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COREANOS
André Bueno [org.]
Reitor
Mario Sérgio Alves Carneiro
Chefe de Gabinete
Bruno Redondo
Direção
Pró-reitora de Extensão e Cultura
Cláudia Gonçalves de Lima
Produção
Obra produzida e vinculada pelo Projeto Orientalismo,
Proj. Extens. UERJ Reg. 6078, coordenado pelo Prof.
André Bueno [Dept. História].
Rede
www.orientalismo.net
Rede
https://aladaainternacional.com/aladaa-brasil/
Ficha Catalográfica
Bueno, André [org.]
Oriente 23: Estudos Coreanos. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Proj. Orientalismo/
UERJ, 2023. 84p.
ISBN: 978-65-00-77510-5
História da Ásia; Orientalismo; Coreia; Diálogos Interculturais.
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Apresentação
Orientalismos e Literatura
Orientalismos: Mídias e Arte
Visões do Orientalismo
Estudos sobre Oriente Médio
Estudos Chineses
Estudos Japoneses
Estudos Coreanos
Estudos Asioindianos
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Sumário
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COREIA DO SUL E A POLÍTICA DE PREÇOS “ERRADOS”
COMO FORMA DE ALAVANCAR O DESENVOLVIMENTO, por
Alexandre Black de Albuquerque
Introdução
O desenvolvimento econômico do sudeste asiático contraria as teses dos
economistas liberais. Os países dessa região geralmente lideram os ranks de
crescimento econômico desde o início da década de 1950 até os dias de hoje
e, no entanto, frequentemente, implementaram políticas desenvolvimentistas
largamente condenadas pelos países centrais e entidades por eles controladas,
como o Fundo Monetário Internacional – FMI e o Banco Mundial. Johnson
(1982) argumentou que, no caso do Japão, o Ministério da Indústria e do
Comércio – MITI interviu na economia de forma a amplificar o crescimento
econômico e acelerar, ou mesmo ser responsável, pela graduação tecnológica
pela qual o país passou entre o início da década de 1950 e os anos de 1980.
Segundo o autor, a maioria dos Estados regulam a economia tendo em vista o
bom funcionamento do mercado, enquanto o Estado japonês intervinha
diretamente direcionando o crédito, realizando investimentos em setores
considerados estratégicos, etc. Não significa que o governo desse país não
tenha permitido o funcionamento dos mecanismos de mercado, mas:
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superior ou mesmo era alfabetizada, dificultado ainda mais o processo de
desenvolvimento nacional. A questão educacional era tão preeminente que o
governo coreano não poupou esforços nem dinheiro para mudar a realidade
educacional do país, de fato, a proporção dos gastos governamentais com
educação passou de 2,5% para 23% entre 1951 e 1995 (Massiero, 2002).
Empresas e famílias também participam desse esforço educacional que se tornou
uma obsessão nacional. Assim, a população em idade universitária fazendo
graduação pulou de 11% em 1970 para mais de 80% atualmente. Além disso,
foram desenvolvidas instituições voltadas para o desenvolvimento econômico
transformando a Coreia do Sul num dos principais casos de “Estado
desenvolvimentista” do século XX. Segundo Guimarães (2010, p. 47) a Coreia
do Sul:
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Enquanto as teorias liberais advogam que esses dois preços devem ser
regidos pelos mercados, assim chegariam ao ponto de equilíbrio, os teóricos do
desenvolvimento consideram que o Estado deve intervir para garantir taxas de
câmbio e juros adequados as especificidades de países em processo de
desenvolvimento, como era o caso da Coreia do Sul a partir da década de
1950:
Sob tais condições [...], o papel do Estado nos países de industrialização tardia
é mediar as forças do mercado. O Estado intervém para atender às
necessidades tanto dos poupadores quanto dos investidores, e também dos
exportadores e importadores, criando múltiplas taxas de câmbio e juros.
Algumas taxas de juros são mais altas do que outras. Importadores e
exportadores enfrentam preços diferentes para a moeda estrangeira. Na
medida em que o Estado nos países de industrialização tardia intervém para
estabelecer preços múltiplos no mesmo mercado, não se pode dizer que tenha
obtido preços relativos “certos”, conforme ditados pela oferta e pela demanda.
De fato, o Estado, nos países de industrialização tardia, estabeleceu preços
relativos deliberadamente “errados” para criar oportunidades lucrativas de
investimento. (Amsden, p. 13-14, 1989, tradução nossa).
Deste modo, países como a Coreia do Sul puderam criar condições para o
processo de industrialização, mesmo tendo em vista a baixa produtividade de
suas economias e baixas taxas de poupança, fatores que dificultavam a
elevação da taxa de investimento e, consequentemente, dificultavam o
desenvolvimento econômico. Assim, entre o final da década de 1940 e início da
década de 1950, a Coreia do Sul adotou políticas de cunho
desenvolvimentistas e se tornou um dos poucos casos de sucesso duradouro
da periferia do capitalismo. Teorias desenvolvimentistas consideram que o
progresso de um país não ocorre “naturalmente” apenas pela aplicação de
boas práticas econômicas, leia-se, contas públicas equilibradas (governo
enxuto), inflação dentro de metas restritas, mercados abertos a importações e
a investimentos externos. Desta foram, uma nação periférica assim organizada,
absorveria estímulos positivos e desenvolveria capacidades produtivas e de
inovação, que, no médio ou longo prazo, a tornaria uma nação moderna,
dinâmica e mais rica. Em contrapartida a essa corrente, começou a tomar
corpo, sobretudo após a segunda guerra mundial, autores que contestavam
esses dogmas, pois consideravam que a experiência histórica não abonava
essa interpretação do desenvolvimento e, portanto, a teoria liberal não era
capaz de abranger as múltiplas faces dos processos que engendram o
desenvolvimento das nações. Karl Pollanyi (2000), ainda em 1944, desenvolve
a tese de que a economia de mercado surgiu e não existe sem um aparato
institucional desenvolvido pelo Estado e seria inviável a existência desse tipo
de economia se assim não fosse, ou seja, o mercado auto regulável seria uma
falácia. Adotando políticas desenvolvimentistas, o Estado Coreano interviu nos
preços macroeconômicos como forma de reduzir as imperfeições do mercado e
garantir o contínuo desenvolvimento industrial do país. De fato, a intervenção
estatal na economia foi bem mais ampla: foram criadas empresas estatais, o
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crédito era dirigido para os setores que o governo considerava mais relevantes
ao desenvolvimento nacional, etc.
Logo a política de “preços errados” não pode ser vista como uma panaceia que
isoladamente promove o desenvolvimento, outros fatores concorreram para o
desempenho econômico da Coreia do Sul, como a reforma agrária logo a pós a
Segunda Guerra Mundial, a criação de instituições eficazes do ponto de vista
econômico, a ajuda dos EUA em decorrência da Guerra Fria, etc. em outras
palavras, a diferença não foi mais ou menos Estado e, sim, a forma de atuação
nas diversas dimensões do desenvolvimento econômico. Para consolidar essa
política de “preços errados” o Estado coreano teve que passar por
transformações que possibilitaram que o governo obtivesse certo grau de
autonomia em relação a elite nacional, de forma a pôr em prática políticas que,
pelo menos inicialmente, essa elite era contra, como a nacionalização do setor
financeiro pelo governo Parker em 1961, além de escolher os setores a serem
beneficiados por tais medidas escolhendo, até certo ponto, os vencedores.
Múltiplas taxas de juros foram adotadas, e aquelas com fortes subsídios foram
direcionadas, a partir da década de 1960, para os setores exportadores, para a
agricultura e para setores considerados estratégicos pelo governo e que,
naquele momento, ainda eram incipientes e necessitavam tanto de subsídio
como de protecionismo. Para adotar essas políticas de desenvolvimento nem
sempre em concordância com o poder econômico nacional a reforma agrária
foi fundamental. A redistribuição de terras teve início em 1947 pelas fazendas
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confiscadas pelo governo de ocupação norte americano dos japoneses, todas
as propriedades japonesas (terra, fábricas, etc.) na Coreia do Sul foram
confiscadas pelos EUA. Posteriormente o governo eleito coreano, em 1948,
deu continuidade a reforma agrária que foi concluída em 1955. Foi decidido
que o limite para o tamanho da propriedade rural seria 3 hectares, mas o
tamanho médio da propriedade não passava de 2,06 hectares em 1960 e de
apenas 0,88 em 1970, segundo o Korean Statistical Information Service –
KOSIS. Além de limitar o poder da elite coreana a reforma agrária permitiu uma
maior profissionalização do Estado, diminuindo os sistemas de favorecimentos
locais, sobretudo nas zonas agrícolas. De fato, um dos primeiros ramos em que
o governo adotou preços errados foi o setor agrícola. Eliminado o poder dos
latifundiários o Estado estabeleceu um quase monopólio das compras e
distribuição de alimentos: pagava abaixo do valor de mercado aos agricultores
e vendia também abaixo do valor de mercado, pressionando os salários para
baixo e aumentando os lucros das empresas industrias, ou seja, se utilizava de
“preços errados” dos produtos agrícolas para inverter renda desse setor para a
indústria. Outro setor em que o governo interviu fortemente foi o financeiro.
Com o intuito de controlar o crédito e os juros ele foi nacionalizado, mas, sob
forte pressão dos EUA, foi privatizado em 1957. Ainda em 1950 foi criado o
Bank of Korean – BOK (banco central) e, para financiar o desenvolvimento e a
reconstrução da Coreia no pós-guerra, foi fundado, em 1953, o Korean
Reconstruction Bank (no ano seguinte o nome mudou para Korean
Development Bank), além disso, foi imposto limite de crédito e crédito seletivo,
os juros em geral eram negativos. A política de juros subsidiados foi eliminada
em 1958, também sob forte pressão americana. No entanto, o governo que
assumiu o país, pelo golpe militar de 1961, estatizou novamente os bancos,
mesmo com os EUA não concordando, e reestabeleceu a política de juros
subsidiados, era a volta da “repressão financeira”, onde o governo fornece
crédito a juros negativos. Essa prática foi interrompida com a reforma financeira
de 1965, mas voltou a ser posta em prática na década de 1970. Vale salientar
que os juros continuaram subsidiados para a agricultura e as indústrias
exportadoras. Ao fim da “repressão” as taxas reais de juros dispararam pulando
de -17% em 1964 para 11,2% no ano seguinte e 19,2% em 1967. As
consequências foram: queda da inflação e aumento das taxas de depósitos a
prazo e poupança, essa última consequência, no entanto, não representou,
provavelmente, um real aumento da poupança:
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Fundamentalmente o Estado tinha como meta o desenvolvimento econômico
através da industrialização.
Conclusão
Os economistas liberais advogam que o Estado deve interferir minimamente na
economia e que a “mão invisível” do mercado é capaz de prover os incentivos
necessários para o desenvolvimento. Qualquer tipo de intervenção mais
pronunciada distorce o mercado e, consequentemente, é prejudicial ao
progresso econômico. Como vimos acima, no entanto, a Coreia do Sul seguiu
um caminho onde o mercado era direcionando pelo governo para maximizar o
processo de industrialização, sobretudo nas décadas de 1950, 60 e 70, quando
o país ainda estava tentando se tornar uma nação industrial e deixando de ser
um país eminentemente agrícola. Para tanto, foram usados subsídios,
controles de preços, criadas empresas estatais e foi instituído severo controle
sobre o setor financeiro, tendo em vista fornecer as linhas de crédito
necessárias ao crescimento da indústria. O “modelo asiático” foi desenvolvido,
inicialmente, no Japão, posteriormente foi adotado pela Coreia do Sul e Taiwan
ao se mostrar uma forma eficiente de fomentar a industrialização em nações
retardatárias. Nesse “modelo” o Estado mantem o mercado mas o tenta
direcionar para objetivos específicos, implementados através de políticas
públicas que visam o crescimento econômico. Entre essas políticas está a
manutenção de “preços errados”. Provavelmente a Coreia do Sul foi o país a
praticar de forma mais intensa a “distorção de preços”, isso se deu em
decorrência da falta de economias de escala e mesmo de qualidade dos bens
produzidos no país até a década de 1980, por ser um país de industrialização
tardia. A rigor, apenas no pós Segunda Guerra Mundial, essa pequena nação
do Sudeste asiático entrou em rota de desenvolvimento baseado na produção
industrial e, em algumas décadas, se tornou um dos maiores exportadores de
bens de alto conteúdo tecnológico do mundo, demonstrando que não existe
apenas um modelo de desenvolvimento e que cada país tem suas
particularidades que devem ser observadas tendo em vista tornar as políticas
públicas mais eficientes.
Referências
Alexandre Black de Albuquerque é Mestre em história pela Universidade
Federal de Pernambuco.
AMSDEN, Alice H.. Asia's Next Giant: South Korea and Late Industrialization.
Copyright: 1989 by Oxford University Press, Inc.
12
Revista de Economia Política. São Paulo, v. 30, no. 1, mar 2010. p. 45-62.
Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-
31572010000100003&script=sci_arttext> acesso em 16/01/2013.
POLANYI, Karl. A Grande Transformação: as origens de nossa época. 2. ed.
Rio de Janeiro: Editora Compus Ltda., 2000.
JOHNSON, Chalmers. MITI and the Japanese Miracle: the growth of industrial
policy, 1925-1975. Stanford University Press, Stanford, California. 1982.
13
A ASCENSÃO DAS INDÚSTRIAS DE MANHWA E WEBTOONS:
UMA ANÁLISE DO IMPACTO CULTURAL E ECONÔMICO NA
ERA DIGITAL, por Diego Lopes
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televisão e filmes, ampliando ainda mais o alcance e a influência da indústria
(Kim, 2016).
Além disso, alguns Webtoons também são adaptados para outras mídias,
como filmes, séries de televisão e jogos, gerando receita adicional para os
criadores e empresas envolvidas (Hong, 2015).
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A indústria de Manhwa e Webtoons tem experimentado uma difusão
internacional significativa nos últimos anos, alcançando públicos além das
fronteiras da Coreia do Sul. Esta difusão tem sido impulsionada, em parte, pelo
crescente interesse pela cultura pop coreana, incluindo K-pop, dramas
coreanos e cinema (Yecies & Shim, 2019). A apropriação cultural e a difusão
internacional dos Manhwas e Webtoons têm contribuído para uma maior
compreensão e apreciação das tradições e valores culturais coreanos,
promovendo a diversidade cultural e o diálogo intercultural (Hong, 2015).
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móveis, avanços tecnológicos e crescente demanda por conteúdo digital (Jung,
2020). Esta expansão tem gerado impactos econômicos positivos, como a
criação de empregos, aumento das exportações e contribuição para o Produto
Interno Bruto (PIB) (Lee, 2017).
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adaptação de obras populares para outras mídias e atraindo investimentos e
parcerias internacionais (Lee, 2017).
A série de TV "Sweet Home", lançada em 2020, foi bem recebida tanto pelos
fãs do Manhwa original quanto por novos espectadores, alcançando sucesso
internacional e contribuindo para a popularidade crescente do conteúdo
coreano na plataforma Netflix (Yecies & Shim, 2021). A adaptação também
aumentou a visibilidade e o interesse pelo Manhwa original, levando a um
aumento nas vendas e na popularidade. A adaptação bem-sucedida de obras
como "Sweet Home" indica que há oportunidades para outras histórias
coreanas ganharem projeção global e gerarem impactos culturais e
econômicos significativos, além disso, pode servir como um modelo para
futuras colaborações entre a indústria de Manhwa e Webtoons e outros setores
criativos, como cinema, televisão e animação. Essas colaborações têm
potencial para impulsionar o crescimento econômico e a inovação, além de
aumentar a presença e o reconhecimento da cultura coreana no cenário global
(Park & Lee, 2018).
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À medida que mais Manhwas e Webtoons são adaptados para outras mídias e
alcançam sucesso internacional, é provável que aumente a demanda por
conteúdo coreano em plataformas de streaming e outras mídias. Isso pode
levar a um maior investimento e apoio à indústria de Manhwa e Webtoons e a
um maior interesse e apreciação pela cultura e tradições coreanas (Hong,
2015).
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oportunidades para os criadores e impulsionar ainda mais o crescimento e o
impacto da indústria.
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perspectivas, a indústria pode atrair um público global mais amplo e promover
um maior entendimento e apreciação da diversidade cultural (Hong, 2015).
Referências Biográficas
Diego Regys Lopes é graduado em Ciência da Computação pela Universidade
do Sagrado Coração (USC) desde 2015, especialista em Perícia Judicial e
Extrajudicial e atualmente graduando em História na Universidade de Franca
(UNIFRAN), pesquisador com ênfase em história asiática.
Referências
CHUNG, H. The Manhwa industry in South Korea: From print to digital. Journal
of Comics Studies, v. 2, n. 1, p. 12-31, 2014.
HONG, S. The impact of the rise of webtoons on the Korean cultural industry.
Asian Journal of Media and Communication, v. 1, n. 1, p. 17-33, 2015.
LEE, S. The rise of webtoons and their impact on the comic industry in South
Korea. Global Media Journal, v. 5, n. 2, p. 29-42, 2017.
PARK, J.; LEE, S. Digital platforms and the changing landscape of the Manhwa
industry. Journal of Digital Culture, v. 11, n. 3, p. 153-168, 2018.
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MANHWAS NORTE-COREANOS COMO
FERRAMENTA ESTATAL DE PROPAGAÇÃO DA
FILOSOFIA JUCHE, por Felipe Alberto
Introdução
Dado seu caráter sui generis no cenário global, a Coreia do Norte sempre
permeia noticiários e até mesmo ambientes acadêmicos com algum grau de
exotismo associado ao que advém desse território. No entanto, apesar das
dificuldades recorrentes no recolhimento e certificação de informações sobre o
funcionamento interno do país ser um fator que alimenta esse discurso, é
bastante razoável que seja questionada essa descrição caricata de toda uma
nação.
Sob o espectro das histórias em quadrinhos em si, é ponto comum que toda
expressão artístico-cultural possui também caráter político, seja ele explícito ou
não. Bem como super-heróis estadunidenses se proliferaram aos montes a fim
de propagar os valores culturais locais para todos aqueles que consumissem
aquele material (MARQUES, 2018), há também muito o que aprender da
cultura norte-coreana através das produções nacionais, em especial por ser um
país que não tem por hábito a exportação de sua própria diminuta indústria
cultural.
Este trabalho tem por objetivo analisar o manhwa norte-coreano sob uma ótica
da influência sofrida pelo mesmo quando da ocupação japonesa e perpetuação
da rivalidade regional, gerando consequências em todos os aspectos do
cotidiano do país. De maneira adjacente ao objetivo principal, o próprio ato de
trazer à tona obras advindas da porção norte da península coreana já possui
elementos agregadores ao estudo de quadrinhos asiáticos como um todo, uma
vez que os mesmos são frequentemente negligenciados devido ao caráter
fechado de sua política governamental. Por fim, objetiva-se também, através
das obras estudadas, extrair elementos da cultura local que possam corroborar,
ou não, com o que é usualmente propagado como senso comum acerca de um
país com tanto ainda por ser explorado.
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Iniciando-se dessa maneira, mas alcançando uma oficialização de exportação
cultural, ainda que distante de um interesse comercial, a Coreia do Norte tem
passado a disponibilizar suas produções de maneira menos sigilosa. Sinal
disso é o extenso acervo disponibilizado online pela biblioteca da Illinois
University, nos EUA. Bebendo dessas fontes disponíveis ao público geral,
foram selecionadas obras que, através de análise imagética, ilustram
significativamente as influências visuais e temáticas das produções japonesas
aos manhwas norte-coreanos.
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definido por duas guerras historicamente próximas e com o Japão como
coadjuvante: a primeira contra a China (1894-1895) e a segunda contra a
Rússia (1904-1905). O ano de 1905 marcou, então, o início de uma presença
japonesa na península coreana, ainda que a anexação oficial viesse apenas
em 1910 (MASON, 2017).
24
O historiador Bruce Cummings (1997, apud VISENTINI et al., 2015) define o
sistema político norte-coreano: “[...] com base em sua singularidade histórica,
como um regime corporativista neoconfuciano, no qual o papel revolucionário
da classe operária, pregado pelo marxismo, teria sido substituído pelo da
nação. Conceito derivado na tradição confucionista do papel da família como
ideal de comunidade, a nação, portanto é entendida como uma grande família,
que deve estar acima de tudo. Essa ênfase justifica a existência de um Estado
forte e centralizado, que tenha controle sobre toda a sociedade e a economia.”
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sendo uma exclusividade da Coreia do Norte e nem mesmo pioneirismo da
dinastia Kim, mas guardando grande influência das produções japonesas.
É importante notar que esse futuro de nação imaginado pelas lideranças locais
passa por uma constante iminência de conflito, uma vez que os EUA e o Japão
são considerados rivais a serem derrotados, uma vez que são culpabilizados
pela dinastia Kim quanto à separação das Coreias. Em paralelo, a abundante
presença estadunidense na porção sul da península, tanto militarmente quanto
em influência cultural, torna recorrente a alimentação do ambiente belicoso. Os
investimentos militares norte-coreanos representam uma alta porção do PIB do
país (SANTORO, 2013), mas suas demonstrações de força não se dão de
maneira injustificada, pelo menos segundo a narrativa adotada internamente e
reforçada através dos mais diferentes meios culturais e de informação.
Conforme ilustrado pelas figuras 8, 9 e 10, ação, guerra e espionagem são
temas recorrentes nos manhwas norte-coreanos também de forma mais direta,
assim como têm sido questões que permeiam a vida política do país desde sua
fundação, algo que perpassa obrigatoriamente o cotidiano de sua população,
uma vez que se trata de uma nação substancialmente fechada.
26
histórico de passado recente. Essa percepção em muito dialoga com os
consistentes relatos de que a sociedade norte-coreana tem seu cotidiano
arraigado no passado.
27
Figuras 14, 15 e 16 - Da esquerda para a direita: capa do manhwa The Great
General Mighty Wing (1994), de Cho Pyong-kwon e Lim Wal-yong, novamente
publicado originalmente pela Kumsong Youth Publishing Company; e duas
páginas internas da mesma obra.
Dentro desse mesmo âmbito, outra temática muito explorada pelos manhwas
infantis do país é o folclore tradicional, que carrega consigo uma série de lições
passadas há séculos e séculos através de histórias fantasiosas. As figuras 17,
18 e 19 trazem algumas capas de vasta coleção voltada para este fim,
publicada em 2004, e demonstram bem claramente duas características
centrais desse material: propagação de ideais tidos como bons costumes pela
cultura local; e a manutenção de tradições típicas do período anterior à
separação das Coreias, ilustrando o apreço norte-coreano pela reunificação
nos moldes de uma cultura que não mais existe é propagada ao sul da
península.
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Figuras 17, 18 e 19 - Da esquerda para a direita: capa de The Sword and
Three Strong Men (2004), de Pak Song-nyong; capa de The Frog Who Used to
Not Listen (2004), de Pak Song-nyong, Im Myong-huI e Choe Sung-ok; e capa
de A Boy Who Caught a Thief (2004), de Pak Song-nyong, Son Myong-hui e
Choe Sung-ok. Todos três manhwas publicados originalmente na coleção de
Picture Books of Choson Folkores.
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relação nada amigável com o governo norte-coreano, liderado por Kim Jong-il
(FIFIELD, 2020). As páginas internas, representadas pelas figuras 21 e 22,
trazem uma profusão de insultos ao chefe do executivo dos EUA, reproduzindo
em quadrinhos o discurso de ódio que podia ser observado na realidade de
ambas as partes.
Considerações finais
Por fim, recorda-se que este trabalho objetivou traçar correlações de
influências estética e temática entre os mangás japoneses do início do período
das Grandes Guerras e a produção de manhwas norte-coreanos ao longo da
segunda metade do último século. Na impossibilidade de esgotar o tema, mas
sim proporcionando insumos para que futuras pesquisas sejam também
desenvolvidas na área, acredita-se ser razoável a alegação de que a ocupação
japonesa em território coreano, com sua respectiva sobreposição cultural nada
amigável, deu o tom de muito do que seria produzido culturalmente na porção
da península que optou pelo insulamento após a divisão das Coreias.
Referências
Felipe Alberto é mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações
Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGRI/UERJ)
30
como bolsista da CAPES. Pesquisador do Núcleo de Estudos Atores e
Agendas de Política Externa (NEAAPE/IESP) e da Associação de
Pesquisadores em Arte Sequencial (ASPAS). E-mail: fvidal804@gmail.com
FENKL, Heinz Insu. Inside North Korea. Azalea: Journal of Korean Literature &
Culture, v. 2, n. 1, p. 73-76, 2008.
HARRIS, Mark Edward. Inside North Korea. San Francisco: Chronicle Books,
2007.
JESUS, José Manuel Duarte de. Coreia do Norte: a última dinastia Kim. Lisboa:
Edições 70, 2018.
LUYTEN, Sonia Bibe. Mangá: o poder dos quadrinhos japoneses. São Paulo:
Hedra, 2011.
31
SANTORO, Maurício. Ditaduras Contemporâneas. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2013.
32
MELODRAMA DA LUTA DE CLASSES NO CINEMA DA COREIA
DO NORTE: KIM JONG-IL E OS CONFLITOS NARRATIVOS,
por Gabriel da Silva Pinheiro
33
que não estão habituadas a sutilezas. Como afirma Ivete Huppes: “no final,
graças à reação violenta, que inclui duelos, batalhas, explosões, a virtude é
restabelecida e o mal conhece exemplar punição. O movimento representa
uma confirmação da boa ordem: aquela que deve permanecer de agora para
sempre.” [2000, p. 27]. Ela complementa:
34
sociedade e evocar respostas emocionais intensas nos espectadores.
Schönherr explica:
35
“As lutas entre o progressista e o conservador, entre o ativo e o passivo, entre
o coletivismo e o egoísmo, ou seja, a luta entre o novo e o antigo, entre o
socialismo e o capitalismo em geral, são o conteúdo básico de nossa luta
revolucionária. Essa luta aguda passa por um constante desenvolvimento em
todos os campos da política, economia, cultura e moralidade. Assim como a
verdadeira luta revolucionária é diversa e rica em conteúdo, os conflitos
artísticos que espelham a luta de classes por meio de histórias de vida
específicas também devem ser diversos em sua natureza. [...] Mas a
diversidade dos conflitos não altera sua essência, que reflete a luta de classes.”
[KIM, 1989, p.96-97, tradução minha].
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“Para resolver os conflitos de acordo com a lei da luta de classes, os escritores
devem basear sua abordagem neles nas posições da linha de classe e linha de
massa de nosso Partido. Os conflitos nas obras literárias refletem diretamente
essas linhas. A resolução dos conflitos de acordo com os requisitos da política
do Partido é o caminho absolutamente correto para resolver as contradições
sociais e aumentar substancialmente o papel cognitivo e educacional das obras
literárias.” [KIM, 1989, p.109-110, tradução minha].
37
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=mEO4JhhA8IQ
Após realizar uma venda de um buquê, um homem que está saindo do bar
japonês, acompanhado por uma mulher, aborda Koppun com o intuito de
adquirir algumas de suas flores para presenteá-la. O homem está vestindo um
terno fino, sorri e fuma um cigarro. Quando a transação está prestes a ser
finalizada, a mulher que o acompanha, trajando um quimono tradicional
japonês confeccionado com um tecido delicado, volta seu olhar para as flores e
demonstra interesse pelo presente. No entanto, sua expressão facial muda
drasticamente ao observar Koppun. A expressão facial da mulher torna-se uma
manifestação de repulsa diante das roupas puídas com as quais a protagonista
está vestida, e ela automaticamente afasta-se da protagonista, levando um
lenço ao nariz como sinal de desgosto e reprovação pela presença de Koppun
naquele local.
Fontes: https://www.youtube.com/watch?v=mEO4JhhA8IQ
38
"Suja", a mulher japonesa fala, e, em seguida, o homem, por meio de um gesto
de desistência da compra, cospe o cigarro em Koppun e vai embora. A câmera
enfoca a reação abalada da protagonista, enquanto os acordes da música tema
do filme são audíveis ao fundo, sendo repetidos algumas vezes como um
motivo musical do filme. Em um tom melodramático, embalada pela música, a
protagonista, visivelmente abalada, dirige seu olhar para suas próprias
vestimentas e a câmera acompanha seu olhar até suas gastas sandálias.
Nesse momento, o vocal da música entra e Koppun prossegue em sua
tentativa de vender as flores, porém com sua moral abalada e sem sucesso
nas vendas, enquanto a música continua a tocar até o fim.
Fontes: https://www.youtube.com/watch?v=mEO4JhhA8IQ
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Conclusão
Conforme determinado por Jong-il (1989, p.97), o correto estabelecimento dos
conflitos narrativos, ancorados no contexto da luta de classes, pode oferecer
uma compreensão mais aprofundada da linha adotada pelo Partido dos
Trabalhadores da Coreia. Essa linha, em momento algum, questiona a
inevitabilidade da vitória na construção do socialismo e do comunismo, e, antes
disso, a vitória da guerrilha revolucionária norte-coreana. Após a representação
desta cena melodramática e pedagógica e de todo o calvário enfrentado por
Koppun ao longo do filme, torna-se evidente que, ao decidir unir-se ao seu
irmão na luta pela revolução socialista, sob as ordens de Kim Il-sung, ela
possui todos os motivos para fazê-lo.
Sob a égide de Kim Jong-il, que abraçou a linha e a tradição política de Marx e
Engels no empreendimento de construir o socialismo na Coreia, o cinema
emergiu como uma poderosa ferramenta política e ideológica, materializando
em imagens e sons concepções como a seguinte: "A burguesia não forjou
apenas as armas que a levarão à morte, produziu também os homens que
usarão essas armas." [MARX e ENGELS, 2008, p.21]. Nesse contexto, o
cinema norte-coreano, sob a orientação de Jong-il, assumiu um papel central
na disseminação das ideias revolucionárias e na conscientização das massas
coreanas, delineando as relações de poder e as contradições inerentes à
estrutura social e política da sociedade. É evidente que essa abordagem se
vale de estratégias melodramáticas na concepção do cinema norte-coreano,
como explicitado pelo caso específico aqui apresentado.
Referências
Gabriel da Silva Pinheiro é pesquisador em cinema e audiovisual. Atualmente,
é mestrando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar). Atualmente se dedica à investigação da cinematografia da Coreia do
Norte e, de forma mais abrangente, as relações entre Estado, política e
ideologia no cinema.
KIM, Jong-il. “On The Art Of Cinema”. Pyongyang, RPD Coreia: Foreign
Languages Publishing House, 1989.
40
SCHÖNHERR, Johannes. “The North Korean Films of Shin Sang-ok”.
社会システム研究. No. 22. 2011. p. 1-22.
Filmografia
A GAROTA DAS FLORES (꽃파는처녀). Direção: Hak Pak, Ik-gyu Choe. Roteiro:
Kim Il-sung. Korean Film, 1972. 127 mins. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=mEO4JhhA8IQ
41
POLÍTICAS CULTURAIS DO GOVERNO MOON JAE-IN (문재인,
2017-2022) PARA A ONDA COREANA, por Helmer Marra
Introdução
O presente trabalho tem como tema as políticas culturais no mandato de Moon
Jae-in (문재인) na República da Coreia, com um recorte para aquelas sobre a
Hallyu (Onda Coreana). Para isso, objetiva-se apresentar um panorama do que
foi estabelecido e descrever alguns dos resultados adquiridos por meio da
Diplomacia Pública. Justifica-se a relevância dessa pesquisa dada a falta de
publicações acerca da temática, seja com foco nos esforços governamentais
para com a Onda Coreana, seja na necessidade de mais investigações em
língua portuguesa na área dos estudos coreanos, em constante emergência no
Brasil.
42
Em 1999, o presidente Kim Dae-jung (김대중, 1998-2003) proclama o Ato
Básico de Promoção das Indústrias Culturais, como primeira expressão para
formalização de incentivo da Onda e a importância que o Estado daria para a
cultura [PARK, 2015]. Reforça-se que já haviam fomentos ao setor, todavia
sem uma lei própria para regulamentação. Até 1997, quando a Crise Asiática
atinge a Coreia do Sul, o objetivo era de um retorno econômico e
posteriormente ganha um caráter de mudança da imagem do país frente a
comunidade internacional [LEE, 2019].
Crise do THAAD
Dada a continuidade da crise do THAAD, iniciada no mandato de Park Geun-
hye (박근헤, 2013-2017), em 2016, a administração Moon foi obrigada a tomar
medidas. Visto que empresas como CJ E&M, SME, YGE e JYPE como
grandes expoentes da Indústria de K-Pop pelo mundo tiveram queda de mais
de 30% em suas ações, como outras de cosméticos e lojas duty-free. Essas
são lojas de aeroporto, consideradas com preços mais baratos do que as fora
daquela dependência devida a baixa carga nos impostos. Feitas para atrair
turista que passam pelo local para comprarem e levarem o produto para seu
país de destino. Elas foram afetadas pela sua dependência do mercado chinês,
o que gerou sequelas nas políticas governamentais e na marca nacional sul-
coreana [KAMON, 2022].
Em medida para sanar isso foi lançada a Nova Política Sulista (New Southern
Policy). Atenção especial é dada à necessidade de aumentar os planos
“relacionados às pessoas” que incluem um foco na melhoria do turismo
doméstico por meio do aumento dos intercâmbios culturais. Há também metas
para a criação de bolsas de estudos para estudantes internacionais, expansão
de intercâmbios governamentais com estagiários industriais, expansão de
intercâmbios de funcionários públicos, apoio adicional a trabalhadores
estrangeiros, assistência adicional na erradicação da pobreza,
desenvolvimento rural e cooperação para o desenvolvimento em serviços
médicos. Mais uma evidência é a demanda pela expansão do marketing da
Onda Coreana voltada para o países-membros da ASEAN e a promoção da
“exportação de bens de consumo coreanos para o mercado por meio de canais
de compras domésticas no exterior” [KAMON, 2022, p. 16 – Tradução livre].
43
Como parte da Política da Luz do Sol (Sunshine Policy), iniciada por Kim Dae-
jung e que retornou no governo Moon, o grupo feminino de K-Pop Red Velvet
foi enviado com uma comitiva diplomática até Pyongyang, capital da Coreia do
Norte em 2018 para um concerto. Durante o programa de Talk Show sul-
coreano ‘Ask Us Anything’ (Homens em missão, no catálogo da Netflix Brasil),
as membras foram questionadas das impressões da experiência no norte. Elas
relataram alguns de choques culturais, desde forma de comer macarrão frio até
a surpresa com a quantidade de informações sobre elas que alguns oficiais
norte-coreanos sabiam [PARK, 2018, online]. O envio da comitiva, as
discussões feitas durante o período da visita e o show de K-Pop no norte
demonstram várias formas de prática da Diplomacia Pública pelo governo.
Havia a disposição de usar essa parte da marca nacional sul-coreana para
auxiliar na melhora do relacionamento dos países na península.
44
(Korean Dramas/Novelas Coreanas) e ao K-Pop [MOON, 2018]. Já no
segundo, há um aumento da importância dos produtos culturais provindos da
Hallyu, que adiciona com menções ao K-Pop, como ao grupo masculino BTS.
Deduz-se a nomeação do BTS nos discursos pelo discurso deles na 73º
Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro de 2018 [MARRA, 2022].
Um ato político do grupo, que pontuou o valor político da Diplomacia Pública
sul-coreana por indivíduos não-oficiais [BARDER, 2016] e a importância dum
ato de K-Pop com seu ponto de vista para melhora social para além dos ditos
grandes atores internacionais, como os Estados e as Organizações
Internacionais.
Por fim, tem-se o quarto ano (2020-2021), onde destacam-se a Onda Coreana
e o K-Pop como novo carro-chefe dos produtos culturais, como foram os K-
Dramas na década de 1990. Há mais um reforço a importância do grupo BTS e
adiciona-se uma citação ao grupo feminino BlackPink [MOON, 2021]. Aqui,
apesar das menções diretas a cultura estarem com menor frequência do que o
ano anterior, aumentam-se dos incentivos à mesma. Visto que em março de
2020, é lançado Plano da Política de Promoção da Nova Onda Coreana (Policy
Plan for Promoting the New Hallyu). Esse Plano mudou uma série de
perspectivas, para melhorar o acesso aos públicos consumidores que estavam
isolados em suas residências dada a pandemia de COVID-19, iniciada em
março de 2020 [KAMON, 2022].
45
JIN, 2021, p. 4147]. Esses proventos descontam os ganhos de Parasita e
Squid Game, mas que nos anos posteriores foram essenciais para melhora nas
políticas culturais para a Hallyu.
Em adição as políticas para Onda Coreana, em 2020, o governo anunciou a
Nova Hallyu (K-Culture), com características periódicas e com quatro estágios
com o Plano Política para promoção da Nova Onda Coreana. Os objetivos
contidos nesse novo plano vão desde uma melhora do turismo por observar
como a comida tailandesa apresenta-se até novas maneiras de construir a
interações com as pessoas em shows online dada a Pandemia de COVID-19.
Somados a construção de um banco de dados apropriados para a Onda
Coreana e com medidas de cooperação entre os ministérios sul-coreanos,
como as agências públicas [KAMON, 2022]. Todos esses foram fundamentais
para uma alteração de paradigmas em diversos níveis da Onda Coreana e
como ela seria vista pelo mundo nesse novo governo.
46
Jin [2021] comenta que a forma de promoção engrandeceu o mercado de
webtoons, simultaneamente, com o aumento das plataformas OTT (Over-the-
top medias) como Netflix, Disney+ e Amazon Prime que acrescentaram
conteúdo sul-coreano em seus catálogos. E a política de influência indireta
(hands-off) sobre os métodos de difusão da Onda Coreana, permitiram a
criação de um cenário diferenciado.
47
plataformas, dada as políticas de isolamento social para prevenir o
espalhamento do vírus [YOON et. al. 2022, p. 2]. O governo da Coreia do Sul
foi elogiado, apesar da intercorrência com uma idosa infectada em uma igreja
lotada tido como um dos grandes surtos de contaminação no país, pelas
maneiras de condução para amenizar as consequências [CHANG, YUN, 2022].
Parcialmente, a ‘facilidade’ em encontrar outros meios de prevenção
encontrava-se por duas situações: (1) a flutuação de períodos de boa
qualidade do ar, influenciada por usinas de carvão em países vizinhos; (2)
surtos endêmicos (Contaminação por virose a nível regional, a exemplo da
crise aviária) de variantes do vírus SARSCOV em anos pregressos [MOFA,
2021].
Considerações finais
De maneira sucinta, a administração de Moon Jae-in visou estabelecer uma
política de influência indireta para com a Onda Coreana, em paralelo que
também empregava-a como instrumento de promoção da imagem da
República da Coreia. Ki [2020] enfatiza uma fala do presidente, que em 2019,
48
todas às vezes que ele encontrava líderes de outros países, assuntos sobre K-
Dramas e K-Pop sempre surgiam. Isso reflete como o país progride em sua
prática de Diplomacia Pública, como de Diplomacia Cultural, em que até
mesmo líderes de outros países tem comentado sobre alguns dos vários
produtos exportados como parte da Onda Coreana.
Referências
Helmer Marra Rodrigues; Mestre em Política Internacional (PPGCPRI) pela
Universidade Federal da Paraíba (UFPB); BA em Direito - Universidade
Evangélica de Goiás, UniEvangélica - Campus Ceres; Pesquisador do MidiÁsia
(Grupo de Pesquisa em Mídia e Cultura Asiática Contemporânea) - UFF
CHANG, Woo-young; YUN Seongyi. South Korea in 2021: A Noisy and Murky
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Hallyu [Coreia do Sul em 2021 Uma corrida presidencial barulhenta e sombria,
imparável COVID-19 e a globalização contínua da Onda Coreana]. Asian
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https://doi.org/10.1525/as.2022.62.1.04. Disponível em:
https://online.ucpress.edu/as/article-pdf/62/1/43/496189/as.2022.62.1.04.pdf.
JIN, Dal Yong; KIM, Taeyoung. Cultural Policy in the Korean Wave: An
Anlalysis of Cultural Diplomacy Embedded in Presidential Speeches [Política
cultural na Onda Coreana: uma análise da Diplomacia Cultural integrada nos
discursos presidenciais]. International Journal of Communication, [S.l.] v. 10,
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https://ijoc.org/index.php/ijoc/article/view/5128/1838. Acesso em 22 jun. 2023.
JIN, Dal Yong. Ten Myths About the Korean Wave in the Global Cultural Sphere
[Dez mitos sobre a Onda Coreana na esfera cultural global]. International
Journal of Communication, [S.l.], v. 15, p. 18, (2021). Disponível em:
https://ijoc.org/index.php/ijoc/article/view/17454. Acesso em: 14 fev. 2023.
49
KAMON, Butsaban. The Hallyu policies of the Korean government [As políticas
para Onda Coreana do governo coreano]. Journal of Language and Culture,
v.41, nº.2 (2022), p. 1-24. Disponível em: https://so03.tci-
thaijo.org/index.php/JLC/article/view/265736#. Acesso em: 04 fev. 2023.
KI, Wooseok. K-POP: The Odyssey: Your Gateway to the Global K-Pop
Phenomenon (English Edition) [K-Pop: A Odisseia: sua fulga para o fênomeno
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50
https://www.mofa.go.kr/eng/brd/m_5684/down.do?brd_id=761&seq=317963&da
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2023.
PARK, S. Red Velvet Shares Memorable Moments From Their North Korea
Performance [Red Velvet compartilha momentos memoráveis de sua
apresentação na Coreia do Norte], Soompi, 04 ago. 2018. Disponível em:
https://www.soompi.com/article/1210091wpp/red-velvet-shares-memorable-
moments-north-korea-performance. Acesso em: 16 fev. 2023.
51
POSSIBILIDADES DE UM ESTUDO DE GÊNERO EM SILLA A
PARTIR DA CULTURA MATERIAL, por Luiza Santos Freire de
Souza e Pedro Vieira da Silva Peixoto
Introdução
A escrita da história está intimamente relacionada ao mundo em que estamos
inseridos. Ao pesquisar sobre qualquer que seja o assunto, partimos de
preocupações que estão presentes no momento em que vivemos e também
nas nossas vidas pessoais. O ofício historiográfico, como nos lembra Croce,
não deixa de ser um “ato de entendimento e compreensão induzido pelas
exigências da vida prática” (CROCE, 2006, p. 26). Não à toa, questões como
as de raça, de gênero, do meio ambiente e muitas outras têm sido tratadas em
recentes pesquisas sobre a Antiguidade, mostrando a proximidade entre o
passado e o presente e como a atualidade influencia a produção acadêmica
no campo da historiografia. O presente trabalho tem como objetivo apresentar
algumas possibilidades do estudo de gênero em Silla. O mesmo deriva de uma
pesquisa, que se encontra em estágio inicial, desenvolvida no Laboratório de
História Antiga da UFRJ. Devido ao estágio em que se encontra, o foco da
discussão, no momento, concentra-se mais nos grandes debates
historiográficos internacionalizados sobre Silla produzidos por autores coreanos
e estrangeiros, ao passo que, no futuro, esperamos que alguns debates
técnicos provenientes exclusivamente da historiografia produzida em língua
coreana possam também ser acrescidos.
A maioria dos estudos atuais, contudo, não possui um grande foco em gênero.
Em uma pesquisa de Lee et al. (2016), um raro remanescente humano, que
estava relativamente intacto, foi encontrado e analisado. Os remanescentes
pertenciam a um indivíduo do sexo feminino, mas a análise conduzida não
considerou esse fator de grande relevância, tratando apenas dos aspectos
biológicos. Fica evidente, assim, apesar de diversos trabalhos serem
produzidos mesmo a partir de novas abordagens, como ainda poucos abordam
a temática de gênero ou a consideram importante para a compreensão dessa
sociedade.
52
Silla, contudo, possui inúmeras possibilidades para investigar questões de
gênero. Entendemos que a temática possa ser investigada a partir de
diferentes materiais e documentos, porém, devido às peculiaridades de seu
estudo, a cultura material se apresenta como uma importante e produtiva
maneira de se estudar a temática citada.
Gênero é, pois, mutável histórica e socialmente, não sendo nem natural nem
estável. Em outras palavras: trata-se de um constructo sociocultural dotado de
historicidade. Em seu trabalho, Flax (1987, p. 628) considera que gênero, tanto
como uma categoria analítica quanto como um processo social, é relacional. As
relações de gênero são, assim, processos complexos e instáveis, o que
significa que elas variam de acordo com múltiplos fatores, como qual momento,
os grupos sociais e o local em que elas estão inseridas. A redução portanto de
gênero ao binarismo do sexo ignora outros conceitos em que gênero pode ser
expresso, como não sendo apenas dois, como sendo transcendido por
indivíduos ou como fluido e em mudança (STRATTON, 2016. p. 855). A
afirmação de Stratton é esclarecedora nesse aspecto:
A ideia, assim, de que gênero é uma construção social e que ele pode se
apresentar de diferentes formas em diferentes sociedades e períodos é
essencial para o entendimento da categoria aqui aplicada.
53
A sociedade de Silla é comumente considerada um reino, apesar de existir
diversos debates acerca de sua condição política e social e suas mudanças ao
longo dos anos. Localizada na península coreana, em seu momento inicial
coexistiu com mais dois reinos, o de Paekche e o de Goguryeo, além da
Confederação de Gaya, em uma época que ficou conhecida como período dos
Três Reinos. Os dois reinos foram, contudo, conquistados por Silla, em um
novo período, conhecido como Silla Unificada, no qual essa se tornou
hegemônica.
54
questões e interpretações acerca de informações existentes e sugere novos
conjuntos de dados, possibilitando que novidades possam ser aprendidas
sobre papéis e relações de gênero em diferentes lugares e períodos, que,
segundo Nelson, enriquecem o entendimento dos pesquisadores (NELSON,
2012, p. 2). Referenciamos o trabalho de Nelson não apenas por sua seminal
contribuição teórica ao campo da arqueologia de gênero, mas por ela ser uma
das poucas e essenciais referências para se pesquisar a questão de gênero
em Silla, sendo seus estudos arqueológicos muito relevantes, tendo em vista o
fato de ter trabalhado com diferentes enterramentos e artefatos levando a
perspectiva de gênero como central para sua análise.
55
enterramentos da região. Ela está localizada em Gyeongju, no sítio de
Hwangnam-Dong e consiste em um enterramento duplo, com dois montes,
norte e sul. O ocupante do monte sul não foi identificado no estudo de Pearson
et al. (1986), mas Lee e Leidy (2013) o identificaram em seu trabalho como
sendo um homem. O monte norte, construído posteriormente, foi identificado
por diversos autores (PEARSON et al., 1986; GEUN-JIK, 2009; LEE & LEIDY,
2013) como sendo ocupado por uma mulher.
Conclusão
O estudo de gênero em Silla se mostra como uma grande possibilidade, que,
contudo, permanece amplamente inexplorada. A arqueologia pode ser, nesse
cenário, um importante meio para suprir essa ausência, devido não somente a
suas ferramentas teóricas e metodológicas, mas também às peculiaridades que
a própria sociedade de Silla e seu estudo possuem, como, por exemplo, a
natureza dos dados disponíveis e o distanciamento cronológico de boa parte
dos relatos textuais.
56
A definição do conceito de gênero também se faz essencial para que essa
possibilidade seja explorada, tendo em vista que devemos considerar gênero
como uma construção social que não se mantém a mesma nos diferentes
locais e períodos examinados. O presente trabalho buscou, assim, apresentar
a possibilidade (e diríamos, ainda, a necessidade) de se realizar um estudo que
tenha a perspectiva de gênero como central para se analisar a cultura material
e a história da antiga Silla.
Referências
Luiza Santos Freire de Souza é graduanda em história na Universidade Federal
do Rio de Janeiro
Dr. Pedro Vieira da Silva Peixoto é professor adjunto de História Antiga na
Universidade Federal do Rio de Janeiro
HAM, Seon-Seop. Gold culture of the Silla Kingdom and Maripgam. In: LEE,
Soyoung; LEIDY, Denise Patry. Silla: Korea's golden kingdom. Metropolitan
Museum of Art, 2013.
57
LEE, Won-Joon et al. Bio-anthropological studies on human skeletons from the
6th century tomb of ancient Silla Kingdom in South Korea. PLoS One, v. 11, n.
6, p. e0156632, 2016.
SØRENSEN, Marie Louise Stig. Gender archaeology. John Wiley & Sons,
2013.
STRATTON, Susan. “Seek and you Shall Find.” How the Analysis of Gendered
Patterns in Archaeology can Create False Binaries: a Case Study from
Durankulak. Journal of Archaeological Method and Theory, v. 23, n. 3, p. 854-
869, 2016.
58
O PATRIARCADO COMO MOLA PROPULSORA DO
SOFRIMENTO PSÍQUICO DAS MULHERES SUL-COREANAS:
UMA BREVE ANÁLISE SOBRE O LIVRO KIM JIYOUNG,
NASCIDA EM 1982, por Maria Eduarda Coelho
Introdução
“O mundo tinha mudado bastante, mas não pequenas regras, contratos e
costumes, o que significava que na verdade o mundo não tinha mudado nada.”
- (CHO, p. 101, 2022)
“Quando estava quase terminando uma lata, Jiyoung deu um tapinha no ombro
do marido e disse, bruscamente:
— Ei, Jiyoung está passando por um momento difícil. Cuidar de um bebê é
muito desgastante. Sempre que puder, você deveria dizer a ela: Você está se
59
saindo muito bem! Está se esforçando tanto! Reconheço seu esforço!” (CHO,
pág. 9, 2022)
60
Outro ponto a ser tratado neste artigo diz respeito ao contexto de Jiyoung
enquanto mulher inserida no mercado de trabalho sul-coreano. Em dado
momento, a ela lhe foi delegada uma tarefa de planejamento junto a uma
equipe majoritariamente masculina e ela descobre que está sendo injustiçada e
quase não figurou na equipe, pois o chefe não queria contratar mulheres, uma
vez que, em sua visão, os homens eram mais comprometidos e traziam mais
segurança na execução de projetos.
“Ela também descobriu que os caras ganhavam mais desde o início, mas essa
informação teve muito pouco impacto em Jiyoung, que já tinha preenchido sua
cota diária de choque e decepção. Ela não estava certa de que seria capaz de
seguir o exemplo da gerência e dos funcionários mais antigos e confiar que se
dedicar era a resposta, mas, quando a manhã chegou e o efeito do álcool
passou, ela foi para o escritório como era de hábito. Encarou como sempre as
tarefas que lhe deram. Mas a motivação e a confiança com certeza estavam
abaladas.
A disparidade salarial na Coreia é a mais alta entre as nações da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. De acordo com dados de
2014, as mulheres trabalhadoras da Coreia ganham só 63% do que os homens
ganham; a média da OCDE é de 84%.12 A Coreia também é o pior país para
as mulheres trabalhadoras, tendo alcançado as piores pontuações entre as
nações analisadas pelo índice teto de vidro da revista britânica The Economist.”
(CHO, p. 96, 2022)
Além disso, a colega de Jiyoung fala sobre como isso comprometeu a sua
saúde mental e a de outras colegas igualmente vítimas da situação:
61
enlouquecendo. Embora eu finja que estou bem, rindo alto com as pessoas,
parece que o mundo inteiro me reconhece daquelas fotos. Até um contato
visual aleatório com um estranho me faz pensar se aquela pessoa viu minhas
fotos e, quando alguém sorri, penso que essa pessoa está zombando de mim.
A maioria das mulheres do escritório está tomando remédio ou fazendo terapia.
Jungeun teve uma overdose de remédios para dormir e precisou fazer uma
lavagem estomacal. Algumas pessoas pediram demissão: duas mulheres do
Departamento de Assuntos Gerais, Choi Hyeji e Park Seonyoung, as
supervisoras.” (CHO, p. 120, 2022)
“Jiyoung sabia que o apoio de Daehyun era sincero, mas ainda assim não
conseguiu esconder a raiva.
— Ajudar? Que história é essa de ajudar? Você vai “ajudar” com as tarefas de
casa. “Ajudar” na criação da nossa filha. “Ajudar” a encontrar outro trabalho.
Não é sua casa também? Seu lar? Sua filha? E se eu trabalho, você também
não gasta meu salário? Por que você fica repetindo que vai “ajudar”, como se
estivesse se oferecendo para colaborar com o trabalho de outra pessoa?”
(CHO, p. 111, 2022)
62
“Em 2014, quando Kim Jiyoung saiu da empresa, uma em cada cinco mulheres
casadas pediam demissão na Coreia por motivos de casamento, gravidez,
parto e para cuidar dos filhos ou educá-los. A taxa de participação de mulheres
na força de trabalho cai significativamente antes e após o parto. A
porcentagem parte de 63,8% para mulheres entre vinte e vinte e nove anos, cai
para 58% para mulheres entre trinta e trinta e nove anos e volta a subir para
66,7% para mulheres com mais de quarenta anos.” (CHO, p. 112, 2022)
“Jiwon chorava dia e noite até que a pegassem no colo, e Jiyoung tinha de
cuidar da casa, ir ao banheiro e cochilar enquanto a segurava. Amamentando
de duas em duas horas e, portanto, incapaz de dormir muito, ela limpava a
casa com mais afinco do que antes, lavava as roupas e os paninhos da bebê,
se alimentava bem para produzir leite suficiente e chorava muito mais do que
havia chorado a vida inteira. Acima de tudo, todo seu corpo doía. Ela não
conseguia mexer os punhos.” (CHO, p. 114, 2022)
63
(BERNARDES; LOURES; ANDRADE, 2019), como é imposto à Jiyoung no
livro. Ela expressa sua frustração ao marido, mas em seguida sente-se
terrivelmente culpada por isso e o pede desculpas. As pessoas ao seu redor e
até mesmo desconhecidos acrescentam à sua carga de culpa constantemente
ao afirmarem que sua vida é fácil, pois não trabalha fora de casa, apenas cuida
dos afazeres domésticos e da filha. Assim, o é também no mundo real.
Considerações Finais
Logo, diante do que foi discutido, é importante salientar que o livro Kim
Jiyoung, nascida em 1982 aborda uma série de questões extremamente
pertinentes sobre o impacto micro e macro do patriarcado, não apenas na vida
de mulheres sul-coreanas como na de mulheres do mundo todo. Isso porque
muitas das violências retratadas são experienciadas globalmente, sendo
diferenciadas apenas em aspectos culturais específicos de cada país, e, por se
tratarem de temas muito complexos, não foram passíveis de serem
completamente desenvolvidos neste artigo, tampouco este era seu objetivo.
Mais do que nunca, deve-se ampliar a discussão sobre papéis de gênero e
misoginia em sociedade, para além do ambiente acadêmico a fim de buscar-se
a diminuição das opressões cotidianas as quais são responsáveis por tolher a
subjetividade feminina e violentar seus corpos.
Referências
Maria Eduarda Coelho é discente do décimo período do curso de Psicologia
pelo Centro Universitário Frassinetti do Recife (UNIFAFIRE), pesquisadora do
Núcleo de Pesquisa da UNIFAFIRE e associada à Curadoria de Estudos
Coreanos da Coordenadoria de Estudos da Ásia (CEÁSIA) da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE).
EDLUND, Lena; LEE, Chulhee. Son preference, sex selection and economic
development: The case of South Korea. National Bureau of Economic
Research, 2013.
64
relações violentas e a prática feminista. São Paulo: ANPOCS, 1993.
HWANG, Sunoong; SHIN, Heeju. Gender Gap in Mental Health during the
COVID-19 Pandemic in South Korea: A Decomposition Analysis. International
Journal of Environmental Research and Public Health, v. 20, n. 3, p. 2250,
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KOSIS. “Number of Spycam Related Crimes in South Korea from 2011 to 2020
According to Korean National Police Agency.” Statista, 2021. Disponível em:
https://www.statista.com/statistics/1133121/south-korea-number-of-
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Korea. The Journal of International Management Studies, v. 7, n. 2, p. 184-191,
2012.
The Best and Worst Places to Be a Working Woman. The Economist, 2018.
65
IMAGENS NO CORPO: UM ENSAIO SOBRE
MEMÓRIA, EXPERIÊNCIA E TESTEMUNHO DAS
“MULHERES DE CONFORTO” NORTE COREANAS, por
Tamires Barbosa da Costa
Introdução
Este ensaio tem como objetivo principal fazer uma análise da imagética do
testemunho e também trabalhar com a imagem no corpo como forma de
memória de um passado ainda não superado por sua vítima. Isso será
observado a partir do vídeo “Newstapa testemunhas Ep. 47 “Triste retorno ao
lar parte 1 ‘testemunho da avó do norte’”” (2016) (tradução do autor).
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alterações ao longo do tempo, se reescrevendo constantemente e se
atualizando tanto com a aparição de novos acontecimentos quanto de novas
perspectivas historiográficas. Assim, pode-se dizer que “a história do tempo
presente é feita de moradas provisórias” (Bédarida, 2002, p. 221), pois se
refere a um passado atual. Um fator importante para esse ramo da
historiografia é a presença de sujeitos históricos ainda vivos e ativos, que
podem contar sobre suas experiências vividas de forma mais profunda e
pessoal. Para o historiador, é uma vantagem e ao mesmo tempo um desafio
poder lidar e estar em contato com testemunhas ainda vivas, visto que, por
mais que possa auxiliar na compreensão do acontecimento de forma mais
íntima, pode também ir contra os documentos ditos oficiais, criando, assim,
uma possível contradição que o historiador terá que mediar.
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meninas passaram a viver nas sombras da sociedade por quase 50 anos, por
vergonha e medo de julgamentos de uma sociedade que acreditava serem
prostitutas. O assunto só voltou a surgir em 1991 quando Kim Hak-Sun (김학순), a
primeira sobrevivente a testemunhar sobre o ocorrido, chamou a atenção do
mundo e de outras vítimas sobre o assunto, levando-as, da mesma maneira, a
se expor quanto a essa questão (YOSHIAKI, 2000).
Por mais que as edições do vídeo não sejam foco deste trabalho, é importante
separar um espaço para que se fale das influências que elas têm no
sentimento e compreensão que o telespectador terá sobre o que está sendo
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assistido. Pode-se notar que os relatos não foram distribuídos de forma
cronológica, talvez para deixar por último o que seria mais tocante e assim criar
uma narrativa que se enquadrasse melhor com a proposta da plataforma. Outro
ponto é a existência de animações para ilustrar o que está sendo contado,
presença de trilha sonora, juntamente com a voz da narradora, tendo forte
poder de persuasão no entendimento e emoção da reportagem.
Figura 2: Ex mulher de conforto mostra marcas com tinta em seu colo feitas
por militares japoneses. Fonte: “Newstapa testemunhas Ep. 47 “Triste retorno
ao lar parte 1 ‘testemunho da avó do norte’”” (2016)
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Figura 3: Ex mulher de conforto mostra marcas com tinta feitas por militares
japoneses. Fonte: “Newstapa testemunhas Ep. 47 “Triste retorno ao lar parte 1
‘testemunho da avó do norte’”” (2016)
Figura 4: Ex mulher de conforto mostra marcas com tinta feitas por militares
japoneses. Fonte: “Newstapa testemunhas Ep. 47 “Triste retorno ao lar parte 1
‘testemunho da avó do norte’”” (2016)
Figura 5: Ex mulher de conforto mostra marcas com tinta feitas por militares
japoneses. Fonte: “Newstapa testemunhas Ep. 47 “Triste retorno ao lar parte 1
‘testemunho da avó do norte’”” (2016)
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O trecho a seguir é uma das diversas demonstrações da permanência da
violência até os dias de hoje. “Fui espancada com uma barra horizontal e,
quando caí, fui espancada na cabeça. O espancamento continuou, mesmo com
o sangue escorrendo pelo meu rosto. Mesmo 50 anos depois, inúmeras
cicatrizes ainda permanecem em minha cabeça. Perdi um olho neste dia.”
(Jung Ok Sun, Ryoedo, Coreia do Norte). Esse relato confirma a violência
extrema dos soldados japoneses e a dificuldade de viver com essas marcas
sem poder esquecer do que de fato aconteceu no passado, pois sabe-se que já
é difícil conviver com a vergonha e culpa do ocorrido e isso se intensifica ainda
mais com marcas que nunca desaparecerão de seu corpo. Tudo isso cria um
ambiente propício para se esconderem dos olhares de julgamento de uma
sociedade cheia de estigmas como a coreana.
“Para poder relatar seus sofrimentos, uma pessoa precisa antes de mais nada
encontrar uma escuta” (POLLAK, 1989, p. 6). Tal citação, no contexto do vídeo
analisado, traz certa ironia, posto que após esperarem tanto tempo para que
suas histórias fossem escutadas, o entrevistador disposto a escutá-las naquele
momento foi um japonês, justamente pertencente à nação que as torturou e as
causou tantas consequências. O fato de sua nacionalidade ser a responsável
pela dor das testemunhas que entrevista, influencia na forma como elas se
expressam e se dirigem a ele. Algumas se referem a ele como se estivessem o
igualando aos soldados que as abusaram, assim, consequentemente,
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expressando-se de forma mais inconformada e enfurecida.
A penúltima entrevista mostrada é de Kim Young-Suk (김영숙), ela foi levada para
a China e ao descrever o que viveu tirou suas roupas sem hesitar, num ato de
necessidade de mostrar o que foi feito em seu corpo. Ao tirar praticamente toda
sua roupa aponta para marcas em suas costas, colo e até mesmo em suas
nádegas, mostrando as facadas realizadas em um de seus momentos de
resistência. Seus joelhos também foram feridos numa tentativa de quebrá-los.
Ela conta que, em sua chegada, um dos soldados disse “vamos brincar com
essa menina bonita”, tendo em vista que ela, da mesma forma que as outras,
também foi levada para as estações de conforto muito nova, dessa forma, não
conseguia interpretar o real significado desse “brincar” pela sua ingenuidade.
Figura 8: Ex mulher de conforto mostra cicatrizes nos joelhos feita por militares
japoneses. Fonte: “Newstapa testemunhas Ep. 47 “Triste retorno ao lar parte 1
‘testemunho da avó do norte’”” (2016)
Por último, Ree Sang-Ok (리상옥), que chegou a estação de conforto aos 17 anos
com duas amigas, disse que quando lembra dessas memórias sangue sai de
sua garganta e se treme ao pensar. Diz também, enquanto chorava, que viveu
sozinha por conta do trauma e não teve filhos, dessa forma, percebe-se que
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claramente sofreu muito por conta disso. Sang-Ok foi a que se referiu de forma
mais agressiva a Ito e por isso seu relato foi o mais emotivo. Suas cicatrizes no
joelho surgiram quando militares japoneses tentaram quebrá-lo em um dos
momentos que resistiu a seus abusos.
Figura 9: Ex mulher de conforto mostra cicatriz em seu joelho feita por militares
japoneses. Fonte: “Newstapa testemunhas Ep. 47 “Triste retorno ao lar parte 1
‘testemunho da avó do norte’”” (2016)
Reflexões finais
Portanto, vê-se que no livro “Goya à sombra das luzes” (2014) de Tzvetan
Todorov, o autor questiona o motivo de Goya produzir gravuras tão explícitas e
brutais sobre a Guerra de Independência Espanhola. A resposta que ele chega
é “Porque não podia agir de outra forma. O fato de ter vivido e observado essa
experiência faz dele uma testemunha preciosa.” (TODOROV, 2014, p.18). Ou
seja, o artista encarava a sua arte como uma forma de responsabilidade em
representar aqueles que não podiam estar ali para contar por si mesmos.
Referências
Tamires Barbosa é graduanda do 7° período de Licenciatura em História na
UFRJ.
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BÉDARIDA, François. Tempo presente e presença da história. In: FERREIRA,
Marieta de M.; AMADO, Janaína. Usos e abusos da história oral. 5.ed. Rio de
Janeiro: Ed. FGV, 2002.
WOMEN’S Active Museum on War and Peace. [S. l.], 2005. Disponível em:
https://wam-peace.org/en/. Acesso em: 11 jul. 2023.
YOSHIDA, Takashi. Violence and the Japanese Empire. The Cambridge World
History of Violence, Cambridge University Press, p. 326-344, 2020. Disponível
em: https://www.cambridge.org/core/books/abs/cambridge-world-history-of-
violence/violence-and-the-japanese-
empire/A053FAAE0F7F90113551D0F70F917709. Acesso em: 27 jul. 2023.
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INTERLÍNGUA NA TRADUÇÃO DE MENSAGENS
ENVIADAS POR KAI, DO EXO, NO BUBBLE (SAID CUTELY),
por Vitória Ferreira Doretto
EXO-L é o nome dado ao fandom composto por fãs do grupo de K-pop sino-
coreano EXO, que debutou em 2012 sob o gerenciamento da SM
Entertainment e é atualmente composto por nove integrantes — Xiumin, Suho,
Lay, Baekhyun, Chen, Chanyeol, D.O., Kai e Sehun. Como qualquer outro
fandom, no EXO-L existem grupos de fãs que se dedicam a criar fanarts
(ilustrações dos integrantes), edits (edições de imagem ou vídeo com os
cantores), fanfics (histórias com os integrantes), vídeos com as músicas
lançadas, e/ou compartilhar notícias sobre o grupo, republicar imagens
promocionais, fazer mutirões de votações etc. Estas atividades são essenciais
para a continuidade do fandom, pois, a “socialização é umas das mais básicas
atividades de fã” [Fraade-Blanar; Glazer, 2018, p. 147]. E, no caso do EXO-L,
para os fãs que não são falantes de coreano, a língua materna de oito dos
integrantes do EXO, a tradução é uma das atividades mais importantes — o
compartilhamento de notícias e informações não seria possível se não
houvesse a tradução do coreano para as outras línguas faladas pelos fãs.
Analisar esta atividade editorial num âmbito não-profissional supõe que alguns
pontos sejam considerados: são traduções feitas por pessoas que
(supostamente) são fluentes nas línguas de saída e de chegada (coreano e
inglês, por exemplo), mas que não necessariamente se dedicam a atividades
que envolvem o trabalho com textos ou linguagens; são feitas majoritariamente
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logo em seguida da publicação ou divulgação do texto original, o que não deixa
muito tempo para revisões ou refinamentos linguísticos; e ganham circulação
ampla principalmente por meio das redes sociais dos fãs — aqui também
podemos considerar que “para alguns, o fandom funciona como um jeito de
desenvolver um conjunto de habilidades. Criação de conteúdo, liderança e
evangelização — tudo isto é parte importante do fandom” [Fraade-Blanar;
Glazer, 2018, p. 179], e a tradução amadora pode ser a porta de entrada para
uma profissão futura ou até mesmo ser incluída em currículos.
Figura 1 - Bubble
Fonte: Elaborado pela autora a partir de Lysn.
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RBW, Jellyfish Entertainment, JYP Entertainment, WM Entertainment e Play M
Entertainment também usam o serviço. A assinatura do Bubble pode ser feita
para quantos artistas o fã quiser (um, dois, três... todos de um mesmo grupo,
vários de grupos diferentes) e o valor cobrado é em dólar (Figura 2) — $3,99
para um artista, $6,99 para dois, $9,99 para três... e assim por diante. O
assinante escolhe quantos “tickets” de um grupo irá comprar e depois seleciona
os integrantes que deseja receber mensagens (Figura 2).
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Seul em 2012. Kai foi o primeiro membro do EXO a ser formalmente
apresentado ao público em 23 de dezembro de 2011.
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“fofa” ou a complementação das informações (conforme destacado em negrito):
“While the album [details] were being released I coudn’t help but upload a
really cute Raeonee ㅠ”, “But why did I look so swollen that day on the
photocard studio vídeo? (said cutely)”, “Slepyyy”, “But I have to post on
Instagram ㅠ (said cutely)“, enquanto a tradução para o português (Figura 5)
não faz este tipo de inclusão, mas acrescenta acentuação solta como forma de
entonação na mensagem expressando sono (destacado em negrito), o que não
aparece na tradução em inglês: “Eu não pude deixar de postar uma foto
extremamente fofa do Raeonnie no meio do lançamento do álbum”, “mas
porque meu rosto parecia tão inchado naquele dia no vídeo do Photocard
Studio?”, “Estou com sono~~” , “Mas tenho que postar as fotos no insta”.
Neste conjunto analisado, a fanbase INTL, por não ter em inglês um termo
modificador da forma que o idol usou em sua mensagem, precisa indicar entre
parênteses que a frase não é simplesmente aquilo que está escrito, mas que
há um tom “fofo” no texto — o mesmo acontece na fanbase brasileira, que
neste caso, ao contrário do que faz com certa frequência, não incluiu o “escrito
fofinho” no final, o que se dá, possivelmente pela fonte da tradução do coreano
para inglês. As traduções para o português do conjunto analisado foram
retraduzidas da tradução do coreano para o inglês feita por outro usuário
(mye0nportrait) da rede social (Figura 5) que provavelmente não acrescentou
as indicações de entonação e contexto ao texto traduzido, em outras situações,
quando o texto em inglês utilizado como fonte para a tradução para o
português é da fanbase INTL KAI, há o acréscimo de contextualizações,
explicações e indicações de entonação fofa (como no exemplo da Figura 6,
que traz trechos do conjunto de mensagens enviadas por Kai em 27 de
novembro de 2020), pois isto está no texto-fonte.
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Figura 5 – Sequência de mensagens traduzidas pela fanbase KAI BRASIL
Fonte: https://twitter.com/exokaibrasil
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do que é fluido, mas preso por convenções elaboradas pelo pensamento
humano.” [Ribeiro, 2020, p. 126]
“o escritor não enfrenta a língua, mas uma interação entre línguas e usos,
aquilo que denominamos interlíngua. Vamos entender por isso as relações
que entretêm, numa dada conjuntura, as variedades da mesma língua, mas
também entre essa língua e as outras, passadas ou contemporâneas. É a partir
do jogo dessa heteroglossia profunda, dessa forma de ‘dialogismo’ (Bakhtin),
que se pode instituir uma obra.”
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forma “fofinha” vista nas mensagens enviadas para os fãs no aplicativo é
característica de seu gestual e de sua forma de escrever.
E o mesmo acontece nas traduções, incluindo nas traduções feitas por grupos
de fãs que são produtores [de conteúdo] ativos no fandom. A pessoa
encarregada de traduzir um texto, neste caso, as mensagens enviadas no
Bubble, terá que não só traduzir as palavras, mas as interações e usos que
este texto evoca e o tom que ele intende passar.
Referências
Ma. Vitória Ferreira Doretto é doutoranda e mestra em Estudos de Literatura
pela Universidade Federal de São Carlos, integrante do Grupo de Pesquisa
COMUNICA - inscrições linguísticas na comunicação, do Laboratório de
Escritas Profissionais e Processos de Edição e pesquisadora associada à
Curadoria de Estudos Coreanos da Coordenadoria de Estudos da Ásia da
Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: vitoriaferreirad23@gmail.com.
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SALGADO, Luciana Salazar. “A interlíngua de Atrás da Catedral de Ruão” in
Crítica & Companhia, ano 6, 2006. Disponível em:
http://www.criticaecompanhia.com.br/luciana.htm
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