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A IDADE DO LIBERALISMO
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reduzido a seu aspecto econômico, que deve ser recolocado
pdo falo de rião com portar instituições. Se não existe um numa perspectiva rriaísatnplae que nada mais é do que um
orguuisrno internacional, nem por isso deixa de haver intercâm- ponto de aplicação de um sistema completo que engloba
bio e relações; assim, os soldados, que tornam a ser disponí- todos os aspectos da vida na sociedade, e que julga ter res-
veis pelo retorno da paz em 1815, vão combater, sob bandeiras posta para todos os problemas colocados pela existência cole-
liberais,' contra o Antigo Regime. Quando o exército francês tiva.
ultrapassa os Pirineus, ~m, 18~3, para levar ajuda ao rei Fer- O liberalismo é também uma filosofia política inteiramente
nando VII contra seus suditos revoltados, ele se choca, na orientada para a idéia de liberdade, de acordo com a qual a
fronteira, com um punhado de compatriotas liberais, que des- sociedade política deve basear-se na liberdade e encontrar sua
fraldam a bandeira tricolor. Essa internacional dos liberais 1 justificativa na consagração da mesma. Não existe sociedade
manifestou-se em favor das revoluções da América Latina e viável - e, com muito mais razão, legítima - senão a que
do movimento filoheleno na Crécía, contra os turcos. Em inscreve no frontispício de suas instituições o reconhecimento
1830-1831, Luís Napoleão - o futuro imperador - combate de sua liberdade. No plano dos regimes e do funcionamento
ao lado dos carbonários nas Românias, onde seu irmão é morto. das instituições, essa primazia comporta conseqüências cuja
, Esse internacionalismo liberal é o precursor do interna- 'extensão iremos estudar.
\ cionalismo socialista, mas é também o herdeiro do cosrnopoli- Trata-se também de uma filosofia social individualista,
tismo intelectual do século XVIII. A diferença está em que na medida em que coloca o indivídu'o à frente da razão de
I
• no século XVIII o cosmopolitismo encontra-se entre os
; príncipes, os salões, a aristocracia, enquanto no século XIX \',
Estado, dos interesses de grupo, das exigências da coletivi-
dade; o liberalismo 'hão conhece nem sequer os grupos
, ele conquista as camadas sociais mais populares, e encontra-se sociais, .e basta lembrar a hostilidade da Revolução no que
..entre os soldados, os revoltosos. dizia respeito às organizações, às ordens, a desconfiança que
Para estudar o movimento liberal, é bom destacar duas . .lhe inspirava o fenômeno da associação, sua repugnância para
I.abor~.~ns distintas: uma ideológLca, ligada às idéias, e outra reconhecer a liberdade de associação, de medo que o indivíduo,
\ iociológica, que considera as camadas sociais, propondo duas fosse absorvido, escravizado pelos grupos. .
interpretações bastante diferentes do mesmo fenômeno, mas, Trata-se ainda de uma filosofia da história, de acordo com
sem dúvida, mais complementares do que contraditórias. a qual a história é feita, 1lª9.p_elasforças coletivas, mas pelos
indivíduos. '.....
Trata-se, enfim - e é nisso que o liberalismo mais merece
1. A IDEOLOGIA LIBERAL o nome de filosofia - de certa filosofia do conhecimento e
da verdade. Em reação contra o método da autoridade, o
Tomemos primeiro o caminho mais intelectual, o que pri- liberalismo acredita na descoberta progressiva da verdade pela
vilegia as idéias, examina os princípios, estuda os programas. razão individual. Fundamentalmente racionalista, ele .se opõe
Esta é a interpretação do liberalismo geralmente proposta
pelos próprios liberais; é também a mais lisonjeira. É este o
aspecto que se impõe sob a pena dos contemporâneos, a
'\
\> ao jugo da autoridade, ao respeito cego pelo passado, ao
império do preconceito, assim como aos impulsos do instinto.
O espírito deverá procurar por si mesmo a verdade, sem cons-
ideologia do liberalismo tal qual é expressa nas obras de file- trangimento, e é do confronto dos pontos de vista que deve
sofia política de Benjamin Constant, na tribuna das assem- ,surgir, pouco a pouco, uma verdade comum. A esse respeito,
bléias parlamentares, na imprensa, nos panfletos. , o parlamentarismo não passa de uma tradução, no plano polí- .
ticó, dessa confiança na força do diálogo. As assembléias'
A FILOSOFIA LIBERAL representativas fornecem um quadro a essa busca comum de
lima verdade média, aceitável por todos, Pode-se entrever as
o liberalismo é, primeiramente, uma filosofia global. In- conseqüências C] ue essa filosofia do conhecimento implica:
:iÍslo IH'sse ponto porque muitas vezes, hoje, ele costuma ser
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ti 1'('Jt:d~u() elos dogmas impostos pelas igrejas, a afirmação do \\ O poder deve ser dividido igualmente em 6rgãos de forças
rolutlvisrno da verdade, a tolerância. iguais, porque o equilíbrio dos poderes não é menos impor-
Assim definido, o liberalismo surge como uma filosofia tante que sua separação. Se desiguais, haveria grande risco
global, ao lado do pensamento contra-revolucionário ou dó de ver o mais poderoso absorver os outros, enquanto que,
marxismo, como uma resposta a todos os problemas que se iguais, eles se neutralizam.
podem colocar, na sociedade, a respeito da liberdade, das Declarado ou oculto, o ideal do liberalismo é sempre o
relações com os outros, de sua relação com a verdade. Trata-se \ poder mais fraco possível, e alguns não dissimulam que o
de um grave erro ver o liberalismo apenas em suas aplicações , melhor governo, de acordo com eles, é o governo invisível,
na produção, no trabalho, nas relações entre produtor e con- \ aquele cuja ação não se faz sentir.
sumidor, A descentralização é outro meio de limitar o poder. Cui-
dar-se-á de transferir do centro para a periferia, e do ponto
mais alto para escalões intermediários, boa parte das atribui-
As CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS l<: POLÍTICAS ções que o poder central tende a reservar para si.
Semelhante filosofia provoca um leque de conseqüências , Outro modo ainda de restringir o poder é limitar seu
práticas. É de seus postulados fundamentais que se origina ,!campo de atividade e, assim, fica explica da a doutrina da
a luta dos liberais, no século XIX, contra a ordem estabelecida, ~\ 'não-intervenção em matéria' econômica.ia. social. O Estado
contra toda autoridade, a começar pela do Estado, pois o ~ deve deixar que'~' i~iC1.atlvaprrvada, individüãl ou coletiva,
liberalismo é uma filosofia política. e a concorrência trabalhem livremente. Esta é a chamada con-
cepção do Estado-policial (a imagem,atualmente, pode ser
O liberalismo desconfia profundamente do Estado e do '
eqll!YC:>S:~Jpela confusão que se pode fazer com policia). uma
poder, e todo liberal subscreve a afirmação de que o poder é
polícia que não intervém senão em caso de flagrante delito,
mau em si, de que seu uso é pernicioso e de que, se for preciso
digamos de um Estado-guarda-campestre,
acomodar-se a ele, também será preciso reduzi-lo tanto quanto
possível. O liberalismo, portanto, rejeita sem reserva todo po- Última precaução - talvez a mais importante - o agen-
der absoluto e, no início do século XIX, quando a monarquia ciamento do poder deve ser definido por regras de direito
. absoluta era a forma ordinária do poder, é contra essa monar- " consignadas nos textos escritos e cujo respeito será controlado
quia que ele combate. No século XX, o combate liberal' ~~. por jurisdições, sendo as infrações deferidas a tribunais e san-
cionadas. Este é um dos papéis do parlamentarismo: exercer
passará facilmente da luta contra o Antigo Regime para a.
controle sobre o funcionamento regular do poder. A Grã-Bre-'
luta contra os regimes totalitários, contra as ditaduras, mas
tanha é o país que melhor soube traduzir essa filosofia e esses
I também contra a autoridade popular. O liberal recusa-se a
escolher entre Luís XIV e Napolêão.' ideais em suas instituições e na prática.
\ Para evitar a volta ao absolutismo, a uma autoridade sem \ . r Desconfiança em relação ao Estado, desconfiança do po-
limites, o liberalismo propõe toda uma gama de f6rmulas' der, desconfiança não menor em relação às corporações e gru-
.Jnstitucionaís. O poder deve ser limitado, e como limitá-l o pos, a tudo ° que ameaça sufocar a iniciativa individual.
melhor do que fracionando-o, isto é, aplicando o princípio da O liberalismo leva naturalmente à emancipação de todos os
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membros da família, e o feminismo, que libertará a mulher da
[ separação dos poderes, que surge, nessa perspectiva, como uma
regra fundamental? A tal ponto que a Declaração dos Direitos , tutela do marido, é um prolongamento do liberalismo, acarre-
do Homem e do Cidadão diz, explicitamente, que uma socie- tando habitualmente a vit6ria das maiorias liberais a adoção
dade que não repousa sobre o princípio da separação dos do div6rcio. Para evitar que a profissão não reconstitua uma
poderes não é uma sociedade ordenada. A separação dos: tutela, corporações e sindicatos serão proibidos. O liberalismo
poderes não é uma simples f6rmula técnica e pragmática; também é contra as autoridades tanto intelectuais quanto, espiri-
pura () liberalismo ela surge como um princípio primordial, .. tuais, Igrejas, religiões de Estado, dogmas impostos e, mesmo
pois (! lima garantia do indivíduo face ao absolutismo. ". existindo um liberalismo católico, o liberalismo é anticlerical.
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Fazendo-se um balanço de suas conseqüências e de suas
aplicações, o liberalismo surge, no século XIX, como uma dou- Se, com o apoio dessa afirmação, fizermos intervir a geo-
trina subversiva. E, de fato, trata-se de uma força propriamente grafia e a sociologia do liberalisrno, constataremos que os países
revolucionária, cuja vida implica na rejeição das autoridades, em que o liberalismo aparece, em· que as teorias liberais en-
na condenação de todas as instituiçôes que sobreviveram à contraram maior simpatia, onde se desenvolveram os movi-
tormenta revolucionária ou que foram restabelecidas pela mentos liberais, são aqueles onde já existe uma burguesia im-
Restauração, e que traz em si a destruição da antiga ordem. gor.tante.
Trata-se de um sucedâneo da fé, de uma forma de religião Prolongando a análise geográfica por um exame socioló-
para todos os que desertaram das religiões tradicionais, de 'um gico, constata-se igualmente que a categoria social - e o
ideal que tem seus profetas, seus apóstolos, seus mártires. vocabulário. é revelador a esse respeito - na qual o liberalismo
,'Religião da liberdade, o liberalismo pode ter sido, por muito recrüfa essencialmente seus doutrinadores, seus advogados,
. tempo, pelo menos na primeira metade do século, uma causa seus adeptos, é o das profissões liberais e o da burguesia
.:.\ que merecia, eventualmente, o sacrifício da própria vida. comerciante.
? O liberalismo inspira então as revoluções, levanta barricadas,
enquanto milhares de homens se deixam matar pela idéia li- --'-A conclusão é fácil de se adivinhar: o liberalismo é a'\
. beral. . expressão, isto é, o álibi,v:nál'cara dos interesses de uma classe ..
Idéia subversiva, fermento revolucionário, causa digna de É muito íntima a concordância entre ãs--apiicaçoesêIa doutrina
todos os devotamentos e de todas as generosidades, tal é a liberal e os interesses vitais da burguesia.
interpretação que nos propõe um estudo ao nível das idéias. Quem, então, tira maior partido, na França ou na Grã-
A abordagem ideológica leva à conclusão de que o liberalismo -Bretanha, do livre jogo da iniciativa política ou econômica,
suscitou, exaltou, entre os europeus, os sentimentos mais no- senão f! classe social mais instruída e mais rica? A burguesia
bres, as -virtudes mais elevadas. Essa abordagem propõe uma fez a Revolução e a Revolução entregou-lhe o poder; ela pre-
visão idealista do liberalismo. tende conservá-lo, contra a volta de uma aristocracia e contra. .'
I~a ascensão das camadas populares. A burguesia reserva para
Iisi o poder político pelo censo eleitoral, Ela controla o acesso
2. A SOCIOLOGIA DO LIBERALISMO a todos os cargos públicos e administrativos. Desse modo, a
aplicação do liberalismo tende a manter a desigualdade social. .
Completamente diversa é a visão que se obtém com uma A visão idealista insistia no aspecto subversivo, revolu-
abordagem sociológica, que, em lugar de examinar os princí- cionário, na importância explosiva dos princípios, mas, na prá-
pios, considera os atores e as forças sociais. tica, esses princípios sempre foram aplicados dentro de limites
restritos. A interdição, por exemplo, dos agrupamentos tem
efeitos desiguais, quando aplicada aos patrões ou a seus em-
O LlI3IêRALISMO, EXPRESSÃO (.,
pregados. A interdição de estabelecer as corporações não chega
OOS INTERESSES DA BURGUESIA li.
a prejudicar os patrões, nem os impede de se concertarem
A visão sociológica é relativamente recente, nitidamente I oficiosamente. É-Ihes mais fácil contornar as disposições da
posterior aos acontecimentos, e opõe-se ao idealismo da inter- lei do que o é para os empregados. De resto, mesmo se os
pretação anterior. Dando ênfase aos condicionamentos sócio- j patrões respeitassem a interdição, isso não chegaria a afetar
-cconômicos, às decisões ~i.tª-çl~_s.-'p-el.9_~interesSes,'es-s'ã-abor'dà- ! seus interesses, enquanto que os assalariados, por não poderem
g(:1ll corrige nossaTnierpretacão histórica e sugere que o se agrupar, são obrigados a aceitar sem discussões o que lhes
llhcralismo é, pelo menos enquanto filosofia, a expressã()d~ é imposto pelos empregadores. Assim, sob uma enganosa
11111 grlljlo social, a doutrina que melhor serve aos interesses de aparência de igualdade, a proibição das associações faz o jogo
uruu ('lasse.· ... . dos patrões. Do mesmo modo, no campo, entre o proprietário
que tem bens suficientes para subsistir e o que' nada tem, e
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111\11 pode viver senão do trabalho de seus braços, a lei é O LIBERALISMO NÃO SE REDUZ
doslgunl. A liberdade de cercar os campos não vale senão À EXPRESSÃO DE UMA CLASSE
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lista: é a doutrina de uma sociedade burguesa, que impõe seus por convicção e,' e,m,parte, por generosidade. As ideologias
interesses, seus valores, suas crenças. não são uma simples camuflagem das posições sociais.
Essa assimilação do liberalismo com a burguesia não é I '.É raro que- as -opções sejam tão nítidas, porque, na prática,
contestável e a abordagem sociológica tem o grande mérito i , os homens são ao mesmo tempo menos conscientes de seus
de lembrar, ao lado de uma visão idealizada, a existência de ,~i reais interesses e menos cínicos. Se de fato o liberalismo
aspectos importantes da realidade, que mostra o avesso do se reduzia à defesa de interesses materiais, como explicar
liberalismo e revela que ele é também uma doutrina de con- que tantas pessoas tenham concordado em perder a vida por
servação política e social. __
o -- •• - ------ ele? Seu interesse primordial não era conservar a vida? A in-
terpretação sociológica não presta conta desses mártires da
Força subversiva da oposição ao Antigo Regime, ao abso- , liberdade.
lutismo, à autoridade, ele tem também uma tendência con- "- .É um falso dilema contrapor princípios e interesses. Eles
servadora. O liberalismo tomará todo o cuidado para não
podem caminhar no mesmo sentido sem que, por isso, os
entregar ao povo o poder de que o povo privou o monarca. interesses sufoquem os princípios, Na primeira metade do
Ele reserva esse poder para uma elite, porque a soberania
século XIX, a contradição - na qual, depois, muitas filosofias
nacional, de que os liberais fazem alarde, não é a soberania \ insistiram - entre os princípios e os interesses não é tão ma.
popular, e o liberalismo não é a democracia; tornamos a en- nifesta, nem tão chocante.
contrar, numaperspeciivâ que agora a esclarece de modo deci-
O termo de comparação que. se impõ~ aos contempºrâneÇls
sivo, essa distinção capital, esse confronto entre liberalismo e .nâo é a demccracía doséculo XX, mas o A~Kegr:me. Eles,
democracia, que dominou toda uma metade do século XIX. . 'portiiltO~ são mais sen~í~eisaõ progresso consegwao do que
Enquanto o liberalismo se encontra na oposição, enquanto às restrições do liberalismo; eles dão menos importância às
ele tem de lutar contra as forças do Antigo Regime, contra limitações na aplicação dos princípios do que à enorme revo-
a monarquia, os ultras, os contra-revolucionários, as Igrejas, lução feita. A sociedade é relativamente aberta, dando des-
enfatiza-se seu aspecto subversivo e combativo. Mas basta taque ao talento, à cultura, à inteli@llcjf\; trata-se--ilrteSde
que os liberais subam ao poder para que seu aspecto con- uma burguesia dt,;_umção, aclministrat.t::a, de uma burguesia ge
servador tome a dianteira. Isso pode ser percebido na his- cultura, uniy~rsitªria, do ql.le:_clellma_..Qurguesia do dínlielro.
\ tória interna da França, mais do que em qualquer outro lugar. 0, termo "capacidades" surge com freqüência no vocabiilário
~)o liberalismo, portanto, é uma doutrina ambígua, que com- da época. Assim, sob a Monarquia de Julho, a oposição fará
j. bate alternativamente dois adversários, o passado e O futuro, campanha pela extensão do direito de voto aos "capacitados" .
. o Antigo Regime e a futura democra~ia:~--- -------- ---. -' Entende-se por isso os intelectuais, os quadros administrativos,
os que, não preenchendo as condições de fortuna exigidas para
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1"'I'II'II!'I'r 110 os 200 F do censo eleitoral - pre-
pais legal - 3. AS ETAPAS DA MARCHA DO LInERALISMO
('llth'llI as condições
de orcTem intelectual.
() liberalismo, em seu início, 'atra:' revolução industrial, , O liberalismo transformou a Europa tal qual era em
uiuda não havia desenvolvido as conseqüências sociais que os: 1815 ora graças às reformas - fazendo uso da evolução pro-
crít icos socialistas sublinharam depois. Numa economiaainda gressiva, sem violência -, ora lançando mão da evolução por
trudicíonal, na qual o grande capitalismo se reduz a pouca, meio da mudança revolucionária. Entre esses dois métodos, o
coisa, numa sociedade baseada na propriedade da terra, o' liberalismo, em sua doutrina, não encontra razão para preferir
liberalismo não ..permite nem a corK~I;Ltr<!çã_Q_çlgs)ens nem a um ao outro. Se ele pode evitar a revolução, alegra-se com
exploração do homem pelohomem, A revolução, num primeiro I\ isso. Na verdade isso aconteceu muito raramente.
tempo, mais libertou do que oprimiu. Talvez somente na Inglaterra, nos Países Baixos e nos
países escandinavos é que o liberalismo transformou pouco a
As pouco o regime e a sociedade por meio de reformas. Em todos
DUAS FACES DO LIBERALISMO
r
os outros lugares, acossado pela resistência obstinada dos
Se, portanto, queremos compreender e apreciar o libera- \, ! defensores da ordem estabelecida, que recusava qualquer
lismo, não temos que escolher entre as duas interpretações, -,JI concessão, o liberalismo recorreu ao método revolucionário.
não temos que optar entre o aspecto ideológico e a abordagem JlI É a atitude de Carlos X, em 1830, e a promulgação de orde-
sociológica. Ambos concorrem para definir a originalidade • nanças que violavam o pacto de 1814, que levam os liberais a
do liberalismo e para revelar o que constitui um de seus traços fazer a revolução para derrubar a dinastia. É assim também
essenciais, essa ambigüidade que faz com que o liberalismo que a política obstinada de Metternich levará a Áustria, em
tenha podido ser, alternativamente, revolucionário e conserva- .: 1848, à revolução.
dor, subversivo e conformista. Os mesmos homens passarão
O espírito do século, o clima, a sensibilidade. romântica, o
da oposição para o poder; os mesmos partidos passarão do
combate ao regime à defesa das instituições. Agindo assim,
exemplo da Revolução Francesa e a mitologia dela decorrente
também orientam para soluções do tipo revolucionário. Esta é
eles nada mais farão do que revelar sucessivamente dois aspec-
um~ das conseqüências do romantismo: a preferência senti-
tos complementares dessa mesma doutrina, ambígua por si
mental pela violência; toda uma mitologia da barricada da
mesma, que rejeita o Antigo Regime e que não quer a demo-r
\\• J'li cracia integral, que se situa a meio-caminho entre esses dois
insurreição triunfante, do povo em armas, impôs as soluções
revolucionárias, e um grande romance épico, como Os Mise-
extremos ecuja melhor definição é, semdúvida,o apelidodado ,
ráveis é, a esse respeito, um bom testemunho do espírito do
à MonªECil!i:ld~ Julho: "o justo meio". É porque o liberalismo i I tempo. O "sol de Julho", em 1830, a "primavera dos povos",
é um justo meio que, visto da direita, parece revolucionário:
.\ em 1846, são outras tantas expressões que atestam o messia-
e, visto da esquerda, parece conservador. Ele travou, sucessi-!
~. nismo revolucionário, essa espécie de culto à revolução, o que,
vamente, dois combates, em duas frentes diferentes: primeiro,
um século depois, Malraux, a propósito da guerra da Espanha,
contra a conservação, o absolutismo; depois contra o impulso chamará de "ilusão lírica".
das forças sociais, de doutrinas políticas mais avançadas que
Na primeira metade do século, o movimento liberal decom-
ele próprio: QJ~di.Qªlismo, ~ cl~rn0.Q~ª-çia_integral, o socialismo.
É a conjunção do ideal e da realidade, a convergência de põe-se em vagas sucessivas. Rernemorando rapidamente sua
aspirações intelectuais e sentimentais, mas também de interes- cronologia, veremos desenhar-se o mapa do liberalismo em
ação e em armas.
ses bem palpáveis, que constituíram a força do movimento
liberal, entre 1815 e 1840. Reduzido a uma filosofia política,
de sem dúvida não teria mobilizado grandes batalhões; con- PRIMEIRO EPISÓDIO EM 1820
fundido com a defesa pura e simples de interesses, ele não
(mia suscitado adesões desinteressadas, que foram até o sacri- O liberalismo toma a forma de conspirações militares.
fício supremo. O exército, na época, é o lar do liberalismo, mas também seu
:/-{ es
Instrumento, por não ter perdido
IIl1polcfmicus, de que sentia saudades.
a lembrança das guerras
Na França, uma série
do complôs - o mais comum dos quais é aquele que acaba ··
As TENTATIVAS J)()S LWERAIS
l
no cadafalso, pela execução dos quatro sargentos de La conseguida. Cavour é um liberal. Em fevereiro de 1848, a
Rochelle -; em Portugal, na Espanha, os antecessores dos ,~ monarquia piernontesa se liberaliza quando Carlos-Alberto con-
pronunciamientos; em Nápoles, no Piemonte, as insurreições cede um estatuto constitucional, que é o decalque da Carta revi-
liberais tomam a forma de sedição armada. Até na Rússia, .sada em 1830. Pode-se dizer que em fevereiro de 1848
com o movimento decabrista, em 1825. Of~lLS.llhoHciais o Piemonte acerta o passo com a revolução de julho de 1830
são a alma dessasconspTrã"ções~·@.dã·s n}.ilr9g.r-ª_c;1ª~ou frustra- na França, com uma diferença um tanto comparável à que
c;1as_2~~a~!i0a, ºu_~~m~gad~LP9r'\!!)l..~Ul1t~~y'e!lçK~ armada, existe entre os Estados Unidos e a Europa. A vida política
muitas vezes do exterior; como aconteceu na Itália, onde os' piemontesa foi dominada, a partir de 1852, pelo que o voca-
soldados a~stría~os··restabelece~ ..gAnti~!iegime. ('~ ) .I bulário político italiano chama de connubio, a união de dife-
rentes frações liberais. De 1852 a 1859, o governo pratica urna
SEGUNDO ABALO EM 1830 política tipicamente liberal, não só no domínio das finanças
corno também no domínio da religião, com a secularização
Essa onda sísmica de maior amplitude em vários países dos bens das congregações.
provoca rachaduras no edifício político e o lança abaixo.
..~';_ l Fazendo-se O liberalismo triunfa ainda nos Estados escandinavos, nos
um paralelo com os movimentos de 1820, pode-se
') ~a,ís~s Baixos, na Su!ça, mas a~nda nã?_se ac1~mata na península
"", falar verdadeiramente de revolução, porque as forças popula-
r.e5 entram em ação.- " .. ,'" "'- ,. ibérica,
~.. onde.,a. conjuntura
'.----: ..
-- -----'--.-
nao lhe
-- -----.. e ...favoravçl.
,-,- , ----_.-
-Ó, ••• 'õde~tino desses movimentos é muito diverso, de acordo Na Alemanha, o liberalismo tem urna história singular-
com as regiões. A oeste, as revoluções triunfam. Na França, mente acidentada. Tendo começado por triunfar em cliversos
o ramo mais velho é destronado, o ramo mais novo sucede-o, a . Estados, podemos acreditar 'lue depois de 181.5 a Alemanha
Carta é revisada e um regime liberal segue-se à Restauração. \, I r será um país no qual o liberalismo há de se expandir. Em
10S liberais, daí por diante, governam a igual distância da fi!! 1820, a agitação universitária e estudantil é tipicamente liberal,
contra-revolução e da democracia. 'f e diversos soberanos <?\ltorg<:ln~ __c:onsti_l.~I.iç:õe~
liberais. Em 1830,
Na Bélgica, a revolução não se limita a uma réplica da a Alemanha é de novo sacudida por urna vaga liberal, vinda
Revolução Francesa, porque, além do aspecto liberal, análogo de Paris. Mas esse liberalismo é contido; a Âustria está vigi-
ao da França, ela apresenta um caráter nacional, dirigido con- lante. Em 1848, ele torn~.L-ª_ se afirmar no Parlamento de
tra a unidade dentro do reino dos Países-Baixos. A Bélgica Francf urt, e]\10';§ a pri}.1l~r~g;xp.tt~s50 políticac1i1Ale-nJfLDha
emancipada é uma realização exemplar do liberalismo. Sua unida, -As idéias que ai têm curso são liberais, mas esse libe-
independência é o fruto da aliança entre liberais e católicos; ralismo não sobreviverá à experiência ele Francfurt. (~CJue o
ela outorga a si mesma instituições liberais - a Constituição ele liberalismo, na Alemanha, encontra-se num dilema. Com efeito,
1831 -, e a economia do novo Estado irá conhecer um impulso quando o rei da Prússia, em 1862, confia a Bisrnarck a chan-
rápido, que ilustra a superioridade das máximas liberais em celaria, ele quer proceder à unificação, mas não pretende
relação ao mercantilismo do Antigo Regime. Mas as revo- Iazê-lo pelos meios liberais, enquanto que até então unidade
luções malogram quase que em toda parte; sem dúvida, eram e liberalismo estavam ligados. Bismarck, então, obriga os
prematuras. liberais a escolher entre unidade e liberalismo. Os liberais
\ . Em 1848, o liberalismo se ligará, de modo muitas vezes dividem-se por isso numa minoria que permanece fiel à filo-
,1 i,~dissociável, à de~o?racia, e a~ revoluções de 1848 I?resencia-. , sofia liberal, e prefere renunciar à unidade, e numa maioria
I mo o sucesso precano e, depois, 9 esmagamento simultâneov : ~ , que dá prioridade à unificação e__seresigna a renunciar llS
elo liberalismo e da democracia, l(· liberdades parlamentares. Essa cisão enfraqueceu o libera-
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.fIA" .
Iv,,;,,· I....
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II\(~ objoluvum que apenas uma minoria de franceses partici- ~1 ·lr·
puvu da vida política e reclamavam imediatamente a universa-
i. Trata-se, primeiro, do reconhecimento .. da liberdade
i,9.p.injão, isto é, da faculdade de cada um fazer uma opinião -
de
v:
lidade cIo s ufrágío, Guizot respondia que existia um meio para ~ {;c não de a receber já feita -, mas tamoêm C1ã"1í'lJC"rdã'de e
de
que lodos se tornassem eleitores: preencher as condições de 'iiIJ :ê'xpI'e-ssãé;;'élaiib~rdadede'rel1nião, da liberdade ele discussão,
fortuna, enriquecer-se. Não se trata de uma recusa, mas de :l.quê decorrem logicamente dei reconhecimento das opiniões
11madiamento. Imaginava-se então que era bastante trabalhar I'individuais .
. ~ regularmente e economizar para se enriquecer e ter acesso ao
'r
:. volo. Parecia, portanto, legítimo reservar o exercício do voto
àq~g.t~~~~CI-uLll~Ii~:ir.abal!~e..~OIlO111ÚÚiQ, ·a.O. iÍ1Y.6 de ºª..
I'
Também são tomadas disposições em favor da liberdade
discussão parlamentar, da p.llbJic.ictilge dos debates parla-.
mentares, da liberdade ela imprensa. A esse respeito, é signifi-
concedê-Ia a quem quer .qJH~.fosse. A política liberal inscre- ~.
. cativo que duranle a Restauração e a Monarquia de Julho boa
ve-se desse modo na perspectiva de uma moral burguesa yré-
.\jparte das controvérsias políticas, das polêmicas e dos debates
-capitalista, i~norª-Qt~.d~_ cQnç~nt.!.a.Q.~9 e da dlfícUldilde que
Uentre a maioria e a minoria, entre o governo e as Câmaras
uin indi viêIuo tem para sair de sua classe e' reaÜz-ãr-su3m:º-
;\5e estabeleça em torno do estatuto da.JI!1J?rensa, assim como
moção social. (\ido regime eleitoral. '--
Constituição escrita, monarquia limitada, representação A preocupação com a liberdade estende-se ao ensino.
nacional, bicameralismo, discriminação, país legal, pais real, \ com ..efeito, qs liberais não consideram nada mais urgente do
r
. sufrágio censitário. Acrescentemos, para acabar de carac- ~, que subtrair o ensino à influência da Igreja, sua principal
. terizar o sistema político, a descentralização, que associa_à ." adversária. De fato, o liberalismo é mais anticlerical do que
gestão dos negócios locais representantes eleitos pela popu- .. anti-religioso e, se ele pode ser espiritualista, se pode aceitar
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(! SI! ao casamento civil um valor legal, que ele não
c(Jllrmidl ciar eqüitativamente a sociedade liberal. Isso é ainda verdade
IIIISS\tin numa sociedade na qual só os sacramentos tinham para as sociedades ocidentais. O dinheiro, como a instrução,
valor jurídico. Nos países de confissão protestante, o IíEcrã:e'} produzem efeitos, alguns dos quais são propriamente liberais,
., [ismo imporá. progressivamente a emancipação dos católicos: i . enquanto outros tendem a manter ou a reforçar a opressão.
em 1829, 11a Inglaterra, o ato de emancipação tira os católicos; ./ Não há aqui lugar para surpresas: a realidade histórica é
(sobretudo os irlandeses) de sua sujeição e faz deles cidadãos; ~ sempre muito complexa para que se possa, assim, no mesmo
quase iguais, porque subsiste ainda, para o exercício de alguns: instante, apurar efeitos contrários.
cargos.públ~cos, UIl}.. P.1:ixUtgtº_ ~l!Lfª-Y-Q.~_dos_.J@}s·-dãIir·éT~: Q....dinheiro é U1IL.ill!.r!çfuio libertador. A substituição da
..Anglicana:'- . - ,-/ posse do solo ou do nascimento pelo dinheiro como princípio
de diferenciação social é incontestavelmente um elemento de
emancipação. A terra escraviza o indivíduo, fixa-o ao solo.
A ORDEM SOCIAL LIllERAL
, I iA mobilidade do ~ite.gue_..se .esc_aJ2~_às imposições
Decifrando a marca que o liberalismo deixa na sociedade, .'; ;1.'1 ~onãs~l~~.~I~,._dã ~.ra.diçãol que.st')!uJ.·~_ao_<?9.nforiliiSTl!-º._
..d_e_~.s
..~s
j peqÜeÚas com ~1Dí9élcfes VOHª-ºªLS_º-!?re.2i_ mesmas.,e. .estrita-
reconhecemos numerosos traços já evocados a propósito da
obra da Revolução, pois que, nesse terreno, mais ainda do
J meii~El f~.c:hªº_ª~, BasÚi-'-ter dinheiro para que haja a possibí-
"\ Ií(Jãde de mudar de lugar, de trocar de profissão, de residência,
que no precedente, o liberalismo é o herdeiro de seu espírito.
\~_r.e&i~o. A sociedade liberal, fundada sobre o dinheiro, abre
\ \possibilidades de mobilidade: mobilidade dos bens que trocam
Igualdade de Direito, Desigualdade de Fato \oe mãos, mobilidade das pessoas no espaço, na escala socíal..:
A sociedade repousa sobre a igualdade de direito: todos No século XIX, as sociedades liberais francesa, inglesa e
belga oferecem muitos exemplos de indivíduos que rapida-
dispõem dos mesmos direitos civis. Contudo, em parte sem
mente subiram nos escalões da hierarquia social, fazendo for-
que o saiba, em parte deliberadamente, o liberalismo mantém
tunas impressionantes, devidas unicamente à sua inteligência
uma desigualdade de fato e vai dar ocasião para a crítica dos
e ao dinheiro. O caso ele um Laffite, que, de banqueiro de
democratas e dos socialistas.
condição modestissima, torna-se um dos homens mais ricos da
O reconhecimento da igualdade de todos diante da lei, França, a ponto de fazer parte do primeiro governo da Mo-
diante da justiça, diante do imposto não exclui a diferença 'fnarqUia de Julho, não é único. O dinheiro é, portanto, um fator
das condições sociais, a disparidade
.'.!buição muito desigual da cultura.
das fortunas, uma distri-
Acontece mesmo que a
j
; de libertação, o princípio e a condição de emancipação
r' dos indivíduos.
social
sociedade liberal consagra em seus códigos algumas desigual- Mas o contrário é evidente, porque as possibilidades não
dades; como, por exemplo, entre o homem e a mulher, entre o . e.stãoa().alc.al1ce_c:l~_. tQ_d-ºS.•._.C.9-JUnheiro é ulJl,.prin~ípJo çle
'.empregador e o empregado. Oll!~ss~<2: Para começar, é preciso ter um mínimo de dinheiro,
ou muita sorte. Para os que não o possuem, o domínio exclu-
o Dinheiro \ sivo do dinheiro provoca, pelo contrário, o agravamento da
.' .sítuaçâo. É talvez no quadro ela unidade do campo que se
Além da desigualdade de princípio e da' desigualdade de ~ pode medir melhor os efeitos dessa revolução: na economia
fato, ~ s9çi~clad~ ..li~epousa essen .cialmente no ºjn}H~~o , 'rmal do Antigo Regime, todo um sistema de servidões cole-
e.J1a instrução, que são os dois pilares da ordem liberal, os /~ Uvas permitia que quem não possuísse terras sobrevivesse,
dois pivôs da sociedade. pois havia a possibilidade de usar os terr(')tlosc_QJl1l!l}ais, de
Esses dois princípios, fortuna e cultura, produzem simul- muudur o gado a pastar em terras que não lhe pe;tenc"iam,
taneamente conseqüências que podem ser contrárias; é isso mus que a proibição de cercar .ccnservava acessíveis. Havia
(PW importa compreender bem se quisermos conhecer e apre- assim coexistêridâ' en:t"re-dcos e pobres. ' ...
.u 45
Y- N a esca Ia d os va Iores lib . a mstruçao
[ erais, . - e a 10
, t e I·igencia
• ~ I
" d,,~III('lIllll'lIl() dessa comunidade, a ab-rogação dessas; ocupam um lugar de importância tão grande quanto o dinheiro
1t1l11l1,,1~'ÓI'K, 11 proclamação da liberdade de cultivar, de cercar - ao qual alguns historiadores da idade liberal atribuem uma
n_ 1f"11'I'HH, Invorccem aqueles que possuem bens, com possíbí- importância demasiado exclusiva -, e não são raros os exern-
Ildlld(·, portanto, de conseguir rendas maiores, Eles passam a; 1J1osde indivíduos que tiveram um brilhante êxito social, que
fll:f,('r parte de uma economia de trocas, de lucro; ampliam chegaram até a tornar parte no poder sem que tivessem, no
seus domínios, se enriquecem, lançam as bases de uma fortuna, início, um tostão, mas que deram prova de habilidade e de
·.,f enquanto que os outros, privados do recurso que lhes era inteligência. Ao lado de Laffite, poder-se-ia evocar a carreira
proporcionado pelo uso dos terrenos comunais, privados igual- de Thiers, também de condição muito modesta, que deve
..•. mente da possibilidade de subsistir, são obrigados a deixar
seu sucesso à inteligência e ao trabalho. Jornalista, ele chega
a aldeia, a buscar trabalho na cidade. Vê-se com esse exemplo a ser presidente do Conselho, tornando-se na segunda metade
como a mesma revolução provocou simultaneamente efeitos do século o símbolo da burguesia liberal. A instrução abre-'
contrários, de acordo com aqueles sobre os quais recaem esses caminho para todas as carreiras: o ensino, o jornalismo, a
efeitos: sobre os ricos ou sobre os pobres, sobre os que têm política.
um pouco ou sobre os que nada possuem.
Os estudos clássicos são sancionados por diplomas, o mais
!I. ,
Toda uma população indig~!,J.!e,
te,çã.o que lheera ~~egurada pela
vive agora numa sociedade anônima,
!,~ª~ª-ª~
.
de súbito, perdeu a P'f9--Il?
.!:§~~ções pe~so,~!s, e I.
na qual as relações sâo ]"
famoso dos quais, o bacharelado,
Universidade napoleônica,
é uma instituição essencial da
sociedade liberal. Criado em 1807, contemporâneo
solidário com a organização
portanto da
das
jurídicas, impessoais e materializadas pelo dinheiro. Compra, grandes escolas, o bacharelado pertence a todo o sistema saído
venda, remuneração, salário: Fora daí 'ri~,~há salvação. ,,'c j da Revolução, repensado por Napoleão, de um ensino cana-
, Desse modo, uma parte da opinião pública conservará a' lizado, disciplinado, organizado, sancionado por díplófiiàs,
nostalgia da sociedadeantiga, hierarquizada, é verdade, iriãS abrindo o acesso a escolas para as quais se entra mediante
.feita de laços pessoais, uma. sociedade na qual os inferiores \ concurso. No século XIX, e hoje ainda, o prestígio do bacha-
encontravam largas compensações a seu dispor; Os legitimis-·' relado, como o das grandes escolas, é o símbolo de um estado
tas, o catolicismo social, parte mesmo do socialismo têm sau- de espírito e de uma atitude características das sociedades
'dãde da antiga ordem de coisas e querem que seja ies!,~':lrada liberais. Qualquer um pode estudar, apresentar-se ao bacha-
.). ~ssa s.Qcied~f.k_l?;,?le,mª,~a, ,na. gu~L ~l?t:.Qt~~~º,ººSldPJ;!.!:iQ~::ga- relado, tentar sua chance nos concursos de ingresso na Politéc-
rantia ao inferior que ele não morresse de ..Iome, enquanto que nica ou na Escola Normal. Mas é fácil adivinhar os inconve-
i;ã'-socfedã'de liberal ri]:-º__Pá, .majsajll<!ª.ne}ll recurso contra a nientes desse prestígio da cultura: essa sociedade abre possi-
Q1j~,~~~.~.. a~escl3:ssif~ç-ªçfuJ.. ..- bilidades de promoção, mas apenas a um pequeno grupo, e
t verdade, essa nova sociedade não é o produto exclusivo aos que não ostentam os sacramentos universitários são reser-
da revolução pQlítica: ela é também a conseqüência de uma vadas as funções subalternas da sociedade. Como o dinheiro, a ' ,,'
mudança da econo.mig,,,(09.ª".~ºcieª,a~~ e esse novo sistema iristrução é ao mesmo tempo emancipadora'''é exClüsiva.' t o'
de relações corresponde a uma sociedade urbanizada e indus- que; 'num pequeno tratadomuito substancial, o socióloga Coblot
Jrial,.na qual o comércio e a manufatura tornam-se as atividades exprimiu sob o título de A Barreira e o Nível. O ensino, o
, privilegiadas. bacharelado, os diplomas constituem ao mesmo tempo uma
barreira e um nível. '
o Ensino Por meio do dinheiro e da instrução, vemos quais são os
traços constitutivos e específicos das sociedades liberais. Tra-
Do ensino,
outro fundamento da sociedade liberal, pode-
ta-se de sociedades em movimento, e esta é sua grande dife-
-se dizer igualmente que é um fator de libertação, mas tam-
rença em relação ao Antigo Regime, já envelhecido, que
bém que sua privação lança parte das pessoas num estado
tende a se esclerosar, e ~ __or~.:n~._~~__fixavam em castas,
<k perpétua dependência,
,[7
'10
A passagem do Anligo Regime para o liberalismo é um degelo,
l 'u.ma abertura repentina, umll: f.l.~üdezmaior proporcionada à
", sociedade, uma mobilidade maior proposta aos indivícKios,
\,
" !y1~i~~i~edà-ª,~JlJéilã-tamoém"-eúm-ásOcreaãae-cresrgual,
É da justaposição dêsses-aois'caracteresque" sê- dépreende a
natureza intrínseca da sociedade liberal, que a democracia irá
precisamente colocar em causa. Esta procurará alargar a
brecha, abrir todas as possibilidades e chances que as socie-
dades. liberais nada mais fizeram do que entreabrir para uma
,minoria.
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