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ANDRÉ BUENO · DULCELI T.

ESTACHESKI · EVERTON CREMA

ESTUDOS EM HISTÓRIA E
CULTURA DO PRÓXIMO ORIENTE
Reitor
Ricardo Lodi Ribeiro

Vice-Reitor
Mario Sérgio Alves Carneiro

Chefe de Gabinete
Domenico Mandarino

Edições Especiais Sobre Ontens


Comissão Editorial & Científica
Dulceli Tonet Estacheski [UFMS]
Everton Crema [UNESPAR]
Carla Fernanda da Silva [UFPR]
Carlos Eduardo Costa Campos [UFMS]
Gustavo Durão [UFPI]
José Maria Neto [UPE]
Leandro Hecko [UFMS]
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Maria Elizabeth Bueno de Godoy [UEAP]
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Washington Santos Nascimento [UERJ]

Rede:
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Coordenador
André Bueno

Rede
www.orientalismo.site

Ficha Catalográfica

Bueno, André; Crema, Everton; Estacheski, Dulceli T. (org.)


Estudos em História e Cultura do Próximo Oriente. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Sobre
Ontens/UERJ, 2020. ISBN: 978-65-00-10671-8; 154pp.

História da Ásia; Diálogos Interculturais; Próximo Oriente

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Sumário
O FAZER DA GUERRA: A VISÃO DE TÁCITO SOBRE A PRIMEIRA GUERRA
ROMANO-JUDAICA por Ana Beatriz Siqueira Bittencourt ....................................................... 5
QUADRINHOS NO ENSINO DE HISTÓRIA: O IRÃ, A REVOLUÇÃO IRANIANA E
OUTRAS QUESTÕES A PARTIR DO QUADRINHO PERSÉPOLIS por Ananda Lays Costa
Rodrigues e Francisco Lucas Gonçalves dos Reis ...................................................................... 12
UMA REPRESENTAÇÃO DA GUERRA DO LÍBANO NO FILME “VALSA COM
BASHIR” por Augusto Agostini Tonelli e Letícia da Silva Leite .............................................. 19
UM NEGRO ENTRE OS “PAIS DO DESERTO”: REFLEXÕES SOBRE RAÇA NA
PRIMEIRA IDADE MÉDIA A PARTIR DE ABBA MOISÉS, O ETÍOPE por Bruno Uchoa
Borgongino .................................................................................................................................. 24
BANIDO EM ISRAEL: ROMANCE, CENSURA E RELAÇÕES PALESTINO-
ISRAELENSES por Carolline Cardoso de Mello ....................................................................... 32
RELIGIÃO, IDEOLOGIA, TECNOLOGIA E MILITARISMO: AS BASES PARA A
CONSTRUÇÃO DO IMPÉRIO ASSÍRIO por Elton Cesar Cavalcante e José Raimundo Neto 39
FEMINISMO ISLÂMICO VERSUS FEMINISMO SECULAR: A RESSIGNIFICAÇÃO DO
ISLÃ E A ACADEMIA por Fabiane Assaf e Anna Tereza Scartezini ....................................... 45
TEOCRASIA NO ANTIGO EGITO: OS SINCRETISMOS EM OSIR-HAP E SERÁPIS NA
RELIGIÃO FARAÔNICA por Felipe D. Ruzene....................................................................... 52
A QUESTÃO DA TRADIÇÃO HISTÓRICA: BREVE ANÁLISE DO MUQADDIMAH (1377)
DE IBN KHALDUN (1332-1406) por Giovanna Ily Farias Ramalho........................................ 57
AS INICIATIVAS E AS REFLEXÕES SOBRE GÊNERO NO DESENVOLVIMENTO DA
LUTA PELA CONCRETIZAÇÃO DE ROJAVA por Isabella dos Santos Daiub ..................... 62
BALDUÍNO IV: O REI LEPROSO DE JERUSALÉM por Jeferson Dalfior Costalonga ......... 69
O INTERESSE EUROPEU EM FINS DA IDADE MÉDIA EM RELAÇÃO AO ORIENTE: O
CASO DE ODORICO DE PORDENONE E RUY GONZÁLEZ DE CLAVIJO por Jorge Luiz
Voloski e Sofia Alves Cândido da Silva ..................................................................................... 76
A INFLUÊNCIA DE AVICENA NA FILOSOFIA OCIDENTAL por Junior Benedito Pleis e
Talita Seniuk ............................................................................................................................... 83
FOUCAULT E O IRÃ: O DESENHO DE UM JORNALISTA por Leandro Mendanha e Silva
..................................................................................................................................................... 88
AS MARCAS DO GENOCÍDIO ARMÊNIO NA HISTÓRIA E NA LITERATURA por
Leonardo Paiva Monte e Lilian Bento ........................................................................................ 94
REPRESENTAÇÕES COSMOGÔNICAS NO ANTIGO EGITO por Leonardo Candido Batista
................................................................................................................................................... 100
Referências ................................................................................................................................ 111
LITERATURA, LEITORES E ESCRITORES NA ANTIGA MESOPOTÂMIA por Maria Clara
M. Hagen ................................................................................................................................... 113

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FRAGMENTOS DO NACIONALISMO: A RELAÇÃO ENTRE OS SELOS E A POLÍTICA
OTOMANA DOS JOVENS TURCOS (1908-1918) por Matheus Henrique da Silva Alcântara e
José Otávio Aguiar .................................................................................................................... 119
PARA QUE O TEMPO NÃO APAGUE: AUTOBIOGRAFIAS NO EGITO ANTIGO por
Maura Regina Petruski .............................................................................................................. 130
ENTRE OS SÁBIOS, A BELEZA ‫ ألحسن‬,‫ مع ألحكماء‬por Rafael Maynart .................................. 135
A CERVEJA, A PROSTITUTA E A DEUSA: ENCONTROS NA TABERNA DA ANTIGA
MESOPOTÂMIA por Simone Aparecida Dupla ...................................................................... 140
A INFLUÊNCIA DA ARÁBIA SAUDITA NO PREÇO DO PETRÓLEO: 1973 E HOJE por
Carolina Brandt Carvalho e Vinicius Soares Gallier................................................................. 147

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TEOCRASIA NO ANTIGO EGITO: OS SINCRETISMOS EM OSIR-
HAP E SERÁPIS NA RELIGIÃO FARAÔNICA
Felipe D. Ruzene
Este artigo tem por finalidade apresentar algumas figuras sincréticas da religião
faraônica, bem como elucidar sobre os aspectos da teocrasia, da fusão de caracteres
divinos que resultaram na sua composição e etiologia de seus cultos. Deste modo,
analisamos não apenas as novas deidades que surgem no panteão faraônico, mas
também a inerente propriedade sincrética como faculdade presente na concepção da
religião no Egito antigo.

Introdução
Mesmo na atualidade, as divindades da antiga religião faraônica provocam grandioso
entusiasmo e levantam muita curiosidade. O panteão egípcio penetrou tão
profundamente no imaginário ocidental que faz parte, até mesmo, de nossa cultura
popular, integrando diversos segmentos midiáticos. Há muito tempo, historiadores,
egiptólogos e arqueólogos, dedicam-se em datar e compreender o reinado dos faraós,
buscando conhecer um pouco mais sobre a história e a cultura do antigo Egito. No que
diz respeito à antiga religião faraônica, deparamo-nos com um extenso conjunto de
deidades responsáveis pelos mais variados aspectos da vida humana e mesmo além dela,
no pós-morte. Em meio a este vasto panteão, observamos o constante diálogo entre as
liturgias e entre as próprias figuras dos deuses que predicamentavam estas crenças [Cf.
BIELESCH, 2010]. Diversos autores apresentam a associação, ou mesmo uma fusão
entre divindades egípcias, uma união de caracteres de dois ou mais deuses de modo a
formular uma nova deidade, conjugando os elementos de ambos os sujeitos formadores.
Assim, o Egito antigo se constituiu num espaço concitador e proveitoso para as fusões
religiosas e encontros étnico-culturais [SALES, 2007, p. 309]. A partir do culto aos
deuses originários, quase sempre já bem representados e difundidos no Egito,
assegurou-se o sucesso dessas novas personalidades sincréticas que adentravam ao
panteão faraônico. Os deuses eram fundidos por propósitos práticos, muitas vezes essa
unidade se dava apenas para os devotos, ainda que essa identificação não se desse a
nível conceitual [BIELESCH, 2010, p. 385]. Tal sincretismo entre divindades é
denominada, segundo a enciclopédia Treccani, como Teocrasia:

“Fusão de divindades, fenômeno frequente nas religiões politeístas: duas ou mais


figuras divinas, originalmente distintas, por motivos diversos e baseadas em alguma
afinidade de caráter ou posição, acabam sendo consideradas idênticas, de modo que a
cada uma delas também é atribuído as características peculiares dos outros. A religião
do antigo Egito fornece exemplos característicos de teocrasia: com o surgimento do
culto de Osíris, esse deus absorve muitas outras divindades; o deus supremo de
Memphis, Ptah, já fundido com o deus Sokar, com a hegemonia de Osíris no culto
fúnebre torna-se Ptah-Sokar-Osíris, concebido como uma única figura” (tradução do
autor) [TRECCANI, 2020].

A própria enciclopédia italiana, ao fazer menção ao termo “teocrasia”, utiliza como


exemplo figuras da religião egípcia, deixando evidente que a orientação sincrética desta
crença possibilitou a formação de novos deuses através de modelos já conhecidos, como
no caso de Ptah-Sokar-Osíris, Osir-Hap e, posteriormente, durante a dinastia

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Ptolomaica, Serápis. Em vista disso, este artigo tem por finalidade apresentar dois casos
destas divindades formadas a partir do diálogo cultural: o de Osir-Hap e Serápis, assim
identificando a orientação sincrética presente na conceituação da religião faraônica.

O caso de Osir-Hap
O touro Ápis, Hap em egípcio, era uma deidade importantíssima na antiguidade, a
representação da potência viril do próprio faraó e do “ba”, o poder divino, de Ptah, a
principal deidade da antiga capital Mênfis [SOUSA, 2015, p. 137]. A vida deste animal
era sacralizada em todos os aspectos, vivia dentro de um complexo em seu próprio
templo, possuía um harém de vacas, recebia visitas e oferendas de peregrinos, só
deixava o ambiente sacro quando ocorriam festivais e cerimônias ou no caso da
coroação de um novo faraó, na qual era convidado de honra. Os autores apontam para o
fato de que tais aparições podiam ocorrer, apenas, uma ou duas vezes durante toda a
existência do animal [SALES, 2013, p. 70]. A importância do culto a Ápis,
provavelmente fruto das culturas religiosas zoomórficas da Pré-História segundo alguns
historiadores, se estendeu até o período romano e era, certamente, uma das mais
célebres divindades de todo o Egito [ibidem, p. 63].

De acordo com Cláudio Eliano, em De Natura Animalium [ELIANO, XI, 10 apud


SALES, 2013, p. 66], para que um touro fosse identificado como Ápis era necessário
que os sacerdotes distinguissem vinte e nove sinais, extremamente específicos, em todo
seu corpo. Após a morte do touro sagrado os sacerdotes raspavam suas cabeças,
iniciavam um rigoroso jejum e então procuravam pelo touro optimus, a nova encarnação
de Ápis [SOUSA, 2013, p. 137]. É neste momento, com a morte do touro Ápis, que
encontramos sua teocrasia com Osíris. Após a morte do touro era decretado luto oficial
de setenta dias, ao longo deste período o animal passava por um específico e cuidadoso
processo de mumificação. Durante sua preparação funerária, Ápis se identificava com
Osíris, o deus dos mortos, tornando-se assim outra divindade, Osir-Hap ou “o Ápis
defunto”:

“Os antigos Egípcios acreditavam que a alma de Osíris penetrava no corpo do touro
Ápis. nesta sua versão sincrética com Osíris, Osíris-Ápis, era o deus funerário e senhor
de toda a necrópole menfita e esta vinculação exerceria enorme apelo sobre as
populações. Para além das fronteiras do Serapeum de Sakara, Ápís adquiriu importância
no contexto funerário integrando designadamente o repertório iconográfico de urnas
funerárias e sepulturas privadas e de um templo no distante oásis de Kharga, no deserto
líbico. A ligação a Osíris e ao mundo funerário justificou também o epíteto de Touro de
Imenti (o mundo inferior) atribuído a Ápis” [SALES, 2013, p. 65].

Isto posto, percebemos a associação sincrética da figura de Osir-Hap. O culto menfita


ao touro póstumo permaneceu mesmo após ao período ptolomaico e foi tema recorrente
na iconografia egípcia. Esta teocrasia gera uma nova divindade com caracteres ctônicos,
de deus do submundo e do pós-morte, como uma relação à figura de Osíris, ao mesmo
tempo possui representação de deus fértil, deidade da terra e agricultura, em relação
com a figura de Ápis. Assim, aspectos de ambos os deuses congregados geraram o culto
ao touro defunto [SOUSA, 2013, p. 137]. Tal deidade ainda se beneficiava vastamente
com a difusão da devoção ao deus dos mortos. A fama de Osíris se devia, em parte, ao
fato de trazer consigo uma noção salvífica no plano pós-morte. Era por ele que os

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devotos podiam colher os frutos de uma vida ética, afinal, o deus Osíris poderia
conceder a eternidade àqueles que passassem em seu tribunal [Cf. RIBEIRO, 2014].
Logo, a divindade permitia uma noção teológica de ascensão à imortalidade, certamente
algo que chamava a atenção de fiéis por toda parte. Assim enchiam seus templos e
deferiam diversas libações dedicadas a Osíris. Ainda, na necrópole menfita de Sakara,
Osíris foi congregado a outras duas divindades dando origem a Ptah-Sokar-Osíris
[SOUSA, 2015, p. 140]. Em sua dissertação, Simone Bielesch [2010, p. 385] apresenta
que este sincretismo tipicamente egípcio pode ser compreendido a partir de uma ideia
de habitação. Os deuses faraônicos possuíam o dom de habitar temporariamente
outrem, quer seja uma estátua ou representação religiosa, ou mesmo uma outra
divindade. Expõe ainda a possibilidade dessa habitação sem desfeita, retornando as
divindades aos seus modelos independentes. Comumente um deus universal poderia
habitar uma deidade local e assim estabelecer um sincretismo entre suas figuras e
habilidades, gerando uma teocrasia singularmente egípcia. Tal é a ideia que apresentam
alguns egiptólogos sobre Osir-Hap, uma assimilação que surge a partir da habitação de
Osíris no corpo do touro Ápis [SALES, 2013, p. 64-65].

O caso de Serápis
Passando ao período ptolomaico observamos outra divindade sincrética amplamente
expressiva ao Egito. O deus Serápis que, segundo Plutarco [2001, p. 28], seria um deus
do Oriente, da região do Mar Negro, teria se revelado a Ptolomeu I Sóter num sonho. A
partir daí, o soberano teria trazido a estátua deste deus da colônia grega de Sinope e
feito dele o patrono de Alexandria. De acordo com Luís Lobianco [2006, p. 237] é na
própria divindade de Osir-Hap que se assentam as origens de Serápis, assim defende
que os soberanos Lágidas utilizaram a figura já sincrética e bem difundida para
constituir uma nova divindade que congregasse elementos egípcios e helênicos.
Justificativa a isso é o fato do templo dedicado ao deus Serápis ser o Serapeum de
Sakara, mesmo santuário em que os touros Ápis embalsamados eram velados, desde o
reinado do faraó Ramsés II (1279-1213 AEC) da XIX dinastia [SALES, 2013, p. 69].
Outrossim, Serápis não apenas utiliza a união de Ápis e Osíris, mas integra outros
deuses do panteão grego, tais como Hades, Zeus, Asclépio e Dioniso. Torna-se, pois,
uma divindade sincrética e culturalmente híbrida:

“A fundação do culto de Serápis assentava num diálogo intercultural responsável por


um complexo jogo de identidades divinas. É um facto que o estatuto universal do deus
manifestou-se, desde logo, na sua capacidade para estabelecer identificações sincréticas
com outros deuses, quer estes fossem gregos, como era o caso de Hades, Zeus ou
Dionísio, ou egípcios, como Osíris ou Ápis.” [SOUSA; SILVA, 2013, p. 10]

Deste modo, a teocrasia de Serápis apresenta duas particularidades em relação à


anterior. Primeiro, este deus elenca em sua formação não apenas divindades da religião
egípcia, mas também da helênica, de modo que era uma figura tanto autóctone quanto
alóctone, variando de acordo com as fontes e autores [SOUSA, 2015, p. 133]. Segundo,
apesar da possibilidade apresentada por Bielesch [2010, p. 385] da teocrasia se dar
apenas aos devotos e não conceitualmente, no que diz respeito à formação de Serápis
diversos autores apresentam um processo inverso, no qual seu culto teria sido gerado
pela administração ptolomaica e só depois teria se difundido na sociedade e passado a
integrar o rol dos deuses, tanto para egípcios quanto gregos [NEIVA, 2017, p. 56].

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Poliane Santos [SANTOS, 2003, p. 73-74], em sua dissertação, ratifica essa
interpretação, de que Serápis teria sido produto de um concílio político-religioso
pensado para atender à necessidade alexandrina por um deus patrono que congregasse
gregos e egípcios. Um deus que representasse aquela sociedade que se baseava no
pluriculturalismo helênico-egípcio, uma vez que os próprios governantes Lágidas
possuíam origem macedônica [Cf. GRALHA, 2018, p. 79-82].

Também, Serápis teria ampliado sua influência na sociedade egípcia ao sobrepor o deus
Osíris como cônjuge de Ísis, a deusa da fertilidade e maternidade. Logo, o tradicional
casamento de Ísis e Osíris, deu lugar à união de Ísis com Serápis [SOUSA, 2015, p.
141]. Tal união modificou também a figura de Hórus, filho do clássico casal, que passou
a ser representado como Harpócrates, forma grega que deriva da nomenclatura egípcia
Horpakhered, que significa literalmente: o Hórus criança [SALES, 2007, p. 317]. Em
vista disso, Santos expõe que:

“Serápis exprimia para os gregos não somente a união de Zeus com Osíris
(correspondente grego de Plutão e Dionísio), mas também a união com Hades e
Asclépio, dando origem a Serápis como governante de todo Universo. Embora não
tenha tido muito êxito entre os egípcios, Serápis uniu-se a Ísis e Hórus, que para os
gregos representava Afrodite e Harpócrates, o Menino, formando uma nova tríade
divina. A partir desse momento, Serápis torna-se a designação grega para Osíris,
agregando todos os aspectos de sua personalidade divina, juntamente com as
características dos deuses gregos.” [SANTOS, 2003, p. 74]

Dessa forma, Serápis se tornou um deus cada vez mais presente na antiga religião,
dialogando com diversas deidades e granjeando elementos sincréticos tanto helênicos,
quanto egípcios. Sua força foi tamanha que acabou se espalhando por toda a Bacia do
Mediterrâneo e boa parte da Península Ibérica [NEIVA, 2017, p. 63].

Considerações Finais
Os casos aqui elucidados, de Osir-Hap e Serápis, são apenas alguns exemplos da
teocrasia presente na religião egípcia. Este artigo é unicamente uma introdução à
temática do sincretismo religioso e do hibridismo cultural entre os modelos religiosos
da antiguidade. Longe de buscar o esgotamento do assunto, visamos apresentar ao leitor
um dos inúmeros temas que circundam os estudos da egiptologia na atualidade.
Contemplamos, pois, que as divindades da religião faraônica possuíam particulares
aptidões, as de se materializar na iconografia e habitar, ou serem habitados por outros
deuses. Esta habitação, proposta pelo egiptólogo alemão Hans Bonnet [BIELESCH,
2010, p. 385], apresenta o motor que formulou os movimentos sincréticos tais como os
descritos neste texto. Por meio deste sincretismo a religião faraônica apresentou
divindades diversas e culturalmente plurais, tais quais as próprias realidades sociais que
congregavam no antigo Egito. Seus deuses articularam amplamente entre si chegando,
até mesmo, aos outros panteões da antiguidade, como no caso de Serápis. Assim, novas
divindades se construíram, fruto da justaposição sincrética ou da alteração dos
caracteres de deuses já venerados.

Evidentemente, tais metamorfoses podem ser interpretadas a partir dos anseios


políticos, ou mesmo econômico-sociais, dos clérigos responsáveis por tais deuses.

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Ainda, os movimentos sincrético-religiosos poderiam ir ao encontro das aspirações das
administrações locais, que constantemente careciam afirmar sua legitimidade ante à
população. Afinal, a influência dos deuses, dos sacerdotes e do próprio governo
poderiam ser substancialmente ampliadas a partir destas atividades conciliadoras. Não
obstante, a habitação e a teocrasia aparecem como arquétipos da antiga religião egípcia
que pode ser vista como uma fé de manifestação essencialmente sincrética. Isso porque,
os deuses, tais como os indivíduos humanos, não se mostram apáticos aos cursos da
História. São remodelados uns pelos outros, dialogam entre si, com os homens e com
suas culturas, além de acompanharem as transformações das sociedades humanas.

Referências
Felipe Daniel Ruzene é graduando em História (Licenciatura) pela Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul – UFMS/CPAN e em Filosofia (Bacharelado) pelo Centro
Universitário Claretiano. Possui Ensino médio pelo Colégio Técnico Industrial de
Guaratinguetá da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” –
CTIG/UNESP. Correio eletrônico: felipe.ruzene@yahoo.com.br

BIELESCH, Simone Maria. Ptah-Sokar-Osíris: um Deus sincrético do Renascimento,


2010. Disponível em: http://neauerj.com/Anais/coloquio/simonemaria.pdf.
LOBIANCO, Luís E. A Romanização no Egito: Direito e Religião (séculos I à III d.C.),
2006. Disponível em:
https://www.historia.uff.br/stricto/teses/Tese-2006_LOBIANCO_Luis_Eduardo-S.pdf.
GRALHA, Julio. “Poder no Egito Ptolomaico: Uma abordagem mágico-religiosa da
legitimidade” in Heródoto, v. 3, n. 1, 2018. p. 79-99.
NEIVA, Caroline Oliva. O poder legitimador de Serápis em disputa na época Antonina
(96-192): Um estudo comparado entre a iconografia monetária alexandrina e os Acta
Alexandrinorum, 2017. Disponível em: http://docplayer.com.br/86708310-O-poder-
legitimador-de-serapis-em-disputa-na-epoca-antonina-96-192.html.
PLUTARCO. Ísis e Osíris. Fim de Século: Lisboa, 2001.
RIBEIRO, Thiago Henrique Pereira. Cosmologia e Morte no Egito Antigo: o Tribunal
de Osíris, 2014. Disponível em:
https://www.academia.edu/7635576/Cosmologia_e_Morte_no_Egito_Antigo_o_Tribun
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SALES, José das Candeias. “O culto a Serápis e a coexistência helénico-egípcia na
Alexandria ptolomaica” in Revista lusófona de Ciência das Religiões, ano VI, n. 12,
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SALES, José das Candeias. “Em busca do touro Ápis pelos caminhos da mitologia do
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Osíris na obra de Plutarco (I d.C.), 2003. Disponível em:
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TRECCANI Enciclopedia italiana online: teocrasia, 2020. Disponível em:
http://www.treccani.it/enciclopedia/teocrasia/.

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