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TOXICOLOGIA
5ª Edição
TOXICOLOGIA
5ª Edição
Editores
Seizi Oga
Márcia Maria de Almeida Camargo
José Antonio de Oliveira Batistuzzo
Sem autorização escrita, nenhuma parte do livro poderá, de forma alguma, ser reproduzida (seja por fotocópia, microfilme ou
outro método), nem ser adaptada, reproduzida ou distribuída mediante aplicação de sistemas eletrônicos, estando o infrator sujei-
to às penalidades previstas no Código Penal, a saber: reclusão de um a quatro anos.
O28f
5. ed.
Oga, Seizi
Fundamentos de toxicologia / Seizi Oga, Márcia Maria de
Almeida Camargo, José Antonio de Oliveira Batistuzzo. - 5. ed. -
Rio de Janeiro : Atheneu, 2021. Atheneu, 2021.
SEIZI OGA
Professor Titular de Toxicologia do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Ciências
Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP).
ANDRÉ MALBERGIER
Doutor em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Mestre e Médico Psiquiatra
em Saúde Pública pela University of Illinois at Chicago (Estados Unidos). Coordenador do Grupo Interdisciplinar de
Estudos de Álcool e Drogas (GREA) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq) da FMUSP. Professor
Colaborador Médico do Departamento de Psiquiatria da FMUSP.
ANGÉLICA YOCHIY
Doutora em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). Mestre em
Análises Toxicológicas pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP. Farmacêutica-Bioquímica pela Faculdade de
Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP.
ERNANI PINTO
Doutor em Bioquímica pelo Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP). Farmacêutico-Bioquímico pela
Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP. Professor Titular do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP.
Diretor do Core Facility in Mass Spectrometry do Food Research Center (FoRC-USP).
FABIANE DÖRR
Doutora em Toxicologia e Análises Toxicológicas pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP).
Mestre em Bioquímica pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em Biotecnologia da USP. Especialista em análises de
amostras ambientais por GC-MS e LC-MS pela FCF-USP. Graduada em Química Industrial pela Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM).
FÁBIO KUMMROW
Doutor e Mestre em Toxicologia e Análises Toxicológicas pela Universidade de São Paulo (USP). Farmacêutico-Bioquímico
pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Professor-Associado II de Toxicologia do Departamento de Ciências Farmacêuticas
do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – Campus
Diadema.
FÁBIO SIVIERO
Doutor em Bioquímica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP). Docente do Departamento de Biologia
Celular e do Desenvolvimento do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.
ISARITA MARTINS
Doutora e Mestre em Toxicologia e Análises Toxicológicas pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São
Paulo (FCF-USP). Professora-Associada IV da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal de Alfenas (Unifal).
JEANY DELAFIORI
Doutoranda em Fisiopatologia Médica na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp),
atuando na aplicação da espectrometria de massas em metabolômica e biociências. Farmacêutica pela Faculdade de Ciências
Farmacêuticas (FCF) da Unicamp.
MAURICIO YONAMINE
Doutor e Mestre em Toxicologia e Análises Toxicológicas pela Universidade de São Paulo (USP). Farmacêutico-Bioquímico pela
Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP. Professor-Associado do Departamento de Análises Clínica e Toxicológicas
da FCF-USP.
PAULA KUJBIDA
Doutora e Mestre em Toxicologia e Análises Toxicológicas pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São
Paulo (FCF-USP). Farmacêutica-Bioquímica pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal). Professora-Associada do
Departamento de Farmácia e Administração Farmacêutica da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal Fluminense (UFF).
RAFAEL LANARO
Doutorando em Farmacologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mestre em Toxicologia e Análises
Toxicológicas pela Universidade de São Paulo (USP). Farmacêutico-Bioquímico pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas
(PUC-Campinas). Professor dos Programas de Pós-Graduação em Toxicologia das Faculdades Oswaldo Cruz. Responsável
Técnico pelas Análises Toxicológicas de Urgência e Emergência do Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Campinas
(FCM-Unicamp). Membro do Comitê de Jovens Cientistas do The International Association of Forensic Toxicologists (TIAFT).
Secretário Geral da Sociedade Brasileira de Toxicologia (SBTOX) – biênio 2020-2021.
ROSANA CAMARINI
Pós-Doutorado na University of California, São Francisco (Estados Unidos). Doutora em Psicobiologia pela Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp). Mestre em Psicobiologia pela Unifesp. Farmacêutica-Bioquímica pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas
da Universidade de São Paulo (FCF-USP). Professora-Associada e Pesquisadora do Departamento de Farmacologia do Instituto de
Ciências Biomédicas (ICB) da USP.
RÚBIA KUNO
Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Mestre em Saúde Pública Faculdade
de Saúde Pública da USP. Especialista em Engenharia de Controle da Poluição pela Faculdade de Saúde Pública da USP.
Farmacêutica-Bioquímica pela USP. Gerente da Divisão de Toxicologia e Genotoxicidade Humana e Saúde Ambiental da Companhia
Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).
SÉRGIO COLACIOPPO
Livre-Docente em Higiene e Toxicologia Ocupacional pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Saúde Ambiental pela
USP. Master of Public Health pela University of Texas (Estados Unidos). Farmacêutico-Bioquímico pela Faculdade de Ciências
Farmacêuticas (FCF) da USP. Ex-Professor-Associado da Faculdade de Saúde Pública da USP. Ex-Diretor da TOXIKÓN Higiene
Ocupacional.
SILVANA SANDRI
Pós-Doutorado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP), onde desenvolveu atividades
relacionadas com pesquisa básica nas áreas de Biologia Celular, Imunologia e Bioquímica. Doutora em Farmácia pela FCF-USP.
Farmacêutica-Bioquímica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Atualmente, desenvolve atividades na área do reconhecimento
das nanopartículas e o seu impacto sobre as células da imunidade inata e também na imunologia de tumores.
STELLAMARIS SOARES
Doutora em Bioinformática pelo Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em
Análises Clínicas e Toxicológicas pela Faculdade de Farmácia da UFMG. Bióloga pela Universidade de Itaúna (UIT).
TANIA MARCOURAKIS
Professora-Associada do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da
Universidade de São Paulo (FCF-USP).
VITOR BRUNO
Doutorando em Toxicologia do Programa de Pós-Graduação em Farmácia (Fisiopatologia e Toxicologia) pela Faculdade de
Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP). Mestre na área de Toxicologia pelo Programa de Pós-Graduação
em Farmácia (Fisiopatologia e Toxicologia) da FCF-USP. Químico Forense pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Ribeirão Preto (FFCLRP-USP).
A Toxicologia é ministrada no curso de Ciências Farmacêuticas como disciplina de Graduação, onde é dado realce
principalmente à análise toxicológica.
Graças ao constante progresso de ciência e tecnologia, existem, atualmente, vários métodos que permitem identificar a
natureza, assim como efetuar a dosagem de pequenas quantidades de agentes tóxicos existentes em materiais biológicos,
auxiliando o diagnóstico das intoxicações.
Entretanto, é de vital importância que os analistas conheçam, além da metodologia e das técnicas de análise de
xenobióticos nos fluidos orgânicos, as propriedades físico-químicas e biológicas desses agentes e os efeitos que causam
nos seres vivos.
Daí a necessidade de se estender o programa de Toxicologia, enfocando também o lado biológico e oferecendo dados
sobre a maneira como os agentes tóxicos adentram o organismo e como é o seu processo cinético até a eliminação.
Nesta 5ª edição do livro Fundamentos de Toxicologia, todos os capítulos foram revistos e atualizados.
Agradecemos aos colegas que, mais uma vez, colaboraram para o aprimoramento desta obra.
Esperamos que este livro continue sendo um instrumento útil aos estudantes e profissionais da área de saúde.
Seizi Oga
Márcia Maria de Almeida Camargo
José Antonio de Oliveira Batistuzzo
Com o lançamento desta 5ª edição do Fundamentos de Toxicologia estamos comemorando o seu Jubileu de Prata.
Quando foi lançada a sua 1ª edição, em 1996, não havia ainda no Brasil uma obra didática completa de Toxicologia em
língua portuguesa. Alguns livros que existiam eram relacionados à metodologia de Análises Toxicológicas.
Idealizado e incentivado pelos docentes da disciplina de Toxicologia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP,
decidimos elaborar um livro de fácil leitura, baseado no conteúdo do curso tradicionalmente ministrado na Faculdade,
com o objetivo de contribuir para o ensino de Toxicologia aos alunos de Graduação e também de Pós-Graduação.
Desde a sua 1ª edição, que obteve o Prêmio Jabuti-1997 da Câmara Brasileira do Livro, o livro contou com a colaboração
de plêiade de especialistas da USP, da Unesp e de outras universidades. A 1ª edição contou com 33 colaboradores, a 2ª com 41,
a 3ª com 64, a 4ª com 90 e esta 5ª com 95.
Esse crescente número de colaboradores é perfeitamente compreensível diante da amplitude de área envolvida com a
Toxicologia, graças ao desenvolvimento de pesquisas e constante descoberta de novos agentes tóxicos e de seus mecanismos
de ação.
Agradecemos profundamente aos nossos colaboradores, alguns que nos acompanham desde a 1ª edição e outros mais
recentes, mas que contribuíram da mesma maneira para enriquecer esta obra.
São Paulo, julho de 2021.
Seizi Oga
Márcia Maria de Almeida Camargo
José Antonio de Oliveira Batistuzzo
O risco de intoxicação por agentes químicos e físicos aumenta na proporção direta ao desenvolvimento da ciência e
da tecnologia, que coloca à disposição da população um número cada vez maior de produtos, sejam eles alimentos,
medicamentos, inseticidas ou derivados domissanitários.
A Toxicologia, uma ciência multidisciplinar, investiga os toxicantes sob vários aspectos, desde sua natureza, métodos
de detecção, até os efeitos que causam em seres vivos. Portanto, é indiscutível a sua importância no contexto atual da Saúde
Pública.
A disciplina de Toxicologia é ministrada tradicionalmente nos cursos de graduação de Farmácia, dando-se ênfase, em
aulas práticas, à metodologia analítica. Na pós-graduação, a Universidade de São Paulo oferece cursos de mestrado, com
enfoque voltado às Análises Toxicológicas, e de Doutorado, com orientação mais ampla sobre todos os tópicos da
Toxicologia.
O presente livro, que constitui mais uma obra didática da série Zanini • Oga, foi idealizado por um grupo de professores
da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo e tem como objetivo básico contribuir para o ensino
da Toxicologia. Assim, os temas pertinentes foram abordados de maneira simples e sucinta e atualizada, e na mesma
seqüência em que são ministrados, na maioria das Escolas de Farmácia do Brasil.
Como em todos os trabalhos deste porte, inevitavelmente surgirão, no decorrer de sua leitura, falhas cometidas
involuntariamente pelo editor e seus colaboradores. Agradecemos, desde já, aos leitores que nos enviarem críticas e
sugestões que contribuam para o aperfeiçoamento das futuras edições.
Somos particularmente gratos aos colegas, especialistas nas diversas áreas da Toxicologia, que colaboraram em caráter
voluntário, desenvolvendo capítulos ou dedicando-se à árdua tarefa da revisão do texto.
São Paulo, abril de 1996.
Seizi Oga
Parte 6 – DOPAGEM
45. Dopagem no Esporte.................................................................................................................................... 645
Beatriz Aparecida Passos Bismara Paranhos, Ana Luiza Freitas de Assis Linhares, Mauricio Yonamine
46. Esteroides Androgênicos Anabólicos .............................................................................................................. 675
Rosemary Custódio Pedroso
47. Dopagem nos Esportes por Diuréticos............................................................................................................. 689
Angélica Yochiy
48. Dopagem nos Esportes por Cafeína ............................................................................................................... 699
Rosemary Custódio Pedroso
49. Dopagem em Animais de Competição............................................................................................................. 711
Márcia Maria de Almeida Camargo, Mirtes Eliete Velletri de Souza
Avicena (Abu Ali Husain ibn Abdullah ibn Sina) (980-1037) Moderna. Outros cientistas, como Magendie, Orfila, Caventou
deu sua contribuição à Toxicologia com as discussões sobre e Bernard contribuíram de maneira extraordinária para o pro-
mecanismos de ação de venenos, incluindo neurotoxicidade e gresso da Toxicologia Mecanística, com seus estudos por méto-
efeitos metabólicos. Ele recomendava a pedra de bezoar (con- dos científicos e sistemáticos.
creções biliares de bode) como antídoto e preventivo de doen- Magendie (1783-1855), médico e fisiologista experimental,
ças. A eficácia dessa pedra foi testada por Paré, com a permis- demonstrou o funcionamento de nervos espinhais, estudou o
são do rei Carlos IX, em um pobre prisioneiro condenado à fluxo sanguíneo e os fenômenos de deglutição e vômito. Intro-
morte, que recebeu concomitantemente o bicloreto de mercú- duziu a estricnina, o iodeto, o brometo e o ópio na Medicina.
rio e o antídoto universal. A vítima acabou morrendo após ter- Descreveu os mecanismos de ação da estricnina e da emetina,
rível sofrimento. incluindo a dinâmica de movimento através de membranas.
As pedras preciosas, igualmente, eram tidas como excelentes Seu mais famoso discípulo, Claude Bernard (1813-1878), ini-
antídotos. Às pedras de maior valor era atribuído maior efeito ciou a carreira como seu assistente e com ele estudou a fisiolo-
curativo. Assim, a ametista era indicada para intoxicações por gia normal e patológica. Sua grande contribuição à Toxicologia
bebidas alcoólicas e o topázio na prevenção de morte súbita. foi a introdução do conceito de toxicidade de substâncias em
Durante o obscurantismo científico da Idade Média e até os órgãos-alvo; o estudo do curare (veneno de flechas), desenvol-
primórdios do Renascimento, os envenenamentos eram aceitos vido por Bernard, permitiu o esclarecimento de seu mecanis-
pela sociedade europeia como risco “normal” da vida cotidiana. mo de ação sobre a placa terminal de músculos estriados e sua
Entretanto, alguns conhecimentos científicos em Toxicologia fo- aplicação em pacientes durante a anestesia cirúrgica.
ram gerados pelos árabes. Assim, a Medicina árabe desenvolveu Dando sequência aos trabalhos de Bernard, Rognetta
métodos químicos – destilação, sublimação e cristalização – (1800-1857) descreveu os mecanismos de ação de vários agen-
para a preparação de extratos medicamentosos, aplicados tam- tes tóxicos, especialmente do arsênio.
bém aos venenos. Um médico expoente dessa época foi Maimo-
Igualmente, Ehrlich (1854-1915) teve atuação destacada no
nides (Moses ben Maimon) (1135-1204), que escreveu um
cenário científico, pela sua dedicação ao estudo dos mecanis-
tratado, Poisons and their Antidotes, sobre o tratamento de enve-
mos de ação de agentes tóxicos (toxicodinâmica) e de fármacos
nenamento por cobras, insetos e cachorros loucos, chamando a
(farmacodinâmica). Propôs a teoria em que as substâncias ati-
atenção para o efeito protetor do leite, da manteiga e das gordu-
vas teriam no organismo pontos específicos de ataque, ou re
ras, ao retardar a absorção intestinal de venenos.
giões mais sensíveis dos tecidos, onde ocorreriam as interações
No início do Renascimento, tornou-se comum o uso de ve-
químico-biológicas. Ele identificou posteriormente vários re-
neno, na Itália, com finalidade criminosa. Nessa época, desta-
ceptores e se tornou o fundador da teoria de receptores.
ca-se madame Toffana, que preparava cosméticos à base de ar-
Algumas técnicas analíticas foram introduzidas na Toxico-
sênio. Na França, a marquesa de Brinvilliers foi uma das mais
logia por Joseph Jacob Plenck (1739-1807), para identificar e
conhecidas envenenadoras, testando suas “receitas” e anotando
seus efeitos, eficácia, locais mais atingidos etc. La Voisine (Ca- quantificar os agentes tóxicos em tecidos, na tentativa de com-
therine Deshayes) “trabalhava” como envenenadora, comercia- provar as causas de envenenamentos. Portanto, da aplicação de
lizando seus serviços. Luís XIV estabeleceu, então, uma comis- método analítico em Toxicologia surge a Toxicologia Forense.
são judicial especial para punir envenenadores, a Chambre A obra escrita por Mathieu Orfila (1787-1853), Traitè de to-
Ardente, que teve um expressivo papel na diminuição do uso xicologie, realça a importância da combinação de Toxicologia
do veneno com finalidade criminosa. Forense, Clínica e Química Analítica. Foi o primeiro toxicolo-
Uma figura de grande importância na Medicina, assim gista a usar, sistematicamente, material de autópsia e análise
como na História da Ciência, Paracelsus (Philippus Aureolus química como prova legal de envenenamentos. Em suas expe-
Theophrastus Bombastus von Hohenheim) (1493-1541), desen- riências, Orfila administrava doses conhecidas de agentes tóxi-
volveu estudos e ideias, revolucionários na época, envolvendo a cos em animais e observava cuidadosamente os efeitos produ-
Farmacologia, a Toxicologia e a Terapêutica. Vários de seus zidos, examinando, em seguida, os órgãos e efetuando análise
princípios permanecem ainda válidos, principalmente seu pos- dos agentes em diferentes tecidos e fluidos. A observação da
tulado mais conhecido: “todas as substâncias são venenos; não variação dos efeitos, bem como do nível alcançado nos tecidos,
há nenhuma que não seja um veneno. A dose correta diferencia em função da dose, permitiu-lhe concluir que os agentes tóxi-
o veneno do remédio”. Ainda que a nocividade do trabalho em cos são absorvidos pelo trato gastrointestinal. Suas investiga-
minas de extração de metais tenha sido descrita antes (Ellen- ções possibilitaram ainda relacionar certos sintomas com as
bog, 1480), o trabalho de Paracelsus, publicado em 1567, On the lesões específicas causadas em tecidos.
miner’s sickness and other diseases of miners, foi o estudo mais Frederick Accum (1769-1838) foi o pioneiro na aplicação da
completo até então realizado em Toxicologia Ocupacional, não Química Analítica para a detecção de contaminantes em ali-
apenas já citando a sintomatologia e o tratamento, mas discor- mentos e preparações farmacêuticas.
rendo sobre a prevenção de doenças associadas ao trabalho. O século XX caracterizou-se pelo grande avanço tecnológi-
Estudos nessa área foram posteriormente desenvolvidos por co no campo da síntese química. Milhares de novos compostos
Bernardino Ramazzini, que em 1700 publicou o livro Discourse foram sintetizados para diversos fins, como farmacêuticos (fár-
on the diseases of workers, marcando o início do desenvolvi- macos, excipientes), alimentares (conservantes, corantes, flavo-
mento da Medicina e da Toxicologia Ocupacional. rizantes) e agrícolas (praguicidas, herbicidas). O contato do ho-
Estudos realizados com venenos de serpentes por Fontana mem com esses agentes tem provocado inúmeros casos de
(1720-1805) valeram-lhe o título de fundador da Toxicologia intoxicação. Em 1937, houve morte de centenas de pacientes
tratados com sulfanilamida. A intoxicação foi causada pelo sol- sendo introduzido o uso de novos modelos animais que apre-
vente, dietilenoglicol, utilizado na preparação do elixir de sul- sentam ortólogos de genes humanos nos estudos de toxicidade,
fanilamida. No final da década de 1950, várias crianças foram como a Drosophila melanogaster. Outros que podem ser cita-
vítimas de grave acidente ocorrido pela utilização de talidomi- dos são os estudos de toxicidade de nanomateriais (nanotoxici-
da pelas mulheres no período de gestação. A talidomida é po- ty). O programa Toxicology in the 21st century (Tox21) é um
tencialmente teratogênica aos fetos, principalmente nos primei- programa colaborativo entre diversas entidades norte-ameri-
ros meses de desenvolvimento. Muitos casos de doenças severas canas que têm por objetivo desenvolver métodos de avaliação
e mortes foram reportados no Japão (Minamata e Niigata) nas toxicológica mais rápidos e eficientes. Um dos desafios é ava-
décadas de 1960 e 1970 envolvendo a ingestão de peixes conta- liar a toxicidade de misturas, situação comum na exposição
minados com metilmercúrio, em função da contaminação das humana a xenobióticos, uma vez que a maioria dos testes avalia
águas por uma fábrica que lançava resíduos industriais não tra- apenas substâncias químicas isoladas.
tados contendo este elemento. Assim, a Toxicologia é hoje uma verdadeira ciência social,
O número crescente de intoxicações decorrentes do uso in- cujo estudo visa propor maneiras seguras de se expor às subs-
devido ou da ingestão acidental de produtos químicos se tor- tâncias químicas, permitindo que o homem se beneficie das
nou preocupante e ocasionou a criação dos centros de informa- conquistas da atual era tecnológica. Alcançar este objetivo
ção, controle e assistência toxicológica, o primeiro em Chicago demanda tempo, trabalho e estudos colaborativos, mas pode
em 1930 no Saint Luke’s Hospital. Hoje amplamente implanta- ser alcançado se olharmos para o futuro e aprendermos com
dos em inúmeros países, sendo o primeiro do Brasil no Hospi- o passado.
tal das Clínicas na cidade de São Paulo, em 1971.
Após a Segunda Guerra Mundial, a Toxicologia experi- XX CONCEITOS BÁSICOS
mentou notável desenvolvimento, principalmente a partir da
década de 1960, deixando de ser a ciência envolvida apenas A Toxicologia é a ciência que estuda os efeitos nocivos decor-
com o aspecto forense. Hoje a ênfase é voltada à avaliação de rentes das interações de substâncias químicas com o organis-
segurança e risco na utilização de substâncias químicas, como mo, sob condições específicas de exposição. A palavra é deriva-
também à aplicação de dados gerados em estudos toxicológicos da da forma latinizada do termo grego toxicon que significa
como base para o controle regulatório de substâncias químicas “veneno de flecha”. Assim, é a ciência que investiga experimen-
no alimento, no ambiente, nos locais de trabalho, entre outros. talmente a ocorrência, a natureza, a incidência, os mecanismos
Os estudos da carcinogenicidade, mutagenicidade, teratogeni- e os fatores de risco dos efeitos deletérios de agentes químicos.
cidade, assim como os aspectos preventivos, preditivos e com- A Toxicologia tradicionalmente estuda os efeitos nocivos de
portamentais de substâncias químicas, são alguns exemplos de substâncias químicas, porém é aceito por diversos pesquisado-
tópicos da Toxicologia Contemporânea. res e órgãos internacionais, como a SOT, que o estudo de ou-
O grande desenvolvimento desta ciência e de profissionais tros agentes, como os físicos (p. ex., as radiações) e de substân-
atuando na área da Toxicologia no século passado acarretaram cias originadas de organismos biológicos (p. ex., veneno de
a criação de numerosas sociedades e organizações científicas serpentes) devem também ser considerados no campo da Toxi-
dedicadas a ela, como a Society of Toxicology (SOT), fundada cologia, assim como os efeitos nocivos sobre ecossistemas. Nes-
em 1961, a American Academy of Clinical Toxicology em 1968, ta publicação existem capítulos específicos dedicados a estes
a Society of Forensic Toxicology em 1970, a Société Française de aspectos.
Toxicologie (SFT) em 1974 e a International Union of Toxicolo- Os efeitos tóxicos variam desde os considerados leves, como
gy (IUTOX) em 1977, que reúne diversas associações represen- a irritação dos olhos, até respostas mais sérias, como o dano he-
tativas dos 6 continentes, entre muitas outras. No Brasil, foi
pático ou renal, podendo ser tão graves quanto a incapacitação
fundada em 1972 a Sociedade Brasileira de Toxicologia (SB-
permanente de um órgão, como a cirrose ou o câncer.
Tox), da qual fazem parte profissionais, docentes, empresas e
De fato, é difícil conceituar efeito nocivo, isto é, a partir de
organizações ligados à Toxicologia.
que ponto determinado efeito biológico passa a ser considerado
As autoridades governamentais de vários países decidiram
nocivo. De acordo com a National Academy of Sciences, um
tornar obrigatórios os testes de toxicidade de todos os medica-
efeito é considerado nocivo se:
mentos, previamente ao seu registro junto aos órgãos compe-
tentes. No Brasil, a Resolução n. 1/1988 do Conselho Nacional nn ao ser produzido numa exposição prolongada resulte em
de Saúde (CNS) estabeleceu normas a serem seguidas para os transtornos da capacidade funcional e/ou da capacidade do
ensaios pré-clínicos e clínicos. A obrigatoriedade de ensaios organismo em compensar nova sobrecarga;
toxicológicos é hoje válida também para as substâncias perten- nn diminui perceptivelmente a capacidade do organismo de
centes a outras categorias, como praguicidas, domissanitários manter sua homeostasia, quer sejam efeitos reversíveis ou
e aditivos alimentares, com as quais o homem entra em contato irreversíveis;
como usuário ou durante o processo de fabricação; sua regula- nn aumenta a suscetibilidade aos efeitos indesejáveis de outros
mentação é feita principalmente pelo Ministério da Saúde, pelo fatores ambientais, como os químicos, os físicos, os biológi-
Ministério da Agricultura e pelo Instituto Brasileiro do Meio cos ou os sociais.
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Entende-se por agente tóxico ou toxicante a entidade quími-
No século XXI, novas técnicas e tecnologias têm sido usa- ca capaz de causar dano a um sistema biológico, alterando seria-
das para o desenvolvimento da Toxicologia; assim, após o se- mente uma função ou ocasionando a morte, sob certas condi-
quenciamento do genoma humano e de outras espécies, está ções de exposição. Veneno é hoje um termo de uso popular
utilizado para designar a substância química ou a mistura de cas, é chamada toxicidade. Portanto, a toxicidade é a capacida-
substâncias químicas que provoca a intoxicação ou a morte com de inerente e potencial do agente tóxico de provocar efeitos no-
baixas doses. Segundo alguns autores, este termo é reservado, civos em organismos vivos. Raramente pode ser definida como
especificamente, para designar substâncias provenientes de ani- um evento molecular único; preferentemente, envolve uma cas-
mais, nos quais teriam importantes funções de autodefesa ou de cata de eventos, que se iniciam com a exposição, seguida de dis-
predação, como é o caso do veneno de cobra, de abelha etc. tribuição e biotransformação, terminando em interações com
Não existe uma maneira simples de classificar os agentes tó- macromoléculas (como o DNA ou proteínas) e na expressão de
xicos de modo a abranger todo o espectro de seus efeitos. As mais um end point para o efeito nocivo. Essa sequência pode ser ate-
usuais são: de acordo com seu estado físico (gases, poeiras, líqui- nuada por excreção e reparo. A medida da toxicidade é comple-
dos etc.), estabilidade/reatividade (explosivos, corrosivos, infla- xa, pode ser aguda ou crônica e variar de um órgão para outro,
máveis etc.), mecanismo de ação (disruptores endócrinos, inibi- assim também de acordo com idade, genética, gênero, dieta,
dores do ciclo de Krebs etc.), usos (praguicidas, solventes, aditivos condição fisiológica ou estado de saúde do organismo. O fator
etc.), estrutura química (hidrocarbonetos aromáticos, aminas e mais importante na toxicidade maior ou menor de uma subs-
derivados etc.), órgão/sistema alvo da ação nociva (hepatóxicos, tância química, em humanos, é a variação genética, em oposto
nefrotóxicos etc.), comportamento analítico dos toxicantes (volá- aos animais de experimentação, em que esse fator pode ser con-
teis, orgânicos fixos, metais etc.), usos (aditivos, praguicidas, sol- trolado. Assim, a medida simples da dose letal 50% (DL50) é
ventes etc.), entre outros critérios. Assim, para elaborar um pro- a ltamente dependente do controle rigoroso das variáveis.
grama de estudo desta ciência diversas entradas por diferentes Ação tóxica é a maneira pela qual um agente tóxico exerce
critérios de classificação são geralmente utilizadas. sua atividade sobre as estruturas teciduais. Toxicidade deve ser
O conceito de toxicante envolve um aspecto quantitativo e diferenciada de risco, termo que traduz a probabilidade estatís-
outro qualitativo. O toxicante no aspecto quantitativo significa tica de uma substância química provocar efeitos nocivos em
que praticamente toda substância, perigosa em certas doses, condições definidas de exposição. Assim, uma substância pode
pode ser desprovida de perigo em doses muito baixas; por exem- apresentar elevada toxicidade (avaliada pelo teste da DL50) e
plo, o cloreto de vinila é um potente hepatotóxico em doses ele- baixo risco, isto é, baixa probabilidade de causar intoxicações
vadas, é um carcinógeno em exposição prolongada a baixas do- nas condições em que é utilizada.
ses e, aparentemente, desprovido de efeito nocivo em doses A intoxicação é a manifestação dos efeitos tóxicos. É um
muito baixas. No aspecto qualitativo, pode-se considerar que processo patológico causado por substâncias químicas endóge-
uma substância nociva para uma espécie ou linhagem pode ser
nas ou exógenas e caracterizado por desequilíbrio fisiológico,
desprovida de perigo para outra espécie; por exemplo, o tetra-
em consequência das alterações bioquímicas no organismo.
cloreto de carbono é altamente hepatotóxico para várias espé-
Esse processo é evidenciado por sinais e sintomas ou mediante
cies, incluindo o homem, e relativamente seguro para frangos.
exames laboratoriais.
Outras condições da exposição ao xenobiótico também interfe-
rem no aparecimento ou não do efeito nocivo, como a via de in- Xenobiótico é o termo usado para designar substâncias quí-
trodução, a duração, a frequência da exposição, entre outras. micas estranhas ao organismo. Agentes poluentes da atmosfera
e metais do tipo chumbo e mercúrio são xenobióticos, desde
Droga é toda substância, ou mistura de substâncias, capaz
que não possuam papel fisiológico conhecido. Em Toxicologia
de modificar ou explorar o sistema fisiológico ou estado pato-
também é considerada xenobiótico a substância química estra-
lógico, utilizada com ou sem intenção de benefício do organis-
nha quantitativamente ao organismo, como o manganês, ele-
mo receptor. Difere do fármaco, pois este é descrito como toda
mento normalmente presente e necessário ao organismo, que
substância de estrutura química definida, capaz de modificar
em condições de exposição elevada pode provocar intoxicação
ou explorar o sistema fisiológico ou estado patológico, em be-
nefício do organismo receptor. Assim, a Cannabis sativa (ma- grave, às vezes irreversível, em trabalhadores.
conha) seria uma droga e o seu principal constituinte psicoati- Dependendo das condições de exposição, toda substância
vo, o 9Δ – tetraidrocanabinol, um fármaco. Entretanto, a pode agir como toxicante, causando efeito nocivo ao ser vivo.
palavra droga tem aceitação popular para designar fármacos, Inclusive, todos os medicamentos possuem, em menor ou
medicamentos, matéria-prima de medicamentos e toxicantes. maior grau, propriedades tóxicas, provocando efeitos adversos,
Antídoto é um agente capaz de antagonizar os efeitos tóxi- sendo a dose um dos fatores preponderantes que determinam a
cos de substâncias. O antagonismo pode ser químico (p. ex., intoxicação. À medida que se aumenta a dose, os efeitos adver-
quelantes que se ligam a íons de metais pesados), disposicional sos dos medicamentos se acentuam.
(p. ex., uso de carvão ativado para diminuir a absorção de um Os complexos eventos envolvidos na intoxicação, desde a
toxicante introduzido por via oral), funcional (p. ex., vasopres- exposição do organismo ao toxicante até o aparecimento de si-
sores para mitigar a queda de pressão arterial provocada por nais e sintomas, podem ser desdobrados, para fins didáticos,
agentes tóxicos) ou de receptor (p. ex., uso de atropina na into- em 4 fases, ditas fases de intoxicação.
xicação por praguicidas organofosforados). Apesar de sua a) Fase de exposição É a fase em que a superfície externa ou
grande importância no tratamento das intoxicações, a disponi- interna do organismo entra em contato com o toxicante. É
bilidade de antídotos é limitada e, para a maioria dos toxican- importante considerar, nessa fase, a dose ou a concentração
tes, apenas tratamentos sintomáticos são utilizados. do xenobiótico, a via de introdução, a frequência e a duração
A propriedade de agentes tóxicos de promoverem injúrias da exposição, as propriedades físico-químicas das substân-
às estruturas biológicas, por meio de interações físico-quími- cias, assim como a suscetibilidade individual. Todos esses
fatores condicionam a disponibilidade química do xenobióti- estreita relação entre a Toxicologia e a Farmacologia e muitas
co, ou seja, a fração dele disponível para a absorção. das áreas de atuação são comuns às duas especialidades.
b) Fase toxicocinética Inclui todos os processos envolvidos
na relação entre a absorção e a concentração do agente tóxico XX DIVISÃO E FINALIDADES
nos diferentes tecidos do organismo, por meio dos desloca- DA TOXICOLOGIA
mentos da substância no organismo. Intervêm nessa fase ab-
sorção, distribuição, armazenamento, biotransformação e os A Toxicologia abrange uma vasta área de conhecimentos, na
processos de excreção de substâncias químicas. As proprie- qual atuam profissionais de diversas formações. Ela pode ser
dades físico-químicas dos toxicantes determinam o grau de dividida, de acordo com os diferentes campos de trabalho, em
acesso aos órgãos-alvo, assim como a velocidade de sua eli- Toxicologia Analítica ou Química, Toxicologia Clínica ou Mé-
minação do organismo. O balanço desses movimentos é o dica e Toxicologia Experimental.
que condiciona a biodisponibilidade da substância. A Toxicologia Analítica trata da detecção do agente quími-
c) Fase toxicodinâmica Compreende a interação entre as co ou de algum outro parâmetro relacionado à exposição ao
moléculas do toxicante e os sítios de ação, específicos ou toxicante, em substratos como fluidos orgânicos, alimentos,
não, dos órgãos e, consequentemente, o aparecimento de água, ar, solo, entre outros, com o objetivo precípuo de prevenir
desequilíbrio homeostático. ou diagnosticar as intoxicações. Busca métodos exatos, preci-
d) Fase clínica É a fase em que há evidências de sinais e sin- sos, de sensibilidade adequada para a identificação inequívoca
tomas, ou ainda alterações patológicas detectáveis mediante do toxicante, ou para observar alterações bioquímicas funcio-
provas diagnósticas, caracterizando os efeitos nocivos pro- nais do organismo, fornecendo evidência objetiva da natureza
vocados pela interação do toxicante com o organismo. e magnitude da exposição a um ou a um grupo de agentes. O
A Toxicologia visa, além de avaliar as lesões causadas no domínio de química analítica e de instrumentação é de funda-
organismo por toxicantes, investigar os mecanismos envolvi- mental importância no exercício dessa modalidade. No aspecto
dos no processo. Procura também identificar e quantificar as forense, as análises toxicológicas são usadas na detecção e iden-
substâncias tóxicas presentes nos fluidos biológicos e determi- tificação de agentes tóxicos para fins médico-legais em mate-
nar seus níveis toleráveis no organismo. Esses conhecimentos, rial biológico ou em materiais diversos, como água, alimentos,
sem dúvida, são de fundamental importância na instituição de medicamentos, drogas comercializadas no mercado ilícito, en-
uma terapêutica segura de pacientes intoxicados e no estabele- tre outras, envolvidas em procedimentos judiciais. Neste as-
cimento de medidas que possam prevenir as intoxicações. O pecto se insere o controle antidopagem, em que, mediante mé-
estudo dos mecanismos de ação tóxica é desenvolvido por meio todos analíticos apropriados, investiga-se a presença de
de ensaios biológicos, utilizando diversas espécies animais e substâncias cujo uso é vedado pela legislação esportiva. No
diferentes modelos experimentais. Brasil, em 2015, entrou em vigor a Lei n. 13.103 que tornou
obrigatório o exame toxicológico para obtenção ou renovação
XX RELAÇÃO DA TOXICOLOGIA da Carteira Nacional de Habilitação para algumas categorias.
COM OUTRAS CIÊNCIAS A Toxicologia Analítica é também importante no monito-
ramento terapêutico ou acompanhamento de pacientes subme-
A Toxicologia é uma ciência muito eclética e contribui signifi- tidos ao tratamento prolongado com alguns tipos de medica-
cativamente para o desenvolvimento de outras ciências e ativi- mentos, especialmente os de baixo índice terapêutico, mediante
dades humanas diversas. Também necessita de conhecimentos, determinação sistemática ou periódica do fármaco em material
métodos e conceitos de algumas ciências para sua atuação, biológico, notadamente em plasma. O monitoramento visa efe-
como da Farmacologia, Química, Bioquímica, Patologia, Fisio- tuar correção de doses, se necessário, durante a farmacotera-
logia, Epidemiologia, Imunologia, Ecologia, Biofísica, Genéti- pia, para obtenção de eficácia terapêutica com ausência, ou
ca, Psicologia, Matemática, Estatística, e, mais recentemente, baixo risco, de intoxicação. O monitoramento da exposição
da Biologia Molecular. Nos últimos anos, tem aumentado a ocupacional às substâncias químicas é também aplicação das
importância das Ciências da Computação nos estudos toxico- análises toxicológicas, podendo ser realizado em material bio-
lógicos, a fim de melhorar a precisão, segurança, eficiência, lógico do trabalhador, por meio da detecção de toxicante, seus
custos, assim como reduzir o uso de animais nestes estudos. metabólitos ou qualquer alteração de parâmetros bioquímicos,
A sua contribuição é decisiva para o desenvolvimento das ciên ou no ambiente de trabalho, ambos objetivando a prevenção de
cias, como a Medicina Forense, a Toxicologia Clínica, a Farmá- intoxicações. O diagnóstico laboratorial da intoxicação, aguda
cia, a Farmacologia, a Saúde Pública e a Higiene Industrial. ou crônica, representa uma importante ferramenta para o mé-
Também contribui para a Medicina Veterinária e alguns aspec- dico que atende o paciente, auxiliando-o na escolha do melhor
tos importantes da Agricultura, como no desenvolvimento e uso tratamento e no acompanhamento do paciente intoxicado.
seguro de praguicidas. Nos anos mais recentes, sua contribuição Exames toxicológicos que visam o controle da farmacodepen-
para as ciências ambientais vem ganhando importância. dência em função do uso de drogas psicoativas, ilícitas ou não,
Métodos toxicológicos, tanto de análise dos agentes quanto vêm crescendo acentuadamente nos últimos anos, incluindo
de avaliação das lesões causadas em seres vivos, servem de im- em ambientes de trabalho, constituindo outra importante apli-
portantes subsídios para a Farmacologia, que estuda especifi- cação das análises toxicológicas. Análises em outros substra-
camente os agentes terapêuticos e diagnósticos. Reciprocamen- tos, como água, alimentos, ar, solo, entre outros, também são
te, os métodos farmacológicos são de utilidade na elucidação designadas de toxicológicas, desde que a finalidade seja a pre-
dos mecanismos de ação de agentes tóxicos. Portanto, há uma venção ou o diagnóstico de intoxicações.
O atendimento do paciente, para prevenir, avaliar, diagnos- de substâncias químicas que contribuem para garantir a sobrevi-
ticar, prognosticar e tratar intoxicações é da competência dos vência do homem e do planeta. Seu conhecimento é indispensá-
profissionais médicos que se dedicam à Toxicologia Médica ou vel ao trabalho dos profissionais que se dedicam tanto às áreas
Clínica. O atendimento de animais, com as mesmas finalida- de ciências biológicas quanto às de exatas e humanas.
des, é da competência de médicos veterinários especialistas Em face da complexidade e da amplitude do campo da To-
nesta área. No Brasil, alguns dos Centros de Informação e As- xicologia, faz-se sempre necessário um trabalho conjunto de
sistência Toxicológica (CIAT) oferecem atendimento hospita- profissionais com diferentes formações básicas na resolução de
lar e laboratorial à população em geral. problemas que envolvam substâncias tóxicas.
A Toxicologia Experimental desenvolve estudos para a elu-
cidação dos mecanismos de ação dos agentes tóxicos sobre o XX BIBLIOGRAFIA
sistema biológico e para avaliação dos efeitos decorrentes dessa
ação. A avaliação da toxicidade de substâncias é feita utilizan- ALEKNUNES, L.M.; EATON, D.L. Principles of Toxicology. In:
do-se diferentes espécies animais, seguindo as rigorosas nor- KLAASEN, C.D. Casarett Doull´s Toxicology: The Basic Science of
mas preconizadas pelos Órgãos Reguladores do país. O estudo Poisons. 9.ed. New York: Mc Graw Hill, 2019. p. 25-64.
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térias, dáfnias, abelhas, minhocas, peixes e outras espécies que CHARBERLAIN, J. Analysis of Drugs in Biological Fluids. 2.ed.
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palmente, a prevenção das intoxicações.
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FERNÍCOLA, N.A.G.; JANGE, P. Nociones Basicas de Toxicologia.
No âmbito da Toxicologia, distinguem-se várias áreas de atua- Metepec: ECO/OPS, 1985. p. 3-7.
ção, de acordo com a natureza do agente ou a maneira como
GUPTA, P.K. Fundamentals of Toxicology: Essential Concepts and
este atinge o sistema biológico. Destacam-se, entre outras, as Application. New York: Academic Press, 2016. p. 3-22
áreas de Toxicologia Ambiental, Ocupacional, de Alimentos,
HODGSON, E. Introduction to Toxicology. In: HODGSON, E. A
de Medicamentos e Cosméticos e Social. Textbook of Modern Toxicology. 4.ed. New Jersey: John Wiley &
A Toxicologia Ambiental é a área da Toxicologia em que se Sons, 2011. p. 3-14.
estudam os efeitos nocivos causados pela interação de agentes JAMES, R.C.; STEPHEN, M.R.; ROBERTS, S.M.; WILLIAMS,
químicos contaminantes do ambiente – água, solo, ar – com os P.L. General Principles of Toxicology. In: JAMES, R.C.; WILLIA-
organismos humanos. MS, P.L; ROBERTS, S.M. Principles of Toxicology: Environmental
A Toxicologia Ocupacional dedica-se ao estudo dos efeitos and Industrial Applications. 3.ed. New Jersey: John Wiley & Sons,
nocivos produzidos pela interação dos agentes químicos presen- 2014. p. 1-28.
tes no ambiente de trabalho com os indivíduos a eles expostos. KENAKIN, T. Pharmacologic Analysis of Drup-Receptor Interac-
A Toxicologia de Alimentos estuda os efeitos nocivos pro- tion. 2.ed. New York: Raven, 1993. 483p.
vocados por substâncias químicas presentes em alimentos, LEE, B. History of Toxicology. In: LEE, B.; KACEW, S.; KIM, H.S.
para definir as condições em que estes podem ser ingeridos Lu´s Basic Toxicology: Fundamentals, Target Organs, and Risk As-
sem causar danos ao organismo. sessment. 7.ed. Boca Raton: CRC Press, 2018. p. 3-22.
MÍDIO, A.C. Glossário de Toxicologia. São Paulo: Livraria Roca,
A Toxicologia de Medicamentos e Cosméticos é a área em
1992. 95 p.
que se estuda os efeitos nocivos produzidos pela interação de
MORAES, E.C.F.; SZNELWAR, R.B.; FERNÍCOLA, N.A.G.G.
medicamentos ou cosméticos com o organismo, decorrentes de
Manual de Toxicologia Analítica. São Paulo: Ed. Roca, 1991.
uso inadequado ou da suscetibilidade individual.
MOREAU, R. L. M.; SIQUEIRA, M. E. P. B. Introdução às Análises
A Toxicologia Social estuda os efeitos nocivos decorrentes Toxicológicas. Em: MOREAU, R. L. M.; SIQUEIRA, M. E. P. B. Toxi-
do uso não médico de drogas ou fármacos, causando prejuízo cologia Analítica. 2.ed. São Paulo: Guanabara Koogan, 2016. p. 2-5.
ao próprio indivíduo e à sociedade. TIMBRELL, J.A. Introduction to Toxicology. 3.ed. Philadelphia:
Em cada uma dessas áreas, vários aspectos da Toxicologia Taylor & Francis, 2002, p. 1-17.
podem ser abordados, como o forense ou legal, o pediátrico, o VEGA, P.V.; FLORENTINO, M.C.B.L. Toxicologia de Alimentos.
econômico, o regulatório e mecanístico, o descritivo, o da toxi- México: Instituto Nacional de Salud Publica, 2000. p. 1-5.
cogenômica, o computacional, entre outros; muitas vezes um WEXLER, P.; HAYES. A.N. The Evolving Journey of Toxicology: a
aspecto se sobrepõe a outro ou a outros. Historical Glimpse. In: KLAASEN, C.D. Casarett Doull´s Toxicolo-
A Toxicologia é uma ciência proeminentemente aplicada e gy: The Basic Science of Poisons. 9.ed. New York: Mc Graw Hill
que objetiva melhorar a qualidade de vida e a saúde do ambiente, Education, 2019. p. 3-23.
sendo de inegável importância social no mundo contemporâ- ZANINI, A.C.; OGA, S.; BATISTUZZO, J.A.O. Farmacologia
neo. Seu campo de atuação expandiu enormemente nas últimas Aplicada. Rio de Janeiro: Atheneu, 2018. 890p.
décadas, tornando-se uma ciência cujos conhecimentos são im- ZBINDEN, G. Progress in Toxicology. v.2. New York: Springer-
portantes para a tomada de decisões relativas à regulamentação -Verlag, 1976. 117p.