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cultura e
indústrias
criativas
––
Políticas públicas,
evidências e modelos
A política pública de economia da cultura é cheia
de nuances, digressões, caminhos percorridos, re-
tornos estratégicos e, sobretudo, diferenças glo-
bais que esbarram em desafios similares.
Política pública é feita, entre outras coisas, de
um conjunto de decisões articuladas que visam a
um objetivo comum, isto é, socialmente pactuado,
a partir de estratégias bem definidas. Esses ele-
mentos devem ser construídos com base em narra-
tivas e valores claros; daí então devem ser tomadas
decisões pautadas em caminhos ditados pelos seus
beneficiários dentro de um projeto. O momento
brasileiro atual no campo da cultura é ímpar, dado
que se verifique um processo histórico de pouca
estabilidade no domínio das políticas de economia
da cultura.
A estabilidade e a refundação da política de eco-
nomia da cultura e indústrias criativas no Brasil
são a tônica do segundo tomo desta coleção. Pela
primeira vez traduzido para o português, você
encontrará um conjunto de obras selecionadas de
autores paradigmáticos do campo e uma extensiva
revisão teórica representativa sobre a massa crí-
tica formadora das políticas públicas de economia
da cultura em diversos países, além de reflexões
estruturantes sobre a América Latina, com enfo-
que no Brasil.
Políticas públicas, impacto, novos modelos, po-
líticas culturais globais e indicadores de bem-estar
são palavras-chave do presente volume. Este tomo
(assim como os outros dois que completam a série)
representa uma leitura importante e esclarecedora
para estudantes, professores, profissionais de arte
e de cultura e formuladores de políticas públicas.
LEANDRO VALIATI
organizador e editor
Economia
da cultura
e indústrias
criativas
Tomo 2
––
Políticas
públicas,
evidências
e modelos
9 Introdução
LEANDRO VALIATI
13 Capítulo 1
Um “acordo setorial” e um precariado
criativo: moldando a política de economia
criativa no Reino Unido desde 2010
MORAG SHIACH
33 Capítulo 2
Inovações na política cultural e no
desenvolvimento na América Latina
GEORGE YÚDICE
61 Capítulo 3
A reforma do sistema cultural: cultura,
criatividade e inovação na China
MICHAEL KEANE E ELAINE JING ZHAO
83 Capítulo 4
Arquétipos de política cultural:
o lado ruim e o lado bom
CAROLE ROSENSTEIN
109 Capítulo 5
Quatro modelos de indústrias criativas
JASON POTTS E STUART CUNNINGHAM
131 Capítulo 6
Economias criativas na África:
compreensão e apoio
ROBERTA COMUNIAN, BRIAN J. HRACS
E LAUREN ENGLAND
159 Capítulo 7
A cidade criativa sob as lentes da pandemia:
o (in)sustentável valor da cultura
VALENTINA MONTALTO
171 Capítulo 8
Que indicadores são necessários para incluir
a cultura na agenda político-econômica?
HASAN BAKHSHI
Introdução 9
políticas de indústrias criativas; Carole Rosenstein (George Ma-
son University) trata de arquétipos da política cultural enfatizando
suas facetas positivas e negativas; e George Yúdice (University of
Miami) aborda inovações na política cultural e no desenvolvimento
na América Latina.
Uma política cultural depende de tempo, espaço e local. Não
parece haver reprodução pura e simples de modelos, mas casos de
outros países podem nos fazer refletir sobre quais rotas assumire-
mos para o nosso próprio país. Nesse sentido, Morag Shiach (Queen
Mary University of London) trata de impactos da conhecida polí-
tica para indústrias criativas na Inglaterra em seu texto “Um ‘acordo
setorial’ e um precariado criativo: moldando a política de economia
criativa no Reino Unido desde 2010”; abordando o continente afri-
cano, Roberta Comunian (King’s College London), Brian J. Hracs
(University of Southampton) e Lauren England (King’s College
London) escrevem o capítulo “Economias criativas na África: com-
preensão e apoio”; e Michael Keane (Curtin University) e Elaine
Jing Zhao (University of New South Wales) discorrem sobre a
China em “A reforma do sistema cultural: cultura, criatividade e
inovação na China”.
Uma política consolidada depende de temas contemporâneos –
tais quais saúde mental, cidades criativas e mensurações – que pos-
sam indicar a cultura como o centro de políticas públicas globais,
como as que Valentina Montalto (Joint Research Centre) e Hasan
Bakhshi (Creative Industries Policy and Evidence Centre) apresen-
tam em seus respectivos textos: “A cidade criativa sob as lentes da
pandemia: o (in)sustentável valor da cultura” e “Que indicadores são
necessários para incluir a cultura na agenda político-econômica?”.
Este tomo se dedica sobretudo a construir pontes em políticas de
economia da cultura – pontes que ligam distintos países e variados
matizes teóricos, tradições e visões, entre outros. Uma das mais im-
portantes e estratégicas pontes nesse processo é a que faz a ligação
entre a teoria, o impacto e a tomada de decisão. Por isso, entende-
mos que as reflexões de gestores em âmbito federal, responsáveis
diretamente pela área de indústrias criativas e economia da cultura
da história recente do Brasil, constituem a melhor forma de se contar
essa história enquanto pensamos na sua reconstrução. Por isso, você,
leitor, também encontrará neste livro uma entrevista com Cláudia
Leitão, Guilherme Varella, Cláudio Lins de Vasconcelos, Mansur
Bassit e Aldo Valentim.
10 Leandro Valiati
Conhecer – e respeitar – o passado e seu momento histórico, en-
tender o presente e suas potencialidades, olhar o mundo e projetar a
arquitetura de um novo futuro: é disso que a política pública de eco-
nomia da cultura no Brasil precisa urgentemente. Tendo isso como
pano de fundo, esperamos que esta publicação possa contribuir com
alguns insights, ajudando na construção de novos tempos e atores.
Boa leitura!
Introdução 11
MORAG SHIACH é professora de História da Cultura na School
of English and Drama da Queen Mary University of London,
Reino Unido, onde também dirige o Centre for the Creative
and Cultural Economy (Network). Publicou amplamente so-
bre história da cultura, teoria da cultura e economia criativa.
Na última década, liderou uma série de grandes projetos de
pesquisa em colaboração com parceiros de economia criativa.
Um “acordo setorial” e
um precariado criativo:
moldando a política de
economia criativa no
Reino Unido desde 20101
MORAG SHIACH
14 Morag Shiach
A ECONOMIA CRIATIVA E A ESTRATÉGIA INDUSTRIAL
16 Morag Shiach
As indústrias criativas – incluindo cinema, tv, moda e design,
artes, arquitetura, editoras, publicidade, videogames e artesa-
nato – são uma força indiscutível na nossa economia; na verdade,
elas estão no coração da vantagem competitiva do país. De Harry
Potter a Grand Theft Auto, da Saatchi & Saatchi à Savile Row, as
indústrias criativas respondem por 92 bilhões de libras de valor
agregado bruto (vab), dois milhões de empregos e estão cres-
cendo duas vezes mais rápido do que a economia como um todo.
(2018, p. 2)
18 Morag Shiach
Em resposta a tais críticas, a Creative Scotland procurou rearticular
sua estratégia de forma a enfatizar objetivos comuns e apresentar
uma compreensão mais diversificada de valor.
Em 2014, a Creative Scotland publicou novo plano previsto para
dez anos, chamado Unlocking Potential, Embracing Ambition: a Shared
Plan for the Arts, Screen and Creative Industries, 2014-24.13 O plano ar-
ticulou uma “visão compartilhada” ambiciosa:
Setores
20 Morag Shiach
John Elkington.16 Na discussão da política cultural em desenvolvi-
mento na Escócia, ela é usada para destacar os impactos interliga-
dos associados a três formas diferentes de valor: cultural, social e
econômico. Todos os três tipos de valor foram explicitamente men-
cionados por legisladores, organizações culturais e financiadores
escoceses nos últimos anos. Por exemplo:
Tal como a Escócia, o País de Gales viu o aumento relevante dos seus
poderes descentralizados nos últimos vinte anos, desde a aprovação
da Lei do Governo do País de Gales (1998), que levou à criação de
uma Assembleia Nacional. Iniciativas recentes e significativas re-
lacionadas à política cultural incluem a publicação de um relatório
realizado para o governo galês em 2014, intitulado Culture and Po-
verty: Harnessing the Power of the Arts, Culture and Heritage to Promote
Social Justice in Wales.21 A análise que fundamentou o relatório foi
encomendada pelo ministro da Cultura e Esportes do País de Gales
em deliberação com os ministros das Comunidades e Combate à Po-
breza, da Habitação e Regeneração e da Educação e Competências,
22 Morag Shiach
e foi liderada pela baronesa Andrews – anteriormente consultora
de políticas de Neil Kinnock e também presidente do English He-
ritage –, que foi nomeada par vitalícia em 2000. A orientação para
a análise foi “recomendar maneiras de como os órgãos culturais e
patrimoniais poderiam trabalhar de forma próxima para ampliar o
acesso, a valorização e a participação na cultura a fim de contribuir
para a redução da pobreza” (p. 3). O relatório abrange uma série
de questões relacionadas às barreiras ao acesso à cultura e à arte; ao
envolvimento da comunidade com a arte e a cultura; à educação e
ao treinamento; às habilidades culturais; e à infraestrutura cultural.
Ele ainda argumenta o seguinte:
24 Morag Shiach
GOVERNO LOCAL E POLÍTICA DE ECONOMIA CRIATIVA:
O CASO DE LONDRES
Fonte: londonmap360.com/london-boroughs-map.
26 Morag Shiach
Os principais dados relacionados aos sete bairros são apresentados
na tabela abaixo:
Tabela 2
(nacional = 14)
28 Morag Shiach
A vulnerabilidade da economia criativa em relação aos choques gerados
pela pandemia de covid-19 e os desafios específicos para o desenvol-
vimento de intervenções governamentais que pudessem responder ao
grande número de microempresas e autônomos dessa economia (há,
por exemplo, mais de 5 mil trabalhadores criativos autônomos baseados
nas cezs de Hackney Wick e Fish Island) expuseram ainda mais a pre-
cariedade de muitos trabalhos dentro da economia criativa. Conforme
relatado pela Creative Industries Federation, em 6 de abril de 2020:
Notas
30 Morag Shiach
3 Hesmondhalgh, D. et al. Culture, Economy 21 Disponível em: www.gov.wales/sites/default/
and Politics: the Case of New Labour, Londres: files/publications/2019-06/culture-and-poverty-
Palgrave Macmillan, 2015, p. 59. harnessing-the-power-of-the-arts-culture-and-
4 Smith, M. ‘Creative Industries’ Revisited (palestra heritage-to-promote-social-justice-in-wales.pdf.
na Goldsmiths University of London, 2019). 22 Relatório disponível em: www.gov.wales/
5 Disponível em: www.gov.uk/government/ sites/default/files/publications/2019-06/arts-
publications/industrial-strategy-building-a- -and-culture-vision-statement-light-springs-
-britain-fit-for-the-future. -through-the-dark.pdf, p. 6.
6 Disponível em: www.media.nesta.org.uk/ 23 Mais informações em: futuregenerations.
documents/beyond_the_creative_industries_ wales/about-us/future-generations-act.
report.pdf. 24 Disponível em: arts.wales/sites/default/
7 Disponível em: www.nesta.org.uk/ files/2019-02/Corporate_Plan_2018-23.pdf.
report/a-manifesto-for-the-creative-economy. 25 Disponível em: www.london.gov.uk/sites/
8 Ver: www.gov.uk/government/news/pm- default/files/creative-enterprise-zones_
unveils-plans-for-a-modern-industrial- prospectus-2017.pdf.
-strategy-fit-for-global-britain. 26 Disponível em: news.croydon.gov.uk/
9 Disponível em: www.gov.uk/government/ croydon-town-centre-to-be-heart-of-new-
publications/creative-industries-sector-deal. -creative-enterprise-zone.
10 Ver: www.gov.uk/government/groups/ 27 Disponível em: www.london.gov.uk/press-
creative-industries-council#role-of-the-group. -releases/mayoral/mayor-announces-first-
11 Ver: www.gov.uk/government/news/ -creative-enterprise-zones.
making-britain-the-best-place-in-the-world- 28 Disponível em: www.haringey.gov.uk/news/
-for-the-creative-industries-to-thrive. haringey-creative-boosts-announced-2019.
12 Ver: www.theguardian.com/culture/ 29 Disponível em: www.hounslow.gov.uk/news/
charlottehigginsblog/2012/oct/09/ article/656/hounslow_announced_as_one_
open-letter-creative-scotland. of_mayor_of_london_s_first_ever_creative_
13 Disponível em: www.creativescotland.com/ enterprise_zones.
what-we-do/the-10-year-plan. 30 Disponível em: love.lambeth.gov.uk/
14 Disponível em: www.creativescotland. brixton-named-creative-enterprise-zone-
com/__data/assets/pdf_file/0017/34910/ -mayor-london.
Creative-Industries-Appendix-2.pdf, p. 3. 31 Disponível em: lewisham.gov.uk/articles/
15 Ver: www.gov.uk/government/collections/ news/creative-enterprise-zone-launched-in-
creative-industries-economic-estimates; -deptford-and-new-cross.
www.gov.scot/policies/creative-industries. 32 Disponível em: www.creativeindustries
16 Ver Henriques, A.; Richardson, J. (orgs.). federation.com/news/press-release-federation-
The Triple Bottom Line: Does it all Add up?, -calls-urgent-grant-support-creative-organisations.
Londres: Routledge, 2004. 33 Nesta e Sage, The State of Small Business: Putting
17 Dundee’s Creative Industries Strategy, 2017-21. UK Entrepreneurs on the Map, 2017, pp. 9 e 37.
Disponível em: dundeecreates.creativedundee.com. 34 Kockel, U, Shoormal Conference: New
18 Screen Scotland. Partners’ Memorandum, Coasts and Shorelines – Shifting Sands in
2018. Disponível em: www.screen.scot/binaries/ the Creative Economy, Shetland, 2019, p. 9.
content/assets/screen-scot/funding–support/ Disponível em: issuu.com/shetlandarts/docs/
research/screen-scotland-partners-mou- shoormal_programme_a4.
-september-2018.pdf, p. 2. 35 Mould, O, Against Creativity, Verso, 2018.
19 Disponível em: www.gov.scot/publications/ Introdução disponível em: www.versobooks.
policy-statement-creative-industries. com/blogs/4115-a-history-of-creativity.
20 McFadyen, M. “The Creative Economy?
Towards a Culture of Possibility”. Disponível em:
bellacaledonia.org.uk/2019/10/20/the-creative-
-economy-towards-a-culture-of-possibility.
34 George Yúdice
demográficos excluídos da política cultural: os grupos pobres, ra-
cializados e marginalizados fora dos grandes centros metropolitanos.
Em outras palavras, refiro-me a políticas que reforçam as indústrias
culturais e criativas a fim de fortalecer a inclusão democrática. Ne-
nhum Estado que conheço desvalorizou programas já existentes
(por exemplo, para teatros nacionais ou orquestras filarmônicas)
com o objetivo de financiar iniciativas baseadas em direitos cultu-
rais, como os Pontos de Cultura, que foram instituídos nos últimos
anos em vários países da América Latina (e que eu analiso a seguir).
Esses programas, que complementam as políticas artísticas ou patri-
moniais já existentes, continuam a ser vistos como compensatórios
pelos atores culturais convencionais. Embora minha perspectiva
de instituir políticas culturais que levem a sério o desenvolvimento
cultural não seja necessariamente baseada no crescimento econô-
mico, é preciso reconhecer que, se não houver mais financiamento,
novas iniciativas não poderão florescer. Uma das estratégias para
obter maior apoio é convencer outros setores do Estado (economia,
comércio, ciência e tecnologia, turismo etc.) a estabelecerem parce-
rias com a cultura nos planos de desenvolvimento nacional e urbano.
Exploro essa estratégia na seção final deste estudo.
36 George Yúdice
comerciais e territoriais se transformaram em recomendações de
políticas para fortalecer o cinema latino-americano. Já em 1987,
compilou grande variedade de informações e análises em seu livro
Cine latinoamericano: economia y nuevas tecnologías audiovisuales. Ele já
coletava dados desde a década de 1970 em boletins mimeografados
sobre as indústrias culturais no Peru. Em 1985, foi membro funda-
dor da New Latin American Cinema Foundation e realizou estudos
regionais sobre cinema, sendo o livro de 1987 um produto desse tra-
balho. Continuou a defender suas ideias como coordenador regional
do Observatório do Cinema e do Audiovisual da América Latina.
No cinema, bem como na tv e no rádio comercial, políticas efeti-
vas não podem ser projetadas sem se conhecer as condições de pro-
dução e comercialização do trabalho local, sem se entender e ante-
cipar o impacto das novas tecnologias ou como novos públicos são
formados. Em uma entrevista um ano antes de sua morte, Getino
fez um retrospecto desses projetos e declarou: “Sem informações
confiáveis, é arriscado pensar em políticas de desenvolvimento, em
qualquer campo. [No meu caso] foi uma questão de descobrir da-
dos e análises desse setor para contribuir para a melhoria das polí-
ticas” (Getino, 2011). Ele era um construtor de instituições e, para
tanto, promoveu pesquisas, coletas de dados e análises. Logo após
seu retorno do exílio para a Argentina, dirigiu o Instituto Nacio-
nal de Cinema (1989–90). Foi pioneiro nos primeiros estudos da
economia das indústrias culturais na Argentina. O próprio Getino
viu sua longa carreira como parte de um “processo que culminou,
felizmente, com a Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual”
(Getino, 2011).
Tal objetivo também foi alcançado pelo ativismo de trabalhado-
res culturais de base (Segura; Prato, 2018). Se a ênfase nas décadas
de 1960 e 1970 foi na insurgência decolonial, nos anos pós-ditadura
(1983 em diante) ela se deu no desenvolvimento de fortes indústrias
culturais e iniciativas comunitárias, as quais poderiam suportar o
ataque de conglomerados americanos, europeus e latino-americanos
que não tinham o interesse dos cidadãos como prioridade.
A criação da Divisão das Indústrias Criativas da Cidade de Bue-
nos Aires no Ministério do Desenvolvimento Econômico, poste-
riormente abrigada no Ministério da Modernização, Inovação e
Tecnologia, é uma consequência direta do tipo de defesa que Getino
e outros realizaram ao longo dos anos. Ela fornece inúmeros serviços
(jurídicos, de pesquisa etc.), assistência e incentivos, e ajuda ainda
a preparar empresas para mercados estratégicos, gerando emprego
38 George Yúdice
importadores líquidos, contribuindo para déficits comerciários.
A feira foi criada para reverter essa situação. O primeiro Micsur foi
um evento sem precedentes, devido ao seu tamanho e abrangência
continental – na primeira reunião, em 2014, todos os dez países da
América do Sul participaram, e em futuras reuniões toda a América
Latina será incluída. Em 2014, foram 3.100 participantes creden-
ciados, 9.700 reuniões de negócios, 1.200 produtores, palestrantes e
funcionários e oitenta mesas-redondas, conferências e workshops sobre
o presente e o futuro das indústrias culturais (Resumen Micsur, 2014).
Com intenções semelhantes às de Getino, Hamawi observou as
profundas assimetrias no comércio global de cultura, particularmente
as vantagens obtidas pelos grandes conglomerados transnacionais
voltados ao mercado editorial, cinema, tv e outras áreas graças a seus
enormes orçamentos e acesso ao capital financeiro. Ele enfatizou o
papel do Estado no desenvolvimento de “políticas eficazes que com-
pensem e ofereçam novas possibilidades a pequenas empresas locais”,
porque elas “se envolvem com perspectivas culturais ligadas à identi-
dade e autoafirmação de nossos povos” (Hamawi, 2014).
40 George Yúdice
determinados pela precariedade dos empregos efêmeros que ad-
quirem, pelas demandas trabalhistas do trabalho autônomo e dis-
ponibilidade permanente, pela necessidade de complementar com
empregos não culturais o que eles ganham como artistas, editores
ou músicos independentes. A versatilidade – variando entre lidar
com negócios diversos, formas de colaboração e até mesmo idio-
mas múltiplos e trabalho em outros países – é facilitada por redes
digitais. Mas esse é também um requisito “normalizado”, devido
à flexibilização dos mercados de trabalho e à incerteza quanto ao
futuro dos empregos. Ter vários perfis profissionais e aprender a
trabalhar com especialistas de outras áreas são necessidades de seu
ambiente sociocultural. (García Canclini; Castro Pozo, 2012, p. 9)
42 George Yúdice
evidente quando a Secretaria Municipal e a Câmara de Comércio rece-
beram um prêmio do Comitê Intergovernamental da convenção para
fortalecer o empreendedorismo nessas indústrias (Cámara…, 2017).
O Plano Cultural Decenal de Medellín também aborda brevemente
as indústrias criativas dentro de sua estrutura de desenvolvimento
cultural (Medellín, 2011). Como o plano de Bogotá, ele se baseia nas
recomendações políticas de organizações como Unesco, Agenda 21
da Cultura (um conjunto de recomendações de políticas da organiza-
ção United Cities and Local Governments), Objetivos de Desenvol-
vimento do Milênio das Nações Unidas (odm), e outras. “Cultura e
Desenvolvimento” é uma das oito áreas programáticas do odm espe-
cificamente voltada para ajudar a atingir as metas 1 (a erradicação da
pobreza extrema e da fome) e 3 (a promoção da igualdade de gênero
e o empoderamento das mulheres) (undp, 2007). De fato, em 2006,
o governo da Espanha contribuiu com 710 milhões de dólares para
conquistar tais objetivos, em conjunto com o Fundo para o Alcance
dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (mdg-f) (com uma
subsequente contribuição de 121 milhões de dólares em 2008) (Cul-
ture, 2013). A expansão da Agenda 2030 das oito metas do odm para
dezessete também inclui a cultura como contribuinte para: inclusão
universal na educação de qualidade através do reconhecimento da
diversidade e do diálogo intercultural (meta 4); crescimento econô-
mico sustentado por meio do apoio do turismo sustentável a produ-
tos culturais locais (metas 8 e 12); tornar as cidades seguras usando a
salvaguarda do patrimônio cultural mundial (meta 11). A Agenda 21,
por sua vez, inclui a cultura como o quarto pilar do desenvolvimento
sustentável – juntamente com o crescimento econômico, a igualdade
social e o equilíbrio ambiental, – definindo-o como crescimento eco-
nômico com inclusão social, equilíbrio ambiental, “desenvolvimento
do próprio setor cultural (ou seja, patrimônio, criatividade, indústrias
culturais, artesanato, turismo cultural)” (Culture, 2010, p. 4) e colabo-
ração transversal da cultura com outros setores.
Dadas as particularidades da história da Colômbia, faz sentido que
sua política cultural enfatize metas de desenvolvimento como a paz,
a inclusão social, a diversidade e o diálogo entre culturas. O conflito
de décadas entre o governo, grupos guerrilheiros (que negociaram
acordos de paz recentemente) e narcotraficantes, bem como as pro-
fundas divisões sociais (o país tem o segundo maior coeficiente de Gini
na América Latina), impulsionou a política de vários setores nos úl-
timos 25 anos, incluindo a cultura. De fato, as instituições culturais
de Bogotá e Medellín promovem uma cultura cidadã e a recuperação
44 George Yúdice
Mesmo sua indústria de alta-costura voltou-se para políticas de
inclusão social, em consonância com o novo espírito promovido pelo
governo federal e por vários governos municipais (Deheinzelin, 2007).
Em vez de replicar iniciativas insustentáveis de outras áreas no setor
criativo, os defensores desse setor partem do princípio de que o desen-
volvimento de uma economia criativa sui generis depende da inclusão
e do empoderamento de sua população, particularmente de grupos
populares e minorias marginalizadas que inovaram em suas localida-
des. Como afirmou uma das mais fortes defensoras de uma economia
criativa sui generis brasileira, Ana Carla Fonseca Reis (2007, p. 293),
46 George Yúdice
Autonomia, liderança e empoderamento são os pilares da ges-
tão compartilhada e transformadora nos Pontos de Cultura. […]
Líderes são criados, identidades são redesenhadas e narrativas
tradicionais são interrompidas. (Turino, 2010, pp. 58 e 63)
O programa não busca uma nação única, mas antes nações diferen-
tes que se imaginam heterogêneas e interativas, porque, uma vez
reconhecido o valor do Ponto de Cultura de uma comunidade, o
próximo passo é conectá-lo a outros Pontos de Cultura e criar uma
rede. “Através do Ponto de Cultura, essas comunidades apresentam
uma nova maneira de se ver e de ser vistas” (Turino, 2010, p. 121).
Quando em rede, os Pontos de Cultura encontraram iniciativas
complementares e análogas que aprimoraram seu trabalho. Foi o
reconhecimento desse efeito que levou o consultor Marcus Franchi a
fazer um experimento de economia criativa, liderando um projeto de
estabelecimento de vínculos e criação de clusters. Ele aplicou o modelo
de arranjos produtivos locais (apls), definido da seguinte forma:
48 George Yúdice
pear as possíveis relações entre os atores vinculados e estender os
apls a iniciativas digitais e comunicações alternativas baseadas na
comunidade, estações de rádio comunitárias e bancos comunitários
(Franchi, 2014, depoimento ao autor).3
O programa Pontos de Cultura do Brasil, juntamente com ino-
vações nas políticas culturais municipais em Medellín, foi uma ins-
piração crucial para a criação do Cultura Viva Comunitária (cvc),
uma rede de iniciativas culturais comunitárias em toda a América
Latina. O cvc tem origem em dezembro de 2009, em Mar del Plata,
onde várias redes de cultura e líderes de organizações e movimentos
culturais de seis países se reuniram no i Congresso Internacional de
Cultura para a Transformação Social, organizado pelo Instituto Cul-
tural da Província de Buenos Aires com a colaboração do Conselho
Federal de Investimentos. Não foi por acaso que os atores se uniram:
muitos se conheceram no contexto da virada de esquerda da Amé-
rica Latina no início do novo milênio, que priorizava o protagonismo
das classes populares e de grupos marginalizados, como afrodescen-
dentes e indígenas. Por exemplo, o Fórum Cultural Mundial, cuja
primeira reunião ocorreu em São Paulo, em 2004, sob os auspícios
do então novo Ministro da Cultura, Gilberto Gil, foi inspirado pelo
Fórum Social Mundial – que começou no Brasil, em 2001 –, mas
teve suas raízes nos movimentos progressistas que buscavam alter-
nativas à hegemonia global sob políticas neoliberais e cujos efeitos
eram particularmente prejudiciais para os setores mais desfavore-
cidos da população. Os participantes desse fórum procuraram ca-
pacitar os desfavorecidos através da arte e da prática cultural, não
como espectadores, mas antes como participantes ativos. Entre os
mais conhecidos estão Jorge Melguizo, então secretário de Desen-
volvimento Social de Medellín e ex-secretário de Cultura da cidade,
responsável por uma campanha multissetorial público-privada para
fornecer aos moradores serviços culturais em conjunto com obras de
desenvolvimento urbano e transporte público, e Célio Turino, funda-
dor do programa Pontos de Cultura, na qualidade de diretor (2004–
10) da Secretaria de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura.
Muitas das organizações desse encontro tiveram uma longa tra-
jetória no trabalho com as comunidades locais, como o Teatro do
Oprimido, que remonta à década de 1960 no Brasil, e os grupos cons
tituintes da Rede Latino-Americana de Arte para a Transformação
Social e a Rede de Teatro Comunitário. Entre os assuntos discutidos
estava o programa Pontos de Cultura, que reconheceu e ajudou a
financiar e conectar mais de 2.500 iniciativas artísticas e culturais já
50 George Yúdice
Outro objetivo importante para a organização continental é obter a
força necessária para influenciar organismos internacionais e mul-
tilaterais, como a Secretaria-Geral Ibero-Americana (Segib), na
implementação de políticas de apoio em todos os níveis – especial-
mente municipais e locais – da sociedade. De fato, na xxiii Cúpula
de Chefes de Estado e de Governo no Panamá, em 2013, o cvc foi
incorporado ao programa Ibercultura Viva e Comunitária, da Segib,
para fortalecer as políticas culturais baseadas na comunidade nos
países ibero-americanos (Ibercultura, 2017).
De acordo com os documentos do cvc, existem mais de 17 mil
experiências culturais comunitárias na Argentina, impossibilitando
a revisão de uma amostra representativa dessas iniciativas. Basta di-
zer que essas organizações e redes conseguiram a instituição de uma
política de Pontos de Cultura por parte do governo a partir de 2011,
com 450 pontos apoiados na seleção de 2013, e que agora são mais de
setecentos (Brasil, 2017). Foram instituídas ou estão em processo de
institucionalização políticas de Pontos de Cultura em várias cidades
e países além de Brasil e Argentina – Antofagasta (Chile), Uruguai,
Paraguai, Peru, Costa Rica, El Salvador, Guatemala e Espanha – com
discussões e representantes de outras localidades nas reuniões anuais
do cvc. Vale a pena mencionar que Fresia Camacho, uma ativista de
longa data na cultura comunitária – participante de numerosas or-
ganizações e redes na Costa Rica, como a Guanared –, foi nomeada
representante do cvc no Ministério da Cultura e Juventude pela ad-
ministração anterior e diretora de Cultura em maio de 2014 pela
atual administração, com a tarefa de descentralizar ainda mais os
recursos e oportunidades. Ela já havia organizado o vi Congresso
Ibero-Americano de Cultura em abril de 2014, no qual os Pontos de
Cultura tiveram um papel importante. Assim, Camacho convidou
Célio Turino, fundador do programa no Brasil, para ser consultor na
nova Lei e Política de Cultura da Costa Rica. Os Pontos de Cultura
da Costa Rica pretendem oferecer um programa de estímulos e criar
sinergias para o fortalecimento de organizações, redes, iniciativas
coletivas e espaços socioculturais ligados à promoção da diversi-
dade cultural, à economia solidária e à salvaguarda dos patrimônios
culturais e naturais (Inscripciones, 2017). O último item é muito
importante na Costa Rica desde que, há mais de quarenta anos, os
ambientalistas conseguiram influenciar outros setores da sociedade
para efetuar uma transformação significativa da matriz produtiva
do país, com uma energia limpa e uma forte proteção ambiental em
equilíbrio com uma indústria de turismo ecológico vibrante.
5. Capital cultural como capital social 5. Capital cultural como bens e serviços de
em geral. valor agregado para o mercado.
OS DOIS LADOS SÃO ÊNFASES, E NÃO FORÇAS ABSOLUTAS. UMA VISÃO INTEGRADA DEPENDE DOS
ENTRELAÇAMENTOS E DOS CICLOS DE FEEDBACK ENTRE AMBOS OS POLOS PROPOSTOS.
52 George Yúdice
Com base na sustentabilidade ambiental endêmica da política pú-
blica costa-riquenha desde os anos 1980 – responsável pela duplica-
ção da cobertura florestal entre 1983 e 2010 e pelo desenvolvimento
do “crescimento verde” (Costa Rica, 2012; Watts, 2010) –, Durán
Salvatierra fez algo similar para as indústrias culturais e criativas:
promoveu, por exemplo, “políticas para apoiar as micro, pequenas
e médias empresas com o intuito de melhorar suas capacidades de
produção e gestão local, bem como de assegurar ligações com agen-
tes de grande escala e tendências globais” (Watts, 2010, pp. 14–5)
e clusters a fim de alcançar a sustentabilidade. A questão não é con-
centrar-se exclusivamente em indústrias criativas de alta tecnologia
nem em comunidades pobres, mas sim fomentar ambos e, quando
possível, estabelecer vínculos entre elas.
Como outros ministérios, o Ministério da Cultura e Juventude da
Costa Rica tem muito do seu orçamento destinado a infraestrutura,
pessoal e programas historicamente emblemáticos, como o Teatro
Nacional, museus etc. O recém-instituído programa Pontos de Cul-
tura, que busca fortalecer a participação de pequenas organizações
culturais locais, tem um orçamento relativamente modesto. Dada a
tendência de aperto do cinto na atual crise fiscal, é improvável que
o orçamento do setor cultural seja aumentado; daí a necessidade de
encontrar outros recursos. Além disso, tendo em mente que mesmo
as menores iniciativas envolvem investimentos e gastos – ainda que
apenas para instrumentos musicais ou figurinos para espetáculos de
dança –, o ministério está buscando formas de parcerias com outros
setores governamentais (economia, comércio, ciência e tecnologia,
turismo) para impulsionar as indústrias culturais e criativas. Como
em outros casos, o setor cultural precisa demonstrar a outros se-
tores sua importância tanto para atender aos direitos culturais dos
cidadãos quanto para gerar riqueza, mesmo que, como já vimos, o
emprego cultural tenha um alto nível de informalidade e careça de
direitos trabalhistas. No entanto, somente quando o trabalho cultu-
ral é transformado em uma prioridade do governo, políticas podem
ser concebidas para melhorá-lo.
Através de colaboração e lobby com outros setores, a economia
criativa alcançou o oitavo lugar entre quatorze setores no ranking do
Plano Nacional de Desenvolvimento. A ideia, semelhante aos apls
desenvolvidos por Franchi no Brasil, é estabelecer clusters que per-
corram setores públicos, privados e acadêmicos para alavancar opor-
tunidades. Iniciativas estão em andamento para trabalhar com pro-
dução audiovisual, literária, artesanato, gastronomia e outras áreas.
Processos Responsáveis
54 George Yúdice
CONCLUSÃO
1 Artigo publicado originalmente em inglês: Sylvie Durán Salvatierra, Ricardo Arias Lira,
Yúdice, G. “Innovations in Cultural Policy Alejandra Hernández e Carlos Villaseñor. Este
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em Revista, v. 12, n. 1, 2019, pp. 121–56. distinta desde los jóvenes. Madri: Fundación
doi: 10.9771/par.v12i1.30408. Tradução feita Carolina, 2011.
pelo professor Leonardo Costa. Gostaria 3 Mensagem recebida por e-mail em 10 de
de agradecer às seguintes pessoas pelas agosto de 2014.
informações que forneceram para este ensaio:
56 George Yúdice
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O SISTEMA CULTURAL
NOVOS CAMINHOS
Mais uma vez notamos uma forte dose de retórica que reflete a
agenda de desenvolvimento industrial do Estado e sua ênfase em
tecnologia da informação como um meio de alcançar o Ocidente
avançado e seus próprios vizinhos da Ásia Oriental (Coreia do Sul
e Japão). Desde 1998, os parques científicos e tecnológicos sediados
em torno das universidades testemunharam um rápido desenvolvi-
mento. Os parques anteriores estavam focados em ciência e tecnolo-
gia: alguns eram especializados em campos tecnológicos específicos
dominados por uma única universidade; outros, mais abrangentes,
administrados pelo governo local com a participação de várias uni-
versidades. Além disso, desde 2006, os parques científicos e tecno-
lógicos passaram por uma virada de “humanas”, com muitos deles,
recém-estabelecidos, ligados a universidades com forte capacidade
de pesquisa nas disciplinas dessa área (Peng, 2009).
De fato, a inovação está acontecendo cada vez mais fora da pes-
quisa e do desenvolvimento no âmbito corporativo. Inovação susten-
tável significa que os produtos e serviços precisam ser melhorados
por meio de conversas contínuas com vários atores. Entre esses ato-
res estão os consumidores, que assumem cada vez mais importância
na produção criativa e na inovação. Por exemplo, o crescimento vi-
brante do conteúdo gerado pelos usuários no domínio digital teve
um impacto social, cultural, econômico e político significativo na
China. Embora a criatividade de base exista em grande parte no setor
informal, que não é contabilizado nas estatísticas do governo, tem
havido uma tendência pela qual os atores da indústria no setor for-
mal começam a trabalhar em conjunto com talentos de base (Zhao;
1 Este artigo foi originalmente publicado em intelectuais foram convocados para liderar a
Cultural Policies in East Asia, Londres: Palgrave transição da China para a modernização, em
Macmillan, 2014, pp. 155–73. [N. do org.] contraste com as décadas anteriores, quando o
2 Li Wuwei é um dos principais conselheiros valor do trabalho intelectual foi rebaixado e
políticos da China e o mais importante pensador o trabalho manual foi elevado.
do país na área de desenvolvimento social e 6 Wenhua tizhi gaige shidian gongzuo de yijian.
econômico. Foi vice-presidente da Conferência 7 Quebao guojia wenhua anquan.
Consultiva Política do Povo Chinês (ccpcc) 8 Em 2008, a Administração Estatal de Rádio,
entre 2008 e 2012. É autor de vários livros, Cinema e Televisão (sarft) promoveu uma
incluindo How Creativity is Changing China. campanha de repressão em larga escala em sites
3 A ccpcc é composta por um quadro variado, de compartilhamento peer-to-peer no setor
incluindo membros dos partidos “democráticos” digital (ver Zhao e Keane, 2013). A intenção era
da China, como o Kuomintang Revolucionário, conter a atividade de distribuição informal.
líderes empresariais, generais do Exército de 9 Wenhua tizhi gaige shidian gongzuo de yijian.
Libertação Popular e outros. 10 Wenhua chanye zhenxing guihua.
4 Sobre essa declaração do período, ver: 11 Decisão do Comitê Central do pcc
www.prnewswire.com/news-releases-test/ sobre as principais questões relacionadas ao
alvin-toffler-named-among-chinas-most- aprofundamento da reforma do sistema cultural
influential-foreigners-56959942.html. e à promoção do grande desenvolvimento da
5 Essas ideias se tornaram influentes em uma cultura socialista.
época (meados da década de 1980) em que os
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84 Carole Rosenstein
ARQUÉTIPOS DE POLÍTICA CULTURAL E TEORIAS DA
POLÍTICA CULTURAL NACIONAL (O LADO RUIM)
Grau de centralização
Objetivo Instrumento Administração
vertical
Patrocínio/
Nacionalista Centralização Ministério
patronagem
Agências
Econômico Subsídio/doação
Descentralizado fragmentadas
Social Grantmaking Quango
Instituições
Político Gastos fiscais Delegado
culturais públicas
86 Carole Rosenstein
muito fortemente as tendências históricas: seguindo sua tendência
de apoio estatal à arte, a França desenvolveu o que Cummings e
Katz chamam de “modelo do Ministério da Cultura francês”, en-
quanto a Inglaterra desenvolveu a “fundação quase pública” de
controle governamental parcial, alicerçada em sua tradição de
apoio privado à arte.
A protoarquetipagem baseada em tradições históricas de apoio
à arte fundamenta uma tipologia de “forma organizacional” que
não resiste à análise. Empregando essa tipologia, por exemplo,
Cummings e Katz definem a política dos Estados Unidos vincu-
lando-a ao National Endowment for the Arts (nea), reconhecido
por eles como uma “fundação quase pública”, no modelo do Arts
Council inglês. Contudo, a administração da política cultural ame-
ricana é profunda e fundamentalmente híbrida. Isso é verdade
mesmo para a faixa mais estreita de política e administração que
se concentra na arte. Embora a administração cultural americana
não inclua um ministério, ela incorpora cada um dos outros tipos
de forma organizacional em funções administrativas essenciais.
A administração cultural nos Estados Unidos geralmente está as-
sociada ao nea, mas isso tem mais a ver com a maneira de perceber
a arte como representante de toda a cultura e com as narrativas
da Guerra Fria de formulação de políticas culturais do que com a
sua real organização burocrática de administração. Outro exemplo:
muitos ministérios supervisionam o tipo de instituição cultural do
setor público que Cummings e Katz classificam como “empresarial”
(em que o governo atua no papel de empresário). Muitas dessas
instituições se envolvem em doações, o que as tornaria algo mais
parecido com um quango. Essa tipologia simplesmente não encon-
tra respaldo nos tipos e nas configurações da estrutura adminis-
trativa que encontramos no mundo, e que queremos descrever e
entender cuidadosamente.5
Existem vários problemas aqui; o maior deles é o fato de Cum-
mings e Katz inclinarem-se para o apoio à arte como dimensão expli-
cativa fundamental subjacente à política cultural (nesse sentido, eles
não são os únicos). Um bom argumento é o de que a política cultural
britânica pode ser mais bem compreendida quando observada a his-
tória da sua orientação para a regulamentação da cultura, em vez de
sua orientação para o apoio à arte. A forma como a arte é vista, isto é,
como parte da cultura, deve ser considerada no desenvolvimento de
uma tipologia comparativa efetiva. Esse tratamento delineia a dis-
tinção básica entre uma tradição francófona, que acredita na forte in-
++ + − −−
88 Carole Rosenstein
Partindo de fundamentos para a comparação dos graus de “apoio à
criatividade”, os arquétipos de Chartrand e McCaughey destacam
mecanismos administrativos distintos, usados nos quatro países
citados: nos Estados Unidos, eles estão associados aos gastos tribu-
tários; na Inglaterra, ao Arts Council, com controle governamental
parcial; na França, a um Ministério da Cultura centralizado; e na
urss, à propriedade nacional da empresa cultural. Os mecanismos
administrativos repousam no centro dos arquétipos, fornecendo a
chave para identificar as diferenças entre eles.
No entanto, a tipologia descrita não consegue distinguir as
duas dimensões da administração: os instrumentos políticos e
a organização burocrática. A despesa fiscal e a nacionalização
são instrumentos políticos; os conselhos e ministérios das artes
constituem tipos da organização burocrática. Os fundamentos
conceituais dessa estrutura tornam-se mais aparentes quando as
instituições são substituídas pelos instrumentos políticos tipi-
camente associados a elas – subsídios e provisão pública,7 como
pode ser visto a seguir (figura 3):
Conselho de
Administração [nulo] Ministério [nulo]
Artes
Subsídio/ Provisão
Instrumento Gastos fiscais Nacionalização
doação pública
90 Carole Rosenstein
Ao apresentar seus arquétipos, Chartrand e McCaughey agrupam
características das quatro nações mencionadas e unem desejo de
apoiar a expressão artística ou a criatividade (ou não) com vontade
de intervir no mercado (ou não). O uso de arquétipos faz supor
que todos os tipos de diferença podem ser explicados em relação à
abordagem de uma nação no mercado – não só o compromisso do
governo com a criatividade, mas também seu interesse fundamen-
tal pela cultura enquanto interesse público, sua vontade de investir
na cultura e seu respeito pelos padrões estéticos. A estrutura de
Chartrand e McCaughey se funde, reforçando a tendência de tor-
nar a questão da “liberdade artística” um tema privilegiado de todo
estudo comparativo de políticas culturais. Encarar tais diferenças
como aquelas que devem fundamentar a política cultural compa-
rada pode ter feito sentido no contexto da Guerra Fria, mas hoje não.
Atualmente, o estudo comparativo de políticas culturais deve tra-
tar das maneiras como as políticas abrangem toda uma variedade
de formas culturais, não apenas a arte, e também deve ser capaz de
comparar amplos sistemas de política cultural, não apenas modelos
de financiamento artístico. Alguns legisladores e políticos tendem
a privilegiar a ideologia de mercado, usando-a como uma espécie
de epistemologia para toda política. Não devemos tomar isso como
verdadeiro ou, ao menos, verdadeiro em todas as ocasiões. Essa con-
figuração pode ser apenas o produto de um período histórico especí-
fico (anos 1980, por exemplo) ou de alguma outra força. Definir se o
uso de um determinado instrumento político de fato reflete outros
tipos de intenções e em que grau isso ocorre – principalmente uma
orientação voltada para o mercado – são questões que exigem es-
tudo mais aprofundado.
Parece, então, que duas coisas são verdadeiras sobre o conjunto
de influência de arquétipos de política cultural: eles refletem diferen-
ças que as pessoas acreditam ser reais e consequentes e, ao mesmo
tempo, referem-se a sistemas que compartilham muitas das mesmas
características administrativas. Isso sugeriria que a melhor forma de
explicar as diferenças entre esses sistemas não é olhar para a admi-
nistração cultural.
No entanto, destrinchar os arquétipos de Chartrand e Mc-
Caughey é um exercício valioso por várias razões. Em primeiro lugar,
o exercício acusa que o uso de determinado instrumento político
pode ser impulsionado por uma ideologia de mercado tanto quanto
o é, se não muito mais, por qualquer eficácia ou eficiência direta
que ele pode ter ou qualquer resultado específico que uma política
92 Carole Rosenstein
A ideia lembra o insight de Tocqueville, que disse: “Em todos os lu-
gares que, à frente de um novo empreendimento, você vê o governo
na França e um grande lorde na Inglaterra, pode ter certeza de que
encontrará uma associação nos Estados Unidos” (Tocqueville, 2000
[1805–59], p. 489). Ou Mary Glasgow, a primeira secretária-geral
do Arts Council, comentando que “a ausência de controle oficial é
como gostamos de fazer as coisas na Grã-Bretanha” (citada em Mi-
nihan, 1977, p. 245). As nações têm maneiras diferentes de entender
o ato de governar e certas formas de fazer a administração do Estado,
e essas características maneiras de fazer serão refletidas em tudo o que
regem, incluindo a cultura. Mulcahy usa a ideia de cultura política
para comparar “sistemas de patrocínio cultural” que surgem de qua-
tro tipos de “cultura pública” (2003): nacionalismo francês, liberalismo
canadense, social-democracia norueguesa e libertarismo americano (figura
6). Cada tipo está associado a uma “forma característica de finan-
ciamento cultural”,9 “modo de administração cultural” e “política
cultural” – ou “grandes preocupações de política cultural”.
Estado da Social-
Tipo ideal Protecionista Laissez-faire
cultura -democracia
“Cultura Social-
Nacionalista Liberal Libertária
pública” -democracia
Política
Hegemonia Soberania Democracia Laissez-faire
cultural
94 Carole Rosenstein
neira como ele realmente funciona para vê-lo como mecanismo bem-
-sucedido que incorpora elegantemente tais dimensões. Isso nos diz
muito sobre o poder e a influência de arquétipos.
Considerem-se os três arquétipos de política cultural nacional
mais poderosos: França, Inglaterra e Estados Unidos. As diferen-
ças fundamentais entre eles decorrem de suas diferentes ideolo-
gias políticas ascendentes sobre quem melhor detém a autori-
dade: um governo versus um grande lorde10 versus uma associação,
como Tocqueville colocou a questão. As formas relacionadas de
organização burocrática e instrumentos políticos nesses arqué-
tipos parecem se encaixar com as ideias sobre autoridade como
algo natural e autoexplicativo (figura 7).
Controle
Autoridade Centralizado Delegado
governamental parcial
96 Carole Rosenstein
ral da França se conserva nas atitudes e ideias sobre a língua francesa.
Ela é vista pelos franceses como a mais alta personificação da cultura
de seu país (Schiffman, 1996, p. 80). A clareza, a elegância e o refi-
namento da linguagem são considerados características bem… fran-
cesas. Acredita-se que seja a língua mais adequada ao pensamento
racional e à comunicação. É considerada um instrumento de civili-
zação; falar francês leva o falante à irmandade universal de esclare-
cimento, igualdade e liberdade. Desde 1673, a Académie Française
estabeleceu e fez cumprir os padrões da língua francesa em nome do
Estado, dos cidadãos franceses e de todos os francófonos. O francês
tornou-se o idioma oficial para todas as ações governamentais em
1787. Ensinar o francês-padrão e usá-lo como língua de instrução
nas escolas fazia parte da agenda revolucionária de longo prazo, e
a política linguística colonial dos séculos xix e xx também seguia
nessa direção. A ideologia cultural francesa é uma extensão dessa
forma central. Para os franceses, existe um padrão cultural, e esse
padrão reflete o que é ser francês; além disso, tal padrão pode ser
identificado e fixado, e é esse padrão fixo que o Estado deve manter
e promover. A cultura está no centro do modo como a França se
entende como nação, e o cultivo atento e coordenado da cultura é,
portanto, prioridade do governo.
O valor público da cultura na Inglaterra decorre da sua capaci-
dade de promover a comunhão; isso faz parte da ideologia cultural da
Commonwealth – uma ideia complicada e indescritível. Em essên-
cia, a ideia é a de que, embora as pessoas tenham direitos essenciais
e diferenças irreconciliáveis, elas podem encontrar bens mútuos em
torno dos quais concordam e se unem. No argumento clássico de
Thomas Hobbes sobre a Commonwealth, o que pode uni-los é a paz
que conquistam ao se submeter ao governo de um soberano. Na ideo-
logia cultural da Commonwealth, o que pode unir diversas pessoas
é o reconhecimento mútuo do padrão de excelência incorporado na
cultura inglesa. O uso do inglês como língua franca é visto como uma
expressão dessa ideia. Formas culturais apresentadas na abertura dos
Jogos Olímpicos de 2012 – críquete, Shakespeare, Blake, James Bond,
literatura infantil, os Beatles – são os principais exemplos dessa ideo-
logia: tanto definitivamente britânicas quanto absolutamente glo-
bais. Outro exemplo é o Man Booker Prize, concedido à literatura
em inglês publicada no Reino Unido. O prêmio foi fundamental para
estabelecer a categoria “Commonwealth Literature”, ou seja, litera-
tura escrita em inglês por escritores das ex-colônias. Salman Rushdie
escreveu sobre a ideia de uma literatura da Commonwealth ser
98 Carole Rosenstein
Holmes, juiz da Suprema Corte, em uma decisão sobre liberdade de
expressão em 1919:
CONCLUSÃO
1 Este artigo foi publicado no International parecem sugerir que processos altamente
Journal of Cultural Policy em 2019. Disponível institucionalizados para avaliar e arregimentar
em: DOI: 10.1080/10286632.2019.1691175. a excelência artística representam uma espécie
[N. do org.] de “padrão comunitário” que mina o “apoio
2 Mulcahy desenvolve sua estrutura em uma à criatividade”.
série de artigos. Escolhi o que considero o mais 7 Para uma explicação completa sobre as
sintético e elaborado. diferenças entre esses instrumentos, ver
3 Embora essa definição de ideologia não esteja Rosenstein (2018). Em resumo, a provisão
relacionada com a ideia marxista de “falsa pública da cultura é encontrada quando a
consciência”, ela reconhece uma diferença entre infraestrutura cultural ou os programas
o participante (emic) e as compreensões culturais fazem parte do setor público e são
analíticas (etic). Além disso, vê as ideologias e usados para atender às necessidades culturais.
seus objetos como fenômenos totalmente Às vezes, isso é chamado de “provisão direta”.
sociais, deixando espaço para a influência de A fundação da provisão pública é a posse do
poder, posição e ausência sistêmica ou material ou da infraestrutura cultural pelo setor
conhecimento parcial na formação da ideologia. público. Na provisão pública, o setor público
Muitos antropólogos linguísticos exploraram também governa os recursos culturais.
esse espaço (para uma discussão clássica, ver A administração de terceiros pode até estar em
Irvine, 1989). evidência, mas o governo continua sendo o
4 Um retrato mais completo substituiria a principal formulador de políticas, mantendo
descentralização pelo federalismo e pela sua autoridade de governança. O governo
subsidiariedade como tipos reconhecidos e também pode suprir as necessidades culturais
especificaria que esse espectro tem a ver com pagando dinheiro público sob a forma de
a centralização vertical (ou integração contra subsídio a empresas sem fins lucrativos
estratificação, ver Rosenstein, 2018). e empresas culturais comerciais, ou ainda
5 Uma forma de enquadrar de modo destinando recursos para outra parte
satisfatório a dimensão administrativa é pensar do governo (como nos subsídios
em tipos de centralização ao longo do plano intergovernamentais, concedidos a agências
horizontal (ou concentração contra fragmentação, culturais, com parcerias federais e estaduais
ver Rosenstein, 2018). Uma burocracia cultural nos eua). O subsídio é diferente da provisão
pode estar concentrada em um ministério, pública porque o provedor é independente
organizar algumas agências culturais em um do governo em sua propriedade ou termos de
conjunto enquanto deixa outras fragmentadas, incorporação, governança e administração,
ser totalmente fragmentada, altamente e mantém sua própria autoridade sobre a
descentralizada através da incorporação de um provisão da cultura.
quango com controle governamental parcial, ou 8 A ideia de cultura política vem de Almond,
ainda totalmente descentralizada, delegando G.; Verba, S. The Civic Culture: Political Attitudes
certas funções à sociedade civil. and Democracy in Five Nations, 1963.
6 Chartrand e McCaughey não oferecem um 9 Deixo de lado a tipologia de formas de
exemplo arquetípico de um Estado arquiteto. financiamento cultural de Mulcahy porque a
O único exemplo que usam para ilustrar essa sua discussão é mínima e alguns de seus tipos
configuração é a França, e o arquétipo é parecem erroneamente aplicados. Por exemplo,
comumente entendido como representativo Mulcahy associa a França a subsídios (2003, p. 97),
do país. No entanto, ali, “padrões de excelência embora a política cultural francesa se
artística” são totalmente incorporados na caracterize pelo instrumento político de
formulação e na administração da política provisão pública direta.
cultural institucional. Em sua breve discussão 10 Isso, claro, é profundamente contestado.
sobre a França, Chartrand e McCaughey No entanto, é distintivo e característico. Para
Almond, G.; Verba, S. The Civic Culture: of the Québec and Ontario Experiences
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Sub-national Comparisons? An Analysis mapping-brazil-cultural-participation.
INTRODUÇÃO
ic = a.y
dY dU
Hipótese 1: < 0, >0
dIC dIC
dY dU
Hipótese 2: = 0, =0
dIC dIC
dY dU
Hipótese 3: > 0, >0
dIC dIC
dY dU
Hipótese 4: indefinido, aberto
dIC dIC
EVIDÊNCIA
Tabela 1
3,8
Crescimento do emprego na ic 5 n/d 2
1996–2001
1,9
Crescimento do emprego nacional 3 n/d 1
1996–2001
2
Razão de crescimento do emprego na ic 1,6 — 2
1996–2001
Tabela 2
Média de crescimento do
1,4 1,4 3,5
emprego nacional
Tabela 3
EMPRESAS
RECEITA
Tabela 4
IMPLICAÇÕES
Notas
INTRODUÇÃO
Este artigo faz uma reflexão crítica sobre as discussões e ideias que
surgiram em uma rede internacional de pesquisa com duração de
dois anos, financiada pelo Arts & Humanities Research Council
(ahrc), do Reino Unido. O financiamento visava incentivar pro-
postas de redes que explorassem a contribuição que a pesquisa em
artes e humanidades pode dar aos debates que se ocupam do desen-
volvimento internacional e/ou da Agenda 2030 para o Desenvolvi-
mento Sustentável, da onu. O projeto também buscava apoiar o
desenvolvimento de colaborações internacionais capazes de cruzar
fronteiras com países que recebem Assistência Oficial ao Desenvol-
vimento (oda) e/ou com organizações que desempenham papel
importante no apoio ao desenvolvimento internacional.
A rede de pesquisa foi criada para oferecer uma plataforma de
discussão entre acadêmicos, profissionais, artistas, intermediários
criativos e organizações políticas que tratam do papel, importância
e desenvolvimento das economias criativas no continente africano.
Dada a abrangência do projeto, reconhecemos que nosso trabalho
não pode se estender o suficiente para cobrir todo o continente, tam-
pouco procura se propor a vê-lo e entendê-lo como entidade única.
No entanto, lançando mão de fortes conexões acadêmicas, pretendía-
mos nos envolver com uma amostra significativa de países (Quênia,
Nigéria e África do Sul) para explorar as práticas, oportunidades e
desafios que eles enfrentam.
Este texto propõe-se a traçar alguns dos principais pontos de
aprendizado e reflexão com que nos deparamos em nossa jornada
LITERATURA E METODOLOGIA
A JORNADA DA PESQUISA
METODOLOGIA
75% 72%
Treinamento e Consultoria
habilidades e orientação
de negócios
53%
Espaço e
equipamento
40%
Finanças
71%
Networking
e parcerias
se você quer ter uma política eficaz, precisa ter alguma coisa no
que se basear… Se você não tem informações sobre alguma coisa
(indústrias culturais), ela não existe e você não sabe como apoiá-la.
Mas espero que, se você tiver uma política baseada em evidências,
ela lhe dê uma ideia melhor de onde gastar seus limitados recursos.
OBSERVAÇÕES FINAIS
Economias Desenvolvimento
criativas local
1 2
Ensino
superior
3 4
Juventude Políticas
ento
vim cu
ol
nv
lt
d es e
uRal
1
mico des
en
nÔ
Intermediários
o
vo
ento ec
criativos
lvimento s
2 3
im
lv
oc
vo ial
desen
Reconhecer
o valor que as
economias criativas
trazem para as
comunidades,
a sociedade e a
economia.
Reconhecer o papel
Criar infraestrutura dos intermediários
acessível e inclusiva criativos em
para apoiar economias unir legisladores,
criativas. comunidades e
empreendedores.
Fortalecer colaborações
Investir em
continentais e
colaborações e
internacionais por meio
parcerias com o
de pesquisa e construção
ensino superior.
de redes.
Nota
1 Somos muito gratos pelo apoio financeiro Wakiuru Njuguna, do Fundo Heva; professor
oferecido pelo Arts and Humanities Duro Oni e toda sua equipe do
Research Council (ahrc, bolsa número ah/ Departamento de Artes Criativas da
P005950/1), do Reino Unido, por meio do University of Lagos; Polly Alakija, presidente
Global Challenges Research Fund (gcrf). do State Council for Arts and Culture de
Também gostaríamos de agradecer a todos os Lagos; Ojoma Ochai, do British Council da
participantes que contribuíram com os Nigéria; professora Jen Snowball, da Rhodes
workshops na Cidade do Cabo, Lagos e Nairóbi University; Unathi Lutshaba e equipe, do
em 2019. Nosso agradecimento especial aos South African Cultural Observatory (Saco);
colegas: Ogake Mosomi e à professora Lilac e dra. Irma Booyens e suas colegas do
Adhiambo Osanjo, da University of Nairobi; Human Sciences Research Council.
INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos 1980 e na primeira metade dos anos 1990, vários
pesquisadores e iniciativas de políticas começaram a apontar ques-
tões relativas à constituição da criatividade e da inovação em aglo-
merações espaciais. Explícita ou implicitamente, tal esforço resultou
em uma estrutura teórica emergente, focada no pós-fordismo e sua
manifestação na produção flexível (Amin e Thrift, 1996), dando
origem, enfim, ao conceito de “cidade criativa”.
Allen J. Scott e Richard Florida podem ser considerados alguns
dos principais fundadores das reflexões que sustentam a relação entre
cultura, criatividade e aglomerações urbanas. Scott (1997) examina
o histórico de cidades que, através do tempo, se tornaram clusters es-
pecializados em produção cultural graças à combinação entre um
contexto inicial específico (capital cultural), conexões e trocas (ca-
pital social) e um cenário institucional capaz de traduzir criatividade
individual e coletiva em recurso para o território. A abordagem de
Florida (2002, 2005), por sua vez, torna realmente possível popula-
rizar o assunto, já que traz à tona as dinâmicas de especialização ba-
seadas em cultura de grandes áreas metropolitanas, como Nova York,
São Francisco, Paris ou Berlim. Ao mesmo tempo, impele uma série
de outras cidades menores, como Antuérpia, na Bélgica (Martinez,
2007), Wollongong, na Austrália (Waitt e Gibson, 2009), e Óbidos,
em Portugal (Tomaz, Selada e Da Cunha, 2011), a criar condições
para nutrir dinâmicas similares. Basicamente, Florida presume uma
relação direta entre a classe criativa e o crescimento econômico de
uma cidade; daí a necessidade de atrair a classe de trabalhadores por
meio de um ambiente rico em facilidades (inclusive culturais), di-
verso e tolerante, com excelente infraestrutura tecnológica e alta con-
centração de talentos (os chamados “3 Ts”).
Os autores propõem duas abordagens conceituais bastante di-
ferentes para o papel da cultura e da criatividade nas cidades: no
primeiro caso, uma abordagem orientada pela produção cultural (a
cidade cresce ao produzir cultura), e, no segundo, pelo consumo cul-
Graduados estrangeiros
Confiança em pessoas
D3.4 Qualidade de
5% Qualidade de governança
governança
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Nuremberg
Groningen
Amsterdã
Stuttgart
Barcelona
Frankfurt
Toulouse
Munique
Avignon
Bologna
Bremen
Kraków
Galway
Veneza
Atenas
Leipzig
Leuven
Dublin
Lisboa
Mainz
Turku
Milão
Tartu
Cork
Fonte: Elaborado pelo Joint Research Center (JRC), da Comissão Europeia, com base em dados de
Eurostat (Urban Audit; dados mais recentes combinados para o período de 2011–16. NaceE Rev. 2,
R a U, e Nace Rev. 2, G a I).
Figura 2: Taxa de habitantes satisfeitos com a infraestrutura cultural
de sua cidade (salas de concerto, teatros, museus e bibliotecas)
%
<65
65 - 72
72 - 78
78 - 80
>= 80
População das cidades
<250 000
250 000 – 500 000
500 000 – 1 000 000
1 000 000 – 5 000 000
>= 5 000 000
Fonte: Comissão Europeia (Report on the Quality of Life in European Cities, 2020).
Nota
1 Este artigo foi elaborado para o Seminário Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Internacional de Economia e Política da (ufrgs). Em maio de 2022, foi publicado no
Cultura e Indústrias Criativas para o livro que leva o mesmo nome e está disponível
Desenvolvimento Sustentável, realizado em nos sites do Itaú Cultural e da ufrgs.
outubro de 2021 pelo Itaú Cultural e pela Tradução de Tatiana Diniz. [N. do org.]
Relevante
Dinâmico Inclusivo
Dados culturais
Transparente Oportuno
Confiante
EMPREGOS EM EM OUTRAS
INDÚSTRIAS CRIATIVAS INDÚSTRIAS
2. MODELO DE FINANCIAMENTO
Bibliotecária Ana Luisa Constantino dos Santos Todos os direitos desta edição reservados à
CRB-8/10076 Editora WMF Martins Fontes Ltda.
Rua Prof. Laerte Ramos de Carvalho, 133
01325-030 São Paulo SP Brasil
Fontes gt Flexa, Signifier Tel. (11) 3293-8150
Papel Pólen Soft 80 g/m2 e-mail: info@wmfmartinsfontes.com.br
Impressão Paym http://www.wmfmartinsfontes.com.br
Imagem de capa:
Rodrigo Andrade
Sem título, óleo sobre tela sobre mdf,
120 × 180 cm, 2020
O segundo tomo de Economia da cultura e
indústrias criativas destaca os grandes
referenciais teóricos das políticas culturais de
vários lugares do mundo – da América Latina
e dos Estados Unidos à China, da África à
Europa e Reino Unido –, trazendo as reflexões
de Morag Shiach; George Yúdice; Michael
Keane e Elaine Jing Zhao; Carole Rosenstein;
Jason Potts e Stuart Cunningham; Roberta
Comunian, Brian J. Hracs e Lauren England;
Valentina Montalto; e Hasan Bakhshi. Além disso,
este volume apresenta uma entrevista com
os ex-secretários de Economia Criativa, de
Políticas Culturais ou de Economia da Cultura
brasileiros: Cláudia Leitão, Guilherme Varella,
Cláudio Lins de Vasconcelos, Mansur Bassit e
Aldo Valentim.
LEANDRO VALIATI
organizador e editor
Itaú Cultural
isbn 978-65-88878-58-3
isbn 978-85-469-0422-8