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Rousseau
Contexto histórico
1. As revoluções burguesas
Grandes transformações abalam a Europa no século XVIII. A burguesia ocupara, até então,
posição secundária na estrutura da sociedade aristocrática, cujos privilegiados são a nobreza e o
clero. Os nobres, sustentados por pensões governamentais, levam vida parasitária na corte, com
isenção de impostos e o benefício de serem julgados por leis próprias.
A burguesia enriquecida pelos resultados da Revolução Comercial se encontra, no entanto,
onerada com a carga de impostos e, embora tendo ascendido economicamente pela aliança com
a realeza absolutista, se ressente do mercantilismo, cada vez mais bloqueador da sua iniciativa.
Em 1750, a entrada da máquina a vapor nas fábricas marca o início da Revolução
Industrial, que altera definitivamente o panorama socioeconômico com a mecanização da
indústria. Torna-se inevitável que a burguesia, já detentora do poder econômico e sentindo-se
espoliada pela nobreza, reivindique para si o poder político.
No século XVIII explodem as revoluções burguesas. Em 1688, na Inglaterra, a Revolução
Gloriosa destrona os Stuarts absolutistas. As idéias liberais de Locke se espalham pela Europa e
também pelo Novo Mundo, onde começam os movimentos de emancipação, alguns bem-
sucedidos, como a Independência dos EUA (1776), outros, violentamente reprimidos, como as
Conjurações Mineira (1789) e Baiana (1798) no Brasil.
O grande acontecimento europeu é a Revolução Francesa (1789), que depõe os Bourbons
e defende os princípios de "igualdade, liberdade e fraternidade". Contra os privilégios hereditários
da nobreza, os burgueses propõem a igualdade de direitos e oportunidades.
2. As idéias iluministas
Pedagogia
1. Introdução
2. A pedagogia intelectualista
3. O naturalismo rousseauniano
2
Para ampliação do assunto, ler de Maria das Graças S. do Nascimento, Voltaire; a razão militante. São Paulo, Moderna, 1993, Cal. Lagos.
3
Apud Aníbal Ponce, Educação e luta de classes. p. 133.
4
Apud Aníbal Ponce, Educação e luta de classes. p. 133.
de soberania. Para Rousseau, o cidadão não escolhe representantes a quem delegar o poder -
como defende Locke e a tradição liberal - porque para ele só o povo é soberano. Em outras
palavras, o pacto que institui o governo não submete o povo a ele, isto é, os depositários do poder
não são senhores do povo, mas seus oficiais, e apenas executam as leis que emanam do povo.
Nesse sentido, Rousseau critica o regime representativo e defende a democracia direta, pois toda
lei não ratificada pelo povo é nula.
Portanto o soberano é o povo incorporado, o corpo coletivo que exprime, na lei, a vontade
geral. Segundo a teoria de Rousseau, a vontade geral não se confunde com a vontade da maioria,
como o senso comum poderia pensar, porque as decisões não resultam da somatória das
vontades individuais, mas expressam o interesse comum, isto é, o interesse de todos, como
participantes da comunidade.
O cidadão, homem ativo e soberano, capaz de autonomia e liberdade, é ao mesmo tempo
um súdito, porque submisso à lei que ele próprio ajudou a erigir. Liberdade e obediência são pólos
que devem se completar na vida do homem em sociedade.
Rousseau pedagogo
A educação negativa
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Emílio, p. 80.
Rousseau não dá muito valor ao conhecimento transmitido e quer que a criança aprenda a
pensar, não como um processo que vem de fora para dentro, ao contrário, como desenvolvimento
interno e natural.
Críticas a Rousseau
Não resta dúvida quanto ao caráter inovador das idéias de Rousseau, porém muitos não
lhe poupam críticas ou algumas reservas, pelo menos. Uma delas é a acusação de propor uma
educação elitista, já que Emílio é acompanhado por um preceptor, procedimento próprio dos ricos.
Outra refere-se ao separar o aluno da sociedade: estaria defendendo uma educação individualista.
Mesmo admitindo a procedência dessas críticas, não convém esquecer que Rousseau
recorre à abstração metodológica de uma relação ideal - semelhante à do contrato social - a fim
de formular a teoria pedagógica. Ou seja, perguntar como seria possível a educação natural de
Emílio em uma sociedade corrompida significa tratar do mesmo problema da política: Como é
possível estabelecer a vontade geral em uma sociedade que ainda não é democrática?
Além disso, o fim do ensino não é educar o solitário Emílio, mas inseri-lo na sociedade.
Compreende-se o artifício de Rousseau porque, sendo liberal, concebe a sociedade como uma
justaposição de indivíduos, e uma crítica ao individualismo só aparecerá mais tarde, com as
teorias socialistas.
Ainda que fundadas as críticas ao caráter a - histórico desta hipótese, ao otimismo
exagerado da ação da natureza e ao reduzido papel do preceptor, lembramos que Rousseau se
opõe à educação do seu tempo, extremamente autoritária, interessada em adaptar e adestrar a
criança e apoiando-se na concepção de uma natureza humana má.
Por fim, outra crítica pode ser feita à posição de Rousseau para com a mulher, que deve
ser educada para servir aos homens, segundo ele. Embora fosse a concepção corrente no seu
tempo, alguns teóricos, como Comênio e Condorcet, já teciam considerações sobre a maior
participação da mulher na sociedade.
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Emílio, p. 88.
4. Kant e a pedagogia idealista
O alemão Immanuel Kant (1724-1804) construiu um dos mais importantes sistemas filosófi-
cos no século XVIII, de marcante influência na história do pensamento.
A obra Sobre pedagogia resultou de anotações das aulas ministradas em alguns períodos
na universidade de Königsberg. Mas a importância que Kant atribui à educação encontra-se fun-
damentada nas obras mais clássicas, a Crítica da razão pura, na qual desenvolve a crítica do co-
nhecimento, e a Crítica da razão prática, que faz a análise da moralidade.
No livro em que trata do conhecimento, Kant retoma o debate - mencionado no capítulo an-
terior - entre os racionalistas (representados por Descartes) e os empiristas (Bacon e Locke). Ao
examinar a insuficiência das duas posições, elabora uma teoria que investiga o valor dos nossos
conhecimentos a partir da crítica das possibilidades e limites da razão.
Condena os empiristas, segundo os quais tudo o que conhecemos vem dos sentidos, e não
concorda com os racionalistas, para os quais tudo o que pensamos vem de nós. Para Kant, "o
nosso conhecimento experimental é um composto do que recebemos por impressões e do que a
nossa própria faculdade de conhecer de si mesma tira por ocasião de tais impressões". Ou seja, o
conhecimento humano é a síntese dos conteúdos particulares dados pela experiência e da
estrutura universal da razão (a mesma para todos os homens).
A consciência moral
Para Kant, no entanto, a razão não é capaz de conhecer as realidades que não se
oferecem à nossa experiência sensível, como Deus, a imortalidade da alma, a liberdade e a
infinitude do universo. Ou seja, as questões metafísicas não são acessíveis ao conhecimento.
O filósofo supera o impasse mostrando que, além do ato de conhecimento, o homem é
capaz de outra atividade espiritual, a consciência moral, por meio da qual rege a vida prática
conforme certos princípios. Estes princípios são racionais, mas estabelecidos não pela razão
especulativa (voltada para o conhecimento científico), e sim pela razão prática, que orienta a ação
humana, a vida prática e moral.
Analisando os princípios da consciência moral, Kant conclui que só o homem é moral, por
ser capaz de atos de vontade. E a vontade é verdadeiramente moral se regida por imperativos
categóricos, isto é, por imposição incondicionada, absoluta, como acontece quando a ação
realizada visa ao dever pelo dever, e não ao dever em troca de um benefício. Assim, não tem o
mesmo valor moral dizer: "se você quer ser feliz, ajude ao próximo", ou "não mate, senão você
será preso", porque são exemplos de imperativos hipotéticos, nos quais o agir é condicionado a
uma vantagem desejada ou a uma punição a ser evitada.
Agir moralmente é, portanto, agir pelo dever. Além disso, a ação tem uma validade objetiva
e universal, que se estende para todo ser racional, daí a afirmação de Kant: "Age de modo que a
máxima da tua ação possa sempre valer ao mesmo tempo como princípio universal de conduta".
Decorre desse raciocínio que o homem não realiza espontaneamente a lei moral, mas a
moralidade resulta da luta interior entre a lei universal e as inclinações individuais. Assim, a
verdadeira ação moral, como resultado de um ato de vontade, tem por fundamento a autonomia e
a liberdade.
A ação moral é autônoma porque o homem é o único ser capaz de se determinar segundo
leis que a própria razão estabelece (e não conforme leis dadas externamente, como na
heteronornia). Para que seja possível a vida moral autônoma, porém, é preciso partir do
pressuposto da liberdade da vontade.
Educação e liberdade
Educação
No século XVIII ainda continua a influência dos jesuítas, com os colégios espalhados pelo
mundo, embora as críticas se tornassem mais fortes. Denunciava-se o dogmatismo da escolástica
decadente, mas as questões econômicas e políticas se sobrepõem aos limites estritamente
pedagógicos, nos debates apaixonados. Os jesuítas são expulsos de diversos países, até que o
papa Clemente XIV extingue a Companhia de Jesus em 1773.
Com esse acontecimento, o sistema escolar sofre uma desestabilização porque os jesuítas
possuíam muitas escolas, além de terem sido capazes de, por longo tempo, formar professores e
disciplinar alunos.
No contexto histórico do Iluminismo, não fazia mais sentido atrelar a educação à religião,
como nas escolas confessionais, nem aos interesses de uma classe, como queria a aristocracia. A
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Partidário do pietismo, movimento religioso originário da igreja luterana e conhecido pelo rigor dos costumes e fé extremada.
escola deveria ser leiga (não-religiosa) e livre (independente de privilégios de classe).
Esses pressupostos sugerem algumas idéias, nem sempre postas em prática, como:
• educação ao encargo do Estado;
• obrigatoriedade e gratuidade do ensino elementar;
• nacionalismo, isto é, recusa do universalismo jesuítico;
• ênfase nas línguas vernáculas, em detrimento do latim;
• orientação prática, voltada para as ciências, técnicas e ofícios, não mais privilegiando o
estudo exclusivamente humanístico.
Em consonância com as aspirações iluministas, o marquês de Condorcet, eleito deputado
da assembléia legislativa francesa após a Revolução, defende os ideais da educação popular. Em
1792, redige o Plano de Instrução Pública (conhecido como Rapport), que estende a todos os
cidadãos a instrução pública e gratuita e o saber técnico necessário à profissionalização. O plano
não é aprovado, mas inspira outros projetos. Em 1793, a pedido de Robespierre, Lepelletier
apresenta como projeto um Plano Nacional de Educação, dando realce ao sistema de educação
nacional como mola mestra do novo regime político e social.
As idéias de educação universal reaparecerão com mais força no século XIX.
3. Dificuldades do ensino
Apesar do ideal liberal da educação, é crítica a situação do ensino na Europa. Além das
queixas ao conteúdo, excessivamente literário e pouco científico, as escolas são insuficientes e os
mestres sem qualificação adequada. Mal pagos, geralmente são muito novos ou permanecem
nessa profissão enquanto não arrumam outra melhor. Com formação deficiente, não conseguem
disciplinar as classes, nem ensinar grande coisa, e ainda abusam da prática de castigos corporais.
As escolas elementares quase inexistem, as de grau médio são antiquadas e servem às
classes privilegiadas. Enredadas no sistema medieval de corporações, as universidades perma-
necem escolásticas e ultrapassadas, alheias ao movimento iluminista. Restam as academias, em
que os futuros dirigentes estudam matérias mais úteis, como arte militar, fortificações, balística, e
prática de esgrima e equitação, esportes nobres.
Apesar dos projetos de estender a educação a todos os cidadãos, prevalece a diferença de
ensino, ou seja, uma escola para o povo e outra para a burguesia. Essa dualidade era aceita com
grande tranqüilidade, sem o temor de ferir o preceito de igualdade, tão caro aos ideais
revolucionários. Afinal, para a doutrina liberal, o talento e a capacidade não são iguais, e portanto
os homens não são também iguais em riqueza...
No período napoleônico (início do século XIX), são abandonadas muitas das tendências li-
berais da Revolução Francesa. O Estado se interessa pelo ensino médio porque vê com descon-
fiança a iniciativa do ensino particular, cujos programas revi vem o formalismo dos antigos colé-
gios jesuítas. Descuidam-se, porém da instrução primária gratuita e popular, que aos poucos é re-
tomada pelo clero.
5. Conclusão
Até aqui, temos observado como as mudanças nas relações entre os homens sugerem
transformações da educação, em vista das diferentes metas a serem alcançadas.
Desde o Renascimento o homem luta contra a visão de mundo feudal, aristocrática e
religiosa, à qual se opõe a perspectiva burguesa, liberal e leiga. O movimento é feito de am-
bigüidades e contradições, e muitas vezes a educação ministrada desmente as aspirações teóri-
cas. Apesar disso, algumas idéias acabam por ser incorporadas, alimentando sonhos de
mudança.
O Século das Luzes expressa no pensamento controvertido de Rousseau anseios que
animarão as reflexões pedagógicas no período subseqüente. Atacando o ideal de pessoa "bem-
educada", de cortesão ou de gentil-homem, Rousseau propõe o desenvolvimento livre e
espontâneo, respeitando a existência concreta da criança. "Deste modo, a pedagogia de
Rousseau foi a primeira tentativa radical e apaixonada de oposição fundamental à pedagogia da
essência e de criação de perspectivas para uma pedagogia da existência", é o que afirma
Suchodolski9.
Veremos como as idéias de Rousseau influenciam as mais diferentes correntes, sobretudo
as tendências não-diretivas, no século XX.
O pensamento de Kant também se insere no movimento de crítica à educação dogmática,
aberto pela Ilustração. Embora não conceba as normas e os modelos conforme a própria exis-
tência concreta e variável (do homem empírico), nem por isso admite o modelo tradicional de
ideal, que se imporia exteriormente ao homem. Para ele são as leis inflexíveis e universais da
razão pura e da razão prática que constroem o conhecimento e a lei moral, o que significa a
valorização definitiva do sujeito (universal, não individual) como ser autônomo e livre, para o qual,
tanto o conhecimento como a conduta são obras suas.
8
Filantropia significa amor à humanidade (philos, "amigo"; anthropos, "homem").
9
A pedagogia e as grandes correntes filosóficas, p. 40.