3a guerra

Edição 438 • abril 2022

mundial
Os planos que EUA e URSS
tinham para um eventual
conflito na Guerra Fria. p. 30

r$ 25,00

Estudos mostram: a
técnica é eficaz para
reduzir quadros de
ansiedade, aumentar
o foco, aliviar dores
do parto e até mitigar
problemas intestinais.
Entenda a ciência
por trás das terapias
de hipnose. p. 20
por alexandre carvalho

p. 46 p. 38 p. 52 p. 08
provamos o as outras fomo: o medo a geopolítica
frango de ex-repúblicas de ficar dos satélites
laboratório. soviéticas. por fora. de elon musk.

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1251757-SUPERINTERESSANTE-1_1-1.indd 2 06/04/2022 18:25:41
 carta ao leitor
Liberdade de expressão,
a mãe da democracia
“Um cavalo não admira outro cava-
lo”, escreveu Thomas Mann. O ro-
mancista alemão resume aqui uma
das maravilhas da condição huma-
na. Mas está errado. Quando um po-
tro imita o galope da mãe, faz algo
análogo a admirá-la. Quando luta
contra outro animal por território,
exerce a versão equina do ódio.
A graça da condição humana não
é ter sentimentos. É controlar os
sentimentos. Quando alguém assu-
me o poder, por exemplo, acomete-
-se de um desejo inevitável:
manter-se no poder para sempre –
com todas as consequências funére-
as que isso traz. A democracia, então,
desenvolveu-se ao longo da história
como um método para conter esse
ímpeto: ao prever a realização de
eleições de tempos em tempos, ga-
rante a alternância de poder.
Eleições em si não bastam, po-
rém. Veja o caso da Rússia. Putin
venceu sua primeira no ano 2000 e
reelegeu-se em 2004. Impedido pe-
la constituição de tentar um tercei-
ro mandado consecutivo, apoiou o
aliado Dmitri Medvedev e garantiu-
-se como primeiro-ministro em
2008, mantendo o poder que tinha
antes. Nesse meio tempo, costurou
uma reforma na constituição para
estender o mandato do presidente
seguinte para seis anos. Vieram as
eleições de 2012 e ele se tornou o
presidente seguinte. Seis anos de-
pois, reelegeu-se para o mandato
atual. 22 anos no poder.
Pela constituição russa, este “no-
vo segundo mandato” deveria ser o
último. Mas Putin acabou com esse
problema. Seu partido, o Rússia
Unida, detém 325 das 450 cadeiras
do parlamento. Aprovaram então,
outra reforma constitucional.
No que toca às eleições, mudou-
-se uma filigrana. Antes, o que não
podia era emendar três mandatos
consecutivos. Agora, cumpriu dois
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editorial
(seguidos ou não), você não pode se
candidatar de novo. Democrático, né?
Hum… Não. Decidiram que a lei não
vale para quem “ocupava o cargo an-
tes de a mudança entrar em vigor”.
Ou seja: Putin pode se candidatar em
2024. E vai valer como se fosse um
primeiro mandato. Ele fica livre para
reeleger-se, largando o osso só em
2036. Stálin passou 30 anos no poder.
Putin pode bater essa marca.
E não só porque manipula a carta
magna de seu país. Putin também
sufoca com mão de ferro a liberdade
de expressão. Democracia só é possí-
vel quando o governo da vez permite
a divulgação de fatos e opiniões que
não lhe agradem. São as mudanças
no pensamento coletivo, afinal, que
garantem a alternância de poder. Im-
peça essas mudanças, e o que você
tem é uma ditadura orwelliana. Nem
precisa haver fraude nas eleições. A
realidade em si torna-se uma fraude.
A Rússia já não tinha uma tradição
de imprensa livre. Depois da invasão
da Ucrânia, piorou: o governo baixou
uma lei de censura a qualquer notícia
que eles considerem “falsa” sobre a
guerra, com penas de até 15 anos de
prisão. Isso fez com que veículos crí-
ticos ao Kremlin fechassem as portas,
caso da rádio Ekho Moskvy (Eco de
Moscou) e da emissora Rain TV. O
jornal Novaya Gazeta, chefiado pelo
Nobel da Paz Dmitry Muratov, sus-
pendeu suas atividades até o fim da
guerra. Dmitry ganhou seu Nobel em
2021, junto da jornalista filipina Ma-
ria Ressa. Nas palavras da Academia
Sueca, foi justamente pelos esforços
de ambos “em assegurar a liberdade
de expressão, uma pré-condição para
a democracia”. Que venham mais Mu-
ratovs e Ressas. São pessoas assim
que elevam a condição humana.
Alexandre Versignassi
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 cardápio abril de 2022

20 Capa

hipnose
Esqueça o transe e o estado de sono. A hip-
noterapia, embora ainda pouco difundida,
pode ajudar quem sofre de ansiedade, falta
de foco e até a aliviar problemas durante a
gravidez. Entenda como ela funciona.

30 Os planos da 3ª Guerra
Na Guerra Fria, EUA e URSS criaram estraté-
gias para o caso de um novo confronto global,
que poderia chegar a 100 milhões de mortes.

38 Para além da Rússia

De Belarus ao Cazaquistão, conheça os
países que surgiram com o fim da União So-
viética – e os problemas que eles enfrentam.

46 Granja in vitro
Saiba como é feito (e que gosto tem) o
primeiro peito de frango sintético, criado
a partir do cultivo de células-tronco.

E se a Terceira Guerra
Mundial tivesse
52 A psicologia do FOMO
acontecido? P. 30 Perdeu o show de que todos estão falan-
do? E a festa do fim de semana? Veja como
a ciência explica o medo de ficar de fora.

12 medida polêmica
Técnica permite identificar
essencial (e matar) tubarões que
atacam humanos.
Número
incrível oráculo E se...
6 uma imagem... 58 explica aí, freud 64 baliza nunca mais
Nos EUA, Nasa testa Qual a diferença da psica- E se todos os carros
foguete que levará astro- nálise para outras terapias? fossem autônomos?
nautas à Lua em 2025.

16 “take the cannoli”

Problemas com o estúdio – e
com a máfia: os bastidores
de O Poderoso Chefão, que
8 ... uma opinião completou 50 anos em 2022. 60 slow motion
Internet via satélite: Por que animais grandes se
a maior arma geo- 18 se cuida, rita lobo movimentam devagar?
política já criada. Fogão calcula tempo de
cozimento e a quantidade
exata de cada ingrediente.
22,4 63 lar, doce lar
milhões de km²
Como evitar perrengues
(2,5 vezes a durante a mudança?
supernovas 12 Enquanto isso... área do bra�

10 um filme da sua vida 14 3 notícias sobre

sil). era o ta�
manho da união 59 pá pum última página
Antes de morrer, paciente
soviética , que 61 Só acredito vendo 66 completa com gasolina
16 Pérolas do streaming se desmembrou
62 Pensando Bem...
demonstra alta atividade em 15 países. Quanto custa encher o
cerebral ligada à memória. 19 VOcê decide p.38 62 lost in translation tanque ao redor do mundo?

Capa | Foto Eduardo Dulla Modelo Marcela Marcucci

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 6 super abril 2022 Foto NASA / Getty Images

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 abril 2022 super 7

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 essencial ...uma opinião

na página anterior: O foguete Space Launch System e a cápsula Orion são

levados para o primeiro teste estático (que simula um lançamento, mas não
dispara o foguete) no Kennedy Space Center, na Flórida. Projetado pela Nasa e
construído por um consórcio de empresas que inclui a Boeing, o SLS pode car-
regar 95 toneladas e será usado no programa espacial Artemis, que pretende
levar astronautas à Lua em 2025. Seu desenvolvimento custou US$ 23 bilhões.

Internet
via satélite: A rede Starlink
poderá levar inter-
net sem censura

a maior arma
a todos os pontos
do planeta. Ou se
tornar um instru-
mento poderoso
para manipular

geopolítica
o conteúdo online.
Entenda por quê.

já inventada por bruno garattoni

F
“Falei com o @elonmusk. Sou grato a ele por apoiar a Ucrânia
com palavras e atos. Na próxima semana vamos receber outro lote
de sistemas Starlink para cidades destruídas", tuitou o presidente
ucraniano, Volodymyr Zelensky, logo após a chegada do primei-
ro carregamento de antenas e receptores desse serviço – que foi
criado pela SpaceX, uma das empresas de Musk, e permite acessar
a internet via satélite. Ele doou os terminais para ficar bem com
a Ucrânia (o país produz foguetes cuja tecnologia a SpaceX talvez
possa aproveitar, e Zelensky disse que discutiu “possíveis projetos
espaciais" com Musk para “depois da guerra"). Mas essa não é a
única, e talvez nem a principal, razão.
Como se conecta diretamente a uma rede de satélites em órbita
(atualmente são 1.800, mas a SpaceX já obteve permissão para lançar
12 mil), o sistema Starlink é muito difícil – e, ao mesmo tempo,
bem simples – de controlar. Esse aparente paradoxo o torna uma

8 super abril 2022

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 arma geopolítica sem igual na história
do mundo e das guerras. Porque elas
são ganhas com tiros e bombas, mas
também com uma ferramenta mais
insidiosa: a propaganda ideológica.
Era assim em 1895, quando mal existia
luz elétrica – e o general francês Lou-
is Hubert Lyautey propôs conquistar
“corações e mentes" da população da
Indochina para impedir uma tentati-
va de insurreição. Era assim em 1950,
quando os EUA criaram a Radio Free
Europe, uma estação na Alemanha
Ocidental que transmitia mensagens
capitalistas para o bloco comunista.
E é assim hoje. A tecnologia muda, mas o
princípio se mantém. Se você conseguir
convencer as pessoas, elas ficarão ao seu
lado – e darão as costas aos seus inimigos.
É por essa razão que a China nunca
permitiu o acesso a certos sites, como
YouTube, Instagram e Twitter. O gover-
no viu que não teria controle sobre eles
(pois pertencem a empresas americanas)
e simplesmente os baniu. Também é por
isso que nações como Arábia Saudita,
Turquia, Índia e Irã bloqueiam aplica-
tivos e sites. Segundo a organização
americana Freedom House, 67% dos
usuários da internet vivem em países
com algum tipo de censura online.
Até a Guerra da Ucrânia, isso costu-
mava ser associado a países fechados
e/ou autoritários, não às democracias
ocidentais. Mas uma semana após
a invasão do país, a União Europeia
anunciou o banimento do Russia To-
day (RT) e do Sputnik, dois veículos
russos (com sites e canais de TV e do
YouTube em inglês, francês, alemão e
espanhol). O motivo alegado foi “a ma-
nipulação sistemática de informações
pelo Kremlin" (1). Nos últimos meses,
a Rússia endureceu o controle sobre
a mídia local – o parlamento aprovou
uma lei que permite prender ou multar
jornalistas e veículos de imprensa. Já
o RT e o Sputnik são financiados pelo
Estado, e apresentam as notícias do
ponto de vista do Kremlin.
Mas a censura foi uma medida inédi-
ta no Ocidente, que nunca havia bani-
do a imprensa de um país. O YouTube
deletou todos os vídeos do RT – e a
DirecTV rescindiu o contrato do ca-
nal a cabo RT America, que acabou.
Fonte (1) EU imposes sanctions on state-owned outlets RT/Russia Today and Sputnik's broadcasting. Council of the EU, 2/3/2022.
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Elon Musk disse que não aceita
bloquear sites. Mas a Starlink
poderá ser forçada a isso.
A Rússia respondeu bloqueando o
Facebook e o Instagram.
Três dias depois, Elon Musk escreveu
um tuíte revelador: “Alguns governos,
não o da Ucrânia, disseram para a Star-
link bloquear fontes de notícias russas.
Nós não iremos fazer isso, a não ser
sob a mira de uma arma. Desculpem
por ser um absolutista da liberdade de
expressão." A Starlink pretende levar
internet sem censura a todos os pontos
do planeta. Ao fazer isso, ela pode trans-
formar as comunicações no mundo – e
acabar com o controle estatal sobre a
informação. Por dois motivos.
O primeiro é que, ao contrário de
outros sistemas de internet via satélite
(que existem há décadas, são lentos e
se destinam apenas a uso rural), o Star-
link usa satélites menores, posicionados
numa órbita mais baixa. Isso torna o
sistema mais barato e rápido. A mensa-
lidade custa US$ 99 (caro para o Brasil,
mas dentro da realidade dos EUA), e a
velocidade fica entre 100 e 200 Mbps. Já
é algo bem razoável. E a conexão tende
a melhorar, e o preço cair, conforme a
rede de satélites e o número de assi-
nantes crescerem. Ou seja: a Starlink
é a primeira internet via satélite com
potencial para virar produto de massa,
competindo com a internet cabeada.
O segundo motivo está na própria
natureza da Starlink. Hoje a internet é
formada por uma malha de cabos, que
chegam aos países por meio de “nós",
os chamados backbones. Quando um
governo quer censurar (ou grampear)
a internet do seu país, ele simplesmente
vai até esses pontos – e instala compu-
tadores que filtram o tráfego. Mas com
a rede via satélite, não dá para fazer
isso, pois os dados vêm direto “do céu".
O governo pode tentar embaralhar o si-
nal, emitindo interferência de propósito
(como é feito, em zonas de guerra, para
inibir o funcionamento do GPS), mas
isso só cobre pequenas áreas – seria
muito difícil, ou impossível, bloquear
uma cidade ou um país inteiro. Um di-
tador pode banir a venda de receptores
Starlink em seu país, mas (como acon-
tece com muitos produtos proibidos)
as pessoas poderiam consegui-los por
contrabando. As antenas não chamam
muito a atenção, são parecidas com as
miniparabólicas de TV por assinatura –
e também podem, como sugerido pelo
próprio Elon Musk no caso da Ucrânia,
ser camufladas. Em suma: tecnologica-
mente, a internet via satélite é difícil de
controlar. E tudo o que Musk não quer é
controle estatal – seja do Estado que for.
Ao mesmo tempo, ela é juridicamen-
te vulnerável. Porque concentra toda a
eventual pressão sobre um único alvo: a
própria Starlink. As leis americanas pós-
11 de Setembro tornaram relativamente
fácil que o governo dos EUA obtenha
mandados judiciais, inclusive sob sigilo,
para grampear o tráfego da internet.
E o caso dos canais russos mostrou que
situações de tensão geopolítica podem
acabar levando ao bloqueio de conteúdo.
A Starlink pode receber ordens judi-
ciais ou sofrer pressões da Casa Branca.
Por isso, a exemplo do que aconteceu
com os sistemas de posicionamento, em
que a Europa, a Rússia e a China cria-
ram alternativas ao GPS (as redes Ga-
lileo, Glonass e BeiDou), outros países
querem montar suas próprias redes de
internet: a China planeja colocar em ór-
bita a GalaxySpace, com 1.000 satélites,
e o Reino Unido tem a OneWeb, que terá
648 – e é financiada pelo governo inglês.
A rede chinesa ainda não começou a
ser montada. A inglesa já, mas bateu
num obstáculo: a agência espacial russa,
que havia sido contratada para lançar os
satélites, diz que não vai mais fazer isso
– como resposta às sanções econômicas
que o país vem sofrendo. Nem mesmo
os satélites de internet, que orbitam a
1.100 km de altitude, estão imunes
à política na Terra. S
abril 2022 super 9
4/6/22 20:22
 supernovas
ilustrações Mariana Andrello &
Cérebro pode ter ‘flashback’ antes da morte
Um canadense de 87 anos, portador de
epilepsia, estava passando por um exame de
eletroencefalograma (EEG) quando sofreu um
ataque cardíaco e morreu. Esse imprevisto
permitiu que os médicos fizessem algo raríssi-
mo: monitorar a atividade elétrica do cérebro
de uma pessoa enquanto ela morre (o pacien-
te tinha assinado um documento afirmando
que, em caso de parada cardíaca, não deveria
ser submetido a tentativas de ressuscitação).
10 super abril 2022
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Ane Schütz design carlos eduardo hara
Eles notaram algo intrigante. Nos últimos 30
segundos antes de o coração parar de bater, e
por 30 segundos depois que ele parou, houve
aumento da atividade cerebral nas regiões
relacionadas à memória e aos sonhos (1), com
a presença de ondas elétricas do tipo gama
(com frequência entre 30 e 150 Hz). Segundo
os cientistas, isso indica que o cérebro poderia
estar “tocando” lembranças armazenadas ao
longo da vida. (Bruno Garattoni)
A
07/04/22 17:35
 sn. Edição Bruno Garattoni

84,6%
é o risco de um
iPhone colocado
no bolso da camisa
interferir com mar-
capassos cardíacos,
segundo um estudo
feito na Alemanha
com 164 voluntários
2. O problema está
no sistema de carre-
gamento sem fio do
iPhone, que contém
um ímã – cujo cam-
po magnético liga ou
desliga funções do
marcapasso. Girar
o smartphone, dei-
xando a tela (e não
a bobina de carrega-
mento) virada para o
corpo reduz o risco,
mas ele continua
alto: 46,2%. (BG) B

Cientistas criam ratos sem pai – e com duas mães

EUA preparam Processo dispensa gameta masculino, e gera filhotes que só têm DNA feminino.

lei para banir A partenogênese é um tipo de reprodução combinam os genes de duas fêmeas) se desen-
megafusões assexual em que a fêmea se reproduz sem
precisar de um macho: os gametas femininos
volvessem. Os cientistas criaram 389 embriões
desse tipo, dos quais 192 se desenvolveram – e
Uma lei em trami- dão origem a um embrião que se desenvolve foram implantados em 14 fêmeas. Nasceram
tação no Congresso e nasce. Alguns tipos de abelhas, escorpiões, três ratinhas. Duas tinham baixo peso, eram
americano tornaria peixes e lagartos conseguem fazer isso, mas o pequenas demais e morreram antes de com-
ilegais as fusões de processo nunca foi observado em mamíferos. pletar um dia de vida. A terceira teve dificul-
empresas com valor Agora, cientistas chineses conseguiram: criaram dades de crescimento (devido à falta do gene
de mercado acima uma técnica para induzir a partenogênese em Rasgrf1, que normalmente vem dos gametas
de US$ 5 bilhões ratos de laboratório (3), gerando filhotes que só masculinos), mas conseguiu alcançar a idade
– ou que, juntas, possuem DNA feminino. Eles coletaram óvulos adulta – quando foi cruzada com um macho e
dominem mais de de ratas e desabilitaram sete trechos do genoma. teve filhotes. Eles eram normais: não tinham o
25% de determinado Isso permitiu que embriões “bimaternais” (que defeito envolvendo o gene do crescimento. (BG)
mercado. O objetivo
é evitar monopólios.
Se aprovada, a lei
também permitirá
a revisão e possível “Nós ficamos quase 24 horas discutindo ali”,
anulação de negócios
já consumados, disse o cientista britânico Peter Daszak, um dos membros da força-tarefa da OMS que em janeiro de
como a compra do 2021 foi à China investigar as origens do coronavírus – e publicou um relatório superficial, mal recebido
WhatsApp pelo pela comunidade científica, que não investiga a hipótese de o Sars-CoV-2 ter vazado de um laboratório.
Facebook. (BG) Agora, mais de um ano depois, Daszak admitiu 4 que o trabalho foi cerceado pelo governo chinês – que
chegou a manter os investigadores numa sala de reunião das 9h30 até 4h30 do dia seguinte. (BG)

Ilustrações A Mariana Andrello. B Ane Schütz. Fontes (1) Enhanced Interplay of Neuronal Coherence and Coupling in the Dying Human Brain. A Zemmar e outros, 2022.
(2) Magnetic field–induced interactions between phones containing magnets and cardiovascular implantable electronic devices: Flip it to be safe? F Blaschke e outros, 2021.
(3) Viable offspring derived from single unfertilized mammalian oocytes. Y Wei e outros, 2022. (4) www.nature.com/articles/d41586-022-00732-0. abril 2022 super 11

SI_438_novas.indd 11 07/04/22 17:35

 O diretor de “Panta-
nal” pediu demissão
da Globo e largou a
novela no meio.
enquanto
isso...
Texto Bruno Garattoni
Ilustração Carlos Hara
Cientistas ingleses criaram uma
enzima que dissolve o plástico – e
pode ajudar a resolver o proble-
ma desse tipo de lixo 1.
Físicos japoneses propuseram
uma solução para o “paradoxo
dos buracos negros” proposto
por Stephen Hawking 2.
Médicos americanos aper-
feiçoaram um método para
eliminar pedras dos rins – sem
anestesia nem dor 3.
O remdesivir, um remédio
injetável usado para tratar a
Covid, se mostrou eficaz na
forma de comprimido 4.
Fontes (1) Universidade de Portsmouth.
(2) RIKEN Institute. (3) Universidade de Washin-
gton. (4) Universidade da Carolina do Norte.
12 super abril 2022
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Método polêmico promete acabar com ataques de tubarão
“Biteprinting” permitiria identificar – e eliminar – animais que mordem humanos.
Segundo dados do governo americano,
a chance de uma pessoa morrer por um
ataque de tubarão é de 1 em 3,7 milhões
(um risco 47 vezes menor do que os re-
lâmpagos, por exemplo). Mesmo assim,
esses animais são popularmente conside-
rados perigosos comedores de gente – o
que levou a abates em massa no século
passado. Hoje, vários países colocam re-
des e anzóis com iscas para tentar acabar
com os tubarões em suas praias. Mas há
quem diga que um número relativamente
pequeno de tubarões é responsável pela
maioria dos ataques – e que eles poderiam
ser identificados e mortos, sem afetar o
resto da população desses animais (devido
à caça excessiva, mais de 30% das espé-
cies de tubarão e arraia já correm risco de
extinção). É o que afirma o francês Eric
Clua, biólogo marinho da École Pratique
des Hautes Études, em Paris, que desen-
volveu um método chamado biteprinting
– “impressão bucal” – para fazer isso. A
Super conversou com ele para entender.
Qual é a lógica do biteprinting? Ele se
baseia na coleta de amostras de DNA dos
tubarões considerados perigosos. Esse
perfil genético individual seria comple-
mentado por fotoidentificação ou outro
meio que permita o reconhecimento
individual posterior do tubarão – e sua
possível remoção [eliminação] se houver
ataques. Dessa forma, grandes bancos de
dados locais seriam construídos e com-
partilhados entre regiões vizinhas.
Como isso funcionaria na prática? A coleta
de dados seria feita a partir de pesca não
letal. Depois, qualquer incidente [ataque]
de tubarão com humanos coletaria frag-
mentos de DNA [do tubarão] nos ferimen-
tos da vítima. A espécie e o comprimento
do animal também seriam registrados,
sempre que possível. Essas informações
seriam cruzadas com o banco de dados
local, e os poucos tubarões potencial-
mente responsáveis seriam removidos
[caçados] por pesca ou tiro subaquático.
Como você responde às críticas de ou-
tros cientistas? Muitos dizem que não
há prova direta de que um único tubarão
pode morder humanos várias vezes. Mas
um estudo que publicarei em breve traz
evidências, baseadas em informações ge-
néticas, de que existem “indivíduos pro-
blemáticos”. Outros dizem que o custo
seria muito alto. Mas os perfis genéticos
não custariam mais caro do que os mé-
todos utilizados hoje, e também teriam
outros efeitos positivos, como permitir o
monitoramento genético das populações
de tubarões. (Luisa Costa)
07/04/22 17:35
 Rios de 102 países estão contaminados por remédios
Tirando a Islândia e uma aldeia na Venezuela, todos os locais analisados tinham medicamentos na água.

Cidades com rios mais contaminados Em nanogramas de remédios por litro de água (ng/L)

70.700 68.800 51.300 46.700 39.700

1º Lahore 2º La Paz 3º Addis Abeba 4º Délhi 5º Tunis
Paquistão Bolívia Etiópia Índia Tunísia

17.100 15.700 10.200 10.100 9.910 9.480 2.120 393

15º Madri 17º Buenos Aires 24º Dallas 25º Glasgow 26º Bagdá 27º Bruxelas 64º Natal 99º Manaus
Espanha Argentina EUA Escócia Iraque Bélgica Brasil Brasil

Medicamentos mais frequentes Presença em % das amostras de água coletadas

Carbamazepina Antiepilético/antipsicótico
Metformina Para diabetes
Gabapentina Antiepilético
Trimetropina Antibiótico
Sulfametoxazol Antibiótico
Paracetamol Anti-inflamatório
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%
Lidocaína Anestésico
Fexofenadina Antialérgico
Atenolol Anti-hipertensivo
Ranitidina Antiúlcera
Citalopram Antidepressivo
Codeína Analgésico

Fonte Pharmaceutical pollution of the world’s rivers. JL Wilkinson e outros, Universidade de York, 2022.

170 MI
de americanos foram expostos a níveis prejudiciais de chumbo quando eram
crianças, e cada pessoa perdeu em média 2,6 pontos de QI por causa disso.
É o que afirma um estudo da Universidade de Princeton 5, que analisou os
resultados de 11 mil exames de sangue coletados pelo governo americano
entre 1976 e 2016. A substância pode se acumular no organismo e causar
danos neurológicos, especialmente se absorvida durante a infância. Segundo
os pesquisadores, o chumbo foi liberado através da queima de gasolina – na
qual ele era um ingrediente permitido até 1986. (BG)

Ilustração Ane Schütz. Fonte (5) Half of US population exposed to adverse lead levels in early childhood. A Reuben e outros, 2022. abril 2022 super 13

SI_438_novas.indd 13 07/04/22 17:35

 Rússia
3 notícias sobre
vai ficar
Um outro lado da Samsung sem
Ela não é só gadgets. Também lida com medicina, petróleo - e greves. espaço
em HDs
Com as sanções
econômicas e a
suspensão das
atividades de
empresas ociden-
tais, o país perdeu
acesso a serviços
de cloud com-
puting – e está
sendo obrigado a
armazenar todos
os seus dados em
datacenters locais,
que deverão
ficar lotados em
maio. O governo
reconheceu o
problema e tomou

1.
Empresa terá fábrica
de mRNA A divisão Samsung
Biologics anunciou que vai
investir US$ 2 bilhões para
montar uma fábrica em Song-
do, a 30 km da capital Seul. Ela
irá produzir medicamentos e
ingredientes para tratamentos
baseados em RNA mensageiro
(mRNA) e vetores virais – duas
tecnologias utilizadas nas vaci-
nas contra a Covid. A Samsung
irá prestar serviços à empresa
americana Moderna, que
desenvolve vacinas de mRNA.
3,35
TRILHÕES
2. 3.
uma medida para
amenizá-lo: os
provedores de
internet estão
Navios vão render quase CEO tenta evitar temporariamente
US$ 1 bilhão A empresa paralisação O presidente liberados de
vai construir quatro navios da Samsung Electronics, Kyung
LNG (que transportam gás Kye-hyun, se reuniu pela armazenar cópias
natural liquefeito) para uma primeira vez na história com das mensagens
petrolífera africana, que irá o sindicato dos funcionários de texto e áudio
pagar US$ 840 milhões por da empresa, que reinvindica enviadas pelos
eles. O contrato foi assinado aumento de salários e mais dias usuários (isso era
pela subsidiária Samsung de férias. O encontro sinaliza
Heavy Industries, que tem 10 um agravamento da crise, que obrigatório, para
mil funcionários e também se arrasta desde outubro de uso judicial, desde
produz navios cargueiros e de 2021, e tem como objetivo 2016), o que deve
passageiros, bem como turbi- evitar uma greve, que também reduzir em 15%
nas eólicas – com faturamento seria inédita – e pode piorar a a necessidade de
total de US$ 12 bilhões por ano. escassez global de chips. (BG)
espaço de armaze-
namento. (BG)

1,39

Mundo
TRILHÃO 284 bilhões estavam fora
do país, e foram bloqueados
Reservas de alguns
tem US$ 628 596 590
após a invasão da Ucrânia. países, em US$
12 trilhões BILHÕES BILHÕES BILHÕES 472 354,6
guardados BILHÕES BILHÕES
39 29 18 2,3
BILHÕES BILHÕES BILHÕES
Valor, geralmente em BILHÕES
dólar, é controlado pelo
governo de cada país China Japão EUA Rússia Índia Arábia Brasil Argentina Ucrânia Paquistão Haiti
Saudita

14 super abril 2022 Fontes FMI e Banco Mundial.

SI_438_novas.indd 14 07/04/22 17:36

 Não é bem
assim...
Notícias que
bombaram por
aí – mas não
são verdade

A notícia

Coronavírus
causa impotên-
cia sexual
O que ela dizia
Ter Covid-19 aumenta
em 600% o risco de
desenvolver disfunção
erétil. É o que afirma
um estudo italiano.

a verdade
O estudo 9 se baseou
numa pesquisa com
Análise encontra pedaços de vírus no DNA humano 985 homens, mas
apenas 25 disseram ter
Elemento teria se integrado ao genoma há aproximadamente 105 milhões de anos. pegado coronavírus –
e sete afirmaram ter
disfunção erétil. É uma
Quando um ser é infectado por um outro fragmento externo no código genético amostra pequena, e
vírus ou bactéria, pedaços do código genético humano: pedaços de um vírus que teria se que não comprovou
do invasor podem acabar incorporados ao inserido no DNA de seres ancestrais há 105 se aquelas pessoas de
DNA da vítima. Isso nem sempre é ruim: milhões de anos (6). A data foi determinada fato tiveram Covid-19.
acredita-se que as mitocôndrias, organelas porque o vírus é geneticamente similar aos Mas o maior problema
é outro: a pesquisa
que funcionam como a “usina de energia” das chamados Mavericks, fragmentos de DNA que não perguntou aos
células, tenham sido herdadas de bactérias existiram nessa época – e estão presentes no homens se eles já
primitivas (e por isso elas contenham o cha- genoma de várias espécies (7). Outros mi- tinham o problema
mado DNA mitocondrial, que é circular como cróbios antigos já haviam sido detectados antes da Covid. Ou
o das bactérias – e diferente do nosso DNA no código genético humano, mas eles são seja, não prova nada.
Em outro estudo,
“principal”, que é uma fita linear). Agora, cien- retrovírus (que usam o genoma do hospe- cientistas encontra-
tistas da Universidade de Oxford acharam deiro para se replicar). O novo não é. (BG) ram fragmentos do
coronavírus, e níveis
reduzidos de uma en-
zima que é necessária
para ter ereção, no
Truque obriga Alexa a se auto-hackear tecido peniano de dois
homens com Covid 10 .
Mas eles tinham 65 e
A assistente virtual da Amazon pode ser obrigada a acender ou apagar lâmpadas inteligentes,
74 anos, idade em que
acionar eletrodomésticos, destrancar portas e ligar seu microfone para espionar o dono. É o que a disfunção erétil é
afirmam cientistas da Universidade de Londres, que publicaram um estudo 8 explicando como: basta comum – e ambos
se conectar via Bluetooth a uma smart speaker (caixa de som inteligente) da Amazon e enviar os estavam se submeten-
comandos. A caixa lê as ordens em voz alta – e elas são reconhecidas pela Alexa, que as executa. Os do a implante de
prótese peniana. (BG)
comandos podem ser enviados pelo vizinho ou por alguém do lado de fora da casa. A Amazon está
ciente e liberou uma correção. Mas, segundo os pesquisadores, isso não resolveu o problema. (BG)
Ilustrações Ane Schütz. Fontes (6) An ancient endogenous DNA virus in the human genome. J Barreat e A Katzourakis, 2022. (7) Phylogenomics of
the Maverick Virus-Like Mobile Genetic Elements of Vertebrates. J Barreat e A Katzourakis, 2021. (8) Alexa versus Alexa: Controlling Smart Speakers by
Self-Issuing Voice Commands. S Esposito e outros, 2022. (9) “Mask up to keep it up”: Preliminary evidence of the association between erectile dysfunction abril 2022 super 15
and COVID-19. EA Jannini e outros, 2021. 10 COVID-19 endothelial dysfunction can cause erectile dysfunction. E Kresch e outros, 2021.

SI_438_novas.indd 15 07/04/22 17:36

 sn. playlist
50 anos
do chefão
1 - a inspiração
O filme é uma adaptação do
livro homônimo de Mario
Puzo, de 1969. Endividado até
o pescoço, Puzo só aceitou
escrever pela grana –
seu editor acreditava
que um romance
envolvendo a
Máfia venderia
bem. Vendeu, e no
mesmo ano do lan-
çamento, a Para-
mount comprou os
direitos de adaptação.
2 - os atritos
Coppola bateu o pé para
que a Paramount apro-
vasse sua escolha de
elenco – Al Pacino
(Michael Corleone)
quase foi demitido
em três ocasiões pelo
estúdio, que duvidou
também de outras deci-
sões criativas do diretor.
Temendo ser cortado, Coppo-
la regravou algumas cenas para
acalmar os ânimos dos executivos.
Pérolas do
streaming
16 super abril 2022
SI_438_Playlist.indd 16
A série The Offer, que chega ao Paramount+ em 28 de abril, vai mostrar
os perrengues das filmagens de O Poderoso Chefão. Conheça alguns
bastidores do filme, que completou meio século em 2022.
Texto Rafael Battaglia • Design Natalia Sayuri Lara
5 - o diretor
Francis Ford Coppola não era
a primeira escolha. Quem con-
venceu o estúdio foi o produtor
Peter Bart, que acreditava que
ele tinha o talento e o olhar
(Coppola é ítalo-ameri-
cano) necessários. De
início, o cineasta
relutou – mas
topou após in-
centivo do amigo
George Lucas.
Coppola tinha
sido o produtor
de THX 1138, o filme
de estreia de Lucas.
4 - a pressão
As expressões “máfia” e “Cosa
Nostra” não aparecem em
O Poderoso Chefão. Isso su-
postamente foi acertado
3 - o chefão
entre o produtor Albert
Nem Marlon Brando Ruddy e Joe Colombo, um
escapou da falta de fé chefão do crime de Nova
da Paramount. Os execu- York que temia atrair a
tivos só se convenceram após atenção da polícia. Capan-
seu teste para o papel de Vito Cor- gas de Colombo “visitavam”
leone. Foi dele a ideia de encher as boche- o set de filmagens para conferir
chas com papel – no filme, é uma prótese. Para soar se o acordo estava sendo cumprido.
mais autêntico, Brando não decorava suas falas: o
texto ficava em cartões espalhados pelo set. Na ima-
gem, Robert Duvall (Tom Hagen) segura um deles.
canal filme
1420 À Beira do Abismo
YouTube (2012)
Netflix
O que os russos acham da inva-
são da Ucrânia? Estão sentindo Nick sobe ao parapeito de um
as sanções econômicas no dia hotel em Nova York. Diz que vai
pular e se matar. Mas enquanto
a dia? O que pensam sobre os
EUA? Gostariam que a URSS não faz isso, uma história di-
ferente se revela: na verdade,
voltasse a existir? Essas e ou-
tras perguntas, respondidas aquilo é uma encenação, que
por gente comum nas ruas de ele (um policial condenado por
Moscou. Vídeos legendados um crime que não cometeu)
em inglês (ative as legendas armou para tentar provar sua
em português). (BG) inocência. (BG)
Fotos Reprodução/Divulgação
4/7/22 10:21
 Edição Bruno Garattoni

“Outra confir-
mação de que
a razão tem
valor está no
fato de que ela
funciona",
escreve o psicólogo
cognitivo Steven Pinker
neste livro em que enca-
ra uma tarefa tão difícil
quanto vital: define o
que é o pensamento ra-
Uma revolução 82,9 milhões de cópias depois cional, investiga por que
ele perde espaço nesta
em três meses Essa é a quantidade de unidades vendidas do Wii Sports, o quarto game
mais popular de todos os tempos. Agora, a Nintendo tenta reeditar seu
era da “pós-verdade", e
mostra como pode voltar
maior hit em uma versão para o console Switch. Tem boliche, tênis, vôlei a ser reconhecido como
Em 10 janeiro de 2020,
e outros esportes, e dá para jogar online com outras pessoas (coisa que o o que realmente é, a mais
no dia em que o genoma
Wii não permitia). Importante: como usa controles destacáveis, o game valiosa das habilidades
do Sars-CoV-2 foi divul-
não é compatível com o console Switch Lite. (BG) humanas. (BG)
gado, o casal de cientistas
Ugur Sahin e Ozlem Tu- Nintendo Switch Sports. Lançamento dia 29/4. R$ 199. Racionalidade.
reci (o CEO e a fundado- R$ 89,90.
ra do laboratório alemão
BioNTech) começou a de- O criador da
senvolver uma vacina. Em
abril, ela estava pronta pa- enciclopédia
ra os testes – e a empresa A vida de Denis Diderot, um filho de
fechou uma parceria com cuteleiro que queria ser padre mas se tornou
a Pfizer, que produziria filósofo e preso político. Junto com o físico Jean
o imunizante. Este livro D'Alembert, ele criou, editou e em 1751 lançou
conta os bastidores, e está a Enciclopédia, ou Dicionário Racional das Ciên-
cheio de informações iné-
ditas: como o fato de que a
cias, Artes e Ofícios. Era a primeira nos moldes
atuais, com 28 volumes e 74 mil verbetes feitos
Música
BioNTech criou vinte ver-
sões da vacina até chegar à
por mais de 150 especialistas – e pelo próprio infinita
Diderot, que redigiu mais de 2 mil deles. (BG)
que funcionou. (BG) Sabe quando você
Diderot e a arte de pensar livremente. ama uma música, e as-
A Vacina. R$ 59,90. R$ 84,90. sim que ela termina já
coloca de novo? Este
site analisa a gravação e
recombina os pedaços –
criando uma versão infi-
documentário série nita, que toca sem parar
Como ser Warren Noite na Terra (e cujas reconexões ele
Buffett (2017) em Cores
HBO Max mapeia num gráfico). É
AppleTV+
As origens, os negócios e só clicar em “Pick a song"
Série documental que usa novas
o dia a dia de Buffett: filho e digitar o nome de uma
câmeras, lentes e tecnologias
de um deputado americano, de processamento de imagem música qualquer – ou
ele foi trabalhar no mercado para revelar o que os animais s el e c ion a r u m do s
financeiro e hoje tem US$ 117 fazem durante a noite – pela 12 exemplos pré-proces-
bilhões. É o quinto homem primeira vez, em cores. Esqueça
mais rico do mundo – mas
sados. (BG)
aquelas imagens verdes, e ruins,
mantém sua rotina frugal, que das câmeras infravermelhas; The Eternal Jukebox.
inclui um café da manhã de parece que você está mesmo Grátis. eternalbox.
US$ 3 no McDonald's. (BG) lá, enxergando no escuro. (BG) dev/jukebox_go.html

abril 2022 super 17

SI_438_Playlist.indd 17 4/7/22 10:21

 sn. tech

Um fogão que Cooktop dosa os ingredientes, controla

o preparo e vai dando instruções do que

ensina a cozinhar você deve fazer. Texto Bruno Garattoni •

Design Natalia Sayuri Lara

app peso preparo

Tem 182 receitas. Mostra os
ingredientes de que você vai
precisar, e dá instruções passo a
passo reagindo às informações
enviadas pelo cooktop (veja ao lado).
O cooktop tem uma balança in-
tegrada, e mede a quantidade de
cada ingrediente conforme você
o coloca na panela (avisando
quando já está bom).
Um sensor de temperatura
calcula o ponto de cozimento
da receita, e dá instruções em
tempo real dizendo o que você
deve fazer.

Ele se chama Tramontina Guru e é um cooktop
elétrico que esquenta as panelas por meio de indução
eletromagnética: o aparelho produz um campo mag-
nético oscilante, que agita as moléculas da panela e
gera calor. Por isso, só funciona com panelas feitas
de material magnético, como ferro ou aço inox (o
Guru vem com duas: uma caçarola e uma frigideira).
O cooktop pode ser usado com controles manuais,
como um modelo comum. Mas o legal é seu modo
guiado, que funciona por meio de um aplicativo. Ele
se comunica com os sensores de temperatura e peso
do aparelho [veja quadro] e usa as informações recebidas
deles para orientar o processo. Se você for fritar um
bife, por exemplo, basta escolher essa opção no app: ele
monitora a temperatura da carne, e avisa quando está
na hora de virá-la. Quer tentar um risoto? O cooktop
indica o momento de colocar cada ingrediente, mede a
quantidade dele e vai mostrando, pelo app, o que você
precisa fazer (como mexer o arroz). Além de navegar
pela lista de receitas, também dá para filtrá-las por
ingrediente (para usar o que você tiver na geladeira).
Um produto bem interessante. Só não é barato: R$ 2.099.

18 super abril 2022 Fotos Reprodução/Divulgação

SI_438_Tech.indd 18 4/7/22 10:19

 Edição bruno garattoni

você decide
Os projetos mais
interessantes
(e surpreendentes)
do mundo do
crowdfunding

Xbox em versão portátil

O xScreen (US$ 250) é um acessório que transforma o console Xbox Series
S, da Microsoft, em um videogame portátil – com tela de 11,6 polegadas e

Na rede resolução Full HD e alto-falantes integrados. A tela é bem brilhante (alcança

350 nits), e pode ser usada tranquilamente ao ar livre. O único porém é que

da Apple
o xScreen não tem bateria. É preciso conectá-lo a uma tomada – o mesmo
fio alimenta tanto o console quanto o dock. Limpador de piscina
kickstarter.com
Há mais de 1 bilhão
de iPhones no mundo. O Projeto AIPER Seagull 3000
sistema Find My aproveita O que é Um robô que limpa
isso: cada smartphone (ou a piscina. Basta colocá-lo na
outros gadgets da Apple) água e ele começa a navegar
transmite sua localização sozinho, aspirando folhas,
via Bluetooth para o mais pedrinhas e outras sujeiras
próximo, que repassa caídas na água. Também
os dados – o processo é escova o fundo e as paredes
repetido até a informação da piscina. É alimentado por
chegar aonde precisa. Por uma bateria flutuante, que
isso, essa rede funciona fica boiando na piscina e
sem GPS ou internet. dura 120 minutos – tempo
Agora, também pode ser
usada para rastrear a sua
Travesseiro refrigerado suficiente para o robô limpar
piscinas de até 300 m2.
carteira – com o Chipolo Dormir quando está calor é mais difícil, por causa do calor: todo mundo Quanto já arrecadou
Card Spot, um cartão que já “fritou” na cama. O travesseiro Moona (US$ 99) promete amenizar o US$ 246 mil
funciona na rede da Apple. problema: é refrigerado por água, que circula dentro dele (é impulsionada Chance de rolar bbbb
Custa US$ 35 e usa uma por uma bomba totalmente silenciosa). Você pode escolher a temperatura
bateria não recarregável, do travesseiro ou deixá-la no modo automático, que vai sendo ajustada ao Capacete iluminado
que dura dois anos. longo da noite – e, de manhã, esquenta lentamente para ajudar você a acordar. kickstarter.com
Projeto Beacn

A tecnologia como arte

O que é Um capacete para
ciclistas com luzes integra-
das. Ele acende automati-
A empresa Grid (gridstudio.cc) produz quadros com
camente quando você freia
gadgets clássicos, como o iPhone 4, o Game Boy e o
a bicicleta, e também tem
controle do PlayStation 4, na chamada “visão explodida”:
luzes pisca-pisca para indicar
desmontados, com os componentes dispostos lado a
que você vai virar (elas são
lado e uma explicação sobre cada um. Não são fotos;
acionadas por um controle
os quadros contêm as peças dos aparelhos mesmo.
sem fio e bem pequeno, que
Custam de US$ 140 a US$ 270, e a empresa entrega no
você cola no guidão da bike).
Brasil (fique atento aos valores do frete e do imposto de
Já arrecadou US$ 14 mil
importação, que podem dobrar o custo final).
Chance bbb

abril 2022 super 19

SI_438_Tech.indd 19 4/7/22 10:19

 capa

20 super abril 2022

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 Texto Alexandre Carvalho Ilustração Tiago Araujo Design Natalia Sayuri Lara

hipnose
como ela pode ajudar
na sua vida
Estudos recentes mostram que a técnica é eficaz para reduzir
quadros de ansiedade, aumentar o foco, aliviar dores do parto
e até mitigar problemas intestinais. Entenda a ciência por trás
das terapias de hipnose, e veja como elas fazem a diferença.

abril 2022 super 21

SI_438_Hipnose.indd 21 4/8/22 00:35

 a Após uma síndrome do pânico, em
dezembro de 2020, e uma série de crises
de ansiedade, o ator Marcelo Serrado
começou a se interessar por leituras
associadas ao funcionamento da mente.
Do PhD em psicologia Joseph Murphy,
leu o best-seller O Poder do Subconscien-
te, e foi atrás de informações que pu-
dessem ajudá-lo não apenas na questão
terapêutica. Ele queria também explo-
rar técnicas capazes de aprimorar sua
performance como ator. E aí teve um
encontro bem-sucedido com a hipnose.
Muito famoso por Crô, o mordomo
da novela Fina Estampa (2011), que ain-
da viraria protagonista de dois filmes,
o ator descobriu que sessões de hip-
nose podiam ajudá-lo na invenção de
uma história pregressa para cada um
de seus personagens. Ou seja: bolar
um passado fictício anterior ao período
em que a trama se desenvolve, uma
técnica que confere mais profundidade
às interpretações. “Ao ser hipnotizado,
eu consigo criar esse passado com mui-
tos detalhes, visualizo a vida toda do
personagem, desde a infância”, explica.
“Isso torna essa história muito mais
real na minha cabeça.”
Prestes a interpretar um dublê na
próxima novela das sete da Globo, Cara
e Coragem, Marcelo fez esse exercício
de preparação com Tiago Garcia, hip-
nólogo pós-graduado em neurociência.
Membro da Sociedade para Hipnose
Clínica e Experimental, dos EUA, Tiago
realizou uma pesquisa com a hipótese
de que a redução da atividade do cór-
tex pré-frontal (responsável por nossa
atenção e tomada de decisões) durante
o estado hipnótico pode potencializar
22 super abril 2022
SI_438_Hipnose.indd 22
a dissociação da identi-
dade de atrizes e atores
– quando eles deixam
de lado quem são na vi-
da real para incorporar
seus personagens. Nes-
se estudo, hipnotizou
Deborah Secco e mais 15
atrizes de TV e teatro –
nenhuma delas havia sido
hipnotizada antes.
Em cada sessão, o pes-
quisador conversou com
as artistas em transe, fa-
zendo perguntas sobre o
cotidiano, o passado e até
o futuro de personagens
que elas interpretavam
em algum trabalho na
época. Treze das atrizes,
já em estado hipnótico,
comportaram-se como se
estivessem numa meta-
morfose, assumindo que
eram de fato suas perso-
nagens – uma dissociação
completa da própria per-
sonalidade. Assim como
na preparação de Marcelo
Serrado, a maioria relatou
um forte envolvimento
emocional ao criar uma
infância de ficção. E
100% delas constataram
que a hipnose estimu-
lou esse processo, dan-
do-lhes maior facilidade
para expressar emoções
autênticas no momento
de entrar em cena.
O fato é que realmente
acontecem alterações no
cérebro durante o estado
Se a hipnose de palco,
na qual pessoas em tran-
se são levadas a mastigar
cebolas achando que são
maçãs, trouxe bastante
preconceito à técnica –
colocando-a no mesmo
patamar dos espetácu-
los de magia –, estudos
recentes de algumas das
mais prestigiadas univer-
sidades do mundo estão
apresentando novidades
que deixam, cada vez
mais, essa rejeição para
trás. E aproveitando o
que a hipnose pode ofe-
recer de melhor.
Hoje, o que se busca
é saber como a técni-
ca pode ser usada para
eliminar fobias (confira
uma experiência real no
final desta reportagem),
auxiliar no tratamento
da ansiedade, controlar
a dor ou contribuir para
o desempenho profissio-
nal, deixando as pessoas
mais criativas, como no
caso dos atores. Ou mais
focadas, como no de es-
portistas, que usam hip-
nose para entrar em flow:
um estado tão imerso na
atividade que tudo passa
a ser feito como se fos-
se uma brincadeira – é
o caso de Tiger Woods,
hipnótico: por conta de fenômeno do golfe que
uma superconcentração aprendeu a auto-hipno-
promovida pelo hipno- se para focar em tacadas
tista, o neocórtex, região perfeitas. E ainda de
onde fica a nossa cons-
ciência, passa a ignorar Pesquisado-
os sinais enviados pela res do Texas
concluíram
amígdala, nosso centro que a hip-
emocional – que nos faz nose per-
reagir a estímulos exter- mite atingir
nos. Sem nada de estímu- com mais
lo chegando à consciên- rapidez e
facilidade
cia, nosso senso crítico a atenção
vai lá para baixo, e nos plena do
tornamos vulneráveis às mindfulness.
sugestões hipnóticas.
4/8/22 00:35
 Atores como Marcelo
Serrado aderiram
à hipnose para se
aprofundar na histó-
ria dos personagens.
executivos que precisam combater a
procrastinação e manter-se focados du-
rante uma apresentação para a diretoria.
Outra novidade é que esse foco
pode ser otimizado por uma combi-
nação que começou a ser estudada e
praticada em 2020: a hipnose aliada
ao mindfulness.

Foco total
Mindfulness é uma técnica de medi-
tação voltada para a atenção plena, já
bastante aplicada para ajudar pessoas
no gerenciamento do estresse e da an-
siedade. Envolve desenvolver um foco
no momento presente, tirando da ca-
beça por alguns momentos o remorso
com o passado e a preocupação com
o futuro. Daí seus benefícios contra
a procrastinação (o foco em um tra-
balho que precisa ser feito agora) e a
ansiedade (que se baseia em temores
relacionados ao porvir).
Um estudo da Universidade Baylor (1),
no Texas, descobriu um modo de poten-
cializar os resultados do mindfulness:
aliá-lo à hipnoterapia. Até porque, apa-
rentemente, as duas técnicas parecem ter
sido feitas uma para a outra. A Asso-
ciação Americana de Psicologia define
a hipnose como um estado de atenção
concentrada no qual você reduz sua
consciência periférica. Ao deixar de
prestar atenção ao que acontece no seu
entorno, focando apenas nas palavras de
um hipnotista, o indivíduo fica muito
mais suscetível a responder às sugestões
desse profissional.
Os pesquisadores concluíram que
a hipnose, se bem aplicada, permite
atingir com maior rapidez e facilidade
a atenção plena do mindfulness.
Para verificar a eficácia dessa com-
binação, os estudiosos convidaram 42
participantes em idade universitária,
todos com relatos de altos níveis de
→
abril 2022 super 23

SI_438_Hipnose.indd 23 4/8/22 00:35

 estresse. Metade serviu como grupo de
controle, não recebendo hipnose nem
treinamento de mindfulness. Ao lon-
go de oito semanas, os pesquisadores
avaliaram quão conscientes estavam os
voluntários no momento da sessão, o
quanto sua consciência podia ficar sem
julgar pensamentos e sentimentos, a
capacidade para a auto-hipnose, para a
mitos da
Um artigo de
atenção plena e a eficiência em colocar
pesquisadores de esses aprendizados na prática.
Harvard e outras O grupo também recebeu lição de
hipnose três universidades casa: arquivos com áudios de auto-hip-
identificou nose de 20 minutos elaborados, especi-
ficamente, para projetar a atenção plena
enganos comuns. diariamente. E precisavam registrar
suas rotinas.
1
Deu bom. Os participantes relataram
Provoca uma redução na angústia percebida e
um estado um aumento significativo no foco em
idêntico suas atividades durante os momentos
ao sono de auto-hipnose. Coautor do estudo,
“Você está com sono, vai dormir profundamente…”. Gary Elkins apontou que aliar mind-
Isso é diálogo de cinema. O hipnotizado não dorme fulness e hipnoterapia tem “a vantagem
durante a sessão. Embora seja comum ficar com de ser algo menos assustador [para quem
os olhos fechados, ele precisa estar acordado para tem preconceito contra a hipnose, mas vê
responder às sugestões hipnóticas.
a meditação com bons olhos], e pode ser
uma opção valiosa para o tratamento
2
da ansiedade e a redução do estresse”.
É preciso estar Uma gravidez melhor
num local Mas funciona com qualquer um? Professora de robótica
totalmente Todo mundo é sugestionável em al-
tranquilo gum grau, mas esse grau varia muito
de pessoa para pessoa. “Há inclusive
Ajuda, mas não é indispensável. Você pode ser hipno- a influência de componentes genéti-
tizado numa praça de alimentação de shopping. Um
estudo revelou que instruções para que o hipnotizado
cos e culturais”, explica Tiago Garcia.
reduza seu pensamento crítico funcionam melhor “Indianos e mexicanos, povos muito
que orientações para que ele relaxe. espiritualizados, tendem a ser mais
hipnotizáveis. E irmãos gêmeos cos-
3
tumam ter o mesmo perfil de susce-
tibilidade à hipnose.”
É impossível Há formas de se avaliar o quanto
resistir a um alguém é capaz de responder à técni-
hipnotista ca. Uma das mais usadas é a Escala de
Suscetibilidade Hipnótica de Stanford,
É o contrário. Basicamente não se hipnotiza quem
não quer ser hipnotizado. Uma pesquisa mostrou desenvolvida em 1959 por dois pesquisa-
que, quando os participantes foram informados dores dessa universidade da Califórnia.
de que poderiam resistir, 95% não responderam O que acontece é o seguinte: os
bem à hipnose. hipnotizados recebem sugestões que
vão progredindo em complexidade.
Relaxar os olhos a ponto de não con-
seguir abri-los é algo que funciona
com a maioria dos participantes. Ter
alucinações visuais ou auditivas já é
para os mais sugestionáveis. A escala
vai de 1 a 12, sendo que quem chega
a 12 faz a alegria dos hipnotistas. São
indivíduos suscetíveis, por exemplo,
a não se lembrar de que participaram
24 super abril 2022
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A Escala
de Susce-
tibilidade
Hipnótica
da Univer-
sidade de
Stanford
mede quão
"hipnoti-
zável" você
é. Porque
varia.
das sessões. Ou acreditar
que estão voando.
Essas são reações
que lembram a hipnose
de palco, mas responder
facilmente às sugestões
h i pnót ic a s t a m b ém
ajuda na hora de tratar
não só a ansiedade, mas
também uma dor crônica
ou aguda. Ou tudo isso
junto, quando se trata de
alguém no estado muito
especial, e frequentemen-
te dolorido, que antecede
dar à luz um novo ser.
em Santana do Parnaíba
(SP), Isabela Silvestre de
Freitas sempre foi céti-
ca em relação à hipnose,
diferentemente do mari-
do, que se interessou pela
técnica após participar do
curso de um hipnólogo
voltado para profissionais
da área jurídica. Mas, há
dois anos, numa gravidez
cheia de incômodos físi-
cos, Isabela foi convenci-
da a contar com o apoio
de um hipnoterapeuta.
Não era sua primeira
experiência com gesta-
ção. A primeira havia si-
do aos 17 anos, e foi um
voo de cruzeiro. Zero
sofrimento. Na segunda,
aos 24, foi tudo diferente.
Logo nos primeiros me-
ses, sentia bastante enjoo,
ia ao banheiro vomitar
mesmo sem nada no es-
tômago e brigava com a
sonolência o dia inteiro.
4/8/22 00:35
 Como ainda não dava para tirar licença
do trabalho, a jovem professora cedeu à
insistência do marido. E chegou às mãos
do psicólogo e hipnólogo Ton Lucas.
A primeira consulta foi presencial.
No universo da hipnose, esse primei-
ro contato entre cliente e terapeuta
é chamado de anamnese. É quando
acontece uma espécie de entrevista
para que as queixas ou necessidades
sejam expressas. E é também quando
o especialista avalia quão hipnotizável
é a pessoa de que precisa tratar. Isabela
podia ser reticente quanto à técnica,
mas não pretendia oferecer resistência
ao tratamento. Qualquer coisa que a
ajudasse era lucro.
As demais sessões foram por video-
conferência, por conta da distância. Ela
mora em Osasco; o consultório fica em
São José dos Campos. Mas deu certo
mesmo assim. As sugestões hipnóticas
de Ton, sempre incluindo relaxamento
profundo (“eu me sentia afundando na
poltrona”, lembra Isabela) e mentaliza-
ção de sensações de bem-estar, foram
reduzindo, a cada sessão, os sofrimentos
digestivos da futura mãe.
E conseguiram eliminar o pior deles:
ela não conseguia mais chegar perto do
seu prato preferido, lasanha. “Era um
tormento para mim e, numa das sessões,
o Ton me hipnotizou e me fez primeiro
imaginar comidas de que eu gostava,
sentir o cheiro delas…”, recorda Isabela.
“Até que passou para a lasanha em si:
na hipnose, vi a mais bonita e apetitosa
do mundo. Ele me fez imaginar que
estava comendo essa massa com muito
prazer. Então, no dia seguinte, fui ao
restaurante da minha sogra e fiz um
prato grande só com lasanha. Estava
ansiosa quanto ao que ia acontecer,
mas não senti enjoo nem azia… nada.
Só felicidade de voltar a comer bem.”
De cética quanto à hipnose, Isabela
passou a estágios que só os mais hip-
notizáveis são capazes de experimentar.
Já aos oito meses de gestação, o hip-
noterapeuta fez com que ela “visse" a
filha dentro da própria barriga. O con-
ceito soa esotérico. Claro que é tudo
um exercício de imaginação, mas que
traz efeitos concretos. “Na sessão, me
transformei numa luzinha que entrava
pelo meu pé e atravessava meu corpo
até chegar ao útero. Foi uma experiência
muito amorosa, que, naquela gravidez
que não vinha sendo fácil, aumentou
→
abril 2022 super 25

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 Pacientes com cân-
cer reagiram melhor
ao estresse do trata-
mento e aumentaram
sua certeza na cura.
demais a minha conexão com a bebê
e a minha tranquilidade com o parto
que ia chegar.”

Sem anestesia
O benefício da hipnose para a gravi-
dez não se restringe à manutenção de
um estado de bem-estar ao longo da
gestação. Ela também pode ajudar no
momento mais delicado desse processo:
o parto. Meghan Markle, a Duquesa de
Sussex, aderiu à técnica quando chegou
o seu momento de ter seus filhos, fazen-
do hipnose com respiração profunda e
visualização de situações felizes.
Em 1989, a hipnoterapeuta Marie
Mongan (1933–2019) desenvolveu um
programa chamado HypnoBirthing, que
postula que o medo e a ansiedade au-
mentam a experiência da dor na hora do
parto; e que técnicas como imaginação
guiada e respiração profunda podem
mergulhar a mãe em um estado de
grande relaxamento antes e durante o
processo na maternidade. Com a hip-
nose, seu corpo relaxa e o parto se torna
menos doloroso.
Para este fim, as mulheres nas au-
las de HypnoBirthing são ensinadas a
pensar em aspectos desse momento
inesquecível de forma diferente. As
contrações se tornam “ondas uterinas”,
enquanto empurrar o bebê para fora
se torna “a respiração do nascimento”.
Ao reformular esses pensamentos em
termos mais agradáveis e familiares do
que os da medicina, reza a técnica, a ges-
tante obtém redução de dor e ansiedade.
Mongan, uma professora de New
Hampshire (EUA), dedicou anos de sua
vida preparando esse método após uma
experiência pessoal. Adepta do parto
humanizado, no qual prevalecem as
escolhas da mãe sobre a rotina hos-
pitalar, em sua terceira gravidez, nos
anos 1950, ela bateu o pé diante dos

26 super abril 2022

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 aderiram à técnica também se mos-
traram menos propensas a recorrer a
médicos, incrédulos, uma cesárea numa próxima gravidez.
permanecendo irredu- Um estudo (3) de 2015 chega a ser Quem atua nessas áreas é orientado
tível na decisão de não engraçado (se não fosse perigoso): pelos próprios Códigos de Ética sobre
querer ser anestesiada ao revelou ocorrências de erro de diag- a utilização para fins de tratamento e
longo do seu parto. Ela nóstico provocado pelo bem-estar das pesquisa. O Conselho Federal de Me-
achou a experiência sem grávidas que praticavam auto-hipno- dicina, por exemplo, em seu parecer
anestesia “o nascimento se na hora H. Algumas dessas mu- nº 42/1999, esclarece que “a hipnose é
mais bonito que eu po- lheres, já bem perto do momento de reconhecida como valiosa prática mé-
deria imaginar”. Mas doía parir, chegavam à maternidade num dica, subsidiária de diagnóstico ou de
bastante, claro. Então ela relaxamento tão profundo que eram tratamento, devendo ser exercida por
foi pesquisar um modo mandadas de volta para casa – como profissionais devidamente qualificados
que não trouxesse tanta se fosse pouco crível um processo de e sob rigorosos critérios éticos”. Em
dor. E chegou à criação parto sem expressões de dor. março de 2018, o Ministério da Saúde
do HypnoBirthing. “Os principais achados dessa revisão aprovou a inclusão da hipnoterapia no
A pesquisadora logo são encorajadores para o uso da hipnose atendimento do SUS.
começou a receber soli- na melhora da experiência de parto”, Não faltam motivos para a adoção da
citações de pais interes- apontam os pesquisadores franceses. hipnose na medicina de uma maneira
sados em adotar o mesmo “Especialmente no alívio da dor e do mais ampla. Um estudo (4) conduzido
processo, e também de medo e no aprimoramento do bem- pelo Hospital de Lausanne, na Suíça,
parteiras, doulas e, veja -estar pós-parto, além de empoderar apontou que a hipnose acelera a re-
só, de hipnotistas. Fundou mulheres a se sentirem mais confian- cuperação de vítimas de queimaduras
um instituto que deu po- tes e no controle de suas emoções no severas. Essas pessoas ficam, em média,
pularidade à hipnose para momento de dar à luz.” cinco dias a menos na UTI em compa-
o parto e chamou atenção ração com pacientes não hipnotizados.
de mulheres do mundo Pouco usada Os pesquisadores iniciavam as sessões
inteiro, incluindo Meghan E quando a dor não é pelo nascimento de hipnose assim que os indivíduos não
Markle e Kate Middleton. de um filho, mas por doença? Foi em estavam mais entubados e já tinham
Um levantamento fei- 1955 que a Associação Médica Britânica condições de se concentrar. Além
to em 2020 a partir de endossou o uso da hipnose na Medici- da recuperação mais rápida, o grupo
diversos estudos (2), que na, sendo seguida três anos depois pela manifestou menos dor e ansiedade, e
reuniu pesquisadores de Associação Médica Americana. Mesmo precisou de menos sedativos.
universidades e hospi- assim, ela é pouco utilizada. Talvez por Desde 2003, o hospital Cliniques
tais franceses, investigou falta de uma adequação melhor do pon- Universitaires St. Luc, de Bruxelas, na
o impacto de diferentes to de vista da regulamentação. Bélgica, tem substituído muitas anes-
intervenções hipnóticas Na lei brasileira, por exemplo, a tesias gerais – com seus riscos – por
na experiência da con- hipnoterapia não é uma atividade re- uma combinação de anestesia local, com
cepção. As pesquisas servada aos profissionais de saúde. Se sua sedação muito mais leve, apoiada
apontaram para partos eu, jornalista, quiser trabalhar como por hipnose em uma série de casos nos
mais rápidos e uma di- hipnólogo clínico, posso fazer um cur- quais o paciente precisa entrar no bis-
minuição significativa so rápido, que já me dará o direito de turi. Foi o caso de Marianne Marquis.
nos casos de depressão me inscrever na Sociedade Brasileira Enquanto os cirurgiões faziam um
pós-parto, ansiedade, de Hipnose e atuar na área. corte em seu pescoço, essa paciente se
medo e estresse em Claro que isso leva à suspeita de que imaginava numa praia, com os pés ro-
mulheres que passaram haja muita gente sem a menor capaci- çando a areia fofa ou tendo a água do
por terapias envolvendo tação real. E ajuda a explicar o pé atrás mar acariciando seu corpo. Aos 53 anos,
hipnose. As mães que de muitos médicos com a técnica no ela estava se submetendo a uma cirurgia
combate a problemas de saúde nos quais de remoção de tireoide – algo bem me-
Com ela já se comprovou benéfica. nos relaxante que uma tarde na praia.
imaginação Apesar da falta de legislação específi- Mas a sugestão hipnótica permitiu que,
guiada para
situações ca, os Conselhos Federais de Medicina, acordada, ela suportasse as intervenções
felizes, grá- Odontologia, Fisioterapia e Enferma- em seu corpo com serenidade.
vidas têm gem – além do de Psicologia – se ma- O hipnotista começou a colocá-la em
gestações nifestam favoravelmente a respeito da transe dez minutos antes da operação.
com menos hipnose em seus setores. Eles recomen-
desconfor-
dam o uso científico da técnica como
→
tos e partos
menos alternativa terapêutica e coadjuvante
doloridos. aos tratamentos convencionais.
Fontes: (1) Mindful Hypnotherapy to Reduce Stress and Increase Mindfulness: A Randomized Controlled Pilot Study.
(2) Hypnosis-based interventions during pregnancy and childbirth and their impact on women’s childbirth experience: A
systematic review. (3) Unexpected consequences: women’s experiences of a self-hypnosis intervention to help with pain abril 2022 super 27
relief during labour. (4) Impact of a pain protocol including hypnosis in major burns.

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Depois, ela declarou que até ouvia os
médicos conversando durante o procedi-
mento, mas lhe parecia que eles estavam
bem distantes dela. O idílio praiano era
mais real em sua mente do que a cirurgia
pela qual ela estava passando.
Contra a dor de barriga
A hipnose também consegue ajudar
quem sofre com episódios frequentes
de desconforto abdominal, prisão de
ventre ou excesso de idas ao banheiro:
um conjunto de sintomas conhecido
por síndrome do intestino irritável.
Segundo um estudo britânico (5), a
técnica se mostra benéfica atuando nas
interações cérebro-intestino que sus-
tentam esse distúrbio. Os voluntários
passaram por 12 sessões semanais, de
45 a 60 minutos. Sob estado hipnótico,
esses pacientes eram orientados a colo-
car as mãos no abdômen e sentir calor
e conforto no local. Também recebiam
sugestões para visualizar imagens que
depois seriam relacionadas ao intestino,
com a intenção de levar à normalização
de seu funcionamento. Uma sugestão
bastante usada para pacientes com in-
testino solto, por exemplo, era mentali-
zar o órgão como um rio de correnteza
violenta, que aos poucos tinha suas
águas fluindo mais lenta e suavemente.
A maioria dos voluntários tratados
com hipnose melhorou seus quadros
intestinais, o que levou os pesquisado-
res à seguinte conclusão: “A hipnote-
rapia tem o potencial de ajudar aqueles
pacientes cuja síndrome do intestino
irritável é grave, e tem se mostrado par-
ticularmente eficaz como parte de um
programa especializado de cuidados”.
Solidária até no câncer
Quem tem o apavorante diagnóstico
de um tumor maligno também já con-
ta com apoio da hipnose. No hospital
paulistano A.C. Camargo, especializado
em oncologia, hipnotistas atuam seja
no alívio de dores crônicas, seja para
melhorar o estado de ânimo de pacien-
tes, além de ensinar a auto-hipnose, que
pode ser útil em casa.
Uma pesquisa (6) da Pontifícia Uni-
versidade Católica (PUC), de São Pau-
lo, buscou compreender o impacto
28 super abril 2022
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emocional da hipnose em
pacientes com câncer de
próstata. Em pauta, temas
como a autopercepção de
saúde, a crença no trata-
mento e a capacidade de
prospectar o futuro –
ferramentas importantes
para que o paciente não
se entregue.
Os voluntários pas-
saram por cinco sessões
de hipnoterapia, num
intervalo de cinco sema-
nas. Resultado: 100% dos
pacientes acompanhados
relataram melhora na
saúde, retomada do hu-
mor, aumento nas estra-
tégias de enfrentamento
a situações estressantes
durante o tratamento e,
melhor, certeza na cura.
Um levantamento da
OMNI Brasil, primeira
instituição de treinamen-
to de hipnoterapia com
certificado ISO 9001 no
país, apontou que 119 mil
brasileiros já utilizaram
a hipnose clínica como
método de tratamento, e
que mulheres procuram
mais a técnica do que os
homens. Hoje elas re-
presentam 62% dos que
recorrem à hipnose para
ajudar no tratamento de
algum problema de saúde.
O que senti quando
fui hipnotizado
Encarei 97 quilômetros
entre meu apartamento,
em São Paulo, até o con-
sultório do psicólogo e
hipnólogo Ton Lucas,
em São José dos Campos
Este
repórter
passou por
uma sessão
de hip-
nose com
objetivo
terapêutico:
tratar uma
fobia de
ralos sujos.
Deu certo!
Fontes: (5) Psychological approach to managing irritable bowel syndrome. (6) Hipnose em
pacientes oncológicos: Um estudo psicossomático em pacientes com câncer de próstata.
(SP), com um objetivo: eu não queria pôr
um ponto final neste texto sem saber,
por experiência própria, qual a sensação
ao ser hipnotizado.
Combinei com o Ton – que é tam-
bém um divulgador da hipnose, e man-
tém um podcast chamado Catarse para
falar da técnica – que faríamos uma
sessão com finalidade terapêutica, e do
tipo capaz de funcionar num único en-
contro. Então logo me lembrei de algo
que me causa sofrimento psicológico:
tenho repulsa por ralo sujo – sim, ralo
de pia de cozinha, de box de banheiro…
E não é só um nojinho comum: sin-
to ânsias só de pensar num ralo sujo.
Quando lavo louça, antes me demoro
raspando com um garfo, no lixo, os
restos de comida. Tudo para que ne-
nhum grão vá parar no maldito buraco
no centro da pia – o que me torna o
lavador de louça mais lerdo do planeta.
Ton me explicou que, em uma única
sessão, ele não me transformaria no me-
lhor amigo de ralos. Mas que eu poderia,
sim, perder algo do meu mal-estar.
O primeiro passo foi perguntar o grau
de incômodo que eu sentia. E ele me
mostrou fotos de ralos sujos no celular.
Respondi que, numa escala de zero a dez,
meu incômodo era algo em torno de… dez.
Ok, aí começamos a sessão para valer.
Sentado numa poltrona confortável,
ouvi as orientações de Ton para que eu
relaxasse. Fechei os olhos e fui instruído
a senti-los pesados, para então espalhar
esse relaxamento pelo meu corpo todo.
Me percebi, de fato, tão leve quanto nas
vezes em que saio de uma sessão de
massagem ou acupuntura.
Em seguida, ele pediu para que eu
me visualizasse num lugar bonito e
calmo, onde me sentisse totalmente
seguro. Me imaginei deitado na grama
de uma chácara onde passei alguns dias
no ano passado: a grama muito verde,
o céu azul, o som de uma cachoeira
próxima. Ton me disse para que eu me
concentrasse nas sensações de tran-
quilidade que esse lugar me trazia. E
que, quando esse sentimento de paz
estivesse bastante intenso, eu fechasse
minha mão direita. “A partir de agora,
essa mão, quando fechada, te levará
diretamente para as sensações boas
que esse lugar te traz.”
4/8/22 00:35
 A hipnoterapia se
mostrou eficaz
no tratamento
da síndrome do
intestino irritável.

O próximo passo foi me imaginar

chegando perto de um ralo sujo. O hip-
nólogo perguntou se, naquele estado
de bem-estar que eu estava sentindo,
o nível de incômodo havia diminuído.
“Foi para sete”, respondi. Aí ele me disse
para fechar a mão direita e pensar de
novo no ralo sujo. E agora? “Cinco.”
Mantendo minha mão fechada, a sen-
sação de repulsa foi diminuindo. Ton
também usou, nessa fase, uma técnica
de dessensibilização: primeiro me disse
para imaginar que um arroz no ralo da
pia era, na verdade, feito de plástico. Em
seguida, que havia um arroz mesmo lá,
mas estava seco. Até que, finalmente,
visse um ralo cheio de comida molhada.
Disse-me, então, que colocasse essa
visão do ralo sujo numa tela como as de
TV e fosse descaracterizando essa ima-
gem: tirasse as cores da comida, a nitidez
do que eu via, e então fosse diminuindo
a tela até não conseguir mais enxergá-la.
“Pensa de novo na imagem de um ralo
sujo, qual o grau de incômodo agora?”,
perguntou o hipnólogo. “Zero”, respondi.
Satisfeito, ele me pediu para abrir
os olhos e ver, na tela do seu celular,
diversas imagens de ralos imundos. Eu
não virei a cara, não senti ânsia… nada.
Funcionou. E agora tenho conseguido
olhar para os ralos do meu apartamento.
E o tal do transe? Em nenhum mo-
mento fiquei sem controle sobre os
meus atos. Sabia onde estava, o que ia
acontecendo, e fui colaborando cons-
cientemente com as sugestões.
Ou seja: nada diferente de uma
boa sessão de terapia. Terapia, todos
sabemos que funciona. E agora, cada
vez mais, não faltam indícios de que a
hipnose pode ser uma ótima aliada na
luta contra as armadilhas da mente. S

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 história

Terceira
Guerra
Mundial
Texto Bruno Garattoni Ilustração Matheus Santa Cruz Design Carlos Eduardo Hara

como el a poderia t er acon t ecido

Durante a Guerra Fria, a OTAN e o bloco soviético fizeram
planos secretos para uma guerra global. Esses documentos,
só revelados décadas mais tarde, imaginam como seria o conflito:
um embate apocalíptico, com mais de 1.700 detonações
nucleares e 100 milhões de mortos.

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 abril 2022 super 31

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C cano
“Como os soviéticos possuem a ca-
pacidade de reagir no nível mais alto de
violência militar às operações previstas
nos planos BERCON, é essencial que
as nações da OTAN aceitem essa pos-
sibilidade, e reconheçam o fato de que
todas as forças e países-membros de-
vem estar preparados para ação máxima,
incluindo uma guerra geral, antes que
qualquer um destes planos seja imple-
mentado.” Começa assim o documento
SHAPE/70/62, elaborado pela Orga-
nização do Tratado do Atlântico Norte,
a OTAN, no dia 24 de março de 1962.
O texto, que tem 21 páginas, recebeu
a classificação “Cosmic Top Secret”, o
mais alto dos quatro níveis de confiden-
cialidade adotados nas comunicações do
grupo. Esse sigilo tinha razões de sobra:
no documento, a OTAN descreve o que
faria em caso de guerra nuclear entre
ela (que naquela época era formada por
15 países-membros) e a URSS.
Era um momento delicado. Os so-
viéticos e o bloco ocidental tinham
acabado de se estranhar na chamada
Crise de Berlim, que foi até novembro
de 1961. Ela começou no dia 4 de junho,
quando o líder soviético Nikita Khrus-
chev se encontrou com o presidente
americano recém-empossado, John
Kennedy, e comunicou a ele um ultima-
to: a URSS queria que os Estados Uni-
dos, a França e o Reino Unido retiras-
sem seus soldados de Berlim Ocidental
(que era controlada por esses países).
A reivindicação em si não era nova –
Khruschev vinha pedindo a retirada das
tropas desde 1958 –, mas as condições
sim. Agora, a URSS estava determinando
que as tropas ocidentais deveriam sair
da cidade até o dia 31 de dezembro de
1961. E se não saíssem? Ninguém teve
coragem de perguntar o que aconteceria,
32 super abril 2022
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mas a tensão foi crescendo ao longo
do ano. Até que, em 13 de agosto, os
soviéticos fecharam a fronteira entre
as duas metades de Berlim com uma
cerca de arame farpado, e começaram
a erguer o muro que separaria a cidade
por décadas. Após um mal-entendido
com diplomatas americanos, que foram
barrados ao tentar atravessar a fronteira,
os EUA chegaram a posicionar tanques
do seu lado da cerca – e a URSS respon-
deu fazendo o mesmo. Qualquer impre-
visto ou escorregada de um dos lados
poderia começar uma guerra. Kennedy
e Khruschev conversaram, aceitaram
retirar seus respectivos tanques, e a
crise acabou em novembro.
Mas os americanos não esqueceram
o episódio, e começaram a trabalhar
num plano de ação para um eventual
conflito militar. Era o SHAPE/70/62
(a sigla é uma abreviação, em inglês, de
“Quartel-General Supremo dos Poderes
Aliados na Europa”, o nome da sede da
OTAN, que fica na Bélgica). Uma óbvia
resposta ao que acontecera poucos me-
ses antes – tanto era assim que, inter-
namente, o texto ficou conhecido como
“Plano de Contingência de Berlim”.
No documento, a OTAN descrevia
um problema (ela achava que os soviéti-
cos poderiam atacar Berlim), e apresen-
tava a solução: uma sequência de ata-
ques, identificados pela sigla BERCON,
em que os Estados Unidos
enfrentariam a URSS em
território alemão, primeiro
com armas convencionais
e depois com artefatos nu-
cleares, detonando cinco
bombas atômicas “de bai-
xa potência” sobre “alvos
estritamente militares”. O
objetivo era “demonstrar a
determinação da OTAN e enfatizar aos
soviéticos o risco e as consequências de
um escalamento para guerra geral”. Ou
seja, pretendiam usar armas nucleares
para assustar os russos e dissuadi-los de
fazer o mesmo. Só que o plano também
previa a invasão da Alemanha Oriental
por tropas ocidentais, algo que dificil-
mente a URSS aceitaria, e uma ação
particularmente perigosa: a BERCON →
O plano
ameri-
Em 1961, a URSS e os
EUA tiveram um momento
de tensão envolvendo a
cidade de Berlim. Em
resposta, os americanos
elaboraram um plano se-
creto de guerra nuclear.
O problema Desde o fim da
Segunda Guerra, Berlim vinha
sendo ocupada por tropas
ocidentais e soviéticas. Mas,
em junho de 1961, a URSS deu
um ultimato: queria que os
americanos se retirassem. Isso
gerou uma crise que acabou
resolvida com a construção do
muro de Berlim, naquele
mesmo ano. Mas poderia ter
levado a um conflito nuclear.
1 BERCON Alpha Teria duas
etapas: Alpha One, em que os
EUA usariam caças para formar
“corredores aéreos” seguros
sobre Berlim, e Alpha Two,
que consistia em “uma grande
batalha para obter e manter
superioridade aérea sobre a
Alemanha Oriental”. Ele “seria
iniciado com armas convencio-
nais”, mas o passo seguinte seria
nuclear [veja item abaixo].
2 bercon bravo Seria
uma “demonstração nuclear
para assegurar que os Comu-
nistas estão cientes de que a
Aliança [a OTAN] está pronta
para agir nuclearmente”, diz
o plano. Ela incluiria o uso de
“aproximadamente cinco deto-
nações aéreas de baixa potência
sobre alvos estritamente mili-
tares”, como tropas e baterias
antiaéreas soviéticas.
3 BERCON charlie Com o
inimigo enfraquecido e desorien-
tado pelas etapas anteriores,
tropas da OTAN invadiriam a
Alemanha Oriental, montando
uma base nos arredores da cida-
de de Rottmersleben – depois,
em mais três etapas, avançariam
até a região de Thuringer Wald.
4/7/22 22:21
 4 BERCON Delta Consistiria em mobilizar 6 O resultado Os EUA previam que a Alvo quan- Destruídos Dest.
navios de guerra dos EUA e da OTAN para URSS seria aniquilada pelo ataque, que usaria tidade por ataque força
impedir o trânsito de navios soviéticos (inclu- até 1.706 armas nucleares contra 725 alvos no imediato total
sive não-militares). Uma medida radical, que bloco soviético e nos países do Pacto de Varsó-
poderia ter uma resposta à altura: os ameri- Bases com bombar-
via – e também poderia incluir a China.
deiros nucleares
76 76 76
canos achavam que isso poderia “precipitar
um ataque soviético de larga escala”, com a Alvo % Destruído por % Dest. por Depósitos de
URSS usando submarinos para atacar navios ataque imediato força total material nuclear
68 56 68
ocidentais em várias partes do planeta.
Capacidade indus- Silos de mísseis
trial da URSS
65% 74% intercontinentais 4 4 4
5 A guerra total Os americanos tam-
(ICBMs)
bém estudaram “uma iniciativa preventiva” População
contra a URSS. “Os EUA claramente preva- urbana da URSS
55% 71% Bases aéreas sem
leceriam se nós começássemos uma guerra armas nucleares
218 99 212
nuclear geral”, diz o documento, que tinha População
rural da URSS
21% 39% Mísseis e armas
dois níveis: um só usava as armas nucleares
antissatélite
93 61 88
“em alerta” (prontas para uso imediato), Total da popu-
e o outro empregava todo o arsenal. lação morta
37% 54% Bases navais 11 8 10

moscou
berlim

alemanha
oriental
197 mil a 292
mil mortes

5 polônia
3 497 mil a 2,6
URSS
milhões de mortes
2 81 milhões a 119
milhões de mortes

alemanha
ocidental

Checos-
lováquia
258 mil a 308
mil mortes

Hungria
4.200 a 214 mil
mortes Romênia
1.300 a 58 mil Legendas
mortes

Corredores
aéreos

Movimento
das tropas
bulgária
421 mil a 496 mil Míssil ou
mortes bomba

Explosões
nucleares

Fontes SHAPE/70/62 - Berlin Contingency Plans. OTAN, 1962. Disponí-

vel em bit.ly/3Ianuvz. Memorandum for the Secretary of Defense - JCSM-
431-61. The Joint Chiefs of Staff, 1961. Disponível em bit.ly/3N6gB22. abril 2022 super 33

SI_438_terceiraguerra.indd 33 4/7/22 22:21

 O plano As condições
O plano determina que
a URSS só agiria se fosse
1 O início A URSS acre-
ditava que a guerra poderia
começar com uma ação
2 A resposta Moscou
mobiliza tropas checas, em
várias frentes simultâneas,

soviético
atacada primeiro, sofrendo
“um ataque inesperado”
em que “os imperialistas [os
Estados Unidos e os países
Em 1964, a URSS redigiu um rotei- da OTAN] decidem iniciar
ro para uma eventual guerra contra uma guerra termonuclear”.
a OTAN. Uma cópia foi encontrada
na República Checa, no ano 2000.
ocidental na Checoslováquia
(parte do bloco soviético).
Alemanha Ocidental, EUA e
França atacariam com 2.800
tanques e 900 aviões (in-
cluindo 250 bombardeiros),
bem como 6 lançadores de
mísseis nucleares “táticos”
(de média potência).
para invadir a Alemanha
Ocidental. No primeiro dia,
elas tomam as cidades de
Regensburg e Passau; no
segundo, avançam contra
Hochstadt, Ingolstadt e
Muldorf; no quarto, contro-
lam Mosbach, Nurtingen,
Memmingen e Kaufbeuren.

Legendas

Ataques americanos
com aviões e tanques alemanha
oriental
Movimento das
tropas soviéticas

Ataque da OTAN
2
(ícone azul) ou da
URSS (vermelho) alemanha
ocidental
Explosões nucleares
Checos-
lováquia

3
1 Muni-
que
4
frança
áustria
5
lyon

Fonte Plano de Ação do Exército Popular da Checoslováquia para o Período de Guerra. Redigido
por Antonín Novotny, comandante supremo das forças armadas da República Socialista Checa
(CSSR), em 1964. Tradução para o inglês elaborada pelo Parallel History Project on Cooperative
Security (Instituto Federal de Tecnologia da Suíça), disponível em bit.ly/3CLaw6n.

Delta. Nessa etapa, os EUA e aliados foi redigido como resposta em junho de 1961. No docu-
usariam suas forças navais para impedir à crise de Berlim. Mas era mento, que tem 54 páginas (e,
o trânsito de navios soviéticos, inclu- ainda mais secreto. E sua assim como o anterior, só foi
sive não-militares. estratégia era bem diferente. revelado décadas mais tarde),
Os americanos achavam que isso os americanos avaliam seu

provocaria “um ataque soviético de
larga escala”, com submarinos da URSS
disparando em várias partes do mundo.
E depois, o que aconteceria? O plano
da OTAN (que foi “desclassificado”, ou
seja liberado ao público, décadas mais
tarde) não diz; ele termina aí. Só que
os americanos tinham outro – que foi
elaborado separadamente, sem a partici-
pação dos aliados europeus. Ele também
O
“O peso do ataque poder nuclear e calculam
lançado contra o bloco Sino- o que aconteceria se ele fosse usado
-Soviético seria tão grande contra a URSS e a China.
que, mesmo fortemente atingidos O texto descreve cinco situações nas
pela retaliação da URSS, os EUA cla- quais os EUA poderiam tomar “a deci-
ramente prevaleceriam.” Essa é uma são de iniciar uma guerra nuclear geral”.
das conclusões do JCSM-431-61, um Ela poderia começar se: 1) os soviéti-
relatório confidencial elaborado pelos cos invadissem a Alemanha Ocidental,
Joint Chiefs of Staff, o comando su- 2) atacassem bases americanas por lá,
premo das Forças Armadas dos EUA, 3) se metessem num eventual conflito

34 super abril 2022

SI_438_terceiraguerra.indd 34 4/7/22 22:22

 3 O avanço As tropas são
auxiliadas por ataques nucleares
soviéticos – que disparam contra
Wurzburg, Erlangen, Regensburg
e Landshut, aniquilando as
tropas e defesas ocidentais
e abrindo caminho para a
infantaria soviética ocupar as
cidades de Nuremberg, Stuttgart
e Munique. O exército checo
também usa armas nucleares,
contra bases aéreas dos EUA.
4 A Áustria No terceiro dia
da guerra, a URSS invade a Áus-
tria. Os estrategistas acredita-
vam que isso não exigiria muitos
recursos: bastaria uma divisão de
infantaria mecanizada. Havendo
resistência, ela mobilizaria mais
uma divisão de tropas, bem
como tanques e aviões.
5 A França Após estabele-
cer domínio sobre a Alemanha
e a Áustria, as tropas soviéticas
avançam em direção à França,
tomando as cidades de Estras-
burgo, Épinal e Dijon – e, ao
final do nono dia de operação,
assumem o controle de Lyon.
6 O resultado A operação
exigiria que a URSS usasse ao
todo 131 mísseis e bombas atô-
micas – sendo 41 somente
no primeiro ataque. Todos os
artefatos são do tipo “tático”.
A estratégia não previa o uso das
armas nucleares “estratégicas”,
muito mais potentes e capazes
de devastar cidades inteiras.
O plano terminava na França
(a URSS não previa invadir
ou atacar outros países).
Plano elaborado pelo general che-
co Antonín Novotny para o Pacto
de Varsóvia, em 1964, prevendo a
invasão da Áustria e da França.
SI_438_terceiraguerra.indd 35
para ajudar as tropas da Alemanha
Oriental, 4) assumissem o controle de
Berlim ou 5) se houvesse forças ameri-
canas “sob risco de aniquilação devido
a ataques aéreos soviéticos”, inclusive
do tipo não-nuclear.
Se qualquer uma dessas coisas acon-
tecesse, os EUA colocariam em ação seu
“Plano Operacional Integrado Único”,
ou SIOP-62. Era um documento tão
secreto que as Forças Armadas ame-
ricanas criaram um novo nível de con-
fidencialidade, o “Extremely Sensitive
Information” (ESI), para protegê-lo. Só
o presidente dos EUA e seus líderes
militares podiam ter acesso.
Ele previa um ataque de proporções
apocalípticas, com o uso de 1.706 armas
nucleares de todos os tipos – bombas
e mísseis de médio e longo alcance,
disparados do solo, de submarinos e
bombardeiros – contra 725 alvos na
URSS e nos países pertencentes ao
Pacto de Varsóvia (uma espécie de
OTAN soviética que incluía Bulgária,
Checoslováquia, Hungria, Polônia e
Romênia, além da Alemanha Orien-
tal). E também na China, com quem
os americanos tinham relações hostis
– os EUA não reconheciam o governo de
Mao Tsé-Tung, e os dois países haviam
se estranhado na Guerra da Coreia.
Seria um all-in jamais visto, com toda
a força nuclear americana mobilizada
de uma só vez. O objetivo era aniquilar
a URSS e a China, para que elas fossem
incapazes de esboçar qualquer reação
militar. O plano americano calculava
que 37% da população soviética da épo-
ca, ou 81 milhões de pessoas, morreria
como consequência dos ataques. Na
China, ‘só’ 10% – possivelmente por-
que ela era considerada uma ameaça
menor (o país só teria a primeira bom-
ba atômica em 1964), e por isso seria
menos atacada. Nos países do Pacto de
Varsóvia, haveria 1,4 milhão de mortos.
E isso se os EUA usassem apenas
as forças nucleares que estavam “em
alerta”, ou seja, prontas para disparar.
Mas havia mais. Se o país também
empregasse mísseis e bombas que
estavam guardados (sem capacidade
operacional imediata), poderia lançar
3.200 artefatos nucleares contra 1.060
alvos na URSS e na China. O número de
vítimas fatais seria ainda maior: 54% da
população soviética (em áreas urbanas,
71%) e 16% da chinesa. Só na URSS,
Thomas
Power,
general que
coordenou
a elaboração
do plano
americano
SIOP-62.
seriam mais de 100 milhões de mortes.
Um cenário apavorante. Assustou até
altos oficiais do Exército e da Marinha
dos EUA, que expressaram preocupa-
ção com o número de vítimas civis, o
ataque a países comunistas que não
estavam em conflito com os EUA, e a
contaminação radioativa que poderia
se espalhar pelo mundo.
Mas o SIOP-62 continuou em vigor,
e estava valendo quando americanos e
soviéticos atingiram o ponto mais crí-
tico da Guerra Fria: a Crise dos Mísseis
de 1962. Desde a Revolução Cubana,
três anos antes, a ilha vinha estreitan-
do laços com a URSS. Isso perturbava
os EUA, que em abril de 1961 haviam
montado uma operação fracassada, com
exilados cubanos, para tentar invadi-la
e derrubar Fidel Castro. Em outubro de
1962, os americanos descobriram que
a União Soviética estava instalando
mísseis nucleares em Cuba. Era uma
resposta aos EUA, que haviam feito o
mesmo na Itália e na Turquia.
Cuba está a apenas 140 km da costa
americana, uma distância que os mís-
seis atravessariam em menos de cin-
co minutos, e a 2.000 km da capital
Washington. Moscou fica a 1.600 km
da fronteira turca. Ou seja: na prática,
os soviéticos estavam apenas empa-
tando o jogo nuclear. Mas a população
americana ficou apavorada, e as tensões
cresceram. Os EUA cercaram Cuba com
navios de guerra e prepararam um plano
de bombardeios aéreos. Os militares
achavam que a URSS não reagiria, mas
Kennedy discordava. Ele achava que os
soviéticos poderiam tomar Berlim co-
mo resposta. Exatamente o que, um ano
antes, quase iniciara um conflito global.
No dia 27 de outubro, a URSS fez
uma proposta: removeria seus mísseis
de Cuba se os EUA fizessem o mesmo
na Itália e na Turquia. Os americanos
toparam e a crise acabou. Mas a tensão
não. Ambos os lados continuaram fa-
zendo planos para uma grande guerra. →
abril 2022 super 35
4/7/22 22:22
 O con-
flito no
Reentrada

espaço Ogiva
falsa
(MIRV)

Em 1983, os EUA criaram

Ogiva
um plano para montar uma
verdadeira
rede de satélites equi- Lançamento
pados com canhões laser.

1 O conceito O projeto
se chamava Strategic Defense
Initiative (SDI), mas logo foi ape-
lidado de “Guerra nas Estrelas”.
A ideia era colocar em órbita
algumas dezenas de satélites Detonação
armados (o número exato nunca
foi divulgado). Eles teriam sen-
sores térmicos e infravermelhos,
capazes de detectar o disparo
de mísseis de longo alcance da
Satélite de
União Soviética.
monitora-
mento
2 Os mísseis Os ICBMs (mís-
seis balísticos intercontinentais)
sobem, saem da atmosfera,
fazem uma curva e reentram nela
em altíssima velocidade, a até Satélite
29 mil km/h. Por isso, são muito Espelho com laser
difíceis de interceptar. Além
da velocidade, eles têm MIRVs:
“veículos independentes de
reentrada”, ou ogivas falsas, cuja Espelho
função é confundir e saturar os
sistemas de defesa do inimigo.

3 A interceptação Laser
O projeto americano pretendia
terrestre
usar satélites e espelhos
orbitais para acertar os ICBMs
soviéticos enquanto eles ainda Mísseis
estavam na fase de subida: em
velocidade relativamente baixa,
e sem poder recorrer a truques Radar
como os MIRVs. Se funcionasse,
essa tática poderia anular ou
reduzir bastante a capacidade
nuclear da URSS.

4 A reação A repercussão 5 O problema O Strategic 6 O resultado O sistema 7 O renascimento?

internacional foi péssima. Nos
EUA, houve receio quanto à
confiabilidade do sistema. Os
países da OTAN se sentiram des-
protegidos. E a União Soviética
viu aquilo como ameaça, pois
poderia tornar os mísseis dela
ineficazes – permitindo, em tese,
que os americanos atacassem
sem medo de reataliação. O
equilíbrio nuclear seria desfeito.
Defense Initiative era inviável,
pois a tecnologia necessária não
existia: como alimentar os lasers
de alta potência instalados nos
satélites? E os espelhos orbitais,
como construí-los? Mais de
20 empresas trabalharam no
projeto, mas nada deu certo. Em
1989, o plano mudou: em vez
de lasers, os satélites usariam
mísseis guiados pelo calor.
não chegou a ser construído, e
não foi necessário: em 1991, a
URSS acabou. Ele pode ter ajuda-
do nisso, politicamente. Os sovi-
éticos tentaram criar um projeto
similar e também aumentaram
a fabricação de ICBMs (tentando
vencer pela quantidade). O gasto
militar excessivo enfraqueceu
a economia soviética, contri-
buindo para o colapso da URSS.
Em 2019, o então presidente
Donald Trump autorizou o finan-
ciamento de pesquisas militares
espaciais – que podem incluir o
desenvolvimento de uma rede
de satélites armados. Isso foi
sugerido pelo diretor da CIA na
época, Mike Pompeo. Em janeiro
deste ano, após deixar o cargo,
Pompeo novamente mencionou
um suposto projeto “SDI 2”.

36 super abril 2022

SI_438_terceiraguerra.indd 36 4/7/22 22:22


Capa do relatório #24762,
elaborado em 1964 pelo coronel
Pyotr Ivashutin para M. Zakharov,
líder militar da URSS.
Disponível em bit.ly/3LPmsXS.
O
“Os 6 a 12 lançadores [dos mísseis
americanos Atlas] ficam em torno
de uma base central. Para des-
truí-la, uma ou duas explosões nucleares
de alta potência serão suficientes”, escre-
ve o coronel soviético Pyotr Ivashutin no
documento #24762, de 28 de agosto de
1964. É um relatório confidencial de 25
páginas preparado para Matvei Zakharov,
então o mais alto líder militar da URSS.
Nele, Ivashutin reflete sobre o uso de
bombas atômicas (“a história das guerras
não conhece nada parecido”) e faz previ-
sões. “Os estados imperialistas possuem
um grande número de bases militares,
mas isso não dá a eles nenhum tipo de
superioridade. Ao contrário, essas ba-
ses se transformarão em ímãs, atraindo
mísseis com ogivas nucleares.”
Esse relatório foi acompanhado por
outro documento, também elaborado
em agosto, com os planos concretos
para uma guerra. Ela começaria com os
EUA, a França e a Alemanha Ocidental
atacando a Checoslováquia, que fazia
parte do bloco soviético, com grande
força aérea e terrestre, incluindo armas
nucleares. Os russos responderiam no
mesmo dia, com a invasão imediata da
Alemanha. Ela seria puxada por tropas
checas, cujo caminho Moscou abriria
lançando mísseis e bombas atômicas.
Em seguida, a URSS invadiria a Áus-
tria (onde os soviéticos não esperavam
encontrar resistência) e a França, numa
operação pensada para durar nove dias
– e empregar ao todo 131 mísseis e bom-
bas nucleares [veja na pág. 34]. O plano
SI_438_terceiraguerra.indd 37
acaba aí. Ele não previa mais ataques,
nem a ocupação de outros países da
Europa continental ou do Reino Unido.
O documento (que foi encontrado nos
arquivos militares da República Checa,
no ano 2000) só prevê o uso de armas
nucleares “táticas”, de menor potência, e
não inclui as “estratégicas”, muito mais
devastadoras. Ele é menos extremo
que a proposta do coronel Ivashutin.
O plano não menciona potências
específicas, mas é provável que os
soviéticos pretendessem usar artefatos
de fissão nuclear com 10 a 20 kilotons
(1 kiloton equivale à explosão de 1.000
toneladas de TNT), similares aos de-
tonados em Hiroshima e Nagasaki, e
não as superbombas de fusão que eles
possuíam (em 30 de outubro de 1961, os
russos detonaram a Bomba Tsar, de 50
megatons, até hoje o maior dispositivo
nuclear já construído).
O conflito não aconteceu, mas as
duas superpotências seguiram aumen-
tando seus arsenais nucleares, como
preparação para uma guerra total. Até
que, em 1974, o jogo mudou de tom. Foi
quando o então secretário de Estado
dos EUA, James Schlesinger, criou uma
nova estratégia nuclear para o país –
que ficou conhecida como “doutrina
Schlesinger”. Ela não previa mais um
ataque com força máxima, como os pla-
nos anteriores: dizia que os americanos
poderiam usar armas nucleares “táticas”
contra alvos específicos ao longo de
um conflito, enquanto negociavam um
cessar-fogo com o inimigo.
Nesse aspecto, era mais
parecida com a estratégia
soviética, e também levava
em conta os avanços tecno-
lógicos. Isso porque, nos anos
1970, americanos e russos já
tinham um grande número
de silos: túneis verticais es-
cavados no chão, capazes de
resistir a explosões (inclusive nucleares),
que guardavam mísseis. Os silos garan-
tiam que, mesmo se um país recebesse
uma chuva de ataques, ele conseguiria
responder. Não adiantava disparar todo
o arsenal nuclear de uma só vez, na es-
perança de aniquilar o inimigo para que
ele não pudesse revidar. Ele iria revidar.
Desde os anos 1960 os america-
nos tentavam desenvolver um sis-
tema de defesa contra ataques de
ICBMs (mísseis intercontinentais) da
URSS antes que chegassem aos EUA. O
relatório de Pyotr Ivashutin, de 1964, já
alerta sobre esse objetivo – mas o con-
sidera “uma tarefa muito difícil”. Isso
porque os americanos só detectariam
o ataque quando as ogivas nucleares já
estivessem reentrando na atmosfera, e
cada uma delas tem “superfície refletiva
de apenas 0,5 m2 e viaja a 25 mil qui-
lômetros por hora”. Era um pontinho
pequeno e rápido demais para ser inter-
ceptado por mísseis disparados do solo.
Em março de 1983, os EUA encon-
traram uma possível solução: usar ca-
nhões laser montados em satélites, que
disparariam contra os mísseis soviéticos
quando eles ainda estivessem subindo, e
portanto bem mais lentos. O projeto, que
se chamava Strategic Defense Initiative
(SDI) mas recebeu o apelido de “Guerra
nas Estrelas”, também previa uma rede
de lasers disparados do solo: eles refle-
tiriam em espelhos orbitais, para então
acertar os mísseis soviéticos [veja info-
gráfico ao lado]. Ao anunciar a construção
do sistema, o então presidente Ronald
Reagan afirmou que ele tornaria as ar-
mas nucleares “impotentes e obsoletas”.
O Kremlin respondeu com dureza.
Disse que o SDI violava o Outer Space
Treaty, um acordo de 1967 que baniu
a militarização do espaço, colocava
em xeque os programas de redução
do arsenal nuclear que americanos e
russos vinham conduzindo e tornaria
inevitável uma guerra nuclear no futuro.
É que, se os EUA se tornassem imunes
aos mísseis soviéticos, teriam
condições de atacar a URSS
sem temer uma retaliação.
Moscou jamais aceitaria
aquilo – se o SDI fosse de
fato construído, os russos
poderiam tentar destruir os
satélites, o que começaria
um confronto. Na prática, o
escudo antimísseis desfazia
o equilíbrio nuclear entre as duas su-
perpotências, e colocava o planeta mais
perto da Terceira Guerra.
Ela foi evitada, mas não por esforços
diplomáticos – e sim porque a rede de
satélites era tecnologicamente inviável.
Os americanos passaram anos tentando
construí-la, mas nunca conseguiram.
O SDI acabou abandonado, e o mundo
foi salvo mais uma vez. Até surgir a
próxima crise nuclear – um fantasma
que, cedo ou tarde, sempre reaparece. S
abril 2022 super 37
4/7/22 22:22
 história

38 super abril 2022

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 guia das
Ex-Repúblicas
Soviéticas
Texto Rafael Battaglia Ilustração Gustavo Magalhães Design Juliana Krauss Edição Alexandre Carvalho

A liberal Estônia contrasta com a feudal Belarus. Enquanto o Azerbaijão

nada em petróleo e abriga GP de F-1, o Tajiquistão vive uma pobreza de
África subsaariana. Entenda melhor a realidade e os dilemas dos outros
14 países que, junto à Rússia, formavam a URSS.

a
“A maior tragédia geopolítica
do século 20.” Foi assim que Vla-
dimir Putin definiu o fim da União
das Repúblicas Socialistas Sovié-
ticas (URSS) durante um discurso
na TV russa, em 2005.
Tendo chegado a abrigar 280
milhões de pessoas em uma área
correspondente a um sexto da su-
perfície terrestre, a União Soviética
terminou oficialmente no Natal de
1991, com a renúncia do presidente
Mikhail Gorbachev. Mas não foi
surpresa para ninguém.
O bloco comunista havia perdido
força no final dos anos 1980. As re-
formas do próprio Gorbachev deram
origem a eleições democráticas e a uma
economia mais alinhada aos princípios
ocidentais. A crescente insatisfação po-
pular, materializada na queda do Muro
de Berlim, em 1989, fez surgir uma série
de movimentos de independência.
Algumas das novas repúblicas, ago-
ra livres para assumir seus próprios
rumos, tiveram seu momento de eu-
foria: destruíram antigos símbolos
soviéticos e retomaram idiomas e
hábitos culturais locais, que haviam
sido proibidos durante o regime. Mas
não foi uma transição calma. As fron-
teiras erguidas complicaram a vida de
milhões de pessoas que viviam longe
de sua terra natal. Além disso, muitas
nações continuaram dependentes da
economia russa.
Para piorar, conflitos separatistas
eclodiram e seguem sem resolução – os
do leste da Ucrânia são um deles, claro.
Nas próximas páginas, entenda me-
lhor a realidade das 14 ex-Repúblicas
Soviéticas em torno da Rússia.

abril 2022 super 39

SI_438_ExRepublicasSovieticas.indd 39 4/8/22 01:25

 ásia central
turcomenistão
Quem passeia pela capital Ashgabat
dá de cara com uma estátua dourada
de Saparmurat Niyazov, que assu-
miu a presidência em 1985, ainda na
época soviética. Ao que parece, ele
gostou do poder: tornou seu cargo
vitalício em 1999.
Niyazov, que morreu em 2006, era
um líder egocêntrico. Ele se autointi-
tulou Turkmenbashi, “pai de todos os
turcomenos”, e mudou os nomes dos
meses do ano para homenagear sua
própria família. Seu livro, Rukhnama,
era leitura obrigatória nas escolas. Com
o dinheiro vindo do gás (o país tem
uma das maiores reservas do mundo),
construiu obras excêntricas, como um
palácio de gelo no meio do deserto.
É o décimo país mais corrupto do
mundo e o penúltimo no ranking de
liberdade de imprensa – perde só
para a Coreia do Norte. O governo
nega a pandemia até hoje e proibiu
o uso da palavra “coronavírus”.
Palácio da Felicidade em Ashgabat
(conhecida como “Cidade Branca”
pelas obras em mármore).
SI_438_ExRepublicasSovieticas.indd 40
quirguistão
500 mil versos. Esse é o tama-
nho do Épico de Manas, poema do
século 18 e maior símbolo cultural
do Quirguistão. Dá nome a estrada,
universidade, aeroporto – e até ao
país. “Quirguiz” vem da expressão
em turco para “quarenta”, uma re-
ferência aos 40 clãs da história do
herói Manas. O sol da bandeira do
Quirguistão também tem 40 raios.
Desde 2005, revoltas populares
forçaram três presidentes a renun-
ciar. E, assim como alguns vizinhos
da Ásia Central, essa terra monta-
nhosa (onde só 36% da população
vive em áreas urbanas) tem o ouro
como o maior produto de expor-
tação. Mas a principal fonte de di-
nheiro vem de fora: são as remessas
que os quirguizes que trabalham no
exterior (a maior parte na Rússia)
enviam ao país. Essa grana repre-
senta 31% do PIB.
Estátua do herói nacional Manas
na capital Bishkek. Antes, havia
uma estátua de Lenin.
4/8/22 01:25
 Em terras ricas em ouro,
gás e petróleo, o que
impera são governos
marcados pela corrupção
e pelo autoritarismo.
tajiquistão
Árvores de Natal e fogos de arti-
fício no Ano-Novo são proibidos no
Tajiquistão, a mais pobre das antigas
repúblicas soviéticas. O PIB per capita
é de US$ 859; equivalente ao de países
da África subsaariana e oito vezes me-
nor que o do Brasil. 90% do território é
coberto por montanhas, o que dificulta
a produção de alimentos e o comércio.
Ao final da URSS, o país mergu-
lhou em uma guerra civil entre os que
apoiavam o novo governo, que recebeu
suporte militar da Rússia, e a oposição,
liderada por uma aliança nacionalista
e islâmica. O conflito terminou em
1997, com cerca de 100 mil mortos.
O Tajiquistão cria leis que exaltam
a cultura local – ainda que isso signi-
fique restringir liberdades individu-
ais. A legislação limita quanto se pode
gastar em casamentos e funerais. Pais
não podem batizar filhos com nomes
estrangeiros. Até os restaurantes são
obrigados a ter nomes tajiques.
Pico Ismail Samani, o mais alto
do país (7.495 metros).
SI_438_ExRepublicasSovieticas.indd 41
Uzbequistão
Ao longo da história, o território
uzbeque já pertenceu aos persas, ma-
cedônios e mongóis. Tamerlão, que se
inspirou em Genghis Khan para criar o
Império Timúrida no século 14, nasceu
no atual Uzbequistão, próximo à Sa-
marcanda, importante cidade da Rota
da Seda entre o Oriente e a Europa.
Hoje, o país gira em torno do ouro.
O metal representa metade das expor-
tações. Muruntau, localizada no meio
do deserto de Qizilqum, é uma das
maiores minas de ouro a céu aberto
do mundo – de lá saem 60 toneladas
do material todo ano.
Após o 11 de Setembro, o Uzbequis-
tão cooperou com os EUA e proveu
instalações militares e rotas para as
operações no vizinho Afeganistão.
Mas esse namoro durou pouco: o Oci-
dente cortou relações com o país em
2005, quando o governo do ex-pre-
sidente Islam Karimov matou 500
manifestantes na cidade de Andijan.
A cidade murada de Itchan Kala,
fundada no século 6 a.C. e
patrimônio mundial da Unesco.
cazaquistão
Com 2,7 milhões de quilômetros qua-
drados, é o maior país do mundo sem
saída para o oceano. Mas com uma bela
saída para o espaço: em 1955, a então
União Soviética inaugurou por lá o
Cosmódromo de Baikonur, primeira
e maior base de lançamentos espaciais
da URSS. Dali saíram o Sputnik 1 (pri-
meiro satélite da história) e o voo em
que Iuri Gagarin viu que a Terra era
azul mesmo. As missões Soyuz até a
Estação Espacial (tocadas pela Rússia)
saem até hoje de lá.
Com exceção da Rússia, o Cazaquis-
tão possui a maior reserva de petróleo
dentre as ex-repúblicas soviéticas. Mas
a prosperidade econômica não se refle-
tiu em avanço político: o ex-presidente
Nursultan Nazarbayev construiu está-
tuas de si mesmo pelo país e renomeou
a capital em sua homenagem. Em 2022,
seu sucessor, Kassym-Jomart Tokayev,
instituiu toque de recolher após protes-
tos sobre o aumento no preço do gás.
Cosmódromo de Baikonur, a 1.300
quilômetros ao sul da capital Nursultan.
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 BÁLTICOS
LITUÂNIA
Em um país com 74% de católicos,
a maior celebração não é religiosa: o
Lithuanian Song Festival acontece a
cada quatro anos e reúne mais de 40
mil participantes, entre corais e gru-
pos de dança. Festivais similares rolam
também na Estônia e na Letônia desde
o século 19. É algo tão intrínseco à
cultura báltica que essas festas viraram
patrimônio imaterial da Unesco.
A tradição musical inspirou o no-
me da Singing Revolution (to sing,
em inglês, é “cantar”), o movimento
desses três países de independência
da União Soviética, que os havia in-
corporado à força em 1940. O ápice
dessa revolução foi a Corrente Bál-
tica – um cordão humano formado
por 2 milhões de pessoas, que se es-
tendeu por 600 km entre as capitais
Tallinn (Estônia) e Villnus (Lituânia),
em 1989. Em 1990, a Lituânia foi a
primeira república da URSS a se de-
clarar independente.
Colina das Cruzes, local de
peregrinação católica, quase
destruído pelos soviéticos.
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Eles foram os pri-
meiros a abandonar a
União Soviética e hoje
são promessas econô-
micas. Mas sofrem com
a queda populacional.
letônia
Dona da segunda bandeira mais an-
tiga do mundo ainda em uso (desde
1279; a da Dinamarca – de 1219 – é
a primeira), a Letônia foi o membro
da União Europeia mais atingido
pela crise de 2008. O PIB encolheu
24% e a taxa de desemprego chegou
a 19,5%. Cortes na máquina estatal
propiciaram uma recuperação acele-
rada (hoje, o desemprego está em 8%,
contra 11,2% do Brasil). O país tem se
tornado um centro financeiro emer-
gente, atendendo empresas russas e de
outras antigas repúblicas soviéticas.
A Letônia enfrenta uma fuga de cé-
rebros – e sofre com a falta de mão de
obra qualificada. Na primeira década
do século 21, a população diminuiu
13%. Dos que caíram fora, 80% têm
menos de 35 anos. Eles seguem os
passos de um letão notável: Jacob
Youphes, que inventou a calça jeans
nos anos 1870 – mas só depois de
emigrar para os EUA.
Centro histórico da capital Riga,
fundada no século 13.
estônia
Após o fim da União Soviética, a Estô-
nia investiu pesado em tecnologia pa-
ra acelerar o crescimento econômico.
Deu certo: hoje, o país de 1,3 milhão de
habitantes (menos que Porto Alegre)
orgulha-se de ter todos os serviços
públicos digitalizados. Com o “RG
eletrônico”, estonianos pagam contas,
registram carros, votam e têm acesso
a um histórico médico integrado. Em
2008, o país liderou a criação de um
braço da OTAN (a aliança militar do
Ocidente) focado em cibersegurança.
O ecossistema digital da Estônia
é propício para companhias tech (o
Skype, por exemplo, nasceu lá). O
programa E-residency permite que
não residentes abram empresas, usem
bancos e processem pagamentos no
país, tudo a distância. Outros projetos
visam a atrair estrangeiros para traba-
lhar presencialmente – uma tentativa
de frear o declínio populacional, que
chegou a 15% em três décadas.
Distrito financeiro da capital
Tallinn, onde mora um terço da
população da Estônia.
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 cáucaso
geórgia
A terra natal do ditador Josef
Stalin enfrentou uma guerra civil
nos três anos seguintes ao fim da
União Soviética, motivada por dois
conflitos separatistas (ver p. 45) e
pelo apoio dividido da população
ao presidente Zviad Gamsakhurdia.
No começo do século 21, novas
políticas acenaram ao Ocidente, e o
país demonstrou interesse em aderir
à OTAN e à União Europeia (o que
ainda não se concretizou). Em 2006,
a Rússia respondeu com um golpe
econômico: proibiu as importações
de vinho, quarto maior produto de
exportação da Geórgia. Os russos
compravam 95% da bebida de lá.
A solução foi procurar outros com-
pradores – e deu certo. O vinho ajudou
a espalhar a palavra do país, conhecido
por sua hospitalidade e culinária. A
Geórgia, aliás, é o berço da bebida: há
registros da produção do fermentado
que datam de 8 mil anos atrás.
Ponte da Paz, que liga o Parque Rike
com o centro velho da capital Tbilisi.
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O meio do caminho
entre Europa e
Ásia é marcado por
conflitos separatis-
tas e tensões com
países vizinhos.
armênia
Fundada em 782 a.C., a capital Ye-
revan é uma das cidades habitadas
mais antigas do mundo. Foi também
o primeiro lugar a adotar o cristianis-
mo como religião oficial, em 301 d.C.
No século 20, Yerevan virou a “Ci-
dade Rosa”: os prédios construídos
usaram rochas vulcânicas (e rosadas)
do Monte Ararat – aquele onde Noé es-
tacionou sua arca, na mitologia bíblica.
O monte é um dos símbolos da
Armênia, mas fica na Turquia, com
a qual até pouco tempo o país não
mantinha relações comerciais e di-
plomáticas. Motivo: o genocídio de
1,5 milhão de armênios entre 1915
e 1918 pelo Império Turco-Otoma-
no. Para fugir do massacre, muitos
se estabeleceram em outros países.
Hoje, há mais descendentes fora do
país (7 milhões) do que habitantes
(3 milhões). Kim Kardashian, Cher,
Andre Agassi, Alain Prost... Todas
essas figuras têm raízes armênias.
Vista da capital, Yerevan,
com o Monte Ararat ao fundo.
Azerbaijão
Este pequeno país de maioria islâ-
mica começou a década de 1990 com
uma derrota militar: perdeu o contro-
le do enclave de Nagorno-Karabakh
(ver p. 45). O caos do conflito abriu
espaço para o retorno do presidente
Heydar Aliyev, que havia comandado
o país por 13 anos durante o regime
soviético. Em 2003, quem o sucedeu
foi o filho, Ilham, sob acusações de
fraude eleitoral. Não à toa, o Azerbaijão
é mal avaliado em índices que medem
liberdades civis e de imprensa.
Mas estão bem de grana. As ex-
portações de petróleo e gás natural
garantiram anos de prosperidade
econômica. Em 2006, quando o país
inaugurou um oleoduto em direção
ao Ocidente, o PIB cresceu 34,5%. O
maior retrato da bonança é a capital,
Baku, lar de modernos arranha-céus,
um GP de Fórmula 1 e de excentricida-
des, como a “Pequena Veneza”, cheia de
canais artificiais e passeios de gôndola.
As Flame Towers de Baku, em
formato de chamas, remetem às
reservas energéticas do país.
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 leste europeu
No palco da Guerra da
Ucrânia, dois países não
veem a hora de se juntar
à União Europeia – e
outro cultiva uma ligação
umbilical com a Rússia.

ucrânia Moldávia Belarus

A Ucrânia deu origem à Rússia – não
o contrário, como Putin costuma ale-
gar. Quando povos da Escandinávia
atravessaram as florestas da Europa
Central em busca de terras férteis,
fixaram moradia na atual Ucrânia. No
século 9, fundaram Kiev, capital de
Kievan Rus, o primeiro Estado eslavo,
e berço da Rússia (daí vem o nome
do país maior, que significa “terra dos
remadores” – uma referência viking).
O segundo maior país da Europa é
pobre (tem a menor renda per capita
do continente) e dividido – a parte
ocidental apoia a aproximação com
o Ocidente; a oriental é alinhada à
Rússia. É pela Ucrânia que passam
os gasodutos por onde a Rússia ex-
porta 30% de todo o gás consumido
na Europa. Daí boa parte do interesse
russo – uma possível adesão da Ucrâ-
nia à UE e à OTAN (e a consequente
perda de influência na região) seria
um pesadelo econômico para Putin.
Estátua no centro da Praça
da Independência, em Kiev.
US$ 1 bilhão. Essa é a quantia que
sumiu das três maiores instituições
financeiras da Moldávia em 2014, via
empréstimos a destinatários não rastre-
áveis. O montante equivale a 12,5% do
PIB do país. O caso segue sem solução.
O golpe bancário é só o exemplo
mais recente da fragilidade da Mol-
dávia, uma das nações mais pobres da
Europa (US$ 4.551 de PIB per capita)
e dependente da agricultura. Ainda
em 2014, um aceno moldavo à União
Europeia, bloco do qual o país deseja
fazer parte, fez a Rússia, seu segundo
maior parceiro comercial, impor san-
ções aos produtos agrícolas do país.
A Moldávia mantém boas relações
com as vizinhas Romênia, com quem
compartilha o romeno como idioma
oficial, e a Ucrânia – em 2005, o pa-
ís, até então sem saída para o mar,
ganhou dos ucranianos uma faixa
de 600 metros do Rio Danúbio, que
deságua no Mar Negro.
Igreja ortodoxa em Orheiul Vechi,
importante sítio arqueológico do país.
por aqui, velhos hábitos do regime
soviético permanecem: manifestações
são repreendidas à força pelo governo
e a imprensa é tolhida, vigiada. Uma
mudança na Constituição permite a
volta de armas nucleares russas ao
país pela primeira vez desde 1990.
O responsável por essa atmosfera é
o presidente Alexander Lukashenko.
Com a promessa de acabar com a
corrupção, ele assumiu o cargo em
1994 – e de lá não saiu. Alterou a
legislação para permanecer no poder,
perseguindo a oposição, e em 2020
venceu a sua sexta eleição com 80%
dos votos. Sob protestos e alegações
de fraude, a posse aconteceu durante
uma cerimônia secreta.
O país é aliado da Rússia, e depen-
dente dela: metade de suas exporta-
ções e importações se dão com o
vizinho poderoso, que já cortou o
fornecimento de gás e eletricidade
de Belarus por atrasos no pagamento.
Biblioteca Nacional localizada
na capital, Minsk. Em 2022,
ela completa 100 anos.

44 super abril
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2017

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 regiões em disputa
1. Transnístria
Separou-se da Moldávia em 1992. Tem
quase todos os elementos de um Estado,
mas não é reconhecido por nenhum
membro da ONU. Nem mesmo a Rússia,
cuja ajuda financeira e militar é vital. Ain-
da mantém diversos símbolos soviéticos,
como uma estátua de Lenin na capital,
Tiraspol, e a foice e o martelo, presentes
na bandeira. Por lá, uma única empresa,
a Sheriff, é dona de quase tudo, de postos
de gasolina a times de futebol.
4. Donetsk e Lugansk
Por séculos, foram parte do Império Russo.
E, no período soviético, milhões de russos
se estabeleceram por lá. Resultado: um
fraco sentimento nacionalista em relação
à Ucrânia, a quem pertecem hoje. A maior
parte da população fala russo e, em 2010,
apoiou Viktor Yanukovych, candidato à
presidência que defendia a aproximação
com o país de Putin. Até o início da Guerra
da Ucrânia, os conflitos separatistas na
região já haviam matado 14 mil pessoas.
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2. Ossétia do Sul
Declarou-se independente em 1991,
mas o governo da Geórgia não
reconheceu. Em 2006, um referendo
mostrou que 99% dos ossetianos eram
a favor da separação; e o governo
central ignorou de novo. Dois anos
depois, para travar a adesão da Geórgia
à OTAN, Putin enviou 40 mil soldados à
região e reforçou o conflito separatista.
Em 2022, a Ossétia do Sul expressou o
desejo de ser anexada pela Rússia.
4
1
5. Abecásia
No século 19, o Império Russo dominou
a região e incentivou a ocupação de
outros povos – algo que se intensificou
durante a URSS: em 1939, georgianos
compunham 45% da população da Abe-
cásia; abecazes mesmo, só 17%. 10 mil
pessoas morreram na guerra pela inde-
pendência da Geórgia, que terminou em
1993. Hoje, só cinco países a reconhecem
como nação – entre eles, a Rússia, que
mantém bases militares por lá.
Estes lugares
lutam para con-
seguir o próprio
território – e o
reconhecimento do
resto do mundo.
3. Crimeia
De gregos a otomanos, diversos povos,
em algum momento, ocuparam essa
península fértil, bem localizada no Mar
Negro. No século 18, o Império Russo
dominou a Crimeia, que depois virou
parte da URSS. Acabaria integrada à então
República Soviética da Ucrânia, mas a
maioria russa da população não gostou
da aproximação do país com a União Eu-
ropeia. Desde 2014, separatistas recebem
apoio da Rússia, que anexou a região.
5
2
6. Nagorno-Karabakh
Fica no Azerbaijão, mas 95% da popu-
lação é armênia. Desde o início da URSS,
havia a intenção de integrar a região à
Armênia – o que nunca rolou. Em 1988,
a guerra eclodiu. A Rússia mediou um
cessar-fogo, mas a situação ficou mal-re-
solvida, com Nagorno sob controle dos
separatistas. Em 2020, um novo capítulo
do confronto matou 6,5 mil pessoas
e gerou um novo acordo de paz – que
obrigou os armênios a desocupar regiões.
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 ciência

Reportagem Kim Severson,

do “New York Times”
Tradução Bruno Garattoni

Pedaço de frango
celular produzido pela
empresa Upside Foods.

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A
Antes de ler o formulário, eu
não estava preocupada com o fato de
que aquele pedaço de peito de frango
grelhado, que eu estava prestes a comer,
tinha levado menos de três semanas
para se transformar de um punhado de
células, dentro de um tanque de labora-
tório, em um grosso pedaço de carne. Eu
Uma empresa ame- aceito assumir total responsabilidade,
ricana prepara pergunta o documento, por quaisquer
o lançamento do danos à saúde, perdas materiais ou mor-
te, que possam decorrer da ingestão de
primeiro peito
uma carne “cujas propriedades não são
de frango sinté- totalmente conhecidas”?
tico, feito com Estou na cozinha/centro de produção
células-tronco. que a empresa americana Upside Foods
O cultivo de inaugurou na região de São Francisco, na
“carne celular” Califórnia, como parte de seus esforços
pode revolucio- para fabricar e vender carne de frango
nar a produção de feita de células-tronco, primeiro nos EUA
alimentos e acabar e depois no resto do mundo. Ela acredita
com o sofrimento que outros alimentos, incluindo carne
de milhões de bovina, pato e lagosta de células-tronco,
animais. Mas que virão logo depois. “Nós não podemos
gosto ela tem? assumir que o que comemos hoje é o
melhor possível”, diz o cardiologista Uma
Valeti. Ele fundou a empresa em 2015,
quando se convenceu de que a mesma
tecnologia usada para cultivar células-
-tronco com fins médicos, e reparar da-
nos no coração, também poderia servir
para produzir comida. “Nós estamos
mudando o paradigma”, diz. “Estamos
separando a carne do animal.”
Engenheiros e cientistas de vários
países tentam encontrar um jeito co-
mercialmente viável de transformar
células-tronco de animais em um
suculento bife Wagyu, ostras com
gosto de mar ou salmão de alta qua-
lidade, para sushi. Esses projetos são
financiados por quase US$ 3 bilhões
em investimentos de empresas como
a Archer-Daniels-Midland e a gigante
Foto Gabriela Hasbun/The New York Times/Fotoarena
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brasileira JBS; bilionários como Bill
Gates; celebridades com preocupações
ambientais, como Leonardo DiCaprio;
e agências governamentais, incluindo
o US Department of Agriculture e a
Qatar Investment Authority.
O mercado global para a carne cul-
tivada, ou baseada em células, pode
alcançar US$ 25 bilhões anuais em
2030, segundo estimativa da consultoria
McKinsey. É um pedacinho minúsculo
do setor de carne como um todo, que
movimenta US$ 1,4 trilhão. Mas as em-
presas de alimentos consideram essa
tecnologia crucial na disputa por um
mercado que está crescendo rápido, o
da chamada “carne alternativa”.
Já faz quase dez anos que o primeiro
hambúrguer feito de células foi apre-
sentado ao mundo [ele foi produzido pela
Universidade de Maastricht, na Holanda, e
custou US$ 345 mil]. Mas a corrida para
transformar células em carne ainda é
uma espécie de “Velho Oeste” da indús-
tria alimentícia. Embora as empresas
tenham registrado cada vez mais paten-
tes e feito avanços revolucionários (que
elas protegem como se fossem ouro), ir
ao supermercado da esquina e comprar
um “bife de células” continua sendo só
uma possibilidade teórica – e cara.
Apenas 700 pessoas no mundo, mais
ou menos, já pagaram para comer carne
de células – e todas elas moravam em
Cingapura, que se tornou o primeiro país
a autorizar a comercialização desse tipo
de produto, em 2020 [naquele ano, um
restaurante local serviu nuggets de frango
celular, que também estiveram disponíveis
para delivery por tempo limitado]. Os Es-
tados Unidos não estão muito atrás: o
ministério da Agricultura do país e a
FDA podem definir as regras para pro-
dução e venda de carne celular até o fim
deste ano. Mas tudo isso ainda está bem
longe das prateleiras dos supermercados.
Há dúvidas quanto à capacidade das
empresas de dominar a tecnologia, e
construir fábricas grandes o bastante,
para produzir a carne em quantidades
comercialmente viáveis, por um preço
que as pessoas estejam dispostas a pagar.
Mas, conforme isso vai se aproximando
da realidade [no fim do ano passado, a
empresa americana Future Meat disse que
conseguiu reduzir para US$ 1,70 o custo
de produção do seu peito de frango celular],
cozinheiros e consumidores começam →
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a olhar com mais atenção para esse tipo
de alimento – e se ele merece ser aceito
pelo mercado, como aconteceu com a
“carne” feita de plantas.
“Eu não estou animado, mas também
não apostaria contra”, diz o empresá-
rio Danny Meyer, dono de alguns dos
principais restaurantes de Nova York.
Ele diz que ainda não viu provas de
que a carne celular é mais saudável ou
melhor para o planeta, ou que ela não é
apenas uma curiosidade para uma elite
de consumidores. “Eu quero comprar
comida para fazer jantar, não uma ex-
periência científica.”
Para os defensores da ideia, cultivar
a carne celular em tanques [veja infográ-
fico ao lado] é uma solução para reduzir
o impacto ambiental da produção de
alimentos, e diminuir o sofrimento
animal. Além disso, poderia reduzir a
propagação de doenças transmitidas pe-
la comida, e criar uma fonte abundante
de carne para alimentar o mundo.
Os opositores dizem que a produção
de carne celular ignora a natureza e a
cultura humanas e pode trazer riscos
à saúde, criando potenciais alérgenos
e subprodutos que não foram testados
– bem como resíduos que podem repre-
sentar risco biológico. E também ignora
técnicas agrícolas consagradas. “Se, por
algum motivo, uma pessoa quer evitar
proteína animal, por que não simples-
mente comer plantas, e alimentos feitos
de plantas?”, questiona Alan Lewis, di-
retor da rede de supermercados Natural
Grocers. “A obsessão com o sabor e a
textura da carne, eu consigo entender.
Mas dar um salto no escuro, e consu-
mir proteínas sintéticas, me parece
totalmente desnecessário.”
O chef José Andrés, que tem res-
taurantes em sete cidades dos EUA
[um deles, em Washington DC, premiado
com duas estrelas no Guia Michelin], vê
potencial na carne celular, e pretende
servi-la em um de seus estabelecimen-
tos assim que ela for lançada nos EUA.
Recentemente, ele passou a fazer parte
do conselho administrativo da Good
Meat, uma empresa que comercializa
ovos veganos [eles são vendidos na for-
ma líquida, numa embalagem de 350 ml, e
feitos com um tipo de ervilha]. Foi a Good
Meat que, em 2020, forneceu carne ce-
lular para o restaurante de Cingapura.
Já a Upside Foods assinou um contra-
to de vários anos com a chef Dominique
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como
é feito
1. A coleta A empresa produtora
extrai um pedacinho de carne de um
A carne celular é cul- animal doador (frango ou boi). O pro-
tivada em tanques cheios cedimento é feito sob anestesia local,
e não causa sofrimento ao bicho.
de aminoácidos e nutri-
entes: os biorreatores.
Crenn, cujo restaurante em São Francis-
co tem três estrelas [a nota máxima] no
Guia Michelin. Atualmente, ela não serve 2. As células Esse pedacinho é
frango nem carne bovina, mas disse que músculo, e contém células-tronco
vai incluir o frango celular em seu menu musculares – que são capazes de se
transformar em fibras (para reparar os
assim que ele estiver disponível. Quan- tecidos do animal durante a vida).
do foi procurada pela empresa, no ano
passado, Crenn diz que sua reação inicial
foi: “de jeito nenhum”. Mas aí pensou a
respeito e mudou de ideia. Ela diz que
não é contra a carne em si. “Eu sou contra
a criação de animais em escala industrial,
que não é sustentável.” Quando provou
o peito de frango celular pela primeira 3. A extração - e o mergulho
vez, Crenn diz que achou a textura um A amostra de carne é dissolvida com
pouco “aguada”. Mas o sabor lembrava o enzimas, para liberar as células – que
então são colocadas em tanques com
do poulet rouge, uma ave típica da França. nutrientes, nos quais se reproduzem
Michal Ansky, apresentadora do por 7 a 8 semanas.
programa “MasterChef Israel” e dona
de algumas lojas de comida, também
é fã. Ela experimentou o frango de
células-tronco durante um teste cego
organizado pela SuperMeat, uma das
empresas israelenses que estão desen-
volvendo essa tecnologia. Os partici-
pantes compararam o frango comum e 4. A multiplicação As células conti-
o celular, ambos moídos, sem saber qual nuam a se multiplicar e são colocadas
era qual. Ansky achou a versão celular em tanques maiores, os biorreatores,
com 10 mil litros. Dentro deles há
mais gostosa, e se converteu à causa. moldes feitos de colágeno, aos quais
“Se a minha avó ainda estivesse viva, e as células vão aderindo.
pudesse fazer sua canja com frango de
laboratório, muitas vidas seriam salvas.”
Daqui a 20 anos, diz ela, as sociedades do
futuro “vão olhar para nós como pessoas
malucas, que assassinavam galinhas”.
Já o chef Dan Barber, sócio da rede de
restaurantes Blue Hill, em Nova York,
diz que a comida criada em laborató- 5. O resultado O acúmulo de células
rio não beneficia ninguém a não ser em torno dos moldes forma fibras
os investidores, e ignora os benefícios musculares. Após 3 semanas, elas são
retiradas do tanque, secas e processadas,
ambientais e fitoquímicos que surgem ficando com a aparência de carne moída.
quando os animais pastam, o que se Podem ser prensadas para adquirir o
traduz em uma carne mais gostosa e formato de bife ou peito de frango.
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Como é naturalmente
granulada, a carne
celular também pode
ser usada para fazer patês.
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nutritiva. “O que importa não é o boi
em si, é como você o cria”, diz ele.
A ascensão meteórica das carnes
feitas de planta abriu as portas para a
agricultura celular. Faz apenas seis anos
desde que a Impossible Foods lançou
seu hambúrguer feito com hemoglobi-
na de soja, que imita o sangue da carne.
O McDonald’s está testando o McPlant,
e o KFC já vende nuggets vegetais pro-
duzidos pela empresa Beyond Meat.
A carne cultivada é completamente
diferente. Ela começa com células-tron-
co obtidas na biópsia de um animal, em
um óvulo ou até mesmo numa pena.
Elas se multiplicam rapidamente em um
tanque de metal chamado de biorreator,
ou cultivador. As células se alimentam
de um caldo complexo, que contém nu-
trientes como carboidratos e aminoá-
cidos, e algum “fator de crescimento”,
para se transformarem em músculos,
gordura ou tecidos conectivos. O sabor
e as características nutricionais dessa
carne dependem da seleção das células,
e do caldo no qual elas crescem.
Fazer um produto que pareça carne
moída é mais fácil do que replicar cortes
tradicionais. Para criar algo que se pareça
a um bife ou uma costeleta, algumas em-
presas usam um “suporte comestível”, ao
qual as células vão grudando. Cientistas
também estão experimentando com uma
tecnologia de impressão 3D, que original-
mente foi desenvolvida para reconstruir
tecidos humanos, mas também pode ser
usada para transformar camadas de mús-
culo e tecido adiposo em bifes.
Mas e o sabor? Na cozinha da
Upside Foods, eu provei um patê de
frango que estava ligeiramente areno-
so, e um hambúrguer de frango celular
misturado com proteína vegetal, que fri-
tou direitinho. Estava bem temperado,
mascarando o sabor da carne.
O peito de frango que eu comi é for-
mado por células que se agruparam em
pequenas fibras de carne – e então foram
prensadas, sobre moldes de plástico, para
ficar mais ou menos com o formato e
o tamanho de um peito pequeno. Ele
tinha menos textura, mas muito mais
sabor do que um peito de frango comum,
daqueles de supermercado. A maior di-
ferença foi como a carne reagiu na frigi-
deira. Conforme ela fritava e escurecia,
sua superfície parecia mais uma carne
moída do que um músculo de verdade,
com fibras contínuas. →
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A
A carne celular pode ser chamada
de carne? Há uma polêmica sobre isso.
A associação de criadores bovinos dos
EUA pediu ao governo americano, em
2018, que reservasse a definição de “car-
ne” e “bife” só para produtos derivados
de animais nascidos, criados e sacrifi-
cados da maneira tradicional. O pedido
foi negado. Então os governos estaduais
se meteram no tema. Na Geórgia, por
exemplo, os produtos celulares devem
ser classificados como “cultivados em
laboratório” ou “criados em laboratório”.
A maioria das empresas do setor pre-
fere o termo “carne cultivada”. Alguns
ativistas de direitos animais usam os
termos “carne sem sacrifício”, ou “car-
ne limpa”. Fazendeiros, cozinheiros
e outras pessoas que se opõem a ela
costumam chamá-la de carne sintética,
falsa ou “projetada”. O debate deve se
resolver, pelo menos no aspecto jurídico,
quando o ministério da Agricultura de-
finir o que deverá vir escrito nos rótulos
desses produtos.
David Kaplan é supervisor do novo
National Institute for Cellular Agricul-
ture, um centro de pesquisas criado
pela Universidade Tufts, em Massachu-
setts, que em outubro recebeu US$ 10
milhões do governo americano para
estudar todos os aspectos da carne ce-
lular, desde sua produção até a aceita-
ção pelo mercado. Ele prefere o termo
carne cultivada. “Ela não tem nada de
artificial, mesmo”, diz.
Mas Kaplan e outros reconhecem
que o receio dos consumidores com
relação a essa tecnologia continua sen-
do um problema. Numa pesquisa feita
este ano pela Food Standards Agency, o
órgão do governo britânico que regula
a produção de alimentos no país, ape-
nas um terço das pessoas entrevistadas
50 super abril 2022
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disse que aceitaria provar a carne celular.
Nos Estados Unidos, a aceitação é ainda
menor: só 1 em cada 10 pessoas acei-
taria experimentar esse tipo de carne,
segundo um levantamento da empresa
de pesquisas Mintel. A análise da empre-
sa mostrou que o público jovem é mais
aberto à carne cultivada. É por isso que
empresas como a Aleph Farms, em Israel,
estão recrutando membros da “geração
Z” como embaixadores da carne celular.
Os primeiros produtos a chegarem
ao mercado provavelmente serão uma
mistura de proteína vegetal e carne ce-
lular [o que pode ajudar a reduzir a rejeição
do mercado]. Para Josh Tetrick, principal
Duas
executivo da empresa Eat Just, que pre-
tende lançar produtos do tipo, a aceitação
é só uma questão de tempo. “Quando a
comida congelada chegou ao mercado, as
pessoas também a acharam bizarra”, diz.
Isha Datar é diretora executiva da
coisas
New Harvest, uma organização sem
fins lucrativos que financia pesquisas
em agricultura celular. Em uma pa-
distintas
lestra no evento TED, que já foi vista
1,6 milhão de vezes, ela argumenta Carne vegetal
que cultivar células para fazer carne
é uma oportunidade única de conser- composição 100% pro-
teína vegetal (geralmente
tar os problemas do atual sistema de ervilha, soja ou feijão).
produção de alimentos. E pode ser tão
revolucionário, afirma, quanto a tran- vantagens Já está no
sição da caça para a agricultura. mercado. É seguro consu-
Mas ela adverte sobre um ponto: mi-la, pois ela é só uma
mistura de plantas.
investidores e empresas têm controle
demais sobre um processo que, assim desvantagens É bem
como a produção da cerveja ou do gordurosa e calórica (até
queijo, ou o cultivo de verduras, não mais do que a carne de
verdade). Costuma ser
deveria ser tratado como propriedade altamente processada,
intelectual. “O que acontece quando e pode conter aditivos
uma empresa é dona da fórmula da artificiais. O sabor não é
carne?”, questiona ela. “Isso pode ser idêntico ao da carne.
muito bom, ou muito ruim.”
quem está fazendo
Impossible Foods,
Beyond Meat, Fazenda
Futuro, JBS (Seara).
4/7/22 10:26

A carne ce-
lular costuma
ser confundida
com a carne
vegetal. Mas
é totalmente
diferente.
Carne celular
composição 100% célu-
las animais (geralmente de
frango ou boi, mas há tam-
bém lagosta e camarão).
vantagens Tem
potencial para reproduzir
com exatidão o gosto e
as características físicas e
nutricionais da carne real.
desvantagens Ainda
não foi liberada na maioria
dos países. Custo alto. Seus
efeitos para a saúde, prin-
cipalmente no longo prazo,
ainda não são conhecidos.
quem está fazendo
Upside Foods, Aleph
Farms, Future Meat, Good
Meat, BioTech Foods.
SI_438_frangodelaboratorio.indd 51
Produzir carne em
laboratório requer insu-
mos – e a fabricação deles
tem impacto ambiental.
Além disso, os possíveis
efeitos à saúde do con-
sumo do produto ainda
foram pouco estudados.
o Outro
lado
O cultivo de carne
celular tem dois
problemas – que podem
ser difíceis de superar.
Criar animais é um jeito muito,
mas muito ineficiente de fabricar prote-
ína animal. Um boi consome 25 calorias
de pasto ou ração para cada 1 caloria
de carne que o corpo dele nos fornece
(o porco requer 15, e o frango consome
10). Cultivando células em laboratório,
esse desperdício é muito menor: teori-
camente, é possível produzir 1 caloria
de carne celular usando apenas três ou
quatro calorias de plantas. Você deve
estar pensando: como assim plantas? A
carne de laboratório não é 100% pro-
teína animal? É, sim. Mas, para que as
células se reproduzam, elas precisam
ser colocadas em tanques cheios de
aminoácidos e nutrientes [veja quadro
na pág. 48]. E essas coisas precisam vir
de algum lugar.
Pode ser da soja, que é fácil e barata
de plantar em grande escala. É barata,
mas não é grátis. A soja teria de ser
processada antes – e essa transformação,
mais a adição de aminoácidos que são
Fontes (1) Scale-Up Economics for Cultured Meat: Techno-Economic Analysis and Due Dilligence. D Humbird. DWH Process Consulting/
Open Philantrophy, 2020. (2) TEA of cultuvated meat - future projections of different scenarios. R Vergeer e outros, 2021.
necessários (e ela não fornece), corres-
ponderiam a 50% do custo da carne ce-
lular, segundo uma análise detalhada (1)
feita pela consultoria americana DWH.
Isso considerando um preço de US$ 37
por quilo de carne, que ainda está longe
de ser comercialmente viável – e esse
é o custo de produção, sem contar a
margem de lucro do varejo.
Segundo o estudo, daria para reduzir
as despesas fazendo alguns ajustes (co-
mo simplificar a estrutura das fábricas,
dispensando a necessidade de “salas
estéreis”, e tentar modificar processos
celulares). O problema é que isso aca-
ba reduzindo a produtividade – o que,
na prática, aumenta o custo. Há uma
“redução na eficiência metabólica, que
limita a densidade celular e faz o custo
estimado de produção exceder níveis
economicamente sustentáveis”.
Mesmo se esse problema for supera-
do, será difícil produzir carne celular em
grande escala. Um segundo trabalho (2),
elaborado pelo Good Food Institute
(associação que reúne seis fabricantes
do setor), imagina a construção de uma
megafábrica, capaz de fazer 10 mil tone-
ladas de carne por ano. Ela exigiria 430
tanques de 2.500 litros, 130 biorreatores
(com 12 mil litros cada um), 15 tanques
de armazenamento e mistura (60 mil
litros cada) e vários outros elementos.
Seria uma estrutura enorme, que cus-
taria cerca de US$ 450 milhões.
Tudo isso para fazer 10 mil toneladas
de carne celular, que no fim das contas
representariam muito pouco – míseros
0,08% da produção total dos EUA (que
é de incríveis 12 milhões de toneladas
de carne bovina por ano; o Brasil, vi-
ce-líder global, produz 10 milhões).
Ou seja: num futuro próximo, a carne
celular será um produto de nicho, sem
condições de competir em volume com
a carne normal.
Também há questões de saúde en-
volvidas. Embora a carne celular seja
teoricamente idêntica à comum, não
há estudos avaliando o consumo dela
por períodos prolongados – que pode
ter efeitos ainda não conhecidos pela
ciência. Foi o que aconteceu com outro
grande avanço da indústria alimentí-
cia: a gordura vegetal hidrogenada, ou
gordura trans, que foi inventada no
começo do século 20 – e se revelou,
décadas mais tarde, causadora de vários
problemas à saúde. (Bruno Garattoni) S
4/7/22 10:26
 psicologia
fomo
a epidemia de
P e g u e i c ov i d e m
2022, dois anos e três
doses de vacina depois
do início da pandemia.
O quadro foi leve gra-
ças à imunização, mas
não teve como fugir da
quarentena: dez dias de
isolamento. Na sexta à
noite, aproveitei para
zerar aquele videogame
que eu já estava jogando
há semanas, mas nunca
tinha tempo de termi-
nar. Seria um bom final
de semana.
E estava sendo, até eu
entrar nas redes sociais. A
cada story do Instagram,
uma festa, um happy hour,
um jantar, um rolê dife-
rente. Parecia que todos
52 super abril 2022
SI_438_FOMO.indd 52
os meus amigos estavam
se divertindo sem mim.
Foi o suficiente pa-
ra estragar uma noite
que seria agradável pa-
ra mim também, ainda
que de outra forma. Não Fear of Missing Out é um termo novo
consegui me concentrar
no jogo e dormi mal. No para algo que sempre existiu: o medo de
final de semana seguinte, ficar de fora. As redes sociais, porém,
perguntei se meu amigo
iria para determinada elevaram esse estresse a um patamar
festa. “Ah, nem queria inédito. Entenda melhor o FOMO, e veja
muito. Mas se eu não for,
o meu FOMO vai atacar.” como não cair nessa armadilha.
Bingo. Foi o que senti
naquele fim de semana.
Não era ansiedade ou de-
pressão. Era FOMO: Fear
Texto Maria Clara Rossini
of Missing Out. Significa
Ilustração Helena Sbeghen
“medo de ficar de fora”. É
Design Natalia Sayuri Lara
o nome inventado para
Edição Alexandre Versignassi
→
07/04/22 17:43
 abril 2022 super 53

SI_438_FOMO.indd 53 07/04/22 17:43


descrever aquela sensação
ruim que você tem quan-
do perde o happy hour
da empresa, uma viagem
em família ou encontro
entre amigos. Em suma,
um estresse súbito por
estar perdendo alguma
experiência valiosa.
Segundo uma pes-
quisa de 2012 feita pela
agência de publicidade J.
Walter Thompson, sete
em cada dez millennials
(pessoas que nasceram
entre 1981 e 1996) dizem
que já sentiram FOMO.
Naquela época, apenas
8% dos entrevistados co-
nheciam o termo, mas se
identificaram com a sen-
sação após a explicação da
sigla. Quatro em cada dez
admitem que o sentimen-
to é frequente (1).
E não é só o medo de
perder eventos sociais.
O FOMO também tem
reflexos no mercado fi-
nanceiro, é usado como
estratégia de marketing
e pode até explicar o ví-
cio em videogames. En-
tenda o que está por trás
do sentimento – e o que
fazer para amenizá-lo.
FOMO de quê?
FOMO é um nome novo
para algo antigo. Marco
Túlio Cícero, político ro-
mano que viveu no século
1 a.C., sofria de um FOMO
terrível. Toda vez que ele
saía da capital, fazia ques-
tão de receber cartas so-
bre eventos políticos e até
fofocas que aconteceram
enquanto esteve fora (2).
Não queria perder nada.
“O conceito de FOMO
começou a ser estudado
recentemente, mas eu ve-
jo como uma releitura. Já
existe, na psicologia social,
a ideia dessa ansiedade
54 super abril 2022
SI_438_FOMO.indd 54
motivada por questões
de conexão social”, diz
Gabriel Rego, pesquisador
do Laboratório de Neuro-
ciência Cognitiva e Social
do Mackenzie.
Humanos são animais
sociais. A habilidade de
cooperar e formar gru-
pos foi o que garantiu a
sobrevivência da espécie.
E a evolução nos recom-
pensou: sempre que te-
mos uma interação social
satisfatória com alguém,
uma região do cérebro
chamada via mesolímbica
é ativada (3). Ela libera do-
pamina, um dos princi-
pais neurotransmissores
relacionados à sensação
de prazer.
Só que essa é uma via
de mão dupla. Na pré
-história, ser deixado
de fora podia significar
ficar sem comida ou ser
atacado por um predador.
Por isso, a melhor estra-
tégia era permanecer em
grupo. Não é à toa que se
sentir excluído pode pa-
recer uma sentença de
morte. É que, para nossos
ancestrais, era mesmo.
A exclusão social dói,
literalmente. As pesqui-
sas da psicóloga Naomi
Eisenberger, da Uni-
versidade da Califórnia
(UCLA), mostraram que
a rejeição social ativa o
córtex cingulado ante-
rior – uma das regiões
do cérebro relacionadas
à dor física. Expressões
como “machucar os sen-
timentos” ou “corações
partidos” não poderiam
ser mais precisas.
A ascensão do
FOMO
O termo “Fear of Mis-
sing Out’’, com todas
as letras, apareceu pela
Fontes: (1) JWTIntelligence, A
​ rtigo “Social Media and the Fear of Missing Out: Scale Development and Assessment”; (2) Palestra “FOMO - the fear of missing
out: Bobby Mook at TEDxUNC”; (3) Artigo “Fear of Missing Out: A brief overview of origin, underpinnings and relationship with mental health”
primeira vez em um ar-
tigo científico publicado a sigla chegou a publica-
no ano 2000. Não era de ções como o New York
psicologia nem de neu- Times e ganhou status
rociência, mas de marke- internacional. Em 2013,
ting. O estrategista Dan a glória: foi adicionada
Herman escreveu no ao dicionário Oxford, o
Journal of Brand Manage- Houaiss do inglês.
ment, um periódico com McGinnis, inclusive,
textos acadêmicos sobre construiu sua carreira
o mundo dos negócios, com base no conceito
sobre como usar o me- criado acidentalmente: já
do de ficar de fora para escreveu um livro, criou
vender produtos. um podcast e oferece cur-
Afinal, funciona. Slo- sos sobre como lidar com
gans como “Não fique de o FOMO, ou usá-lo a seu
fora dessa” ou “Última favor nos negócios.
chance para comprar” Dada a origem mar-
apelam para o medo de queteira do termo, não
perder uma oportuni- demorou para que ele co-
dade única, o que leva a meçasse a ser usado para
compras impulsivas. descrever comportamen-
Na publi-
Termos, porém, tam- tos do mercado financei-
cidade, bém são marcas. E esse só ro. O medo de ficar de fora
slogans pegou mesmo depois que de alguma ação que todos
como “Não virou sigla. Quem criou estão comprando faz com
fique de não foi Dan Herman, mas que o investidor compre
fora dessa”
e “Última
um aluno de administra- também, para não perder
oportuni- ção de Harvard, Patrick o possível lucro. É um jei-
dade para McGinnis. Em 2004, ele to diferente de descrever
comprar” escreveu um artigo para o “efeito manada”. O fe-
apelam para o The Harbus, o jornal es- nômeno está por trás da
o FOMO,
o que leva
tudantil da Harvard Bu- valorização relâmpago das
a compras siness School, e cunhou empresas de carros elétri-
impulsivas. ali a primeira menção à cos que nasceram para
sigla FOMO. concorrer com a Tesla, e
E nem era um texto passaram a valer dezenas
sobre negócios. Estava de bilhões de dólares da
mais para uma peça ama- noite para o dia, e, logica-
dora de psicologia social. mente, das criptomoedas.
O texto fala sobre um O medo de ficar de fora
estudante que participa do bonde dos ganhos com
de oito eventos em uma cripto é o motor que fez
única noite, na tentativa tanta gente comprar sem
de encontrar com o má- nem saber o que estava
ximo de pessoas possí- comprando. Um grande
vel. Bem o que alguém maria-vai-com-as-outras
com FOMO faria. que fez algumas delas su-
A sigla foi ganhando birem mais de 1.000% em
fama no boca a boca, questão de meses.
como acontece com as
boas marcas. Com o tem-
→
po, virou queridinha de
autores chegados a iden-
tificar novas tendências.
Sites como o Huffington
Post, BuzzFeed e Masha-
ble abusaram dela, até que
07/04/22 17:43
 A REJEIÇÃO SOCIAL
ATIVA O CÓRTEX
CINGULADO ANTERIOR
– UMA DAS REGIÕES DO
CÉREBRO RELACIONADAS
À DOR FÍSICA.

abril 2022 super 55

SI_438_FOMO.indd 55 07/04/22 17:43


Seja no consumo, seja
nos investimentos, é di-
fícil resistir ao FOMO.
Mesmo que você seja
regrado nos gastos fi-
nanceiros, já deve ter su-
cumbido ao sentimento
de outras formas – como
assistir àquela série que
todo mundo está vendo
só para ficar por dentro
do assunto.
InstaFOMO
O medo de ficar de fora
só surge quando você
sabe que pode estar per-
dendo algo. E nada é mais
eficiente nessa tarefa do
que as redes sociais. Não
à toa, a explosão no uso
do termo acompanhou
a cronologia das redes:
quanto mais onipresen-
tes elas se tornaram, mais
popularidade o conceito
de FOMO ganhou.
Vale lembrar: é dife-
rente da inveja que sen-
timos quando vemos
fotos de influenciadores
em lugares paradisíacos.
O medo de ficar de fora
só aparece quando algo
acontece com a sua “tri-
bo”. Quanto mais pró-
xima for a pessoa, pior
é o sentimento.
Não à toa, uma pesqui-
sa de 2018 (4) conduzida
com alunos de primeiro
ano de faculdade mostrou
que o sentimento aparece
mais ao fim do dia e nos
finais de semana. Além
de ser o momento em que
as pessoas costumam sair
(afinal, #sextou), também
é quando mais acessamos
as redes sociais para
nos distrair.
Vira um processo re-
troalimentado. Primeiro,
vem a sensação de que
você está sendo deixa-
do de lado – um gatilho
provocado por posts no
Fontes: (4) Artigo “Fear of missing out: prevalence, dynamics, and consequences of experiencing FOMO”; (5) Artigo “Motivational, emotional, and behavioral correlates of fear of
missing out”; (6) Artigo “The impact of social identity on online game addiction: the mediating role of the fear of missing out (FoMO) and the moderating role of the need to belong”
56 super ABRIL 2022
SI_438_FOMO.indd 56
Instagram, Facebook, se sentir mais segura,
Twitter ou mensagens no como manejar esse sen-
WhatsApp. Depois, uma perder experiências que timento [...] Uma vez que
vontade compulsiva de reforçam a conexão com você se sente seguro, você
manter a conexão com o o grupo. Olhando por essa pode escolher não aceitar
grupo, também por meio perspectiva, não partici- aquele compromisso. To-
das redes sociais (como par de uma batalha de do mundo vai, mas você
se estivesse dizendo “Oi! World of Warcraft é tão não se sente triste”, diz
Também estou aqui!”). deprimente para o sis- Spear King.
Ou seja: as redes so- tema dopaminérgico do Isso significa prestar
ciais despertam o FO- cérebro quanto era ficar menos atenção ao acon-
MO; você tenta aliviar o de fora de uma caçada na tece no mundo exterior,
FOMO entrando nas re- pré-história. e cuidar melhor do seu
des sociais, e ganha mais O FOMO, no fim das mundo interior. Estudos
FOMO de presente. contas, é inevitável: faz recomendam práticas
O diretor de pesquisa parte dos nossos instin- que foquem em você,
do Instituto de Internet de tos primordiais. E a re- como meditar ou manter
Oxford, Andrew Przybyl- alidade online estimula um diário pessoal. Uma
ski, foi um dos primeiros esses instintos numa boa estratégia é estabele-
psicólogos a avaliar o FO- intensidade nunca an- cer limites para o tempo
MO quantitativamente. tes vista. Por outro la- gasto no celular, usando
Ele criou uma escala do, a mesma ciência aplicativos de monitora-
Os sintomas
para medir a intensidade do FOMO que estuda as raízes do mento. O FOMO tam-
do sentimento. Os parti- equivalem FOMO traz ferramentas bém está relacionado à
cipantes da pesquisa (5) ti- aos de um para que se lide melhor dificuldade para dormir
nham que dizer o quanto coração com o sentimento. e menor qualidade do
concordavam com frases partido: um sono, então vale largar o
sentimento
como “Eu tenho medo de inerente à Joy of Missing Out celular pelo menos antes
que meus amigos estejam experiência Os sintomas do FOMO de ir para a cama.
tendo experiências mais humana, equivalem aos de um No fim das contas,
recompensadoras do que mas que é coração partido: um o importante é aceitar
eu” e “É importante que eu vivenciado sentimento inerente à que você sempre estará
de maneiras
entenda as piadas internas diferentes experiência humana, perdendo alguma coisa.
dos meus amigos”. por cada um mas que é vivenciado E que tudo bem. Não há
O estudo relacionou de nós. de maneiras diferentes como abraçar tudo de
o uso intenso de redes por cada um de nós. uma vez só. Em oposição
sociais com maiores Segundo Anna Lúcia ao FOMO, um termo que
índices de FOMO. Tam- Spear King, psicólo- se popularizou recente-
bém detectou que quem ga do Instituto Delete mente foi o JOMO: Joy
apresentava os sintomas (especializado em de- of Missing Out, ou ale-
com frequência tinha tox digital), o perfil de gria em ficar de fora. É
mais dificuldade para quem sente mais FOMO algo simples: aproveitar
manter o foco nas aulas, costuma ser o de pessoas o presente e focar nas
por exemplo. inseguras, tímidas, com pequenas coisas que te
Outros pesquisadores baixa autoestima e maior deixam feliz. Afinal, cada
mostram que o FOMO dependência emocional. minuto que você passa
pode estar relacionado ao O sentimento pode levar nas redes sociais se cor-
vício em videogames on- à nomofobia, termo que roendo pelo que os ou-
line (6). Quando você faz batiza uma espécie de tros estão fazendo é um
parte de uma comunidade pavor irracional de ficar minuto que você perde
de jogadores, ficar fora do sem o celular. da própria vida. E ela não
mundo virtual significa Não existe uma recei- dura para sempre. Vou lá
ta de bolo para lidar com zerar meu game. S
o FOMO, mas uma boa
ideia é começar atacando
o que está por trás do pro-
blema. “Numa terapia vo-
cê vai entendendo como
07/04/22 17:44
 Em oposição ao FOMO, um
termo que se popularizou
recentemente foi o jomo:
joy of missing out, ou ale-
gria em ficar de fora.

ABRIL 2022 super 57

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 oráculo ilustrações Giovanna Favetta design krauss
60%
dos brasileiros que
fazem terapia hoje
começaram as sessões
durante a pandemia. (1)

Qual a diferença
Na psicanálise clássica, inventada por Sigmund
Freud, o psicanalista quase não abre a boca. O objetivo
é que o analisando tire suas próprias conclusões a par-
tir do que ele mesmo fala, sobre temas livres, no divã.

da psicanálise
Agora vamos aos outros sabores de terapia. A junguiana,
que inclui a ideia do inconsciente coletivo, já tem um
analista participativo, fazendo pontuações sobre o que
o analisando diz. Assim como na psicanálise freudiana,
usa a análise dos sonhos. Na cognitivo-comportamental

para outros
(TCC), a meta é modificar pensamentos disfuncionais,
como fobias ou crenças limitantes. É uma terapia mais
objetiva. Na Gestalt (algo como “moldar” em alemão)
é avaliar como o nosso entorno pode nos levar a com-

tipos de terapia?
portamentos autodestrutivos. Por fim, a terapia analíti-
co-comportamental tem um tanto de psicanálise e um
tanto de Gestalt: o terapeuta fala pouco, e ao mesmo
tempo analisa a interação entre o comportamento do
Rigoberto Costa, Florianópolis paciente e o meio em que ele vive. (2)

58 super abril 2022

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 Edição alexandre carvalho

Qual o destino das fianças

pagas no Brasil?
@laylaagarriberri, via Instagram

das duas, uma: caso o réu seja considerado culpado, os valores da fiança
vão para o pagamento dos custos do processo e de indenizações pelos
danos cometidos (dinheiro que vai para o Fundo Penitenciário Nacional
ou para eventuais vítimas); se sobrar algum após essas despesas, a grana
retorna ao condenado, veja só. Agora, se o réu for absolvido, ele recebe
tudo de volta, claro. A fiança é paga antes da conclusão do processo, para
que o réu possa permanecer em liberdade até decidirem sobre sua culpa.
Se ele deixar de comparecer a intimações ou cometer alguma infração
nesse período, perde o direito de receber a fiança de volta. Detalhe, ele
não precisa pagar em dinheiro: a Justiça aceita joias, imóveis, precatórios.
Topa qualquer negócio. (3)

Por que não existe Em caso de emergência,

pá pum um “micro-ondas” que os astronautas têm como
resfria os alimentos? fugir da Estação Espacial?
@francisco.wesley, via Instagram @rodriguesjeferson, via Instagram

Porque esquentar é mais fácil Assim como um navio, a Estação Espacial

Qual é a idade média
do que resfriar. Um micro-ondas Internacional (ISS, na sigla em inglês) tem
de uma lagosta
quando ela é comida? converte energia elétrica em ondas seu bote salva-vidas – no caso, uma cápsula
@leonardiac, eletromagnéticas de alta frequência, da Soyuz, nave russa que faz o trajeto Ter-
via Instagram que agitam as moléculas de água dos ra-ISS carregando suprimentos e pessoas.
7 anos.
alimentos. E agitação = calor. Mas há Cada módulo da Soyuz comporta até três
formas de acelerar o resfriamento. astronautas para a descida à Terra – e dois
Duas empresas apresentaram protó- desses módulos ficam ligados à ISS caso
número incrível tipos para resfriar alimentos e bebidas a tripulação precise dar no pé. Portanto,

340
quase tão rápido quanto o micro-on- a estação costuma ter tripulações de até
das faz para esquentar. As embala- seis astronautas simultaneamente (mas
gens com os alimentos vão dentro às vezes acomoda sete). Antes da adoção
de um aparelho, e a água, excelente da Soyuz, a Nasa desenvolveu o X-38, uma
condutor térmico, fica centrifugando espaçonave que serviria exclusivamente
QUILOS. É quando pesava e roubando o calor delas. Geladeiras como bote salva-vidas da ISS, permane-
o Radarange, primeiro resfriam alimentos graças a um flui- cendo acoplada a ela. Com espaço para
forno micro-ondas que
chegou ao comércio, na
do armazenado em alta pressão que sete astronautas, três protótipos do X-38
década de 1940. circula pelo aparelho. Mas demora chegaram a ser construídos e testados, mas
muito mais. Esses protótipos ainda devido a cortes de orçamento da Nasa, o
OUTRO DADO não chegaram ao mercado. (4) projeto foi engavetado em 2002.
RELEVANTE SEM
NENHUMA LIGAÇÃO

340
Por que o Biotônico Não há nada em sua composição responsável por dar fome. Ele é
Fontoura dá fome? um suplemento mineral com substâncias que fornecem ferro e fósforo,
Rafael Battaglia, indicado para quem tem alguns tipos de anemia. Mas essa fama tem um
repórter da SUPER porquê. O Biotônico foi criado em 1910 por Cândido Fontoura Silveira,
CARACTERES de Bragança Paulista (SP), e era vendido como fortificante. Cândido era
havia no criptograma amigo de Monteiro Lobato e, em 1924, passou a oferecer de brinde um
enviado para a polícia livreto do Jeca Tatu, personagem do escritor, para quem comprasse o
dos EUA pelo “assassino produto. Na história, Jeca estava doente e magro. Um médico, então,
do Zodíaco”, em 1969.
receitou um remédio e, de reforço, Biotônico “para abrir o apetite”. (5)

Reportagem Alexandre Versignassi, Alexandre Carvalho, Luisa Costa, Maria Clara Rossini e Rafael Battaglia. Fontes (1) Instituto FSB. (2) American Psychological Associa-
tion. (3) Conselho Nacional de Justiça; Eneida Orbage Taquary de de Britto, professora de Direito da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. (4) Can Microwave Technology
be Used to Make Food Cold?, da Popular Science, e It’s no reverse microwave, but it is cool, do The Conversation. (5) Agradecimento: Jacqueline Cabral, farmacêutica. abril 2022 super 59

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 oráculo

Por que animais grandes se

movimentam mais lentamente?
@andrevenceslau, via Instagram

Um modelo matemático publicado na Nature em 2017 tenta explicar o

mecanismo. O primeiro desafio de um animal grande é sair da inércia, devido
ao tamanho do corpo. É mais fácil para um rato dar um tiro de corrida do
que para um hipopótamo. O grande gasta muita energia só para se colocar
em movimento, e aí não sobra tanto combustível para correr. Já a ideia de
lerdeza surge porque usamos como referência o corpo do animal. Para um
pequeno se deslocar a uma distância igual ao seu próprio tamanho, ele
precisa de pouquíssima velocidade. Uma abelha com pouco mais de 1 cm de
comprimento, voando a 30 km/h, leva 0,001 segundo para percorrer uma
distância referente ao tamanho do comprimento de seu corpo. Já um elefante,
com 6 metros de comprimento e correndo a 40 km/h, precisa de mais de 0,5
segundo – 500 vezes mais. Não é só isso. Um outro estudo, de 2018, mostrou
que os reflexos de animais grandes também são mais lentos: os neurônios são
mais longos, o que significa que um sinal do cérebro leva mais tempo para
viajar até o músculo da perna. A diferença de tempo dessa transmissão é até
15 vezes maior em um mamífero grande em comparação com um pequeno. (1)

Os gregos antigos não tinham sobrenomes? Todos os animais

@solrac_hayd, via Instagram com dentes também lista
têm dentes de leite Quais foram as
Segundo a antroponímia, o estudo de nomes e so- (dentes decíduos)? partidas de tênis
brenomes, os gregos antigos costumavam ter um único @brunomarini, via mais longas?
nome, mas era comum que este fosse seguido por um ou Instagram
dois termos que o diferenciassem de xarás, fosse por um
contexto específico (tratar-se de um estrangeiro) ou para Não. Há animais mono- Algumas até tiveram de
ajudar na identificação. Esses complementos podiam ser fiodontes, que nascem continuar em outros dias.
o nome do pai, do seu clã ou da sua região de origem. Cer- e permanecem com os
John Isner X
tamente havia muitos Tales na Grécia Antiga. Mas aquele mesmos dentes até o fim 1 Nicolas Mahu
que se tornaria o primeiro a questionar as afirmações da vida. Os mamíferos 11 horas e 5 minutos
mitológicas sobre a natureza passou para posteridade cetáceos (como golfinhos, (Wimbledon, 2010)
com um sobrenome. Era “de Mileto” – colônia grega na botos e belugas) fazem
atual Turquia, onde ele nasceu. O fato de Sócrates não parte desse grupo. Mas a Tomáš Berdych e
2 Lukáš Rosol X Sta-
ter um sobrenome conhecido é um caso de “monônimo”, maioria dos vertebrados
nislas Wawrinka e
palavra que abrange um conceito único e que, em se perde e ganha dentes ao
Marco Chiudinelli
tratando de pessoas, dispensa outras apresentações. No longo da existência. O 7 horas (Copa Davis, 2013)
caso dele, nem precisava, pois ele era famoso em Atenas. peixe da espécie ling, por
Seus homônimos é que teriam de dizer de onde vinham. (2) exemplo, faz essa troca Leonardo Mayer X
3 João Souza
numa média de 20 dentes
por dia. Esses animais são 6 horas e 43 minutos
(Copa Davis, 2015)
chamados polifiodontes.

PERGUNTE Entre os mamíferos, a

maior parte troca o con- 4
Kevin Anderson X
John Isner
AO ORÁCULO junto de dentes apenas 6 horas e 36 minutos
(Wimbledon, 2018)
Escreva para uma vez (difiodontes),
alexandre.santos@abril.com.br como os humanos. Cães
Fabrice Santoro X
mencionando sua cidade e e gatos, por exemplo, 5 Arnaud Clément
estado – ou mande a pergunta perdem os dentes de leite
via direct no Instagram. 6 horas e 33 minutos
após alguns meses. (3) (Roland Garros, 2004)

Fontes (1) André Frazão Helene, professor do departamento de fisiologia do IB-USP. (2) “A origem dos
nomes de pessoas”, Patrícia de Jesus Carvalhinhos, USP. (3) Artigos “Biology of tooth replacement in amnio-
60 super abril 2022 tes” e “The moment of tooth: rate, fate and pattern of Pacific lingcod dentition revealed by pulse-chase”.

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 Só acredito Qual é a origem Segundo a ONU, os campeões de consu-
mo são, nesta ordem: leite, trigo, arroz,

vendo das comidas batata, cerveja, açúcar, tomate, milho,

carne de porco e mandioca. O leite é o

mais consumidas
primeiro alimento de qualquer mamífero.
Logo, não tem uma “origem” única. Mas

do mundo?
o hábito de bebê-lo depois de adulto co-
meçou há uns 10 mil anos, com o início
da pecuária na Europa. Confira a origem
@kaltowski, via Instagram
dos outros.

1 Leite 2 Trigo
Europa Crescente fértil
10 mil anos 10 mil anos atrás
atrás

8 Milho
México
9 mil anos atrás
3 Arroz
Sudeste asiático
12 mil anos atrás

4 Batata 5 Cerveja 6 Açúcar

Cordilheira Crescente Índia
dos Andes 2,5 mil anos atrás
8 mil anos fértil
atrás 7 mil anos atrás

7 Tomate 10 Mandioca 9 Carne de porco

Cordilheira Amazônia Turquia e China
dos Andes Período 8 mil anos atrás
Período desconhecido
desconhecido
Fonte Statista.

Como os pássaros não caem do poleiro enquanto dormem? Outros sonos do Reino Animal
zzz
@joao_hen_, Instagram

Por causa de um fenômeno chamado “mecanismo automático

de empoleiramento”, que já foi descrito em diversas espécies passe-
riformes. Essas aves conseguem “travar” as garras nos troncos das
árvores graças a adaptações nos músculos das pernas. Quando as
articulações do tornozelo e do joelho estão flexionadas, os dedos A taxa metabólica Polvos mudam de cor Enquanto um lado
de uma espécie de durante a fase mais do cérebro do golfi-
do pé também ficam firmes em torno do galho. Eles não abrem
tubarão chamada ativa do sono. Aliás, nho está dormindo,
enquanto as pernas não ficarem retas. Desde que o pássaro esteja Cephaloscyllium eles têm duas fases o outro permanece
de cócoras, ele pode dormir tranquilo. Mais: o cerebelo (parte do isabellum mostra de sono, o que sugere ativo, o que é chama-
cérebro que coordena as atividades motoras) é bem avançado nas que ele dorme de uma experiência se- do de “sono uni-he-
aves, para ajudar nos voos. Isso lhes permite um equilíbrio elegante. olho aberto. melhante ao sonho. misférico”. (5)

Fontes (4) Statista. (5) Artigos “The digital tendon locking mechanism of the avian foot”, “Energy conservation characterizes sleep in sharks”, “Cyclic alter-
nation of quiet and active sleep states in the octopus”; Thiago Vernaschi, professor da Universidade Federal de Itajubá. Gráfico e ilustrações: Natalia Sayuri. abril 2022 super 61

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 oráculo

Existe inveja do bem? Algum outro animal

Jonas Gomes, Barueri - SP
Sim. Um estudo holandês
pediu que 160 participantes
se lembrassem de ocasiões
associadas a inveja positiva,
inveja “do mal”, admiração e
ressentimento. Depois eles
diziam como se sentiram. Nas
situações ligadas à inveja do
bem, o sentimento em relação
ao invejado era de camarada-
gem, e havia vontade de me-
lhorar o próprio desempenho.
Na maligna, o desejo era de
que o outro se desse mal. O
estudo ainda diferenciou a
inveja benigna da admiração.
sofre de calvície?
@j_helito, via Instagram
Sim. Alguns mamíferos estão
sujeitos à alopecia – perda de
pelos do corpo. Nos primatas,
os que mais se parecem com os
humanos nesse quesito são os
macacos de cauda curta, como
as espécies Cacajao calvus e
Saguinus bicolor, com queda
acentuada de pelos na região
da cabeça. Mas a alopecia é
incomum em animais selva-
gens, por uma razão evolutiva.
Pelos regulam a temperatura
do corpo e podem servir de
instrumento de camuflagem.

É verdade que não

Quando os participantes Com tanta utilidade, a pressão
sentiam inveja positiva – sem seletiva ao longo do tempo foi
querer o mal do próximo –, grande o bastante para que

se deve molhar a
ainda assim isso lhes causava mamíferos mantivessem uma
desconforto e frustração (con- pelagem permanente pela vida
dições do amor-próprio ferido toda. No caso do Homo sapiens,

escova de dente?
que há na inveja). Já a admi-
ração foi descrita como uma
sensação gostosa. (2)
Bruno Vaiano, São Paulo - SP
que desde sempre cobriu-se
com peles de animais, não
houve essa pressão. (3)

Não, pode continuar molhando como você sempre fez. Há

um mito de que jogar água diluiria a concentração de flúor,
fundamental para o fortalecimento dos dentes, mas não há
Lost in
nenhuma comprovação científica disso. Há também quem diga
que a água pode fragilizar as cerdas da escova, outra crença
Translation ‫رامحلا مّلعي راركتلا‬
sem fundamento. O que fragiliza as cerdas é pressionar ex-
Origem Árabe
cessivamente a escova contra os dentes. Aliás, por questões A repetição ensina o burro.
de higiene, vale também molhar a escova antes de colocar a
pasta. Dependendo da forma como a escova fica guardada, ela
pode entrar em contato com umidade e bactérias que se proli-
feram no banheiro. A propósito: a quantidade ideal de pasta é Sabe quando, depois de muita tentativa e erro, você consegue
fazer um feijão perfeito ou acertar 100% dos seus arremessos
a equivalente ao tamanho de uma ervilha. Muita espuma faz
no basquete? É isso. A prática leva à perfeição.
com que as pessoas percam o controle das áreas higienizadas. (1)

Sim. Na filosofia aristotélica, a vir-

pensando É ok ser tude é fundamental para uma vida
bem vivida. Mas, diferente de seus
bem... bilionário contemporâneos estoicos, que pen-

Filósofos de num mundo savam que ser bom garantiria isso,

Aristóteles achava que a vida plena
ontem opinam em com tanta só seria conquistada com amizade,
assuntos de hoje
por Alexandre Carvalho
miséria? aristóteles
boa sorte e dinheiro. Tanto que co-
locou “viver de forma extravagante”
385 a.C. – 323 a.C. na sua lista de virtudes.

62 super abril 2022 Imagens Wikimedia Commons / Divulgação

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 manual
por Rafael
Battaglia
3 - Kit de sobrevivência
Faça uma mala com itens
essenciais (trocas de
roupa, toalha, nécessaire,
água, lençol), como se
fosse viajar. Assim você
não precisará abrir todas
as caixas em busca da sua
escova de dentes ou do
seu pijama. Monte tam-
bém um kit de limpeza e
faça uma faxina na casa
nova antes de receber
caixas e móveis.
Para saber mais
Vai usar plástico-bolha? Envolva
toda a superfície dos objetos
com as bolhas viradas para fora
e prenda tudo com um pedaço
de fita adesiva.
S O P H IE D E G R O U C H Y
1764 – 1822
Fontes (1) Giuseppe Alexandre Romito, professor de periodontia da USP. (2)“Leveling Up and Down: The Experiences of Benign and Malicious Envy”. Tilburg
University, 2009; “Inveja: Como Ela Mudou a História do Mundo”, de Alexandre Carvalho. (3) Gabriel Lazzeri Cortez, médico dermatologista (EPM-Unifesp).
SI_438_Oraculo.indd 63
Como mudar de casa
sem perrengues?
1 - Prepare-se 2 - Hora de
D e sc u b ra n os d o i s encaixotar
condomínios (o do Caixas muito pesa-
qual você está saindo das são péssimas de
e o novo) as regras de carregar. Coloque
mudança de cada um, itens pesados até a
como horários permi- metade e preencha a
tidos e se o elevador vai outra parte com coisas
precisar de proteção. leves (roupas, lençóis).
Meça os móveis e veja Encha a caixa para que
se caberão no elevador o papelão não afunde
e na casa nova. Faça depois. Reforce o fundo
uma vistoria na futura com fita adesiva e crie
residência, dos registros etiquetas para facilitar
ao estado da fiação. o desembrulho.
4 - No dia da mudança…
Pense bem antes de con-
tratar um caminhão: às
vezes, tudo pode caber
em uma caminhonete –
e sai mais em conta. Há
empresas que, além do
transporte, embrulham
a louça, protegem as
taças com plástico-bo-
lha… Por fim, desfaça
as caixas por cômodos:
banheiro, quarto, cozi-
nha e, enfim, a sala.
Antídotos para dor de cabeça
Preencha os espaços vazios das Peça a planta do imóvel. Ela con- O cabo de internet não passa do
caixas com papel amassado. Isso tém as medidas, informa quais são hall social para o seu apê? Não se
reforça a proteção e evita que as paredes de sustentação e onde desespere: contrate uma empresa
os objetos balancem. estão a fiação e o encanamento. especializada em desobstruir
Ninguém merece pendurar um conduítes (nome técnico para
quadro e ganhar um vazamento. “abrir espaço no buraco para o fio”).
Não. Toda virtude nasce da capa- Sem dúvida. A religião, segundo
cidade de sentir a dor dos outros e Nietzsche, tem uma moralidade
tentar aliviá-la. E a desigualdade escrava, que se baseia em achar as
econômica impede que a empa- uvas verdes porque não se consegue
tia floresça. Muito ricos e muito alcançá-las. Como os autores dos
pobres nem parecem da mesma evangelhos não tinham dinheiro,
espécie, segundo a filósofa. A for- eles declaravam que essas coisas
tuna levaria as pessoas a agir de eram más, e a pobreza tinha de ser
forma injusta e coloca em risco o
F RIE D RI C H N IE T Z S C H E boa. O alemão via essa moral como
funcionamento da ordem política. 1844 – 1900 imprópria para grandes pessoas...
abril 2022 super 63
4/8/22 00:39
 e se... realidades paralelas
E se todos os carros
fossem autônomos?
É o fim dos congestionamentos:
filas de carros andam em velocidade
constante, sem interrupções, levando
dentro passageiros que simplesmente
ficam jogando no celular ou lendo um
livro no caminho. É como se os carros
fizessem parte de um trem virtual, que
ganha ou perde vagões conforme mu-
dam de via, num movimento ininter-
rupto. Se o Waze disser que você chega
às 19h04, você chega às 19h04. Quase
não há surpresas, como nos melhores
sistemas ferroviários.
Também ficam como uma memória
trágica do passado acidentes de trânsi-
to, que se tornariam tão raros quanto
quedas de avião. E ainda o barulho e a
poluição: afinal, falamos de uma frota
inteira de elétricos. O motor a combus-
tão interna vai deixar de existir antes
de a automação total ser algo possível.
A União Europeia se comprometeu
a banir a produção dos veículos polui-
dores a partir de 2035. O Reino Unido
adiantou-se mais ainda. Boris Johnson
anunciou que, em oito anos, só será per-
mitida a fabricação de carros elétricos
em território britânico. E não são só
governos. As montadoras caminham
nessa direção por conta própria. Volvo
e Mercedes, por exemplo, produzirão
só elétricos a partir de 2030.
A autonomia total dos carros não é
um futuro tão líquido e certo quanto
a eletrificação. Mas é a tendência. Os
melhores carros de hoje fazem baliza
64 super abril 2022
SI_438_E-se.indd 64
Texto Fábio Marton e
Alexandre Versignassi
sozinhos, mudam de faixa na estrada,
sabem os limites de velocidade de ca-
da área (isso tem no Waze) e freiam
diante de pedestres.
A Tesla se tornou a montadora mais
valiosa do mundo em grande parte por
ter dado um passo além nessa área. Pelo
equivalente a R$ 55 mil, donos de Teslas
podem adquirir um pacote de software
chamado full self driving (direção autô-
noma total). Em tese, ele permite que
você entre no carro na garagem, digite o
endereço de destino e pronto: o veículo
faz o caminho por conta própria.
Mas não é tão simples. Um dono de
Tesla definiu bem, numa entrevista re- Apertem os cintos…
cente à CNN americana: “É como dirigir
com a minha avó ao volante. Às vezes ele
erra, tipo, ‘não, vó, essa rua é contramão’”.
Por essas que a própria Tesla deixa seguro deixar todo o trânsito nas mãos
claro que, apesar do nome, seu auto- dos computadores, tanto nas cidades
móvel requer supervisão constante do quanto nas estradas.
motorista. Ou seja: ainda é um brin- E isso alteraria completamente o
quedo. Mas um que tende a evoluir design dos carros. No final do século
com o tempo. 19, quando Karl Benz inventou o au-
No dia em que a vovó ao volante de tomóvel, nem volante havia, só uma
hoje converter-se num sistema confi- alavanca de direção, tal como as carro-
ável, simplesmente não haverá espaço ças. Eram charretes sem cavalos. Afinal,
para motoristas humanos. Estima-se todo mundo andava de charrete antes.
que 1,35 milhão de pessoas morram a Esse era o design natural para o trans-
cada ano em acidentes de trânsito. É o porte. Mesmo o Ford Modelo T, de 1908,
equivalente a uma pandemia de Covid primeiro veículo automotor adotado de
a cada cinco anos – com o detalhe de forma massiva, parecia uma carruagem.
que o número cresce com o tempo. Com o tempo, os carros foram ficando
Numa realidade com carros autôno- com cara de carro.
mos realmente funcionais, seria mais Numa realidade autônoma, essa
07/04/22 17:11
 cara mudaria. Para quê volante? E você
precisaria mesmo ficar sentado com a
cara no vidro dianteiro, de costas pa-
ra os passageiros de trás? Claro que
não. A lógica diz que o interior dos
carros ficaria parecido com a sala de
um apartamento.
Com os carros locomovendo-se por
conta própria, não haveria sequer a ne-
cessidade de observar o que estivesse
acontecendo do lado de fora. Pessoas
gostam de janelas, e de ver e ser vistas,
então seguiríamos com janelas e para-
-brisas. Mas todos os carros teriam a
função de deixar as áreas envidraçadas
completamente opacas quando os ocu-
pantes quisessem privacidade. Sim, e
*Algo como “Por que é que a gente não faz na estrada de uma vez?” Foto Metamorworks/Getty Images
SI_438_E-se.indd 65
daria para fazer no trânsito aquilo que
Paul McCartney canta em “Why Don’t
We Do It in the Road?”.*
Em algum momento, até os céus se-
riam tomados por essa frota robótica.
Várias empresas desenvolvem “carros
voadores” (Embraer incluída). São os
eVTOLs (sigla para Veículos Elétricos
de Pouso e Decolagem Vertical). Trata-
-se basicamente de helicópteros elétricos
– ou drones gigantes, se você preferir. A
ideia é que um dia não custem muito
mais do que um carro.
E eles já são pensados para funcionar
de forma autônoma. Não por futurismo,
mas por viabilidade econômica, já que
pilotos de avião custam caro. A ideia
por trás dos eVTOLs é criar frotas de
“Uber” capazes de transportar passa-
geiros pelo ar – só passageiros mesmo,
sem condutor. A própria Uber já tem
uma empresa voltada para desenhar
esse futuro: a Uber Air.
Bom, a locomoção aérea tem a vanta-
gem de ser tridimensional – enquanto
a terrestre só conta com duas dimen-
sões (para frente/para trás e esquerda/
direita). O natural, então, é que a maior
parte da locomoção acabe indo para o ar.
E aí teríamos outro problema: os
céus das grandes cidades ficariam es-
curos, com várias camadas de veículos
voadores autônomos sobre as nossas
cabeças. Pobres dos nossos netos. S
abril 2022 super 65
07/04/22 17:11
 última página desculpa qualquer coisa e até logo

Tanque vazio Calculamos a porcentagem do salário médio mensal de cada país em relação ao custo
de abastecer um tanque com 60 litros de gasolina. O Brasil está entre as piores nações
nesse quesito. Veja. Infográfico Natalia Sayuri Lara e Maria Clara Rossini

como ler o gráfico

proporcionalmente mais barata

1 - Catar 2 - Kuwait 3 - emirados árabes

10 países com a gasolina

Valor para encher 2,09% 0,97% 1,05% 1,62%
o tanque (60 L)

Preço do litro Salário médio mensal

de gasolina R$ 349,98 (R$ 5,83/L)
R$ 164,88 (R$ 2,74/L) R$ 98,58 (R$ 1,64/L) R$ 248,82 (R$ 4,04/L)
R$ 16.748,61
R$ 16.998,49 R$ 9.358,74 R$ 15.003,00

4 - suíça 5 - arábia saudita 6 - estados unidos 7 - austrália 8 - omã

2,06% 2,09% 2,09% 2,23% 2,31%

R$ 596,40 (R$ 9,94/L) R$ 177,54 (R$ 2,95/L) R$ 349,98 (R$ 5,83/L) R$ 442,68 (R$ 7,37/L) R$ 177,48 (R$ 2,95/L)
R$ 28.906,47 R$ 8.491,00 R$ 16.748,61 R$ 19.893,59 R$ 7.668,50

9 - canadá 10 - singapura 1 - sri lanka 2 - nepal

proporcionalmente mais cara
10 países com a gasolina

2,52% 3,11% 40,14% 36,89%

R$ 446,28 (R$ 7,43/L) R$ 608,7 (R$ 10,14/L) R$ 284,04 (R$ 4,73/L) R$ 364,02 (R$ 6,06/L)
R$ 17.730,22 R$ 19.595,99 R$ 707,67 R$ 986,84

3 - filipinas 4 - gana 5 - paquistão 6 - rep. dominicana 7 - peru

27,46% 27,03% 26,31% 25,23% 23,01%

R$ 391,38 (R$ 6,52/L) R$ 325,26 (R$ 5,42/L) R$ 235,14 (R$ 3,91/L) R$ 403,86 (R$ 6,73/L) R$ 415,86 (R$ 6,93/L)
R$ 1.425,31 R$ 1.203,43 R$ 893,64 R$ 1.600,59 R$ 1.807,66

8 - moldávia 9 - turquia 10 - macedônia do norte 11 - brasil

23,01% 22,95% 22,95% 22,18%

R$ 423,72 (R$ 7,06/L) R$ 383,76 (R$ 6,39/L) R$ 417,66 (R$ 6,96/L) R$ 432,60 (R$ 7,21/L)
R$ 1.841,37 R$ 1.672,21 R$ 1.819,66 R$ 1.950,38

66 super abril 2022 Fonte Global Petrol Prices e Numbeo. Valores referentes a 28 de março de 2022.

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