o seu tempo a partir dos tempos de sobrevivência. Consequente-
mente, não é um tempo que ele cria como bem quer. Esse tempo tem de
ser criado em função do ganho de cada dia. O tempo dele é tão instável
quanto sua forma de trabalhar. (ARROYO, 2017, p. 61).

Para a estudante colaboradora Carolina de Jesus, a transição para a vida


adulta também foi condensada, haja vista que desde cedo precisou trabalhar para
sustentar a família. Ela é uma estudante negra de 24 anos, atualmente morando
com o marido, que também tem a mesma idade, e sua mãe, sobre quem sempre se
reporta com muito carinho. Seu esposo também é negro, frequenta a mesma escola
e atualmente participa da Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA), onde estuda músi-
ca e atua profissionalmente na área. Quando perguntei-lhe como era conciliar a vida
pessoal com os estudos, respondeu:

É complicado, mas no meu caso é um pouco mais leve, graças a Deus,


porque não tenho filho ainda. Ainda mais porque minha mãe mora com a
gente e isso de certa forma ajuda. A vida dele [esposo] é mais corrida por-
que está trabalhando, a minha nem tanto, porque não estou trabalhando fo-
ra. Agora para mim está mais leve, mas antigamente era mais complicado.
A gente tinha que conciliar nossa vida, educação e trabalho, pois trabalhava
em salão de beleza. Às vezes não tinha tempo para nada. Ele também aju-
da, lava os pratos, faz algumas coisas, não pesa tanto para mim. Mas
quando trabalhava no salão, já faltei escola por causa do trabalho, mas tive
professores que me ajudava muito. Conversava com os professores, eles
viam que eu era uma aluna que se esforçava e compreendiam a situação.
[sic] (EC Carolina de Jesus).

Carolina de Jesus fala que sua condição atual profissional torna seus horários
e sua condição de estudante mais confortável, já que atualmente não está traba-
lhando fora do domicílio e realiza afazeres domésticos, o que flexibiliza mais as
ações e os horários, mas não a deixa desobrigada do trabalho. Realça que o fato de
sua mãe morar com ela também colabora para se torne mais leve conciliar vida pes-
soal com estudos. Em seu relato, faz um destaque interessante quando se refere à
divisão de tarefas domésticas com o marido, o que contribui veementemente para
“sobrar” tempo para se dedicar aos estudos com mais afinco. Assim, dialogar com o
marido para dividir os afazeres domésticos foi um dos etnométodos produzidos por
Carolina para contribuir com sua permanência na escola.
A estudante colaboradora Carolina de Jesus destacou que anteriormente,
quando atuava profissionalmente no salão de beleza, muitas vezes se via absorvida
129

pelo trabalho, o que a tornava em alguns momentos infrequente na escola, mas que
o diálogo com os (as) professores (as) para explicitar as situações ocorridas contri-
buiu para permanecer na escola conciliando os tempos de estudo e trabalho. Desse
modo, Carolina de Jesus produziu alguns etnométodos para resolver a situação das
infrequências na sala, dialogando e expondo aos professores sua condição de estu-
dante-trabalhadora, o que gerava em vários momentos a falta de controle do seu
próprio tempo de estudo e trabalho.

Micropolíticas de permanência produzidas pela instituição escolar

Para realizar a escuta dos (as) colaboradores (as) da pesquisa, conforme dito
anteriormente, realizei também o diálogo formativo com os (as) professores, coorde-
nador pedagógico e gestora da escola. O diálogo formativo realizado com os (as)
docentes e coordenador pedagógico aconteceu no turno vespertino, no espaço que
geralmente é utilizado para acolher os (as) estudantes e servir as refeições ofereci-
das na escola; a entrevista realizada como a gestora aconteceu na sala da gestão.
O grupo de professores (as) e coordenador pedagógico colaboradores dessa
pesquisa foi formado por sete docentes das áreas do conhecimento de humanas,
linguagens e ciências da natureza, com faixa etária entre 38 e 58 anos, cujo tempo
de serviço na docência variava entre 10 e 26 anos. A gestora da escola possui vasta
experiência no campo da educação de jovens e adultos, bem como na gestão dessa
instituição.
O professor colaborador André Rebouças, entretanto, só se reuniu ao grupo
após iniciada a roda, quando lhe expliquei o propósito da atividade que estava sendo
desenvolvida e perguntei se poderia contribuir sobre o assunto. Ele foi solícito e fez
questão de verbalizar:

A gente já sabe, teoricamente, que na EJA, tanto no diurno, como noturno,


tem esses fatores internos e externos à escola que provocam a evasão, a
desistência. Então nós temos até um estudo, um relatório escrito com os
motivos das causas da evasão dos alunos adultos que perpassa por essa
questão da empregabilidade, não é? A questão familiar, a acessibilidade, a
mudança de endereço. Então são fatores que: ‘Ó, estou desistindo por isso’,
né? A gravidez, às vezes, precoce que entra na questão familiar, né?Então
são fatores externos que, às vezes, não dá muito pra a gente contornar.
[sic] (PC André Rebouças).
130

O professor André Rebouças participou anteriormente do Projeto de Monito-


ramente, Acompanhamento, Avaliação e Intervenção Pedagógica (PAIP)29 na rede
de educação de ensino da Secretaria Estadual de Educação da Bahia, que teve ini-
cialmente o objetivo de monitorar o desenvolvimento das ações pedagógicas das
escolas da rede de ensino. Esse Projeto possibilitou aos (às) técnicos (as) ter uma
visão ampla da rede, na medida em que estes realizavam visitas às unidades esco-
lares, tendo acesso às propostas pedagógicas destas e às propostas curriculares
dos cursos ofertados, bem como dos projetos desenvolvidos.
Na fala do professor colaborador André Rebouças, ele realça que fatores ex-
ternos e internos à escola interferem no processo de escolarização dos (as) estu-
dantes jovens e adultos (as), dentre os quais, ressalta a questão da empregabilida-
de, da acessibilidade, questões familiares e mudança de endereço residencial, como
fatores externos que muitas vezes têm impedido os (as) estudantes de permanece-
rem na escola. Destacou que os fatores externos relacionados foram identificados
após a escola realizar uma pesquisa com os estudantes jovens e adultos para identi-
ficar as causas da evasão escolar. O processo de escuta dos (as) estudantes jovens
e adultos (as) é muito importante e necessária, pois permite compreender o que sen-
tem, pensam, quais saberes experienciais foram produzidos no decorrer de sua tra-
jetória de vida no sentido de apoiá-los (as) na continuidade dos estudos.
A opção pela existência de vários cursos de EJA na escola também tem cons-
tituído etnométodos que têm contribuído para a permanência dos (as) estudantes
jovens e adultos (as) trabalhadores (as), como podemos identificar no relato da es-
tudante colaboradora Carolina de Jesus, o quanto a coexistência de curso e exame
na própria escola tem possibilitado a permanência na escola:

A escola fornece, além de aula em sala, a CPA. Então, fica mais fácil de
pegar Matemática e Português no ano e as outras matérias na CPA. Então,
você pode ir eliminando, como eu mesmo. A formação da escola é de dois
anos, mas como eu consegui fazer a CPA e aí fiquei um ano mesmo de es-
cola normal, fiz o CPA de cinco matérias e cinco matérias eu peguei em sa-
la, então torna mais fácil. [sic] (EC Carolina de Jesus).

29 O PAIP foi criado através do Decreto nº 4202/2012, publicado no D.O.E em 23/04/2012, sendo um
projeto estruturante, permanente de monitoramento, acompanhamento, avalição e intervenção do
trabalho pedagógico, com o objetivo de fortalecer o processo de ensino e da aprendizagem dos
estudantes vinculados à rede pública de ensino da Secretaria de Educação da Bahia.
131

A estudante colaboradora Carolina de Jesus destaca a existência da CPA,


que se constitui no processo de reconhecimento de saberes acumulados nas expe-
riências de vida e de trabalho pelos jovens e adultos (as), por meio da realização de
avaliações, tendo em vista a certificação dos saberes adquiridos, em muitos casos,
em ambientes não escolares. É importante salientar que, no estado da Bahia, as
CPAs foram implantadas inicialmente nas escolas exclusivas de EJA, no intuito de,
articuladas aos projetos dos cursos ofertados, permitiria que os (as) estudantes jo-
vens e adultos (as) que não lograram êxito nas avaliações, retomassem seus itinerá-
rios formativos nos cursos que apresentassem desenhos curriculares mais adequa-
dos às suas realidades de vida. Arroyo (2017, p. 47) nos ajuda a compreender que:

Parar de estudar não significou parar de se formar, de se humanizar. Não


significou parar de pensar, de ler o mundo, de tentar entender-se nas rela-
ções sociais, políticas. O trabalho é a vivência mais forte nesses processos
de formação. Essas pessoas têm direito a esses reconhecimentos quando
voltam à escola.

A fala da estudante colaboradora Carolina de Jesus aponta para uma das


questões polêmicas do texto da LDB nº 9.394/96, artigo 38, segundo a qual “os sis-
temas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base
nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter
regular” (BRASIL, 1996).
Sobre essa questão, Ventura e Rummert (2011, p. 70) consideram que

A LDB não significou uma ruptura com a diretriz predominante na EJA ao


longo de sua história. Nesse sentido, em que pese o fato de terem sido alte-
rados a nomenclatura e o conceito, sua existência continuava mediante a
forma de ‘cursos e exames supletivos’, o que, sem dúvida, perpetua a con-
cepção de suplência de compensação e correção de fluxo escolar.

Essa questão apontada por Ventura e Rummert (2011) nos ajuda na reflexão
sobre o lugar dos exames de certificação da Educação Básica no processo de retor-
no à escolarização dos jovens e adultos (as). O fato é que na Bahia houve um cres-
cimento significativo de jovens e adultos (as) inscritos na CPA na tentativa de con-
clusão do Ensino Médio, e muitos deles queriam regularizar sua vida escolar para
permanecer no trabalho ou acessar a Universidade enquanto projeto de vida. Muitos
(as) desses (as) jovens e adultos (as) têm pressa em dar andamento em sua vida e
isso envolve, muitas vezes, uma entrada antecipada no mundo do trabalho enquanto
132

dispositivo de sobrevivência e concretização de projetos que têm urgência, em de-


corrência das precariedades das condições de existência, dentre outros fatores.
Outra questão vinculada aos exames que prejudicou sobremaneira a juventu-
de da classe trabalhadora foi a redução da idade mínima para realização dos exa-
mes supletivos, de dezoito para quinze anos no Ensino Fundamental e de vinte e um
para dezoito anos no Ensino Médio, o que reverberou na priorização da idade míni-
ma para a certificação em detrimento dos processos pedagógicos. Para Rummert
(2007, p. 64),

a legislação ratificou, assim, tanto a subordinação da educação dos traba-


lhadores aos interesses do capital em sua atual fase de acumulação, quanto
a valorização de medidas que alteram os indicadores estatísticos de baixa
escolaridade da população, sem que se verifique efetivo compromisso com
a oferta de educação de qualidade para a maioria da classe trabalhadora.

Lembro-me de uma palestra proferida por Miguel Arroyo em 2018, no Seminá-


rio de Direitos Humanos, na Universidade do Estado da Bahia quando falou que pre-
cisamos ter um olhar também sobre a imediatividade dos (as) jovens e adultos (as)
que buscam a escola, pois muitos deles (as) precisam resolver questões práticas de
sobrevivência. O pensamento de Arroyo nos provoca a perceber que urge pensar-
mos com os (as) estudantes-trabalhadores (as) projetos pedagógicos que proporcio-
nem itinerâncias formativas diversas, agregado a outros apoios que fortaleçam a
“permanência material” (SANTOS, 2009) para que um número maior de jovens e
adultos (as) possam enxergar nessas ações possibilidades de retorno ao processo
de escolarização na Educação Básica. Para muitos (as) jovens e adultos (as) que
acessam essa modalidade de ensino, o fato de os cursos terem uma duração que
“cabe em seus tempos”, lhes permite sonhar com novos projetos de vida. Para Arro-
yo (2006, p. 25),

não é a EJA que ficou à margem ou paralela aos ensinos nos cursos regula-
res, é a condição existencial dos jovens e adultos que os condena a essa
marginalidade e exclusão. O mérito dos projetos populares de EJA tem sido
adequar os processos educativos à condição a que são condenados os jo-
vens e adultos. Não o inverso, que eles se adaptem às estruturas escolares
feitas para a infância e adolescência desocupada.

Ainda sobre a questão de possibilidades formativas, a estudante colaboradora


Hilária Batista explica a dinâmica de concluir o Ensino Médio na modalidade EJA,
133

em um período de dois anos e como isso pode contribuir para a realização de seus
projetos de vida nas diversas áreas:

Como cada grupo de disciplinas são seis meses, menos matemática e por-
tuguês que é um ano, então, isso ajuda, porque na escola normal não é as-
sim, né? Fora que, embora sejam só seis meses, eles não querem que vo-
cê saia daqui da escola sem ter conhecimento. É pouco tempo pra você
aprender uma matéria, principalmente química e física que só seis meses
mesmo. Eles querem que você tenha capacidade de sair daqui aprendendo
algo. Não é você sair de qualquer jeito, não é porque você fez uma acelera-
ção, um supletivo, que você tem que sair só com aquele assunto pequeno,
não. Eles querem falar de assuntos atuais, falam com você diariamente so-
bre aquilo que se estuda, você saiu daqui, mas você sabe mais sobre aqui-
lo. [sic] (EC Hilária Batista).

A fala de Hilária aponta para questões muito interessantes no campo da EJA:


inicialmente ela explicita a questão do tempo pedagógico nessa modalidade de en-
sino, que para muitos ressoa como aligeiramento ou são confundidos com cursos de
aceleração da aprendizagem com foco na regularização da distorção idade-série. No
entanto, é interessante destacar que essa lógica de organização curricular parte do
princípio de que esse (a) jovem e adulto (a) traz para a escola conhecimentos e sa-
beres adquiridos ao longo de sua experiência de vida, vinculadas ao mundo do tra-
balho ou de outras experiências escolares. Assim, a carga horária destinada aos
componentes curriculares é mais reduzida, considerando essas questões. Arroyo
(2017, p. 63) considera que:

A história da escolarização da EJA assumida como nível da educação bási-


ca, regulada em diretrizes, vem mostrando que é um contrassenso transferir
a rigidez de tempos, horários, níveis, segmentos e avaliações da escolari-
zação de crianças à educação de pessoas jovens e adultos com histórias de
tempos de viver, sobreviver, de trabalhos tão desencontrados. Esses jo-
vens-adultos, submetidos a trabalhos tão instáveis, não são senhores dos
seus tempos; logo, submetê-los à rigidez dos tempos escolares é uma for-
ma de negar-lhes o direito à educação por que tanto lutam. Lembremos que
são obrigados a voltar à EJA porque desde a infância não deram conta de
articular trabalho, sobrevivência e rigidez dos tempos-séries escolares.

Outra reflexão provocada pela estudante colaboradora Hilária diz respeito ao


sentido ainda hoje atribuído aos cursos de EJA, no que se refere à suplência ou ace-
leração dos estudos. Essa contradição em relação à concepção atual de EJA é
compreensível na medida em que a legislação brasileira30 durante anos se referiu à
EJA dessa maneira, o que levou a sociedade a concebê-la como tal. Assim, comu-

30 Sobre essa questão, consultar a LDB nº 5.692/1971.


134

mente a EJA era concebida como etapa de escolarização destinada a jovens e adul-
tos em processo de alfabetização ou como mero exame supletivo.
Desse modo, alguns sistemas de ensino, apesar de expressarem na sua pro-
posta pedagógica que concebem a EJA como modalidade de ensino da Educação
Básica, as práticas pedagógicas desenvolvidas ainda estão arraigadas da lógica da
suplência e correção de fluxo escolar.
Ainda em seu relato, a estudante colaboradora Hilária Batista afirma que os
(as) professores (as) sempre trazem para discussão em sala de aula temas atuais:
“Eles querem falar de assuntos atuais, falam com você diariamente sobre aquilo que
se estuda”. Barbosa (2007), ao tratar das questões vinculadas à organização curri-
cular no campo da EJA, é enfática ao considerar que os conhecimentos eleitos como
formativos devem partir de outra lógica, vinculados à realidade dos (as) estudantes-
trabalhadores (as) jovens e adultos (as):

[...] saberes que contribuam para o desenvolvimento da consciência crítica e


para esta capacitação, sem que isso signifique uma opção por um qualquer
tipo de minimização, como foi e ainda é preconizado por alguns. Não se tra-
ta de reduzir conteúdos para “facilitar”, mas de adequar conteúdos a objeti-
vos mais consistentes do que o da mera repetição de supostas verdades
universais desvinculadas do mundo da vida. (BARBOSA, 2007, p. 98).

Barbosa (2007) nos esclarece que vincular os conhecimentos escolares às


experiências de vida dos (as) estudantes pode contribuir para a formação da consci-
ência crítica do (a) estudante-trabalhador (a) jovem e adulto (a) e isso não significa a
minimização dos conhecimentos, pelo contrário, se constitui respeito aos saberes
produzidos pelos (as) atores (atrizes) sociais curriculantes.
Ainda sobre a organização curricular na EJA, Barbosa (2007) considera que
as aberturas curriculares são fundantes para contemplar as multiplicidades de itine-
rários formativos desses (as) atores (atrizes) sociais, contribuindo para vinculá-los ao
processo de escolarização em curso:

Quanto maiores as possibilidades abertas pelo currículo formal para dar


conta dessa multiplicidade, mais ele estará inserido no cotidiano da experi-
ência escolar. Quanto mais fechado e definidor se pretender o currículo
formal, menos associações terá com a dinâmica cotidiana das salas de au-
la. Ou seja, ao invés de prescrever o que deve ser a escola, uma proposta
curricular precisa dialogar com aquilo que ela é. (BARBOSA, 2007, p. 94).
135

Isso nos faz lembrar da fala da estudante colaboradora Hilária Batista, quando
se refere aos (às) professores (as) e ao esforço empreendido por eles (as). É per-
ceptível o quanto para Hilária discutir sobre temas do cotidiano a vinculou à escola,
o que contribuiu para sua permanência e conclusão dos estudos na Educação Bási-
ca. A propósito, Barbosa (2007) defende que:

Uma prática curricular consistente somente pode ser encontrada no saber


dos sujeitos praticantes do currículo, sendo, portanto, sempre tecida em to-
dos os momentos e escolas/classes. Nessa perspectiva, emerge uma nova
compreensão de currículo. Não se fala de um produto que pode ser constru-
ído seguindo modelos preestabelecidos, mas de um processo por meio do
qual os praticantes do currículo ressignificam suas experiências a partir das
redes de poderes, saberes e fazeres das quais participam. (BARBOSA,
2007, p. 93).

A estudante colaboradora Márcia Santana, em seu relato, informa que está


matriculada no curso Tempo de Aprender e também está inscrita na CPA, o que,
segundo ela, vem contribuindo para concluir em menor tempo a Educação Básica.
Desse modo, a referida estudante colaboradora realiza avaliações dos componentes
curriculares sobre os quais possui maiores conhecimentos; concomitantemente, está
matriculada no Curso Tempo de Aprender, cujo desenho curricular é semestral e
modular, com aulas presenciais mediadas por professores (as):

Como eu tinha dito, a escola fornece, além de aula em sala, o CPA. Então,
fica mais fácil de pegar três matérias durante seis meses, como Hilária Ba-
tista falou, matemática e português no ano e as outras matérias no CPA.
Então, você pode ir eliminando, como eu mesmo, a formação da escola são
dois anos do Tempo de Aprender, mas como eu consegui fazer o CPA e aí
fiquei um ano mesmo de escola normal, fiz o CPA de cinco matérias e cinco
matéria eu peguei em sala, então torna mais fácil. [sic] (EC Márcia Santa-
na).

A estudante colaboradora considera que vincular-se às duas formas curricula-


res organizativas vai lhe proporcionar a conclusão da Educação Básica em um tem-
po mais rápido, o que pode facilitar a realização de outros projetos pessoais e pro-
fissionais.
Ratificando o relato de Márcia Santana, a estudante colaboradora Hilária Ba-
tista fala da importância da flexibilidade dos horários de estudo e de cursos nas es-
colas para proporcionar condições de permanência na Educação Básica, ao consi-
derar que “a gente tem um pouco esse privilégio da escola de conciliar nossos horá-
rios, mas os jovens que estão em escola regular que os ensinos são as mesmas
136

coisas o ano todo, afasta você cada vez mais” [sic]. Hilária Batista nos provoca a
refletir que “a diferença faz diferença”, pois propor cursos, cujas propostas curricula-
res e tempos pedagógicos apresentam flexibilidade, contribui veementemente para a
continuidade dos estudos dos (as) estudantes-trabalhadores (as). Destaca que se
sente privilegiada em estar em uma escola diferente, que apresenta outras possibili-
dades formativas, diferentemente de outros (as) jovens matriculados (as) em “escola
regular”, os quais, segundo ela, são afastados cada vez mais da escola, já que esta
impõe currículo homogêneo, que não acolhe a diferença. Para Arroyo (2006), a per-
manência de jovens e adultos (as) na Educação Básica não é somente uma escolha
deles (as), mas está intimamente relacionada às condições materiais nas quais eles
(as) estão vinculados (as); assim, os horários de oferta dos cursos, o desenho curri-
cular, a distância da casa/trabalho/escola são condições materiais que muitas vezes
definem pelo (a) jovem a possibilidade de continuidade dos seus estudos.
Para a professora colaboradora Dandara, outra questão que merece atenção
são as ações pedagógicas que vinculam os (as) estudantes à escola, como o de-
senvolvimento de projetos didáticos. Dandara fala do projeto desenvolvido pela es-
cola há alguns anos, que está vinculado ao mundo do trabalho e que vem se consti-
tuindo uma ação formativa permanente e fundante para fortalecer o vínculo dos (as)
estudantes com a escola:

[...] a gente está estimulando participação em projeto, nós temos um projeto


de arte e mundo do trabalho. Economia criativa, até para estimular eles [os
estudantes] a estarem produzindo coisas, fazendo parcerias. Até para agre-
gar, para ver se fortalece essa coisa da aquisição de renda acerca do traba-
lho. [sic] (PC Dandara).

O projeto a que se refere a professora colaboradora Dandara é desenvolvido


em parceria com outras instituições e realizado no espaço da Estação da Lapa. Vin-
culado à temática trabalho e renda, o projeto tem se transformado em uma ação
mobilizadora dos (as) estudantes-trabalhadores (as) da escola e da comunidade do
entorno. Nesse espaço formativo não escolar, os (as) estudantes anualmente reali-
zam uma feira em parceria com os (as) comerciantes do local, com palestras, ofici-
nas e demonstração de produtos e serviços protagonizados pelos (as) estudantes-
trabalhadores (as). A questão que ora se apresenta é que o projeto tem se constituí-
do dispositivo didático interessante para atribuir sentido aos conhecimentos escola-
137

res, instituindo outros conhecimentos eleitos como formativos pelos (as) atores (atri-
zes) sociais curriculantes. Macedo (2013, p. 22) considera que,

nas experiências cotidianas miúdas, nas brechas, nas frestas e fissuras, nas
reexistências afirmativas, nas transgressões, nas rasuras, nas rebeldias e
nas traições cotidianas, nas opacidades, na clandestinidade, nas diversas
micro-ousadias, nas epifanias que irrompem, acontecem ações instituintes.

Nesse cenário, também “emergem etnométodos que se autorizam” (MACE-


DO, 2013, p. 23) à medida que autores (as) implicados produzem outros caminhos
para resolver situações do cotidiano. Na fala da professora colaboradora Dandara,
compreendemos a realização do projeto como um dos etnométodos produzidos pela
escola para colaborar com permanência dos estudantes-trabalhadores na escola,
vinculando-os cada vez mais aos processos formativos.
Como dito anteriormente, Hilária Batista é uma estudante egressa e afirmou
que o diálogo e o acompanhamento dos (as) docentes contribui para a vinculação
dos (as) estudantes ao processo de escolarização:

Uma das coisas que nos ajuda a permanecer no colégio que eu acho é que
os professores, tipo, eles ajudam apoiando nos estudos diariamente, né? E
como eu tava falando, muitas vezes a pessoa falta, eles fazem aquilo, pe-
gam o Whatsapp da pessoa, fala com você, manda mensagem, faz grupo
da sala de aula, um grupo mesmo no Whatsapp pra falar da matéria e de
certos tipos de assuntos, se você está precisando de nota, eles sentam com
você, passam exercícios, veem seu caderno, então, eles têm essa preocu-
pação de tá ali.[sic] (EC Hilária Batista).

A fala de Hilária demonstra que a atenção dispensada pelos (as) professores


(as) aos (às) estudantes é perceptível para eles próprios, já que, quando alguma
estudante falta, estes (as) realizam ligações telefônicas para saber o motivo e
acompanhar a situação, evitando, deste modo, que o (a) estudante se sinta desmoti-
vado (a) devido à impossibilidade de frequentar a aula naquele dia.
Outra questão realçada no relato da estudante colaboradora é a produção de
etnométodos pelos (as) professores (as) utilizando dispositivos tecnológicos para
acompanharem a participação dos (as) estudantes trabalhadores, desde registro de
frequência destes (as) até esclarecimento de dúvidas dos conhecimentos socializa-
dos em sala de aula. A estudante destaca que os (as) professores (as) também ela-
boram atividades para os (as) estudantes que “perderam” a aula, contribuindo para
138

abrandar a infrequência, já que os (as) estudantes que faltaram a aula por algum
motivo conseguem acompanhar as discussões realizadas em sala de aula.
A estudante colaboradora Hilária reporta-se também a um fenômeno que
ocorre comumente nas turmas de EJA, que é a descontinuidade de frequência dos
(as) estudantes trabalhadores (as) devido a motivos (pessoais, econômicos, profis-
sionais) e que podem ser minimizados através de escuta sensível (BARBIER, 2007)
e acompanhamento sistemático do (a) estudante. É importante salientar que essa
descontinuidade da frequência do (a) estudante da EJA não se constitui evasão31,
sendo denominada por Urpía (2009) de frequência intermitente, ou seja, “[...] é a fre-
quência descontínua dos educandos à sala de aula.” (URPÍA, 2009, p. 47).
A professora colaboradora Dandara também lança mão do diálogo no intuito
de aproximar os (as) estudantes dos conhecimentos formativos veiculados na esco-
la: “Através de conversas e situações em sala de aula, procuro trazer as experiên-
cias que ele tem adquirido e a partir daí, com muito jeito, boa vontade e profissiona-
lismo, vou tentando explorar isso através das atividades que a gente faz em sala de
aula”. A professora colaboradora apresenta uma sequência didática de inspiração
paulofreireana, em que o professor (a), a partir de uma postura dialógica, tem aces-
so aos conhecimentos que os (as) estudantes trabalhadores (as) possuem sobre o
tema; estes conhecimentos, por sua vez, são trabalhados posteriormente em sala de
aula. Essa prática pedagógica contribui para a aproximação dos (as) estudantes
com os conhecimentos escolares, partindo sempre dos saberes e conhecimentos
que já possuem. Esse movimento dialógico e emancipacionista produzido pela pro-
fessora colaboradora Dandara contribui para a formação de atores (atrizes) sociais
críticos (as) e conscientes de sua formação. Macedo (2013) nos alerta para o perigo
de desconsiderarmos os (as) atores (atrizes) sociais como produtores de conheci-
mentos:

É interessante compreender que o discurso e práticas elitistas têm retirado


das escolas muitos jovens e adultos que não se enxergam como atores cur-
riculantes “sobretudo aqueles silenciados por uma educação historicamente
autocentrada e excludente, tomando como problemática a distribuição social
dos conhecimentos eleitos como formativos. (MACEDO, 2013, p. 428).

31 O sentido atribuído à palavra evasão nessa tese é “a desistência do curso, incluindo os que, após
terem se matriculado, nunca se apresentaram ou se manifestaram de alguma forma para os cole-
gas e mediadores do curso, em qualquer momento.” (FÁVERO, 2006, p. 02).
139

Macedo (2013) destaca que são justamente as práticas autoritárias nas esco-
las que têm contribuído para que muitos (as) jovens e adultos (as) não se percebam
como atores (atrizes) curriculantes, que pensam e fazem o currículo. Muitos (as)
desses (as) atores (atrizes) sociais, devido às práticas históricas de exclusões e si-
lenciamentos, de direitos negados, ainda não compreenderam seu potencial en-
quanto definidores (as) de situações curriculares com pontos de vista diversos, pro-
duzem ambivalências e “desnudam o príncipe”32 (MACEDO, 2009).
A professora colaboradora Clementina de Jesus realça também que trabalha
com os (as) estudantes da EJA de forma que estes compreendam o sentido da área
de estudo que leciona, relacionando os conhecimentos escolares com os saberes e
conhecimento da vida dos (as) estudantes:

Então eu procuro, assim, que os assuntos trabalhados sejam os mais apra-


zíveis a eles, então a gente trabalha partindo da premissa que a gente tenta
fazer uma aula diferenciada, mostrando o que eles devem comer, a gente
fala da questão de cuidar da sua saúde, né? A questão da alimentação rica
com gordura, o que pode causar, então tudo isso eu procuro contextualizar,
saber das doenças... nós temos muitos idosos aqui, então eu procuro orien-
tar eles nesse sentido. Alguns dizem: ‘Ó professora! A senhora fala de coi-
sas que a gente não sabia que existia, fala de coisas que a gente precisa’.
Então é interessante a gente trabalhar... [sic] (PC Clementina de Jesus).

Percebemos no relato de Clementina de Jesus que ela faz um esforço peda-


gógico para aproximar os temas em estudo da realidade dos (as) estudantes traba-
lhadores (as) da EJA, o que torna a aprendizagem mais prazerosa e contextualiza-
da. A referida professora colaboradora continua seu relato explicitando as singulari-
dades do trabalho com a Educação de Jovens e Adultos em comparação com a do-
cência em turmas de jovens que frequentam o Ensino Médio:

É interessante a gente fundamentar as aulas desse jeito, porque a gente


quer tornar mais atrativo, pra até facilitar a compreensão do que tá ligado à
realidade deles, entendeu? Não pode ser maçante. De manhã, eu trabalho
com o ensino médio, terceiro ano, já o trabalho é diferente, eu trabalho a
questão do Enem... é aquela coisa, outra escola, entendeu? Aqui não, aqui
é uma coisa mais ligada à realidade. É claro que lá é ligado à realidade, a
gente também procura contextualizar, mas aqui é bem mais ligado à prática,
né? [sic] (PC Clementina de Jesus).

32 Na obra Currículo: campo, conceito e pesquisa, Roberto Sidnei Macedo (2002) realiza uma
discussão sobre o campo do currículo, nomeando-o como “o príncipe”, onde apresenta a
compreensão do currículo como um complexo e poderoso artefato educacional, organizador das
formações.
140

A professora colaboradora Clementina de Jesus destaca que no trabalho com


a EJA é imprescindível tornar as aulas mais atrativas, no intuito de que o (a) estu-
dante trabalhador (a), partindo de sua realidade de vida, acesse os conhecimentos
eleitos como formativos de forma compreensiva. A referida professora colaboradora
destaca a diferença, inclusive, de que na EJA o ensino não pode tornar-se mera-
mente propedêutico, preparatório para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM),
mas os conhecimentos eleitos como formativos necessitam vincular-se ao projeto de
vida dos (as) estudantes jovens e adultos (as) trabalhadores (as). Nesse aspecto, é
interessante refletirmos que não cabe à escola definir os projetos de vida dos (as)
estudantes, e, sim, prover condições para que, autores (as) de suas vidas que são,
façam as escolhas devidas de seus projetos. Desse modo, considero que cabe à
escola ampliar o leque de possibilidades formativas para que os (as) estudantes jo-
vens e adultos (as) interessados (as) em dar prosseguimento aos estudos na univer-
sidade sejam apoiados (as) para mais esse desafio na vida.
O professor colaborador André Rebouças falou sobre o esforço teórico e prá-
tico dos (as) professores (as) em romper com a disciplinarização dos conhecimen-
tos, o que fragmenta e não proporciona aos (às) estudantes da EJA uma visão mais
integrada dos mesmos:

Essa questão da formação, das novas pautas formativas, a gente tenta ter a
caixa de cada disciplina, mas a gente tenta quebrar um pouco esses muros
através de uns projetos interdisciplinares que tem aqui na escola, para que
essa formação desse jovem-adulto, seja multirreferencial mesmo, né? A
partir do olhar que ele tem das diversas ciências, né? [sic] (PC André Re-
bouças).

O professor explicita o esforço de romper com as “caixas disciplinares” de-


senvolvendo projetos na escola. Sobre essa questão, Gallo (1999, p. 33) destaca
que

as propostas de uma interdisciplinaridade postas hoje sobre a mesa apon-


tam, no contexto de uma perspectiva arbórea, para integrações horizontais
e verticais entre as várias ciências; numa perspectiva rizomática, podemos
apontar para uma transversalidade entre as várias áreas do saber, inte-
grando-as, se não em sua totalidade, pelo menos de forma muito mais
abrangente, possibilitando conexões inimagináveis no paradigma anterior.

Barbosa (2007) afirma que, no decorrer da história, formas alternativas de or-


ganização curricular foram desenvolvidas, desde a busca da integração entre as dis-
141

ciplinas numa perspectiva interdisciplinar, passando pelos currículos organizados em


projetos ou centros de interesse, até o uso da ideia freiriana de se partir daquilo que
o (a) estudante já conhece para chegar aos conhecimentos escolarizados. Essas
buscas nos levam a compreender as tentativas de dar sentido aos conhecimentos
eleitos como formativos, principalmente no campo da EJA.
Outra questão interessante trazida pelo professor colaborador André Rebou-
ças foi a compreensão do papel da escola na oferta de curso de EJA, diferenciando-
a de cursos de educação profissional. Para o referido professor, apesar de os (as)
estudantes serem em sua maioria trabalhadores (as), o currículo atualmente em vo-
ga na EJA não propõe uma formação profissional específica, apesar de essa escola
se constituir oficialmente um centro educacional que oferta cursos de EJA, o que
justificaria a referida oferta. É interessante observar que a Meta 10 do Plano Nacio-
nal de Educação (PNE) 2014-2024 propõe a oferta de “[...] no mínimo, 25% (vinte e
cinco por cento) das matrículas de educação de jovens e adultos, nos ensinos fun-
damental e médio, na forma integrada à educação profissional.” No CONFINTEA
Brasil + 6, realizado em 2016, em Brasília, com o objetivo de realizar um balanço
das ações educacionais coerentes com os compromissos declarados na VI CON-
FINTEA, especificados no Marco de Belém, a pesquisadora Maria Margarida Ma-
chado (2016) enfatizou que o Brasil não conseguiu atingir a meta nacional no que se
refere à oferta de EJA integrada à Educação Profissional (EP). O estado da Bahia
acompanha os dados nacionais, pois, apesar da ampliação do número de oferta de
Educação profissional, ainda é reduzida a oferta de cursos de EJA integrada à EP.
Ressaltamos que, no período de 2013 a 2016, na SEC/BA, houve várias articulações
internas para a ampliação de oferta de EJA e EP; no entanto, após esse período,
esse processo foi drasticamente reduzido.
Desse modo, o professor André Rebouças continua em seu relato abordando
outros etnométodos produzidos na escola para contribuir com a permanência dos
(as) jovens e adultos (as) trabalhadores (as) na escola:

A escolha das pautas formativas pra manter e assegurar a permanência


desse aluno perpassa por essa visão diferenciada da vida. Nós não somos
um curso profissionalizante, nós não preparamos para um trabalho, para sa-
ir daqui profissionalizado, preparamos para a vida, a partir da vida real de-
les, né? E sem deixar de tentar garantir pelo menos o mínimo, porque o cur-
rículo da EJA ainda é muito pequeno, o tempo pedagógico para a educação
de adultos é defasado em relação ao curso regular, né? A gente faz em dois
anos, o que a escola regular faz em quatro, cinco. Então o semestre não
142

são seis meses, temos que lidar com esse tempo pedagógico, valorizar ele.
Esse tempo pedagógico de qualidade, formativo e multirreferencial, é o que
faz com que a formação possa tentar assegurar essa permanência. Desde a
jornada pedagógica, como ela falou, cada disciplina tem que garantir. Tudo
isso são desafios nossos, de cuidados nossos para o aluno permanecer
aqui. [sic] (PC André Rebouças).

O professor colaborador André Rebouças nos fala de questões muito caras


no campo da EJA, como o reconhecimento de que o (a) estudante da EJA possui
uma visão diferenciada da vida e que essas experiências e vivências precisam ser
inseridas no currículo. Arroyo (2017) afirma que o currículo da EJA deve considerar
as questões de vida dos (as) estudantes trabalhadores (as), a partir de uma concep-
ção de currículo como objetos que

[...] os capacitem para o que esses jovens-adultos lutam, para ter mais op-
ções nessas formas de trabalho e para se emanciparem da instabilidade e
da exploração a que a sociedade os condena. Conhecimentos e capacida-
des que os fortaleçam como coletivos, que os tornem menos segregados
nas relações de poder, que os fortaleçam em suas lutas por emancipação.
(ARROYO, 2017, p. 59).

Arroyo (2017) nos fala de um currículo ético-político, em que pautas emanci-


pacionistas se façam presentes, que seja flexível e aberto o suficiente para discus-
sões sobre as condições de precariedade na vida e no trabalho. O autor destaca que
esses conhecimentos podem fortalecer os (as) jovens e adultos (as) trabalhadores
(as) enquanto coletivos na luta contra a segregação.
Outra questão levantada pelo professor diz respeito aos espaços formativos
institucionalizados para se pensar coletivamente sobre a organização do trabalho
pedagógico na EJA, como, por exemplo, a jornada pedagógica citada pelo professor.
Assegurar um espaçotempo para discutir e definir coletivamente ações pedagógicas
específicas para esses (as) atores (atrizes) sociais curriculantes é condição fundante
para dar andamento a uma proposta que se quer emancipacionista.
Ventura e Rummert (2011), no artigo intitulado Considerações político-
pedagógicas sobre as especificidades da Educação de Jovens e Adultos trabalhado-
res apontam para questões teórico-práticas, que não podem ser desconsideradas no
planejamento dessa modalidade de ensino:

1. A definição de estruturas curriculares articuladas e flexíveis, que contem


com o desenvolvimento de metodologias diferenciadas e adequadas à
realidade e aos interesses dos jovens e adultos;
143

2. O reconhecimento dos diferentes ritmos de aprendizagem que exigem


tempos diferenciados e não tempo único para todos, sem que isso re-
presente o isolamento e a negação das ricas possibilidades do trabalho
coletivo;
3. A superação do ensino centrado na perspectiva do acúmulo enciclopé-
dico, fragmentado e desconexo de informações, como referido por
Gramsci, anteriormente citado, e que Paulo Freire veio a denominar,
com propriedade, como “educação bancária”;
4. A busca permanente de um processo integrador dos diferentes saberes,
a partir da contribuição das diversas áreas do conhecimento e tendo
como base o aporte teórico-metodológico que nos é oferecido pela ca-
tegoria totalidade;
5. A reorganização teórico-prática e didático-pedagógica dos processos
dialógicos e dialéticos de ensino-aprendizagem, referenciada na centra-
lidade das experiências dos alunos, reconhecendo a importância das re-
lações pedagógicas ocorridas nos mais ricos e diversos espaços-
tempos exteriores ao âmbito escolar;
6. A busca de realização, na escola, de ricas e importantes mediações en-
tre as experiências de vida, o conhecimento socialmente produzido e a
dimensão sócio histórica de ambos, que se articula com o mundo do
trabalho enquanto produtor de existência;
7. Não menos importante é o estabelecimento de horários de atendimento
dinâmicos que, a par de exigirem compromissos necessários à vida no
ambiente escolar, não se pautem na rigidez incompatível com a vida
concreta daqueles que são subsumidos às condições precárias de pro-
dução da existência que caracterizam a vida da maioria da classe traba-
lhadora. (VENTURA; RUMMERT, 2011, p. 81-82).

A professora Luiza Mahim nos presenteia com seu relato sobre os etnométo-
dos produzidos para o ensino das linguagens na EJA, realçando a parceria existente
com o coordenador pedagógico, parceria esta que, por sua vez, contribui para a
qualidade e o crivo crítico do coordenador, no que concerne aos materiais didáticos
veiculados em suas aulas. Essa postura ética e cuidadosa demonstra o cuidado e a
relevância que a citada docente dedica ao trabalho junto aos (às) estudantes-
trabalhadores (as) jovens e adultos (as). O rigor ético e político cultivado pela pro-
fessora colaboradora reverbera na metodologia adotada para aproximar os conhe-
cimentos escolares à realidade dos (as) atores (atrizes) sociais curriculantes. No re-
lato da professora Luiza Mahim, ela afirma que

O coordenador é aquela pessoa que trabalha com meus textos comigo,


porque todos os meus textos passam pela mão dele e ele sabe disso. Eu
procuro ver a necessidade de cada um, fazendo com que ele aprenda a ter
uma leitura melhor do mundo através da sua língua, trabalhando com ima-
gens, também, porque a leitura não é só você ler letras, né? É você também
fazer leitura do seu mundo, a leitura das imagens, trabalhar com as ima-
gens. Mostro pra eles porque nós falamos a língua portuguesa, é revoltante
um aluno sair do ensino médio sem o porquê ele fala a língua portuguesa,
porque não falam grego, russo ou alemão, como nasceu a língua. O estudo
da língua passa por toda uma interdisciplinaridade com história, com geo-
grafia, dou verdadeiras aulas de geografia, mostrando a eles um atlas até
chegar no ponto, na origem de sua língua, das navegações e como a língua
144

portuguesa é muito importante se trabalhar a leitura e a escrita, porque ele


precisa lá fora. [sic] (PC Luiza Mahim).

Os etnométodos produzidos pela professora Luiza Mahim vêm contribuindo


para a permanência dos (as) estudantes trabalhadores (as), pois levam em conside-
ração as necessidades destes estudantes, cultivando como conceitos mediadores
do processo a dialogicidade, a problematização e a participação, típicos de propos-
tas curriculares emancipacionistas. Dessa forma, a professora colaboradora Luiza
Mahim vem produzindo atos de currículo que se apresentam sensíveis ao processo
de produção de conhecimento desses (as) atores (atrizes) sociais curriculantes. Ma-
cedo (2016) afirma que

Atos de currículo nos possibilitam compreender como os currículos mudam


pelas realizações dos seus atores, como os atores curriculantes mudam
nesse envolvimento, como mudam seus significantes ou como conservam,
de alguma maneira, suas concepções e práticas, como definem as situa-
ções curriculares e têm pontos de vista sobre as questões do currículo, co-
mo entram em contradição, produzem ambivalências, paradoxos e derivas.
(MACEDO, 2016, p. 56-57).

Ainda sobre os etnométodos produzidos pela escola para contribuir para a


permanência dos (as) estudantes jovens e adultos (as), o professor André Rebouças
fala que

A gente também estimula a participação em projetos, pois nós temos um


projeto de arte e empreendedorismo, né? Economia criativa, até pra estimu-
lar eles a tar produzindo coisas, fazendo parcerias. Até para agregar, pra
ver se fortalece essa coisa da aquisição de renda acerca do trabalho, mas
nem sempre a gente consegue essa permanência com esse projeto. Imple-
mentar, também, as atividades em sala de aula, a partir dos dados que a
gente traz nesse diagnóstico, nesse questionário, né? Então a gente tam-
bém avalia quais fatores internos a gente pode tar contribuindo para essa
permanência ou não, né? Em torno da prática, da busca de formação. A
EJA agora tá tendo uma inclusão de alunos com deficiência muito grande,
gente necessitando de ampliar essa formação para abrigar essa diferença
do aluno com deficiência intelectual, deficiência visual, autismo, enfim. En-
tão a gente se avalia e, ao mesmo tempo, esse desafio chega pra a gente
como uma forma de sair da acomodação e partir mesmo para a formação,
para melhorar essa prática. [sic] (PC André Rebouças).

O professor André Rebouças fala da importância do trabalho com projetos di-


dáticos na EJA, em especial, do projeto vinculado à arte e à geração de renda que é
realizado na escola anualmente. Berttoti e Miyashiro (2016), destacam que,
145

nos últimos anos, a política de EJA tem buscado maior integração com o
mundo do trabalho por meio da articulação com a educação profissional e a
economia solidária como possibilidade de ampliação das perspectivas de
inclusão no mundo do trabalho e de criação de alternativas de trabalho e
renda visando à conquista de melhores condições de vida. (BERTTOTI; MI-
YASHIRO, 2016, p. 189).

No caso do projeto didático desenvolvido pela escola, mesmo não sendo vin-
culado aos cursos da Educação Profissional, constituem-se em um interessante dis-
positivo metodológico fomentador de alternativas de trabalho e renda. O desafio dos
estudantes trabalhadores em conciliar trabalho e estudo é percebida pela professora
colaboradora Aquatune como um reencontro com a formação; no entanto, esse re-
encontro é tensionado pelos esforços de sobrevivência:

Então ele vem buscar o reencontro com a formação que ele deixou há al-
gum tempo, mas, na verdade, a prioridade dele é a sobrevivência. Então se
ele vem e começa com mais empolgação, participando mais das aulas, em
contrapartida, ele recebe uma proposta interessante de trabalho que enten-
de que ele tá buscando esse trabalho, ao mesmo tempo em que o emprego
entende que ele está buscando sabedoria, a prioridade dele é esse traba-
lho, então, se ele consegue conciliar isso, bacana! E é interessante quando
ele vem e traz isso para o professor e a gente consegue, de alguma manei-
ra, acompanhar essa trajetória dele e aí a gente estabelece uma certa par-
ceria, mas nem sempre ele vem e traz. Então uma coisa que eu percebo en-
tre a gente, é muito importante a gente descontruir os conceitos, discutir
nossa forma pedagógica e buscar o foco dessa evasão, dessa desistência.
[sic] (PC Aquatune).

A professora colaboradora Aquatune destaca que o (a) estudante-trabalhador


(a), ao acessar a escola para dar continuidade aos estudos na Educação Básica,
tem como prioridade a sobrevivência. Essa, por sua vez, constitui condição fundante
para nossa existência humana. Assim, suas experiências vividas em espaços não
escolares devem ser consideradas no retorno à escola.
É importante destacar no relato da professora colaboradora Aquatune que, na
medida em que os conhecimentos e saberes produzidos no mundo do trabalho são
reconhecidos no contexto escolar, a escola passa a fazer mais sentido e constituir-
se também pauta necessária e relevante no seu projeto de vida. Talvez aqui esteja
um dos “gargalos” da educação de jovens e adultos: os conhecimentos e saberes
produzidos por esses (as) atores (atrizes) curriculantes, nos contextos de vida e do
mundo do trabalho, necessitam se tornar pautas formativas em nossas escolas, para
que o retorno ao processo de escolarização faça sentido para eles (as).
146

É interessante percebermos, ainda no relato da professora Aquatune, que, a


partir do feeling pedagógico que possui, consegue aproveitar esse caldeirão de sa-
beres para vincular o (a) estudante ao processo formativo, produzindo etnométodos
com uma riqueza política muito necessária no campo da EJA, como explicita em seu
discurso: “é interessante quando ele vem e traz isso para o professor e a gente con-
segue, de alguma maneira, acompanhar essa trajetória dele e estabelece uma certa
parceria”. Para a referida professora, o reconhecimento dos saberes produzidos pe-
los (as) estudantes trabalhadores (as) fora do contexto escolar podem potencializar
tanto o processo de ensino quanto de aprendizagem, no qual o professor acompa-
nha a trajetória de estudo e de trabalho desse (a) estudante, estabelecendo uma
relação de parceria, de cumplicidade. Desse modo, para a professora colaboradora
Aquatune, o acolhimento dos conhecimentos e experiências trazidas pelos (as) es-
tudantes do mundo do trabalho enriquece sobremaneira o trabalho pedagógico.
Finalizando seu relato, a professora colaboradora Aquatune ainda anuncia
uma descoberta: “Então uma coisa que eu percebo entre a gente [os professores],
que é muito importante a gente descontruir os conceitos, discutir nossa forma peda-
gógica e buscar o foco dessa evasão, dessa desistência” [sic]. A percepção da refe-
rida professora demonstra um exercício formativo importante, de realizar a “dobra”
necessária sobre o trabalho docente, olhar para dentro, ver-se com o olhar despro-
vido de ideias preconcebidas, tanto de si quanto do outro (a). Podemos arriscar in-
clusive que a professora colaboradora realizou uma reflexão clínica numa perspecti-
va autocrítica, enquanto dispositivo de compreensão, na medida em que “[...] o ob-
servador é instado também a se observar, viver distanciações para explicar a dinâ-
mica e o poder das suas implicações.” (MACEDO, 2016, p. 62) e, mais ainda, nessa
compreensão, “[...] fazendo um esforço de suspensão dos nosso pré-conceitos
(epoché), caminhando até o outro e, a partir do seu ponto de vista, empreender o
esforço do diálogo.” (MACEDO, 2016, p. 62). Assim, a partir desse movimento de
inflexão, outras possiblidades formativas podem ser produzidas e contribuir para a
permanência dos (as) atores (atrizes) sociais da EJA na Educação Básica.
Ainda sobre os etnométodos criados pela escola, encontramos a inclusão de
pessoas com deficiência, como uma importante ação de formação pelas diferenças,
conforme explicita a jovem estudante colaboradora Saraí Soares:
147

[...] o que eu vivo hoje, eu não viveria na escola que eu tava anteriormente,
porque eu não ia conviver com pessoas com deficiência, não ia conviver
com pessoas cadeirantes, eu não teria o mesmo respeito pelos idosos que
eu tenho hoje, eu não teria a capacidade de hoje doar o meu lugar no ôni-
bus, por conta de idoso, porque antes eu não me importava com isso, hoje
eu posso dizer que sim, hoje eu cederia meu lugar para o idoso porque eu
sei o que cada um passa aqui. A convivência com eles, convivendo com
pessoas de maior idade, a gente passa a se colocar um no lugar do outro.
[sic] (EC Saraí Soares).

A estudante colaboradora fala de uma questão que tem merecido destaque


importante no campo da EJA, que é a matrícula de jovens e adultos (as) com defici-
ência nesta modalidade de ensino. Martinha Santos (2016), em artigo intitulado Edu-
cação ao Longo da Vida em Educação Inclusiva: o direito dos jovens e adultos com
deficiência à Educação ao Longo da Vida, destaca que em 2015, conforme dados do
Censo Escolar/MEC/INEP, o número de matrículas de estudantes jovens e adultos
(as) com deficiência atingiu 114.905 estudantes, cerca de 48% em turmas de inclu-
são. Esses dados têm se refletido em mudanças no cotidiano das escolas que ofer-
tam cursos de EJA e alterado qualitativamente a formação de muitos (as) jovens e
adultos (as) que se encontram na Educação Básica, constituindo a formação para as
diferenças, conforme a fala da estudante Saraí Soares, uma oportunidade, pois está
convivendo com pessoas cadeirantes e com outras deficiências, experiência que
ainda não havia vivenciado em outros espaços escolares.
É importante destacar que o Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palma-
res vem realizando um trabalho de inclusão de estudantes jovens e adultos (as) com
deficiência há alguns anos e isto tem construído uma itinerância pedagógica fundan-
te para o coletivo de pessoas com deficiências que vem acessando a Educação Bá-
sica, em especial nas turmas de EJA. É importante destacar que esses (as) jovens e
adultos (as) com deficiência têm feito opção pelo turno diurno em virtude da dinâmi-
ca do seu cotidiano, na tentativa de conciliar as atividades na escola especializada,
atendimentos médicos e a escola “regular”.
Assim, além das micropolíticas de permanência produzidas pela escola, a re-
de de sociabilidade vem se constituindo dispositivo formativo importante para a per-
manência dos (as) estudantes jovens e adultos (as) na Educação Básica, como ve-
remos a seguir.
148

A rede de sociabilidade como recurso à permanência

Algumas questões pairam no ar quando compreendemos a complexidade na


qual vivem os (as) estudantes trabalhadores (as) jovens e adultos (as) para dar con-
ta de áreas tão relevantes em suas vidas: família, trabalho, cuidado dos filhos, estu-
do, enfim, tudo isso, considerando a precariedade de condições nas às quais estão
submetidos (as). Como lidam com as questões de sobrevivência e de estudo, que
requerem inclusive, essas últimas, abstração, mesmo que momentânea, das preo-
cupações com a sobrevivência para construírem compreensões mais elaboradas de
si e do mundo no qual vivem, fundamentais no seu processo formativo? No avançar
da presente pesquisa, compreendemos o quanto as redes de sociabilidade constitu-
em dispositivos de formação importantes nesse processo de retorno aos estudos na
Educação Básica. A compreensão dessa rede de sociabilidade nos interessa, pois
nos ajuda a compreender os etnométodos produzidos em colaboração com outros
(as) atores (atrizes) sociais curriculantes nessa desafiante tarefa de retorno aos es-
tudos.
Durante o diálogo formativo com os (as) estudantes, questionei como concili-
avam trabalho, vida pessoal e estudos; a estudante colaboradora Hilária Batista fa-
lou sobre colegas que pararam de estudar porque não tinham acesso a pessoas pa-
ra cuidarem de seus (as) filhos (as), bem como do caso de um colega que, por ter
apoio da família para cuidar do filho, conseguiu manter-se nos estudos, como vere-
mos no relato de Hilária Batista:

[...] tem dois casos verídicos que duas amigas minhas que pararam de es-
tudar, que não podiam trazer o filho para escola, porque tem essa proibição,
trazer o filho para escola. Então os jovens acabam parando de estudar, por
conta dessas coisas assim, tipo tem como o Mestre Didi, ele tem um filho
dele, graças a Deus, a mulher dele cuida da criança, mas se fosse ele e o
menino sozinho, ele não ia conseguir lidar com o trabalho, o filho e a escola,
entendeu? [sic] (EC Hilária Batista).

A estudante colaboradora Hilária, com certa indignação, mencionou a proibi-


ção da presença de filhos (as) de estudantes trabalhadores (as) na escola. O cuida-
do com os (as) filhos (as) enquanto os pais estudam parece constituir uma questão
fundante para o campo da EJA. Se a condição de trabalhadores (as) representa
princípio norteador do trabalho pedagógico da EJA, podemos também afirmar que a
condição de pai ou mãe constitui elemento balizador para sua permanência confor-
149

tável na escola. Será que podemos imaginar uma mãe ou um pai que se comporte
de forma tranquila sem informações sobre em quais condições seu (a) filho se en-
contra (a) enquanto estuda? Podemos perceber que, para aqueles (as) que perma-
necem na escola e que têm filhos (as), possuem uma rede de sociabilidade que vem
sendo construída de acordo com suas condições de vida, muitas delas, precariza-
das. No caso das duas amigas, Hilária relata que tiveram de abdicar dos estudos,
mais uma vez, para cuidar dos (as) filhos (as); quanto ao colega de turma, a estu-
dante colaboradora informa que tem encontrado apoio com a esposa, a qual tem
assumido a tarefa de cuidar do filho do casal enquanto o marido estuda. Parece-nos
que o cuidado com os (as) filhos ainda se constitui como uma tarefa atribuída às mu-
lheres, pois, em muitos casos, os homens não são nem citados na rede de sociabili-
dade. Desse modo, as mulheres, por sua vez, vêm assumindo essa tarefa, que pos-
sivelmente já substitui algum outro projeto em mente ou em andamento.
A estudante Hilária Batista discorre ainda acerca da sua própria experiência
de quase ter de desistir dos estudos por dificuldade de conciliá-lo com o trabalho,
mas contou que, com a ajuda dos (as) professores (as), conseguiu manter-se na
tarefa de estudar:

Agradeço aos professores eu continuar estudando. É um pouco complicado,


mas se tiver jeito, ajuda. Eu acho que tem pessoas que ficam colocando
desculpas, se conciliar tudo direitinho tem como terminar. Difícil é quem não
tem ninguém. Quem tem força de vontade, consegue. A gente não pode se
diminuir em virtude de tudo. Eu larguei a escola pela doença de minha mãe.
As pessoas têm que aprender em ser colocada com a realidade dia a dia.
As pessoas da minha idade que estão chegando agora, eu acho que isso é
ruim, colocar desculpa na política, na situação econômica, tá errado, a vida
é nossa. A gente que tem que correr atrás de tudo isso. Sendo que não tem
tanto dificuldade assim, tem que ter força de vontade. A maioria das adoles-
centes não querem voltar a estudar por causa do namorado, a adolescente
engravida e o marido não quer deixar ela ir para a escola. Não é só culpa da
educação, não é somente culpa do governo, é culpa de influências, a gente
quer ir para a festa, quer curtir e esquece do outro lado. (EC Hilária Batista).

Confesso que, a princípio, na fala de Hilária, transpareceu-me um pouco um


tipo de culpabilização dos (as) jovens e adultos (as) que não conseguem dar anda-
mento à sua vida, numa perspectiva neoliberal de individualização, em que os indi-
víduos fossem “culpados” pelas situações de exclusão social, econômica e política
às quais são submetidos. Há um misto em sua fala entre a culpabilização do (a) jo-
vem e do (a) adulto (a) pela precarização de sua vida; ao mesmo tempo, quando
Hilária fala de “correr atrás”, de não permitir que o discurso do (a) outro (a) nos sufo-
150

que, ela fala de autorização33, o que me reporta à ideia de que “somos coautores de
nós mesmos” (MACEDO, 2016, p. 22). Hilária fala da liberdade que temos em fazer
escolhas em nossas vidas, pois ela não está pré-determinada pelos (as) outros (as),
bem como fala da possibilidade de criarmos novos caminhos sempre que alguns
movimentos da vida nos impeçam de continuar a caminhada.
Outro destaque que faço na fala da estudante egressa Hilária Batista diz res-
peito às privações pelas quais muitas mulheres passam pelo simples fato de serem
mulheres: privação de ir à escola, em virtude de ciúmes do marido ou do namorado,
a gravidez precoce e tantas outras formas de opressão nas quais as mulheres têm
vivido. Dados divulgados pelo relatório global 2019, publicado pela ONG Internacio-
nal Human Rights Watch (HRW) – Observatório dos Direitos Humanos) revelam uma
“epidemia” de violência doméstica no Brasil. De acordo com dados divulgados no
relatório, há mais de 1,2 milhão de casos de agressões contra mulheres pendentes
na Justiça brasileira. Considero que temas como violência contra a mulher devem
figurar na pauta formativa urgente e necessária para ser incluída nos currículos da
EJA.
Para o estudante colaborador Mestre Didi, a família, em especial sua mãe,
tem sido um apoio presente em seu processo de retorno à escolarização:

Em mim, continua a mesma coisa, minha mãe sempre se esforçando e per-


guntando, mandando eu me esforçar mais, entendeu? Pra poder ser alguém
na vida, tá sempre pegando no meu pé ali e pra mim, todas as mães deve-
riam ser assim, não é porque o filho cresceu, que completou 25, 26 anos,
que deveria largar o filho de mão. Mesmo assim deveria falar: ‘Ó meu filho,
continue ali se esforçando’, mas tem mãe que larga o filho, só porque ele
completou a maioridade, não! Até quando a gente é de maior a gente faz er-
ros, nossos pais que já passaram por aquilo podem muito bem nos ajudar e
nos ensinar, entendeu? Então, minha mãe me vê do mesmo jeito que me
via antes, sempre mandando eu me esforçar bastante, pegando sempre no
meu pé. Agora eu tô quase aprovado nas matérias, eu tô rezando para que
eu já tenha passado pra poder ajudar mais. [sic] (EC Mestre Didi).

A fala de Mestre Didi nos revela que apoio e cuidado não prescrevem com a
idade. Ele fala que quer ser alguém na vida, compreendendo que lhe falta algo,
acreditamos que seja a conclusão dos estudos e, para alcançá-lo, remete-nos à figu-
ra da mãe: “tá sempre pegando no meu pé ali e pra mim, todas as mães deveriam
33 Na obra de Macedo (2016), A pesquisa e o acontecimento: compreender situações, experiências e
saberes acontecimentais, o autor nos apresenta o conceito de autorização cunhado por Jacques
Ardoino, cuja ideia nos remete à compreensão de que somos coautores de nós mesmos. Para
Macedo (2016, p. 22), “[...] nos autorizar implica a atualização dessa coautoria, tem a ver com
estarmos na origem da criação [...]”.
151

ser assim, não é porque o filho cresceu, que completou 25, 26 anos que deveria lar-
gar o filho de mão” [sic]. Ele sente o quanto o apoio da mãe, as palavras de incentivo
e conselhos têm funcionado como práticas formativas que colaboram para sua per-
manência no processo educativo. O carinho e o apoio recebidos da mãe de Mestre
Didi o incentivam – por força do sentimento de gratidão – a retribuir-lhe todo o apoio
recebido, na forma de êxito nos estudos. Assim, a figura materna, aqui concretizada
na figura da sua mãe, aparece como uma pessoa fundamental para que Mestre Didi
continue sua trajetória de permanência na Educação Básica.
A estudante Hilária Batista também reafirma o quanto a família atuou como
apoio importante durante seu processo formativo: “Na verdade, eu sempre tive apoio
dos meus pais nos meus estudos, quando eles viram meu esforço, tive mais apoio
em casa e na família”. A fala da estudante colaboradora indica que o apoio da rede
familiar vai se robustecendo à medida em que os (as) estudantes trabalhadores (as)
também fortalecem os vínculos com a escola. É como se fosse uma relação de reci-
procidade: o apoio é intensificado à medida que seu vínculo e responsabilidade na
escola aumentam também. Por sua vez, Hilária, na condição de estudante trabalha-
dora egressa da EJA, que conseguiu concluir a Educação Básica, tem retribuído es-
se apoio recebido da família com seus (as) amigos (as) também, fortalecendo a rede
de sociabilidade:

Graças a Deus, eu tenho amigos que eu influencio muito. Como eu digo a


você, eu não lutava antes, hoje eu luto mais, porque eu tenho amigas que tá
grávida e que tem filhos e que abandonou o estudo hoje, eu digo: “não, gen-
te! Dá um jeito de você voltar a estudar, se eu consegui, por que você não
pode?” Você acaba tendo um pouco de conhecimento para você ajudar no
processo de outras pessoas. Você deixa um pouco seu legado para outras
pessoas, porque as pessoas acham que legado é só aquilo que as pessoas
só têm realmente ricos ou políticos, mas a gente também pode fazer o nos-
so diariamente, dando conselhos. (EC Hilária Batista).

A estudante egressa Hilária Batista traz uma questão muito importante nessa
reflexão, que é o que a educação faz com a gente. Ela realça a importância da edu-
cação na vida das pessoas e o efeito “dominó” que a “simultaneidade na permanên-
cia” (SANTOS, 2009) proporciona: o papel que os (as) estudantes que vivem ou vi-
veram condições similares de vida e permaneceram nos estudos, passam a desem-
penhar para os (as) outros (as) estudantes.
A simultaneidade da permanência é evidente no relato da estudante colabo-
radora Saraí Soares, que é uma jovem de 19 anos, que, na turma da escola em que
152

estudava anteriormente, era sempre a mais “velha” e encontrou, nos irmãos e na


cunhada, inspiração para retornar aos estudos:

O fato de começar a estudar e querer me dedicar foi ver a dedicação dos


meus irmãos. A gente mora longe, moramos em Itapuã, tem esses fatores
também em relação ao estudo. Lá onde estudava não me dedicava aos es-
tudos. Quando atingi a maioridade, descobri que sem educação não seria
nada, não iria conseguir trabalho digno. Eu fui vendo que meus irmãos se
dedicavam e pensava: vou ficar à paisana? Quando chegou a maioridade,
meu irmão voltou a estudar aqui e eu também quis me matricular para ven-
cer na vida. Eles (minha cunhada e meu irmão) falaram: ‘Vou te ajudar!’,
mas você tem que correr atrás do que é seu. Você que tem de correr atrás.
Tem a dificuldade, a minha única dificuldade é a lonjura, porque eu moro em
Itapuã e a escola é aqui no centro. [sic] (EC Saraí Soares).

Saraí Soares, enquanto uma jovem estudante na EJA, vivenciou experiências


escolares de insucessos, principalmente em virtude do desestímulo que decorre de
sua idade avançada em relação aos demais colegas das turmas. Inspirada pela de-
dicação aos estudos dos seus irmãos e de sua cunhada, questiona se ficaria mesmo
“à paisana” em relação aos estudos. A reflexão de Saraí Soares aponta para o sen-
tido do termo à paisana ao se referir à sua condição de estudante, que, na época,
estava fora da escola, sem vivenciar experiências proporcionadas por esse espaço
formativo. O empenho e permanência dos irmãos e da cunhada na escola represen-
taram para Saraí referências para seu retorno aos estudos. Ela, então, afirma que
decidiu se matricular na escola para poder “vencer na vida”. Parece-nos que vencer
na vida, para a estudante colaboradora Saraí, perpassa a escola, vivendo a condi-
ção de estudante, e isso ela desejava vivenciar, ciente de que precisaria também de
um esforço pessoal para isso. Relata ainda que sua atual dificuldade/desafio em
permanecer nos estudos é a distância entre a casa e a escola, ocasionada pela au-
sência de escolas no bairro em que mora ou no entorno, que ofertem cursos de EJA
no diurno. A jovem estudante colaboradora Saraí Soares fala ainda que, apesar da
distância geográfica entre sua residência e a escola, a dedicação dos (as) professo-
res (as) tem colaborado para sua permanência na escola:

Os professores se dedicam, procuram saber por que está faltando. Eles ten-
tam fazer o máximo para a gente também cresça na vida, aqui as pessoas
dizem que tem que estudar, sem estudo não pode fazer nada. Os professo-
res ajudam a gente, explicam, se não estudar não vai ser nada. Eles tentam
fazer o máximo. Você explica a situação. Eles dão a segunda chance para a
gente conseguir. [sic] (EC Saraí Soares).
153

A estudante Saraí assegura que a postura cuidadosa dos (as) professores


(as) em relação à situação dos (as) estudantes contribui para a permanência e a
conclusão da Educação Básica. Ela explicita que o corpo docente orienta quanto à
relevância dos estudos para que os projetos de vida sejam realizados. A estudante
acrescenta que, através do diálogo com os (as) professores (as), as situações do
cotidiano são trazidas à luz e os (as) professores (as) proporcionam outras oportuni-
dades formativas.
A estudante egressa Hilária Batista fala do momento atual de sua vida, em
que se sente autorizada para realizar vários projetos, e sobre como a educação alte-
rou sua vida:

Então, a educação traz isso pra a gente também, esse conhecimento, essa
liberdade, porque quando você interage, você aprende com a liberdade que
você tem, expondo suas coisas e isso faz com que você cresça. E isso, pra
mim, trouxe uma realidade bastante ampliada e hoje, as pessoas me veem
diferente, no jeito de me vestir, até no meu jeito de falar, até nas condutas
que hoje eu procuro corrigir, que eu busquei na educação. Porque as pes-
soas, ao invés de ouvir você, elas julgam. Então, você precisa deixar esses
julgamentos de lado para prosseguir na sua vida, porque a vida é assim,
né? Sem luta, não há vitória. [sic] (EC Hilária Batista).

O relato de Hilária realça os efeitos da educação na sua vida, contribuindo


com a liberdade de expressão, de posicionamentos, de posturas críticas frente ao
mundo. Essa nova postura, produzida sob os efeitos da educação na vida de Hilária,
reverbera na maneira como as pessoas passaram a enxergá-la: “as pessoas me ve-
em diferente, no jeito de me vestir, até no meu jeito de falar, até nas condutas que
hoje eu procuro corrigir”. Essa visão da educação que Hilária possui, como estudan-
te que concluiu a Educação Básica na modalidade EJA, ajuda-nos a compreender
que os ganhos pessoais, profissionais e sociais são significativos, pois, para além de
benefícios econômicos realçados pelas instituições neoliberais, estão os ganhos
pessoais, proporcionados por uma “educação transformadora, entendendo a educa-
ção como um processo de conscientização e de transformação social, num movi-
mento permanente de superação da desumanização [...]” (GADOTTI, 2016, p. 64).
Sales e Fischman (2011), em artigo intitulado Espaços, sujeitos e discursos:
cinco desafios para repensar a EJA desde o legado freiriano, falam da necessidade
de repensarmos a EJA a partir das contribuições de Freire. Para os referidos auto-
res,
154

os espaços educativos, em geral, e os da EJA, em particular, podem ser


mais democráticos e encorajadores para uma vida melhor e oferecer aos
alunos e alunas e aos educadores e educadoras a possibilidade de intera-
ção dialógica baseada em um sistema de valores que aproveita as tensões
e as possibilidades de avanço democrático. Em outras palavras, sem igno-
rar as injustiças do capitalismo global, das ditaduras, da exploração do meio
ambiente, esse trabalho poderá expor as armadilhas ideológicas do sistema
que tem uma tendência forte de reduzir até mesmo a noção de cidadania
em adultos para que exerçam essa função política como observadores indi-
ferentes ou consumidores cínicos. (SALES; FISCHMAN, 2011, p. 236).

5.2 O relacional e o contraste em ato: estudo de casos - Centro Noturno de


Educação da Bahia Joana Angélica e Centro Estadual de Educação Zumbi
dos Palmares

Inspirada na obra de Macedo (2018), invisto na aventura de realizar um estu-


do contrastivo das duas escolas investigadas nessa tese. No esforço teórico inter-
pretativo, a Etnopesquisa Contrastiva aqui produzida, através dos estudos multica-
sos, conforme dito anteriormente, apresenta duas escolas da rede estadual de ensi-
no da Bahia, que ofertam cursos para jovens e adultos (as) que se encontram na
Educação Básica. Nesse ponto da análise contrastiva, temos a intenção de apresen-
tar as singularidades, os aspectos em diferenciação e convergentes, no que se refe-
re às micropolíticas de permanência de jovens e adultos (as) na Educação Básica,
entre as duas escolas investigadas.
Uma das escolas, criada em decorrência dos altos índices de evasão dos (as)
estudantes que acessam o Ensino Médio da rede estadual no turno noturno, traz em
si a concepção de uma escola voltada para o (a) estudante jovem e adulto (a) traba-
lhador (a) que acessa a instituição educacional no turno noturno; a outra escola,
existente na rede estadual há mais tempo, foi criada a partir da compreensão da ne-
cessidade de escolas “exclusivas” de EJA. Na condição de instituições educacionais
integrantes de um conjunto de escolas que ofertavam cursos de EJA e se propõem a
desenvolver práticas pedagógicas que atendessem às expectativas e às necessida-
des dos (as) jovens e adultos (as) trabalhadores (as), vivem experiências formativas
que apresentam como marcas a (re) existência para se manterem “vivas” e contribuí-
rem, assim, para a permanência desses atores (atrizes) sociais curriculantes na
Educação Básica.
155

Desse modo, a partir da observação participante, da escuta dos (as) atores


(atrizes) sociais e do estudo dos casos, pude compreender, a partir da análise con-
trastiva, como os (as) atores (atrizes) sociais envolvidos (as), (professores (as), ges-
tor (a) e estudantes) se organizavam e agiam, a partir dos etnométodos produzidos
para permanência na Educação Básica, e como essas duas experiências em Edu-
cação de Jovens e Adultos emergiram de forma singular na promoção da perma-
nência desses (as) atores (atrizes) curriculantes.
Desse modo, apresentaremos a seguir as singularidades de cada instituição
investigada, no que se referem aos etnométodos produzidos pela escola, bem como
pelos (as) estudantes trabalhadores (as) jovens e adultos (as) no sentido de se man-
terem na escola, para, em seguida, realizarmos uma síntese relacional das duas ex-
periências formativas investigadas.

5.2.1 O Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica e suas singularida-


des

O Ceneb Joana Angélica, encharcado das suas possibilidades formativas, se


constitui em fecundo espaço de formação, vinculado às ações institucionais da
SEC/BA para revitalização da educação noturna no Estado, nas quais fazem parte
mais nove Centros Noturnos, situados nos municípios de Salvador, Feira de Santa-
na, Cachoeira, Senhor do Bonfim, Campo Formoso, Jacobina, Conceição do Coité e
Vitória da Conquista. O Centro Noturno de Educação da Bahia Joana Angélica nas-
ceu em 2015, na Cidade Baixa, com o desafio de contribuir para a permanência de
estudantes trabalhadores (as) na Educação Básica e agregou, desde seu nascedou-
ro, estudantes e profissionais oriundos das escolas do entorno que fecharam o turno
noturno, por determinação da SEC.
Assim, o Centro Noturno Joana Angélica surgiu com o desafio hercúleo de fa-
zer a diferença na educação ofertada aos (as) estudantes trabalhadores (as) jovens
e adultos (as) que acessam a EJA no turno noturno, na Cidade Baixa, mas, para is-
so, dependiam de muitos outros fatores vinculados às questões de estrutura física e
gestão pública dependiam o êxito dessa experiência. Agregado aos desafios expos-
tos, o referido Centro necessitava considerar como princípios pedagógicos o traba-
lho e a condição de trabalhadores (as), já que apresentava como premissa, no proje-
to político pedagógico, a formação de jovens e adultos (as) trabalhadores (as) que
156

carregam em suas “mochilas culturais”, em sua grande maioria, experiências escola-


res de insucessos. Assim, o desafio se constituía em como tratar essas questões
não somente como temas de estudo, mas como processo de formação (ARROYO,
2017). Desse modo, o trabalho pedagógico no Ceneb Joana Angélica é desenvolvi-
do a partir de um desenho curricular que considera as experiências de vida e de tra-
balho dos (as) jovens e adultos (as) como condição fundante para a educação dos
(as) jovens e adultos (as) trabalhadores (as).
Nessa ocasião, na condição de coordenadora estadual da EJA na SEC, parti-
cipei, conforme dito anteriormente, do processo de implantação da referida escola,
momento em que pude perceber o esforço empreendido pela comunidade escolar
para implementar uma proposta com a potencialidade pedagógica e política requeri-
da e, ao mesmo tempo, mediar uma questão administrativa em pauta: acolher os
(as) profissionais e os (as) estudantes trabalhadores (as) oriundos (as) das escolas
que ofertavam cursos no turno noturno em seu entorno e que haviam sido fechadas
no processo de reordenamento da rede de ensino. Era o desafio de construir a mar-
ca identitátia de uma escola que estava sendo criada agregando profissionais e es-
tudantes de outras instituições, os quais chegaram até o Centro Noturno contraria-
mente aos seus desejos.
A escola apresenta uma concepção de EJA enquanto direito à educação e
aposta em práticas pedagógicas que se aproximam da realidade dos (as) estudantes
trabalhadores (as), constituindo-se desde sua criação, em um espaço formativo de
(re) existência na educação noturna. É importante salientar que, historicamente, a
educação noturna foi concebida como educação de “segunda categoria”, visão que
contribuiu para que os sistemas de ensino justifiquem a alocação de parcos aportes
financeiros destinados à Educação de Jovens e Adultos, o que vem reverberando na
negação de oportunidades educacionais aos (as) estudantes trabalhadores (as) jo-
vens e adultos (as).
Transversalizando essa prática particular no campo da EJA, no âmbito nacio-
nal, em 2016, ocorriam reuniões preparatórias regionais para a CONFITEA Brasil+6,
por meio dos Fóruns de EJA. Dentre as discussões, nesse evento, foi timidamente
apresentado o Plano Nacional de Educação de Jovens e Adultos, elaborado por um
conjunto de gestores (as) públicos (as), a partir da escuta de experiências pedagógi-
cas em andamento no território nacional, dentre elas a experiência dos Centros No-
157

turnos de Educação da Bahia, o que realça ainda mais a relevância desse projeto
para o campo da EJA.
O Centro Noturno de Educação Joana Angélica considera fundante o diálogo
e a escuta dos (as) estudantes trabalhadores (as) desde o momento da matrícula,
no intuito de compreender suas condições de vida e de trabalho para orientá-los no
itinerário formativo que melhor atenda às suas necessidades e expectativas; assim
como a escuta nos momentos de infrequência escolar, situação típica de atores
(atrizes) sociais que buscam conciliar as condições precárias de sobrevivência com
as demandas exigidas no retorno aos estudos.
Assim, os etnométodos produzidos pela escola pautavam-se na escuta dos
(as) estudantes trabalhadores (as) a partir de suas experiências de vida e objetivos a
serem alcançados, o que levou os (as) professores (as), a partir de inspirações da
pedagogia paulofreireana, a investirem numa aproximação maior com a realidade
dos (as) estudantes trabalhadores (as).
A prática pedagógica do Ceneb Joana Angélica, que, muitas vezes, extrapo-
lava os espaços escolares, buscava outros tempos e espaços para reafirmar que a
educação vai “além dos muros escolares”, ou melhor, precisa estar também sem
muros para produzir o fluxo continuo que a formação necessita: o ir e vir de idas ao
teatro, do teatro à escola, às diversas instituições formadoras possíveis, enfim, trazia
para a escola noturna, vozes, ritmos, sons e cores que durante anos foi palco de
silenciamentos e monólogos.
A escola vivia um misto de crenças, religiões, etnias, de lutas pela sobrevi-
vência, pelo emprego tão sonhado, enfim, se constituía no espaço formativo que
pulsavam a vida e todos os movimentos que a mesma proporciona. Os (as) profes-
sores (as), articuladores (as) das áreas e gestores (as) que ali se encontravam, me-
diados pelos saberes dos (as) estudantes trabalhadores (as), semanalmente questi-
onavam a si e aos (as) outros (as), estudavam e planejavam suas aulas e demais
ações pedagógicas, tentando se aproximar do universo dos (as) estudantes, sociali-
zando o conteúdo escolar de forma contextualizada, numa busca paulofreireana pela
construção do conhecimento. O esforço feito era para trazer para o processo educa-
cional o (a) estudante trabalhador (a) com toda sua inteireza. O currículo proposto
buscava romper com a hierarquia dos conhecimentos, e os (as) profissionais que ali
estavam compreendiam que, para isso, precisavam tornar-se “do-discente” (FREI-
RE, 1997). Desse modo, os espaçostempos reservados para as Atividades Com-
158

plementares (AC) exigiam o estudo constante, na compreensão do inacabamento do


conhecimento, e esse movimento trazia um tom diferenciado para essa escola, cujos
temas das reuniões pedagógicas emergiam das demandas advindas do cotidiano.
Ao ter acesso aos atos de currículo produzidos pela instituição investigada,
pudemos compreender os movimentos formativos carregados de experiências e vi-
vências dos (as) estudantes (as) trabalhadores (as) e dos demais profissionais que
ali trabalhavam. A instituição vem buscando o cultivo de conceitos e práticas pauta-
das na dialogicidade, participação e problematização de temas do cotidiano dos (as)
estudantes trabalhadores (as) jovens e adultos (as).
Os (as) estudantes trabalhadores (as), por sua vez, ao entrarem no universo
do Ceneb Joana Angélica, compreendiam que não era mero certificado que busca-
vam ali, e sim novos conhecimentos plasmados com os saberes e conhecimentos
produzidos por eles ao longo de suas vidas. Assim, a participação dos (as) estudan-
tes trabalhadores (as) nos projetos foi produzindo uma rede ao mesmo tempo de
sedução e de vinculação à instituição, um certo “caminho sem volta”, pois os (as)
impulsionava a permanecerem não apenas pelas exigências da sobrevivência, mas
pelo prazer de se educarem, mesmo quando as condições precárias de vida os ten-
sionavam insistentemente para fora da escola. Nessa (re) existência, produziam et-
nométodos para lidar com esse constante desafio, um verdadeiro “cabo de guerra”
entre a vida no trabalho e a vida na escola, bem como o cuidado com os (as) filhos
(as) e o retorno aos estudos, incluindo outros tantos desafios que estavam presentes
nos seus cotidianos.
O que se percebe no Centro Noturno Joana Angélica é um movimento rico de
experiências formativas e um “clima contagiante” em que o coletivo de atores (atri-
zes) sociais curriculantes se une na tentativa de contribuir para a continuidade dos
estudos de dezenas de jovens e adultos (as) que frequentam a Educação Básica.
Esse clima se traduz em etnométodos produzidos tanto pela escola quanto pelos
(as) estudantes, para dar conta dos desafios impostos em seus cotidianos: continui-
dade dos estudos, o cuidado com os filhos (as), a luta pela sobrevivência em condi-
ções precárias de vida. Isso se traduz em etnométodos que são criados por todas as
partes, desde os (as) estudantes, que lutam cotidianamente para não saírem da es-
cola, aos (às) docentes, aos (às) gestores (as) e a todos, enfim, que se empenham
para manter vivo o desejo pelo conhecimento/crescimento, para evitar, com isso, a
evasão.
159

5.2.2 Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares: singularidades outras

O Centro Estadual Zumbi dos Palmares possui cerca de 42 anos atuando na


oferta de cursos e exames da Educação de Jovens e Adultos, faz parte das denomi-
nadas “escolas exclusivas de EJA”34, criadas na década de 1990 pela rede estadual
de ensino da Bahia e está localizada no bairro dos Barris, em Salvador.
O referido Centro de Educação realiza atendimento aos (às) estudantes jo-
vens e adultos (as) com deficiências (cegos (as), com baixa visão e deficiência inte-
lectual em diversos níveis), bem como desenvolve parcerias com centros de apoio
pedagógico, o que vem consolidando uma expertise no campo da EJA, haja vista a
expansão das matrículas de jovens e adultos (as) com deficiências nessa modalida-
de de ensino. Esse trabalho pedagógico junto aos (às) estudantes jovens e adultos
(as) é de fundamental importância, devido à escassez de profissionais com tais ex-
periências, assim como de materiais acadêmicos, técnicos e didáticos específicos. É
um campo de necessária expansão!
A instituição de educação pesquisada apresenta a perspectiva de aquisição
de conhecimentos articulados com a realidade social dos (as) estudantes trabalha-
dores (as) jovens e adultos (as). Apresenta como premissa, em sua práxis educativa,
os fundamentos da pedagogia paulofreireana, que compreende como princípio for-
mativo a formação crítica e emancipadora.
O Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares apresenta a oferta de
cursos de EJA tanto no diurno quanto no noturno, o que se constitui em uma condi-
ção muito cara no campo da Educação de Jovens e Adultos. A necessidade da ofer-
ta de cursos de EJA nos três turnos de funcionamento, vem se constituindo pauta
dos (as) atores (atrizes) curriculantes que acessam esse campo, bem como dos mo-
vimentos sociais que estão na luta pela continuidade de estudos dos (as) jovens e
adultos (as) na Educação Básica.
Assim, o referido Centro Estadual, em virtude da oferta de cursos de EJA no
diurno e noturno, agrega estudantes trabalhadores (as) de várias cidades da Bahia,
em especial da RMS. Se, por um lado, a localização da escola facilita o acesso dos
(as) estudantes oriundos (as) dessa região, por outro, aponta para um grave pro-

34 A denominação “escolas exclusivas de EJA” surgiu na década de 90, com o objetivo de atender
estudantes jovens e adultos que acessavam essa modalidade de ensino tendo em vista a continui-
dade dos estudos na Educação Básica, a partir da oferta de cursos e exames.
160

blema na EJA: a escassez de oferta dessa modalidade de ensino nas condições


temporais oferecidas pelo Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares, em
vários municípios do estado da Bahia. Desse modo, apesar da distância da escola
em relação à residência dos (as) estudantes trabalhadores (as), os mesmos (as) se
mantêm nessa instituição, em virtude da possibilidade de retorno aos estudos pro-
porcionado pelo turno que o (a) estudante tem disponibilidade de cursar, em decor-
rência de suas precárias condições de vida.
Outra singularidade em relação ao Centro Estadual de Educação Zumbi dos
Palmares diz respeito à oferta de exames de certificação, através da CPA, resguar-
dada pela LDB nº 9.394/1996 e pela Resolução do CEE 138/2001, que explicita a
concepção do exame, no Art. 8º, compreendida como alternativa educacional para
proporcionar o reconhecimento de conhecimentos adquiridos pelos (as) jovens e
adultos (as) por meios não formais, e também foi citada pelos (as) estudantes cola-
boradores (as) desta pesquisa como etnométodos da escola que contribuem para a
continuidade dos estudos na Educação Básica.
Desse modo, os projetos didáticos desenvolvidos na escola investigada se
constituem em etnométodos importantes para a permanência dos (as) estudantes
trabalhadores (as) no processo formativo e realçam o trabalho e a condição de tra-
balhadores (as) como princípios formativos. Nessa perspectiva, Arroyo (2017) nos
alerta para o reconhecimento do direto dos estudantes-trabalhadores à educação:

Avançar no reconhecimento do direito dos educandos e dos trabalhadores à


formação e à escola básica, não como tempos apenas de aprendizagens de
letramento, numeramento, mas avançar para recuperar a radicalidade da
escola e da EJA como tempos de garantia de direito à educação,à formação
humana, como tempos de recuperar a humanidade roubada pela segrega-
ção e opressão a que são submetidos. (ARROYO, 2017, p. 65).

5.2.3 Aproximações e contrastes nos casos investigados

Com a contribuição da Etnopesquisa Contrastiva, pudemos realizar a análise


relacional das duas escolas investigadas, as quais se apresentaram com movimen-
tos cotidianos específicos, conservando elementos comuns em alguns aspectos e
contrastes em outros, no que se refere aos etnométodos produzidos tanto pelas ins-
tituições quanto pelos (as) atores (atrizes) curriculantes que contribuem para a per-
manência na Educação Básica.
161

Nesta síntese relacional, identificamos que as duas escolas se aproximavam


no reconhecimento da EJA enquanto direito dos (as) jovens e adultos (as) à educa-
ção, bem como desses (as) como sujeitos de direitos.
Aproximavam-se na oferta de itinerários formativos variados, na tentativa de
oferecer aos (às) jovens e adultos (as) trabalhadores (as) condições pedagógicas
para o retorno aos estudos, considerando as condições precárias de vida às quais
vivenciam no seu cotidiano.
Outra aproximação identificada entre as duas escolas é a abertura para o re-
conhecimento de saberes e conhecimentos dos (as) estudantes trabalhadores (as),
considerando-os conhecimentos eleitos como formativos. As instituições investiga-
das também reconhecem os (as) estudantes jovens e adultos (as) como trabalhado-
res (as) e suas condições de trabalho como princípios formativos relevantes para a
educação na qual estão inseridos.
As duas escolas, de forma relacional, apresentaram em seus atos de currículo
práticas pedagógicas que, pautadas nas metodologias ativas, que reverberavam em
projetos didáticos que implicavam os (as) estudantes trabalhadores (as) à formação
requerida.
O perfil da equipe de profissionais que fazem parte das duas instituições edu-
cacionais, quanto ao reconhecimento e acolhimento das singularidades dos (as) es-
tudantes trabalhadores (as), é condição imprescindível para a permanência dos (as)
mesmos (as) na Educação Básica.
É importante destacar nas duas instituições investigadas a participação inten-
sa das mulheres no cuidado com os (as) filhos (as), produzindo etnométodos para
dar conta desses cuidados, sem que isso as levasse à evasão. São, elas que mobili-
zam a rede de sociabilidade para essa tarefa do cuidado dos (as) filhos (as) e, na
maioria das vezes, lideram os grupos, dando apoio e se apoiando mutuamente em
prol da contitnuidade dos estudos.
O envolvimento dos (as) gestor (as) das duas escolas com a dimensão peda-
gógica, se constituiu em um diferencial na produção de etnométodos que contribuí-
ram para a permanência de estudantes trabalhadores (as) na Educação Básica. A
compreensão do processo educacional pelos (as) gestores (as) reverberou na impli-
cação dos (as) profissionais envolvidos (as) na formação desses jovens e adultos
(as), bem como nos atos de currículo ali produzidos.
162

Podemos contrastivamente perceber a oferta de cursos de EJA em tempos


variados nas duas instituições educacionais: o Centro Noturno de Educação Joana
Angélica, como o próprio nome sugere, oferecendo cursos de EJA exclusivamente
no noturno, atendendo especificamente o (as) estudantes trabalhadores (as) que se
deslocam do trabalho à escola (ARROYO, 2017), trazendo consigo experiências vi-
vidas no mundo do trabalho, que pulsam e que não podem ser negligenciadas no
processo formativo. O Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares, por sua
vez, apresenta a oferta de cursos da EJA no matutino, vespertino e noturno, possibi-
lidades temporais muito importantes para o campo da EJA, pois considera a neces-
sidade de acolher os (as) estudantes trabalhadores (as) que apresentam organiza-
ções temporais do cotidiano bastante alternadas, que se plasmam com a dinâmica
da própria vida.
Distanciavam também no quantitativo de profissionais pertencentes à equipe
técnica pedagógica: o Centro Noturno possui equipe técnica em número satisfatório,
conforme previsto no seu Decreto de criação, que, de forma substancial, ofereciam
apoio pedagógico aos (às) professores (as) e estudantes trabalhadores (as), con-
templando as dimensões pedagógicas: mundo do trabalho, arte e cultura, ciência e
tecnologia. É bom registrar que a existência desses profissionais não se constitui em
requinte pedagógico, mas contribui para o desenvolvimento do projeto político peda-
gógico, por meio do atendimento qualificado dos (as) estudantes trabalhadores (as)
e profissionais, da EJA, através da escuta refinada, articulação com outras institui-
ções e acompanhamento pedagógico das atividades desenvolvidas, ações fundan-
tes para essa modalidade de ensino. O Centro Estadual de Educação Zumbi dos
Palmares por sua vez, apesar da complexidade de ações pedagógicas que realiza,
bem, bem como da diversidade dos (as) atores (atrizes) sociais que atende, possuía
uma equipe técnica-pedagógica reduzida, sobrecarregando os (as) profissionais que
lá atuavam. Contrastivamente, a escuta dos (as) estudantes trabalhadores (as) e
dos (as) professores (as) sobre o processo formativo era ação pautada sistematica-
mente no Centro Noturno de Educação Joana Angélica, o que, em certa medida, era
favorecido devido às condições de funcionamento oferecidas, dentre elas o quantita-
tivo da equipe técnica-pedagógica.
O trabalho com os (as) estudantes da Educação de Jovens e Adultos com de-
ficiências era realçado no Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares, o que
163

agregou à instituição uma expertise no trato dessas questões, ainda em consolida-


ção no campo da EJA.
Em níveis das micropolíticas produzidas pelos (as) atores (atrizes), sociais,
pudemos identificar alguns aspectos relacionais entre os (as) estudantes das duas
escolas investigadas.
No que se refere à conciliação dos estudos com o trabalho, foi identificado, na
fala dos (as) estudantes trabalhadores (as), Zilda Arns, Maria da Penha, Lélia Gon-
záles, Carolina de Jesus, Mestre Moa e Mestre Didi, o quanto se constituiu em um
esforço hercúleo de conciliar as referidas ações que demandam esforços físico e
intelectual.
Quando, aliada aos estudos e ao trabalho é exercida também a maternidade,
esse desafio se intensifica, como explicitado no relato da estudante colaboradora
Marielle Franco, pois, além do esforço físico requerido, torna-se necessário o apoio
de parentes e amigos (as) para os cuidados durante o período em que está em aula,
bem como a compreensão dos (as) professores (as), quando a presença na aula se
torna difícil de ser concretizada.
A relevância da rede de sociabilidade para a continuidade dos estudos foi re-
alçada pelas estudantes colaboradoras Marielle Franco e Carolina de Jesus do Cen-
tro Noturno de Educação Joana Angélica e pelos (as) estudantes colaboradores (as)
Mestre Didi e Hilária Batista do Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares.
Os (As) referidos (as) estudantes trabalhadores (as) realçaram como a ajuda de um
(a) parente para cuidar dos (as) filhos (as), a compreensão e incentivo dos (as) pro-
fessores (as) na superação dos desafios requeridos na vida estudantil e apoios re-
cebidos (as) dos (as) colegas da turma foram fundantes durante a travessia de mo-
mentos conturbados na vida, assim como a casa da avó se constituiu no espaço im-
portante na continuidade dos estudos. Assim, os (as) atores (atrizes) sociais realça-
ram a relevância da rede de sociabilidade tecida pela empatia de outras pessoas
que se implicaram com o projeto de continuidade dos estudos, para que a trajetória
iniciada não fosse interrompida em virtude dos acontecimentos. da vida. Este fato
nos aponta para a compreensão de que as políticas públicas pensadas com esses
(as) estudantes trabalhadores (as) jovens e adultos (as) devem agregar, para além
das pessoas com as quais eles (as) se relacionam, demais órgãos do setor público e
organizações não governamentais como partícipes da rede de sociabilidade.
164

Contrastivamente, encontramos nos (as) estudantes do Centro Estadual


Zumbi dos Palmares o desafio da mobilidade urbana, destaque feito pelo estudante
colaborador Mestre Didi, em virtude da localização da escola que diferenciadamente
oferta cursos de EJA no diurno e noturno. A distância da casa/ trabalho/escola tem
dificultado a permanência de estudantes trabalhadores (as) na Educação Básica, o
que tensiona a necessidade de maior número de escolas ofertem cursos de EJA nos
diversos turnos, colaborando, para que os (as) referidos (as) estudantes definam o
turno de estudo que se ajuste com suas necessidades e disponibilidades.
Outro aspecto realçado pelo estudante colaborador Mestre Didi foi a necessi-
dade de planejamento, para que as ações diárias entrassem em consonância com
tempo disponível, sendo ao mesmo tempo lembrado pelo referido estudante que
quando a filha adoeceu, foi necessária a mudança do planejamento, em virtude do
acontecimento verificado. Cabe-nos a reflexão: será que nossa formação não deve-
ria incluir o acontecimento como temática fundante para o vivermos na contempora-
neidade? Como a adultez tem encarado o acontecimento? Camarano (2006) nos diz
que “[...] incertezas e riscos não são características da juventude, mas fazem parte
de toda a vida.” (CAMARANO, 2006, p. 319). Constantemente somos acometidos
por fatos que não foram previamente planejados, como o atraso do ônibus, o engar-
rafamento inesperado, o adoecimento, a perda de um ente querido, a saída do em-
prego, dentre tantas outras situações que se apresentam no cotidiano. E, como li-
damos com tudo isso? Urge pautarmos em nossa educação, o formar-se para o im-
previsível!
Assim, através deste movimento interpretativo, a partir da Etnopesquisa Con-
trastiva, por meio dos estudos multicasos do Centro Noturno de Educação Joana
Angélica e do Centro Estadual de Educação Zumbi dos Palmares, pude perceber de
forma relacional – compreendendo as singularidades dos atos de currículo e etno-
métodos produzidos, como cada uma das instituições e atores (atrizes) sociais in-
vestigados (as) se aproximavam e convergiam em suas ações, bem como se dife-
renciavam uns (umas) dos (as) outro (as), mas ambas, de forma que lhes são pecu-
liares, produziram micropolíticas de permanência de jovens e adultos (as) na Educa-
ção Básica.
165

6 DAS MICROPOLÍTICAS ÀS POLÍTICAS DE PERMANÊNCIA DE JOVENS E


ADULTOS (AS) NA EDUCAÇÃO BÁSICA: NOTAS INCONCLUSAS

Lembro-me do meu ingresso no Grupo de Pesquisa FORMACCE, em meados


de 2005, quando ouvi falar pela primeira vez em conceitos como multirreferenciali-
dade, etnopesquisa, etnométodos, complexidade e tantos outros, que são caros pa-
ra o referido Grupo e que me aproximaram do denso campo de pesquisa sobre cur-
rículo e formação. Pesquisar sobre essas questões abriram-me um outro horizonte
para a pesquisa no campo da educação: a compreensão de que é possível fazermos
pesquisas a partir de “um rigor outro” (MACEDO; DANTE; PIMENTEL, 2009), e de
outras bases epistemológicas que dialogam com os (as) atores (atrizes) curriculan-
tes que pensam e fazem cotidianamente suas práticas, que produzem etnométodos
para compreender e resolver os desafios que se apresentam na cotidianidade.
Durante minha itinerância junto às escolas participantes, foram inevitáveis os
movimentos de construção e desconstrução inerentes a uma pesquisa que pretende
compreender as micropolíticas produzidas pelos (as) atores (atrizes) curriculantes,
porque, ao reconhecer as trajetórias de vida dos (as) estudantes trabalhadores (as),
nos vemos e vemos o (a) outro (a) em formação. Em particular, vivenciei a experiên-
cia encarnada de concomitância trabalho, estudo e vida pessoal durante todo o dou-
toramento, o que produziu uma implicação ainda maior com o construto dessa pes-
quisa.
Nesse processo, o que foi se configurando como fundamental na luta dos ato-
res e atrizes sociais por permanência foi a produção dos etnométodos e, mais am-
plamente, de micropolíticas. Essas micropolíticas, venho refletindo desde as análi-
ses iniciais das experiências de estudantes, professores (as) e gestores (as) – faróis
a apontar importantes caminhos para a elaboração de políticas de Estado – devem
ser capazes não apenas de fazer entrar, mas, sobretudo, de fazer permanecer.
O conceito de etnométodos trabalhado nessa tese, forjado por Garfinkel
(1980), que compreende as maneiras pelas quais os atores e atrizes sociais produ-
zem para resolver os desafios enfrentados na vida cotidiana, foi a base a partir da
qual fomos capazes de compreender o trabalho de interpret(ação) dos (as) partici-
pantes da pesquisa; o conceito de micropolíticas, contudo, levou-me a reflexões
mais profundas, a partir das compreensões de Deleuze e Guatarri (2012), quando
apontam para uma política outra, localizada no cotidiano da vida dos atores e das
166

atrizes sociais, a mobilizar mais ou menos de forma minimalista mudanças no jogo


de forças do poder. A noção de micropolíticas, poderíamos dizer, indica tanto os et-
nométodos desenvolvidos pelos atores e pelas atrizes sociais para interpretar e dar
sentido à vida cotidiana, quanto a resistência que encontram e que ao mesmo tempo
produzem no enfrentamento aos movimentos de exclusão do sistema.
Numa perspectiva de superação de uma visão vinculada à lógica da suplência
e da aceleração, realçando a compreensão do direito à educação, as micropolíticas,
aqui apresentadas através da narrativa de experiência de vida dos (as) atores (atri-
zes) sociais, indicam importantes roteiros para a elaboração de políticas dentro des-
te campo. Isto porque não é possível falar de etnométodos e micropolíticas sem, de
um lado, visualizar os desafios enfrentados por estes (as) atores (atrizes), e, de ou-
tro, sem deixar ver o campo de forças contrárias que os (as) impedem de permane-
cer e que apontam para uma grave desigualdade social.
No campo da EJA, constatamos que a concepção de educação adotada pelas
escolas investigadas coadunavam com a perspectiva emancipatória, pautada nos
princípios paulofreireanos. No entanto, as condições nas quais os (as) estudantes
trabalhadores (as) dão continuidade aos estudos na Educação Básica ainda requer
um esforço individual tamanho, que, em muitos casos, gera reincidência na desis-
tência dos estudos. Isso nos faz ver que, embora sejam fundamentais as políticas de
educação no campo da EJA, são também inadiáveis as políticas públicas em outros
tantos campos, como a da educação e do cuidado infantil, da mobilidade urbana,
dentre outras.
Reportando-nos às questões da pesquisa, delineadas para suporte à itinerân-
cia dessa investigação, ao descrever os etnométodos que são construídos pelos (as)
jovens e adultos (as) ao longo de sua formação no contexto da EJA, a fim de per-
manecer e concluir este processo formativo, pudemos identificar que muitos (as) rea-
lizam esforços individuais ou conseguem apoio de familiares e/ou amigos (as) para
dar conta do desafio de continuar os estudos, o que tornou possível compreender
como se entrelaçam trajetórias de vida e trajetórias escolares na vivência dos (as)
estudantes trabalhadores (as) da EJA, realçando as dificuldades de articular o tempo
passado na escola, de estudo e de aprendizagem, bem como os tempos de sobrevi-
vência e trabalho, tão típicos da vida jovem e adulta na pobreza.
Assim, o conceito de micropolíticas, que inclui necessariamente um campo de
relações de poder que vai se movimentando às vezes de forma quase invisível ou
167

imperceptível a olho nu, nos ajudou a perceber o trabalho dos (as) estudantes traba-
lhadores (as) na reconfiguração de suas próprias vidas. A produção dessas micropo-
líticas vai ao encontro de políticas que trabalham na manutenção de desigualdades
que, no Brasil, são históricas. A observação desses etnométodos e dessas micropo-
líticas, ao nos remeter, necessariamente, aos desafios encontrados pelos (as) jo-
vens e adultos (as) para não evadir, indicam, também, a seu tempo, importantes
pontos a serem atacados pelas políticas públicas no campo da EJA e em outros
campos da vida social que impactam na permanência do público que acessa essa
modalidade de educação. Pensar em políticas de EJA é, pois, pensar em políticas
que passam pela escola, mas que necessariamente precisam extrapolar seus mu-
ros, tocando em uma questão que foi fartamente trabalhada por teóricos como Milton
Santos (2001), como suas discussões sobre o espaço do (a) cidadão (ã), quando
considera que há desigualdades que são, em primeiro lugar, desigualdades territori-
ais, pois derivam do lugar onde cada qual se encontra. Essa afirmação nos faz lem-
brar que os (as) jovens e adultos (as) não são “acidentados (as) sociais” (ARROYO,
2012) pois o retorno à escola e sua consequente permanência na Educação Básica,
na qual muitos (as) lutam, são consequências do direito à educação que lhes foi reti-
rado, em virtude das condições precárias de vida às quais são submetidos (as) coti-
dianamente.
Assim, muitas ações que os (as) estudantes trabalhadores (as) produzem pa-
ra driblar esses desafios precisam ser contempladas tanto nas micropolíticas das
escolas quanto nas macropolíticas, no âmbito do Estado, como, por exemplo, quan-
do os (as) estudantes trabalhadores (as) falam do deslocamento entre ca-
sa/trabalho/escola, estão se reportando a etnométodos produzidos para dar conta
dessa mobilidade urbana, bem como tocam em questões intimamente relacionadas,
como o quantitativo de escolas que ofertam cursos de EJA nessas localidades, as-
sim como remetem à oferta de cursos de EJA em diversos turnos de funcionamento
da escola, além da manutenção de linhas de ônibus em horários compatíveis aos
horários de estudo.
Outra questão apontada por alguns (as) estudantes nessa pesquisa foram os
etnométodos produzidos para conciliar a maternidade/paternidade com os estudos.
Muitos (as) desses (as) estudantes trabalhadores (as) são apoiados (as) pela rede
de sociabilidade formada pela mãe, avó ou algum outro (a) parente ou amigo (a) que
se dispõe a cuidar do (a) filho (a), enquanto dá continuidade aos estudos na Educa-
168

ção Básica. Essa maneira precarizada de resolver o desafio do cuidado dos (as) fi-
lhos (as) enquanto estudam certamente nos leva a provocar políticas de permanên-
cia nesses casos em que a necessidade de estudo da mãe ou do pai se choca com
a necessidade de cuidado dos (as) filhos (as). Quais ausências essas micropolíticas
apontam no âmbito das macropolíticas? Uma “Sociologia das ausências”, como diria
Boaventura Sousa Santos (2002), poderia ser muito útil para nos indicar uma res-
posta. As ausências na vida dos (das) estudantes deixam transparecer inúmeras
lacunas nas políticas públicas direcionadas para a população menos privilegiada.
Num país tão desigual como o nosso, pensar em EJA é pensar em políticas que ex-
cedem os limites da escola, seus muros, que ultrapassam suas fronteiras, mas é fato
que é dentro de seus muros, na escuta de seus (as) atores (atrizes) sociais, que po-
demos compreender aquilo que não raro se estende para além da escola.
No âmbito das micropolíticas produzidas pelas escolas, compreendemos a
importância de incluir o estudo sobre o processo de escuta enquanto pauta formativa
para formação de professores (as) e gestores (as) que atuam na Educação de Jo-
vens e Adultos, condição fundante para a compreensão das condições de vida e de
estudo desses (as) atores (atrizes) sociais curriculantes. A escuta atenta, interessa-
da na realidade e na trajetória do outro, é uma aliada essencial na vinculação dos
(das) estudantes à escola, um aspecto extremamente relevante para a permanência
deles (as).
Assim, numa perspectiva propositiva, essa pesquisa considera a necessidade
de, a partir da compreensão dos etnométodos produzidos pelo (as) atores (atrizes)
sociais curriculantes, levar em conta suas condições de vida e de trabalho como
elementos fundantes para criação de políticas de permanência de jovens e adultos
(as) na Educação Básica. Assim, propõe que, a partir da compreensão dos etno-
métodos e das micropolíticas produzidas, as políticas públicas de permanência pos-
sam efetivamente considerar as especificidades e movimentos criativos produzidos
pelos (as) jovens e adultos (as) trabalhadores (as) para permanecerem nos estudos
na Educação Básica.
Os resultados dessa pesquisa só reafirmam aquilo que dizia Paulo Freire
(1996): “[...] o ser humano é maior do que os mecanismos que o minimizam [...]”,
pois os etnométodos e as micropolíticas produzidas tanto pelos (as) atores (atrizes)
sociais curriculantes da EJA, quanto pelas escolas investigadas, nos remetem a uma
riqueza da criação de maneiras diferentes para dar conta do desafio de conciliar vida
169

pessoal, trabalho e estudo nas condições precárias às quais são submetidos (as).
Eles nos apontam para a impossibilidade de reduzir os (as) atores (atrizes) curricu-
lantes às suas realidades sociais, considerando-os (as) vítimas de um sistema. A
ideia de uma macroestrutura opressora com poderes incalculáveis sobre os (as) ato-
res (atrizes) sociais cede pois lugar à ideia de um jogo de poder que envolve as ma-
croestruturas, mas também as micropolíticas da vida cotidiana que reorganizam
mais ou menos conscientemente o jogo de poder.
Para Deleuze e Guatarri (2012), “[...] tudo é político, mas toda a política é ao
mesmo tempo macropolítica e micropolítica.” Assim, pensar as políticas de perma-
nência de EJA a partir das vias da micropolítica é situá-las no campo da destotaliza-
ção (DELEUZE; GUATTARI, 2012), realçando que a vida é constituída de multiplici-
dades de linhas que apresentam contornos variados e diversos; assim, não pode-
mos reproduzir os caminhos, pois estes são marcados por singularidades, sendo
necessário inventarmos maneiras para responder aos desafios que se apresentam.
Vimos nos relatos dos etnométodos produzidos pelos (as) estudantes trabalhadores
(as) e nas micropolíticas produzidas pelas escolas que é na potência do inexistente
que residem as micropolíticas, ou seja, na produção das micropolíticas os (as) jo-
vens e adultos trabalhadores (as) re (existem), tensionando a criação de políticas de
permanência estudantil na Educação Básica que se aproximem de suas necessida-
des.
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178

APÊNDICES

APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Convidamos o (a) Sr (a) para participar da pesquisa EDUCAÇÃO DE JO-


VENS E ADULTOS: macro/micro políticas e etnométodos para permanência
estudantil na Educação Básica, sob a responsabilidade do pesquisadora Rita de
Cássia Santana de Oliveira, a qual pretende compreender os etnométodos e micro-
políticas produzidas pelos estudantes e profissionais no âmbito de duas escolas da
rede estadual de ensino.
A pesquisa se propõe a descrever os etnométodos que são construídos pelos
(as) jovens e adultos (as) ao longo de sua formação no contexto da EJA, a fim de
permanecer e concluir os estudos na Educação Básica. O estudo pretende fazer uso
de alguns dispositivos para a produção de saberes: a entrevista, a observação parti-
cipante e o diálogo formativo.
Sua participação é voluntária e se dará por meio de: ( ) diálogo formativol, ( )
entrevista ( ) participação em atividade em que ocorrerá observação.
A entrevista/diálogos formativos serão gravados em áudio, para posterior
transcrição e análise das informações, mas a sua identidade será preservada.
Os possíveis riscos decorrentes de sua participação na pesquisa podem ser
sociais culturais e psicológicos, tais como: sentir-se induzido a falar sobre algum te-
ma que desconhece, responder a perguntas tendenciosas, manifestar-se sobre situ-
ações que lhe podem causar algum desconforto. Caso ocorram situações em que
sejam expostos a contradições ou contraposições nas iterações com outros (as) par-
ticipantes do diálogo formativo e caso essas situações ocorram há o compromisso
de suspensão da atividade coletiva e realização de entrevistas individuais. Entretan-
to, se você aceitar participar, estará contribuindo para uma reflexão pedagógica so-
bre a permanência de jovens e adultos (as) trabalhadores (as) na Educação Básica.
Se depois de consentir em sua participação o Sr (a) desistir de continuar par-
ticipando, tem o direito e a liberdade de retirar seu consentimento em qualquer fase
da pesquisa, seja antes ou depois da produção de saberes, independente do motivo
e sem nenhum prejuízo a sua pessoa. O (a) Sr (a) não terá nenhuma despesa e
179

também não receberá nenhuma remuneração. Os resultados da pesquisa serão


analisados e publicados, mas sua identidade não será divulgada, sendo guardada
em sigilo.
Eu,___________________________________________________________,
fui informado sobre o que a pesquisadora quer fazer e porque precisa da minha co-
laboração, e entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar do projeto,
sabendo que não receber nenhum provento, minha identidade será preservada e
que posso sair quando quiser. Este documento é emitido em duas vias que serão
ambas assinadas por mim e pela pesquisadora, ficando uma via com cada um de
nós.

Data: ___/ ___________/ ____

______________________________
Assinatura do(a) participante
__________________________________
Assinatura da Pesquisadora Responsável
180

APÊNDICE B – Roteiro para Mediação do Diálogo Formativo


com os (as) Estudantes

OBJETIVOS:

 compreender a perspectiva dos diversos segmentos que compõe a EJA no


que diz respeito à formação nesta modalidade de educação e às políticas de
permanência estudantil;
 compreender como se entrelaçam trajetórias de vida e trajetórias escolares na
vivência dos (as) jovens e adultos (as) da EJA, bem como os tempos de so-
brevivência e trabalho, tão típicos da vida jovem e adulta na pobreza;
 descrever os etnométodos que são construídos pelos (as) jovens e adultos
(as) ao longo de sua formação no contexto da EJA, a fim de permanecer e
concluir este processo formativo;
 reconhecer nas ações dos diferentes segmentos que compõem esta modali-
dade de ensino indicadores para a formulação de políticas de permanência
estudantil na EJA como se entrelaçam trajetórias de vida e trajetórias escola-
res na vivência dos (as) discentes da EJA.

QUESTÕES:

1. Como você considera que deve ser sua formação na EJA?

2. Como você concilia os estudos com o trabalho, a família, o casamento e os


(as) filhos (as)?

3. Após seu retorno à escola, houveram mudanças em seu projeto de vida no


que diz respeito ao trabalho, à família, ao casamento e aos (às) filhos (as)?

4. Que ações são desenvolvidas na escola que considera importantes para você
concluir os estudos na Educação Básica?

5. Que outras ações poderiam ser realizadas pela escola e por outros segmen-
tos da sociedade para contribuir com sua formação e permanência na escola?
181

6. Como sua família ou pessoas do trabalho, passaram a comportar-se em rela-


ção a você e seus estudos, após seu retorno à escola? Mudou alguma coisa,
o que você destacaria?

7. Olhando hoje para sua experiência anterior na escola, o que você pensa?
182

APÊNDICE C – Roteiro para Mediação do Diálogo Formativo


com os (as) Professores (as)

OBJETIVOS:

 compreender a perspectiva dos diversos segmentos que compõe a EJA no


que diz respeito à formação nesta modalidade de educação e às políticas de
permanência estudantil;
 compreender como se entrelaçam trajetórias de vida e trajetórias escolares na
vivência dos (as) jovens e adultos (as) da EJA, bem como os tempos de so-
brevivência e trabalho, tão típicos da vida jovem e adulta na pobreza;
 descrever os etnométodos que são construídos pelos (as) jovens e adultos
(as) ao longo de sua formação no contexto da EJA, a fim de permanecer e
concluir este processo formativo;
 reconhecer nas ações dos diferentes segmentos que compõem esta modali-
dade de ensino indicadores para a formulação de políticas de permanência
estudantil na EJA como se entrelaçam trajetórias de vida e trajetórias escola-
res na vivência dos (as) discentes da EJA.

QUESTÕES:

1. Qual a sua concepção de formação de jovens e adultos (as)?


2. Como você compreende as políticas de permanência à formação de jovens e
adultos (as) na Educação Básica?
3. De que maneira suas aulas na EJA contribui como espaço de ten-
sões/proposições de políticas de permanência à formação de jovens e adultos
(as) na Educação Básica?
4. Na sua percepção, como seus estudantes da EJA conciliam o tempo de traba-
lho, estudo e vida pessoal?
5. Quais ações são adotadas na sua aula e na escola que contribuem para a
permanência de jovens e adultos (as) na escola?
6. Que outras ações poderiam ser adotadas pela escola e por outros segmentos
da sociedade para contribuir na formação e permanência de jovens e adultos
(as) na Educação Básica?
183

APÊNDICE D – Roteiro de Entrevista dos (as) Gestores (as)

OBJETIVOS:

 compreender a perspectiva dos diversos segmentos que compõe a EJA no


que diz respeito à formação nesta modalidade de educação e às políticas de
permanência estudantil;
 compreender como se entrelaçam trajetórias de vida e trajetórias escolares na
vivência dos (as) jovens e adultos (as) da EJA, bem como os tempos de so-
brevivência e trabalho, tão típicos da vida jovem e adulta na pobreza;
 descrever os etnométodos que são construídos pelos (as) jovens e adultos
(as) ao longo de sua formação no contexto da EJA, a fim de permanecer e
concluir este processo formativo;
 reconhecer nas ações dos diferentes segmentos que compõem esta modali-
dade de ensino indicadores para a formulação de políticas de permanência
estudantil na EJA como se entrelaçam trajetórias de vida e trajetórias escola-
res na vivência dos (as) discentes da EJA.

QUESTÕES:

1. Qual a sua concepção de formação de jovens e adultos (as)?

2. Como você compreende as políticas de permanência à formação de jovens e


adultos (as) na Educação Básica?

3. De que forma a escola se constitui espaço de tensões/proposições de políti-


cas de permanência à formação de jovens e adultos (as) na Educação Bási-
ca?

4. Na sua percepção, como os (as) estudantes trabalhadores (as) da EJA de sua


escola conciliam o tempo de trabalho, estudo e vida pessoal?

5. Quais ações são adotadas na escola que contribuem para a formação e per-
manência de jovens e adultos (as) na escola?
184

6. Que outras ações poderiam ser adotadas pela escola e por outros segmentos
da sociedade para contribuir com a formação e a permanência de jovens e
adultos (as) na Educação Básica?

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