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CENTRO UNIVERSITÁRIO NOSSA SENHORA DO PATROCÍNIO

FACULDADE DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA

UM OLHAR HISTÓRICO: “INDIANA JONES” E AS VISÕES SOBRE O ORIENTE

Jeferson Lucas Peixoto Macedo*


Prof.ª Fernanda Cobo**

TCC
ITU – SP
2019
UM OLHAR HISTÓRICO: “INDIANA JONES” E AS VISÕES SOBRE O ORIENTE
A historical look: “Indiana Jones” and visions about the East

Jeferson Lucas Peixoto Macedo*


Prof.ª Fernanda Cobo**

RESUMO:

Este artigo trata das representações do mundo oriental pelo mundo ocidental, usando o cinema
como ferramenta de análise, mais especificamente a trilogia “Indiana Jones”, e dá uma breve
contextualização do período de produção das obras audiovisuais e suas implicações nas
representações apresentadas. O presente artigo também trata da aplicação do cinema como
instrumento para o ensino de história em sala de aula seu uso como ferramenta pedagógica
para o aprendizado das reinterpretações sobre o Outro.

DESCRITORES: estudos culturais; cinema; história; Orientalismo; política

ABSTRACT:

This article deals with the representations of the eastern world by the western world, using
cinema as an analysis tool, more specifically the “Indiana Jones” trilogy, and gives a brief
contextualization of the period of production of audiovisual works and its implications on the
presented representations. The present article also deals with the application of cinema as an
instrument for teaching history in the classroom and its use as a pedagogical tool for learning
of reinterpretations about of the Other.

DESCRIPTORS: cultural studies; motion pictures; history; Orientalism; politics

*Estudante do curso de Licenciatura em História do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio


(CEUNSP) – Cruzeiro do Sul. E-mail: je.peixoto99@gmail.com Tel. (011) 98323-4250
**Professora orientadora e docente dos cursos de História e Cinema do Centro Universitário Nossa
Senhora do Patrocínio (CEUNSP) – Cruzeiro do Sul. E-mail Tel.
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INTRODUÇÃO
A representação mais comum do mundo oriental, é de um lugar
exótico, misterioso, místico e que carece de certa “simetria mental” aos olhos dos
ocidentais (SAID, 2007). São nesses aspectos que o Orientalismo, mais
especificamente a obra homônima do professor e ativista palestino Edward Said,
se apoiam para mostrar como são feitas as representações do Oriente.
O orientalismo é um discurso estruturado e baseado nas relações de
poder entre as duas entidades culturais Oriente x Ocidente, que acaba por gerar no
imaginário popular um “Oriente inventado”, produzido segundo visões externas, e
que reproduzem uma imagem do mundo oriental à sua maneira e segundo as suas
interpretações e que nem sempre se justifica no mundo real.
Segundo Said (2007), essas representações do mundo oriental e seus
habitantes, não são mais que instrumentos de dominação, seja ela cultural,
política, social ou economicamente falando, pois como já citado, o Ocidente
produziu o seu próprio mundo oriental, com as suas convicções e certezas.
Dentre os diversos fatores que proporcionam para que essa dominação
cultural ocorra, e que faz com que tais representações sejam feitas, dois se
destacam: a cultura, que tem um papel crucial na formação das visões sobre esse
“Oriente inventado”, e a outra é a mídia, que é o veículo pelo qual essas
representações são exprimidas ao mundo.
É importante evidenciar que um dos grandes protagonistas para o
entendimento do orientalismo é o papel central da cultura, já que, o que buscamos
é compreender o contexto do imperialismo a partir do ponto de vista cultural.
Quando falamos no uso dos estudos culturais para entender o orientalismo, nos
referimos a questão da importância do “choque cultural” entre Ocidente e Oriente,
e como o mundo oriental é representado pelo mundo ocidental. A cultura se insere
nesse contexto pois é a principal disseminadora de certos ideais e visões, ela se
torna o escopo pelo qual olhamos, julgamos e fazemos juízo de valor para as
ações alheias, ajuda a criar a visão e na formação da conduta e na impressão das
pessoas sobre determinado fato, como podemos ver no trecho abaixo de Hall
(1997).

Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de sentido. A


ação social é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto
para os que a observam: não em si mesma, mas em razão dos muitos e
3

variados sistemas de significado que os seres humanos utilizam para


definir o que significam as coisas e para codificar, organizar e regular
sua conduta uns em relação aos outros. Estes sistemas ou códigos de
significado dão sentido às nossas ações. Eles nos permitem interpretar
significativamente as ações alheias. Tomados em seu conjunto, eles
constituem nossas "culturas". (HALL, 1997, p. 16)

Ainda sobre as representações culturais, além de atuar como uma


espécie de “formadora de opinião”, elas também são mediadoras de diversos
outros processos dentro do meio social, como por exemplo, agir como o agente
criador de uma certa imagem sobre determinado povo, nação ou grupo, ou como o
próprio Hall cita em seu texto, a indústria cultural faz parte de uma rede global
que afeta as mais variadas áreas, podendo ser elas políticas, econômicas ou
sociais.

O resultado do mix cultural, ou sincretismo, atravessando velhas


fronteiras, pode não ser a obliteração do velho pelo novo, mas a
criação de algumas alternativas híbridas, sintetizando elementos de
ambas, mas não redutíveis a nenhuma delas - como ocorre
crescentemente nas sociedades multiculturais, culturalmente
diversificadas, criadas pelas grandes migrações decorrentes de
guerras, da miséria e das dificuldades econômicas do final do séc. XX
(HALL, 1997, p. 19)

O embate cultural entre Ocidente x Oriente, é além de tudo, uma


relação de poder, já que nesse contexto a dominação através da cultura traz
consigo interesses econômicos e políticos, e não tem um caráter homogeneizador,
o que acaba acontecendo, é o surgimento de uma “cultura híbrida” nesse processo,
é dessa mesma cultura híbrida que vêm as representações do mundo oriental, seus
costumes e habitantes. Said cita as questões da representação midiática do oriente
em seu livro “Orientalismo”.

Um aspecto do mundo eletrônico pós-moderno é que houve um


reforço dos estereótipos pelos quais o Oriente é visto. A televisão, os
filmes e todos os recursos da mídia têm forçado as informações a se
ajustar em moldes cada vez mais padronizados. (SAID, 2007, p. 58)

O que procuramos aqui é: quais representações do Oriente foram


apresentadas ao mundo ocidental, e o quanto isso influenciou na visão e na
conduta adotada pelos ocidentais sobre o Oriente? Por que, ou com quais fins
essas representações foram apresentadas ao mundo ocidental? E quais
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consequências tais representações do Oriente acarretaram para o mesmo?

As representações citadas acima podem ser encontradas nos vários


meios midiáticos da cultura pop em geral, como por exemplo a literatura, o
cinema e a imprensa, e são um produto das relações de poder estabelecidas por
esse conflito do campo cultural. Nosso trabalho foca no cinema como um desses
veículos reprodutores, atuando como interpretador e depois como disseminador
dessas visões sobre o Oriente.

1. CULTURA E MÍDIA – PRODUTORAS E REPRODUTORAS DE


INTERPRETAÇÕES
Até aqui citamos de forma superficial o que abrange os quesitos da
centralidade da cultura para nossos estudos e do papel da mídia como reprodutora
e propagadora das interpretações sobre o mundo à leste.

No que tange ainda as questões culturais, é importante elencar outros


fatores preponderantes que abrangem nossos estudos, uma delas é a questão
identitária e subjetiva do tema cultural.

Suponhamos que tivéssemos que explicar, através de três imagens a


um jovem e inteligente, recém-vindo de Marte, o que significa “ser
inglês”. Que imagens escolheríamos? Poderíamos, por exemplo,
escolher dois cenários em extremos opostos. O primeiro, poderia
incluir a troca de guardas do Palácio de Buckingham, o Lake District e
as casas do Parlamento. O segundo cenário, as docas, uma algodoaria
em Shipley e o Wembley Stadium. [...]. O primeiro significa (carrega
o sentido de) tradição, a sociedade bem ordenada e estável; a
paisagem evocativa associada à adoração inglesa pela Natureza e aos
poetas ingleses mais famosos - os românticos; a orgulhosa herança do
governo parlamentar, a marca ou quinta-essência do que seja a
Inglaterra que tem se mantido através dos tempos - o Big Ben; e assim
por diante. O segundo cenário - mais moderno, popular,
contemporâneo, instigante, empreendedor: a Grã-Bretanha pós-
Thatcher, encarando o mundo da competição; os triunfos da revolução
industrial sobre os quais foi construída a grandeza da Grã-Bretanha,
valores vitorianos, o trabalho duro e laborioso que construiu a antiga
prosperidade britânica; e, no esporte popular, um testemunho das
"pessoas comuns", a espinha dorsal da nação, e a nação marchando
unida, através das linhas de classe e regionais (raciais e de gênero?) no
estádio de futebol. (HALL, 1997, p. 24)

A partir da exemplificação de Hall (1997), em relação a abordagem


cultural sobre identidade e subjetividade, chegamos a um ponto importante de
nossos estudos. Várias imagens podem ser usadas para identificar um indivíduo
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ou grupo, cada uma dessas imagens pode partir de escopos diferentes e são
criados alguns signos que fazem com que tais imagens remetam a um grupo
específico, no exemplo de Hall (1997) são as imagens usadas para descrever o que
é “ser inglês”, porém, há várias representações do mesmo objeto, o que se altera é
o olhar de quem as apresenta e como as apresentam. O cerne de nossos estudos
para estabelecer uma ligação entre a questão cultural, as representações do mundo
oriental no cinema e suas implicações históricas está fundamentada em dois
principais aspectos: a centralidade da cultura e sua importância como reguladora e
formadora de opinião dos indivíduos (HALL, 1997, p. 39) e a mídia como
criadora, reprodutora e divulgadora de certos discursos, nesse segundo ponto nos
referimos a questão dos conglomerados midiáticos acabarem se tornando parte da
formação cultural dos indivíduos.

A partir da concatenação desses dois elementos temos o que Kellner


(2001) chama de “Cultura da Mídia”, e que é um dos pontos mais importantes dos
nossos estudos. A cultura da mídia não trata apenas de representações, mas sim da
indústria cultural e do próprio elemento “mídia”, agindo e regulando os
indivíduos, ditando o que é bom ou ruim, certo ou errado, belo ou feio. Hall
(1997), diz que a cultura tem esse mesmo poder regulador e sugestivo sobre as
pessoas, juntando as falas de Kellner e Hall, conseguimos o entender a fundo o
significado do termo “Cultura da Mídia”.

Há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens sons e espetáculos


ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de
lazer, modelando opiniões políticas e comportamentos sociais, e
fornecendo o material com que as pessoas forjam sua identidade. O
rádio, a televisão, o cinema e os outros produtos da indústria cultural
fornecem os modelos daquilo que significa ser homem ou mulher,
bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou imponente. (KELLNER,
2001, p. 9)

É importante elucidar aqui, que inserido ao campo da cultura da mídia,


além do que tange aos quesitos ideológicos e mais conceituais das teorias, há
questões muito mais complexas inseridas nesse campo, nisto nos referimos a
temas como política, sociedade e economia. A indústria cultural e a cultura da
mídia têm uma relação de troca mútua com a sociedade no sentido em que um
influencia no outro, direta ou indiretamente. A indústria cultural cria tendências e
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estabelece padrões, a mídia reproduz e dissemina, a sociedade consome, depois,


ocorre um movimento inverso, a sociedade “dita” as suas necessidades à indústria
cultural e o movimento retorna a sociedade. Devido a esses fatores a mídia como
reprodutora da cultura, absorve e reflete diversos olhares no tocante aos campos
como político, econômico, social e ideológico.

Este trabalho foca no cinema como uma das mídias veiculadoras dos
discursos sobre o Oriente, utilizando de três filmes em especifico, sendo esses a
“trilogia clássica” dos filmes Indiana Jones, além dos filmes por si só, a obra será
situada no que tange aos contextos políticos e socioeconômicos do período da sua
produção.

1.1 A DÉCADA DE 1980 NOS EUA, NA POLÍTICA E NA HISTÓRIA.

Até aqui tratamos de assuntos referentes a parte conceitual e teórica de


nossa pesquisa, com esses temas bem elucidados e estruturados vamos a
contextualização da produção dos filmes que serão analisados em nossos estudos.
Como dito anteriormente, essas obras absorvem visões e ideologias da época em
que foram produzidas, nessa parte da seção vamos analisar histórica, política e
socioeconomicamente falando da década de 1980 no EUA e ver as implicações
políticas e econômicas acerca do mundo oriental aos olhos dos EUA.

Os três filmes percorrem a década de 80 como um todo em suas


produções, sendo “Os Caçadores da Arca Perdida” de 1981, “O Templo da
Perdição” de 1984 e “A Última Cruzada” de 1989. Essa mesma década nos EUA é
marcada por diversos fatores, seja por sua cultura de televisão, cinema, moda,
comportamento ou música ser muito lembrada (até com certo saudosismo) ou no
que diz respeito às questões políticas e econômicas.

Se tratando dos aspectos referentes aos EUA econômica e


politicamente falando, foi um período de “reestruturação”, já que esse mesmo
EUA vinha de sucessórias crises desde a década de 1970, a invasão do
Afeganistão pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, a
Revolução Iraniana, as crises do petróleo causadas pelo embargo do produto por
parte dos países árabes durante toda a década de 70, a derrota na Guerra do Vietnã
e a oposição da opinião pública sobre a mesma e os movimentos de contracultura
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crescentes dentro dos EUA são alguns fatores preponderantes para que a
influência norte-americana tanto na política e economia mundial, quanto na
própria administração interna fosse sendo minada e enfraquecida durante toda a
década de 70 e começo da década de 80 (CORTEZ, 2015). Outro agravante, dessa
vez no quesito econômico interno dos EUA era a alta inflação devido as crises já
citadas anteriormente, principalmente os embargos em cima dos barris de petróleo
por parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP.

Uma das respostas à essa série de crises, foi a eleição de Ronald


Reagan em 1981 e sua reeleição em 1984. Reagan representava a resposta da ala
conservadora do Partido Republicano às sucessivas crises e derrocadas pelas quais
passaram os EUA durante toda a década de 70. Reagan assume em 1981,
propondo diversas reformas econômicas, todas na tentativa de abaixar a recessão,
diminuir a taxa de inflação e o índice de desemprego, com uma clara ruptura ao
modelo keynesiano, Reagan adota uma agenda econômica e política muito mais
liberal, com uma menor presença do Estado na economia e a maior redução dos
impostos na história dos EUA (Cortez, 2015, p. 9).
No tocante à política externa norte-americana, o governo de Reagan é
marcado por uma certa agressividade nesse quesito, com os já citados embargos
do petróleo, revolução Iraniana e invasão do Afeganistão, há um certo
“acuamento” dos EUA na política externa num primeiro momento, para
posteriormente uma volta agressiva (principalmente no que diz respeito a URSS),
justificativas que comprovam essa afirmação é o investimento massivo do gasto
público na produção de armas e o programa “Star Wars”. Um ponto interessante a
se destacar aqui é que mesmo com os EUA frágil economicamente falando, é que
apesar do déficit, paradoxalmente, Reagan continuava a investir grande parte do
dinheiro público quase que exclusivamente no setor de defesa (Cortez, 2015, p.
40) marcando assim uma política externa global agressiva e anticomunista.

1.2 CINEMA, CULTURA E REPRESENTAÇÕES DO ORIENTE NA


DÉCADA DE 80.

Até aqui citamos quase que estritamente os contextos políticos e


econômicas da década de 80 nos EUA. Se no mesmo período desviarmos um
pouco o foco para os textos da mídia e unirmos as questões políticas e de
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representações midiáticas já citadas nesse artigo, conseguimos perceber a cultura


da mídia e as questões orientais. É importante elencar alguns eventos envolvendo
os EUA e o Oriente e que são importantes nesse quesito para o entendimento de
questões que tangem o mundo real e que acabam por terem seu reflexo em meio
as produções midiáticas.
Os reflexos desses ocorridos podem ser lidos e sentidos através dos
textos da mídia e da estetização em forma de audiovisual das relações de poder
estabelecidas pela cultura e transformadas em imagens que posteriormente são
disseminadas pela indústria cultural por meio de filmes e televisão. Kellner (2001)
usa da série de filmes Rambo, para apresentar diversas características e reflexos
do governo Reagan e do contexto da década de 80 que estão presentes dentro da
obra midiática. O mesmo pode ser percebido quando nos referimos aos
acontecimentos envolvendo países orientais e os EUA, e que posteriormente se
refletiram através da cultura da mídia dentro de obras cinematográficas ou
televisivas norte-americanas.
As representações do povo árabe dentro de Hollywood e da televisão
norte-americana vem desde pelo menos a década de 1950. Há filmes e cartoons
que mostram o “mundo árabe” como exótico, misterioso, erótico e místico, o que
ocorre na verdade é uma metamorfose de representações através das décadas os
textos da mídia a respeito do povo árabe vão se modificando e se tornando cada
vez mais agressivos, conforme o contexto político e econômico vai se alterando.
Os personagens árabes retratados na mídia vão passando de meros bufões que
serviam de alívio cômico e vão se tornando os vilões terroristas sanguinários,
alguns exemplos são “Ali Baba the Mad Dog of Desert” (Cartoon), “Rollover”
(1981), “Cast a Giant Shadow” (1966), “Sanson Against the Sheik” (1962),
“Network” (1970).
Os embargos do petróleo por parte da OPEP (que serviram de
represália aos EUA pelo apoio à Israel na Guerra Yon Kippur e na Guerra dos
Seis Dias) e a Revolução Iraniana, são alguns dos acontecidos que já contribuem
para a criação de uma inimizade prévia dos interesses econômicos e políticos
norte-americanos para com os países do bloco oriental árabe, esses eventos são
parte contribuinte da metamorfose pela qual as reinterpretações do povo árabe vão
passando ao longo das décadas, e deixando de ser o alívio cómico e acabar se
tornando os vilões.
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Antes de entrarmos de fato na análise dos filmes propostos é


importante fazer uma ressalva sobre alguns fatores. Nos exemplos usados acima
as representações citam apenas o povo árabe, porém, veremos na análise dos
filmes que outros povos do mundo oriental também fizeram parte da rede da
cultura da mídia e se tornaram representações no mundo ocidental.

2. ANÁLISE DO FILME “INDIANA JONES E OS CAÇADORES DA


ARCA PERDIDA (1981)”
Toda a primeira sequência do filme nos apresenta o herói da trama, e
ela logo nos revela que o protagonista Indiana Jones, é um aventureiro,
destemido, inteligente e também um “guerreiro”, muito fora dos estereótipos do
arqueólogo comum.

Figura 1 – Indiana Jones na primeira sequência do filme coletando uma relíquia


de um antigo templo no Peru

Fonte: Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (printscreen)

Kellner (2001), cita em seu capítulo sobre Rambo, que as produções


midiáticas da década de 80 como um todo são repletas desses heróis
individualistas e que eles representam o ideal conservador reaganista do contexto
da produção dos filmes.

Essa análise sugere que o reaganismo deve ser visto como um


conservadorismo revolucionário com forte componente de populismo,
individualismo e ativismo conservador radical, o que se ajusta
perfeitamente com Guerra nas estrelas, Indiana Jones, Superman,
Conan e outros filmes e séries de televisão que utilizam heróis
individualistas hostis ao Estado e verdadeiros repositórios de valores
conservadores. (KELLNER, 2001, p. 91)

Após uma fuga heroica por parte de Indiana, e uma conversa com dois
agentes da inteligência do exército que procuram pelo antigo mentor de “Indy”
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(apelido pelo qual o protagonista é chamado pelos seus amigos), o mesmo viaja
até o Nepal, lá é que a trama do filme começa de fato e o título se justifica. Aqui
somos introduzidos ao “mundo oriental” da obra, após cenas de ação a trama se
desenvolve e Indiana Jones descobre que o Partido Nazista tem planos de
encontrar a Arca da Aliança e tornar o exército Nazista invencível. Apresentado
um breve plano geral da trama do filme é importante evidenciar alguns pontos:
como já citado neste artigo, o mundo oriental é geralmente representado como a
morada do místico e misterioso e na obra analisada uma das formas de justificar
esse fator é a relíquia procurada por ambos (tanto protagonistas, quanto
antagonistas) estar em algum lugar do Oriente, no caso do filme em Tânis no
Egito. Além disso é também importante expor como são feitas as representações
dos habitantes daquele local e como todos são de certa forma personagens muito
caricatos e que acabam servindo de alívio cômico ao longo do filme.

Figura 2 – Indiana Jones atira em um homem oriental com uma cimitarra após ele
fazer uma encenação com a espada.

Fonte: Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (printscreen)

Além de muitas vezes serem representados como “bufões”, o oriental,


neste caso mais especificamente o árabe, também costuma ser representado como
mesquinho, ganancioso e com uma malícia inerente. Nas cenas do filme, muitas
vezes a impressão que temos é que todos estão sempre armados, pois a violência é
única linguagem que eles entendem.
O primeiro filme da trilogia se fecha com os Nazistas se “auto
implodindo” com o poder da Arca e os EUA escondendo esse poder do resto do
mundo.
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2.1 ANÁLISE DO FILME “INDIANA JONES E O TEMPLO DA


PERDIÇÃO (1984)”
Antes da análise do filme de fato é importante destacar algumas
informações sobre este segundo filme da trilogia. “Indiana Jones e o Templo da
Perdição” se passa exatamente um ano antes dos acontecimentos do primeiro
filme, e conta uma história pregressa e isolada do arqueólogo. De toda a trilogia
esse é o filme no qual é mais fácil de identificar os estereótipos orientalistas.
O filme se inicia retratando Indiana Jones negociando um artefato
antigo com um Lao Che, um chefe do crime organizado de Xangai. Como no
início da obra anterior, logo tudo vira uma grande cena de ação. Uma questão a
ser destacada sobre esse ponto é que novamente a reflexão de Kellner (2001, p.
91) se encaixa perfeitamente, pois o fato de um arqueólogo vender os artefatos
encontrados por ele, no mercado negro, é um tanto quanto paradoxal e
individualista, o que se encaixa perfeitamente na análise de Kellner sobre os
personagens do cinema da década de 80 e o que eles representam.
Como citado acima, Indiana Jones já começa o filme em um país
oriental, devido a esse fator o filme todo nos apresenta várias das visões
ocidentais acerca do oriente.
Após uma série de acontecimentos, e uma fuga num bote inflável,
“Indy” e mais dois personagens, “Willie Scott” e “Short Round” (ou “Shorty”),
vão para em uma vila afastada no norte da Índia. Quando nos referimos às
questões das representações do oriente, e como já citado, esse filme da trilogia é
onde as representações orientalistas estão mais presentes e também onde são
facilmente identificáveis. Um exemplo é a questão de o oriente ser a “morada” do
exótico e do diferente, fora da “simetria mental” do ocidente.

Figura 3 – É oferecido aos protagonistas um sorvete de cérebro de macaco


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Fonte: Indiana Jones e o Templo da Perdição (printscreen)

Como a imagem acima retrata e exemplifica, temos uma representação


do exótico acerca do gosto dos povos orientais, e não apenas relacionado ao árabe
ou muçulmano, mas também (no caso da obra analisada) do povo indiano, outras
questões já citadas nesse artigo também aparecem como oriente sendo o lugar do
“místico” e “misterioso”, dentro desse mesmo contexto na obra são apresentadas
também as representações acerca da questão religiosa oriental, o culto “Tugue” no
filme apresentado como uma seita que fazia sacrifícios humanos.

Figura 4 – O culto “Tugue”

Fonte: Indiana Jones e o Templo da Perdição (printscreen)

O que se pode pensar acerca das representações das religiões orientais


é que através do que é apresentado pelo filme é que o “exotismo” do oriental
transcende a simetria ocidental, a impressão passada através dessa representação
religiosa é de um povo bárbaro e “maligno”. Porém a mesma não tem apoio na
realidade, e acaba servindo de instrumento de generalização e que gera uma visão
simplista e preconceituosa da Índia, do hindu e hinduísmo. Outro fator importante
a ser destacado é que na obra temos a representação do hindu, porém, em um
cenário geral, as religiões e culturas vindas do leste, tem uma representação
problemática, como exemplo, o Islã que na grande maioria das vezes é transmitido
ao ocidente como uma religião de fanáticos e intolerantes (SAID, 2005, p. 25).
Finalizando a análise do segundo filme além das implicações já
comentadas nesta seção, ainda há uma representação do imperialismo, e que
segundo Said (2005, p. 56), o Orientalismo existe para justificar as dominações
culturais, o interesse político e econômico e a exploração dos países orientais
pelos países europeus.
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A cena a que nos referimos do filme, é a em que o personagem


Capitão Philip Blumburtt, do Exército da Índia Britânica, aparece no final e acaba
por salvar o protagonista.
Figura 5 – O capitão Philip Blumburtt, chega com o Exército da Índia Britânica

Fonte: Indiana Jones e o Templo da Perdição (printscreen)

A leitura de que sem a presença dos ocidentais, tanto Indiana Jones,


quanto o capitão Philip, os problemas dos orientais não seriam resolvidos, tem um
caráter imperialista e reafirma as discussões propostas principalmente por Said, e
o individualismo relacionado ao período de Reagan proposto por Kellner.

2.2 ANÁLISE DO FILME “INDIANA JONES E A ÚLTIMA CRUZADA


(1989)”

O último filme da trilogia se inicia com um flashback de “Indy” e


mostrando como o mesmo descobriu sobre a existência da “cruz de coronado”, e
como ele mesmo a conseguiu e a perdeu, com uma transição, o filme avança para
o presente, é interessante como todos os três filmes se iniciam com uma certa
calmaria e depois uma ação alucinante. Mais uma vez, após a transição para o
Jones do presente, descobrimos que ele foi atrás da relíquia que havia perdido
quando jovem. Mais uma vez o individualismo e espirito conservador citado por
Kellner aparece aqui, é interessante como dentro de toda a trilogia estas mesmas
características estão presentes.
Novamente no filme temos os nazistas como vilões, e a relíquia
procurada dessa vez é o Santo Graal, que supostamente foi o cálice da Última
Ceia de Jesus e também onde seu sangue foi colocado após a sua morte.
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Figura 6 – Templo onde na história do filme está localizado o Santo Graal

Fonte: Indiana Jones e a Última Cruzada (printscreen)

Mais uma vez temos num tema amplo o Oriente retratado como a
morada de tudo aquilo que é “mágico” e “místico”, como na imagem acima temos
o templo onde está guardado o Santo Graal.
Outra das representações comuns e que é reafirmada nesse filme são
as representações acerca do indivíduo árabe, geralmente mostrado como
ganancioso e mesquinho e dentro deste terceiro filme essa lógica ainda aparece,
quando um dos antagonistas precisa de reforços militares e fala com um Sheik
local para consegui-los.

Figura 7 – Um dos antagonistas do filme convence um sheik local a lhe dar apoio
militar

Fonte: Indiana Jones e a Última Cruzada (printscreen)

Antes de finalizarmos a análise do último filme da trilogia, é


importante salientar um efeito muito interessante dentro dos três filmes e que
estão ligados ao contexto histórico-político da produção dos filmes que já foi
apresentada. O último filme da trilogia é lançado em 1989, Reagan já não era mais
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o presidente, quem assume em 20 de janeiro de 1989 é George H. W. Bush. O


mais curioso é que os filmes parecem seguir e refletir um movimento da vida real,
quando as políticas externas norte-americanas estavam mais agressivas, o
primeiro e segundo filme, parecem apelar mais no que tange as representações do
mundo oriental, já no último filme com o fim da década de 80, final do governo
Reagan, e cada vez mais o enfraquecimento do espírito de guerra fria, as
representações mais agressivas do oriente parecem também diminuir.

3. APLICAÇÃO DO CINEMA NO ENSINO DE HISTÓRIA NA SALA DE


AULA

Dentro dessa seção discutiremos o uso e aplicação do tema e de suas


metodologias em sala de aula, para isso usaremos alguns aspectos importantes
para que essa discussão seja feita.
Um dos aspectos a serem discutidos e que é de extrema importância
para a aplicação dos assuntos discutidos dentro de nosso trabalho na sala de aula é
a utilização do cinema não só como ferramenta de apoio ao professor, mas sim
como um material e fonte primária de informação. Segundo Napolitano (2005, p.
236), o cinema é visto por muitos historiadores como um mero elemento
ilustrativo que tem um caráter altamente documental e de testemunho, porém, a
fonte audiovisual (no nosso caso o cinema), deve ser interpretada dentro de seus
próprios códigos de linguagem, o que mais importa é qual a “carga histórica”
presente naquela obra, ou quais aspectos sociais e do contexto de produção aquela
obra contém.
A primeira decodificação é de natureza técnico-estética: quais os
mecanismos formais específicos mobilizados pela linguagem
cinematográfica, televisual ou musical? A segunda decodificação é de
natureza representacional: quais os eventos, personagens e processos
históricos nela representados? Na prática, essas duas decodificações
não são feitas em momentos distintos, mas à medida que analisamos a
escritura específica do material audiovisual ou musical, suas formas
de representação da realidade vão tornando-se mais nítidas,
desvelando os "fatos" social e histórico nela encenados direta ou
indiretamente. (NAPOLITANO, 2005, p. 238)

E é nesse caráter que essa seção do artigo se apoia, na utilização do


cinema como um material primário, que não seja apenas uma ferramenta
ilustrativa, mas sim, uma fonte primária de conhecimento para os alunos, a partir
do ponto em que toda obra da mídia tem intrinsecamente, um contexto de
produção ou realidade social, da época em que foi produzido. Outra questão que
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esse artigo tem como objetivo é a apresentação do tema “Oriente” e suas


representações dentro da sala de aula, já que o tema oriental é pouco contemplado
nas grades de ensino, e também mostrar como as representações da mídia
impactaram diretamente na vida dos alunos e quais as visões que estes tem acerca
do tema oriental, concatenando isso as questões do cinema como uma ferramenta
de representação do Outro, e suas implicações históricas, sociais, políticas e
econômicas.
Nosso objetivo dentro da sala de aula é que o aluno compreenda que
assistindo a um filme, o mesmo também é uma fonte de conhecimento histórico e
que esse não é uma ilustração clara e literal da história, mas sim que contém
fragmentos presos a realidade, e que refletem certos contextos.
Num âmbito geral a proposta de ensino se apoia principalmente em
analisar as visões dos alunos acerca do tema “Oriente”, porém pode-se expandir-
se este leque, e englobar, as representações do Outro num panorama geral, no
sentido em que, o que a mídia diz sobre este ou aquele grupo? Quais suas
implicações históricas? Quais as finalidades desse discurso da mídia?
Pode-se dizer que de maneira geral, o objetivo dessa seção e desse
artigo é a contribuição para a criação de um senso mais crítico acerca dos
discursos veiculados pela mídia e os impactos que esses mesmos discursos têm
sobre a vida dos indivíduos, agindo como um criador de visões e convicções.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo se preocupou em mostrar de que mais do que apenas


entretenimento e arte, o cinema pode ser usado como uma ferramenta de análise
histórica acerca de diversos temas, no nosso caso o Orientalismo.
É importante frisar que com o passar das décadas e com a eclosão de
outros diversos conflitos e eventos envolvendo os países orientais, fez com que a
situação acerca das representações do Oriente e seus habitantes se agravassem
mais, principalmente pós 11 de setembro, que é quando, o árabe principalmente,
deixa de ser apresentado como apenas o bufão para alívio cômico e as
representações desse mesmo individuo como ameaça a ser destruída se
intensificam.
17

Este artigo também elucidou como a indústria cultural e o “texto da


mídia” trabalham, e principalmente na questão da centralidade da cultura que
junto à ascensão da importância da televisão, do cinema e do rádio na vida
cotidiana dos indivíduos gerou a “Cultura da Mídia”, que age como uma
ferramenta reguladora e ao mesmo tempo criadora das opiniões e certezas dos
indivíduos.
São nesses aspectos que esse artigo se apoiou para sugerir uma
aplicação do cinema em sala de aula como ferramenta provocativa para a criação
de um senso crítico sobre a mídia e seus discursos.

Desejo concluir insistindo neste ponto: os terríveis conflitos


reducionistas que agrupam as pessoas sob rubricas falsamente
unificadoras como “América”, “Ocidente” ou “Islã”, inventando
identidades coletivas para multidões de indivíduos que na realidade
são muito diferentes uns dos outros, não podem continuar tendo a
força que têm e devem ser combatidos sua eficácia assassina precisa
ser radicalmente reduzida tanto em eficácia quanto em pode
mobilizador. (SAID, 2005, p. 25)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CORTEZ, A.C.; CUNHA, P. H. F.; CARVALHO, C. E. F. “O período de 1981 a


1985 do governo Reagan e o processo de consolidação dos EUA como principal
potência mundial”. In XI Congresso Brasileiro de História Econômica,
ABPHE. In: Congresso Brasileiro de História Econômica, v. 1, p. 1-1, 2015.

CORTEZ, A.C.; LOBO, C. E. R. “O programa 'Guerra nas Estrelas' e o governo


Reagan”. In CADUS. REVISTA DE ESTUDOS DE POLITICA, HISTÓRIA
E CULTURA, v. 1, p. 39-50, 2015.

HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do


nosso tempo. In Educação & Realidade. Porto Alegre, nº22, vol. 2. Pp 15-46,
1997.
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. (Tradução de Ivone Castilho
Benedetti). Bauru: EDUSC, 2001.

NAPOLITANO, Marcos. “Fontes Audiovisuais: A história depois do papel”. In


PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes Históricas. Pp 235-289, São Paulo:
Contexto, 2005.
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SAID, Edward. Cultura e imperialismo. (Tradução de Denise Bottmann). São


Paulo: Companhia das Letras, 2011.

SAID, Edward. Orientalismo. (Tradução de Rosaura Eichenberg). São Paulo:


Companhia das Letras, 2007.

FILMES

INDIANA Jones e Os Caçadores da Arca Perdida. Direção de Steven Spielberg.


Los Angeles: Paramount Pictures, 1981. 1 DVD (115 min), son., color.

INDIANA Jones e O Templo da Perdição. Direção de Steven Spielberg. Los


Angeles: Paramount Pictures, 1984. 1 DVD (118 min), son., color.

INDIANA Jones e A Última Cruzada. Direção de Steven Spielberg. Los Angeles:


Paramount Pictures, 1989. 1 DVD (127 min), son., color.

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