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VIDAS CÉLEBRES
A N T O L O G I A DE V I D A S C É L E B R E S
HERMES
O R F EU
T E SEU
RÔMULO
Seleção, organização, tradução e notas de
Y olanda L. dos Santos e Cláudia Santos
Prefácio .......................... 7
Origens do E g ito ..................................................................... 11
Hermes .................................................................................... 19
Notícia ...................................................................................... 23
A Esfinge ................................................................................ 27
A Grécia e o Egito nos séculos VI e V I I ................ 63
Que se entende por orfism o................................................ 71
Orfeu ........................................................................................ 77
Teseu ........................................................................................ 112
A Época Homérica................................................................. 113
Teseu, de Plutarco ................................................................. 121
Rômulo .................................................................................... 149
As Origens de R om a............................................................. 151
Rômulo, de Plutarco............................................................... 169
PREFÁCIO
José Pijoan
Notícia
W. K. C. Guthrie
EVOCAÇÃO
A festa acabara como um sonho. Chegara a noite. Quan
do as danças, os cânticos e as orações se apagavam numa bru
ma côr-de-rosa, Orfeu e o seu discípulo desciam por uma ga
leria subterrânea até à cripta sagrada, que se prolongava no
coração da montanha e cujo acesso só era permitido ao hie
rofante.
Era ali que o inspirado dos deuses se entregava às suas
meditações, ou realizava, com os seus adeptos, as elevadas obras
da magia e da teurgia.
Em volta dêles estendia-se um espaço vasto e cavernoso,
do qual os dois brandões colocados no chão não iluminavam
senão vagamente as paredes rachadas e as profundezas tene
brosas. A alguns passos abria-se no chão uma fenda hiante,
de onde saía um vento quente — e êsse abismo parecia descer
até às entranhas da terra. Mais afastado, sobre um altar
pequenino, onde ardia um fogo de loureiro sêco, perfilava-se
uma esfinge de pórfiro. No alto, a uma altura incomensurá-
vel, rasgava-se uma abertura oblíqua, pela qual se descobria
um retalho de céu estrelado. E o raio de luz azulada, que por
ela entrava, dir-se-ia ser o olho do firmamento mergulhando
naquele báratro.
— "Tu bebeste na fonte da luz eterna, diz Orfeu, entraste
de alma pura no coração dos mistérios. Chegou, agora, a hora
solene de te fazer penetrar até às fontes da vida e da luz.
Aquêles que não levantaram o véu espêsso que, aos olhos dos
homens, oculta as maravilhas invisíveis, não se tornam filhos
dos deuses.
"Escuta, pois, a verdade que é necessário ocultar à mul
tidão e que constituem a força dos santuários.
HERMES - ORFEU - TESEU - RÔMULO 97
"Deus é um, sempre igual a si mesmo e em tudo reina.
Mas os deuses são inumeráveis e diversos, porque a divindade
é eterna e infinita. Os maiores são as almas dos astros. Sóis,
estréias, terras e luas, cada astro tem a sua, e todas brotaram
do fogo celeste de Zeus e da luz primitiva. Semiconscientes,
inacessíveis, imutáveis, elas dirigem com os seus movimentos
regulares o grande todo. Ora, cada astro, rolando, arrasta na
sua esfera eterizada, falange de semideuses ou de almas res
plandecentes, que foram outrora almas de homens, e que, de
pois de terem descido a escala dos reinos, subiram de novo glo
riosamente os ciclos, para enfim saírem do círculo das gerações.
É por êsses espíritos divinos que Deus respira, obra, aparece.
Que digo? Êles são o sopro da sua alma viva, os raios da sua
consciência eterna, e, comandando os exércitos dos espíritos
inferiores que excitam os elementos, dirigem os mundos. De
perto e de longe êles nos cercam e, conquanto de essência imor
tal, revestem formas sempre mutáveis, conforme os povos, os
tempos e as regiões. O ímpio nega-os, mas teme-os: o homem
piedoso adora-os sem os conhecer; só o iniciado os conhece, os
atrai e os vê. Se eu lutei para os encontrar, se afrontei a
morte, se, como dizem, desci aos infernos, foi para domar os
demônios do báratro, para chamar os deuses do alto sôbre a
minha Grécia bem-amada, para que o séu profundo se case com
a terra e que a terra encantada escute as vozes divinas. A
beleza celeste encarnar-se-á na carne das mulheres, o fogo de
Zeus no sangue dos heróis; e, muito antes de remontarem aos
astros, os filhos dos deuses resplandecerão como imortais.
"Sabes o que é a lira de Orfeu? Ê o som dos templos
inspirados. Êles têm por cordas os deuses. À sua música a
Grécia se afinará como uma lira e o próprio mármore cantará
em cadências brilhantes, em harmonias celestes.
"E, agora, eu evocarei os meus deuses, a fim de que êles
te apareçam vivos e que te mostrem, numa visão profética, o
místico himeneu que eu preparo ao mundo e que os iniciados
hão de ver.
"Deita-te ao abrigo desta rocha e não temas nada. Um
sono mágico vai cerrar as tuas pálpebras; tu primeiro treme-
rás e verás coisas terríveis; mas depois, uma luz deliciosa, uma
felicidade desconhecida, inundará os teus sentidos e o teu ser”.
Já o discípulo se tinha deitado no nicho, cavado, em for
ma de leito, na rocha. Orfeu lançou alguns perfumes sôbre
o fogo do altar, e, depois, tomando o cetro de ébano coroado
98 ANTOLOGIA DE VIDAS CÉLEBRES
0 Peloponeso
HERMES - ORFEU - TESEU - RÔMULO 129
(83) Julho-agôsto.
(84) Autor de uma obra sôbre os monumentos fúnebres, citada
na vida de Temístocles.
(85) Estas duas palavras significam “que segura e firma a Terra”.
EÔMULO
r
AS ORIGENS DE ROMA
José Pijoan
pântanos, por dois dos seus lados, e o Tibre lhe servia de fosso
por outro lado. Além disto, a planta das terramares indica que,
para suas ruas terem orientação perfeita, devia marcar-se-lhes
a diretriz e, portanto, fundar-se a cidade em direção do equi
nócio, que é a época em que se fixa também a fundação de
Roma. E se a isto ajuntarmos que a forma das cidades roma
nas conservou em tudo o possível, como quase uma necessidade
religiosa, o recinto quadrilátero e as ruas, cruzando-se em ân
gulo reto, que encontramos nas terramares, acreditamos que é
justificação suficiente para que alguns arqueólogos sustentem
que os fundadores de Roma foram pessoas recém-chegadas da
alta Itália, que se aventuraram até o Lácio e escolheram o Pa-
latino, porque a forma daquela colina lembrava-lhes muito suas
terramares.
Por fim, uma terceira solução para o problema da origem
de Roma é a que acredita que Rômulo era um fugitivo da Etrú-
ria por motivos políticos e que Roma, no princípio, era uma
simples cidade-refúgio dos etruscos. Parece comprová-lo o fato
que sejam etruscos os nomes de alguns dos sete reis de Roma e
que muitos ritos e costumes romanos se mantivessem etruscos
até à Era cristã. Os romanos ilustrados, do tempo da Repú
blica, estudavam o etrusco, como mais tarde, durante o Impé
rio, estudaram o grego. Não aceitando, porém, esta última
teoria da origem etrusca de Roma, avançamos muito mais na
solução do enigma, porque os etruscos resistiram à curiosidade
moderna de uma maneira desesperante; não conhecemos nada
de sua origem, nem da época de sua chegada à Itália, nem o
caminho de sua emigração, ou tampouco podemos afirmar se
eram, ou não, de raça indo-européia. Não se encontram ins
crições etruscas em Roma, nem no território circunvizinho. O
tipo étnico dos etruscos resulta, pois, muito claro, pelos retra
tos funerários das necrópoles e não é idêntico ao dos romanos.
Ademais, nos primeiros séculos da história de Roma, as
guerras mais sangrentas dos romanos foram contra os etruscos.
Êstes vizinhos inimigos de Roma ocupavam a Itália central,
desde o Tibre até Florença, e desciam os Apeninos, chegando
ao Adriático pelo lado de Bolonha. Algumas de suas cidades
importantes e populosas, como Cere, Veia, Tarquínia e Faléria,
cujo território tinha fronteira com o de Roma, olhavam com
receio a nova competidora e tratavam de afogá-la, antes que se
engrandecesse. Na Etrúria se refugiavam para conspirar os
políticos romanos descontentes; por sua vez, chegava a Roma,
HERMES - ORFEU - TESEU - RÔMULO 155
n
te, lembra como foram criados. Mas Caio Acílio (118) narra
que antes da fundação, aconteceu que o rebanho de Rômulo e
Remo desapareceu e fazendo preces a Fauno, correram em
busca dêles, despidos, para que o suor não lhes molestasse;
e por causa disto correm nus os lupercos.
Quanto ao sacrifício do cão, poder-se-ia dizer, se é de pu
rificação, que o empregam como vítima expiatória, porque tam
bém os gregos, nas que chamam expiatórias, oferecem cãezi-
nhos, e em muitas ocasiões usam o rito que toma dêstes a
denominação de perisculaquismo (119). Se, por outro lado,
isto se faz em memória de Rômulo, não é êrro matar um cão,
como inimigo que é dos lobos; a não ser que, por acaso, seja
castigo que se dá a êste animal, porque costuma atrapalhar os
lupercos na corrida.
XXII — Diz-se, também, haver sido Rômulo quem primei
ro instituiu o fogo sagrado, criando as sacerdotisas, as virgens
que se chamaram Vestais; mas outros o atribuem a Numa, sem
que, por isso, deixe de assegurar-se que Rômulo foi muito reli
gioso. E ainda acrescentam que se dedicava à ciência augural,
e que, para seu exercício, usava do chamado lituus. Era uma
varinha curvada nas extremidades, com a qual, sentados, os
adivinhos descreviam os pontos cardeais para os augúrios:
guardava-se no Palácio; mas na invasão dos gauleses, quando
a cidade foi tomada, dizem que desapareceu, e que arrojados
depois aquêles bárbaros, foi achada entre os montes de cinza,
saindo ilesa do fogo, quando tudo o mais havia sido queimado.
Promulgou também algumas leis, das quais muito severa é a
que permite ao marido repudiar a mulher, concedendo a êste,
o direito de abandonar a mulher por envenenar os filhos, por
falsificar as chaves e por cometer adultério; se por outra causa
qualquer a repudiava, ordenava-se que a metade de sua renda
fosse para a mulher e a outra metade para o templo de Ceres,
e que aquêle que assim a repudiasse teria de aplacar os deuses
infernais. Foi, também, resolução sua não haver dado pena
contra os parricidas, e ter chamado parricídio a todo homicídio,
como sendo possível êste, mas impossível aquêle; e por muito
tempo pareceu que, com razão de sobra, se teve por desconhe
cida semelhante maldade, porque não houve ninguém em Roma
que a cometesse num período de seiscentos anos; sendo o pri-
(118) Autor de uns Anais escritos em grego e traduzidos por
Clódios em latim.
(119) Quer dizer, sacrifício de cãezinhos.
HERMES - ORFEU - TESEU - RÔMULO 191
meiro, de quem se conta ter sido parricida, depcis da guerra
de Aníbal, Lúcio Hóstio; mas basta destas coisas.
XXIII — No quinto ano do reinado de Tácio, alguns fa
miliares e parentes seus, encontrando-se com certos embaixa
dores que de Laurento vinham à Roma, combinaram despojá-
-los violentamente de seus bens, no caminho, e como êles se
defendessem, e não permitissem, mataram-nos. Cometida tão
abominável ação, Rômulo foi de opinião que deviam ser cas
tigados seus autores; mas Tácio deixava-os soltos e não os
perseguia, sendo êste o único motivo conhecido de dissenção
que houve entre êles, pois em tudo o mais concordavam sempre.
Entretanto, os parentes dos que haviam sido assassinados, sem
esperanças de que se fizesse justiça por causa de Tácio, encon
trando-o em Lavínio, no momento de um sacrifício, mataram-
-no; e a Rômulo louvaram, chamando-o de homem justo. Tra
tou êste de que se transladasse o cadáver de Tácio e que lhe
dessem sepultura, o qual jaz junto ao chamado Armilústrio
(120), no Aventino; mas não pensou em vingar sua morte, e
alguns historiadores narram que a cidade dos laurentanos, por
temor, entregou os agressores; porém, que Rômulo lhes deu
liberdade, dizendo que morte com morte se compensava; o que
deu motivo para pensar e suspeitar que não havia sido desa
gradável que o tivessem deixado sem colega no mundo. Nem
por isso, quanto aos negócios, se inquietaram os sabinos, mas
uns, por amor a Rômulo, outros por mêdo de seu poder e ainda
outros, olhando-o como divino, todos lhe prestavam homena
gens com admiração e benevolência. Muitos dos estrangeiros
olhavam com veneração a Rômulo; e os mais antigos habitan
tes do Lácio se adiantaram em solicitar sua amizade e aliança.
Mas, a cidade de Fidenas, vizinha de Roma, tomou-a pelas ar
mas, segundo dizem alguns, mandando na frente a cavalaria,
com ordem de romper os gonzos das portas e aparecendo, dêste
modo, ali, quando menos se esperava; mas outros asseguram
que os fidenates foram os primeiros a fazer prisioneiros e de
vastar os arrabaldes de Roma, e que Rômulo, preparando-lhes
ciladas, e fazendo-lhes perder muita gente, tomou a cidade.
Contudo, não a incendiou, ou devastou, porém, tornou-a colô
nia de romanos, fazendo passar para ela dois mil e quinhentos
habitantes nos idos (121)^ de abril.
(120) Chamava-se assim porque nêle se celebrava a purificação
das tropas.
(121) O dia 13.
192 ANTOLOGIA DE VIDAS CÉLEBRES