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ISBN 978-85-6928-602-8
VIDA
na Baía do Araçá
9 788569 286028 DIVERSIDADE E IMPORTÂNCIA
Antônia Cecília Zacagnini Amaral, Alexander Turra, Aurea Maria Ciotti,
Carmen Lúcia Del Bianco Rossi Wongtschowski e Yara Schaeffer-Novelli
VIDA
na Baía do Araçá
DIVERSIDADE E IMPORTÂNCIA
2ª EDIÇÃO
SÃO PAULO
2016
A Baía do Araçá abriga
uma das regiões com maior
variedade de ambientes
da costa brasileira, o que
lhe confere uma relevante
importância ecológica
Foto: Gabriel Monteiro
Copyright © 2016 by Antônia Cecília Zacagnini Amaral
Sumário
Organizadores
Antônia Cecília Zacagnini Amaral, Alexander Turra, Aurea Maria Ciotti,
Carmen Lúcia Del Bianco Rossi Wongtschowski e Yara Schaeffer-Novelli
Editores Agradecimentos.................................................................................................................................................................................................................................................................6
Alice Giraldi e Gabriel Monteiro / Ciência Pública Comunicação
Autores.....................................................................................................................................................................................................................................................................................................8
Projeto editorial, desenvolvimento de conteúdo
Alice Giraldi e Gabriel Monteiro / Ciência Pública Comunicação Prefácio....................................................................................................................................................................................................................................................................................................9
CDD - 570
5
Agradecimentos
Às instituições, pesquisadores e alunos, cujo apoio, suporte financeiro, À Área de Proteção Ambiental Marinha do Litoral Norte (APAMLN) e seu Conselho
conhecimento, trabalho e dedicação têm viabilizado o desenvolvimento do Gestor, pela parceria no desenvolvimento de um processo de gestão integrada.
Projeto Biota/Fapesp-Araçá e tornaram possível a publicação deste livro.
Às comunidades do Araçá e entorno que motivam e colaboram com o trabalho
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pelo auxílio desenvolvido pelo Projeto Biota/Fapesp-Araçá.
e bolsas concedidos dentro do Programa Biota/Fapesp (Proc. 2011/50317-5).
À equipe que colaborou nas coletas, triagem e atividades laboratorias da
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao ictiofauna: Carolina C. Siliprandi, Marina R. Brenha, Rafael A. Lamas, Marcella B.
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelas Giaretta, Cesar Santificetur, Valeria Conversani e Alexandre Arackawa.
bolsas concedidas.
À equipe que trabalhou nas coletas, triagem e atividades laboratoriais da fauna
Ao Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (CEBIMar-USP), de substrato não-consolidado – Angélica Godoy, Camila Silva, Nathália Pado-
pelo apoio logístico prestado aos participantes do Projeto Biota/Fapesp-Araçá. vanni, Rachel Daoli, Rafael Murayama, Décio Gomes, Fabrizio Machado, Rena-
to Luchetti, Renata Alito, Tatiana Steiner, Thalita Forroni e Fabrini Menezes; de
Ao Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e substrato consolidado – Fabiane Gallucci, Marcelo Fukuda, André Luiz Souza,
Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), pela disponibiliza- Karina Santos, Heloísa Filgueiras, Felipe Dutra e Felipe Oricchio; e da meiofauna
ção da infraestrutura física e de recursos humanos à coordenação do projeto. – Fabiane Gallucci, Danilo Vieira e Leandro Silva.
À Comissão Técnico-Científica (COTEC), pela autorização concedida ao Projeto À Jussara Shirazawa de Freitas e Diego Igawa Martinez pelo auxílio nos traba-
Biota/Fapesp-Araçá. lhos nos bosques de mangue.
Ao Programa de Monitoramento da Atividade Pesqueira Marinha e Estuarina Aos taxonomistas participantes do projeto que, juntamente com seus alunos,
(PMAP) do Instituto de Pesca pelo apoio concedido, cessão dos dados, infor- têm identificado as espécies de diferentes grupos da biota local.
mações pesqueiras e aos agentes de campo e monitores Marcos dos Santos
Madeira e ao Diogo Marie Albert Van Sebroeck Dória. Aos pesquisadores dos diferentes módulos do Projeto Biota/Fapesp-Araçá, pelo
apoio e trabalho integrado durante as amostragens e análises do material coletado.
Ao Departamento de Patrimônio Histórico Cultural da Secretaria de Turismo de
São Sebastião, pela cessão de imagens históricas.
Capítulo II – Biodiversidade
A vida na superfície marinha
Aurea Maria Ciotti, Alvaro Estevez Migotto, Francielli Vilela Peres e Rubens
Mendes Lopes. Não fosse pela indignação de alguns cientistas, a Baía do Araçá – esse local
A vida na coluna d’água peculiar, inseparável da fisionomia do Canal de São Sebastião – teria desapare-
Carmen Lúcia Del Bianco Rossi Wongtschowski, Ríguel Feltrin Contente, cido há décadas, levando consigo infindáveis formas de vida e oportunidades de
Lucy Satiko Hashimoto Soares, Patrícia Luciano Mancini, André Martins conhecimento singulares.
Vaz-dos-Santos e Marcos César de Oliveira Santos
Ao longo dos últimos 30 anos, a comunidade acadêmica – representada por
A vida no fundo do mar professores e estudantes de diversas universidades – arregaçou as mangas para
Antônia Cecília Zacagnini Amaral, Guilherme Nascimento Corte, Hélio Hermínio proteger a baía do destino considerado inevitável por muitos: o aterro total ou
Checon, Gustavo Muniz Dias, Ronaldo Christofoletti, Gustavo Fonseca e parcial que a eliminaria da paisagem ou a descaracterizaria por completo. A morte
Maikon Di Domenico anunciada foi evitada mais de uma vez, embora atualmente a sua sombra funesta
A vida no manguezal tenha voltado a pairar sobre a baía.
Yara Schaeffer-Novelli, Armando Soares dos Reis Neto e Guilherme Moraes de
Oliveira Abuchahla A defesa do Araçá não é tarefa fácil. À primeira vista o lugar não impressiona pela
A interação da vida beleza. Suas areias e águas escuras contrastam com as belíssimas praias vizinhas.
Lucy Satiko Hashimoto Soares, Lídia Paes Leme Arantes, Marinella Coutinho Jacinto De fato, a Baía do Araçá pertence a um dos mais belos litorais do planeta, o Litoral
Pucci, Fernanda Albernaz de Lima e Carmen Lúcia Del Bianco Rossi Wongtschowski Norte de São Paulo, onde as encostas da exuberante Serra do Mar mergulham
quase que diretamente no oceano, definindo uma linha de costa recortada e pon-
Capítulo III – Gestão de recursos tuada por praias dos mais variados tipos e tamanhos.
Atividade pesqueira: suporte à vida no mar e ao pescador Não é, portanto, unicamente por seus atributos estéticos que se levantam armas
Antônio Olinto Ávila-da-Silva, Marcus Henrique Carneiro e Marcos de Souza Sakamoto em sua defesa. Sua beleza e vigor escondem-se sob as águas rasas e calmas e
Gestão integrada: o futuro da vida na baía em meio às areias finas de seu leito. A elevada diversidade biológica do local foi
Alexander Turra, Cláudia Regina dos Santos, Deborah Campos Shinoda, Natalia Grilli, detectada já pelos primeiros naturalistas que visitaram o Litoral Norte do estado.
Luciana Yokoyama Xavier, Fernanda Terra Stori, Caiuá Mani Peres, Paulo Antonio de Por conseguinte, foi essencialmente o conhecimento a respeito da biota da Baía
Almeida Sinisgalli, Cauê Carrilho, Pedro Roberto Jacobi e Cristiana Simão Seixas do Araçá que se empregou como veemente argumento para a sua preservação.
Com a ciência acumulada de décadas, hoje se sabe que a baía é um hot spot de
Biota/Fapesp
biodiversidade e um formidável berçário de vida, fundamental para a sustentabi- Criado em março de 1999, o Programa de Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Susten-
lidade das famílias caiçaras que ali vivem e para a manutenção de sua identidade tável da Biodiversidade, o Biota/Fapesp, ou Instituto Virtual da Biodiversidade (www.biota.org.br),
cultural. Mas, como conhecimento gera conhecimento, tais peculiaridades mo- tem um forte componente de aplicação do conhecimento na criação e aperfeiçoamento de polí-
tivam justamente novas pesquisas, que não somente confirmam o que se sabia, ticas públicas na área ambiental. Nos últimos anos, o Biota tem também estimulado a divulgação
mas sobretudo trazem novos e sólidos argumentos a favor da preservação da baía. dos resultados de seus projetos para além dos muros da academia. A coordenação do programa
apoia uma série de iniciativas no intuito de aproximar comunidade científica e sociedade em geral,
Com esse intuito foi concebido o Projeto Biota/Fapesp-Araçá. Não há nada pare- tanto em atividades de educação formal como na divulgação científica dos trabalhos.
cido feito no Brasil e estudos desse tipo são raros no mundo. Integrando dados de
processos físico-químicos, biológicos e socioeconômicos que possibilitarão com- Este livro é um dos resultados do projeto temático Biodiversidade e funcionamento de um ecos-
preender a fundo a dinâmica da baía, o projeto terá como um dos seus resultados sistema costeiro subtropical: subsídios para gestão integrada (Fapesp 11/50317-5). Ele apresenta
principais a caracterização quantitativa dos serviços ambientais prestados por um a biodiversidade da Baía do Araçá no contexto de suas características geográficas, históricas
ambiente modelo. e socioeconômicas. Este projeto e, particularmente, este livro demonstram como o avanço do
conhecimento científico sobre a biodiversidade e sua relevância socioeconômica são imprescin-
Uma amostra desses resultados está aqui publicada. Em linguagem acessível, a díveis para aperfeiçoar os instrumentos legais, cujos objetivos são reduzir o impacto das ações
obra – um esforço coletivo de mais de 170 pesquisadores –, além de compilar um antrópicas e, simultaneamente, contribuir para a preservação desses recursos.
cabedal considerável de conhecimento científico inédito, cumpre também o papel
de divulgar ciência, educar, formar opinião. Deverá não apenas subsidiar aqueles O livro foca não só a comunidade científica como também o público extramuros acadêmicos,
que tomam decisões por força de ofício, mas igualmente o cidadão e todos que tais como comunidades e lideranças locais, membros de organizações não-governamentais (as-
anseiam por conhecer mais sobre uma região fascinante do nosso litoral. sociações de moradores e de cunho ambiental), representantes do Ministério Público Estadual
e Federal, mídia especializada e formadores de opinião, bem como representantes de organi-
zações públicas e privadas com interesses no desenvolvimento socioeconômico local (Porto de
Alvaro Esteves Migotto São Sebastião, Prefeitura de São Sebastião, Sabesp, Petrobrás). Busca, desta forma, disseminar o
Centro de Biologia Marinha, Universidade de São Paulo conhecimento gerado, utilizando uma linguagem que associa o rigor científico à objetividade e
simplicidade, elevando o nível de informação da população local, capacitando-a para participar
efetivamente das decisões que impactam a biodiversidade, os serviços ecossistêmicos e os as-
pectos sócioeconômicos e culturais da região.
Pela afinação entre os objetivos e ações deste projeto e as premissas estruturais do Programa
Biota/Fapesp foi um privilégio ter tido acesso antecipado aos resultados detalhados neste livro e
uma honra escrever esta apresentação.
Tatiana Steiner
Córrego Mãe Isabel
sa orientada para entender como uma região costeira funciona em termos sistêmicos, considerando, de
SÃO SEBASTIÃO
Pr. do Topo forma efetivamente integrada, os processos físicos, biológicos e sociais que nela ocorrem. Dentre esses
Porto de
Pr. do Germano São Sebastião processos, estão: circulação, transporte de sedimentos, relações alimentares entre os organismos, fluxos
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Pr. de Pernambuco
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I. Pedroso
caracterizar os serviços ambientais prestados por esse ambiente, incluindo os econômicos e não econô-
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I. Pernambuco
5 micos, os diretos e indiretos, com destaque para aqueles derivados da biodiversidade marinha, e avaliar a
RN AL
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10 importância socioeconômica do local. Por fim, visa, ainda, compreender os processos sociais que permeiam
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a região e elaborar, com a participação das comunidades locais, propostas de ação que irão compor um
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Plano Local de Desenvolvimento Sustentável para a Baía do Araçá.
RN AL
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30
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tiã Atualmente o Projeto Biota/Fapesp-Araçá conta com cerca de 170 participantes, entre pesquisadores,
Pta. do Araçá
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e Sã pós-doutorandos, alunos de pós-graduação e graduação e técnicos, vinculados a 35 instituições de
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Ca ensino e pesquisa, nacionais e estrangeiras. A integração de pesquisadores e instituições de diferentes
áreas do conhecimento constitui iniciativa estratégica para produção de conhecimento e formação de
recursos humanos, permitindo ampliar a competência do Estado de São Paulo, e do país como um todo,
Figura 1 – Baía do Araçá e a localização das diferentes zonas de estudo: entremarés, sublitoral interno e sublitoral externo. no que diz respeito a estudos sobre biodiversidade, conservação e governança marinha.
A linha tracejada representa o trajeto do Emissário Submarino instalado no início da década de 1990.
Ao longo de seus três anos de desenvolvimento, o projeto gerou mais informações sobre a Baía do Araçá Táxons 1950-20101 Biota/Fapesp-Araçá
do que o conjunto de estudos ali realizados entre as décadas de 1950 e 20101. Resultados inéditos e de va- (tipos de organismos) Total Novas Ameaçadas Total Novas Ameaçadas
Polychaeta 207 17 2 165 2 gêneros + 2 espécies 3
lor inestimável estão sendo produzidos sobre a diversidade biológica local e o funcionamento do ambiente. Mollusca 179 1 155
Crustacea 112 9 108
Rhodophyta 46 8
Tais resultados sobre a vida na Baía do Araçá e região adjacente revelam um ecossistema de alta riqueza Bryozoa (Ectoprocta) 40 22 1 família + 1 gênero + 9 espécies
e diversidade de espécies. Considerando todos os locais amostrados, já foram identificados mais de 1300 Cnidaria 32 18
Chlorophyta 23 5
táxons (tipos de organismos) para a baía e região adjacente. Destes, mais de 140 foram observados pela Echinodermata 18 25 5
primeira vez, constituindo mais de 50 espécies novas para a ciência (Tabela 1). Acredita-se que esses Ascidiacea 18 1 5 26
Phaeophyta 13
números cresçam no decorrer das análises, ainda em andamento. Paralelamente a estes primeiros re- Porifera 12 1 16
sultados da pesquisa, foram iniciadas discussões sobre a integração das variáveis físicas e biológicas e Sipuncula 10 *
Ciliophora 6
a respeito do entendimento dos serviços ecossistêmicos prestados pela baía que, juntos, estão gerando Magnoliophyta 4 1 3
subsídios para os debates sobre a sua gestão integrada. Kamptozoa (Entoprocta) 4 2
Enteropneusta 4 1 2 * 2
Echiura 3 1 *
O projeto tem como objetivo apresentar um modelo estratégico de abordagem que poderá ser aplicado Nemertea 1 * 5 espécies
Pycnogonida 1 *
em outras regiões. Os resultados obtidos sobre sua importância ecológica, social, econômica e política, Nematoda 255 Mais de 10 espécies
permitirão entender essa região sob uma ótica integrada, de forma a prover subsídios para aprofundar o Peixes 122 4
Bacillariophyta 104
diálogo entre cientistas, sociedade civil e tomadores de decisão quanto a definições de políticas públicas Ochrophyta 97
voltadas a seu uso sustentável. Aves 60 1
Dinoflagellata 52
Myzozoa 50
Acoelomorpha 26 2 espécies
Plathyhelminthes 15 1 gênero + 5 espécies
Kynorhyncha 10 1 gênero + 9 espécies
Antônia Cecília Z. Amaral Cyanobacteria 4
Haptophyta 4
Alexander Turra Chromophyta 3
Aurea Maria Ciotti Euglenozoa 3
Gastrotricha 2 1 espécie
Carmem Wongtschowski Gnathostomulida 2 2 espécies
Yara Schaeffer-Novelli Tardigrada 2 1 espécie
Répteis 1 1
Heterokontophyta 1
Coordenação Priapulida *
Oligochaeta * Mais de 10 espécies
Projeto Biota/Fapesp-Araçá
Total Geral 733 34 9 1364 1 família + 5 gêneros + 56 espécies 16
Ao longo dos séculos seguintes, o então acanhado porto da Vila de São Sebas-
tião, localizado ao largo das águas do canal de mesmo nome e ao lado da baía,
ajudou a escoar a produção de açúcar, café, aguardente de cana, tabaco e louça
de barro vinda do interior paulista.
A localização privilegiada da Baía do Araçá, situada numa das áreas mais belas e
valorizadas do Litoral Norte do Estado de São Paulo, também a levou a comparti-
lhar os reflexos do crescimento econômico que ali ocorreu a partir dos anos 1970,
quando a pavimentação do trecho Norte da Rodovia Rio-Santos começou a atrair
para a região um crescente volume de turistas, migrantes e novos negócios.
I. Histórico da Esse expressivo crescimento do Litoral Norte paulista nas últimas cinco décadas
não apenas dinamizou a economia local, mas deu origem a importantes transfor-
mações socioambientais, que vêm afetando profundamente a região. Na Baía do
Baía do Araçá
Araçá, além de duas etapas de aterro, que alteraram o desenho da linha da costa,
as mudanças incluíram a construção e a ampliação de um emissário submarino e
uma série de desastres ambientais, causados por derramamentos de óleo no mar.
18 19
A história do Município de São Sebastião, de fato, Impactos ambientais e econômicos
sempre esteve ligada à atividade portuária. Já no A partir da década de 1950, com a chegada da
século XIX, devido às características naturais do Petrobrás a São Sebastião, novos eventos ocorre-
Acervo do Departamento de Patrimônio Histórico Cultural de São Sebastião
Canal de São Sebastião, com áreas profundas e ram, tanto na Baía do Araçá como em seu entor-
protegidas pela presença da Ilhabela, se notava a no, dando origem a outras transformações na
importância da região para essa finalidade, como paisagem local.
mostra o texto do geógrafo francês Saint-Adolphe,
datado de 1845: “Seu porto, que serve de entrepos- A construção do Terminal Marítimo Almirante
to dos produtos agrícolas dos distritos dos sertões Barroso (TEBAR), o maior terminal de armaze-
vizinhos, fica sobre o estreito de Toque-Toque, e namento e escoamento de petróleo e derivados
dá bom surgidouro às embarcações por ser o seu do Brasil, foi realizada pela Petrobrás/Transpe-
fundo vasoso, com quatro braças d’água, e pude- tro nas décadas de 1970 e 1980. A obra dinami-
rem sair a toda hora, tanto pela entrada do norte
como pela do sul.”
Figura 1 – Baía do Araçá na década de 1960. Figura 2 – Píer de desembarque utilizado no início
Entretanto, já nas primeiras intervenções percebeu-se do século XX, com a área central do Município de
o poder impactante desse tipo de atividade. As obras São Sebastião e a Serra do Mar ao fundo (1919).
de construção do Porto de São Sebastião, realizadas
Entre 1936 e 1955, Ao longo dos últimos 80 anos, a Baía do Araçá vem passando por entre 1936 e 1955, separaram as antigas Praias do
as obras do Porto profundas transformações. Na década de 1940, o local era carac- Areião e da Frente. A Baía do Araçá passou a ter, então,
terizado por um recorte da costa, que iniciava a partir da Ponta um formato mais próximo ao que a caracteriza na
de São Sebastião do Araçá e abrigava uma área rasa e de águas calmas (Figura 1). atualidade (Figura 4). Essa foi, sem dúvida, a primeira
separaram as Praias As antigas Praias do Areião e da Frente, esta última localizada em grande mudança operada na área.
do Areião e da frente ao centro histórico de São Sebastião, estendiam-se de forma
Frente, alterando o praticamente contínua, sem que houvesse qualquer grande obstá-
1 RESSURREIÇÃO, R.D. 2002. São Sebastião: transformações de um povo caiçara. São Paulo: Editora Humanitas, 256p.
2 FRANCISCO, J. & CARVALHO, P. F. 2003. Desconstrução do lugar: o aterro da praia da frente do centro histórico de São Sebastião (SP). In: GERARDI, L. H. O. Figura 3 – Píer de desembarque utilizado no início do século XX; no lado esquerdo da imagem,
Ambientes: estudos de Geografia. Rio Claro: Programa de pós-graduação em Geografia – UNESP, pp. 105-120. o início da Praia do Areião, que, naquela ocasião, chegava até a Baía do Araçá.
Caiuá Peres
Ampliação do Emissário Submarino
da Baía do Araçá (2014).
A orla de São Sebastião Autorização do Governo Federal Pavimentação da Rodovia Descoberta de reservas de gás-natural
era utilizada como um Paisagem da Baía do Araçá (1940). à Petrobrás para a construção Rio-Santos (SP-055) no trecho no Campo de Mexilhão (2003).
porto natural, pelo do Terminal Marítimo Almirante do Litoral Norte (1979-1985)
Acervo do Departamento de Patrimônio Histórico Cultural de São Sebastião
qual eram escoados Barroso – TEBAR (1961). impulsiona o desenvolvimento Descoberta das reservas de petróleo
produtos como ouro, turístico na região. e gás na Camada Pré-Sal (2007).
açúcar, aguardente, Incorporação do CEBIMar
fumo, frutas e café. pela Universidade de Contrução da segunda
Criação da Área de Proteção
São Paulo (1962). etapa do aterro sobre a
Ambiental Marinha do Litoral
Baía do Araçá e a antiga
Norte de São Paulo (2008).
Praia da Frente (1987).
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Gabriel Monteiro
Equipamentos
de pesquisa
na entrada A vida na
superfície marinha
da baía
Sistema planctônico
Uma presença surpreendente de vida de microscópica na Baía do Araçá. Numa
microscópica caracteriza a baía. Numa pequena gota de água da baía vivem
milhares de organismos, com característi-
pequena gota d’água, há milhares de
cas semelhantes às das plantas e animais
organismos essenciais à vida marinha encontrados em terra firme. Esses orga-
nismos são conhecidos como plâncton.
O Projeto Biota/Fapesp-Araçá revelou
aspectos pouco conhecidos sobre a Baía Muitas espécies de peixes e de inverte-
do Araçá. Um deles é a presença, naquele brados que vivem no mar dependem do
ambiente, de nutrientes que alimentam a plâncton para se alimentar e crescer. Esse
vida na superfície do mar. universo de pequenos seres é, assim, um
elemento essencial à manutenção da vida
Antes do desenvolvimento do projeto, marinha. Micro-organismos e plâncton se
acreditava-se que a baía era um ambiente associam numa intrincada rede de tro-
meso-oligotrófico, ou seja, que apresen- cas, formadas por compostos químicos
tava baixas concentrações de nutrientes e que incluem o carbono, matéria-prima
de fitoplâncton ao longo de todo o ano, de todas as formas de vida do planeta. A
registrando apenas alguns picos de maior energia do sol é absorvida por pigmen-
concentração de ambos durante o verão, tos que existem nos vegetais do plâncton
época em que as águas do oceano, ricas (Figura 1), denominados fitoplâncton, e
em nutrientes, chegam ao Canal de São produzem moléculas orgânicas durante
Sebastião e penetram na Baía do Araçá o processo conhecido como fotossínte-
com as marés. Os estudos, no entanto, se. Essas plantas microscópicas são então
mostraram uma situação bem diferente: utilizadas como alimento por animais
em qualquer época do ano, as águas da também diminutos que vivem na super-
baía apresentam uma maior concentra- fície marinha, chamados de zooplâncton
ção de fitoplâncton e nutrientes do que (Figura 2). Embora a maior parte das espé-
as águas do Canal de São Sebastião. cies do fitoplâncton e do zooplâncton
sejam microscópicas, também vivem na
Esse resultado se traduz numa presença superfície do mar formas macroscópicas,
surpreendente de vida e de biodiversida- visíveis a olho nu, como as águas-vivas.
Alvaro Migotto
Tatiana Steiner
Alimento e proteção para crescer 5 mg/m³
Figura 1 – Pigmentos no interior de diatomáceas, microalgas do plâncton, visualizados de cima e de lado. Assim, da mesma forma que ocorre em Figura 3 – As águas da Baía do Araçá apresentam níveis mais elevados
terra firme, um bom desenvolvimento de clorofila-a do que as do Canal de São Sebastião.
das plantas que vivem no mar só pode
acontecer quando existe um suprimen-
A palavra “plâncton” quer dizer “aquele que deriva”. Nos oceanos, “derivar” to contínuo de nutrientes. Concentração média de nitrato
significa “ser transportado” por correntes marinhas. Assim, o estudo dos orga- 1.400
nismos planctônicos envolve a compreensão sobre como as correntes que De maneira geral, o processo de cres- 1.200
atuam numa determinada área influem sobre a permanência desses organis- cimento e de acúmulo de fitoplâncton 1.000
μM
0.800
Uma das formas utilizadas pelos espe- Baía do Araçá Canal de São Sebastião Desvio padrão
mg/m³
3.000
cipal elemento celular responsável pela
2.000
fotossíntese (Figura 3). Resultados do
1.000
Projeto Biota/Fapesp-Araçá mostraram
0.000
as concentrações de nutrientes (nitra- Set/2013 Out/2013 Dez/2013 Jan/2014 Fev/2014 Abr/2014 Mai/2014 Jun/2014 Ago/2014
to) e dos elementos celulares respon- Baía do Araçá Canal de São Sebastião Desvio padrão
Figura 2 – Exemplos de zooplâncton do grupo conhecido como ciliados. Cada um desses organismos apresenta em seu sáveis pela fotossíntese (clorofila-a) na
Figura 4 – Concentrações de nutriente (nitrato) e dos elementos
interior várias microalgas que foram ingeridas. No segundo caso, se observa claramente a presença de linhas avermelhadas, Baía do Araçá e no Canal de São Sebas- celulares responsáveis pela fotossíntese (clorofila-a)
que são cadeias de cianobactérias, grupo de microalgas diminutas que realizam fotossíntese e são responsáveis por produzir
grande parte do oxigênio que compõe a atmosfera do planeta. tião (Figura 4). nas diversas coletas do Projeto Biota/Fapesp-Araçá.
Alvaro Migotto
Diminutos e diversos
O grupo dos organismos que compõem o fitoplâncton é bastante
diverso. Apesar de suas dimensões microscópicas, eles apresentam
uma grande variação de tamanhos e formas que, além de belas, têm
também diferentes funções ecológicas. Alguns desses organismos
apresentam formas individuais, chamadas “isoladas” (Figura 5);
outros formam cadeias de células e atingem maiores dimensões
(Figura 6). Formar cadeias, ter espinhos ou contar com projeções
externas nas carapaças são estratégias que ajudam tais organismos
a flutuarem, possibilitando a sua permanência na superfície do mar,
Figura 7 – Outros grupos de fitoplâncton. A partir do canto inferior esquerdo, em sentido horário,
dois grupos de dinoflagelados, colônias de cianobactérias filamentosas e silicoflagelado.
Vidas interconectadas
Ao final de seu breve ciclo de vida, que pode variar entre algumas horas e poucos dias, o
fitoplâncton perde a capacidade de se multiplicar. Então, afunda na coluna de água e passa
Figura 5 – Diatomáceas, microalgas do plâncton (isoladas). Como as paredes das células desses organismos são formadas por sílica, a integrar os chamados detritos. Estes, por sua vez, são fonte de alimento para diversos
essas microalgas tendem a ser encontradas de forma abundante em ambientes costeiros em que há bom suprimento desse mineral.
animais que habitam o fundo marinho, tais como mexilhões e peixes. Ocasionalmente, o
acúmulo de detritos pode retirar o oxigênio da água de alguns ambientes tornando-os anó-
Inácio Silva Neto Bianca Tocci Bianca Tocci
xicos. Tal condição promove a morte de animais que precisam do oxigênio dissolvido na
água para viver.
O material orgânico que resulta de plantas ou de animais mortos é decomposto por bacté-
rias, organismos ainda menores que o plâncton, e que podem medir milionésimos de metros.
Além das bactérias, integram ainda esse variado universo de organismos microscópicos as cia-
nobactérias, microalgas que, apesar de diminutas, também fazem fotossíntese, e as arqueias.
Estas últimas são capazes de viver em condições ambientais extremas, já que obtêm energia sem
Figura 6 – Diatomáceas em cadeia. precisar da luz do sol, utilizando apenas componentes orgânicos.
Alvaro Migotto
ou atividades portuárias. Por esse motivo, estudos de microbiologia desenvol-
animais marinhos vidos em ambientes na costa marinha são importantes para a compreensão
Além de animais exclusiva- do ciclo de vida dos micro-organismos do plâncton, além de possíveis impac-
mente planctônicos (Figura tos e desequilíbrios neles produzidos.
8), o extremamente diverso
zooplâncton da Baía do Ara- Investigações sobre organismos do fitoplâncton e do zooplâncton também
çá conta também com lar- ajudam a identificar mudanças que ocorrem no ambiente e que podem afe-
vas de vários outros animais tar o restante da cadeia alimentar local, interferindo nas atividades de pesca
Alvaro Migotto
Rubens Lopes
alimento (microrganismos e
Figura 8 – Zooplâncton presentes na Baía do Araçá e no Canal de São Sebastião.
Em cima, pequenos crustáceos; em baixo, um tunicado. fitoplâncton), são sensíveis
a alterações nas correntes
marinhas.
Alvaro Migotto
Alvaro Migotto
Alvaro Migotto
Garça-azul busca
alimento na Baía
do Araçá, durante
a maré baixa
A vida na
coluna d’água
Sistema nectônico
Para muitas espécies de aves e peixes, altavela), do caranho-vermelho (Lutjanus
além de outros animais, como golfinhos analis) e da caranha (Lutjanus cyanopte-
rus) (Figura 1).
e tartarugas, a baía é um lugar
seguro para crescer e se alimentar Esses resultados são fruto de um estu-
do pioneiro, que investigou o número de
Uma exuberante vida, composta de 122 espécies de peixes presentes na Baía do
espécies de peixes, uma espécie de tar- Araçá e sua variação ao longo do ano,
taruga e, ocasionalmente, mamíferos além de analisar as relações entre estes
aquáticos frequenta o volume de água organismos e os demais que vivem na
compreendido entre a superfície e o fun- superfície (plâncton), e no fundo do mar
do do mar na Baía do Araçá. Além deles, (bentos). A compreensão desses aspectos
60 espécies de aves também são encon- e, principalmente, a inter-relação entre
tradas na baía, que proporciona inúmeros eles é essencial para entender como se
habitat e uma grande variedade de ali- processa a vida dos diferentes organis-
mento para todos esses animais. mos na baía e detectar alterações nesse
processo que levem a um desequilíbrio
Os pesquisadores do Projeto Biota/Fapesp- das inter-relações entre os diversos orga-
Araçá constataram que a área é utilizada nismos que ali vivem.
por uma grande variedade de espécies
de peixes, principalmente por indivíduos A pesca e os peixes
jovens, que crescem e se alimentam na Pescarias noturnas, durante maré alta,
baía. Também foram encontradas algumas possibilitaram aos pesquisadores identi-
espécies classificadas como ameaçadas, ficar a diversidade, ou seja, o número de
em perigo de extinção ou sobrexplotadas espécies de peixes que frequenta a baía à
(cujos estoques estão reduzidos, princi- noite. As coletas contaram com o auxílio
palmente devido à pesca excessiva). É o de pescadores locais e seu conhecimento
caso da garoupa-verdadeira (Epinephelus tradicional sobre a pesca na área. Empre-
marginatus), da ubarana-focinho-de-rato gando petrechos utilizados usualmente
(Albula vulpes), da raia-viola (Rhinobatus pela comunidade caiçara – como tar-
percellens), da raia-borboleta (Gymnura rafa, arrasto-de-fundo, cerco-de-roda,
Nas horas de maré baixa, com a ajuda de picarés e redinhas de mão, tipo puçá, foi
também investigada a fauna de peixes presente nas poças de maré, que se for-
mam sobre rochas ou no fundo de areia e lama quando da maré baixa (Figura 2).
Pomatomus saltatrix (Anchova) Centropommus parallelus (Robalo-peva) Centropommus undecimalis (Robalo-flecha) Eucinostomus argenteus (Carapicu) Harengula clupeola (Sardinha-cascuda) Sardinella brasiliensis (Sardinha-verdadeira)
Mugil liza (Tainha) Albula vulpes (Ubaraba-focinho-de-rato) Cynoscion Jamaicensis (Goete) Atherinella brasiliensis (Peixe-rei) Kyphosus sectatrix (Pirajaca) Menticirrhus americanos (Papa-terra)
Figura 1 – Espécies de peixes presentes na Baía do Araçá incluídas nas publicações sobre espécies ameaçadas. Figura 3 – Espécies de peixes presentes na Baía do Araçá, importantes por sua constância e densidade.
sardinha-cascuda (Harengula clupeola) e a sardinha-verdadeira até duas toneladas, compostos por exemplares Limícola
17%
(Sardinella brasiliensis) (Figura 3). jovens. Por sua vez, o parati (Mugil curema) é uma
espécie que cresce e se desenvolve na baía, sendo
Nas poças de maré foram encontrados, na maior parte das largamente capturado pelos pescadores locais ao
vezes, peixes como o amboré ou maria-da-toca (Bathygobius longo de todo o ano.
soporator) e o rondon (Ctenogobius boleosoma), além de larvas
do parati, tainha, baiacu, peixe-pedra e peixe-rei (Figura 4). Graças à presença de uma grande variedade de 22%
30% Forrageio
alimentos na baía, os peixes ali encontrados apre-
O estudo identificou, ainda, a presença de duas espécies não sentam dietas distintas: há peixes piscívoros, que Repouso
nativas da fauna brasileira, possivelmente trazidas nas águas se alimentam de outros peixes, e há peixes piscí- Voo
de lastros ou nos cascos de navios. Estes organismos, denomi- voros/carcinófagos, cujos alimentos são peixes e 48%
nados espécies exóticas, ao compartilharem espaço e recursos crustáceos. Estão presentes, ainda, alguns peixes
alimentares com a fauna nativa, ou seja, na posição de com- bentófagos, com dieta composta principalmente
petidoras, podem vir a afetar a estrutura e o funcionamento por crustáceos e outras espécies, cujo alimento
das relações entre as ocupantes originais da baía. principal são poliquetas (minhocas-do-mar) que Figura 5 – Grupos de aves registradas na Baía do Araçá
habitam o fundo marinho. A presença de peixes (acima) e comportamentos observados (abaixo).
elevado grau de dependência entre os diferentes Esta última espécie se reproduz exclusivamente
organismos presentes na baía. no Estado de São Paulo e hoje está classificada
como “vulnerável” na Lista Nacional das Espécies
Sobrevoando a baía da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção.
A maioria das espécies de aves que frequenta a
Bathygobius soporator (Amboré; Maria-da-toca) Ctenogobius boleosoma (Amboré; Rondon)
baía é terrestre. Povoam o entorno e a vegetação A maioria das espécies de aves registradas na Baía
da borda da baía anus-brancos, gaviões-carra- do Araçá é residente do Brasil, ou seja, se reproduz
pateiros, tiês-sangue, sabiás-laranjeira, beija- em território nacional. Já a batuíra-de-bando, o
flores-tesoura, suiriris, corruíras e pardais. São maçarico-pintado e o maçarico-de-sobre-branco
frequentes, também, registros de outras espécies são visitantes longínquos e ali chegam em épocas
terrestres que se alimentam na areia da praia, bem determinadas. Estas espécies visitantes vivem
como o bem-te-vi, a pomba-doméstica, a rolinha no Hemisfério Norte (se reproduzem no Norte do
e a maria-lavadeira. O urubu-de-cabeça-preta Canadá, Alasca e Estados Unidos) e migram para
Sphoeroides greeleyi (Baiacu) Scorpaena plumieri (Peixe-pedra)
foi identificado como a espécie mais abundante, o Hemisfério Sul durante o período de inverno. No
seguido por bandos de trinta-réis-de-bico-ver- Brasil, são avistadas durante os meses de prima-
Figura 4 – Algumas espécies de peixes coletadas em poças de maré.
melho, trinta-réis-de-bando e trinta-réis-real. vera e verão austral (Figuras 5 e 6).
for Conservation of Nature (IUCN) na categoria “em perigo” e nas listas brasilei-
ra e do Estado de São Paulo aparece como “ameaçada de extinção”.
Sistema bentônico
Enterrada nos fundos de areia e lama, vista. Se analisados sob lupa ou micros-
ou agarrada às rochas, vive uma imensa cópio, percebemos facilmente entre os
grãos de areia a presença de uma imensa
variedade de organismos de grande
quantidade de organismos, pertencentes
importância à vida marinha e humana ao grupo do bentos, que vivem tanto na
superfície como enterrados nos diferentes
A Baía do Araçá abriga, em uma área rela- tipos de substratos marinhos, tais como
tivamente reduzida, uma das regiões com costões rochosos, manguezais, areias das
maior variedade de ambientes da costa praias e lama do mar profundo. São seres
brasileira. Estão presentes costões rocho- que variam em tamanho, desde aqueles
sos, manguezais, praias, uma ampla zona muito pequenos, diminutos, invisíveis a
entremarés e regiões submersas, além da olho nu (classificados como meiofauna),
área de entorno do Canal de São Sebastião até espécies que se distribuem em gran-
(Figura 1). Essa diversidade de ambientes des colônias, ao longo de quilômetros,
confere à baía uma relevante importân- tais como as famosas barreiras de corais.
cia ecológica. Na baía, habita uma grande Algas, mexilhões, siris, caranguejos, estre-
variedade de espécies, incluindo o bentos, las-do-mar, ouriços-do-mar e espon-
grupo de organismos associados ao fundo jas, conhecidos representantes da fauna
marinho. Além de essenciais ao funciona- marinha, também integram o grupo de
mento de vários ecossistemas marinhos, animais bentônicos.
esses organismos são de extrema impor-
tância para as populações humanas. Como parte fundamental da teia alimen-
Todas estas características transformam a
tar marinha, esses organismos servem de
Baía do Araçá num verdadeiro laborató- alimento para um grande número de aves,
rio a céu aberto, local privilegiado para o
peixes e crustáceos. Muitos deles também
desenvolvimento de pesquisas sobre bio- são utilizados na alimentação humana,
logia, ecologia e oceanografia. tais como algas, moluscos (mariscos) e
crustáceos (siris, caranguejos e camarões).
Em um pequeno punhado de areia, exa- Os organismos bentônicos desempenham
minado na palma da mão, há muito mais outros papéis fundamentais na ecologia
vida do que podemos imaginar à primeira dos sistemas: contribuem para a recicla-
Gabriel Monteiro
Figura 1 – Diversidade de ambientes da Baía do Araçá: costões rochosos, manguezais, praias, planície de maré e sublitoral.
Gabriel Monteiro
gem dos nutrientes da natureza e são frequente- sidade específica para cada local. Uma região que
mente utilizados como indicadores de distúrbios apresente grande variedade de ambientes, como a
Figura 2 – Zonação,
e da qualidade do ambiente. Muitas das espécies Baía do Araçá, irá abrigar uma grande diversidade ou distribuição dos
do bentos, devido à sua reduzida, ou nenhuma de espécies, com uma importância ecológica de organismos em faixas
(costão rochoso).
mobilidade, vivem enterradas na areia ou fixas igual proporção, tanto para macrofauna como para
sobre rochas. Essa característica faz com que sejam meiofauna.
influenciadas por modificações locais. Por isso, alte-
rações no número e peso de indivíduos ou, até mes- Costões rochosos expostos pela maré
mo, na composição de espécies de um determinado Foram identificadas na Baía do Araçá cerca de
local são indicadores confiáveis de mudanças no 300 espécies de organismos bentônicos vivendo
ambiente. Isso faz com que o conhecimento sobre o nos costões rochosos, embora a área coberta por
sistema bentônico seja essencial, tanto para funda- esse tipo de substrato seja menor, quando com-
mentar investigações sobre as alterações causadas parada à planície de maré.
pela ação humana, como para subsidiar a elabora- Figura 3 – Poliqueta (minhoca-do-mar, Branchiomma luctuosum),
de cor intensa e exuberante, abundante nos costões rochosos.
ção de planos de gestão ambiental. Os costões rochosos funcionam como habitat
para muitas algas e animais que exploram tocas
A vida desses organismos é regulada por fatores e frestas de rochas para refúgio, alimentação e subida e a descida da maré. Essa oscilação do nível da água do mar faz com que
como temperatura, luz, salinidade, movimento reprodução. Ali também são encontrados orga- os organismos se distribuam em faixas, conforme a tolerância de cada um deles
das águas (ondas e marés) e tipo do fundo mari- nismos bentônicos que permanecem fixos às quanto à desidratação (perda de água).
nho (rocha, lama, areia). São esses aspectos que rochas por toda a vida, enquanto diversos ani-
determinam os locais e a maneira de viver desses mais são errantes e caminham nestes locais Facilmente visualizados nas diferentes zonas de distribuição, na Baía do
organismos. Costões rochosos, manguezais, praias em busca de alimento e de proteção. Parte dos Araçá os organismos bentônicos apresentam maior diversidade nas faixas
e regiões submersas apresentam características costões rochosos sofre alterações diárias, fican- média e inferior, onde ficam menos expostos ao ar durante as marés baixas
ambientais próprias, que resultam numa biodiver- do abaixo ou acima do nível d’água, conforme a (Figuras 2 e 3). Ali, as inúmeras rochas soltas presentes no costão proporcionam
Tatiana Steiner
Figura 4 – Sul da baía: inúmeras pedras soltas na base dos costões proporcionam uma grande variedade de micro-habitat.
Gabriel Monteiro
Alvaro Migotto
Cecília Amaral
Figura 7 – Costões rochosos: abundância de Figura 8 – Caranguejo chama-maré (Uca leptodactyla), Figura 10 – Caramujo Littorina flava, presente em Figura 11 – O exuberante caranguejo maria-mulata
organismos na faixa do médio litoral, um dos animais mais abundantes nos núcleos grande número nos rizóforos do mangue-vermelho. (Goniopsis cruentata), comum nos núcleos de manguezal.
com marcante presença de algas. de manguezal da Baía do Araçá.
Gabriel Monteiro
Algumas das espécies de animais encontradas nos cos- mentam de detritos de plantas e de animais. quantidade de espécies de animais possa
tões rochosos da Baía do Araçá, tais como mexilhões Algumas dessas espécies são especialmente se reproduzir, tais como mamíferos, aves,
e caranguejos, são importantes fontes de alimento e abundantes, tais como os poliquetas, conhe- peixes e crustáceos. Trata-se de um ver-
de renda para população local. Dessa forma, além dos cidos como minhocas-do-mar (Capitella spp dadeiro berçário para os peixes, desempe-
costões rochosos serem responsáveis por gerar uma e Laeonereis culveri) e os crustáceos, como nhando importante papel na manutenção
grande variedade de condições ambientais, capaz Monokalliapseudes schubarti, e o carangue- dos recursos pesqueiros, de grande rele-
de proporcionar uma alta diversidade costeira, jo chama-maré (Uca leptodactyla, Figura 8). vância para a vida humana.
também desempenham um relevante papel econô- Os núcleos de manguezal da baía chegam
mico e social. a apresentar uma densidade de 80 indiví- A zona entremarés, região compreendida
duos por metro quadrado do caranguejo entre a maré alta e a maré baixa da Baía do
Núcleos de manguezais, pequenas chama-maré (Figura 9), que serve de alimen- Araçá, abriga uma quantidade surpreendente
praias e ampla planície de maré to para diversas espécies na teia alimentar. de espécies bentônicas. Enquanto que numa
Manguezais, praias e planície de maré são compos- São comuns sobre as raízes e troncos das praia típica é possível encontrar entre 20 a 30
tos por diferentes tipos fundos de areia e lama e, da árvores o molusco Littorina flava (Figura espécies de animais, na região entremarés da
mesma forma que ocorre com os costões rochosos, 10) e o caranguejo maria-mulata (Goniopsis baía, cujo sedimento é composto por areia e
Figura 9 – No manguezal, pequenos furos
na areia revelam a abundância de tocas do contam com partes que ficam expostas quando a cruentata, Figura 11). lama, foram registradas cerca de 150 espé-
caranguejo chama-maré. maré desce. Cada um desses ambientes tem caracte- cies. Toda essa diversidade biológica, somada
rísticas distintas e possuem fauna e flora típicas. Local com maior presença vegetal entre ao elevado número de indivíduos ali identifi-
todos os ecossistemas costeiros tropicais cados, evidencia a importância desta região
Na Baía do Araçá, o fundo dos núcleos de mangue- (para mais detalhes, ver o sub-capítulo “A como provedora de alimentos para o ecos-
zais, composto por uma mistura de areia e lama, é vida no manguezal”), o manguezal forne- sistema. Em cada metro quadrado da zona
habitado principalmente por espécies que se ali- ce abrigo e alimento para que uma grande entremarés da baía foram encontrados, em
Gabriel Monteiro
Cecília Amaral
Gabriel Monteiro
12, 13 e 14), moluscos, como o berbigão elementos. Esse fundo heterogêneo fornece
Gabriel Monteiro
Anomalocardia brasiliana (Figura 15), diferentes habitats e cria condições para que
o caramujo Olivella minuta, o bivalve ali prosperem organismos raramente obser-
Macoma sp. (Figura 16) e poliquetas, que vados em outros ambientes da costa brasilei-
vivem em tubos ou escavam seus próprios ra, incluindo espécies ameaçadas de extinção,
túneis (Capitella spp, figura 17). Nessa fai- tais como os poliquetas Eunice sebastiana e
xa é comum também o caramujo Neritina Diopatra cuprea; as estrelas-do-mar Asteri-
virginea (Figura 18), com suas conchas de na stellifera, Astropecten brasiliensis, Astro-
cores variadas, e o ermitão, conhecido crus- pecten marginatus, Luidia clathrata e Luidia
táceo (Figura 19). A faixa acima da região senegalensis; e os enteropneustas Willeya
Figura 14 – O pequeno crustáceo Monokalliapseudes Figura 18 – Molusco gastrópode Neritina virginea,
schubarti mede apenas alguns milímetros. entremarés, denominada de supralitoral, é loya e Balanoglossus gigas. comum na baía, usado na confecção de artesanato.
Tatiana Steiner
Tatiana Steiner
CRUSTÁCEOS POLIQUETAS
Monokalliapseudes schubarti (Minhoca-do-mar)
(Crustáceo)
Laeonereis culveri
Callinectes danae
(Siri-azul)
Scolelepis spp
Stomatopoda
(Tamburutaca) Marphysa sebastiana
Figura 19 – Distribuição das espécies mais comuns da macrofauna bentônica na zona entremarés. CRUSTÁCEOS POLIQUETAS
O número de indivíduos de cada espécie, na ilustração, representa a sua abundância na natureza. Decapoda (Minhoca-do-mar)
(Camarão)
Armandia hossfeldi
que se mantém submersa mesmo duran- número bem menor de indivíduos. Entre- Corbula spp
Neanthes bruaca
te os períodos de maré baixa. Para que tanto, a variedade de espécies ali encontra- Nucula semiornata
pudesse ser estudada, os pesquisadores do da é marcante: são cerca de 300 espécies Olivella minuta Poecilochaetus australis
Projeto Biota/Fapesp-Araçá utilizaram equi- diferentes de animais que vivem no fundo
pamentos específicos para coleta de fundo marinho, com a ocorrência de um número OFIURÓIDES
(Serpente-do-mar) Scoletoma tetraura
e subdividiram esta parte da baía em subli- maior de espécies na área externa (Figura Microphiopholis subtillis
toral interno, que compreende a área com 20). Cerca de 30 destas espécies também
profundidade entre meio e cinco metros, foram coletadas pelos pesquisadores do Ophiactis lymani
e sublitoral externo, que inclui a parte de projeto, com o auxílio de equipamentos de
entorno do Canal de São Sebastião, onde a pesca. A maior parte desses animais é for- Figura 20 – Distribuição das espécies mais comuns da macrofauna bentônica de fundos submersos.
profundidade varia entre cinco e 25 metros. mada por moluscos (Bulla striata) e crus- O número de indivíduos de cada espécie, na ilustração, representa a sua abundância na natureza.
Alvaro Migotto
táceos (caranguejos e siris), incluindo uma espécie de siri No Projeto Biota/Fapesp-Araçá, esses diminutos
reconhecida como invasora (Charybdis hellerii). organismos têm recebido atenção especial den-
tre as diversas linhas de pesquisa.
Grande número de animais predadores (carnívoros e
onívoros) vive no sublitoral da baía. Entre eles, poli- Os estudos revelaram a riqueza da baía no que
quetas (Figura 21), moluscos (principalmente bivalves) diz respeito à meiofauna. Foram registradas
e crustáceos decápodos (siris e caranguejos) sur- cerca de 230 espécies, sendo que aproxima-
gem como grupos mais abundantes, além de ofiúros, damente 50 delas são novas para a ciência. A
conhecidos como serpentes-do-mar, pertencentes ao densidade de meiofaunais oscilou entre 34 e
mesmo grupo das estrelas-do-mar. 3.726 indivíduos por ponto amostral. Entre os
organismos identificados, os nemátodos, dimi-
Novas contribuições para a ciência nutos animais em forma de fio (Figura 22), apa-
Figura 21 – A minhoca-do-mar Diopatra
As pesquisas sobre a vida na Baía do Araçá incluem ain- recem como os mais diversificados e em maior
aciculata, frequente na baía. da o estudo da meiofauna, organismos microscópicos, número, formando o grupo dominante, tanto
que vivem entre os espaços dos grãos de areia. Com sua na região entremarés como no sublitoral, com
elevada quantidade e riqueza de espécies, a meiofauna 62% a 73% do total.
é fonte de alimento para diversos animais, como cama- Figura 23 – Jebramellidae, a nova família
rões, minhocas marinhas e pequenos peixes. Apesar de Um fato raro e de extrema importância para a para a ciência registrada na Baía do Araçá.
serem componente importante da biodiversidade mari- ciência foi a descoberta de uma nova família de
nha, com frequência esses pequenos animais são dei- briozoários (pequenos invertebrados que vivem
Figura 22 – Os diminutos nemátodos,
animais abundantes entre as espécies xados em segundo plano nos estudos sobre o bentos. em colônias), que recebeu o nome de Jebramelli- que um indivíduo ou espécie é capaz de produzir
que ocupam o fundo arenoso da baía. dae Vieira, Migotto, Winston, 2014 (Figura 23). num determinado período, vindo a servir de ali-
Gustavo Fonseca
Manguezais
da Baía do Araçá:
um dos últimos
remanescentes
do Litoral Norte
A vida no
de São Paulo
manguezal
Além de oferecer alimento e abrigo a Araçá tem sido continuamente exposta
inúmeras espécies, os manguezais da a impactos resultantes da ação humana,
sendo os principais relacionados à proxi-
baía atuam na filtragem de poluentes midade das instalações portuárias, onde
e na proteção da linha da costa se têm registrado vazamentos de óleo e
outros tipos de contaminação ambiental,
A presença do ser humano modifica o fartamente noticiados pela mídia.
ambiente que o rodeia, intencionalmente
ou não, gerando uma complexa história Além dos estudos sobre a estrutura e
de interações. Para compreender como a composição do manguezal da baía,
se formaram os atuais núcleos de man- os pesquisadores do Projeto Biota/
guezal na Baía do Araçá, o Projeto Biota/ Fapesp-Araçá vêm realizando inves-
Fapesp-Araçá vem utilizando ferramen- tigações sobre a estrutura e a diversi-
tas da ecologia e do histórico da baía. O dade genética das espécies de mangue
objetivo é o de mapear como ocorreram ali presentes, informações de máxima
as diversas etapas de ocupação na Baía do importância para o planejamento de
Araçá ao longo das últimas oito décadas, ações capazes de promover a restaura-
por meio da análise de documentos, foto- ção de manguezais em longo prazo.
grafias e cartas náuticas, além de estudos
sobre o fundo da baía (Figura 1). Os manguezais da Baía do Araçá
Os núcleos de manguezal da Baía do
Nessas oito décadas, a Baía do Araçá pas- Araçá são bosques vivos, cujas árvores
sou por uma sequência de intervenções crescem e se reproduzem, dando ori-
relacionadas à instalação do emissário gem a novas árvores. Cabe destacar que
submarino (1987/1989) e à construção do as árvores típicas de mangue têm uma
Porto de São Sebastião, cujas obras foram característica muito especial: são viví-
iniciadas em 1934 (Figura 2). A partir de paras. Isto significa que as flores des-
então, tal obra, assim como os conse- sas árvores dão origem a um tipo de
cutivos aterros realizados em função da semente (propágulo) que, na verdade, já
mesma, passaram a influir tanto na cir- é um novo indivíduo com folhas e raí-
culação das marés quanto sobre as dife- zes. Quando o propágulo se desprende
rentes formas de vida que habitam o local. da árvore-mãe está pronto para cair na
Assim, há pelo menos 80 anos a Baía do lama e dar origem a uma nova planta.
ÁREA DA
Córrego Mãe Isabel MANGUEZAL COBERTURA
VEGETAL
SÃO SEBASTIÃO
Pr. do Topo Núcleo 1
2.380 m2
Pr. do Germano
I. Pernambuco Figura 2 - Imagens da Baía do Araçá nos anos 1940 e 1960, destacando (em verde) o manguezal.
5 Ilha Pernambuco
10 456 m 2
Núcleo 3 Essas sementes podem ser levadas pelas correntes marinhas até se fixarem em algum
20 150 m2
local. No caso da Baía do Araçá, algumas das novas plantas de mangue-branco
30
Núcleo 4 estão crescendo em direção à faixa de areia, o que mostra, claramente, a vitalidade
64 m2
Pta. do Araçá stião e a dinâmica dos bosques ali presentes.
ba
Se
ão Rhizophoretum
deS 135 m2
nal
N
As árvores de mangue-preto e de mangue-branco dos núcleos de mangue na
Ca
TOTAL 3.644 m2 baía têm altura e grossura de troncos de bosques maduros com, respectivamen-
te, mais de 44 centímetros de diâmetro, e mais de 15 centímetros de diâmetro.
Estão presentes na Baía do Araçá bosques maduros, com as três espécies típicas de Resultados do Projeto Biota/Fapesp-Araçá levam a crer que algumas dessas árvo-
mangue: mangue-preto (Avicennia schaueriana Stapf. & Leechman), mangue-branco res dos bosques de mangue da Baía do Araçá sejam maduras, com mais de 60
(Laguncularia racemosa Gaertn.f.) e mangue-vermelho (Rhizophora mangle L.). anos de idade (Figura 3).
O bosque do núcleo 1 é formado pelas três espécies típicas de mangue que ocorrem na
Yara Schaeffer-Novelli
Guilherme Abuchahla
baía, sendo 86,3% dos indivíduos de mangue-preto, representando 91,7% da área basal.
O núcleo da Ilha de Pernambuco, por sua vez, é formado por duas das três epécies
(mangue-preto e mangue-branco), sendo 45,71% dos indivíduos de mangue-preto,
constituindo 51,84% da área basal.
Guilherme Abuchahla
Guilherme Abuchahla
Amapá até Santa Catarina sustentam teias são, garante a navegabilidade dos canais e
alimentares costeiras, gerando bens e servi- das águas costeiras. Além disso, as árvores
ços sem custos para os usuários ribeirinhos, do manguezal funcionam como uma espé-
caiçaras e praianos (como as atividades de cie de cortina-de-vento: com suas raízes
pesca, entre outras). Além de oferecer ali- amenizando os efeitos de tempestades,
mento e abrigo a inúmeras espécies da fau- reduzem a energia das ondas que, de outra
na durante as várias fases de seus ciclos de forma, provocariam erosão das margens
vida, os manguezais servem de trampolim dos canais, baías e enseadas, alterando a
natural (stepping stones) para aves migrató- própria linha de costa.
rias, que neles descansam e recuperam peso
Guilherme Abuchahla
para as próximas etapas de voo. Outro ser- Os períodos de marés baixas expõem uma fai-
viço ambiental prestado pelos manguezais é xa de lama escura, onde se destacam expan-
a redução da energia das ondas, que contri- sões dos troncos das árvores de mangue,
bui para a proteção da linha de costa e dos semelhantes a uma armação de um guar-
canais de navegação. da-chuva (rizóforos), além de outros tipos
de raízes que crescem de baixo para cima,
O ecossistema manguezal e as marés emergindo do substrato (pneumatóforos).
Os manguezais podem estar associados a O aspecto dessas estruturas, utilizadas pela
ambientes costeiros em que a água doce dos planta para sustentação e respiração, é bem
Figura 4 - As três espécies de mangue (mangue-preto, superior à esquerda; mangue-vermelho, à direita; e
rios se mistura à água do mar, como estuá- diferente das raízes das plantas terrestres. mangue-branco, inferior à esquerda) podem ser identificadas pela forma das folhas, flores e por seus propágulos.
No manguezal da Baía do Araçá, os principais Apesar de toda a pressão contrária à sua saú-
impactos induzidos pelo homem se devem à de, o manguezal da Baía do Araçá tem sobre-
descarga de esgoto doméstico (Córrego Mãe Isa- vivido e se recuperado, produzindo propágulos
bel), pela presença do Porto de São Sebastião e (sementes) e plântulas (jovens plantas, com os
por meio de aterros e muros de contenção que primeiros pares de folhas) que colonizam novas
alteraram o desenho original da antiga Enseada áreas (Figuras 7 e 8).
Guilherme Abuchahla
Conservação da zona da costa
Resultados do Projeto Biota/Fapesp-Araçá mostraram que é
intensa a movimentação de sedimentos na baía. Ali, grandes
quantidades de areia são acumuladas ou retiradas em breves
espaços de tempo. Em poucos meses ocorrem mudanças na
linha de praia e nos núcleos de manguezal. A simples análise
visual de uma série de registros fotográficos feitos no período
de 2012 a 2014 ilustra essa dinâmica sedimentar (Figura 9).
Gabriel Monteiro
A pesca artesanal é uma das formas de participação do ser humano na teia alimentar na baía.
Um grande número de espécies integra cadeias A espécie humana participa de vários níveis da
alimentares cujo primeiro nível é o detrito de fun- teia alimentar da Baía do Araçá: é uma consumi-
do (14). É o caso do parati (15), peixe importante dora secundária, quando se alimenta, por exemplo,
para alimentação dos pescadores da região. Outros de parati (15) e berbigão (7); terciária, ao comer
peixes compõem a cadeia de detrito de fundo ou sardinhas (3) e corvina (18); e quaternária, quando
cadeia bentônica, como carapeba (16), corcoroca usa o goete (5) como alimento.
(17), corvina (18), cabrinha (19) e linguado (20).
Seis grupos de invertebrados, siri (21), camarão Os exemplos citados representam apenas uma ínfi-
(22), poliqueta (23), tanaidáceo (24), anfípode (25) ma parte da complexa rede de interações formada
e corrupto (26) também fazem parte do mesmo pelos indivíduos das mais de mil espécies encontra-
tipo de cadeia. Sessenta espécies de aves utilizam das na baía. Para que ocorra a produção de matéria
como alimento peixes, camarões, vermes e insetos. orgânica nessa complexa teia, é crucial a participa-
Entre elas, as garças, os colhereiros e os urubus, ção da energia do sol e, em especial, de nutrien-
que comem organismos bentônicos presentes na tes, entre eles carbono e nitrogênio. A quantidade
areia da Baía do Araçá, também participam da desses nutrientes varia em conformidade com as
cadeia de detrito de fundo. condições ambientais, como as chuvas, marés e
correntes marinhas. A Baía do Araçá tanto recebe
Várias espécies atuam como elo de conexão entre organismos e matéria orgânica de outras localida-
a superfície e o fundo marinho, como os peixes des como envia para outros lugares, organismos e
michole-de-areia (27) e moreia (28). O ser huma- matéria orgânica que são ali gerados. Tais alterações
no também integra essas duas vias da teia, pois se podem ter influência na produção de matéria orgâ-
alimenta de diversas espécies de peixes, crustáceos nica, tanto na baía como no Canal de São Sebastião, Muitas aves, como a garça-branca, frequentam
a Baía do Araçá em busca de alimento.
(camarão e siri) e moluscos, como o berbigão (7). afetando a produção pesqueira na região.
Essa riqueza regional dos recursos pesqueiros foi avaliada pelo Instituto de
Pesca do Estado de São Paulo: nos três últimos anos, 15 mil toneladas
de pescado foram capturadas entre São Sebastião, Ilhabela e Caraguatatuba.
III.Gestão
de Uma
Uma proposta
proposta de
de gestão
gestão iintegrada
ntegrada parapara a BBaía
aía ddoo A
as regi
eve vvisar
desses interesses sociais, econômicos, científicos e ambientais, buscando não
apenas a sust
sustentabilidade
tenttabbilidadde ddaa bbaía, regiões
iões vi
isar à uunião
vizinhas.
iziinhhas.
nião
Recursos
76 77
Gabriel Monteiro
Barco de pesca
compõe a paisagem
típica da região
Atividade pesqueira
suporte à vida no mar e ao pescador
Na região há fartura de pescado. em entrevistas realizadas pelo Instituto
E, além de ser uma boa área para a de Pesca com pescadores artesanais e
industriais em todo o Estado de São
guarda de barcos, a baía é um ponto de
Paulo estima-se que de janeiro de 2012
comercialização dos produtos do mar a dezembro de 2014 foram capturadas
nessa região cerca de 15 mil tonela-
A Baía do Araçá é um ambiente único no das de pescado. Barcos provenientes
Litoral Norte de São Paulo. Está integra- de Santos, Guarujá e Ubatuba também
da ao território de um sistema pesqueiro participam deste sistema pesqueiro e o
que abrange diretamente o entorno do utilizam com frequência nas áreas mais
Arquipélago de Ilhabela, o Canal de São externas (Figura 2).
Sebastião e a Enseada de Caraguatatuba.
A baía provê à atividade pesqueira tan- Embarcações de maior porte e mobi-
to uma área para a captura de diversas lidade, de Santos e Guarujá, visitam a
espécies de pescado quanto um local região principalmente para a captura
para a guarda de embarcações, reparo da sardinha-verdadeira (Sardinella bra-
de petrechos de pesca e comercialização silensis) com rede de cerco, enquanto
de peixes, moluscos e crustáceos. aquelas de Ubatuba visam à pesca da
corvina (Micropogonias furnieri) e do
A pesca é uma atividade tradicional camarão-sete-barbas (Xiphopenaeus
no Litoral Norte de São Paulo, sendo a kroyeri), utilizando redes de emalhe e
artesanal, de baixa mobilidade, a mais de arrasto duplo-de-fundo, respectiva-
comum. Os pescadores, suas embarca- mente. As capturas destas embarcações
ções, os petrechos e artefatos de pesca e o chegam a cerca de 65% do total de
pescado que colhem das águas compõem pescado extraído da região e represen-
uma paisagem típica da região (Figura 1). taram 14% das descargas de pescados
realizadas em Santos e Guarujá e 30%
No mar ao largo de São Sebastião, Ilha- das ocorridas em Ubatuba (2012/2014).
bela e Caraguatatuba operam embarca-
ções pesqueiras destes municípios e de A região de mar no entorno do Arquipéla-
vários outros. A partir dos dados obtidos go de Ilhabela, do Canal de São Sebastião
Figura 1 - Pescador artesanal regressando da pescaria, realizada com canoa a remo e rede de emalhe.
Figura 5 - Preguaís ou peguaris (Strombus pugilis) coletados na Baía do Araçá. Marcos Sakamoto
Figura 3 - Pescadores extrativistas na Baía do Araçá. O pescador em primeiro plano utiliza o “ganchinho” para captura do siri-azul
(Callinectes danae), enquanto que o pescador ao fundo realiza a coleta manual do berbigão (Anomalocardia brasiliana).
Em suas margens existem cinco ranchos de pesca, que são pequenos galpões de guarda
de material de pesca e embarcações, que também são mantidos nos quintais de proprie-
dades próximas ou mesmo nas praias e costões da baía.
Gabriel Monteiro
Figura 6 - Arrasto-de-mão utilizado
para captura de camarão-ferrinho
(Artemesia longinaris) e camarão-branco
(Litopenaeus schmitti) na Baía do Araçá.
As pescarias e o pescado
Embora a maioria das espécies possa ser captu-
rada com diferentes aparelhos de pesca, cada
um deles é utilizado para alvos preferen-
ciais. Com o arrasto-simples captura-se prin-
cipalmente o camarão-sete-barbas e, com a
tarrafa e o arrasto-de-mão, o camarão-ferrinho
(Artemesia longinaris) e o camarão-branco
(Litopenaeus schmitti, figura 8). As redes de
Marcos Sakamoto
Figura 8 – Camarões-brancos (Litopenaeus schmitti) capturados nas proximidades da Baía do Araçá. Figura 7 - Pesca com rede de tarrafa para captura do camarão-ferrinho (Artemesia longinaris) e peixes diversos.
Reunindo grande
riqueza ambiental
e sociocultural,
a baía é palco de
usos variados
Gestão integrada
O futuro da vida na baía
A sustentabilidade e o compartilhamento conflitos entre os vários atores que ali
dos recursos que a baía proporciona atuam – como pescadores, iniciativa pri-
vada, moradores e pesquisadores – e que
dependem da integração de diferentes
compartilham o espaço ou seus recur-
grupos sociais e seus interesses sos naturais. Quando uma mesma área
beneficia distintos grupos sociais, torna-
A Zona Costeira é a região de contato entre se difícil administrar e regulamentar as
ecossistemas terrestres e marinhos, sendo atividades de cada grupo independente-
seu funcionamento muito complexo e, mente. Assim, a proposta de uma gestão
por isso, muitas vezes difícil de se estu- integrada na Baía do Araçá deve colocar
dar e compreender. Essa complexidade na balança os interesses econômicos,
a torna altamente sensível aos impactos sociais e ambientais, sob a redoma da sus-
gerados por diversas atividades humanas. tentabilidade, que também beneficiará as
Criar e implementar normas e leis sobre regiões vizinhas.
diferentes atividades humanas em uma
região costeira, que compõem a chamada A sustentabilidade e o compartilhamen-
gestão desse ambiente, é algo, portanto, to dos benefícios de um determinado
desafiador. Até o presente, os sistemas de ambiente dependem da integração entre
gestão convencionais têm obtido um grau diferentes atores sociais e seus distintos
de sucesso aquém do esperado, inclusive interesses. Para que decisões adequadas
porque não têm incluído todas as relações sejam tomadas é indispensável o uso do
existentes no ecossistema, todos os pro- melhor conhecimento disponível sobre o
blemas e grupos sociais envolvidos. local. Apesar de a Baía do Araçá ser uma
área no litoral brasileiro que reúne um
A Baía do Araçá pode ser considerada volume enorme de conhecimentos cien-
um ambiente-modelo para o desenvol- tíficos, lacunas importantes sobre sua
vimento e a aplicação de ferramentas importância ambiental e socioeconômica
de gestão ambiental na Zona Costeira. A e seu funcionamento só agora estão sen-
baía apresenta alta riqueza ambiental e do preenchidas pelo Projeto Biota/Fapesp-
sociocultural e é palco de múltiplos usos. Araçá, que trouxe essas preocupações
Essas diferentes visões e utilidades geram desde sua concepção. A abordagem
Gabriel Monteiro
Gabriel Monteiro
Natalia de Oliveira
FONTE DE RENDA E ALIMENTO BERÇÁRIO DA VIDA MARINHA EDUCAÇÃO LAZER
Gabriel Monteiro
Gabriel Monteiro
BIODIVERSIDADE CULTURA PAISAGEM PESQUISA
Fernanda Terra
Figura 3 – Crianças da comunidade local, durante o “I Encontro Aberto do Projeto Biota/Fapesp-Araçá: Vamos falar do Araçá?” Figura 4 – Moradora da Baía do Araçá expõe suas opiniões durante o “I Encontro Aberto do Projeto Biota/Fapesp-Araçá: Vamos falar do Araçá?”
ciparam de reuniões em conselhos Área de Proteção Ambiental Marinha questões fundamentais, como o futu- uns é tudo para outros. Uma gran-
municipais e regionais e de encontros do Litoral Norte (APAMLN), especial- ro da baía, sua importância, peculia- de preocupação foi identificada em
com lideranças comunitárias, socieda- mente em um dos grupos de trabalho, ridades e aspectos positivos, além de relação ao comprometimento da baía
de civil organizada e Ministério Públi- denominado GT Araçá. Nesse grupo, ações que a sociedade pode realizar devido ao projeto de expansão do
co Estadual e Federal. Essas ações já formado por órgãos federais, estadu- em favor da sua conservação. Porto de São Sebastião.
possibilitaram a troca de informações, ais, iniciativa privada, pesquisadores
a divulgação do Projeto Biota/Fapesp- e comunidade caiçara, há um diálogo Constatou-se que a Baía do Araçá Além da questão ambiental, aspec-
Araçá e sua importância para a região, constante sobre os rumos da Baía do enfrenta vários problemas ambien- tos sociais emergiram, indicando
além de viabilizarem a identificação e Araçá, constituindo um canal de comu- tais, o que não significa que não tenha que a Baía do Araçá faz parte de
preparação dos atores para a realiza- nicação do Projeto Biota/Fapesp-Araçá solução. Ressaltou-se a participação um sistema socioecológico cuja
ção do Plano Local de Desenvolvimen- com a APAMLN. das crianças, que utilizam a baía e transformação está atrelada à pró-
to Sustentável. percebem a sua importância. Obser- pria qualidade de vida da popula-
Pensando o futuro da baía vou-se que a questão da importân- ção no seu entorno. Mencionou-se
Como forma de interação constan- O I Encontro Aberto do Projeto Biota/ cia ultrapassa o valor monetário, pois o “abandono” da área, evidenciado
te dos pesquisadores do projeto com Fapesp-Araçá (Figuras 3, 4, 5 e 6), rea- cada indivíduo dos diversos grupos pela presença de lixo, poluição e
os representantes dos grupos sociais lizado em setembro de 2014, ampliou sociais tem uma relação específica falta de conservação. Também ficou
envolvidos, foi frequente, ainda, a par- o contato do projeto com a sociedade, com a baía que precisa ser resgatada. evidente que todos são responsá-
ticipação em reuniões realizadas pela permitindo uma reflexão sobre algumas Ficou claro que o que é pouco para veis pela situação em que a Baía do
Fernanda Terra
como idealizado na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (Rio +20)1.
Fernanda Terra
Figura 6 –
Apresentação do
projeto durante o
“I Encontro Aberto do
Projeto Biota/Fapesp-
Araçá: Vamos
falar do Araçá?”
(setembro de 2014).