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Caro(a) aluno(a),
Dispensem tempo específico para a leitura deste material, produzido com muita
dedicação pelos Doutores, Mestres e Especialistas que compõem a equipe
docente da Faculdade Anísio Teixeira (FAT).
Leia com atenção os conteúdos aqui abordados, pois eles nortearão o princípio
de suas ideias, que se iniciam com um intenso processo de reflexão, análise e
síntese dos saberes.
Atenciosamente,
Setor Pedagógico
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SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 ............................................................................................................................ 4
O ESTADO, A POLÍTICA EDUCACIONAL E A REGULAÇÃO DO SETOR
EDUCAÇÃO NO BRASIL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA ...................................... 4
1. Prenúncios da educação como uma questão nacional .................................................................... 4
2. O processo de constituição da educação como setor ...................................................................... 9
3. O setor educacional no processo da modernização brasileira ...................................................... 16
3. 1. A primeira fase ....................................................................................................................... 16
3.2. A segunda fase ........................................................................................................................ 21
Bibliografia ......................................................................................................................................... 25
CAPÍTULO 2 - POLÍTICA EDUCACIONAL COMO POLÍTICA SOCIAL: UMA
NOVA REGULAÇÃO DA POBREZA ................................................................................ 27
1. As políticas sociais no Brasil: para uma regulação focalizada ........................................................ 30
2. A reforma educacional no âmbito da reforma do Estado brasileiro: desregulamentação e
desproteção ....................................................................................................................................... 32
3. O lugar da assistência na política educacional: os programas de renda mínima .......................... 37
4. A política educacional atual como política social de alívio à pobreza: apontamentos finais ........ 41
CAPÍTULO 3 - DESCENTRALIZAÇÃO EDUCACIONAL: CARACTERÍSTICAS E
PERSPECTIVAS .................................................................................................................... 46
1. Descentralização, o conceito.......................................................................................................... 46
2. A descentralização sob diversas perspectivas................................................................................ 48
3. Variação da descentralização: formas ou tipos ............................................................................. 51
4. O processo de descentraliza cão no interior das organizações ..................................................... 53
5. A descentralização educacional no Brasil sob o ponto de vista histórico ...................................... 54
6. A referida Constituição teve vida curta ante a mudança de regime político................................. 56
7. O novo contexto da descentralização educacional ........................................................................ 57
8. A descentralização sob o ponto vista político e administrativo..................................................... 59
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CAPÍTULO 1
O ESTADO, A POLÍTICA EDUCACIONAL E A REGULAÇÃO DO
SETOR EDUCAÇÃO NO BRASIL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA
Este artigo trata do modo como a educação no Brasil se constituiu como um setor que
se tornou alvo de políticas públicas, em estreita articulação com as características que moldaram
o seu processo de modernização e desenvolvimento. Por meio de uma abordagem histórica, em
que se destacam marcos da política educacional, procura-se demonstrar como o tratamento da
questão educacional tem sido sempre condicionado pelos valores autoritários que presidem as
relações sociais brasileiras e que se incrustaram em nossa cultura desde os tempos coloniais.
Dessa perspectiva, busca-se estabelecer os nexos entre o universo cultural e simbólico próprios
do país, as definições e rumos das políticas públicas de educação e a persistência de um padrão
educacional excludente e seletivo, que acaba por negar, ainda hoje, o direito à escolarização
básica de qualidade à grande parte da população.
No Brasil, tal como em outras realidades, a questão educacional emerge como um tema
socialmente problematizado no bojo da própria estruturação do Estado-Nação. Articulando-se
à singularidade do processo que forjou a emancipação política brasileira, essa questão será,
desde logo, condicionada pelas marcas conservadoras inerentes a esse processo.
As forças hegemônicas que impulsionaram o movimento da independência nacional
não eram opostas à ordem patrimonial estruturada durante o período colonial. Tratava-se de
grandes proprietários de terras e outros estratos privilegiados na estrutura da colônia, unidos
pelo interesse comum de conquistar a emancipação, para que pudessem realizar politicamente
sua condição econômica e social de estamentos dominantes. O objetivo, pois, era libertar as
atividades produtivas do domínio metropolitano sem alterar a estrutura socioeconômica,
apoiada no grande latifúndio e no regime, de trabalho escravo. Inexistiu em tal processo a luta
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entre forças econômicas e sociais opostas, que caracterizou a implantação da ordem burguesa
em outras sociedades. Libertadas do domínio português, as estruturas coloniais foram
preservadas pela monarquia brasileira, implicando o fortalecimento dos mecanismos de
dominação próprios do poder privado (Prado Júnior, 1959; Faoro, 1975; Martins, 1976).
Apesar desse conservadorismo, foi, porém, o ideário liberal o acionado como substrato
doutrinário do novo momento. Suas formulações, filtradas e adaptadas pelos interesses
prevalecentes, forneceram a justificação para o projeto da sociedade livre.
É nítido, no entanto, o contraste entre a utilização que aqui se fez do ideário liberal e
o seu emprego nos países em que teve berço. Nestes, o liberalismo constituiu-se na base
doutrinária para a promulgação dos direitos civis, contribuindo, assim, para viabilizar o
predomínio das relações de assalariamento, fundamentais para a afirmação da ordem burguesa.
Aqui, as relações de trabalho escravo sequer foram postas em xeque: muito pelo contrário, os
princípios liberais, num ato criativo, foram utilizados para legitimar a própria servidão.
A primeira Constituição, de 1824, pode ser tomada como indicadora do referencial
normativo que então se implantava. Num país onde os escravos correspondiam a mais de um
terço da população (Costa, 1968: 123), a norma legal prescreveu: "A inviolabilidade dos direitos
civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual
e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império [...]" (Constituição de 1824, artigo
179, apud Barcelos, 1933:268).
Os valores de uma cultura escravagista, forjada há mais de três séculos, continuavam
a estruturar as representações sociais, legitimando a apreensão do "escravo" como "coisa" e
propriedade particular. Este sequer era considerado brasileiro, e muito menos cidadão. Ao
mesmo tempo, a manutenção do domínio patrimonial sobre os contingentes de homens livres e
pobres também foi resguardada legalmente, pelo modo como se regulamentou a cidadania ativa.
Cidadãos plenos, ou ativos, em termos do gozo dos direitos políticos, foram considerados
apenas uns poucos. Excluiu-se do usufruto dos direitos políticos todos "os criados de servir"
[nota: 1], reservando-se a cidadania apenas aos indivíduos que dispusessem de renda líquida
anual "correspondente a 100$000 por bens de raiz, indústria, ou emprego" [nota: 2].
Esse referencial vai balizar, também, o tratamento concedido à educação. Em seu
artigo 179, a Constituição do Império garantiria a todos os cidadãos "a instrução primária e
gratuita, [e] os colégios e universidades, onde serão ensinados os elementos das ciências, belas-
letras e artes" (apud Barcelos, 1933:269). Nas condições históricas em que se forjou o
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reconhecimento legal desse direito, o que estava em discussão não era a escolaridade das
massas. A reprodução da força de trabalho prescindia desse tipo de qualificação, bem como da
atuação da escola como veículo ideológico para um determinado padrão de sociabilidade. É
desnecessário dizer que também não estavam em questão respostas a demandas pela extensão
da cidadania.
A predominância da cultura escravocrata nas representações sociais das elites
senhoriais e, portanto, na orientação conservadora das suas práticas vai configurar uma
valorização própria da escola. Esta constrói-se em oposição ao mundo do trabalho, justificando,
assim, a estruturação no país de um sistema dual de ensino, nos moldes europeus, mas
guardando as especificidades da realidade brasileira [nota: 3].
Um dos sistemas destinava-se a atender às demandas educacionais das elites. Para
tanto, procurou-se fortalecer internamente as estruturas educativas coloniais, agregando-se
novas instituições de ensino superior àquelas criadas durante a permanência da família real no
país. O poder central assumia a responsabilidade sobre os cursos preparatórios, o ensino
secundário acadêmico e o superior, a serem ministrados tanto pelo poder público como pela
iniciativa privada, em estabelecimentos religiosos ou leigos. A predominância será, entretanto,
da iniciativa privada na oferta do ensino secundário e dos cursos preparatórios. Esse sistema é
que permitia a notabilização através da escola. Seus produtos finais eram, principalmente, os
bacharéis e letrados, habilitados para exercer os cargos públicos na burocracia e outras
atividades liberais. Nesse padrão educativo foram formadas as elites que conduziram os
destinos do país até a Primeira República.
O outro sistema deveria encarregar-se da educação do povo. No contexto social em
que foi criado, destinava-se, portanto, à população livre e pobre. De responsabilidade das
províncias e, mais tarde, dos estados, esse sistema, origem da futura rede de ensino pública e
gratuita, compreendia o que se concebia na época como ensino primário e o ensino secundário
eminentemente vocacional. Aos homens reservava-se o aprendizado de ofícios manuais e às
mulheres, o treinamento nas prendas do lar, ensino que seria paulatinamente transformado em
preparação para o exercício do magistério primário.
Produziu-se, assim, como reflexo da rígida estratificação da sociedade brasileira, uma
dicotomização da escola. O sistema de ensino que se pretendeu reservar aos pobres, fechado e
impermeável, não encontrava correspondência nem equiparação com o outro sistema, próprio
das elites. Seus usuários teriam aí suas únicas possibilidades de instrução. Uma vez que seu
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objetivo era preparar para o trabalho, o acesso a ele significava, de certa forma, um fator de
desqualificação social. Socialmente reconhecida era a educação ornamental, ou seja, a educação
"bacharelesca e livresca", já que a vocacional se identificava com o mundo da escravidão
(Azevedo, 1944).
Quem freqüentou-o, entretanto, não foram os pobres. As poucas vagas ofertadas
serviram a outra clientela: as camadas médias emergentes. As escolas primárias públicas
acabaram por atender à demanda por educação dessas camadas. O mesmo ocorreu com o ensino
vocacional feminino, o qual adquiriu certo prestígio social por atribuição da sua clientela. Isto
é verdadeiro, sobretudo, para os cursos normais. Nesse contexto, é sobre as escolas que ensinam
os ofícios masculinos que incidiria o estigma da educação dos pobres. São estas, pois, que
realmente desenvolveram algum tipo de educação popular.
É oportuno lembrar, neste ponto, as especificidades das transformações econômicas e
políticas ocorridas no país no século XIX. Conquanto a sociedade evoluísse no sentido da
afirmação da ordem burguesa e da quebra do poder econômico dos proprietários rurais
desvinculados da produção cafeeira, a adoção do trabalho livre não encontrou, então,
correspondência numa necessidade interna de qualificação da força de trabalho. As lavouras
cafeeiras, pólo dinâmico do processo de acumulação, serviram-se dos trabalhadores imigrantes
estrangeiros, e na maior parte dos demais setores da economia empregava-se o braço escravo
(Fernandes, 1977; Prado Júnior, 1959).
Nesse contexto, tampouco se colocava a questão do exercício dos direitos políticos
pela maior parte da população. Essa questão só irá aparecer durante a República Velha e de
acordo com os parâmetros que o poder oligárquico assumirá nesse período. Tais parâmetros
vão se concretizar no acionamento do "voto de cabresto" e nas práticas coronelistas quando da
utilização dos "currais eleitorais", entre outros recursos fraudulentos, para que se garantisse a
legitimidade política dos poderosos (Leal, 1975; Queiroz, 1976). Assim, pode-se dizer que tanto
no Império como na Primeira República, guardando-se as devidas nuanças, a educação para o
voto era um detalhe sem significação.
Em suma, a predominância do caráter agroexportador da economia e os moldes em
que as atividades agrícolas eram praticadas não faziam da escolarização um problema. O
mandonismo e o poder pessoal como formas de articulação dos interesses sociais garantiam,
seja pelas teias de lealdades, seja pela violência explícita, o conformismo das massas (Franco,
1976). Nos centros urbanos, onde estas vão encontrar algum espaço para reivindicar direitos, a
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questão social será tratada como "caso de polícia". A violência com que foram reprimidas as
greves no início deste século são o exemplo paradigmático.
Contudo, mesmo não sendo uma necessidade premente, a problematização da
educação dos subalternos não saiu de cena em nenhum instante ao longo desse período, ainda
que não se tenham efetivado ações substantivas do Estado nessa direção. Na segunda metade
do século XIX, a questão educacional, tal como foi formulada pelos segmentos da elite adeptos
da doutrina liberal, voltaria à pauta do dia, impulsionada pelo revigoramento do ideário
republicano que se encarregou de realimentar o debate. A questão será problematizada a partir
dos valores predominantes na sociedade, ou seja, será balizada por representações sociais sobre
os subalternos que tinham por parâmetro a sua condição de inferioridade.
Por essa época, a utilização do trabalho livre começava a se impor. A conjuntura
internacional e as medidas tomadas internamente apontavam para a inexorabilidade da abolição
da escravatura. Para alguns, urgia, portanto, educar as massas, tidas como improdutivas, sem
moral, incapacitadas. Na visão destes, os "inovadores", a educação apresentava-se como um
poderoso instrumento de moralização e de adestramento para o trabalho. Evidentemente, a
questão do usufruto de um direito não se colocava nesse contexto, como ilustram as citações
abaixo:
[...] porém toda a despesa feita com a instrução do povo importa na realidade uma
economia, porque está provado, por escrupulosos trabalhos estatísticos, que a educação
diminuindo consideravelmente o número de indigentes, dos enfermos e dos criminosos,
aquilo que o Estado despende com as escolas poupa em maior escala com asilos,
hospitais e cadeias. Por outro lado a instrução, moralizando o povo, inspirando-lhe o
hábito e o amor ao trabalho, que é tanto mais fecundo quanto mais inteligente e instruído
é aquele que o executa, desenvolve todos os ramos da indústria, aumenta a produção e
com esta a riqueza pública e as rendas do Estado [nota: 4].
Façamos, porém, quanto estiver ao nosso alcance por não sermos os últimos no
caminho que vão trilhando as nações cultas. [...] As somas destinadas ao desenvolvimento da
educação popular dentro em breve serão compensadas pela diminuição da despesa de repressão
[...] Alavanca poderosa para remover muitas coisas do atraso político, o ensino público é um
elemento de moralização abrandando os costumes, confirmando pelo esclarecimento da razão
os bons sentimentos que Deus lançou em gérmen no coração do homem. Dispenso-me de outras
considerações para demonstrar que o Poder Legislativo não pode inaugurar mais dignamente a
nova era de paz que dando alentado impulso ao ensino público no Brasil [nota: 5].
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É no mais lamentável desleixo que crescem os meninos pertencentes às classes pobres.
[...] quando chegam à idade em que têm de pedir ao trabalho seus meios de vida, manifestam
então os vícios e maus hábitos que contrariam na quadra, a mais esperançosa, de sua existência.
[...] Outro tanto não aconteceria, se, desde os seus primeiros anos, se acostumassem ao trabalho
moralizador, se, bem dirigida a sua educação no sentido da indústria, adquirissem certos hábitos
de ordem, certo apreço àqueles gozos naturais que s6 se obtêm mediante o emprego conveniente
do tempo. Estou convencido de que, se em cada uma das comarcas em que se subdividem as
nossas Províncias, estabelecimentos houvesse com destino à educação industrial da infância,
teríamos dentro de poucos anos realizado uma benéfica transformação das classes indolentes
em 'operários úteis. (Rouen, 1878, apud Mello, 1956:41)
Nesse período, entretanto, não se pode falar ainda da educação como uma questão
nacional. Com essa característica ela só se configurará nas décadas iniciais deste século, no
bojo do movimento que vai consolidar a afirmação da ordem capitalista no país, quando o
campo educacional é estruturado como um setor e têm início as ações sistematizadas do Estado
visando à sua regulação.
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O exercício do poder pessoal e o mandonismo ganham vigor por meio de novas faces.
As práticas clientelísticas e o apadrinhamento político impõem-se como substrato do
coronelismo. A legitimidade do poder oligárquico estruturou-se em articulação com os
interesses dos potentados locais, tendo por veículo o controle dos empregos públicos (Leal,
1975; Queiroz, 1976). Para as elites dominantes, "os outros não contavam". Mas esses outros
que "não contavam" teimavam em aparecer na estrutura social que se complexificava para à
evolução das atividades econômicas. Nos centros urbanos mais desenvolvidos, o operariado se
constituía como classe. Nascido do seio da imigração européia, diferenciava-se das massas
dominadas pelas velhas oligarquias por orientar suas práticas pelo anarco-sindicalismo e, em
seguida, pelo ideário socialista. Reivindicações e lutas pelos direitos do trabalho vão mobilizar
e organizar o nascente operariado.
As classes médias já se delineavam com maior clareza. Sobre elas também incidiu o
ônus da política econômica do Estado oligárquico, levando-as a mobilizações em busca de
espaços que permitissem sua participação no poder, clamando pela derrubada da ordem política
vigente. Em aliança com o empresariado urbano, fizeram seu o projeto de moralização dos
processos políticos.
Este foi o contexto, enfim, em que a educação passou a ser problematizada como uma
questão nacional. As iniciativas da Primeira República nessa área foram modestas. Criaram-se
as universidades, mas a estrutura dual do sistema de ensino permaneceu. O princípio federalista,
descentralizador, manteve o ensino primário público como de responsabilidade dos estados,
mas não se registram ações estaduais significativas visando à escolarização em massa. A
despeito da eloqüência da retórica republicana em favor da universalização do ensino
fundamental [nota: 6], as oportunidades educacionais não foram ampliadas.
No início deste século, os índices de analfabetismo atingiam cerca de 80% do total da
população. Entre os contingentes de quinze e mais, esse índice era de 65%, situação que se
manteve praticamente a mesma até o limiar da década de 20 (Paiva, 1973).
A problemática educacional emerge com vigor em meio à efervescência que tomava
conta do país a partir da Primeira Guerra Mundial, entremeada com o movimento nacionalista
e as transformações que, paulatinamente, vão se operando na sociedade.
O fortalecimento do grupo urbano-industrial encontrou correspondência na ampliação
dos setores médios e do operariado urbano. Os segundos, em articulação com o primeiro, vão
abraçar a causa do nacionalismo e da industrialização e desencadear a luta pela reestruturação
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do poder político. Contra as práticas extralegais que legitimavam as elites oligárquicas no
poder, propunham o estabelecimento de uma outra ordem.
No campo educacional, essas forças vão pugnar pela escolarização das massas,
mediante campanhas de alfabetização, e pela universalização do ensino primário. Cobravam-se
ações do poder central tanto no sentido de prover fundos quanto no de estabelecer uma política
nacional de educação (Nagle, 1974).
É importante salientar o papel que as classes médias assumem nesse processo. São elas
que vão se encarregar da articulação dos interesses educacionais da população e da constituição
da própria educação como setor, garantindo, com isso, possibilidades de influência na política
setorial estabelecida pelo Estado a partir dos anos 30.
Os primeiros núcleos de tratamento mais sistemático da questão educacional foram
constituídos nas ligas que se formaram à época, por iniciativa de militares e de políticos.
Naquele momento, as conseqüências da guerra impulsionavam o movimento nacionalista e
favoreciam a visibilidade do grupo urbano industrial que procurava fraturar o poder das
oligarquias tradicionais como meio de viabilizar os seus interesses. Nessa perspectiva, o
movimento nacionalista assume a defesa desses interesses, que também compreendiam a
questão educacional. Sanear a nação e moralizar os processos políticos implicavam escolarizar
as massas. Os baixos índices de escolaridade e as taxas de analfabetismo, nesse contexto, são
interpretados como a causa de todos os males.
Hoje não há quem não reconheça e não proclame a urgência salvadora do ensino
elementar às camadas populares. O maior mal do Brasil contemporâneo é a sua porcentagem
assombrosa de analfabetos. [...] O monstro canceroso, que hoje desviriliza o Brasil, é a
ignorância crassa do povo, o analfabetismo que reina do norte ao sul do país, esterilizando a
vitalidade nativa e poderosa de sua raça [nota: 7]. [...] o analfabetismo não é só um fator
considerável na etiologia geral das doenças, senão uma verdadeira doença, e das mais graves.
Vencido na luta pela vida, nem necessidades nem ambições, o analfabeto contrapõe o peso
morto de sua indolência ou o peso vivo de sua rebelião a toda idéia de progresso, entrevendo
sempre, na prosperidade dos que vencem pela inteligência cultivada, um roubo, uma extorsão,
uma injustiça. [...] O analfabeto é um microcéfalo: a sua visão física é estreitada, porque embora
veja claro, a enorme massa de noções escritas lhe escapa; pelos ouvidos passam palavras e
idéias como se não passassem; o seu campo de percepção é uma linha, a inteligência, o vácuo;
não raciocina, não entende, não prevê, não imagina, não cria [nota: 8].
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Chama-se a atenção para o sistema de significados subjacente a essas proposições. De
um lado, encontram-se representações sobre o povo. Considerando-se que o analfabetismo
atingia cerca de 80% da população, e que os analfabetos são representados como incapazes,
virulentos, inertes e improdutivos, pode-se concluir que esta era a imagem que se fazia da maior
parte da população brasileira. À idéia da incapacidade do povo e da sua condição de pária,
contrapunha-se a necessidade do seu tutelamento pelas elites.
Cabe notar, por outro lado, a natureza fantasmagórica das representações que se faziam
sobre a educação, em que eram obscurecidos os determinantes econômicos e políticos que
conduziam à pobreza e à exclusão. A ela se atribuía a condição de panacéia, capaz de resolver
todos os problemas nacionais.
No interior do movimento nacionalista iriam se destacar os militares, adeptos da
industrialização, que viam na formação das ligas um dos espaços de luta para se reconstruir o
país. O projeto que os guiava não fugiu, no entanto, dos valores autoritários cristalizados na
cultura brasileira. Na sua visão, instruir o povo significava torná-lo a fonte de votos que deviam
legitimar novos grupos no poder; dirigir a nação, porém, era tarefa para as elites (Carone, 1970).
Em 1915 é criada a Liga de Defesa Nacional, orientada por uma concepção
nacionalista-industrializante. Propunha-se a transformar as massas amorfas e incapazes no povo
da nação brasileira; para tanto, urgia dotá-las de uma consciência cívica e adestrá-las para o
trabalho. Essa alquimia deveria se processar através do serviço militar e do acesso à educação.
Pugnava-se pela necessidade de proteger os incapazes e salvá-los dos perigos que rondavam as
cidades: os imigrantes e suas idéias alienígenas. Nesse contexto, a luta dos operários urbanos
pelos direitos do trabalho era identificada com o anarquismo dos "elementos estrangeiros" e
vista como fomentadora das agitações que conturbavam a paz social (Carone, 1970).
Nesse mesmo ano (1915), a partir do Clube Militar do Rio de Janeiro, é fundada a Liga
Brasileira contra o Analfabetismo, concebida como "um movimento vigoroso e tenaz contra a
ignorância visando à estabilidade e à grandeza das instituições republicanas". Propunha-se a
"combater o analfabetismo no Brasil e se esforçar para que, ao comemorar o primeiro centenário
da sua Independência, possa a Nação Brasileira proclamar livres do analfabetismo as suas
cidades e vilas" (apud Paiva, 1973:96-97).
Em São Paulo, a Liga Nacionalista, origem do futuro Partido Democrático, será outro
espaço de tratamento da questão educacional. Seus esforços vão se concentrar na instrução
popular, vista como condição para ampliar as bases eleitorais e para a implantação do regime
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democrático (Paiva, 1973:97). Suas campanhas de alfabetização, além de vincularem-se ao
alistamento eleitoral e à defesa do voto secreto, não deixavam de abranger a educação cívica,
com a qual se buscava garantir a qualidade do voto e a regeneração do caráter nacional
(Carvalho, 1989:42). A presença dos imigrantes, símbolo das lutas do trabalho, é sempre
representada como severa ameaça:
A alfabetização do povo é, na paz, a questão nacional por excelência. Só pela solução
dela, o Brasil poderá assimilar o estrangeiro que aqui se instala em busca de fortuna esquiva.
Do contrário, é o nacional que desaparecerá absorvido pela inteligência mais culta dos
imigrantes. Não há como fugir ao dilema: ou o Brasil manterá o cetro dos seus destinos,
desenvolvendo a cultura dos seus filhos, ou será, dentro de algumas gerações, absorvido pelo
estrangeiro que para ele aflui [nota: 9].
A setorização do campo educacional vai ganhando impulso nesse contexto. Um
acontecimento marcante nessa direção ocorre a partir de 1924, com a fundação, no âmbito da
sociedade civil, da Associação Brasileira de Educação (ABE). Tratou-se da primeira entidade
nacional a congregar profissionais da área e diletantes da educação. A partir dela é que os
profissionais da educação passam a ser reconhecidos socialmente como tal.
A princípio, a ABE constitui-se como um espaço de estudos da causa educacional e
pela sua propagação. Integraram os seus quadros professores, jornalistas, advogados, políticos,
escritores, engenheiros, funcionários do governo, enfim, todos os interessados na luta pela
educação. Com sede no Rio de Janeiro, a Associação enraizou-se pelo Brasil através de seções
regionais. Sua atuação desenvolveu-se no sentido da construção de proposições visando à
implantação de uma política nacional de educação, regulada a partir do poder central. Sua arma
mobilizadora mais forte foram as conferências e os congressos nacionais (Cunha, L. A., 1981:
12).
Subjacente à causa educacional, um projeto mais amplo aglutinava seus integrantes: a'
realização de uma reforma cívica e moral na sociedade, na perspectiva da construção do seu
futuro. Erradicar a ignorância para garantir o voto consciente, ampliar o número de eleitores,
formar e organizar a opinião pública faziam parte do projeto político de uma grande reforma de
costumes que ajustasse os homens "a novas condições e valores de vida, pela pertinência da
obra da cultura, que a todas as atividades impregne, dando sentido e direção à organização de
cada povo" [nota: 10].
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Mesclavam-se nos quadros da ABE as mais distintas correntes ideológicas, o que
explica a presença de múltiplos projetos educativos. Entre seus militantes havia tanto os que
defendiam o projeto liberal democrático para a sociedade, como os que se perfilavam na defesa
do projeto autoritário das reformas, tal como o que se consubstanciará na ditadura de Vargas
em 1937 (Cury, 1978; Cunha, C., 1981). Em termos educacionais, entretanto, predominaram as
propostas de universalização do ensino primário leigo, obrigatório e gratuito, sob a
responsabilidade do Estado; de unificação do sistema dual, e de fortalecimento da atuação da
União sobre o setor. Reconhecia-se, porém, que a questão não era a simples expansão das
oportunidades educacionais. Novos princípios deveriam conduzir uma ampla reforma, na qual
o espírito científico, incorporado aos currículos, constituir-se-ia no requisito para a garantia da
qualidade do ensino, por oposição ao ensino academicista, livresco e bacharelesco [nota: 11].
No campo pedagógico, a ABE teve entre seus interlocutores um ator especial: a Igreja
Católica, instituição que vinha sendo responsável por fatia significativa da educação brasileira
desde os tempos coloniais. A separação entre a Igreja e o Estado com a República não alterara
essa posição. A rede privada de ensino era praticamente de sua responsabilidade. Nos calorosos
debates que se estabelecem no período, chega-se a responsabilizá-la pelos altos índices de
analfabetismo, "por ter deixado de lado a educação das camadas mais baixas e se dedicado
apenas à educação das elites". A ela se atribui "o maior quinhão de responsabilidade em
possuirmos 80% de analfabetos" (Serva, 1924, apud Paiva, 1973:318).
O caráter de laicidade que se imprimiu à República, aliado à intensa veiculação do
liberalismo-nacionalista a partir da guerra, suscitaram reações da Igreja. As pressões para que
o Estado assumisse a responsabilidade do ensino ameaçavam o seu monopólio na área, levando
o clero a se colocar com visibilidade nas trincheiras de luta.
O marco dessa reação é a Pastoral publicada pela Igreja em 1916, em que se propunha
uma ação decisiva para alterar as bases agnósticas e laicistas do regime. O documento apelou
para o reconhecimento do catolicismo como elemento inerente ao caráter nacional e reivindicou
o retorno do ensino religioso e do reconhecimento do Estado como nação católica. Abordou
ainda as questões da formação de uma elite e da mobilização de leigos em torno da difusão das
teses católicas. Isto na perspectiva de se ter quadros capazes de influenciar na, recristianização
das elites, vistas como "tomadas" pelos males da civilização burguesa e liberal (Cury, 1978).
Em termos do projeto educacional, a Igreja colocava-se em contraposição às idéias renovadoras
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propagadas pela ABE: contra o monopólio estatal na área e a favor dó ensino acadêmico,
classicista e sobretudo classista.
Esses conflitos tomar-se-ão mais visíveis a partir dos anos 30. Os principais embates
ocorreram no processo constituinte de 1934 e, mais tarde, durante os treze anos em que tramitou
a proposta de reforma educacional promulgada em 1961. Nesse contexto, a Igreja Católica,
posicionando-se contra a laicidade da educação e o seu monopólio pelo Estado, servirá à defesa
dos interesses privatistas que predominaram no setor, principalmente nos níveis médios.
Por outra parte, importa destacar que, por intermédio da ABE, o campo educacional
vai se firmando. A Associação é o principal espaço que dará concretude e reconhecimento aos
especialistas em Educação. Entretanto, o setor se constituiu guardando os traços autoritários
presentes na cultura brasileira. Os intelectuais que ela congregou se auto-representaram como
a elite a quem caberia dirigir, através da educação, o processo de transformação do país. Em
suas práticas, não se reservou o lugar de interlocução para aqueles a que se destinavam suas
ações (Carvalho, 1989:57).
É a partir dessa Associação que nascem os "pioneiros da educação", a primeira geração
de educadores reconhecida como tal, à qual coube difundir, de modo sistematizado, as idéias
escolanovistas no Brasil e imprimir à educação o seu caráter social. Contrapondo-se ao
predomínio que a Igreja Católica vinha mantendo sobre a escolaridade, essa geração lutou pela
universalização e laicidade do ensino primário e por sua efetiva assunção por parte do Estado,
exigindo, nessa luta, que o poder público concedesse maior prioridade à área educacional.
É importante lembrar o processo pelo qual as sociedades vão se setorizando e como se
origina a regulação estatal nesse processo. Os setores são "conjuntos de papéis sociais
estruturados em torno de uma lógica vertical e autônoma de reprodução" (Müller, 1985:166).
Nesse sentido, encarregam-se de organizar e estruturar os novos papéis sociais que conferem
aos indivíduos suas identidades profissionais. "É precisamente este processo de setorização da
sociedade que vai gerar novos modelos de intervenção estatal, através do nascimento das
políticas setoriais, elas próprias constitutivas do Estado Moderno" (idem: 167).
Em relação à área da política em destaque, é possível afirmar que, entre os anos 1910
e 1920, imprimiu-se à educação o caráter de uma questão nacional, passando-se ao mesmo
tempo a reconhecer a existência de especialistas na área. A regulação nacional do setor teve
início no bojo das transformações operadas no país a partir dos anos 30 suscitando o processo
15
da industrialização brasileira. Estabeleceram-se, então, as normas que iriam determinar o
funcionamento homogeneizado dos níveis de ensino e a formação dos agentes do sistema.
O marco institucional dessa nova fase é a criação, logo em 1930, do então denominado
Ministério da Educação e Saúde, a partir do qual se instituem o Conselho Nacional de Educação
e o Conselho Consultivo do Ensino Comercial, responsáveis pelo estabelecimento das diretrizes
nacionais para os ensinos primário, secundário, superior e técnico-profissional e por sua
unificação a partir do poder central. As Leis Orgânicas do Ensino promulgadas durante o Estado
Novo e no ano de 1946 constituíram-se nos mecanismos pelos quais foram sendo fixadas
normas setoriais. A Constituição de 1934 estabeleceu a responsabilidade da União como
instância responsável pelo planejamento nacional da educação em todos os níveis e definiu a
sua competência na coordenação e fiscalização da execução desse planejamento. Um plano
nacional de educação, entretanto, só foi estabelecido a partir de 1961, depois da promulgação
do Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBN).
É possível dizer que, entre os anos 30 e a promulgação da LDBN, estabeleceram-se os
dispositivos legais e as normas básicas que permitiriam a regulação do Estado, em nível
nacional, sobre o setor educação. Isto em consonância com os processos de centralização e
complexificação do aparelho estatal segundo os parâmetros que assumiria a modernização
brasileira.
3. 1. A PRIMEIRA FASE
16
No Brasil, embora se empunhasse a bandeira da escola básica como bem público, o
impulso para a universalização da cobertura escolar deu-se apenas de forma pontual, ou
mediante arranjos que desqualificaram a oferta desses serviços, comprometendo a escolaridade
da maior parte da população e, por conseguinte, o seu acesso ao pleno exercício desse direito
de cidadania. O modo como evoluiu o sistema educacional articulou-se ao modelo imprimido
à modernização capitalista e ao processo pelo qual se estabeleceu um tipo peculiar de cidadania.
Como antes visto, é sobretudo depois da 'Primeira Guerra que os setores médios e as
classes trabalhadoras no Brasil vão, cada vez mais, ascender à cena política na condição de
categoria fundamental. Inicia-se, então, um processo de luta de amplos contingentes da
população por maior participação no debate e nas decisões econômicas e políticas. A
emergência desses atores articulou-se ao conjunto de transformações e de rupturas econômicas
e políticas que se processam na sociedade, marcando o ingresso do país na era da civilização
urbana-industrial (Ianni, 1978).
É oportuno lembrar, nesse quadro, o caráter de tais transformações econômicas. A
crise que atingiu o espaço capitalista internacional ao final dos anos 20 acentuara a importância
do mercado interno, que já vinha crescendo há algum tempo, em conseqüência da adoção do
trabalho assalariado. O crack de 1929, ao tornar inexorável a queda das exportações, alterou os
rumos da economia, colocando-os no sentido do mercado nacional: Os c;1pitais acumulados no
setor cafeeiro passaram a ser investidos em outros setores produtivos, num movimento que
assinalou a passagem do modelo agroexportador, vigente desde a Colônia, para o modelo de
substituição de importações. Intensificou-se, desse modo, a fabricação no país dos produtos
acabados, antes alvo de importações, e um tipo de produção agrícola também destinada à
satisfação do mercado interno. Essas práticas, que se tornaram o sustentáculo da economia
brasileira durante a crise, teriam sido as responsáveis, por assim dizer, pela emergência do novo
modelo econômico: o de substituição de importações (Tavares, 1972).
O processo de industrialização, então instalado, desenvolveu-se tendo por parâmetro a
demanda anteriormente atendida pela importação de produtos manufaturados. Teve-se, pois,
um impulso ao desenvolvimento que é típico dos países subdesenvolvidos, conforme sublinha
Furtado (1973). Trata-se das situações em que o progresso técnico não se constitui na força
propulsora de acumulação, provocando, por sua vez, as modificações estruturais que surgem
em função de mudanças no perfil da demanda. O movimento constrói-se praticamente em
sentido contrário: na medida em que é a demanda a impulsionadora da industrialização, o
17
progresso técnico não é o seu suposto. Em decorrência, o mesmo é sempre absorvido como
conseqüência, o que também se explica pela inserção subordinada desses países no espaço
capitalista internacional.
É este um dos vetores que impulsionou o processo de modernização capitalista no
Brasil. A substituição de importações, mediante a produção internacional de bens de consumo,
para uma fatia seleta do mercado, implicou a importação de know-how e de tecnologias com
um grau cada vez maior de sofisticação. Tal modelo caracterizou-se, desde então, como um
modo excludente de desenvolvimento, que encontraria sua viabilidade pela continuidade de
predominância das formas autoritárias de articulação dos interesses sociais. Nesse contexto, o
fato de o avanço técnico-científico não se constituir na mola propulsora da modernização
refletiu-se nas formas de tratamento da questão educacional. Esta não assumiu maior relevância
nos projetos que se forjaram, implicando a permanência de padrões arcaicos no sistema de
ensino que se expandiu.
Nesse contexto, o processo de industrialização não implicou o rompimento com a
antiga ordem tradicional. Em princípio, as exportações forneceram as divisas para a importação
das tecnologias necessárias à produção manufatureira interna. Além disso, forjou-se um pacto
de poder que permitiu a continuidade das antigas estruturas de dominação, num arranjo em que
se conciliaram os velhos e os novos interesses. Enfim, os processos políticos que se
engendraram pressupôs a conservação de velhas práticas de dominação, muito embora
atualizadas e adaptadas à realidade da sociedade que se complexificou e evolui. O getulismo, a
forma corporativa de atendimento das demandas do trabalho, a "cidadania regulada", a
legislação sindical, a instauração da ditadura do Estado Novo, as práticas de cooptação, o modo
exógeno de surgimento dos partidos políticos, a vigência restrita da democracia política no pós-
guerra, a predominância das práticas populistas no processo de incorporação das massas, o
golpe militar de 1964, são fenômenos que sintetizam o caráter autoritário desse sistema de
dominação, no desenrolar de todo o processo.
Na perspectiva de se estabelecer os nexos entre o setor educação e a modernização
brasileira, interessa destacar que o crescimento urbano, intensificado pelo processo de
industrialização e de suas conseqüências, acarretou pressões no sentido da ampliação das
oportunidades educacionais. Forjou-se, assim, uma demanda social por educação que acabou
resultando numa considerável expansão da oferta de ensino e no aumento dos níveis de
escolarização. Com efeito, as taxas de escolarização da população escolarizável, em nível
18
primário e médio, passaram de 21,43%, em 1940, para 53,72% em 1970, ao mesmo tempo que
decresceram significativamente os índices de analfabetismo. Entre a população de 15 anos e
mais, nos anos considerados (1940-1970), esses índices caíram de 56,2% para 33,1%
(Romanelli, 1978).
Mas é preciso ter presente o processo pelo qual se expandiu essa oferta. A despeito de
a educação ter passado a ser reconhecida como um direito universal, não se evidenciou maiores
esforços no sentido de se garantir a universalização do ensino fundamental. Nesse sentido,
apesar de a Constituição de 1934, pela primeira vez, ter confirmado a responsabilidade do
Estado pela oferta obrigatória e gratuita da escola primária, e de todas as demais constituições
até aqui promulgadas não deixarem de ratificar e de ampliar esse direito, o que historicamente
tem se verificado, na prática, é a sua violação.
Isto se torna visível no próprio padrão de evolução assumido pelo sistema de ensino.
A industrialização requereu um novo perfil da força de trabalho urbana, o que pressupôs uma
certa escolarização. Ao mesmo tempo, a diversificação das atividades ocupacionais, inerente
ao processo de modernização, suscitou a demanda pela ampliação das oportunidades
educacionais. Mas como o trabalho, no universo cultural que a sociedade escravocrata forjara,
constitui-se numa atividade que se identificava como.própria dos subalternos, o que vai ocorrer
é a própria expansão desordenada do modelo de sistema de ensino até então vigente.
A partir da reforma de Francisco Campos, teve início uma série de iniciativas visando
ao fortalecimento de uma estrutura voltada para o ensino técnico-profissional que se completou
nos anos 40. Promulgaram-se as leis orgânicas de ensino industrial e comercial e a iniciativa
privada criou o Serviço Nacional da Indústria (SENAI) e o Serviço Nacional do Comércio
(SENAC) (Romanelli, 1978). Articulou-se, assim, a educação e o treinamento dos trabalhadores
urbanos, mediante a parceria escola-empresa. O primário pré-vocacional e profissional- foi a
parte do sistema voltada para as "classes menos favorecidas", tal como explicitamente assumido
durante o Estado-Novo:
Ao aspirarem o status de elite, as classes médias vão lutar pela equivalência entre o
ensino médio e o acadêmico, de modo a terem acesso ao ensino superior. Nos pactos de
20
dominação que se forjaram, o poder de pressão desses contingentes será considerado.
Entretanto, a isto não correspondeu um projeto educacional articulado aos imperativos de um
modelo de desenvolvimento que tivesse por suposto a instauração de processos democráticos
substantivos. Nesse contexto, o Estado, ao mesmo tempo que estabelece o conjunto de normas
para a regulação do setor, vai atendendo pontualmente às demandas educativas. Expandiram-
se as oportunidades, sem que a escolarização primária universal fosse assumida concretamente
como uma prioridade.
24
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26
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CAPÍTULO 2 - POLÍTICA EDUCACIONAL COMO POLÍTICA
SOCIAL: UMA NOVA REGULAÇÃO DA POBREZA
RESUMO:
Aborda-se, neste artigo, a educação como política social no contexto das reformas educacionais em
curso no Brasil desde os anos de 1990. Parte-se da constatação de que o país viveu um intenso processo
de reformas educacionais, expresso em ações e medidas que alteraram a configuração do sistema, bem
como o objetivo das políticas. Identifica-se clara orientação de focalização da política educacional no
Brasil, obedecendo à mesma tendência evidenciada na condução das políticas sociais em geral e
problematiza-se os programas de renda mínima associados à educação.
Palavras-chave: Política e educação. Brasil -Política social. Educação e Estado. Reforma do ensino-
Brasil.
INTRODUÇÃO
1
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da FaE/UFMG. Doutora em Educação pela FE-USP.
Pesquisadora do CNPq. Membro da coordenação da Rede Latino-americana de Estudos Sobre Trabalho Docente
– Rede ESTRADO/CLACSO.
Coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre Gestão Escolar e Trabalho Docente – GESTRADO / CNPq.
2
Professora da Faculdade de Educação da UFMG. Doutora em Educação pela FAE/ UFMG. Membro do Grupo
de Pesquisa sobre Gestão Escolar e Trabalho Docente – GESTRADO/CNPq.
27
No Brasil os programas de renda mínima surgiram com uma estreita vinculação com
os programas educacionais e voltados para os estratos mais pobres da população, que se
encontram situados no patamar de mera sobrevivência ou de indigência. Os programas de renda
mínima deveriam ter, aqui, um importante lugar, considerando que o Brasil ostenta enormes
discrepâncias econômicas, figurando, no Relatório Mundial do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD) (2004), com a pior distribuição de renda no mundo, em que
20% dos mais ricos ganham até 32 vezes mais que os 20% mais pobres. A desigualdade social
manifesta-se também de forma perversa no sistema educacional, caracterizado por baixos
índices educacionais, com 16% de analfabetos e evasão de 40% dos estudantes brasileiros que
não conseguem concluir o nível obrigatório de escolaridade. É, portanto, um país portador de
um sistema educativo bastante elitista, no sentido de que o direito à educação em todos os níveis
ainda é um alvo distante. O Brasil compõe, ao lado México e de mais sete outras nações pobres
e populosas, o Grupo Education For All (EFA)/Organização das Nações Unidas para a
Educação a Ciência e a Cultura (UNESCO) (1990). O contexto atual, marcado pelo processo
de globalização da economia, da política e da cultura, trouxe como corolário a flexibilização
nas relações de trabalho e emprego, o que tem resultado em diversificação nas formas de
contratação e crescente desemprego. Tal processo provoca uma crise social que condena a
maioria da população mundial a condições indignas de vida1. A pobreza, na economia
globalizada, é qualificada de “nova”, com o aumento do desemprego, o alongamento da sua
duração e os excluídos temporariamente ou definitivamente do mercado. Os sistemas de
proteção social têm se mostrado incapazes de fazer frente à diversificação da pobreza e ao
crescente aumento da desigualdade social, atualizando a histórica dualidade entre os
trabalhadores integrados e os pobres assistidos. Nesse contexto, a política educacional sofre
alterações nas suas orientações tendendo a responder às demandas crescentes de maior
integração social das populações vulneráveis, ao mesmo tempo em que deve também formar a
força de trabalho apta aos novos processos produtivos.
28
Castel (1997), discutindo as transformações da questão social advindas do processo
acima mencionado, caracteriza-as como um questionamento da função integradora do trabalho
hoje na sociedade.
O autor demonstra como o sistema de proteções e garantias sociais vinculadas ao
trabalho vai sendo desmontado para se chegar a “um processo de precarização que atinge as
situações do trabalho, no sentido da sua re-mercantilização e de soluções na ordem do mercado,
como efeito particular da globalização.” (CASTEL, 1997, p. 166-167).
O autor discute a transformação do trabalho em emprego, processo que situa no final
do século XIX, com o avanço do capitalismo, que traz o desenvolvimento da industrialização e
da urbanização, e com ele uma maior regulamentação da vida social, que surge ou se intensifica
com a regulamentação das relações de trabalho. Com isso, o trabalho passará, para Castel
(1997), da “condição íntima e miserável” à de veículo para uma condição de vida digna aos que
não têm propriedade.
A regulamentação do trabalho, um processo que se dá por meio de lutas intermináveis
em que os sindicatos aparecem como importantes protagonistas, caracterizará a sociedade do
salariado. Na realidade, a passagem do trabalho ao emprego é marcante na estrutura dessa
sociedade que Castel (1997) denomina salariada. O desenvolvimento industrial e urbano foi
resultando em novas formas de vida e o acúmulo de conquistas trabalhistas, traduzidas em
direitos legais, formando a base de uma nova regulação social em que sindicatos, Estado e
empresários são interlocutores.
A regulamentação do trabalho, os direitos trabalhistas e previdenciários, a promessa
de um futuro garantido pela aposentadoria trouxeram finalmente para os trabalhadores a
possibilidade de viverem da venda de sua força de trabalho. Para muitos, o objetivo na vida
passou a ser a obtenção de um emprego formal e regulamentado e, de preferência, estável. Nas
palavras de Castel (1997, p. 170):
Pode-se dizer, efetivamente, que esse tipo de proteção, de regulação, ou seja, direito
do trabalho, seguridade social, foi, inicialmente, ligada ao salariado, e mesmo, ao
pequeno salariado, e que se difundiu no conjunto da estrutura social. O salariado se
consolidou e se dignificou, se ouso dizer, e passou mesmo a ter um papel de atração,
em torno do qual o conjunto da sociedade moderna se organizou.
29
A sociedade que se desenvolve a partir de então permanece, contudo, sendo organizada
de forma rigidamente hierárquica, fundada na exploração e repleta de injustiças sociais.
Todavia, durante o modelo de regulação social, denominado por alguns de sociedade do pleno
emprego’ ou anos dourados do capitalismo (HOBSBAWN, 2000), assiste-se à concentração de
mecanismos que operam como barreiras ao mercado, inibindo o seu curso desenfreado e
possibilitando ao indivíduo desfrutar de um mínimo de estabilidade e segurança. Tal modelo de
regulação social2, levado a termo nos países centrais, será responsável pela sedimentação dos
vínculos entre educação e desenvolvimento econômico, possibilitando o desenvolvimento dos
sistemas escolares a partir de um novo modelo de êxito em que a mobilidade social se realiza
não mais pela livre-iniciativa, mas pela obtenção de um emprego formal numa grande
corporação. A educação passou, assim, a ser um requisito indispensável ao sucesso profissional
e pessoal (MILLS, 1987).
Durante esse período relativamente estável de regulação social calcada na
regulamentação do trabalho e na ampliação de políticas sociais de cobertura universal, observa-
se, na sociedade, o crescimento da noção de direitos sociais e de Estado de Direito. Entendendo
o direito como a regulamentação das relações fundamentais para a convivência e sobrevivência
do grupo social e sendo ele, ao mesmo tempo, o principal instrumento por meio do qual as
forças políticas dominantes exercem o poder (BOBBIO, 1992, p. 349), há que se considerar que
as noções de direito e de Estado podem assumir diferentes configurações, dependendo do
período e contexto histórico em que se realizam.
32
A orientação percebida nas ações do governo Fernando Henrique Cardoso e que, em
certa medida, têm sido levadas a termo no atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva, no que
se refere à condução das políticas sociais em geral no Brasil, revela clara escolha. Depois de
duas décadas de intensas manifestações que expressaram fortes pressões populares pela
ampliação dos direitos sociais, da cobertura universal de políticas de maior acesso à saúde,
educação, habitação e previdência, entre outros, os anos de 1990 foram marcados por reformas
no âmbito do Estado que priorizaram o corte no gasto social. As referidas conquistas
consagradas na Constituição Federal de 1988 foram paulatinamente sendo retiradas do plano
das leis, por meio de instrumentos jurídicos que exigiram, em alguns casos, até mesmo reforma
constitucional, sendo que em muitas matérias a lei sequer chegou a tornar-se fato.
No quadro de reformas que o Estado brasileiro viveu na década passada, assistiu-se na
área social não só a uma reforma dos programas sociais, mas, e principalmente, a um
investimento na alteração do modelo de proteção social, com a implantação de um novo padrão
de regulação social. Em primeiro lugar, privilegia-se o acesso via renda e não via trabalho.
A inclusão na proteção social via trabalho, que aqui sempre foi restritiva, pois nunca
se gozou de pleno emprego, é tensionada ainda mais pelas altas taxas de desemprego, pela
tendência de flexibilização das relações de trabalho e pelas propostas privatistas de reforma dos
sistemas de previdência social.
Este quadro é agravado pelo abandono, antes mesmo da sua implementação de fato,
da configuração de padrões universais e redistributivos de proteção social, contidos na Carta de
1988, o que deixa a grande maioria da população sem cobertura social.
Optou-se, como dito anteriormente, por um modelo de proteção social via
transferência de renda, mesmo que essa renda seja irrisória e não atinja a todos. Este modelo
está focalizado na população pobre, numa linha de pobreza fixada numa faixa de meio salário
mínimo per capita e se corporifica em programas nacionais como: Programa de Erradicação de
Trabalho Infantil – PETI (BRASIL, 2004); Bolsa-Escola (BRASIL, 2003); Programa Bolsa
Alimentação (BRASIL, 2001) e Auxílio-Gás (BRASIL, 2002). Passou-se a defender que o
campo de atuação do Estado na área social estaria voltado às camadas da população
consideradas mais vulneráveis socialmente, ou seja, o Estado desenvolveria políticas sociais
focalizadas, atuando apenas – por meio de medidas compensatórias – nas conseqüências sociais
mais extremas do capitalismo contemporâneo.
33
Ainda no sentido de alterar o padrão de regulação social e assentar as bases para uma
nova atuação do Estado frente às políticas sociais, o Estado brasileiro, no governo Fernando
Henrique, buscou mostrar a necessidade de deslocar o seu papel histórico de provedor para o
de indutor e articulador das políticas sociais, significando, nas palavras do próprio Presidente
da República, aquele que aproxima o privado do público. (TOLEDO, 1998) Essa aproximação
do privado com o público traduziu-se na transformação das necessidades sociais e coletivas dos
trabalhadores em demandas mercantis, devendo, estas, serem supridas pelo setor privado,
ampliando, ao máximo, a margem de atuação das empresas particulares em um espaço antes
coberto pelo setor público. Com a desculpa da racionalização de gastos, privatizam-se os
serviços sociais, quem pode vai ao mercado e quem não pode deve ser encaminhado para a
assistência, segmentando ainda mais a pobreza.
Salama e Valier (1997), discutindo a recente evolução dos sistemas de proteção social
nos países latino-americanos, chamam a atenção para o fato de que se nota uma grande
defasagem entre direito e realidade.
Observam que, na realidade desses países, universalização e homogeneização parecem
noções bem distantes. Os direitos sociais reconhecidos em muitos desses países foram apenas
formais, dada a magnitude do setor informal, que exclui dos sistemas de proteção um grande
número de pessoas e as diferenciações entre os beneficiados em proveito dos mais ricos (uma
distribuição diferenciada dos benefícios em termos de favores e privilégios resultantes do
clientelismo).
Na análise das políticas sociais liberais implantadas nos países latino americanos, os
referidos autores destacam três características centrais, que são apresentadas abaixo, de maneira
resumida:
1ª) Políticas sociais orientadas para os muito pobres – por serem incapazes de suportar
os custos das reformas e de se protegerem, os mais pobres serão o alvo das ações sociais
governamentais. São políticas destinadas a garantir às populações mais vulneráveis um mínimo
de serviços de primeira necessidade e de infra-estrutura social. O caráter focalizado que
apresenta nos mais pobres é justificado pela necessidade de combate à extrema pobreza.
Observam, assim, que frente a essa focalização, a política social tende a perder seu caráter
universal e a se tornar um mero paliativo.
2ª) Políticas sociais de assistência-benfeitoria e de privatização – têm por objetivo
ajustar a relação entre seguro e assistência. Observam os autores que:
34
Na implantação desta política o Banco Mundial e alguns governos de países
subdesenvolvidos recorreram com freqüência às Organizações Não Governamentais – ONGs,
como instâncias intermediárias fundamentais tanto para identificar os grupos mais
desfavorecidos quanto para distribuir as ajudas.” (SALAMA; VALIER, 1997, p. 119).
Paralelamente, as camadas médias vão abandonando cada vez mais o setor público,
diante de sua deterioração, e voltando-se para o setor privado. A privatização é, como afirmam
os autores, a outra face da política social focalizada nos extremamente pobres.
3ª) Políticas sociais descentralizadas e recorrendo a uma participação popular – o
recurso à descentralização das políticas sociais justifica-se na busca de “maior eficiência e
racionalização dos gastos, bem como a interação mais fácil entre os recursos governamentais e
não governamentais para financiar as ações sociais.” (SALAMA; VALIER, 1997, p. 120). O
apelo à caridade e ao apoio comunitário passa a ser condição vital para a realização dessas
políticas. Em geral as ações descentralizadas se realizam, nesse modelo, por meio de contratos
entre o governo central e governos subnacionais, como no caso brasileiro as chamadas parcerias
entre União, estados e municípios, outras instituições da sociedade civil e ONGs.
Salama e Valier (1997) afirmam que as políticas sociais liberais são o aspecto mais
novo das políticas que, ligadas ao processo de reestruturação das funções do Estado sobre as
bases do liberalismo econômico, foram propostas pelos Organismos Internacionais e
implementadas em alguns países subdesenvolvidos, a partir do final dos anos de 1980, incluindo
os países da América Latina. Essas políticas aparecem, sobretudo, como resultantes de uma
crítica ao Estado de bem estar social.
A partir de alguns casos nacionais estudados, os autores acima referidos observam que
as reformas de Estado ocorridas durante os anos de 1990, nos países latino-americanos,
trouxeram uma orientação mais ou menos convergente com o modelo britânico de reforma
estatal implantado no período Tatcheriano. Em tais reformas observa-se a firme orientação de
redução dos gastos públicos destinados à proteção social, principalmente dos pobres, e a
priorização da assistência social aos mais pobres, em geral com fundos públicos criados para
este fim, com existência provisória4. O Estado passa a se relacionar com os cidadãos dividindo-
os em dois tipos: os contribuintes/consumidores e os destituídos/assistidos.
No caso da educação, a descentralização passa então a nortear as reformas propostas
para a organização e administração dos sistemas de ensino, seguindo as orientações gerais no
quadro de reformas do Estado.
35
Ressalta-se, nesse contexto, o relativo recuo que o Estado nacional vem apresentando
tanto na sua participação direta no setor produtivo quanto em outras esferas de seu domínio,
provocando mudanças nas formas de financiamento das políticas sociais que passam, via de
regra, pelo recurso à iniciativa privada, seguindo a tendência observada por Salama e Valier
(1997) em outros países latino-americanos. Assim, observa-se que, na tentativa de equacionar
as exigências populares de maior acesso aos serviços públicos e a necessidade de responder por
maior eficiência nos já ofertados, o governo brasileiro tem conduzido mudanças nos aspectos
gerenciais das políticas públicas, orientado por critérios de racionalidade administrativa
fundados na economia privada. Contudo, tais políticas têm focalizado o atendimento aos muito
pobres5, às populações vulneráveis, sob a justificativa de que os recursos disponíveis não são
suficientes para atender a todos em igual proporção.
Segundo Draibe (1997), a partir de análise comparativa da tendência de reformas de
políticas e programas sociais na América Latina, considerando a experiência de sete países, o
receituário predominantemente proposto para as mudanças na área social apóia-se em três
grupos de justificativas: os episódios de ajustamentos fiscais da primeira metade dos anos de
1980, que exigiam do gasto social maior eficiência e, principalmente, uma forte adequação aos
objetivos macroeconômicos; a reorientação do gasto social para atender ao previsível
empobrecimento da população, resultante dos impactos do ajustamento recessivo sobre
emprego, renda e redução dos serviços sociais. Para tanto, a focalização do gasto, a opção por
fundos sociais de emergência e por programas compensatórios dirigidos exclusivamente aos
grupos pobres e vulneráveis, passou a compor o núcleo da estratégia de reforma social; e, por
fim, o gasto social teria de priorizar ações básicas de saúde, nutrição e, principalmente,
programas de caráter produtivo, como investimento em “capital humano”.
As políticas educacionais mais recentes espelham exatamente a tendência apontada
por Draibe (1997), sendo que o FUNDEF e o Programa Nacional Bolsa-Escola, e, mais
recentemente, o Bolsa-Família, parecem constituírem-se como os melhores exemplos. Observa-
se, assim, que o papel atribuído às políticas sociais nos contextos nacionais latino americanos
tem sido o de atenuar ou cobrir o hiato existente entre a estrutura econômica e aqueles que estão
destituídos das suas condições materiais básicas e indispensáveis a uma vida minimamente
digna. Uma política para os que não conseguem ser cidadãos de fato.
36
3. O LUGAR DA ASSISTÊNCIA NA POLÍTICA EDUCACIONAL: OS PROGRAMAS
DE RENDA MÍNIMA
A educação, como uma das mais importantes e elementares políticas sociais, assume,
nesse contexto de reforma a que se assiste nos países latino americanos, um caráter dual e
contraditório. Ao mesmo tempo em que se afirma como uma política social de caráter universal
(a ampliação da escolaridade e o crescimento do contingente de alunos atendidos nos sistemas
e redes públicas, na maior parte dos países latino-americanos, é um indicador desta tendência)
ela tem sido orientada também pela lógica da focalização. Esta segunda orientação tem
conduzido a política educacional a se concentrar em processos que asseguram o acesso e a
permanência de grupos mais vulneráveis socialmente na escola, como, por exemplo, as cotas
para negros nas universidades públicas e os programas de distribuição de renda mínima, como
o Bolsa-Escola.
No Brasil, o debate sobre renda mínima ganhou visibilidade a partir da apresentação,
no Senado Federal, em 1991, do Projeto de Lei n. 80, que propunha a instituição do Programa
de Garantia de Renda Mínima (PGRM), pelo Senador Eduardo Suplicy (PT/SP). O PGRM
(SUPLICY, 1992) propunha uma transferência monetária ao indivíduo, prevendo, para o
acesso, os critérios de idade (25 anos) e de rendimento mínimo (cerca de dois salários mínimos)
e foi apresentado à sociedade como uma política nacional de combate à pobreza. O projeto
Suplicy foi aprovado em dezembro de 1991 no Senado e foi enviado à Câmara, onde
permaneceu por longos anos aguardando votação em plenário.
Nesse processo de espera, o projeto Suplicy passou a concorrer com outros projetos
similares em tramitação na casa.
No debate internacional, Rosanvallon (1995) defende que os programas de renda
mínima têm o propósito de assalariar os excluídos, numa sociedade que prescinde cada vez
mais do trabalho. Para esse autor, este movimento institucionaliza a separação entre o
econômico e o social, pois consolida uma separação entre o mundo do trabalho e o mundo da
assistência. Ele preconiza que é preciso se empenhar no sentido de reinventar a idéia de direito
ao trabalho e não de criar um direito à renda.
Para Castel (1998), as políticas de renda mínima obedecem a uma lógica de
discriminação positiva, ou seja, definem com precisão a clientela e as zonas singulares do
espaço social e desenvolvem estratégias específicas para elas. No entanto, critica o fato de essas
37
populações sofrerem um déficit de integração, como “os habitantes dos bairros deserdados, os
alunos que fracassaram na escola, as famílias mal socializadas, os jovens mal empregados ou
não-empregáveis, os que estão desempregados há muito tempo[...]” (CASTEL, 1998, p. 538).
Critica, ainda, o fato de que os esforços envidados nessa direção há mais de quinze anos não
têm mudado a constatação de que “essas populações são talvez e apesar de tudo, na atual
conjuntura, inintegráveis.” (CASTEL, 1998, p. 538). Para Castel (1998), é essa realidade que
deve ser encarada. Esse autor sublinha, ainda, que a instituição de uma renda dissociada do
trabalho apresenta riscos que contribuem para a desagregação da condição salarial e fortalece a
prática assistencialista. Ele defende que esta questão deve ser pensada a partir da redistribuição
do produto do trabalho e das garantias de proteção e de direitos advindas dessa condição.
Os programas de renda mínima começaram a se concretizar, no Brasil, na metade da
década de 1990, não como uma política nacional voltada para complementação individual de
renda, como propunha Suplicy (1992), mas como políticas de iniciativa de algumas Prefeituras
Municipais e do Distrito Federal, que passaram a associar a política de renda mínima à
educação. Essas propostas, justificadas como políticas de combate à pobreza e ao trabalho
infantil, estavam direcionadas para o atendimento das famílias e condicionava o recebimento
de uma complementação salarial ou de um valor fixo mensal pelos pais ou responsáveis à
matrícula e freqüência das crianças e adolescentes na escola. A grande maioria dos programas
municipais de renda mínima propostos e implementados nessa ocasião originou-se de
proposições de vereadores vinculados ao Partidos dos Trabalhadores (PT)7, que afirmavam
orientar-se por uma perspectiva de redistribuição de renda para enfrentamento da pobreza,
evocando o direito de distribuição da riqueza socialmente produzida.
No âmbito federal, a primeira iniciativa de renda mínima aprovada foi o projeto de
autoria do deputado Nelson Marchezan (PSDB/RS), em dezembro de 1996, e sancionado pelo
presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) em dezembro de 1997 – Lei n. 9.533/97 –
Garantia de Renda Mínima – “Toda Criança na Escola”. Este programa apresentava grandes
diferenciações em relação ao projeto do Senador Suplicy e também uma abrangência bem mais
limitada. Propunha que a União apoiasse os municípios que instituíssem programas de renda
mínima associados a programas sócio-educacionais, financiando 50% de seus custos. O
Programa “Toda Criança na Escola” restringia-se aos municípios considerados mais carentes e
tinha como meta atender pelo menos 20% dessas municipalidades entre os anos de 1998 e 2002.
38
As famílias, para serem selecionadas, deveriam ter uma renda per capita mensal inferior a meio
salário mínimo.
O programa “Toda criança na escola” foi substituído, em 2001, pelo Programa
Nacional de Bolsa-Escola (PNBE) – Lei 10.219 de 11/04/ 2001, que pretendia possibilitar o
acesso e permanência de crianças pertencentes a camadas sociais tradicionalmente excluídas da
escola. O PNBE (BRASIL, 2003) manteve, pois, a vinculação com a educação e consistia na
concessão de um benefício de R$ 15,00 por criança, podendo atingir no máximo R$ 45,00 (três
crianças por família), sendo que essas famílias deveriam apresentar uma renda per capita abaixo
de R$ 90,00 e manter todos os seus filhos entre 6 e 15 anos matriculados na rede escolar.
No governo Lula, foi criado o Programa Bolsa-Família, a partir da unificação dos
programas de transferência de renda do Governo Federal – Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação,
Cartão-Alimentação e Auxílio-Gás.
O Bolsa-Família foi criado via Medida Provisória n. 132, de 20/10/2003, e mantém o
vínculo do recebimento do benefício à matrícula de crianças e adolescentes em idade escolar
nas redes de ensino e a obrigatoriedade de acompanhamento médico, nos postos de saúde da
rede pública, para gestantes, nutrizes e crianças.
O Programa Bolsa-Família também está focalizado nas famílias extremamente pobres,
ou seja, aquelas com renda mensal per capita de até R$ 50,00. O referido Programa paga um
benefício mensal de R$ 50,00, adicionado de uma parcela variável de R$15,00, R$ 30,00 ou R$
45,00, conforme o número de crianças e adolescentes de até 15 anos, gestantes e nutrizes em
cada família. As famílias situadas na faixa de renda per capita de R$ 51,00 a R$ 100,00 recebem
o benefício variável, também no limite máximo de R$ 45,00 (BRASIL, 2005).
Silva, Yazbeck e Giovanni (2004, p. 138) registram como preocupante a drástica
redução do valor da renda per capita familiar adotado como referência para definição de uma
linha de pobreza como critério de acesso das famílias aos Programas de Transferência de Renda
na proposta do Bolsa-Família. A renda per capita familiar de corte, que era de meio salário
mínimo (R$ 120,00), foi reduzida para uma renda per capita familiar de R$ 50,00 para
enquadramento das famílias na categoria de indigentes, e para R$ 100,00 para classificação das
famílias pobres.
Os programas de renda mínima de âmbito federal assumiram inicialmente, no Brasil,
o formato de bolsa-escola, vinculando a transferência monetária à educação. Essa vinculação
obedece à lógica de que a educação guarda estreita relação com oportunidades de trabalho e a
39
inserção da criança e do jovem na escola e que estaria contribuindo para quebrar o ciclo de
pobreza das gerações futuras. Os programas de renda mínima associados à educação surgiram
no Brasil num quadro de demandas crescentes de políticas de combate à pobreza, de
agravamento da crise econômica dos anos de 1980 e de medidas de ajuste da economia
brasileira à economia globalizada (SILVA; YAZBECK; GIOVANNI, 2004).
Verifica-se entre os propositores, políticos e estudiosos da renda mínima, pelo menos
duas grandes orientações, que se colocam em campos opostos.
Uma primeira fundamenta-se pelos princípios liberais que visam preservar o
dinamismo do mercado, garantir a autonomia do indivíduo como consumidor, reproduzir o
exército industrial de reserva e pressionar à aceitação de baixa remuneração. Nessa orientação,
não há o compromisso com a distribuição de renda, focaliza-se a concessão da renda mínima
na extrema pobreza e o impacto é a reprodução dessa pobreza, nos limites da garantia da
sobrevivência. Uma outra orientação, assumida normalmente pelos partidários da esquerda, é a
renda mínima entendida como repartição da riqueza, ou seja, como um mecanismo de
redistribuição de renda e como política de complementação dos serviços sociais básicos. Neste
caso, pretende-se que a renda mínima seja estendida a todos que necessitam do benefício, o que
é chamado de focalização positiva, ou aos cidadãos em geral (FERREIRA, 1999; SILVA,
YAZBECK; GIOVANNI, 2004). Para Tavares (2004), os efeitos redistributivos das políticas
públicas dependem da sua capacidade de universalização e não do seu “grau de focalização”.
Para essa autora, a focalização do gasto social nos “mais pobres” não apenas deixa de fora uma
parcela dos “antigos pobres”, como não inclui os “novos”.
A discussão da renda mínima como estratégia de enfrentamento da pobreza é
controversa e traz, segundo Fitousse e Rosanvallon (1997 apud CAMPOS, 2003), uma
confusão da política com os bons sentimentos e a simplificação dos problemas. Campos ressalta
que, para esses autores, passou-se de uma análise global do sistema, no que se refere ao processo
de exploração e à questão da repartição, para um enfoque centrado no segmento mais vulnerável
da população, simplificando a compreensão da dinâmica social e tratando-a por meio de
programas focalizados como remédio para as consequências mais perversas da crise
contemporânea do capitalismo.
Os programas federais de Bolsa-Escola que surgiram no final do primeiro governo
FHC e têm continuidade no Governo Lula, por meio do programa Bolsa-Família, enquadram-
40
se no pressuposto liberal, têm a marca da transferência de renda como política compensatória e
residual, com critérios estreitos de seleção que restringem seu raio de cobertura.
Estes programas estão voltados para os estratos mais pobres da população, situados
num patamar de mera sobrevivência ou de indigência, que possuem renda familiar per capita
por volta de meio salário mínimo. Apesar de esses programas, no Brasil, estarem diretamente
associados à educação, este aspecto tem sido traduzido somente na cobrança da freqüência às
aulas, o que pode ser eficaz no sentido de retirar as crianças das ruas, pelo menos por um período
do dia, mas não altera o quadro de pobreza das futuras gerações, via educação, como foi
apontado.
Essa perspectiva de atendimento de Programas do tipo Bolsa-Escola Federal e,
atualmente, Bolsa-Família possui um impacto limitado, tanto pelo valor das bolsas quanto pelos
critérios de acesso e permanência, e veio de alguma forma responder às recomendações contidas
nas propostas de reformas de Estado, veiculadas pelos organismos internacionais para os países
em desenvolvimento, que recomendavam medidas emergenciais e compensatórias de proteção
social às vítimas do ajuste estrutural inevitável.
41
e gratuita e a adoção do princípio da gestão democrática do ensino público, entre outras, foram
produto dessas lutas.
Tais movimentos se consolidaram no decorrer da década de 1990, com o processo de
tramitação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n° 9493/96, e da permanente
tentativa de elaboração de um Plano Nacional de Educação que refletisse as demandas da
sociedade civil organizada. Tomando a educação em seu significado mais político e
humanitário, os movimentos sociais, em especial o movimento dos trabalhadores da educação,
imprimiram novas exigências às pautas dos diferentes governos passados, dos militares a
Fernando Henrique Cardoso, tendo realizado, até a eleição de Lula, quatro Congressos
Brasileiros de Educação (CONEd), em que uma outra proposta de Plano Nacional de Educação
(CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 1997) foi formulada, tendo sido rejeitada pelo
congresso nacional.
Assim, a exigência de definição de políticas de financiamento para a educação básica
que atendessem da Educação Infantil ao Ensino Médio; as resistências enfrentadas pela reforma
da educação profissional, imposta por Decreto8 ; a manifestação de repúdio às políticas de
aligeiramento da formação de professores, também imposta via Decreto (BRASIL, 1999) e,
mais recentemente, as lutas em torno da defesa de uma educação mais inclusiva, também no
acesso à universidade, são movimentos que, apesar de não terem sido contemplados, serviram
de referência e parâmetro para as políticas daquele momento e se constituíram como base das
proposições apresentadas no texto Uma escola do tamanho do Brasil (PARTIDO DOS
TRABALHADORES, 2002).
Após mais de dois anos de governo, assistimos a uma considerável permanência das
políticas sociais em geral. No campo educacional, é visível uma continuidade no processo de
reformas iniciado pelo ministro Paulo Renato nos oito anos do governo precedente. Nesses dois
anos assistimos, ainda, a um esvaziamento do sentido das políticas educacionais que recuperam
a noção de integralidade na formação humana, para o que a cobertura ampla e universal é
indispensável, ao mesmo tempo em que passa a ser confundida com política social de alívio à
pobreza.
As tendências atuais das políticas sociais tendem a referendar os programas de
transferência de renda como componente central dos modelos de proteção social. Esses
programas têm sido apontados como a política social do século XXI. Confunde-se a política
social com as políticas de combate à pobreza, limitando-a a questão da renda, estratificando a
42
pobreza, não centrando o debate no campo das desigualdades sociais, da exploração do trabalho,
da distribuição de renda. No Brasil, a pobreza é, antes de tudo, marcada pelo caráter eventual
do vínculo empregatício, pelos níveis salariais extremamente baixos e pela falta de proteção
social universal. Segundo Pochmann (2004), não temos a cidadania econômica e muito menos
a social. Tal quadro torna-se ainda mais temerário, do ponto de vista da construção de uma
sociedade mais democrática e capaz de imprimir maior justiça social em seus processos, com
as propostas de reforma trabalhista e sindical, que parecem convergir não mais para a lógica de
um discurso único, como aquele que as reformas neoliberais iniciadas na década passada
trouxeram como “o fim da história”, mas para uma absoluta falta de alternativa. Quando um
partido que, historicamente, se organizou em defesa dos interesses dos trabalhadores sucumbe
à defesa da informalidade, da restrição de direitos sociais em nome do desenvolvimento
econômico possível e inevitável, que luz se pode ver no fim do túnel?
NOTAS
1 Acerca das mudanças no padrão de vida dos indivíduos, ver Bauman (2004) e Giddens (1991).
2 Adota-se aqui a noção de regulação social da Escola de Regulação Francesa. ver Aglieta (1979).
3 Como um exemplo da tentativa de criação de um consenso nacional em torno do novo modelo de integração
econômica, vale a pena citar o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP).
4 Ver Draibe (1997); Diniz (1997); Salama e Valier (1997); Abrucio e Costa (1999) entre outros.
5 Ver Salama e Valier (1997).
6 Campinas, Ribeirão Preto, Santos e Jundiaí (SP); Boa Vista (RR); Vitória (ES); Belo Horizonte (MG); Salvador
(BA); Belém (PA). Ver levantamento realizado por Silva (1997).
7 Ver levantamento realizado por Silva (1997) e por Silva, Yazbek e Giovanni (2004) quanto à vinculação
partidária das propostas de programas de renda mínima no Brasil.
8 Decreto n. 2 208, de 17de abril de 1997 (BRASIL, 1997).
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45
CAPÍTULO 3 - DESCENTRALIZAÇÃO EDUCACIONAL:
CARACTERÍSTICAS E PERSPECTIVAS
RESUMO:
Este artigo, tendo por base uma perspectiva epistemológica, explora características que o termo
descentralização pode assumir quando incorporado às organizações educacionais. Aborda diversas
perspectivas de análise utilizadas na literatura sobre o tema. Apresenta uma reflexão histórica acerca da
evolução da descentralização no contexto educacional brasileiro e procura situar esse termo no campo
político e administrativo. O objetivo dessa exploração é fornecer elementos para entender os paradoxos
que envolvem a descentralização no contexto educacional e evidenciar nuances que estão implicadas no
processo.
1. DESCENTRALIZAÇÃO, O CONCEITO
3
É doutor em Educação, professor pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação e
Contemporaneidade (PPGEduC) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), coordenador do Núcleo de
Pesquisa em Gestão Educacional e Formação de Gestores (NUGEF). E-mail:ivanovaes@gmail.com.
4
É doutora em Educação, professora pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação e
Contemporaneidade (PPGEduC) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), coordenadora do Grupo de
Pesquisa Educação, Universidade e Região (EdUR eg). E-mail: nadiafialho@gmail.com.
46
muitos sentidos. É “comum” encontrarmos, no campo da educação, termos e expressões
nascidos em outros campos do saber; se transferidos sem qualquer tratamento conceitual,
certamente comprometem a produção de sentidos pertinentes ao campo educacional. Dessa
maneira, tais transferências conceituais não contribuem para a formação da base epistemológica
(em construção) do campo da educação, mantendo-a sempre vulnerável às fronteiras com outras
áreas do conhecimento, especialmente quando se trata da sociologia, da psicologia ou da
administração.
Assim, para começar, já que estamos tratando de conceitos, é importante que nos
situemos com relação ao campo científico. Assim, ao designarmos educação, entramos num
campo ainda em construção (ABBAGNANO, 2008; ARANHA, 2006; BARRO SO, 1995;
BIANCHETTI; MEKSENAS, 2008; DAVOK, 2007; GARCIA, 1990 e 2002; GATTI, 2005;
LIBÂNEO, 2005; LOBRO T, 1976; MACHADO ; MAIA, 2006 e 2007; PIMENTA, 2001;
SANDER, 2007), tal como indaga Bernard Charlot (2006):
O que significa «em educação»? Será que guarda o mesmo sentido que «em
sociologia», «em psicologia», «em filosofia», «em física»? Nesse caso, «em
educação» remete a uma disciplina que chamaríamos educação. Ou será que significa
«sobre educação», «acerca da educação», «a respeito da educação»? Nesse caso,
«educação» remete-nos a um conjunto de situações, de práticas, de políticas ligadas à
educação no sentido amplo do termo (CHARLOT, 2006, p. 7).
47
neutra; tampouco pode ser tomada, simplesmente, como uma tradução teórica de um fato
empírico.
Dessa forma, tal enfrentamento nos coloca muitas questões. Por exemplo:
descentralização é um conceito? Seria possível pensá-la como um conceito? Se tomada, no
campo da educação, como um objeto teórico, referir-se-ia a qual (is) objeto(s) empírico(s)?
Como interpretar descentralização no campo da educação? Não é nosso propósito responder a
todas essas questões, dadas as limitações de um artigo; mas, em face da importância da reflexão
sobre o tema, estimamos contribuir com o processo de construção da base epistemológica no
campo da educação.
49
A despeito de se reconhecer certa imprecisão acerca do conceito de descentralização,
em linhas gerais pode-se considerar que esse termo se caracteriza como um processo que
confere às estruturas político-administrativas locais, autoridade para a formulação e decisão
acerca de suas políticas e necessidades de natureza locais.
A descentralização assume, a partir desse ponto de vista, uma característica de
transferência de atribuições, o que implica em certo grau de poder para as estruturas locais.
Nessa linha de visão, Arretche (1999) considera que a descentralização pode significar
genericamente a institucionalização, no plano local, de condições técnicas para a
implementação de tarefas de gestão de políticas sociais.
Estudos desenvolvidos por Mintzberg (1995) acerca das organizações mostram a
descentralização como a transferência de poder para tomar decisões no âmbito dessas
organizações. A perspectiva utilizada pelo autor pressupõe que o poder para tomar decisões se
estabelece de maneira relacional, ou seja, entre os níveis hierárquicos de uma organização, onde
estão implicados órgãos, setores e pessoas.
Mintzberg (1995) considera que a dificuldade em definir o conceito de
descentralização consiste no fato de não haver um termo que defina precisamente o fenômeno
da relação, distribuição e transferência de poder no âmbito das organizações. Frente a tal
imprecisão, o autor compara, em certa medida, a definição desse termo a uma caixa preta, como
forma de demonstrar o grau de complexidade que o envolve.
Parece, portanto, residir na descentralização, especialmente sob a perspectiva da
transferência de poder para tomar decisões, um processo complexo, na medida em que estão
implicadas distintas relações de poder. De um lado, por exemplo, se situam as estruturas
centrais que desfrutam da prerrogativa de utilizar o poder para tomar decisões sobre os
principais assuntos. De outro, estão aquelas que almejam ampliar, ou obter poderes, para
responder às necessidades locais e prementes de gestão. Essa relação parece ensejar conflitos e
tensões, notadamente quando se trata de estruturas organizacionais públicas, onde os níveis de
hierarquia apresentam-se mais difusos.
Com efeito, a descentralização pode estar condicionada ao seu próprio entorno, na
medida em que as relações pessoais e as influências de grupos de pressão são colocadas como
fatores que podem dificultar, ou mesmo facilitar, a tomada de decisão no nível local (BENÍTEZ,
1993). Isso pode indicar que a opção por se adotar a descentralização como uma forma de prover
50
a tomada de decisão no nível local de uma organização não representa, efetivamente, que as
pessoas ou grupos estão preparados ou receptivos para acolhê-la.
Pelo visto, a descentralização se situa num campo de análise nebuloso pela condição
imprecisa de definição. Mintzberg observa que centralização e descentralização “representam
um dos mais confusos tópicos da administração”, e que estes termos “têm sido utilizados em
tão diferentes maneiras”, que terminam por perder um sentido útil (MINTZBERG, 1995, p.
102).
51
Hanson (1997) leva a entender que o controle do poder neste caso também se mantém no âmbito
do governo central.
Ao analisar a associação entre descentralização e desconcentração no contexto
canadense, Pelletier (2001) observa que a desconcentração se caracteriza, sobretudo, por uma
descentralização apenas das operações administrativas. A desconcentração, na visão de
Pelletier, visa facilitar as ações locais ou regionais mantendo, todavia, o poder no âmbito da
administração central. Esse tipo de característica não parece ser muito diferente daquele que
ocorre na América Latina.
A delegação é outro tipo de descentralização que, segundo Pérez (1994) consiste na
passagem de algumas responsabilidades relativas à educação para um agente paraestatal5. Essas
responsabilidades, todavia, são controladas e reguladas pelo governo central. O autor acrescenta
que a delegação não representa a transferência de poder nem de autoridade real. Representa
apenas um tipo de descentralização que se expressa como retórica. Na visão de Hanson (1997),
a delegação pressupõe a transferência de autoridade para a tomada de decisão na cadeia da
hierarquia, embora a autoridade se mantenha sobre o controle da unidade que a delegou.
Ressalta, todavia, que a transferência de autoridade pode ser retirada pela unidade que a
delegou.
De acordo com Pelletier (2001), a delegação pode se caracterizar como uma
descentralização funcional, ou seja, ocorre quando algumas funções são confiadas aos órgãos e
setores locais conferindo alguma margem de autonomia, bem como de competência e
responsabilidade. O autor salienta que a delegação pode ampliar a margem de decisão dos
organismos locais, mas não significa que estes terão autonomia governamental.
Um terceiro tipo de descentralização, denominado devolução, se caracteriza pelo
fortalecimento e autonomia dos governos regionais e locais que não requer o controle direto do
governo central (PÉREZ, 1994). Nesse tipo de descentralização, Pérez (1994) ressalta que os
governos locais passam a se responsabilizar por prestar os serviços educacionais, tais como:
levantar fundos, recursos físicos, humanos e pedagógicos necessários às demandas
educacionais. Na mesma linha de interpretação,
5
No contexto brasileiro, um agente paraestatal representa pessoa ou entidade que, mesmo não integrando a
administração do Estado, colabora com essa administração.
52
Hanson (1997) considera, também, que a devolução se caracteriza pela transferência
de autoridade, isto é, confere poderes às unidades para poder agir com alto grau de
independência.
Por fim, Pérez apresenta a privatização como um tipo de descentralização polêmica
na América Latina. A privatização, na perspectiva dos autores (PÉREZ, 1994; HANSON,
1997), se caracteriza pela progressiva transferência de controle governamental da educação,
convertendo as escolas públicas em escolas privadas.
Observamos, até aqui, que a descentralização pode assumir diferentes tipos quando
analisada a partir da relação entre as diversas estruturas governamentais. De outra parte, existem
outras formas de caracterizar a descentralização quando esta ocorre no interior das
organizações. Isto é, quando o poder formal é disperso para os níveis mais baixos da hierarquia
da organização, a descentralização pode ser caracterizada como vertical. (MINTZBERG,
1995). Para estabelecer uma caracterização para esse tipo de descentralização, Mintzberg
(1995) concentra sua análise sobre a transferência do poder formal para setores que se situam
abaixo da linha de autoridade no âmbito da organização. Se proceder a uma transposição da
perspectiva utilizada por Mintzberg para o contexto das organizações educacionais, pode-se
considerar que a descentralização vertical ocorre quando o poder originalmente centrado no
gabinete de um secretário de educação é transferido para setores intermediários que compõem
a estrutura de uma secretaria de educação.
De acordo com Mintzberg (1995), a descentralização vertical pode ainda ser
caracterizada como seletiva, isto é, quando o “poder sobre os diversos tipos de decisões
permanece em diferentes locais da organização”. De outra parte, o autor apresenta a
descentralização vertical paralela, ou seja, aquela que ocorre quando há transferência de “poder
para muitas espécies de decisões no mesmo local.” O autor adverte que, no primeiro caso, há
uma ênfase na interdependência de decisões, enquanto que, no segundo caso, as diferentes
decisões estarão centradas em um único nível da hierarquia. Por fim, o autor apresenta a
descentralização horizontal, cuja característica se exprime pela transferência de poder para fora
53
da linha hierárquica da organização. Nesse tipo de descentralização, o poder pode fluir para as
pessoas que não são necessariamente administradores (MINTZBEG, 1995, p. 106).
Como se pode observar a descentralização pode assumir diversas características.
É possível fazer algumas ilações e transpor para o campo da educação; no entanto, é
importante destacar que é um termo difícil de precisar. Por essa razão, certamente, gerou tantas
controvérsias na história da educação brasileira.
6
Expressão utilizada na obra Os donos do poder (FAORO, 1989), para caracterizar a falta de distinção entre os
limites da ação privada sobre a coisa pública.
54
estruturas organizacionais, incluindo as estruturas administrativas dos sistemas educacionais,
chegando até o interior das escolas. As formas de manifestação dessa tradição centralizadora se
expressam desde o controle burocrático das relações de ensino e aprendizagem, até os
mecanismos de centralização exercidos pelos órgãos centrais da administração dos sistemas
sobre as escolas.
A partir do ponto de vista dos autores (VIEIRA, 2001; PEREIRA, 1996), pode-se
inferir que as organizações educacionais assimilaram valores oriundos dessa tradição
administrativa, constituindo-se, em sua origem, como organizações com características
marcadamente centralizadoras. A situação descrita acima não deixou de criar um atraso na
implantação de estruturas que permitam a adoção de medidas de descentralização e
proporcionem às escolas maior grau de autonomia de maneira que possam responder aos
problemas que afetam seu cotidiano.
Com efeito, as reflexões em torno da descentralização na educação começam a se
estabelecer historicamente a partir da estruturação geopolítica do estado brasileiro.
Isso ocorre em período remoto, quando entram em cena questões e conflitos acerca da
definição política das relações de poder entre a metrópole e as províncias. Menezes (1999), por
exemplo, considera que a descentralização na educação ocorre a partir do Ato Adicional de
1834, quando foi atribuído às províncias brasileiras o poder de criar escolas primárias em sua
jurisdição.
Ideias e aspirações acerca da relação entre descentralização e educação tornam-se mais
fecundas e evidentes a partir da proclamação da República Federativa do Brasil. O novo regime
ensejou novas formas de relação entre o poder central e as unidades da federação. A educação
incluía-se nesse contexto ante a necessidade de rever a maneira pela qual se organizariam as
escolas locais. É possível inferir, considerando o contexto da época, que o sentido da
descentralização já se fazia presente na Constituição Federativa do Brasil de 1891, quando esta
estabeleceu a prerrogativa para que estados da federação pudessem criar e prover suas
instituições de ensino.
Alguns estudos indicam, todavia, que o sentido da descentralização na educação se
vincula e se corporifica ao regime federativo na Constituição Federativa do Brasil de 1934.
Nesta Carta ficam explicitadas as competências da União, e a transferência de responsabilidades
para estados e, subjacente, aos municípios, em matéria de educação. Criam-se, também,
55
mecanismos como plano nacional, conselho nacional, que supostamente poderiam constituir o
pretenso cenário da descentralização educacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das reflexões apresentadas, pode-se considerar que, embora incidam diversas
perspectivas de análise sobre o termo descentralização, há certa convergência quando se refere
à estreita relação que esse termo mantém com a transferência de poder para tomar decisões.
Parece haver consenso quando, em linhas gerais, se trata de caracterizar a descentralização a
61
partir da transferência de poder e da distribuição de atribuições e responsabilidades, do nível
central para os níveis intermediários e periféricos de uma estrutura de governo e organizacional.
Esse panorama permite compreender como os significados atribuídos à descentralização se
inserem no campo educacional, quais aspectos migram com maior ênfase, quais são descartados
no próprio movimento da transferência conceitual, etc. Isto facilita a compreensão dos
processos de gestão da educação e da gestão escolar, especialmente, com relação ao
discernimento das várias modalidades de transferência de poder e de distribuição de atribuições
e responsabilidades. Dele podem ser extraídos delineamentos capazes de orientar
entendimentos sobre a complexidade das organizações educacionais ou escolares, a
conformação dos seus sistemas de ensino ou a distribuição de competências entre os entes
federados (União, estado e município). Mas a questão não se encerra aí; afinal, se detida nesse
estágio, esse mesmo panorama também expõe o campo da educação nas suas fronteiras com
outras áreas do saber.
Estamos, pois, diante do desafio colocado por Gatti: “[...] a própria compreensão da
educação como propósito social e seu estatuto institucional requerem interrogações que
transcendem sua modelagem por teorias ou filosofias que narram um real cada vez menos real”
(GATTI, 2005, p. 607).
Do ponto de vista epistemológico, diríamos tratar-se, ainda, de um momento pré-
paradigmático, o qual assinala que o campo da educação encontra-se em construção; nele se
anuncia possibilidades quanto à formulação de uma representação intelectual – do termo
descentralização – no âmbito do próprio campo educacional, como a designar que os
significados até então acolhidos não constituem, todavia, conceitos.
A descentralização não se processa de uma única maneira, uniformemente.
Os processos de descentralização se desenvolvem em contextos organizacionais
complexos e, por essa razão, passíveis de sofrer influências de múltiplos fatores.
Desta forma, é importante considerar, na execução ou análise dos processos de
descentralização, variáveis que podem ali estar implicadas; isto é, variáveis de natureza
histórica, política, econômica, social, etc. No âmbito da educação, o campo ainda está aberto a
análises mais aprofundadas.
Por essas razões, o processo de construção da educação ou da pedagogia ou das
ciências da educação, como área do saber, precisa prosseguir. Ao indagarmos se a
descentralização pode ser assumida como um conceito, no campo da educação, estamos, na
62
verdade, explicitando a importância de construção da base epistemológica no campo da
educação.
63
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