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AS CORTES E O CONSTITUCIONALISMO
NO BRASIL E EM SERGIPE:
SIGNIFICADOS E CONFLITOS
1 Ver Alexandre (1993), Berbel (1999), Lyra (1994), Souza (1999), Neves e
Machado (1999).
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verno nas mãos da Câmara e voltaria para o Rio de Janeiro para dar
parte ao seu monarca daquele acontecimento”. Por fim, “resolveu-
-se que o governador continuasse e se enviasse uma mensagem à
corte, deixando-se de aclamar a Constituição até que voltassem os
enviados” (Travassos, 1915, p.94-5).
Como a capitania não contava com recursos financeiros para
custear a viagem dos emissários – dos “mais inteligentes” que de-
viam compor a missão que ia para a corte –, o proprietário Bento
de Mello Pereira, futuro Barão da Cotinguiba, ofereceu-se para
cumprir a missão a suas próprias custas, exigindo apenas um acom-
panhante, ao que o tenente de segunda linha Manoel Rodrigues
Nascimento prontificou-se.
Finalmente empossado, o governador de Sergipe nomeou uma
junta de fazenda interina composta por ele(como presidente), um
ouvidor, um fiscal (que eventualmente poderia ser o procurador
da Coroa), um escrivão e um tesoureiro.7 Ensaiandouma organi-
zação financeira na província, Burlamaqui propôs a reforma dos
modos de arrecadação e verificação das dívidas e contratos. Sob sua
ordem, a “repartição mandou chamar os diferentes recebedores,
para darem conta, e mandou também pôr em praça os Contratos
Reais” (Burlamaqui in Freire, 1977). Não se sabe como as medi-
das foram recebidas pela população, nem se provocaram alguma
alteração nas finanças da capitania, pois a brevidade da atuação do
governador (28 dias) não permitiu conferir os resultados.
Os detalhes e o desenrolar das tramas referentes à permanência
de Burlamaqui no poder baseiam-se nas memórias que ele escreveu
durante o tempo em que ficou preso na Bahia e depois de liberta-
8 Depois de liberto, foi para o Rio de Janeiro, onde produziu sua memória
incluindo documentos que compõem boa parte da documentação sobre o
período. Ver Burlamaqui (in Freire, 1977, p.234-55).
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tônio Muniz de Souza. Tal proposição pode ainda ter calado fundo
na alma de indivíduos que há muito vivenciavam situações de dis-
criminação e impotência diante das injustiças promovidas pelos
colonizadores e ansiavam por “acabar com os abusos em ambos os
hemisférios”.
Contudo, as prerrogativas da Constituição no sentido de aca-
bar com os privilégios originados de nascimento expõem apenas
uma dimensão das possibilidades de resolução de problemas que,
acreditava-se, a Carta poderia proporcionar. Em torno do ideário
constitucional, formou-se a crença de que, respeitado o princípio
da representatividade, seriam elaboradas normas que tocariam em
questões fundamentais para o funcionamento do império portu-
guês, como o monopólio comercial, a revisão do fiscalismo exacer-
bado, o poder absoluto do rei; enfim, a transformação da ordem
social e política.
Nessa dimensão ampla de possibilidades de mudanças de várias
ordens, o Liberalismo coadunou-se com os anseios de grupos das
elites locais que acalentavam projetos de autonomia local.
preparar para a defesa”. Porém isso seria feito com armas e mu-
nições próprias, pois não havia provimento real; apesar disso, o
governador advertiu que os combatentes estivessem certificados de
que haveriam de ser pagos, bem como alimentados.
Burlamaqui concluiu a ordem avisando ao comandante que “se
Vossa Senhoria achar embaraço ou dificuldade na execução desta
participe-me imediatamente por escrito”. Esta última recomenda-
ção relacionava-se ao que fato de que Burlamaqui sabia que o co-
mandante das tropas de Santa Luzia, o brigadeiro Guilherme José
Nabuco, estava a favor do constitucionalismo das cortes, e o consi-
derava seu opositor. Dessa forma, ciente do posicionamento desse
chefe militar, o governador sabia da possibilidade de a ordem de
convocação das tropas não ser atendida. E, diante do previsto não
acatamento dos corpos combatentes do sul da capitania (Estância
e Santa Luzia), Burlamaqui percebeu que não poderia contar com
o apoio militar e, tampouco, com a simpatia dos líderes políticos
daquela região.
Antônio Travassos (1915) conta que a Burlamaqui não restou
força alguma de que pudesse “dispor para bater como desejava a
pequena força de expedição prestes a chegar da Bahia, resignou-se
a esperá-la em palácio de braços cruzados”. A força armada en-
viada pela junta da Bahia foi reforçada por quatro companhias em
Sergipe: duas de cavalaria e duas de infantaria, todas de milícias da
Legião da Estância, sob o comando do brigadeiro Guilherme José
Nabuco de Araújo. Marcharam no dia 14 de março de 1821 sobre
Sergipe. No dia 15 de março, partiu da vila de Santa Luzia uma
força da Guarda de Honra para se juntar à da Bahia, em Estância,
rumando no dia seguinte para São Cristóvão, visando à deposição
do governador “perante a câmara e o povo”.
O esclarecimento para o envio da tropa baiana pode ser conheci-
do por meio da gazeta A Idade de Ouro do Brasil, na qual se justifica
a intervenção militar “pela cegueira e falta de patriotismo do ato do
governador”.16
16 Gazeta A Idade de Ouro do Brasil, 10 fev. 1822 (in Wynne, [s.d], p.143).
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22 Para uma análise mais detalhada do perfil e da atuação dos grupos políticos
situados no Centro-Sul, ver Neves (2003), Oliveira (1999) e Ribeiro (2002).
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27 Postura bem diferente da que foi eternizada com a famosa frase sobre “o bem-
-estar e a felicidade da nação e do povo”. A diferença de conteúdo e sentido
deveu-se ao fato de o texto divulgado no dia seguinte ter sido modificado após
o convencimento do regente sobre sua permanência. A alteração consistiu
também em importante artifício para dotar o ato de maior heroísmo, glória e
autossacrifício, o que, sem tal pretensão, contribuiu significativamente para
compor a memória social sobre a participação decisiva de D. Pedro, a partir da
escolha sobre sua permanência, na Independência do Brasil. Ver Souza (1999)
e Bittencourt (2006).
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29 Idem, ibidem.
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31 A percepção da falta de uma unidade política que pudesse sustentar uma visão
de Brasil integrado foi explorada por vários estudiosos ao longo do tempo. Ver
Varnhagen (1957, p.25), Lima (1989, p.22), Holanda (1997, p.15), Dias (in
Mota, 1972), Rodrigues (1975), Barman (1988, p.94-111) e Jancsó e Pimenta
(in Mota, 2000, p.154).
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2 Carta de José Barros Pimentel para o coronel Joaquim Pires de Carvalho (apud
Amaral, 1957, p.258). Ver também Souza (2000, p.194-5).
3 Como ficaram conhecidas as tropas que combateram as forças portuguesas
estacionadas em Salvador.
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4 João Dantas Reis Portátil nasceu em Itapicuru em 1773. Foi eleito deputado
do Conselho Interino Provisório do governo da província da Bahia, recebendo,
posteriormente, a condecoração oficial da Ordem Imperial do Cruzeiro. Sobre
a família Dantas na Bahia,ver Dantas (2000) e Reis (1958, p.220-1).
5 Arquivo Geral do Estado de Sergipe. Estância 2. Of. Caixa n. 04/346.
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Tropas do general
Labatut (saídas de
Penedo, Alagoas)
Tropas do capitão-
-mor João Dantas
dos Reis (saídas de
Itapicuru, Bahia)
22 Idem, ibidem.
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O reconhecimento da autonomia:
Sergipe, província do Império
31 Uma explicação para a rejeição de Eloy Pessoa estaria na suspeita de que ele
fosse precursor de ideias abolicionistas. Em 1826, após uma temporada nos
Estados Unidos, Pessoa produziu uma significativa obra sobre a conveniência
de se extinguir a escravidão no Brasil, que teria influenciado importantes
intelectuais do Império. Ver Nunes (978, p.48).
32 Arquivo Público do Estado da Bahia. Ofício da Câmara Municipal de Ca-
choeira dando posse a Barros Pimentel. Seção História colonial e provincial.
Correspondência. Maço 425.
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