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Reitor
Ricardo Lodi Ribeiro
Vice-Reitor
Mario Sérgio Alves Carneiro
Chefe de Gabinete
Domenico Mandarino
Projeto Orientalismo
Coordenador: André Bueno
www.orientalismo.blogspot.com
Ficha Catalográfica:
Bueno, André [org.] Mundos em Movimento: Próximo
Oriente. Rio de Janeiro: Projeto Orientalismo/UERJ,
2021.
ISBN: 978-65-00-31926-2
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .................................................................................................. 6
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A “LEI DA PROPRIEDADE DO AUSENTE” E O APAGAMENTO DOS
PALESTINOS EM ISRAEL por Nina Galvão .................................................... 135
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VINHO E VINICULTURA NO ANTIGO EGITO
Felipe Ruzene
Introdução
O Egito é uma nação do Norte de África com caracteres profundamente
mediterrâneos [Cf. BAKOS, 2001, p. 11-16]. Um exemplo bastante notável desta
relação entre egípcios e mediterrânicos é a paixão pelo vinho, algo ainda pouco
disseminado, visto que o Egito é conhecidamente a nação da cerveja. De fato, o
fermentado de cevada parece ter sido a bebida mais consumida entre os egípcios
[PETRUSKI, 2015, p. 154], mas a antiga nação faraônica se mostrou fundamental
para a difusão e consolidação da viticultura e enologia na antiguidade. Suas práticas
e métodos foram tão relevantes que sobrevivem até a atualidade e permanecem
ativos entre alguns dos principais produtores de vinho do mundo contemporâneo
[CARLAN, 2012, p. 86]. Embora o vinho já existisse na Mesopotâmia e no Oriente,
a vinicultura se desenvolveu, em termos tecnológicos e práticos, mais
profundamente no Egito [AMUI, 2007, p. 12] e, posteriormente, na Hélade e em
Roma (que muito usufruíram dos conhecimentos enológicos desenvolvidos pelos
egípcios). Este texto tem por finalidade introduzir as temáticas do consumo e
fabrico do vinho no Egito Antigo, observando a complexidade e pluralidade dos
mecanismos utilizados pelos produtores egípcios e compreendendo a importância
da vinicultura nesta sociedade. Assim, evidenciar-se-á que: “O vinho era parte
integrante da cultura dos antigos egípcios que podem ser considerados por esse
motivo, a primeira civilização vinícola da história” [FONSECA; JANÉ; IBRAHIM,
2012, p. 142].
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sugere em sua tese que a domesticação da uva tenha ocorrido por volta de 8000
AEC na região que hoje se estende do Turquestão, ao sul do Cáucaso na Ásia
Menor, até o interior da Trácia. Justamente desta região, afirma o autor, teriam saído
as práticas de viticultura que ingressaram no Egito ainda durante o pré-dinástico
[BAKOS, 1994, p. 66]. As uvas têm sua presença marcada em solo egípcio entre
4000 e 3500 AEC, em sítios arqueológicos como o Tell Ibrahim Awad e Tell el-
Fara’in, os dois no Delta do rio Nilo [FONSECA; JANÉ; IBRAHIM, 2012, p. 142].
Convém ressaltar o fato de que as uvas não são nativas do Egito, mas já eram
cultivadas por lá desde o pré-dinástico, o que comprova o quão antigo é o
conhecimento a respeito do vinho e do plantio das bagas [GUARINELLO, 1997, p.
276]. Ao longo do período faraônico definiu-se a palavra “irp” para designar o
vinho. Segundo Poo [1995, p. 21], não existe uma explicação etimológica definitiva
para o termo, mas parece ter sido gerada a partir de uma concatenação com a palavra
“rp” que significa podre. O que demonstra satisfatório nexo, afinal o vinho é
produto de uvas “podres”, ou (para fazer uso de termo mais enológico) bagas
fermentadas. No período ptolomaico novos termos surgiram como forma de se
referir ao vinho, vocábulos que conhecemos a partir das liturgias de oferendas e
cenas de oblações inscritas nas paredes dos templos [POO, 1995, p. 21-22]. Ainda
sim o termo “irp” (representado por duas ânforas, como aquelas utilizadas para o
armazenamento da bebida) permaneceu presente, inclusive no Demótico e no
Cópita [BAKOS, 1994, p. 66].
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domada pelo poder milagroso e embriagador do vinho. Sekhmet foi induzida a
beber vinho, segundo o mito os deuses transformaram cerveja em vinho para que
sua coloração fosse feita semelhante ao sangue humano e confundisse a felídea
deusa. Amansada e ébria a grande leoa sanguinária se recolheu às margens do Nilo,
e, ronronando e espreguiçando, transformou-se na dócil gata Bastet [GIESTA,
2019, p. 68]. Por este motivo, apesar do deus egípcio do vinho ser Osíris, a bebida
era elemento fundamental nas festas de Bubástis (dedicadas a Bastet), uma vez que
a deusa passou a congregar elementos de soberana: “dos festivais, da embriaguez,
da maternidade, da sensualidade e das artes em geral” [PETRUSKI, 2015, p. 150],
tornando-se a: “senhora do vinho” da antiga religião faraônica [GIESTA, 2019, p.
128]. Notável que os egípcios já abordavam, com extrema seriedade, a ebriedade e
os problemas que poderiam decorrer do consumo excessivo de vinho (aliás, tais
preocupações parecem recorrentes em quase todas as culturas humanas) [AMUI,
2007, p. 66].
A bebida era oferecida pelos sacerdotes, ou mesmo pelo próprio Faraó. Em rituais
nos templos e em certas festividades, como a coroação ou o ano novo, era cedida
como representação do poder da família real [POO, 1995, p. 51-54]. O vinho, acima
de tudo, possuía caracteres metafísicos e estava fortemente relacionado com a
religiosidade egípcia [CARLAN, 2012, p. 86], por este motivo era ofertado aos
mortos para consumo além-vida e, a partir da 5ª Dinastia (2450-2325 AEC), passa
a compor a lista de ofertas funerárias descritas nos Textos das Pirâmides, além de
ser a mais notável bebida do Faraó no pós-morte [FONSECA; JANÉ; IBRAHIM,
2012, p. 141]. A íntima relação entre vinho e religião se dava pela crença egípcia
de que a transformação do mosto de uva em bebida alcóolica era inspirada pelo
deus Osíris, que havia regalado o vinho aos homens. A posteriori, os helenos
atribuíram tal bênção a Dioniso, e os romanos, a Baco [QUEIROZ, 2010]. Em 1860,
o microbiólogo Louis Pasteur demonstrou cientificamente que a fermentação era
promovida pelas células de levedura, não por divinas ações [PANEK, 2003, p. 62].
É importante destacar que o conhecimento que temos hoje a respeito da alimentação
dos egípcios na Antiguidade se deve muito pelo significativo acervo de textos e
imagens gravadas nas paredes dos templos e tumbas, e pelas evidências
arqueológicas sobreviventes das oferendas cedidas aos mortos [GRALHA, 2012, p.
97]. Há vestígios de vinho dadivado aos finados, mesmo no período Pré-Dinástico,
em túmulos como os encontrados nas necrópoles reais de Abidos e Saqqara, as
bebidas eram dispostas em jarras de cerâmica com até um metro de altura, tampadas
com barro e com estampa do selo real [FONSECA; JANÉ; IBRAHIM, 2012, p.
142]. Cenas cotidianas representando a viticultura e enologia egípcias foram
retratadas em paredes de sepulturas privadas desde o Reino Antigo (2575-2150
a.C.) até o período Greco-Romano e tardo-antigo (332 a.C.-395). Assim, a arte
evidencia como o processo de elaboração do vinho no Antigo Egito era bastante
similar ao célebre método tradicional europeu, utilizado até os dias atuais
[AJZENBERG, 2013, p. 81]. Emprestando noções do estudo empreendido por
Francis Joannes [1998] sobre a alimentação na Antiga Mesopotâmia, podemos
afirmar que, no Egito, a cerveja se destacava no banquete particular (ainda que se
fizesse acompanhada do vinho, caso os anfitriões pudessem arcar com tal despesa),
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enquanto o vinho possuía papel fundamental no banquete real e no banquete
religioso [Cf. GRALHA, 2012, p. 98]. Outro uso primordial que os egípcios tinham
para o vinho era a aplicação médica. Aliás, o primeiro escrito que trata do uso
medicinal do vinho vem da cidade de Nippur, cerca de 2000 AEC, fazendo
referência a unguentos fabricados na Suméria (à base de vinho), para o tratamento
de dermatoses [FERREIRA, 2004, p. 49]. A bebida foi utilizada para uma série de
terapêuticas, buscando o combate à asma, icterícia, obstipação intestinal, e
epilepsia. Para tanto era misturado com um preparado nomeado kyphi - um
composto de resinas, ervas, especiarias e até pelo de burro e excrementos de
pássaro. Segundo o médico José Ferreira [2004, p. 49-50], isso se devia a crença de
que muitos males físicos advinham de forças funestas que possuíam o paciente e
que poderiam ser expulsas caso o corpo se tornasse inabitável, por isso utilizavam
tão asquerosas substâncias.
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Estes padrões de rotulação das embalagens de vinho se mostram bastante
semelhantes às normativas atuais impostas por legislações da União Europeia.
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vinho na antiguidade inaugurou as bases dos métodos que os enólogos usam ainda
na atualidade. Um bom exemplo do conhecimento avançado dos antigos é quanto
ao potencial de guarda dos vinhos. Os vinhos mais leves eram guardados para
fermentar por um curto período, enquanto os mais alcoólicos passavam por longos
intervalos de fermentação, podendo ser aquecidos para aceleração deste processo
[VALDUGA, 2016]. Também, os egípcios costumavam produzir fermentados com
outras frutas, como figos ou tâmaras. Reza a lenda que Cleópatra era uma grande
fã dos vinhos feitos com tâmaras. Atualmente, por lei, vinho é unicamente a bebida
proveniente da fermentação de uvas, aquelas originadas por quaisquer outras frutas
devem receber nomes específicos [PANEK, 2003, p. 63].
Considerações finais
Em síntese, o vinho faz parte das culturas humanas desde os primeiros registros
históricos das mais antigas comunidades [AJZENBERG, 2013, p. 80]. Esteve
associado com a religião, status e hierarquia social, medicina e economia, sendo
elemento basilar do estilo de vida mediterrâneo. Esta bebida deixou profundas
marcas em todas as dimensões da antiguidade [GUARINELLO, 1997, p. 277].
Heródoto, em 445 AEC, descreveu certos vinhos egípcios como: “narcóticos,
brancos, excelentes, agradáveis, fragrantes, delicados, e que não chegavam à
cabeça” [REGINA, 2017, p. 94]. Sem sombra de dúvidas resenha digna de um
sommelier contemporâneo. Assim, o Antigo Egito, além de um povo de célebre
história, tornou-se uma sociedade de complexa vinicultura e grandes vinhos. Graças
às técnicas da antiguidade, aperfeiçoadas, por monges, sobretudo os beneditinos,
durante a Idade Média e, posteriormente, com assimilação das tecnologias
modernas, é que possuímos as várias técnicas enológicas da atualidade. Deste
modo, contemplamos que o vinho ia muito além do beber na sociedade egípcia,
deixando de ser mero alimento de subsistência e aderindo ao papel de elemento
sócio-cultural para todo o Mediterrâneo Antigo.
Referências bibliográficas
Felipe Daniel Ruzene é graduando em Licenciatura em História pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR) e Bacharelado em Filosofia pelo Centro Universitário
Claretiano (BAT). Formado pelo Colégio Técnico Industrial de Guaratinguetá da
Universidade Estadual Paulista (CTIG/UNESP) e pela Escola de Especialistas de
Aeronáutica (EEAr), atualmente é Controlador de Tráfego Aéreo. E-mail:
felipe.ruzene@ufpr.br
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CARLAN, Cláudio Umpierre. “Vinho: Comércio e Poder no Mundo Antigo”
in CANDIDO, Maria Regina (Org.). Práticas Alimentares no Mediterrâneo
Antigo. Rio de Janeiro: NEA/UERJ, 2012, p. 83-96.
FERREIRA, José Carlos Torres Dias. “O vinho e a medicina” in Revista da
Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba, v. 6, n. 1, 2004, p. 49-52.
FONSECA, Sofia; JANÉ, Maria Rosa Guasch; IBRAHIM, Mahmoud. “O vinho
no Antigo Egito: uma história mediterrânea” in Revista Mundo Antigo, v. 1, Jun,
2012, p. 139-155.
GIESTA, Eugénio José Castro. Bastet e Sekhmet: aspectos de natureza dual.
Dissertação: (Mestrado em História Antiga) – Faculdade de Letras, Universidade
de Lisboa. Lisboa, 184 p., 2019.
GRALHA, Julio Cesar. “Abordagem Sócio-Cultural da Alimentação no Egito
Antigo: Quando Comer e Beber Não é Somente Beber e Comer” in CANDIDO,
Maria Regina (Org.). Práticas Alimentares no Mediterrâneo Antigo. Rio de
Janeiro: NEA/UERJ, 2012, p. 97-108.
GUARINELLO, Norberto Luiz. “A civilização do vinho: um ensaio
bibliográfico” in Anais do Museu Paulista, v. 5, Jan-Dez, 1997, p. 275-278.
JOANNÉS, Francis. “A função social do banquete nas primeiras Civilizações” in
FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (Org.). História da
Alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998, p. 54-67.
PANEK, Anita D. “Pão e vinho: a arte e a ciência da fermentação” in Revista
Ciência Hoje, v. 33, n. 195, 2003, p. 62-65.
PETRUSKI, Maura Regina. “Para além das pirâmides e das múmias: a festa de
Bubástis no Egito Antigo” in NEArco: revista eletrônica de Antiguidade, ano
VIII, n. 2, 2015, p. 141-158.
POO, Mu-Chou. Wine and wine offering in the religion of Ancient Egypt. Nova
Iorque: Routledge, 1995.
QUEIROZ, Felipe de. História do vinho: Pioneiros do vinho, 2010. Disponível
em: https://revistaadega.uol.com.br/artigo/pioneiros-do-vinho_2673.html
REGINA, Ivan Carlos. “A história do vinho e as civilizações: dos primórdios ao
Antigo Egito” in Revista Engenharia, n. 633, 2017, p. 94-95.
VALDUGA, Luisa. A história do vinho no mundo: entenda como esta bebida
colonizou os continentes, 2016. Disponível em:
https://blog.famigliavalduga.com.br/a-historia-do-vinho-no-mundo-entenda-
como-esta-bebida-colonizou-os-continentes/
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