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ORIENTE MÉDIO
André Bueno [org.]
Reitor
Mario Sérgio Alves Carneiro
Chefe de Gabinete
Bruno Redondo
Direção
Pró-reitora de Extensão e Cultura
Cláudia Gonçalves de Lima
Produção
Obra produzida e vinculada pelo Projeto Orientalismo,
Proj. Extens. UERJ Reg. 6078, coordenado pelo Prof.
André Bueno [Dept. História].
Rede
www.orientalismo.net
Rede
https://aladaainternacional.com/aladaa-brasil/
Ficha Catalográfica
Bueno, André [org.]
Oriente 23: Estudos em Oriente Médio. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Proj.
Orientalismo/ UERJ, 2023. 97 p.
ISBN: 978-65-00-77512-9
História da Ásia; Oriente Médio; Orientalismo; Diálogos Interculturais.
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Apresentação
Orientalismos e Literatura
Orientalismos: Mídias e Arte
Visões do Orientalismo
Estudos sobre Oriente Médio
Estudos Chineses
Estudos Japoneses
Estudos Coreanos
Estudos Asioindianos
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Sumário
Antiguidade
O EGITO ASIÁTICO DE POMPÔNIO MELA, por Alaide Matias Ribeiro ....................... 7
CONSUMO DE CARNES E SEUS RITOS NO ANTIGO EGITO, por Felipe Daniel
Ruzene ....................................................................................................................... 14
UMA HISTÓRIA DA ARQUEOLOGIA NA REGIÃO DE ISRAEL, por Marlon Barcelos
Ferreira ....................................................................................................................... 21
A ARQUITETURA DA ÁGUA: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE A PESCA
NO EGITO ANTIGO, por Maura Regina Petruski........................................................ 27
A ASCENSÃO DA GRANDE PÉRSIA DE CIRO, O GRANDE, por Willian Spengler... 33
Medievo
Contemporâneo
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CONSUMO DE CARNES E SEUS RITOS NO ANTIGO EGITO,
por Felipe Daniel Ruzene
Considerações Iniciais
A dietética suscita nas sociedades humanas uma série de hábitos à mesa que,
enquanto relevantes fragmentos das práticas culturais, expressam os variados
desejos humanos, seus rituais, etiquetas, filosofias e religiosidades. Para além
do mero comer ou beber, as práticas alimentares evidenciam um complexo
sistema simbólico de significados sociais, sexuais, políticos, religiosos, éticos,
estéticos e econômicos. Dentre os muitos alimentos que consumimos hoje, as
carnes circulam entre os mais protuberantes em nosso imaginário social – são
insumos custosos e parcos que suscitam status sociais, suntuosidade,
realidades de classe e consciências filosófico-religiosas. Todavia, o avanço nas
investigações relativas à História da Alimentação tem demonstrado que, desde
a Antiguidade, as carnes já possuíam lugar destacado na dieta e eram
comumente associadas a mitos, ritos e liturgias sacrificiais, além de veicularem
entre as iguarias mais desejadas no mundo antigo [cf. RUZENE, 2022]. Os
estudos recentes relativos às práticas alimentares, há um crescente interesse
nas investigações em torno da evolução das práticas alimentares ao longo do
período faraónico [TALLET, 2015, p. 319].
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Embora o recorte se dê nas carnes convêm ressaltar que a maior parte dos
alimentos consumidos pelo povo egípcio na antiguidade era constituída por
verduras, legumes, frutas e, sobretudo, grãos, uma vez que a maior parte da
população não possuía acesso diário às proteínas animais. De fato, papiros de
sábios do período faraônico instruem ao povo que: “não se pode encontrar
melhor alimento que os legumes com sal” [BRESCIANE, 2020, p. 68]. A dieta
básica era formada por uma grande variedade de pães, comumente feitos de
cevada ou trigo, além de cerveja – alimentos tão significativos que podem ter
servido como moeda de troca ou forma de pagamento entre os egípcios
[GAMA-ROLLAND, 2019, p. 79]. As abordagens de diversos pesquisadores –
historiadores, arqueólogos e egiptólogos – não visam uma reconstrução
detalhada do cardápio dos egípcios, mas permitem refletir a relevância das
culturas alimentares e expõem uma razoável ideia do que poderia ter aparecido
em suas mesas, levando em consideração a extrema disparidade social
presente. Apesar das diferenças à mesa de ricos e pobres, assegurar uma
quantidade digna de alimentos para todos os cidadãos representava uma
“garantia de ordem social” para o Estado egípcio [BRESCIANE, 2020, p. 69].
Justamente por isso um dos objetivos mais importantes para a administração
faraônica era o armazenamento a longo prazo dos mais variados produtos
alimentícios [TALLET, 2015, p. 323]. A importância das diversas formas de
alimentação no Antigo Egito ainda pode ser observada na existência de
diversas profissões relativas à culinária, tais como: cozinheiros, açougueiros,
cervejeiros, pasteleiros, padeiros, confeiteiros, degustadores de vinho [cf.
RUZENE, 2021] e, inclusive, um curioso cargo de diretor na “casa da gordura
de boi” [GAMA-ROLLAND, 2019, p. 77-78].
As carnes aparecem nas dietéticas egípcias desde a mais tenra idade, estando
presente, inclusive, na mesa das crianças, por vezes dividindo espaço com a
amamentação. Nas XVIII e XIX dinastias (entre 1550 e 1189 AEC) o leite
materno era armazenado em vasos com formas femininas que ninavam bebês
em seus colos, o intuito era preservar o alimento por um determinado período,
evitando desperdícios que poderiam ocorrer a partir da introdução alimentar
dos pequenos [COELHO, 2012, p. 44]. Possivelmente, pelo que apontam
fontes escritas e iconográficas, outros alimentos eram gradualmente
acrescentados à dieta das crianças, somados ao leite materno a partir dos seis
meses aproximadamente [COELHO, 2012, p. 44]. Primeiramente, frutas,
vegetais e cereais, em formas pastosas, como purês e carnes brancas. As
carnes vermelhas aparecem à mesa das crianças um pouco maiores, além de
pães de diversos formatos, bolos e diferentes legumes. É provável que as
carnes não estivessem sempre no cardápio dos mais pequeninos (talvez com
exceção dos pescados) tanto por ser um dos insumos mais escassos na mesa
da maioria, quanto por sua digestão mais lenta e complexa. Observa-se, ainda,
que alguns egípcios possuíam um modelo específico de recipiente para
alimentação das crianças, geralmente confeccionado com argila do Nilo,
adornado com figuras protetoras, tinha as laterais com um estreitamento e um
bico, por onde o líquido poderia ser ingerido [COELHO, 2012, p. 44-45].
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Evidências osteológicas apresentam que os egípcios antigos parecem ter tido
uma grande variedade de espécies de animais disponíveis à sua alimentação,
tanto aqueles provenientes da domesticação, quanto obtidos por meio da caça
[WILKINSON, 1847, p. 188]. Ainda assim, as carnes eram iguarias luxuosas no
Antigo Egito, o que pode ser exemplificado nas inúmeras cenas de abate,
cocção e consumo de animais representadas nas paredes dos túmulos de altos
funcionários, clérigos e nobres [TALLET, 2015, p. 321]. Carnes diversas, bem
como frutas, leite, pão e cerveja, além de flores e perfumes, eram devotados
aos deuses em festivais e festins, principalmente aqueles realizados às custas
do faraó [MEHDAWV; HUSSEIN, 2010, p. 13]. As oferendas dadas
regularmente aos deuses ou aos falecidos eram uma parte importante da vida
dos antigos egípcios e os pães, carnes e frutas colocadas em frente à estátua
do deus e nas mesas de oferendas eram o principal meio de sustento dos
sacerdotes e trabalhadores dos templos [MEHDAWV; HUSSEIN, 2010, p. 19].
Para além das carnes, os leites também eram vastamente apreciados,
sobretudo de vacas, cabras e asnas que serviam à alimentação de adultos e
crianças, a bebida ainda era elemento ritualístico em diversas oferendas.
Queijos, manteiga, ovos e gorduras também aparentam ter sido amplamente
consumidos [GAMA-ROLLAND, 2019, p. 83]. Compreendendo a necessidade
de que qualquer tentativa de discutir a dieta egípcia deve ser baseada em um
conjunto heterogêneo de fontes – artísticas, textuais, arqueológicas e
epigráficas – apresento a seguir uma breve análise das investigações acerca
do consumo de carnes vermelhas, brancas e suínas na cozinha egípcia e na
ritualística antiga.
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especialmente baços e fígados, bem como o uso de sangue bovino para
produção de enchidos similares ao chouriço ou morcilha que conhecemos hoje
[BRESCIANI, 2020, p. 70 e 74].
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preparo, auxiliando a formação de gordura e permitindo, ao contrário da
secagem ou salga, o armazenamento da carne com um valor nutricional mais
alto [TALLET, 2015, p. 323]. Na religião faraônica havia jejuns específicos de
interrupção ao consumo de carne, determinadas classes de pães e vinhos
durante o período de exéquias pela morte do faraó – abstinência que poderia
durar até setenta e dois dias, conforme apontado por Wilkinson [1847, p. 68-69]
em referência à obra de Diodoro Sículo (século I AEC). No interior do contexto
hierático, as carnes vermelhas também eram elementos fundamentais na
oblação aos mortos. Por exemplo, uma refeição completa encontrada em um
túmulo mastaba de Saqqara (datado da II Dinastia) continha pães, mingau de
cevada, peixe cozido, caldo de pombo, codorna cozida, rins, coxas e costelas
de boi, frutas cozidas, possivelmente figos, frutas frescas, tortas com mel,
queijo e uma vasilha de vinho, cuidadosamente depositados ao lado da mulher
ali enterrada [MEHDAWV; HUSSEIN, 2010, p. 23].
Peixes e Aves
O rio Nilo era uma fonte de vida para os antigos habitantes do Egito. Dele
advinha água, animais, rotas comerciais, trabalhos e, toda primavera com as
cheias, permitia um solo rico e fértil para o cultivo de inúmeros gêneros
alimentícios. A diferença nos alimentos consumidos, além de demarcar
condições sociais de ricos e pobres, também se devia às cheias ou secas do
Nilo que podiam representar períodos de abundância ou penúria para a
população [GAMA-ROLLAND, 2019, p. 78]. Não obstante, havia grande
variedade de peixes prosperando em suas águas, dentre os quais conhecemos
barbus, bagres, enguias, siluros, carpas, percas, tilápias e tainhas, cujas ovas
eram usadas no preparo de butarga (espécie de maturação de ovas de peixe
secas e salgadas) [TALLET, 2015, p. 324]. Durante o período romano foram
identificados mais de vinte e cinco tipos de pescados na dieta egípcia. Algumas
dessas espécies – como peixes-elefante (medjed), lepidotes e pargos-
vermelhos (fagri) – eram associados ao mito osiríaco e, por isso, respeitados,
assim havia peixes considerados sagrados e que não podiam ser pescados ou
consumidos [MEHDAWV; HUSSEIN, 2010, p. 73]. Possivelmente a crença era
de que uma dessas espécies teria engolido o pênis de Osíris quando o deus foi
esquartejado pelo irmão, Seth. Ainda, há variados exemplos de pescados
mumificados em diversos templos egípcios. No papiro Harris constam, dentre
as entregas aos templos efetuadas para as festas de Ramsés III, um total de
441 mil peixes dados aos sacerdotes [GAMA-ROLLAND, 2019, p. 84]. Isso
evidencia que mesmo o tabu relativo aos peixes tinha seus limites e era
heterogêneo no Antigo Egito. Supostamente os peixes constituíam a base
proteica da população egípcia antiga, fossem frescos, secos ou salgados,
alimentavam pobres e ricos, estando tanto na mesa real, quanto na ração dos
soldados [BRESCIANI, 2020, p. 75].
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tabus olfativos (e não religiosos), como aponta Bresciani [2020, p. 75]. Assim
como no caso da caça, a pesca também era tanto uma profissão, quanto um
hobby no Antigo Egito [GAMA-ROLLAND, 2019, p. 84]. Visando a prática
desportiva os egípcios utilizavam lanças, anzóis e arpões para apanhar os
peixes, enquanto na pesca em grande escala eram utilizadas armadilhas e
gaiolas, em águas rasas, e redes em maiores profundidades [MEHDAWV;
HUSSEIN, 2010, p. 76].
As aves, por sua vez, eram, junto aos peixes, uma das principais fontes de
alimentação dos antigos egípcios, variando desde aves domesticadas até
selvagens [TALLET, 2015, p. 323]. São mencionados e retratados gansos,
grous, pombos, codornas, avestruzes, patos, frangos e galinhas só
ingressaram no cardápio egípcio a partir do período ptolomaico (c. 305 AEC)
[MEHDAWV; HUSSEIN, 2010, p. 61]. Muitas eram as maneiras de cozinhar os
peixes e aves, sendo a mais comum grelhar em espetos colocados sobre o
lume. Ainda, era possível salgar, defumar, fritar em gordura ou cozer em água
com sal e temperos [TALLET, 2015, p. 323]. A salga era uma maneira
particularmente conveniente de cozinhar o peixe para evitar sua rápida
deterioração, especialmente nos períodos mais quentes, uma vez que
mantinha o peixe comestível por um tempo maior [MEHDAWV; HUSSEIN,
2010, p. 76]. As representações nas paredes das tumbas mostram os métodos
de preparação dos gansos desde o abate, degola, depenagem, corte das asas
e pés até que estejam prontos para a grelha. Em outras ocasiões os gansos
eram salgados e depois armazenados em grandes potes de cerâmica. As aves
também poderiam ser fervidas em caldos ou confitadas, e os pombos eram
amplamente mencionados como parte do banquete funerário, cozidos em um
caldo ou em gordura de ganso [MEHDAWV; HUSSEIN, 2010, p. 64-65].
Controvérsia Suína
Fontes tardias apontam para um tabu relacionado ao consumo de porco – os
próprios hebreus, que tiveram contato próximo com o Egito, podem ter criado
diálogos culturais referentes à abstenção de produtos suínos [WILKINSON,
1847, p. 369-373]. Autores gregos como Heródoto (c. séc. V AEC) e Plutarco
(c. séc. II EC), assinalaram a rejeição ao porco. As artes funerárias auxiliam
nessa interpretação dada a ausência de porcos nas representações das
tumbas e sepulturas, os animais eram raramente representados na iconografia
egípcia – menos de uma dezena de cenas os mostram em contexto agrícola
em mais de dois milênios de história [TALLET, 2015, p. 322]. Todavia, como
bem assinalaram Gama-Rolland [2019, p. 85] e Tallet [2015, p. 321-322],
escavações arqueológicas e osteológicas mostram que eram regularmente
consumidos por grupos sociais menos privilegiados, levando a crer que eram
vastamente presentes nos cardápios egípcios. Exemplo disso é um sítio
arqueológico em Amarna, antiga Aquetáton, datado da XVIII Dinastia (1543-
1292 AEC), onde grandes quantidades de ossos de porcos foram encontradas.
Há, portanto, um contraste entre a zooarqueologia que aponta para os porcos,
cabras e carneiros e as representações tumulares, onde predominam os
bovinos. Também há indícios de consumo de carne suína nas festividades que
comemoravam a vitória de Hórus contra Seth ao longo de todo o período
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faraônico [GAMA-ROLLAND, 2019, p. 85-86]. É possível que a associação de
Seth, deus do caos, com porcos e javalis tenha sido um dos responsáveis pela
aversão aos suínos em determinadas regiões do Egito, levando ao contexto
assinalado pelos gregos que se contrapõem aos vestígios faraônicos. Não
obstante, porém, como já vimos, são textos tardios e abordam um Egito já
sobre influência greco-romana. Isso explica a afirmação de que os porcos
possuíam lugar de destaque na alimentação egípcia, com a possibilidade de
serem vetados em algumas libações religiosas [BRESCIANI, 2020, p. 74].
Referências
Felipe Daniel Ruzene é mestrando no Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal do Paraná (PPGHIS/UFPR), Pós-Graduando
em Gastronomia e Bacharel em Filosofia. E-mail: felipe.ruzene@ufpr.br.
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