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A imprensa nos países africanos de língua portuguesa


A tipografia foi introduzida em cada país africano em datas diferentes. Veja:
Cabo Verde – 1842.
Angola – 1845.
Moçambique – 1854.
São Tomé e Príncipe – 1857.
Guiné-Bissau – 1879.
“Os primeiros órgãos de comunicação social foram o Boletim Oficial de cada colônia, que dava abrigo à legislação,
noticiário oficial e religioso, mas que também incluía textos literários, sobretudo poemas, mas eventualmente crônicas ou
contos” (LARANJEIRA, 1995, p. 18). A imprensa no século XIX não teve grande importância, exceto em Angola. Não
podemos esquecer que os africanos sofriam com a colonização. Assim, o clima de repressão sempre estava presente por
meio da censura. Isto impedia a liberdade da imprensa. Publicações com poucos números editados eram comuns até a
independência dos países, uma vez que eram proibidas pelos órgãos oficiais de publicarem.
Em Moçambique, a imprensa não oficial atacava com frequência os governos, a colônia e a capital Lisboa. A imprensa
operária vigorou até 1926, quando a lei de João Belo caçou a liberdade jornalística. Ganharam destaque os jornais fundados
pelos irmãos João e José Albasini, que buscavam conscientizar o moçambicano. O primeiro jornal na Guiné- Bissau só veio
a lume em 1920, chamava-se Ecos da Guiné. Tanto em Cabo Verde quanto em São Tomé e Príncipe a imprensa teve fator
decisivo no incentivo à produção literária.
Já em Angola a imprensa teve uma atividade maior. Depois que o Boletim Oficial foi criado em 1845, surgiu o jornal
literário e recreativo A Aurora (1855). Em 1866, surge A Civilização da África Portuguesa que lutava pela abolição da
escravatura naquele país. Entre os anos de 1860 a 1900, houve vários jornais, alguns artesanais, os quais foram de grande
importância para fomentar as atividades intelectuais e literárias.
De acordo com Laranjeira, o “primeiro jornal de africanos chamava-se Echo de Angola (1881), inaugurando duas décadas
de frenética atividade jornalística (que se prolongaria, depois, até aos anos 20) e que ficaria conhecida por período da
imprensa livre africana, terminando exatamente com a fundação de A Província de Angola (1923), primeiro jornal do tipo
moderno, industrial, que passou a quotidiano em 1926, perdurando ainda hoje as instalações ao serviço do Jornal de
Angola” (1995, p. 19). No auge da imprensa livre, apareceram jornais que eram escritos tanto na língua portuguesa quanto
no kimbundo. Nesses jornais, havia a defesa por um país livre, autônomo, um país que pudesse se desenvolver e se
desvencilhar da colonização.
A imprensa tem grande importância em vários setores da vida social e cultural. Assim, nós devemos considerar que é um
veículo muito importante para a produção literária, uma vez que publicar livros naquele período era muito difícil.
O ensino
Assim como no Brasil colonial, os países africanos de língua portuguesa tinham níveis altíssimos de analfabetismo. Em
meados do século XX, os níveis da educação formal continuavam baixíssimos. Veja a porcentagem de analfabetos em
quatro países:
Angola – 97%
Moçambique – 98%
Guiné-Bissau – quase 100%
Cabo-Verde – 78,5%
A política portuguesa era a de alfabetizar poucos assimilados para o setor de serviços e deixar o restante da população sem
qualquer apoio, sem permitir o próprio desenvolvimento, muitas vezes, com a intenção de utilizar esse restante (a grande
maioria) como mão-de-obra barata ou escrava.
Antes de continuarmos, torna-se importante conhecer algumas características do assimilado, pois, com frequência, ele é
representado nas obras literárias.
Para ser considerado assimilado eram ditadas condições:
1. Deveria ser natural das províncias portuguesas;
2. Maior de idade;
3. Ser capaz de mostrar que tinha condições de uso dos direitos civis e políticos próprios do cidadão português.
O que quer dizer esta última condição? O aspirante a assimilado deveria comprovar que havia deixado os costumes e usos
de seu povo e demonstrar conhecimentos a respeito da cultura portuguesa. Para comprovar isso, havia quatro condições
básicas:
1. Ter conhecimentos da escrita e leitura da língua portuguesa;
2. Ter condições de sustentar a si e a família;
3. Ter bom comportamento, comprovado por meio de atestados legais;
4. Diferenciar-se de seus conterrâneos em relação aos usos e costumes.
Caso exercesse cargo público, estivesse integrado a corporações administrativas, fosse industrial ou comerciante ou, ainda,
possuísse habilitações literárias mínimas, poderia ser considerado assimilado. Em suma, para se tornar assimilado era, de
certo modo, necessário negar/deixar suas origens.
Vale ressaltar que inicialmente a educação dos africanos passou pelos jesuítas, mas no século XVIII estes foram expulsos.
Em 1834, o ensino passou a ser de obrigação do Estado, por isso, laico. Em 1869, volta para as missões religiosas, mas o
progresso é muito lento.
Em Angola, os centros que tinham grande população possuíam escolas particulares ou oficiais para os brancos e havia as
missões para os negros que moravam nas zonas rurais. Durante séculos, foi mantido o aprendizado até o nível primário. A
relação Igreja e Estado foi separada com o advento da República. O ensino que era de responsabilidade das missões
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religiosas passou a ser laico. No entanto, alguns anos após, as missões católicas voltam a receber auxílio financeiro para
ensinar. No ano de 1926, o ensino ligado às missões religiosas foi abolido por não conseguir sucesso. Vejamos o que diz
Pires Laranjeira:
“A língua usada nas escolas e fora dela, por professores, missionários e auxiliares, era a portuguesa, que, com as línguas
nativas, servia para o ensino da religião. Mas, até à II Guerra Mundial, o objetivo da assimilação, perseguido em teoria
pelas autoridades, não teve expressão. Após 1945, a política governamental procurou acelerar a assimilação, fazendo um
esforço para generalizar o ensino primário, desenvolver o secundário, sobretudo técnico, a educação agrícola e criando
instituições para a formação de professores” (1995, p. 21).
O ensino superior era restrito a poucos alunos, principalmente, brancos e mestiços. Devido aos movimentos nacionalistas, a
partir de 1963, foram criados os Estudos Gerais em três cidades angolanas (Luanda, Sá da Bandeira e Nova Lisboa) e na
capital moçambicana. Os movimentos de libertação nacional também criaram suas formas de ensino e alfabetização, mas
estas formas ficavam restritas aos militantes e apoiadores.
Nessa aula, conhecemos um pouco mais a respeito do contexto sociocultural dos países africanos em que a língua
portuguesa está presente. Na próxima aula, vamos conhecer alguns detalhes importantes a respeito da literatura colonial,
principalmente.
WEB AULA 2
Literatura colonial e literatura africana de expressão portuguesa
Nesta aula, vamos estudar as origens da literatura africana. Vamos focar em especial o conceito de literatura, para que
você possa entender as diferenças básicas em relação às literaturas africanas de expressão portuguesa. Além disso, vamos
definir o termo “Negritude”. Vamos à aula!
De acordo com Manuel Ferreira, a literatura africana de expressão portuguesa tem sua origem ligada à situação histórica
das navegações do século XV, ou seja, a expansão propiciada pelas navegações. Tanto a historiografia quanto a literatura,
naquela época, servem como testemunho das conquistas portuguesas. Não podemos esquecer que a visão expressa é a do
expansionismo, visão que exaltava a cultura lusitana. Podemos dar a esses escritos o nome de Literatura das Descobertas e
Expansão.
Essa literatura era feita por portugueses e tinha por objetivo narrar a respeito dos frutos da aventura além-mar. Naquela
época, o mundo ocidental considerava correto dominar, depredar ou, ainda, barbarizar em nome das expansões territoriais,
econômicas ou religiosas.
Os portugueses aportam em terras africanas nos seguintes anos: Guiné-Bissau (1446), Cabo-Verde (1460), São Tomé e
Príncipe (1485) e Moçambique (1505). São Paulo de Assunção de Luanda, que hoje é capital de Angola, foi o primeiro
povoado desse país, isto em 1575.
Entre os reis do Congo e os reis de Portugal foram trocadas correspondências, os primeiro documentos. Há relatórios os
quais haviam sido enviados de Angola para a Europa pelos padres Jesuítas, como os do cabo-verdiano André Álvares de
Almada, chamado Tratado dos rios da Guiné (1594), e a Ethiopia oriental, publicado em 1609, de autoria do dominicano
Fr. João do Santos, que se baseou em suas andanças por 10 anos nas áreas do atual Moçambique.
A atividade cultural e literária em África associa-se ao surgimento e desenvolvimento do ensino oficial e ao crescimento
desse ensino ou do particular. Podemos dizer que poucas pessoas tinham acesso a jornais ou a textos literários. Só eram
lidas as obras literárias que faziam parte do processo de escolarização. Desse modo, não havia ainda uma formação de
público leitor, mesmo em relação aos textos literários de origem européia. O conhecimento literário era restrito e pertencia
a poucos privilegiados.
Vigorava neste período a literatura colonial. Vejamos o que Pires Laranjeira diz a respeito desse tipo de literatura:
“Em geral, os textos literários designados como ‘de cor local’ (para utilizar uma expressão muito significativa) versavam
sobre temas da colonização, em que as figuras de brancos ou de negros estereotipados (estes vistos como coisas ou seres
inferiores) eram predominantes, raro surgindo uma figura de africano humanizado, um tema ou uma perspectiva que
demonstrassem uma consideração profunda por uma realidade alheia a esquemas europeus” (1995, p. 26).
Lembre-se que o conceito de literatura colonial utilizado nos países africanos não tem o mesmo significado que no Brasil.
Leia a afirmação de Pires Laranjeira:
“Em África, significa a literatura escrita e publicada, na maioria esmagadora, por portugueses de torna-viagem, numa
perspectiva de exotismo, evasionismo, preconceito racial e reiteração colonial e colonialista, em que a visão de mundo, o
foco narrativo e as personagens principais eram de brancos colonos ou viajantes, e, quando integravam os negros, eram
estes avaliados superficialmente, de modo exógeno, folclórico e etnocêntrico, sem profundidade cultural, psicológica e
intelectual” (1995, p. 26). Portanto, nesse tipo de literatura temos a visão eurocêntrica sobre o outro, este é considerado
pelos europeus como inferior.
É muito importante você lembrar que temos duas grandes linhas: a literatura colonial e as literaturas africanas de expressão
portuguesa. Elas são duas literaturas diferentes.
Conforme mostra Manuel Ferreira, na literatura colonial o “branco é elevado à categoria de herói mítico, de desbravador
das terras inóspitas, o portador de uma cultura superior. Ele é, no texto literário e no pensamento de quem o redige e
organiza, o habitante privilegiado e soberano, o prolongamento da pátria e o mítico semeador de utopias” (1987, p.11). Na
visão daqueles portugueses, eles teriam o direito de comandar as terras africanas e as pessoas que ali viviam. Eles não se
viam como opressores, mas como redentores, ou seja, agentes dinâmicos na reconstrução de novas terras. Na época, havia
teses racistas que defendiam ser o homem negro inferior ao branco.
Nos finais do século XIX se inserem os primeiros autores da literatura colonial. No entanto, o seu ponto mais alto fica entre
as décadas de 1920 e 1930, devido ao crescimento de colonos e ao público ávido por esse tipo de literatura exótica. Como
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bem assevera Manuel Ferreira, aí está um tipo de literatura incapaz de compreender o homem africano no seu contexto de
vida e na sua complexidade humana.
Convém mencionar que houve escritores que mostraram certa qualidade de escrita e uma tentativa mais humana de análise,
mesmo assim perpassa no texto um discurso racista.
A literatura colonial interessa como curiosidade ou como documento histórico para investigar o pensamento colonial. Ela
funcionou como “instrumento ideológico do estado colonial”, como bem afirma Pires Laranjeira, e visa ao público
português que morava em Portugal ou aos colonos fixados ou com moradia temporária nos países africanos. Essas obras
mostravam um mundo imaginário de aventuras e mistérios em que prevalecia uma imagem dominadora sobre os africanos
nativos, ao mesmo tempo em que procurava legitimar o poder português.
A literatura africana não poderia interessar aos filhos dos colonos ou aos funcionários que passavam por África, pois era
um mundo estranho ao ideal colono, à sua sensibilidade e compreensão. A literatura africana descortinava e valorizava uma
outra realidade desconhecida ou criticava a colonização. Isto é, buscava um efeito contrário ao que pretendia a literatura
colonial, a qual interessava ao colono por reforçar a ideia de superioridade lusa, o espírito “heróico” do desbravador, em
suma, como meio de forçar no “leitor a imagem do seu papel de desbravador de terras e civilizador de gentes, reiterando-
lhe a consciência de um ser de condição e estatuto superiores”, segundo afirma Laranjeira (p.27).
Antes de terminarmos esta aula, é interessante você conhecer o significado e as implicações do termo “Negritude”, que
será utilizado com frequência em todas as aulas. O termo aparece no poema “Cahier d’um retour au pays natal” do poeta
martinicano Aimé Césaire, que criou a designação. O poema foi publicado em 1939 na revista Volontés. Na revista
“L’Etudiant Noir” o termo também aparece. A palavra começou a nomear o movimento que agitava a década de 1930,
principalmente em Paris, local em que políticos, estudantes e intelectuais discutiam a vida cultural e política do mundo
negro. Nos fundamentos da Negritude está “a redescoberta da história e das culturas do continente africano e da diáspora
negra no mundo”, social e ideologicamente, ela “constitui-se como o processo de busca de identidade, de conduta
desalienatória e da defesa do patrimônio e do humanismo dos povos negros”, como aponta Laranjeira (p. 28-29). Havia o
desejo de criar um estilo próprio, distanciar-se de modelos externos à história negro-africana. “A poesia da Negritude
distingue-se da restante literatura africana de língua portuguesa pelo obsessivo tratamento da raça e da cor negras,
qualificando-as com valores reais e simbólicos, reagindo, desse modo, ao racismo branco” (Laranjeira, p. 29). O que estava
em jogo não era a negação do valor das culturas européias, mas a dominação destas sobre as culturas africanas.

Antes de terminarmos esta aula, convém lembrar que você deve acessar o fórum de discussões. Aproveite aquele espaço
para deixar sua opinião.
Nesta aula, procuramos diferenciar a literatura colonial da literatura africana de expressão portuguesa, além de expor como
se deu o início da literatura em África. Você também conheceu o significado e as implicações do termo “Negritude”. Um
abraço e até a próxima aula.

A literatura na Guiné-Bissau
Nesta aula, o nosso objetivo é estudar o desenvolvimento da literatura em Guiné-Bissau, buscando apontar quais foram as
circunstâncias de surgimento da literatura nesse país, como se constituiu e quando se afirma como literatura nacional.
Vamos à aula!
Nos séculos que antecedem os anos de 1900, não houve condições sócio-culturais para que surgissem obras literárias em
Guiné-Bissau. Um dos motivos pode ter sido as guerras de resistência desses africanos contra a ocupação portuguesa,
guerras que se prolongaram até meados do século XX. Outro ponto, é que Guiné não foi, primeiramente, colônia de
povoamento, mas de exploração. Com isso, não houve a estruturação colonial que havia acontecido nas outras colônias, isto
é, escolas, serviços administrativos, governamentais, entre outros. A administração portuguesa fixa-se no interior só a partir
de meados de 1900. Assim, não foi possível o surgimento de uma “elite” que pudesse iniciar uma cultura com base nos
padrões europeus, ou seja, uma literatura nos padrões ocidentais.
Até a década de 1870, a administração de Guiné-Bissau estava a cargo de Cabo Verde. Em 1879, é instaurada a primeira
tipografia em Bolama, capital da colônia. Veja o que diz Inocência Mata a esse respeito:
“Não obstante isso, e a publicação do primeiro periódico, o boletim Oficial da Guiné (1880-1974), apenas 40 anos depois
surge o primeiro jornal da colônia, Ecos da Guiné (1920) para a instauração da imprensa em Guiné, a que se seguirão a Voz
da Guiné – quinzenário republicano independente (1922), e o Pró-Guiné (1924), sendo este órgão do Partido Republicano
Democrático. Publicações pertencentes a portugueses radicados, a temática reportava-se a questões políticas que
constituíam preocupação da época, a saudade da terra-mãe e a apologia do desenvolvimento colonial” (In: LARANJEIRA,
1995, p. 356). A convivência entre etnias era difícil devido a tensões políticas, sociais e étnicas.
Nesse contexto, há o surgimento do primeiro jornal editado por alguém que havia nascido na Guiné: O comércio da Guiné
(1930-31), criado por Armando Antônio Pereira. Os colaboradores do jornal eram pessoas letradas vindos de Cabo-Verde
ou descendentes de cabo-verdianos. Apesar de defender alguns interesses dos guineenses, como o acesso à instrução, o
discurso colonial influenciava o jornal. Em todo caso, ao redor do jornal, iniciam-se discussões sobre a condição do
colonizado. Do grupo de colaboradores, surgem os primeiros escritores de uma literatura de motivos guineense, tais como,
os contistas João Augusto da Silva e Artur Augusto da Silva, além do romancista Fausto Duarte.
Podemos considerar que as primeiras manifestações literárias surgem com a literatura colonial. Entre os que produziam esta
literatura estavam pessoas da metrópole e cabo-verdianos radicados na Guiné.
Saiba mais a respeito da literatura colonial na Guiné-Bissau clicando aqui.
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Provavelmente, a pioneira a escrever tomando por base uma temática guineense foi Fernanda de Castro, que escreveu livros
juvenis, poemas e o romance O veneno do sol (1928). Em 1934, Fausto Duarte surge com Auá-novela negra. Na obra deste
autor, já pode ser percebida certa diferença social e étnica, mas o discurso colonial também está presente.
1963 é um ano significativo na literatura nacional de Guiné-Bissau, pois é publicada em São Paulo a obra Poetas e
contistas africanos, de João Alves das Neves, na qual aparece Antônio Baticã Ferreira representando a literatura de Guiné-
Bissau. Baticã publicará nas coletâneas Poesia e Ficção (1972) e Poilão (1973). Leia o que Inocência Mata fala a respeito
da obra desse poeta:
“A poesia de Baticã Ferreira, que doravante irá figurar em antologias como poeta guineense, releva de uma angustiada
tentativa de identificação com a terra natal, expressa pela evocação da infância e de uma visão idílica da natureza captada
através de uma imagética sinestésica, de teor telúrico, talvez devido à dolorosa consciência da ruptura decorrente da
situação de exílio geográfico e cultural do poeta” (In: LARANJEIRA, 1995, p. 359). Sinestésica está ligada à mistura dos
sentidos, por exemplo, “O doce sabor das altas montanhas”.
Leia o poema “A fonte”, note como Baticã sugere a identificação com a terra:
“Pequena como a fonte
é a nascente onde tudo vem beber...

É interessante comentar que o poeta Amílcar Cabral nasceu na Guiné-Bissau, mas viveu em Cabo Verde. Assim, alguns
autores preferem colocá-lo como escritor de Cabo Verde. Realmente, em algumas poesias, podemos encontrar uma ligação
maior com Cabo Verde. No entanto, a maioria dos poemas de Amílcar terá uma visão mais universalista.

Apesar de não ter uma importância muito grande, cabe mencionar o caderno Poilão (1973), no qual onze autores
publicaram. O caderno foi publicado pelo Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino e
dele participaram quatro autores da Guiné: Antônio Baticã Ferreira, Pascoal d’Artagnan Aurigemma, Atanásio Miranda e
Tavares Moreira. Baticã já era conhecido. Pascoal d’Artagnam publicou alguns poemas em 1978 com o título de Djarama.

Em 1977, vem a lume Mantenhas para quem luta! – A nova poesia da Guiné-Bissau, livro que reúne quatorze poetas entre
19 e 30 anos. “Mantenhas” em crioulo quer dizer “saudações/cumprimentos”. Leia o prefácio desse livro:
“Hoje, somos jovens trabalhadores no campo da poesia: esta não se define, para nós, em termos puramente estéticos. A
forma, destinando-se a garantir a eficácia da obra, a fazê-la atingir os objetivos visados, impõe-se como elemento
manifestante importante, mas o que lhe determina a qualidade é a função, pelo valor social que possa representar (...) Se é
verdade que esta poesia se escreve atualmente em crioulo e em português, cabe-nos a tarefa da sua fixação nas línguas
nacionais, enquanto depositárias dos verdadeiros valores africanos” (In: FERREIRA, 1987, p. 103).
Como pode ser percebido, o prefácio deixa à mostra uma ideologia revolucionária própria do momento histórico e político.
A temática gira em torno de questões sociais, como o anti-colonialismo, a repressão política, a situação precária de vida, e
questões culturais, como a identidade africana, a assimilação, a alienação, entre outros. A liberdade, a vitória, a celebração
da pátria, também são encontradas tematicamente. Veja esse poema de Agnelo Augusto Regalla, cujo tema é o assimilado
(In: FERREIRA, 1987, p. 104):
“Fui levado
A conhecer a nona Sinfonia
Beethoven e Mozart
Na música
Dante, Petrarca e Bocácio
Na literatura,
Fui levado a conhecer
A sua cultura...
Mas de ti, Mãe África?
Que conheço eu de ti?
Que conheço eu de ti?
A não ser o que me impingiram?
O tribalismo, o subdesenvolvimento,
E a fome e a miséria
Como complementos...”
Como podemos notar, há um conflito entre identidades: a que foi colocada, isto é, a colonial; e a que se deseja conhecer: o
ser africano. Os poetas se reencontram, como diz Manuel Ferreira, como cidadãos africanos e a poesia vai aparecer como
meio de transformação social. Esse tipo de poesia nascerá no período de luta armada. Desse modo, há a exaltação de
África, de chefes revolucionários e do escritor Amílcar Cabral. Interessante o que Manuel Ferreira diz a respeito desses
poetas:
“Os poemas são narrações, confissões, em que a palavra funciona como protesto; mas mais do que protesto, ela se torna
desabafo, libertação interior. Daí que o interlocutor não seja o colono, mas o próprio irmão africano. E a fala é falada e não
gritada” (1987, P. 107).
Antologia dos jovens poetas sai em 1978. Cinco desses poetas já haviam participado do Mantenhas. Nessa antologia, há 35
poemas, sendo 19 em crioulo e 16 em língua portuguesa. Na introdução, fica claro que a intenção é manter o aspecto
ideológico, em suma, a produção literária deveria fazer parte do processo revolucionário. Outra antologia, Os continuadores
da revolução, seguirá os mesmos passos. Nessas antologias o crioulo é valorizado e surge como forma de criação literária.
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Vasco Cabral fará uma reunião de seus poemas, os quais serão organizados e publicados no livro A minha luta é a
primavera (1981). Esse escritor foi companheiro e contemporâneo de importantes escritores africanos como Amílcar
Cabral, Agostinho Neto, entre outros. A preocupação de Vasco Cabral na construção de sua obra sempre foi maior em
relação aos aspectos libertários do que aos estéticos. Vamos ver o que Inocência Mata diz a respeito dessa coletânea:
“...contendo 59 poemas, divide-se em cinco enunciados: Amor, Infância e adolescência, Esperança, Luta e progresso e Paz.
Os signos desses enunciados configuram os temas de protesto, a verberação do colonialismo e seus males corolários, a
expressão da identidade e da evocação da Terra-Mãe, símbolo e signo da estética da Negritude, a celebração do solo pátrio,
como nos três mais exortativos poemas do autor, ‘África! Ergue-te e caminha’, ‘Avante África!’ e ‘África, liberta-te!’” (In:
LARANJEIRA, 1995, p. 362-363).
Perpassa em seus poemas o compromisso ideológico, a busca por transformações sociais.
Helder Proença publicará Não posso adiar a palavra (1982), poeta revelado nas primeiras antologias. Helder não se
desvincula do compromisso ideológico, mas mostra também um compromisso maior com aspectos formais, como a
sugestão de imagens, sons, entre outros recursos. Os temas são diversificados, indo do sentimento patriótico ao sentimento
amoroso.
Aumente seus conhecimentos. Você pode encontrar informações a respeito da literatura popular em Guiné-Bissau no
seguinte endereço:

Por fim, convém informar que na década de 1990 foram publicadas mais duas antologias: Antologia poética da Guiné-
Bissau (1990) e O eco do pranto. A criança na poesia moderna guineense (1992).
Nesta aula, você ficou conhecendo o desenvolvimento da literatura na Guiné-Bissau. Na próxima aula, você estudará a
literatura em São Tomé e Príncipe.
A literatura em São Tomé e Príncipe
Nesta aula, vamos verificar como foi o processo de desenvolvimento literário em São Tomé e Príncipe, os principais
autores, suas obras e as temáticas mais comuns.
As primeiras informações a respeito da literatura são-tomense datam do século XIX e início do século XX. O início está
ligado à tradição jornalística produzida pela elite são-tomense. Os periódicos não tinham caráter oficial nem
governamental. Neles eram publicados poemas dispersos de colaboradores, nos quais podemos perceber os indícios pré-
nacionalistas. Veja o que diz Inocência Mata a respeito da temática nessas publicações:
“[...] desenvolveram-se polêmicas sobre a dignificação e instrução das populações nativas, sobre o abuso do poder,
violência contra o negro e sobre a questão das terras expropriadas aos nativos durante a época da introdução das culturas do
cacau e do café e consequente instauração das estruturas coloniais, preparando as condições para a segunda colonização,
baseada na monocultura daqueles produtos que era praticada em unidades socioeconômicas denominadas roças” (In:
LARANJEIRA, 1995, p. 336). A implantação da monocultura se dará em meados do século XIX. Os monopólios
portugueses vão substituir de modo violento a burguesia negra e mestiça.
A literatura são-tomense começa a se formar, enquanto sistema, com as publicações de Caetano da Costa Alegre, que
faleceu em 1890 e teve poesias publicadas de modo disperso. Postumamente, sai a obra Versos (1916), a qual dá indícios
da percepção de diferenças étnicas e valorização nativista. Para alguns autores, a poesia de Caetano mostra certa alienação.
Veja este poema:
“A minha cor é negra,
Indica luto e pena;
És luz, que nos alegra,
A tua cor morena.
É negra a minha raça,
A tua raça é branca,
(...)
Todo eu sou um defeito”
(In: FERREIRA, 1987, p. 39)
Um discurso de identidade começa a ser melhor trabalhado com o poeta Marcelo da Veiga. Sua produção poética revela
mudanças em relação ao processo de conscientização do homem social num contexto de colônia. Em suas poesias,
podemos perceber desde um discurso revoltado até um sentido de transgressão irônica e aguda. Veja a crítica implícita
neste poema:
“O preto é bola,
É pim-pam-pum!
Vem um:
- Zás! Na cachola...
- Outro – um chut – bum!”
(IN: FERREIRA, 1987, p. 96)

Como bem comenta Manuel Ferreira, pode ser percebida tanto a rebeldia linguística quanto a ideológica, revelando um
poeta singular. Outros poemas, na década de 1920, terão como temas a melancolia e a saudade, a mulher e o amor, a
família, a natureza, o idioma e a sua terra. Sobressai na sua poética, no entanto, os poemas de identidade cultural e de
discurso pátrio.
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Marcam os primeiros poemas a ideologia pan-negra e as reivindicações culturais, sociais e políticas, isto é, de consciência
nacional. “África é nossa!” (1935) é um poema que defende a independência e denuncia a violação de sua terra natal. Veja
um fragmento desse poema:
“África não é terra de ninguém
De qualquer um que nem sabe de onde vem;
Terra de refúgio e abrigo
Da Virgem e do Menino
Na hora dura do pr’igo.
Não é este, é outro o seu destino,
Destino de esplendor do sol que brilha
Não este de despromoção que humilha...
Qualquer parcela de África tem povo.
Tem o seu povo, qualquer outro novo
Não é para mandar, falar co’entono,
Mas pr’a a ajudar, agenciando a vida;
Porque o seu povo é que é o seu dono!...”

Nos poemas posteriores à década de 1930, motivos como a exploração colonial, a vida social precária, a humilhação do
homem negro continuarão a fazer parte de sua poética. Além da ironia, Marcelo da Veiga afirma e valoriza aspectos
culturais ao mencionar figuras históricas, a cultura popular e a memória do povo.
Apesar do pioneirismo de Marcelo da Veiga, o primeiro poeta são-tomense em língua portuguesa a aderir à “Negritude”
foi Francisco José Terneiro. Ao contrário de Costa Alegre, Terneiro identifica-se com o destino do homem negro e está
liberto da inferioridade social, conforme assevera Manuel Ferreira. O homem negro é posto num status universal:
“Mãos, mãos que em vós estou sentido!
Mãos pretas e sábias que nem inventaram a escrita nem a rosa-dos-ventos
mas que da terra, da árvore, da água e da música das nuvens
beberam as palavras dos corás, dos quissanges e das timbila que é o mesmo
dizer palavras telegrafadas e recebidas de coração em coração.”
(In: FERREIRA, 1987, p. 91)
Veja mais sobre Terneiro clicando aqui.
Francisco José Terneiro publicará a Ilha de nome santo no ano de 1942. Em 1963, suas poesias são recolhidas e publicadas
como Obra poética de Francisco José Terneiro. Em 1982, é feito uma reedição por Manuel Ferreira, que irá incluir Ilha do
nome santo e receberá o nome Coração em África. Leia o que diz Inocência Mata a respeito dos poemas nessa obra:
“...os poemas negritudinistas de Coração em África evocam, para estigmatizar, a desagregação e a dispersão absoluta do
povo negro, a tristeza, a melancolia e a martirizada submissão do negro da diáspora. Expressão pungente das realidades do
mundo negro-africano, esses aspectos conjugam-se com a dimensão do orgulho da raça, da exaltação cultural expressa pelo
invocacionismo das entidades simbolicamente apreendidas como genésicas e cosmogônicas (Mãe-Terra/Tellus) e pelo
evocacionismo ancestral, configurado no retorno às origens e na concepção redencionista da vida, em forma de esperança e
certeza, aliás uma dimensão configuradora da estética negritudinista” (In: LARANJEIRA, 1995, p. 339). “Genésicas” está
com o sentido de origem e “cosmogônicas” se refere à origem do mundo ou do universo.
Terneiro, assim como outros poetas negros, tem uma característica interessante: os poemas longos e de versos longos para
os de Negritude, os quais possuem traços épicos, e os poemas curtos de versos também curtos para expressar o universo
mestiço, os quais possuem traços líricos.

Conheça as “vozes literárias femininas” são-tomenses no artigo que se encontra neste endereço: Vozes literárias femininas.
Participando na construção da literatura nacional de São Tomé e Príncipe estão: Alda Espírito Santo, que tem suas poesias
reunidas em 1978 no livro É nosso o solo sagrado da terra; Maria Manuela Margarido que escreveu Alto como o silêncio,
publicado em 1957 e Tomás Medeiros, que não teve obra publicada. A temática desses poetas gira em torno de dois eixos:
afirmação da identidade cultural e denúncia da vida social precária das ilhas. Como afirma Inocência da Mata, os “temas
recorrentes dessa poesia prendem-se com a questão da mestiçagem, na sua lata dimensão bio-cultural, com o corolário do
abandono dos filhos e a alienação cultural, e com a questão do trabalho agrícola, a roça e a monocultura do cacau e do café,
o contratado e o seu drama psico-cultural, a marginalidade sócio-econômica da população nativa e a repressão colonial-
fascista” (In: LARANJEIRA, 1995, p. 344).

Alda Espírito Santo também tem poemas que expressam preocupação em relação à condição da mulher. Tanto ela quanto
Maria Manuela Margarido fizeram poemas de evocação da infância, uma forma de resgatar a própria identidade que estaria
ligada a uma cultura original. A poesia de Tomás Medeiros também é de denúncia e reivindicação, propondo
transformações em prol de uma vida nova.

Paralelo a esses textos literários ligados à ideologia nacionalista e preocupados com questões sociais e anti-coloniais,
existiam escritores da metrópole que estavam radicados em São Tomé e Príncipe e escreviam narrativas ficcionais. As
primeiras produções datam dos anos de 1930, apesar de que anterior a esta década foram feitas crônicas, de modo
esporádico.
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Destacaram-se as seguintes obras: Fortunas d’África (1933), escrito por Manuel Récio e Domingos S. de Freitas, Novela
africana (1933), de João Quintinha, Maiá Poçon (1937), de Viana de Almeida. O conto “Ossobó”, de Ruy Cinatti, foi
publicado na revista O Mundo Português, número 30, volume III, em 1936.

Os escritores que melhor representam esse tipo de literatura são Fernando Reis e Luís Cajão. Um romance autobiográfico
de Mário Domingues, O menino entre gigantes (1960), que fala sobre a vida de um menino mulato em Lisboa, é sempre
referenciado entre as obras representativas. Essas obras oscilam entre a dimensão nativista e a dimensão apologética, ou
seja, há a representação da natureza como algo que causa fascínio e há a exaltação do esforço do homem branco em
desbravar a colônia. Portanto, liga-se à ideologia colonial.

Seguindo um discurso que se aproxima daqueles dos poetas que lutavam por questões nacionais, temos Alves Preto que
escreveu os contos “Um homem igual a tantos” e Aconteceu no morro”, além de Sum Marky (José Ferreia Marques), que
escreveu vários romances. Deste autor, destaca-se Vila flogá (1963), no qual há denúncias a respeito da exploração
colonialista.

Após a independência, surgiram poemas que exaltavam e celebravam a revolução, além de destacarem eventos, datas e
figuras que dela participaram. Alguns desses poemas saíram em duas antologias (1977): Antologia poética de S. Tomé e
Príncipe e Antologia poética juvenil de S. Tomé e Príncipe – resistência popular ao fascismo e colonialismo.

Na década de 1980, começa a ganhar destaque o escritor Angelo de Jesus Bomfim, ou Aíto Bonfim, que escreveu o
primeiro texto dramático: A berlinização ou partilha de África (1987), além do romance O suicídio cultural (1992) e
Poemas (1992). Perpassa em suas obras um caráter político de combate e denúncia da precariedade social. Escritores como
Albertino Bragança, Manu Barreto, Sacramento Neto, ganham relevo com a publicação de contos e novelas, além de poetas
como Fernando de Macedo e Francisco Costa Alegre. Novas temáticas, como a memorialista, começam a aparecer. Os
escritores em São Tomé e Príncipe buscam ultrapassar as dificuldades e firmar um sistema literário.

Nesta aula, você ficou conhecendo como foi o desenvolvimento literário em São Tomé e Príncipe. Viu que nesse país há
uma literatura colonial e uma literatura africana. Estudou os principais autores e suas características. Antes de terminarmos,
convém lembrar que você deve acessar o fórum de discussão. Abraço.

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