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SÍTIO HISTÓRICO DE ITAPINA/ES: o patrimônio enquanto

monumento a ser preservado e a sua problemática atual de


preservação

SILVA, DOUGLAS GOMES

1. Instituto Federal do Espírito Santo, Campus Colatina. Coordenadoria de Arquitetura e Urbanismo.


Avenida Arino Gomes Leal, 1700, Santa Margarida, Colatina-ES, 29700-660
arqui_douglas@hotmail.com

RESUMO
O presente artigo aborda o Sítio Histórico de Itapina, que se trata do mais recente a ser tombado
pelo Estado do Espírito Santo. O distrito de Itapina, situa-se às margens do Rio Doce e da atual
Estrada de Ferro Vale do Rio Doce, no município de Colatina, região noroeste do estado do Espírito
Santo. A ocupação da região deu-se por volta de 1866, com a chegada de fluminenses e mineiros.
Posteriormente, a partir de 1889, chegaram os imigrantes italianos e algumas famílias libanesas. As
características arquitetônicas que são evidenciadas nos casarios de Itapina refletem essa mescla de
costumes e culturas, onde predominam-se casas térreas e sobrados nos estilos eclético e proto-
moderno, além, da arquitetura tradicional da imigração e da arquitetura industrial e ferroviária, que
podem ser vislumbradas na antiga estação e nos armazéns de café, ao longo do sítio. O vilarejo
prosperou no período áureo do café, por volta de 1907, com a construção da Estrada de Ferro Vitória-
Minas (EFVM), onde escoava-se toda a produção da região. Porém, com a crise de 1929 e a
erradicação dos cafezais este cenário de prosperidade mudou. Na década de 1940, deu-se o início
do processo de esvaziamento do vilarejo, os comerciantes que ali residiam mudaram-se para outros
núcleos urbanos. No ano de 2013, o Sítio Histórico de Itapina foi tombado em nível estadual, onde ao
todo foram tombados 82 imóveis e outros 43 foram decretados de interesse de preservação para
compor o conjunto. O documento preza pela proteção dos bens culturais e naturais que constituem a
Área de Proteção do Ambiente Cultural (Apac) de Itapina, constituída pelo Sítio Histórico Urbano,
Patrimônio Ambiental Urbano e Paisagem Cultural. Como o tombamento é recente, pouco tem sido
feito efetivamente para garantir o que foi decretado na Resolução 003/2013. A mesma, ainda não faz
parte totalmente do cotidiano do vilarejo, faltando ações que despertem a conscientização e
conhecimento da lei por parte dos moradores e proprietários, sendo que os mesmos não
compreendem a importância do sítio, ocasionando a situação atual de Itapina, que é de
esquecimento, até mesmo no cenário regional ele é desconhecido. Além disso, o cenário da região
está em plena mudança, fator decorrente da forte seca dos últimos meses e da lama de rejeitos que
atingiu o Rio Doce no final de 2015. O fato, é que o vilarejo apresenta marcas da história do
desenvolvimento local e da luta dos imigrantes, onde a relação entre o lugar e as marcas deixadas
pelo homem e sua cultura se fazem presentes e precisam ser preservadas. Isto posto, discutir a
temática sobre a preservação de Itapina através do viés do patrimônio e preservação apresenta-se
como o foco deste artigo, reconhecendo a importância do conjunto, com o intuito de incentivar a
sociedade a preservar a memória do lugar.

PALAVRAS-CHAVES: Sítio histórico, patrimônio, preservação, concientização, ferrovia.

IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio


Belo Horizonte/MG de 21 a 23/06/2017.
Introdução
Atualmente, o Estado do Espírito Santo (Ilustração 01), possui cinco sítios históricos
tombados pelo Conselho Estadual de Cultura: Porto de São Mateus (Resolução CEC n°
001/1976); São Pedro do Itabapoana (Resolução CEC n° 002/1987); Santa Leopoldina
(Resolução CEC n° 003/2010), Muqui (Resolução CEC n° 002/2012) e Itapina (Resolução
CEC n° 003/2013) o mais recente a ser tombado. O Sítio Histórico de Itapina localiza-se no
município de Colatina, região noroeste do estado do Espírito Santo, distante a 165 km da
capital do estado Vitória, situando-se às margens do Rio Doce e da Estrada de Ferro Vitória-
Minas.

Ilustração 01 – Localização esquemática do estado do Espírito Santo no mundo.

Fonte: Elaboração do autor, 2017.

O Vilarejo desenvolveu-se no período áureo do café, onde o principal meio de transporte até
então era por meio de animais, logo após iniciou-se através de embarcações que cruzavam
o Rio Doce, em 1907 iniciou-se a construção da ferrovia, ocasionando o aumento
progressivo da escoamento do café que era produzido na região, porém, a maior utilização
da ferrovia pelos produtores, comerciantes e habitantes, de modo geral teve início a partir de
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janeiro de 1923, com a inauguração do trecho que ligava Itapina ao município de Itaguaçu.
Com a crise de 1929 o cenário de Itapina muda, a prosperidade oriunda dos cafezais diminui
e começa assim a erradicação dos mesmos. Por volta da década de 1940, tem início o
processo de esvaziamento do vilarejo, os comerciantes que ali residiam se mudam para
outros núcleos urbanos, como o Centro de Colatina, em busca de novas condições de
trabalho, culminando na decadência, abandono e esquecimento do vilarejo. Após os
acontecimentos, a estação ferroviária foi desativada, por volta de 1980, e a ponte, iniciada
no governo de Juscelino Kubitschek, com a intenção de facilitar o acesso à vila, nunca
chegou a ser concluída (CASTIGLIONI, 2010).

O núcleo histórico do distrito de Itapina é constituí-se por casarios construídos entre o final
do século XIX e meados do século XX, sendo casas térreas e sobrados predominantemente
nos estilos eclético e proto-moderno, além da arquitetura tradicional da imigração,
decorrente dos primeiros habitantes de Itapina e da arquitetura industrial e ferroviária,
encontrada na estação e nos armazéns de café ao longo do vilarejo (CASTIGLIONI, 2010).

Com o esvaziamento provocado pela decadência da produção cafeeira, o vilarejo, que antes
possuía uma intensa vida cultural, comercial e econômica nunca mais se recuperou.
Atualmente, a vila possui pequenos comércios locais, como farmácia, sorveteria, mercearias
e bares. A maioria dos moradores trabalha na cidade de Colatina ou na zona rural.

O cenário bucólico de Itapina muda uma vez por ano, durante as fcomemorações do
Festival Nacional de Viola, o popularmente conhecido como ‘Fenaviola’, onde músicos e
violeiros da região se tornam atração centenas de turistas que ocupam as ruas da cidade e
e se hospedam nos casarios que guardam em sua arquitetura a história do vilarejo.

O Museu Virgínia Tamanini foi inaugurado recentemente, em homenagem a uma das


moradoras mais ilustres da vila Dona Virgínia, como era conhecida na região foi uma
escritora capixaba, autora do romance Karina (1964) que narra a trajetória de imigrantes
italianos na região, e era a principal responsável pelas atividades artísticas e culturais
durante o período áureo do café em Itapina. Apesar destas atividades pontuais, é preciso
fazer muito mais para que o vilarejo possa crescer preservando sua história e memória
(CASTIGLIONI, 2010).

Nas últimas décadas, o patrimônio arquitetônico das cidades vem recebendo grande
atenção. Preservá-los ao longo do tempo pode manter viva a história de um grupo ou
sociedade. Para Rodrigues (2001, p.16), “o patrimônio representa a identidade local e, por
mais diversa que seja a população, a sua criação serve como uma ponte que resume várias
histórias em uma só”.

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De acordo com Bogéa (2007), o patrimônio arquitetônico e cultural é o conjunto de bens que
possuem valores históricos, artísticos e científicos que definem, em diferentes escalas, a
identidade de uma comunidade, uma região ou um país e que devem ser preservados como
legado às gerações futuras.

Fonseca (2005) discorre sobre a importância do patrimônio. Além de possuir um valor


histórico, artístico e etnográfico, dentre outros, há também um sentimento de pertencimento
a comunidade ou a uma nação, dependendo do tipo de bem.

Para Scheiner (2004), o patrimônio é um reconhecimento no tempo e espaço de


determinado fio condutor que liga a um lugar, por meio de sinais que são construídos. Esse
fio condutor é a memória e os sinais são bens culturais, mas também os resíduos e
vestígios presentes na cidade e que resistiram, fazendo parte de um imaginário. Percebe-se,
assim, que o patrimônio é importante tanto para uma noção coletiva quanto individual de
pertencimento àquele lugar e àquela cultura.
A história do Sítio Histórico de itapina está diretamente relacionada com a história do
município de Colatina, e consequentemente com a história da população, a partir do
momento que se deseja guardá-la, pretende-se guardar a história dos indivíduos. Com o
intuito de proteger este patrimônio cultural local e estadual, o Conselho Estadual de Cultura,
através da Resolução n° 003/2013, decretou o tombamento do conjunto histórico e
paisagístico de Itapina. O documento preza pela proteção dos bens culturais e naturais que
constituem a Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC) de Itapina, constituída pelo
Sítio Histórico Urbano, Patrimônio Ambiental Urbano e Paisagem Cultural. Ao todo foram
tombados 82 imóveis e outros 43 foram decretados de interesse de preservação para
compor o conjunto.

“A Poligonal de Tombamento de Itapina está diretamente relacionada com a


gênese da ocupação e evolução urbana de Itapina, ocorrida no contexto do
ciclo cafeeiro, da navegação do Rio Doce e interiorização tardia do Espírito
Santo ao final do século XIX e começo do século XX, e que ainda guardam,
de modo geral, as marcas físicas que representam sua história. Na Poligonal
de Tombamento as edificações de relevância histórica e/ou arquitetônica
estão protegidas contra descaracterizações nas suas características
volumétricas e formais, nestas últimas incluindo-se os vãos de janelas e
portas, ornatos, apliques, coberturas, seus materiais constitutivos, os
elementos artísticos e outras ocorrências. Considera-se também a
necessidade de se preservar o traçado urbano existente, a configuração dos
quarteirões e sua subdivisão em lotes, o arruamento, becos e vielas, e suas
características de pavimentação e inclinação, os passeios, as áreas verdes,
incluindo nestas últimas, parques, praças públicas, e jardins com seus
elementos artísticos, assim como, as encostas, os remanescentes de mata
nativa, a mata reflorestada, e a vegetação arbustiva e arbórea das ruas e de
áreas privadas, incluindo-se nesta preservação a relação que todas as
edificações estabeleceram com o entorno ambiental, paisagístico e cultural da
cidade” (RESOLUÇÃO CEC 003/2013).

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Como pode-se notar, o tombamento é recente, realizado no ano de 2013, sendo assim
constata-se que pouco tem sido feito efetivamente para garantir o que foi decretado na
Resolução 003/2013, onde a mesma, ainda não faz parte do cotidiano dos moradores do
vilarejo, de modo que muitos não compreenderam o que o processo de tombamento
acarreta na realidade.

A tombamento e a preservação do patrimônio histórico no Brasil dá-se através do Instituto


do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) que foi criado a partir do Decreto-Lei
nº25 de 1937 e é o órgão responsável pela proteção do patrimônio a nível federal e há mais
de sessenta anos, tem realizado um importante trabalho com ações de conservação do
patrimônio, realizando atividades como a fiscalização, proteção, identificação, restauração,
preservação e revitalização dos monumentos, sítios e bens móveis do país. Atualmente o
Brasil conta com mais de vinte e um mil edifícios e setenta e nove centros e conjuntos
urbanos tombados pelo instituto, além de um grande acervo de sítios arqueológicos
cadastrados, objetos, volumes bibliográficos, documentação arquivística e registros
fotográficos, cinematográficos e videográficos, além do Patrimônio Mundial protegidos, seja
por cadastro ou tombamento.

Este patrimônio é administrado por meio de diretrizes, planos, instrumentos de preservação


e relatórios que informam a situação dos bens, o que está sendo feito e o que ainda
necessita ser realizado. Dentre as preocupações do instituto, está a elaboração de
programas e projetos, que integrem a sociedade civil com seus próprios objetivos, bem
como a busca de linhas de financiamento e parcerias para auxiliar na execução das ações
planejadas. Além disso o IPHAN ainda busca realizar ações de preservação com o apoio
das comunidades, dos governos municipais e estaduais, do Ministério Público e de
instituições públicas e privadas.

Desde 2007, o IPHAN tem entre suas prioridades, a construção e implementação do


Sistema Nacional do Patrimônio Cultural (SNPC) e desde então, foram empreendidas
diversas iniciativas para este fim. Em novembro de 2007 foi realizada a reorganização da
Associação Brasileira de Cidades Históricas, por meio do IPHAN, que contou com a
presença de diversos prefeitos e estados. Ainda em dezembro de 2007, o IPHAN
apresentou sua proposta de construção do SNPC ao Fórum Nacional de Secretários e
Dirigentes Estaduais de Cultura e pactuou com o Fórum a estratégia para a construção do
Sistema Nacional de Patrimônio Cultural. Em março de 2008, promoveu a primeira reunião
entre o IPHAN e os órgãos estaduais de gestão do patrimônio cultural desde 1971, no qual
estiveram presentes órgãos estaduais e superintendências regionais do IPHAN, bem como
a direção nacional do Instituto. Deste encontro, ficou determinado o empenho de todos para

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o reconhecimento das estruturas estaduais para que, após este reconhecimento, pudessem
ser pensadas as diretrizes e políticas necessárias. Para tanto foi formado um grupo de
trabalho composto por um órgão estadual de cada região e o IPHAN.

A Carta de Cracóvia (2000) fala sobre a importância da preservação do patrimônio como


forma de preservar a memória e identidade coletiva:

“Cada comunidade tem em conta sua memória coletiva e consciente de seu


passado, é responsável pela identificação, assim como da gestão de seu
patrimônio. Os elementos individuais deste patrimônio são portadores de
muitos valores, os quais podem mudar com o tempo. Esta mudança
devalores específicos nos elementos define a particularidade de cada
patrimônio”.
No Espírito Santo de acordo com Morelato (2013) o órgão responsável pela formulação, o
planejamento e a implementação de políticas públicas estaduais para a área da cultura e do
patrimônio histórico é a Secretaria Estadual de Cultura – SECULT. Esta, entre outras ações,
de acordo com a Lei de n° 391/2007, deve realizar a proteção, vigilância, restauração,
manutenção e conservação da memória e do patrimônio histórico, artístico e cultural do
Estado do Espírito Santo.

Dessa forma, foi criado pela Lei de n° 6 de 09 de novembro de 1967, dentro da SECULT, o
Conselho Estadual de Cultura – CEC. Órgão consultivo vinculado a Secretaria de Estado da
Cultura, responsável pela normatização, deliberação que responde a demandas oriundas da
sociedade, procurando integrar as ações de Política Cultural do Estado do Espírito Santo,
como os tombamentos, por exemplo. Como pode ser visto, é o CEC, através do suporte da
SECULT, responsável no Espírito Santo pelas questões de tombamento e fiscalização dos
bens imóveis, logo, dos Sítios Históricos. Para que um imóvel tombado no Estado, seja
submetido a qualquer modificação, deve ser enviado um pedido para avaliação da CEC e,
somente depois de avaliado o pedido é liberado.

Além das normas da SECULT e do CEC que regem o tombamento e a manutenção dos
sítios, instrumentos próprios de cada município, como Plano Diretor Municipal (PDM) e leis
municipais, regulam as intervenções e alterações nesses locais.

Ainda referindo-se no contexto de conceituação relacionado à preservação do patrimônio,


deparamonos com a questão do tombamento. Atualmente, o Brasil conta com inúmeras
medidas legais de preservação do patrimônio que abrange desde registro de sítios e
vestígios arqueológicos, modos de fazer, saberes, lugares simbólicos, expressões musicais,
artísticas e folclóricas, línguas, assim como inventário e “tombamento” de coleções de arte
erudita e popular, acervos públicos e particulares, bens móveis e imóveis, conjuntos urbanos
e rurais, parques, florestas, paisagens, dentre outros (MORELATO, 2013).

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Porém, coube ao “tombamento”, instituído pelo Decreto-Lei n° 25, de 30 de novembro de
1937, que também estabelecia as competências do SPHAN, a tarefa de proteger legalmente
parte do que seria considerada a “herança nacional”, formalizada e organizada sob o
títulode “Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”. Em vigência até os dias de hoje, a
medida do “tombamento” tem como finalidade salvaguardar bens culturais cujos valores
histórico-sociais são considerados de interesse à memória e identidade nacionais. Através
da proteção do suporte físico (ou material) dos bens pretende-se preservar o significado
simbólico dos mesmos, visto que o objeto da preservação não é o “objeto” em si, aqui
entendida na perspectiva jurídica, mas o “valor cultural que ela representa” (PEREIRA,
2009, p.13).

Assim, podemos definir o Tombamento como um ato administrativo realizado pelo poder
público com o objetivo de preservar, por intermédio de legislação específica, bens de valor
histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população,
impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados, culminando com o registro
em livros especiais denominados Livros de Tombo. O principal objetivo jurídico do
tombamento, de acordo com Fernandes (2010, p. 28) é a declaração da obrigatoriedade de
conservação do objeto tombado. Outro aspecto importante, segundo o autor, é a
possibilidade de se estender a proteção jurídica à vizinhança ou entorno da coisa tombada,
para a preservação da visibilidade da ambiência.Apesar de estar em vigor há vários anos, a
previsão legal do tombamento ainda é um conceito em evolução, uma vez que são muitos
os problemas de definição do objeto e do entorno a ser protegido (FERNANDES, 2010,
p.29).

De toda forma, para Fernandes (2010, p.29), o principal efeito jurídico do tombamento é,
seguramente, a proibição de mudanças nas características essenciais do bem tombado. O
tombamento tem ainda aplicação em todo tipo de imóveis e móveis, sejam eles públicos ou
privados. Em sua concepção original, transforma o bem em patrimônio cultural sem
promover sua estatização, estabelecendo um regime especial de propriedade. Sendo assim,
o bem tombado não passa a pertencer ao patrimônio público se for de propriedade privada.
A partir do tombamento, passa a existir sobre ele uma “restrição individual ou geral, parcial
ou total, bem como vínculos de disponibilidade, destinação, imodificabilidade e preferência”
(FERNANDES, 2010, p.29).Conforme o Decreto-Lei n° 25/37, o “tombamento” pode ser
realizado de forma voluntária, quando o proprietário solicita ou concorda com a medida, ou
de forma compulsória, quando a proposta não tenha partido do proprietário ou responsável,
independente da natureza pública ou privada dos bens.

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No caso do tombamento a nível federal, após ser encaminhada ao (ou feita pelo) IPHAN, a
indicação para o “tombamento” é transformada em um processo administrativo, denominado
processo de tombamento, que recebe numeração própria e a data de sua abertura. Ao
pedido inicial são agregados outros documentos tais como, informações produzidas pelos
interessados no tombamento, laudos técnicos de vistoria, plantas, fotografias,
correspondências, estudos técnicos, inventários, memorandos, informações internas,
contestação do proprietário (quando houver), dentre outras. Nesse processo documental
encontram-se também os “pareceres de tombamento”, elaborados pelos funcionários do
Instituto, com as justificativas para a indicação, ou não, do bem cultural à proteção legal. Por
fim, o processo de tombamento é remetido ao Conselho Consultivo do IPHAN, responsável
por dar o parecer conclusivo, e, após esta apreciação, segue para o Ministro da Cultura. Em
vigência até os dias atuais, a Lei n° 6.292 de 1975, conhecida como Lei da Homologação,
transferiu a deliberação final do “tombamento” para o Ministro da Cultura ao impor a
necessidade de sua homologação para efetivar a medida (PEREIRA, 2009, p. 14).

Caracterização Arquitetônica e Urbana

A arquitetura do Sítio Histórico de Itapina reflete o período de prosperidade que o vilarejo


viveu durante o período do café e pela construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas, atual
Estrada de Ferro Vale do Rio Doce. As edificações apresentam predominantemente
características ecléticas e protomodernas, além da arquitetura popular do imigrante a da
arquitetura tradicional brasileira. Estes imigrantes trouxeram consigo a sua cultura, seu
modo de vida e de trabalho. Onde a necessidade de adaptação ao novo meio, e a de
preservação da cultura da terra natal se faz presente na arquitetura por eles difundida.

O vilarejo de Itapina, além dos imigrantes europeus, recebeu ainda algumas poucas famílias
de libaneses. Com todas estas tradições diferentes, o vilarejo desenvolveu um modo de vida
interessante e até mesmo de intensa atividade cultural para a época, resguardando as
devidas proporções. As características arquitetônicas dos casarios de Itapina refletem esta
mescla de culturas, com referências à arquitetura popular do imigrante e da arquitetura
brasileira da época (CASTIGLIONI, 2010, p. 23).

Com relação às tipologias encontradas em Itapina, pode-se destacar a arquitetura


residencial constituída por casas térreas, a arquitetura residencial formada por sobrados, a
arquitetura de uso misto composta pelo térreo destinado ao uso comercial e ao primeiro
pavimento para o uso residencial, a arquitetura industrial formada pela estação ferroviária e
pelos armazéns onde se guardava o café e por fim a arquitetura religiosa (Ilustração 02).
Ilustração 02 – Mosaico com croquis de edificações do Sítio histórico de Itapina/ES.
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Fonte: Elaboração do autor, 2017.

As edificações presentes no vilarejo não apresentam afastamento frontal, seguindo a


tradição da arquitetura colonial brasileira. Mas, algumas já apresentam características
incorporadas nos grandes centros brasileiros no final do século XIX, como a presença de
varandas e afastamentos laterais. Outro destaque que pode-se considerar na arquitetura de
Itapina é a preocupação com a estética das edificações, seja pela utilização de adornos,
platibandas cuidadosamente acabadas, modenaturas, ou simplesmente pelo rigor
geométrico na distribuição dos vãos.

De acordo com Castiglioni (2010) algumas destas edificações possuem um grande número
de quartos, o que evidência que as famílias que habitavam essas moradias possuiam um
grande número de pessoas, a cozinha é espaçosa e possui um maior afastamento de
fundos,além disso os quintais possuiam jardins, pequenos pomares, além de criação de
animais de pequeno porte, como galinhas. Neste tipo de casa muitas vezes, o primeiro
pavimento era usado como venda e/ou comércio e o segundo como moradia.

Outra característica presente nas edificações do vilarejo é a tipologia das casas tipo “porta e
janela”, se apresentando como as casas térreas mais simplificadas. Elas poderiam variar na
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sequência: janela-porta-janela ou vice-versa; ou janela-janela-porta ou vice-versa, mas
esses três elementos sempre marcavam a fachada da edificação. (CASTIGLIONI, 2010)

A arquitetura ferroviária marca presença através da estação de Itapina, desativada em 1980,


com a saída da população do vilarejo e a queda da produção do café. Trata-se de uma
construção simples, com um grande galpão fazendo parte do seu corpo principal, telhado
em duas águas, prolongado e sustentado por mãos francesas de madeira para cobrir parte
da plataforma. Como a estação escontra-se desativada, atualmente foi construído um ponto
de parada ao lado, para os passageiros embarcarem no trem, tendo em vista que os trilhos
permanecem cortando Itapina.

De uma forma geral, pode-se perceber que a maior parte do casario está preservado,
porém, sabe-se que a melhor forma de se preservar uma edificação é através do uso da
mesma, e, foi constatado que há um grande número de imóveis que estão fechados e
abandonados, o que pode ocasionar na perda total de sua estrutura.

O Sítio Histórico de Itapina, se apresenta, ainda hoje, como peça fundamental à composição
da memória histórica e social do município. Permanecendo-se como referencial do
município de Colatina e objeto de impacto para a sociedade colatinense.

Conclui-se, acerca da relação da sociedade colatinense com o vilarejo, a real dinâmica de


utilização e concretização. Pode-se perceber, assim, que a degradação das edificações
pertencentes ao mesmo representa e se entrelaça, também, à degradação da memória
sociocultural e patrimonial do município, privando os moradores do usufruto de todas as
possibilidades oferecidas pelo local.

Diante da constatada apropriação e ligação socioafetiva da população local à obra, observa-


se, ainda, os percalços encontrados no que diz respeito a reformas, reusos, repristinações e
quaisquer outras ações recuperativas, devido à ausência de acompanhamento público, além
da dificuldade em dar novos usos as edificações. Percebe-se, portanto, que a recuperação e
preservação do Sítio Histórico de Itapina representa não somente a recuperação material de
um marco pontual da cidade, mas também na valorização e recuperação social, cultural e
patrimonial da memória histórica colatinense.

Com o desuso e abandono do vilarejo, observa-se a presença de manifestações de


deteriorações causadas com as interferências da ação humana e do tempo, que alteraram
as características das edificações e estão comprometendo o desempenho dos elementos
construtivos e a funcionalidade das mesmas, tais como: oxidação do material em aço,
desprendimento do revestimento e reboco, recalque, pátina, trincas, rachaduras, mofo,
dilatação das juntas com perda de revestimento, fiação exposta, dentre outros.

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Desta forma, a realidade atual de Itapina é de esquecimento, até mesmo no cenário regional
ele é desconhecido. Porém, é um lugar de uma história riquíssima, suas edificações
demonstram um tempo de prosperidade para o vilarejo. Além da arquitetura, sua relação
com o Rio Doce e com a Estrada de Ferro Vitória-Minas, o tornam um lugar único.

Através dos inúmeros dados citados é possível notar que a memória histórica e imagem viva
de tempos passados não encontram-se presentes na edifcação, ocasionando a
descaracterização e a destruição do bem herdado das gerações passadas, acarretando o
rompimento da corrente do conhecimento social, físico e histórico da edificação.

A falta de gestão, entendida como crise dos espaços de memória, implica em um processo
de reflexão sobre a informação genética da cidade que sofre ameaças em meio ao caos,
carecendo de restauração e preservação.

Considerações Finais
Diante do que foi exposto constata-se a importância histórica deste sítio no campo da
arquitetura e urbanismo num contexto local e regional, quais características outorgam a ele
valor de singularidade que justifique seu tombamento. E então, comprovada sua importância
histórica, verificar se as ações as quais ele está submetida têm cumprido o papel de manter
suas principais características, se tem permitido a manutenção do ambiente que o justifica
enquanto sítio.

Contudo, devido à uma gestão falha do poder público municipal e estatual, que não promove
ações no sentido de por em prática a legislação existente, o sítio está perdendo importantes
características que compõe seu conjunto. Aponta-se para a necessidade de se aprofundar
as ações de preservação deste sítio, bem como resgatar a autoestima da população local
em geral e orientá-la no sentido de fazê-la compreender que, apesar de o patrimônio
histórico arquitetônico visível na paisagem urbana ser a expressão monumental da condição
dominante em um determinado período do passado, e que esta condição não condiz com a
atualidade, o patrimônio também é resultado da força do trabalho e da arte de seus
antepassados no processo de sua construção e que, portanto, merece ser preservado.
Nota-se ainda a necessidade de intervenções urgentes do poder público, através de ações
relacionadas ao planejamento urbano, Incluindo aí, iniciativas para requalificação,
revitalização e refuncionalização do patrimônio edificado, assim como ações de cunho
educativo, para qualificação da população em relação à educação patrimonial e a
consequente valorização por parte da sociedade, para o conjunto patrimônio edificado.

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Diante disso, a intenção é levantar questões como intuito de promover a preservação do
Sítio Histórico de Itapina e mostrar a importância do mesmo dentro do território do Estado do
Espírito Santo.

Referências Bibliográficas
BOGÉA, K. B. S. R. Centro Histórico de São Luis Patrimônio Mundial, São Luís. 200.

CARNEIRO, V. Demolição de prédio histórico surpreende moradores de Colatina. 2010.


Disponível em: <http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2010/10/677268-
demolicao+de+predio+historico+surpreende+moradores+de+colatina.html>. Acesso em 23 abr. 2017.

Carta de Cracóvia. 2000. Disponível em: <www.mcu.es/museos/docs/CartaDeCracovia.pdf>.


Acesso em: 05 Jun. 2017.

CASTIGLIONI, Lorena de Andrade. Trajetória de um Vilarejo [Itapina]. Projeto de Graduação,


Arquitetura e Urbanismo, Centro de Artes, Universidade Federal do Espírito Santo, 2010.

FERNANDES, Edésio. Do Tombamento ao Planejamento Territorial e à Gestão Urbana. In:


Revisitando o Instituto do Tombamento / organização Edésio Fernandes, Betânia
Alfonsin – Belo Horizonte: Fórum, 2010.

FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de


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IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio
Belo Horizonte/MG de 21 a 23/06/2017.
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Belo Horizonte/MG de 21 a 23/06/2017.

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