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Património Industrial Ibero-americano: recentes abordagens - Engenhos de Ilhabela - Publicações do Cidehus 26/06/2023 19:20

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Património Industrial Ibero-americano: recentes abordagens


| Ana Cardoso de Matos, Julián Sobrino Simal

Engenhos de Ilhabela
Uma história doce e amarga

Bárbara Marie Van Sebroeck Lutiis


Silveira Martins
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No litoral Norte deACCUEIL
São Paulo,DES 13908
Ilhabela contaÉDITEURS AUTEURS
com um rico acervo arqueológico e OpenEdition
patrimônio edificado dos séculosLIVRES
XVIII ao XX. Dentro desse rol de ruínas e prédios,
encontra-se um interessante e ainda pouco analisado momento produtor da ilha: os
engenhos de açúcar e cachaça. Foram trinta e um centros produtores ao longo de quase
duzentos anos, período em que a cana-de-açúcar alterou consideravelmente as
características físicas da ilha. A renovação da Mata Atlântica é de extremo interesse no
estudo do contexto da mudança agrícola da ilha e da construção de sua paisagem
cultural. O engenho da Toca, última destilaria ainda em funcionamento, foi estudado no
trabalho final de graduação na FAUUSP em um âmbito completo da questão de sua
memória. A pesquisa em andamento propõe a continuidade do tema, ao compor um
inventário desses engenhos, analisar as técnicas de produção (máquina a vapor, tração
animal e rodas d’água) e a situação atual dos sitios, sendo apenas um exemplar protegido
pelos órgãos de preservação, o Engenho d’Água. Busca-se abrir uma nova frente de
estudo para compreender o patrimônio agro-industrial ilhabelense e propor estratégias
para assegurar sua proteção.

Ilhabela is an island on the north coast of São Paulo state where is possible to find an
incredible archeological and built heritage from the XVIII and XX centuries. Among this

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vastly heritage, the cachaça and sugar mills are important to understand the period
throughout 200 years of sugar cane plantations for both productions in 31 distillerys. To
provide the raw material for the mills, the native Atlantic Forest was devasted,
considerably changing the landscape of Ilhabela. This panorama is very important when
analysing the changes in the agricultural evolution of the island and, furthermore, the
formation of its cultural landscape. Nowadays there is only one Mill, located in Toca’s
farm, that has recently resumed its production. This building was the focus for the
author’s final project in architecture, where the mill was comprehended as a historical
place. Now seeking to understand the context of the production, it is proposed an
inventory and analysis of the different types of techniques used to crush the sugar cane
(water wheels, steam or animal tractions) and how are these buildings today, as the
Engenho d’Água is the only mill in Ilhabela registered by governamental heritage. The
main goal of this research is to explore a neglected understanding of an archeological
and agroindustrial heritage and how to manage the subject of the governmental
protection policies.

Entrées d'index

Keywords :
mills, cachaça, cultural heritage, landscape, Atlantic Forest

Palavras-chave :
engenhos, cachaça, patrimônio cultural, paisagem, Mata Atlântica

Texte intégral

Introdução
1 O litoral Norte apresentou sempre um caráter de isolamento frente a
outras regiões do Estado de São Paulo (SILVA, 1975). O desenvolvimento
do cultivo da cana-de-açúcar em toda a extensão da região marcou
momentos de pujança econômica, expressas pelo número de engenhos
construídos e volumes de produção, bastante superiores aos de outras
regiões.
Figura 1 - Mapa de localização de Ilhabela

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Desenho elaborado pela autora


2 Um primeiro ciclo produtor aconteceu no século XVII, momento em que
os engenhos partem da região de Santos rumo a São Sebastião, no entanto,
poucos são os remanescentes (REIS, 1999). De um segundo momento, já
no século XVIII, Ilhabela contabilizava já dezesseis engenhos, dos quais
encontram-se entre quatro e cinco remanescentes, como é o caso do
Engenho São Mathias e do Engenho d’Água. Em 1805, o povoado da ilha
foi elevado à condição de vila, recebendo o nome de Vila Bela da Princeza.
3 A partir da leitura dos Almanaks Mercantis da Província de São Paulo, é
possível verificar a substituição gradual dos engenhos na fabricação da
aguardente em detrimento do açúcar. Uma das possíveis justificativas para
o abandono da fabricação do açúcar está no fato de que sua produção
passou a ocorrer sobretudo no planalto, com a implantação da política dos
Engenhos Centrais, nas últimas décadas do século XIX. Pretendia-se
desvincular a fase industrial da agrícola na produção de açúcar, de modo a
reduzir os custos e aumentar a qualidade do produto. A aguardente, no
entanto, se mantém como solução para muitos agricultores, dado que seu
valor de revenda era bastante atrativo e a produção do destilado era
encontrada em quase todas as cidades da província por ser «gênero de
muito consumo, e também de exportação » (MÜLLER, 1978, p. 239).
Figura 2 -Mapa com localização dos caminhos e engenhos de
Ilhabela em 1912

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Acervo: Biblioteca da Marinha, redesenho pela autora (2015)


4 O mapa da imagem 2 foi encontrado na Biblioteca da Marinha e permite
localizar os engenhos existentes em 1912, em um levantamento feito pela
Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo, com vista ao
estudos das possibilidades da exploração de todo o litoral Norte. Trata-se
da primeira cartografia que aponta exatamente onde estavam os engenhos
e os caminhos existentes na ilha. Notar que o engenho da Toca, bem no
centro da ilha, apesar de não estar catalogado como engenho naquele ano,
já apresentava um caminho consolidado e uma construção. Naquele ano
eram vinte e sete engenhos, que produziam apenas aguardente.
5 A crise de 1929 agravou a situação econômica de Vila Bela e, com a
arrecadação insuficiente para sua administração própria passa a retornar
como anexo de São Sebastião em maio de 1934. Em dezembro do mesmo
ano, após revolta da população local, Vila Bela retoma a condição de
município. Ainda na década de 1930 é aberta a Rodovia dos Tamoios, a
qual permitiu melhores ligações do litoral com o planalto e em meados do
século XX é iniciado o serviço de balsas no canal de São Sebastião: tais
melhorias de acesso impulsionaram fortemente a atividade turística,
sobretudo com a criação da estância balneária.
6 Ao longo do século XX fica evidente o novo período de decadência da
produção, com esvaziamento da ilha (FRANÇA, 1954, p. 125,126):
A capacidade de produção dessas fábricas, tôdas mal aparelhadas, é de 450 a
500.000 litros, anualmente. Em 1950 não fabricaram mais do que 246.000

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litros de aguardente, que foram exportados para Santos e cidades do interior


paulista.
(…) de longa data vem se verificando, cada ano, a paralisação de um ou outro
engenho, muitas vezes definitivamente. Explica-se assim o fato de, dos 31
engenhos observados por Ihering nos ultimo’s anos do século passado, não
restar siquer a metade.

7 Atualmente existe apenas uma destilaria em que o fabrico da cachaça foi


retomado há alguns anos: o Engenho da Toca, objeto de estudo do
Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da autora.

Metodologia e objetivos
8 O principal objetivo desta pesquisa é a análise de alguns engenhos de
Ilhabela e buscar compreender o patrimônio agro-industrial ilhabelense. A
importância do estudo do tema, portanto, se resume não somente na
catalogação de uma tipologia arquitetônica que se desenvolveu no litoral
Norte de São Paulo, mas na construção de uma narrativa feita a partir
desta. Por se tratar de uma pesquisa em andamento, estão sendo coletados
dados referentes aos engenhos: os registros dos imóveis permitem obter
informações sobre os proprietários, tipo de construção e maquinário
presente nos locais, o tamanho das propriedades, dentre outros. O
trabalho de campo pretende, por meio das visitas, fazer um novo
inventário com registro georreferenciado dos sítios hoje, e complementar,
por meio de desenhos e fotografias, os dados do Projeto Arqueológico de
Ilhabela (PAI) desenvolvido pelo arqueólogo Plácido Cali entre 1999 e
2006 e do Projeto de Gestão e Diagnóstico Arqueológico de Ilhabela
(GEDAI) desenvolvido pela arqueóloga Cintia Bendazzoli de 2008 a 2013.

Paisagem de Ilhabela

PEIb
9 Os momentos de decadência e evidente esvaziamento de população
levaram a uma drástica mudança na paisagem da ilha. Apesar de seu
relevo acidentado ter impossibilitado o avanço das lavouras para partes
mais elevadas, as áreas localizadas nas partes baixas dos morros acabaram
arrasadas com décadas de cultivo extensivo. No mapa abaixo é possível
concluir que o relevo acidentado, sobretudo na porção central da ilha
colaborou para coibir veementemente o avanço da devastação da mata.
10 Os decretos federal de 1958 do Código Florestal e estadual de 1977 da
criação do PEIb partiram do pressuposto da manutenção da cobertura
vegetal nativa nos topos dos morros de Ilhabela e, em conjunto,
garantiram a preservação deste inquestionável patrimônio ambiental. A
floresta latifoliada tropical úmida de encosta predomina em Ilhabela,
situada dentro do Bioma Mata Atlântica. O arquipélago tem se destacando

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nos últimos anos como o município com maiores índices de preservação da


Mata Atlântica no Brasil. A paisagem que se tem hoje, com matas
preservadas, é bastante diversa do panorama da década de 1950. As
transformações positivas na recomposição da vegetação foram possíveis no
último período de decadência da cidade pelo esvaziamento da região.
11 Vale elencar que dentro da área do Parque Estadual de Ilhabela (PEIb)
encontram-se seis engenhos do período colonial. É importante ressaltar
que o tombamento da extensa área que o Parque ocupa fornece mais um
dos diversos conflitos existentes na ocupação humana do arquipélago.

Leitura da ocupação humana em Ilhabela


12 A ocupação de Ilhabela foi conseqüência das mudanças que ocorreram
enquanto lógicas temporais. No início cada família caiçara vivia em uma
praia abrigada e conectava-se com as demais primordialmente pela via
marítima. Já existia uma ligação do lado do canal de São Sebastião
(Perequê) e o lado oposto (Castelhanos), com um acesso bastante precário.
Outros poucos caminhos são observados no mapa de 1912 e permanecem
praticamente idênticos até hoje. O advento da balsa que ligava Ilhabela a
São Sebastião permitiu a chegada de veículos automotores à ilha e, com
isso, observa-se o início do melhoramento das vias de comunicação
terrestre.
13 Elevada à categoria de Estância Balneária em 1948 (YÁZIGI, 1996), a
ocupação começa a ganhar força com a prática do veraneio na região. Em
linhas gerais, fica claro que a ocupação urbana de Ilhabela seguiu dois
vetores principais: um longitudinal ao longo da rodovia SP-131, que liga o
Norte ao Sul à beira-mar e um transversal, em direção às áreas tombadas
pelo Parque Estadual. Mesmo que o Parque seja um fator imposto de
repulsa à ocupação humana, o que se observa em Ilhabela é a fragilidade
de suas fronteiras, com o avanço para os terrenos mais altos e íngremes. A
ocupação do território acontece na face voltada para o canal de São
Sebastião e a carência de planejamento levou a uma situação complexa de
gerenciamento por parte do poder público. Quanto aos engenhos, não se
observa nenhuma política voltada à preservação dos sítios onde os núcleos
produtores estavam instalados.
Figura 3 - Mapa ocupação urbana atual por tipologia de
domicílios em Ilhabela

Fonte: Litoral Sustentável


14 Especificamente sobre esses núcleos, nota-se uma predominância da
ocupação por assentamentos precários ou loteamentos de alto padrão para
casas de veraneio na vizinhança desses sítios. Assim, no Engenho da Toca,
localizado na Fazenda da Toca, nota-se que ao longo das últimas duas

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décadas, a invasão das áreas contíguas à ela criaram uma bolha de


ocupação desordenada de terrenos, até mesmo dentro da Área de
Preservação Permanente (APP) do Córrego da Toca.
15 O Engenho da Pacuíba, que na ocasião do PAI foi escavado e bastante
estudado por Plácido Cali, abriga em sua vizinhança muito próxima um
condomínio fechado. O Engenho d’Água, teve inicialmente um polêmico
projeto de um campo de aviação na década de 1960 e de loteamento de boa
parte da área da fazenda pelo proprietário nos anos de 1980. O Engenho
São Mathias, estudado e quase tombado pelos órgãos federal e estadual,
também teve uma boa parcela de sua fazenda loteada para um condomínio
de alto padrão.
16 Um interessante exemplar que se manteve escondido na paisagem é o
Engenho do Julião, na praia de mesmo nome e que foi reconvertido como
casa particular de veraneio, mantendo sua estrutura do maquinário
integrada à nova proposta de arquitetura residencial.
17 No entanto, engenhos que estavam com ruínas potencialmente
importantes para a narrativa do período da cana-de-açúcar em Ilhabela
foram destruídos ainda durante o PAI, como o Engenho da Barra Velha,
que passou a abrigar o campo de aviação da ilha. De fato, a leitura da
transformação da ocupação urbana e de suas lógicas em Ilhabela interfere
categoricamente na possibilidade de reconhecimento mais ou menos
evidente dos engenhos.

Vila Bela dos Engenhos

O Engenho da Toca
18 O estudo do Engenho da Toca situou o edifício em meio à questão
ambiental, uma vez que cerca de 95% da área da fazenda foi tombada
como Parque Estadual e a questão arquitetônica, pela existência de um
engenho de aguardente.
19 O engenho é um dos remanescentes da história da cana-de-açúcar em
Ilhabela do início do século XX, sendo do tipo de gravidade (GAMA, 1983),
em que cada etapa ocorre em um patamar e o produto segue diretamente
para o processo seguinte por gravidade. Por estar localizado no interior da
ilha, apresenta uma linguagem arquitetônica bastante diversa do engenho
mais famoso de Ilhabela: o Engenho d’Água, tombado nas esferas
patrimoniais estadual e federal. De modo que enquanto o Engenho da
Toca seja do chamado partido aberto, o qual conjuga todas as instalações
em um só edifício, aquele é do chamado partido fechado e se assemelha ao
modelo de engenho que foi adotado no Nordeste (AZEVEDO, 1994).
20 Ao propor o estudo do edifício, partiu-se também da análise da cultura de
açúcar, a qual causou sérios danos à Ilha, com a devastação da Mata
Atlântica e o surgimento de morros pelados e áridos. A ilha que se tem

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hoje, com matas preservadas é bastante diversa do panorama da década de


1950. As transformações positivas na reconstituição de toda a vegetação
foram possíveis no último período de decadência da cidade pelo
esvaziamento da região.
Figura 4 - Duas das três moendas do Engenho da Toca, roda
d’água (esquerda) e elétrica (direita)

Foto: Vitória Van Sebroeck


21 No caso da Fazenda da Toca, o panorama da paisagem se apresenta dúbio.
Enquanto se tem uma regulamentação rígida sobre quase a totalidade da
propriedade o que ocasionou a perda de áreas cultivadas, são os seus
atributos naturais e constitutivos da paisagem que tornam a sua trajetória
tão intrigante. Ao esconder em si mistérios e mitos, apresenta-se também
como a prova viva de possibilidades de auto-renovação após décadas de
exploração do solo com cultivos agrícolas.
22 A situação particular do engenho com seu caráter de suporte a um ponto
turístico, em primeira instância, parece ter sido o meio pelo qual o edifício
pode dar continuidade, com a notória relação de cooperação recíproca
estabelecida entre o Engenho e a Cachoeira da Toca. Ao abrir três quedas
d’água para visitação nos anos 1967, o Engenho serviu de suporte para as
atividades do ponto turístico, em que o atendimento passou a ocorrer em
balcões instalados no salão principal no interior do edifício.
23 A despeito da dificuldade em conseguir autorização para plantar os
canaviais, a retomada da produção de cachaça com padrões de alta
qualidade mantém o caráter de suporte ao ponto turístico e também
permite a fabricação do produto. Quanto ao turismo, proporciona à família
Van Sebroeck o sustento há muitos anos e hoje o engenho passa a ser
incorporado em seu sentido completo nesta questão turística, ao oferecer
visitas às instalações onde acontece a produção de cachaça aliada à
degustação do produto ao final do passeio.

Outros engenhos
24 O inventário dos engenhos permite identificar exemplares por
características específicas e que permitem uma abordagem mais ampla da
produção, de acordo com suas técnicas de moagem. Nota-se um
predomínio de engenhos movidos a roda d’água, por uma facilidade de
acesso a cursos d’água em relevo, mas sabe-se de um engenho que
empregava máquina a vapor e apenas um, a tração animal (PETRONE,
1968).
25 A questão da localização geográfica parece evidente no estudo de engenhos
dispostos sobretudo à beira-mar e procura identificar a implantação dos
edifícios e relação com seu entorno, como eram escoadas a produção e

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cabe ressaltar o caráter de isolamento dos dois engenhos de Castelhanos,


região que se manteve independente da rotina no canal de São Sebastião,
sobretudo pelo precário acesso por terra, como encontrado nas descrições
do relatório da Comissão Geographica.
26 A priori, sabe-se que foram cadastradas como sítios em ruínas pelo PAI
treze engenhos, quatro foram completamente destruídos e cinco podem
ser classificadas como construções íntegras ou pouco modificadas. Desses
vinte e dois locais, deve-se revisitar as ruínas além de buscar os outros
sítios para descobrir maiores detalhes e avaliar seu estado atual.
27 O contexto da produção canavieira na ilha ainda apresenta outras questões
interessantes como as fazendas que forneciam os insumos, o maquinário
empregado e fragilmente presente em alguns dos sítios em ruínas, além da
presença de mão-de-obra dos serviços complementares, como os
tanoeiros, ofício ligado à produção de tonéis. A produção era, finalmente,
escoada em uma viagem de oito horas em canoas de voga para o porto de
Santos e evidencia a relação comercial estabelecida com o município que
se manteve presente durante os quase duzentos anos de produção. Nos
Relatórios do Ministerio da Marinha para o ano de 1928 foram quase 6 mil
toneladas de produtos exportados por Ilhabela, então Villabella, por barcos
a vela.
28 A leitura de acervo documental encontrado na Superintendência Regional
do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)
levantou questões pertinentes quanto à gestão dos inventários e a chamada
de fase heroica do órgão. Os primeiros estudos sobre Ilhabela são dos anos
1945 e, de todos os engenhos foram estudados apenas o Engenho d’Água e
o Engenho São Mathias, tendo sido escolhido este último pelos atributos
arquitetônicos do conjunto localizado à beira mar na porção Sul da ilha.
No entanto, quando o dossiê prossegue, é feita uma substituição do eleito
pelo exemplar do Engenho d’Água, uma vez que ambos se encontravam
mal conservados e o responsável pela propriedade propôs ajudar com os
custos das intervenções necessárias. Nota se aqui uma manobra política
que não visou a eleição do exemplar mais significativo e sim, um conjunto
com linguagem estritamente colonial brasileiro e que pode contar com
aporte financeiro advindo do proprietário.
Figura 5 - Engarrafador, rotuladores e tonéis no Engenho
d’Água (2017)

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Foto: Bárbara Martins


29 Nas décadas seguintes, o proprietário do Engenho d’Água causou grandes
transtornos com alterações na propriedade e tanto este exemplar quanto o
Engenho São Mathias tiveram parte das respectivas fazendas loteadas para
abrigarem condomínios de alto padrão com residências de veraneio. Hoje,
enquanto o primeiro foi, recentemente, desapropriado pela Prefeitura
Municipal para abrigar um Museu e permanece fechado; o segundo foi
vendido para um grupo hoteleiro. Em meio a todos os outros exemplares
que se perderam completa ou parcialmente com o tempo, os dois engenhos
que já foram reconhecidos, cada um a seu tempo, pelo governo
permanecem fechados à visitação pública. Assim, nenhum deles consegue
cumprir seu papel social de bem cultural, cabe ao Engenho da Toca a
possibilidade de visitação e fruição dessa história.

Conclusões
30 Ao analisar o contexto dos engenhos que também se instalaram em
Ilhabela, a situação é bastante delicada: quase não há remanescentes.
Dentre os fatores que colaboraram para a situação destacam-se a
complicada questão fundiária do arquipélago, tão evidente durante as
pesquisas cartoriais, as administrações públicas ineficazes e a falta de
interesse por parte dos proprietários onde estavam situados estes edifícios.
31 Não menos importante, a paisagem que se tem hoje, com matas
preservadas é bastante diversa do panorama da década de 1950. As
transformações positivas na reconstituição de toda a vegetação foram
possíveis no período de decadência da cidade e de seu esvaziamento, pelo
abandono da região quando do impulso promovido pelo café no planalto.
Desse modo, a agricultura de subsistência e o aproveitamento de engenhos
de aguardente fizeram com que o seu comércio, aliado ao de excedentes
agrícolas fosse a solução encontrada pela população local. Apesar de ser

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evidente a desordenada ocupação humana na ilha nas últimas duas


décadas, a paisagem que é vendida pelo turismo é semelhante à do mito da
mata intocada.
32 Em linhas gerais, pretende-se dar seguimento ao trabalho dos engenhos
em Ilhabela, ao considerar as marcas materializadas no desenho da
paisagem analisadas à luz de toda a passagem do tempo no arquipélago e
como elas chegaram até o presente. O trabalho de campo já realizado
demonstra que os engenhos apresentam um constante desmantelamento
em seu aspecto estrutural e de seu maquinário. Trata-se de um importante
estudo com enfoque da paisagem cultural ilhabelense. Desse modo deve-se
considerar como exposto por Nora (1993), que afirma “A necessidade de
memória é uma necessidade de história”, pretende-se narrar uma história
destes lugares aliando-se às memórias aos seus atributos arquitetônicos.

Bibliographie

Documentos
Almanaks da província de São Paulo para os anos de 1873, 1890, 1887,
1891, 1895, 1896 e 1897.

Mapa Ilha de São Sebastião, 1912, escala 1:50000, elaborado por Nelson de
Faria (código 912816B823i1912) – Biblioteca da Marinha

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YÁZIGI, E. et al. (1996) – Turismo: espaço, paisagem e cultura. São


Paulo: Hucitec.

Auteur

Bárbara Marie Van Sebroeck Lutiis


Silveira Martins

Arquiteta e Urbanista pela FAU/USP,


mestranda em História pelo
IFCH/Unicamp,
barbara@vansebroeck.com
© Publicações do Cidehus, 2020

Licence OpenEdition Books

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Référence électronique du chapitre


MARTINS, Bárbara Marie Van Sebroeck Lutiis Silveira. Engenhos de Ilhabela : Uma
história doce e amarga In  : Património Industrial Ibero-americano: recentes
abordagens [en ligne]. Évora : Publicações do Cidehus, 2020 (généré le 26 juin 2023).
Disponible sur Internet  : <http://books.openedition.org/cidehus/13287>. ISBN  :
9791036565182. DOI : https://doi.org/10.4000/books.cidehus.13287.

Référence électronique du livre


CARDOSO DE MATOS, Ana (dir.) ; et al. Património Industrial Ibero-americano:
recentes abordagens. Nouvelle édition [en ligne]. Évora : Publicações do Cidehus, 2020
(généré le 26 juin 2023). Disponible sur Internet  :
<http://books.openedition.org/cidehus/12832>. ISBN  : 9791036565182. DOI  :
https://doi.org/10.4000/books.cidehus.12832.
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