Você está na página 1de 54

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAS “DR.

EDMUNDO ULSON”
CURSO DE HISTÓRIA

A REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL E O SURGIMENTO DO ROCK


NACIONAL: O PUNK COMO FENÔMENO

André Renato Brechoti

Araras-SP
2010
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAS “DR. EDMUNDO ULSON”
CURSO DE HISTÓRIA

A REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL E O SURGIMENTO DO ROCK


NACIONAL: O PUNK COMO FENÔMENO

André Renato Brechoti


Orientador: Prof. Dr. Wagner Montanhini

Monografia apresentada à
Banca examinadora do Curso de
História do UNAR – Centro
Universitário de Araras Dr.
Edmundo Ulson como
exigência parcial para
conclusão do curso.

Araras-SP
2010
BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Prof. Ms. Maria de Lourdes C. S. Santos

________________________________________

Prof. Dr. Amilton Monteiro

________________________________________

Prof. Ms. Taitson Alberto Leal dos Santos


Dedico este trabalho primeiramente a
Deus, e aos meus pais Antônio
Renato Brechoti e Elza Ap. Piccin
Brechoti, minha irmã Vanessa Renata
Brechoti. Logo também não poderia
deixar de dedicar a Bruna Campos,
meu grande amor, que sempre me
auxiliou quando precisei.
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço ao meu professor e amigo Dr. Wagner Montanhini,


que, com toda sua sabedoria me orientou para que eu pudesse concluir este
trabalho. Um agradecimento especial para todos os professores, que nos fizeram
acreditar no poder do conhecimento.

Aos meus amigos do curso de Licenciatura em História, pela amizade,


companheirismo e por sempre compartilharem as alegrias e dificuldades do curso.
Em especial Thiago Viana Fagundes que sempre procurou me ajudar nas
barreiras encontradas pelo caminho.

E por fim agradeço a todos que direta ou indiretamente me ajudaram em mais


uma etapa da minha vida.
“Se o punk é o lixo, a miséria e a
violência, então não precisamos
importá-lo da Europa, pois já somos a
vanguarda do punk em todo o
mundo”
Chico Buarque
Resumo

Este trabalho pretende mostrar de uma forma mais direta as questões dos
ideais buscados pelo movimento “punk” na década de 80, o seu início na Europa
e como chegou até o Brasil, esclarecer a situação da política brasileira e
relacionar esse movimento de rebeldia com as lutas sociais das grandes capitais,
identificar o surgimento do rock nacional como característica fundamental da
abertura cultural da década, mostrar de que forma é vista a imagem do punk
através dos estudos de historiadores que vivenciaram a época.
SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 : A História e sua escrita culturalErro! Indicador não


definido.

CAPÍTULO 2 : A política nacional em transição: 1980-1990 .... Erro!


Indicador não definido.

CAPÍTULO 3 : Rock dos anos 80.............................................................

CAPÍTULO 4 : O punk: música e contestaçãoErro! Indicador não


definido.
4.1 – O punk e seu surgimento na Europa........................................................................Erro!
Indicador não definido.
4.2 –O punk e seu contexto no Brasil: uma analise sucinta . Erro! Indicador não definido.
4.3 - O punk e a sociedade através de suas letras: uma breve análise...............................32

Considerações Finais ........................................... Erro! Indicador não definido.

Referências Bibliograficas ................................... Erro! Indicador não definido.


INTRODUÇÃO

A sociedade sempre foi uma questão que gerou debates entre sociólogos,
historiadores e estudiosos de outras áreas. Em meio às relações sociais, surgem
manifestações, sejam elas, de origem cultural, política ou religiosa. O objetivo
dessas manifestações culturais é expressar idéias, às vezes de
descontentamento e oposição contra algo que os reprima.

Na década de 1980 no Brasil, a política sofria uma transformação desejada por


toda a sociedade, socialmente o Brasil caminhava para uma abertura política
sonhada há tempos. Desde 1964, o país era controlado por governos militares,
que ao seu estilo, censurava todos os meios de comunicação, deixando a
sociedade sem direito de voz e expressão, era o domínio da repressão sobre a
submissão. A anistia concedida em 1979 pelo presidente militar Figueiredo
permitiu o início da abertura política, e com isso as manifestações culturais
começavam a ganhar espaço e notoriedade novamente.

O inicio das influências culturais que vamos estudar neste trabalho, tem início na
Inglaterra em meados da década de 1970. A música inglesa conhecia um novo
expoente do rock, o conjunto Sex Pistols inovou ao expressar em suas canções a
insatisfação com a Corte Inglesa. Todos os elementos se tornavam um ponto de
expressão para agredir o governo e a sociedade, o visual rasgado e desleixado, o
cabelo estilo moicano e o rock estilo rápido e agressivo. Assim como na
Inglaterra, as questões sócio-culturais no Brasil estavam em evidência. O
movimento punk chegava ao país no fim da década de 70, mas ficou restrito aos
subúrbios das grandes cidades. Foi no início da década de 80 que o movimento
aproveitou a popularidade do rock nacional, e pegou carona para conseguir seu
espaço perante os ouvintes brasileiros.

Os caminhos políticos tomavam rumos importantes, porém, não seria fácil


comseguir as tão desejadas eleições diretas, seria necessário muito esforço das
diversas classes sociais. Por isso até hoje a década de 80 no Brasil, tem como
destaque, as conquistas sociais alcançadas no cenário político e fatores sociais.

Pretendemos mostrar nesse trabalho, os caminhos percorridos do movimento


punk naquele período, esclarecer de fato qual era o objetivo de toda aquela
revolta contra o sistema, mostrar os vínculos existentes com as ações culturais
voltadas para esse foco, analisar algumas composições musicais dos conjuntos
punks e refletir qual era a relação com a verdadeira situação do proletariado
brasileiro. Por esse motivo é que pretendemos analisar os valores políticos sociais
da época, buscando algumas explicações por fatos que influenciam o cenário
político hoje.
Capítulo 1 – A História e sua escrita cultural.

A sociedade convive com as mudanças de poderes desde seus tempos


antigos, quando o homem ganha a idéia de organização social começa-se uma
eterna metamorfose em busca da convivência e equilíbrio perante a um objetivo:
o homem e o poder. Certamente, a história se faz presente nas relações sociais,
registrando de forma amadurecida os documentos e fatos acontecidos em seus
diversos assuntos: econômicos, políticos, religiosos, culturais e dentre outros.
Inegavelmente é o homem que faz a história, mas sempre com as condições que
já estão estabelecidas, e não àquela que almejamos. Mas como estabelecer
afirmativas sobre as questões políticas e culturais do mundo contemporâneo? E
como encontrar a forma correta de registrar todos os fatos? São por essas e
outras questões que o historiador desenvolve um trabalho de investigação, sendo
parte de um processo em que fica responsável por manter os fatos com o máximo
de fidelidade possível ao seu caráter original. Dentre as suas muitas
características, a história procura evidenciar as transformações pelas quais as
sociedades passam ao longo do tempo. ―Nada permanece igual e são através do
tempo que se percebem as mudanças‖. (Vavy Pacheco, 1987, p.47)

A história está ganhando cada vez mais destaque próximo às outras áreas
de conhecimento que estudam especificamente o homem, procurando desvendar
toda a importância do seu papel em meio à história social. Na história o seu
processo nunca é contínuo ou linear, ele não obedece a um desenvolvimento
―reto‖, ele entrará em desvio, avanços, recuos, inversões, etc. É necessário
entender que é o homem o autor das mudanças históricas que acontecem,
segundo Vavy Pacheco Borges:
São os homens constituídos em sociedade que, embora nem
sempre conscientemente, atuaram e atuam para que as coisas
se passem de uma ou outra maneira, para que tomem um rumo
ou outro (1987, p.50)

Através de todos os fatos registrados ao longo do tempo referente à


sociedade, as mudanças ocorrem de forma contínua nas relações humanas. Mas
claro que é preciso fazer uma história em que as dúvidas e problemas
contemporâneos sejam alvos de estudo também. A ligação da história com o
passado faz com que repensemos as dúvidas dos fatos presentes, e tracemos um
diagnóstico, não mais que isso, sobre ações futuras. E não sendo diferente de
qualquer época, a história muitas vezes tem sido usada por quem detém o poder
para manipular a verdade em seus interesses. A historiografia vem justamente
para evitar que tais equívocos como esses ou qualquer outro tipo de falha nas
afirmações históricas aconteçam. Ela amplia toda a visão sobre os possíveis
campos de estudo em que a história se constrói. Todas as informações e
elementos que nos chegam através dos documentos ganham um avanço bem
maior com o estudo historiográfico. É preciso que se crie o maior número de
historiadores, e a escola metódica na reforma do ensino nos apresenta isso,
segundo Marie Paule Caire Jabinet:

A escola metódica atribui grande importância a formação dos


historiadores, consagrada pelos universitários pelo imenso
trabalho que representa uma tese, base da necessária
especialização (2003, p.105)

Nos anos 30, novas transformações ocorrem no campo da pesquisa


histórica, os Annales trazem uma renovação nas disciplinas sociais e políticas.
Em um dos pontos que se sugerem as mudanças, eles colocam em um posto
privilegiado o interesse pela atualidade e o presente, considerando isso essencial
para a compreensão das tendências futuras. Rompendo assim, com algumas
idéias da escola metódica. As colaborações dos Annales para um novo
pensamento historiográfico é de extrema significância, Marie Paule Caire Jabinet
exalta ao dizer que ―mais do que pela originalidade absoluta do projeto, os
Annales inovam pelo seu tom. Sem representar uma escola propriamente dita, os
Annales estão na origem das redes de amizade que depois se transformam em
estruturas diversas‖ (2003, p.123)

A historiografia sugerida pelos Annales indica que a personalidade do


historiador seja de total originalidade para se construir e também uma nova visão
sobre a introdução da sociologia na grade de estudo da história se torna um dos
grandes diferenciais dos Annales. A diversidade de documentos também é
necessária para que se quebre a sina de ―a história se faz com textos‖, criando-se
um material mais rico para as pesquisas. E a historiografia permite explorar os
mesmos documentos com olhares diferentes. Em volta de todo esse cenário que
envolve esses conceitos, as possibilidades de se obter uma coerência no estudo
dos fatos são maiores. E dentro dessas possibilidades podemos encarar o
assunto sobre a história cultural no Brasil, que vem de um tempo recente no
comportamento brasileiro em relação a esse assunto. Foi no final da década de
70 que se começou a dar maior ênfase na discussão sobre a importância das
manifestações culturais, como construções de centros de cultura de forma
variada. E voltando-se para a atualidade, nos perguntamos qual cultura está
sendo multiplicada, qual quadro se encontra essas atividades? Desde a década
de 60, nos deparamos com contradições sobre a verdadeira noção de cultura e
Teixeira Coelho nos diz:

Não deveria ser muito complicado saber o que é cultura. Cultura é o


que move o indivíduo, o grupo, para longe da indiferença, da
indistinção, é uma construção que só pode proceder pela
diferenciação. (2001, p.21)

Percebe-se que a cultura deve ser propagada justamente pelas diferenças


que as caracterizam, e não padronizá-la. O conceito de cultura pode ser discutido
sempre, mas já não se limita mais a ser apenas um conjunto de hábitos e
costumes de um povo. A história cultural tem sua fonte, suas inspirações, seus
instrumentos na produção em grupo, em massa, e é o que veremos mais à frente.
Essa riqueza das várias formas de cultura nos convida a sermos seres sociais,
nos motivam a pensar mais sobre a verdadeira realidade social que nos
transformam. Claramente, a cultura é uma maneira inteligente e estratégica de
refletir sobre a realidade nessa discussão social. É muito importante conhecer e
entender a diversidade cultural interna, regional, em que vivemos para se
entender melhor como essas formações são influenciadas. Naturalmente, a partir
desse momento a visão, a inserção de novas idéias originando de lugares mais
distantes, períodos diferentes vão se tornar parte do assunto para complementar
onde tentaremos concluir a idéia. E nestes primeiros momentos daremos ênfase a
uma dimensão que vai nos interessar mais, a cultura e sua relação com o poder.

A própria cultura está presente em conflitos e preocupações com aspectos


relacionados ao poder, deixando registrado na história contemporânea as suas
transformações sociais e políticas. Não penso que é de hoje, mas sempre, os
centros de poder se preocuparam em entender, definir, controlar e agir sobre o
desenvolvimento da cultura. A cultura não pode ser manipulada, mas a arte, a
propaganda, e assim por diante, podem ser usadas a favor da idéia de controlar e
influenciar, sendo assim armas de manipulação. Assim sendo, as preocupações
com os conflitos e interesses são manifestadas através das forças dominantes da
sociedade. A cultura é uma produção em massa, coletiva, mas que nem sempre
pertence a todos, e dado esse fato a cultura por algumas vezes acaba criando
marcas de desigualdade. Isso gera novamente uma luta pela universalização da
cultura e ao mesmo tempo uma luta contra as relações de dominação de poder
entre as relações sociais no interior das sociedades contemporâneas.

E nesse contexto, o elemento da música tem extrema importância para a


construção desse universo. Mais precisamente trabalharemos em um foco mais
delimitado da música: o Rock! Desde seu surgimento até os dias atuais, o Rock é
alvo de muitas discussões, sejam elas em questões musicais ou sociais. O fato é
que não podemos negar as suas influências nas posturas conservadoras. Para
compreender a essência do Rock é preciso sair do convencional, da passividade
comum dos outros elementos. E usando todo o poder de impacto da música e
principalmente do Rock é possível relacionar manifestações com todos seus
elementos á uma cultura. Os principais consumidores do Rock concentram-se nos
jovens nos momentos mais críticos e tortuosos, mas não se limita somente no
foco musical, as questões sociais sempre rodearam a atmosfera do Rock, Paulo
Chacon nos fala:
O Rock não é, portanto, apenas um tipo especial de música, de
compasso ou de ritmo. Restringi-lo a isso é não reconhecer sua
profunda penetração numa parcela (cada vez mais) significativa,
das sociedades ocidentais (1985, p.18)

Portanto, o histórico do Rock nos mostra que seu poder de propagar ideologias
sociais dentro de suas letras e outros elementos é marca registrada no âmbito da
história cultural recente. Cabe-nos aqui, dar um retrato a respeito dessa
dimensão.
Capitulo 2 A política nacional em transição: 1980-1990

O universo político nos leva a percorrer caminhos que nos fazem analisar
toda sua relação com os tempos atuais. A década de 80 no Brasil viveu um dos
maiores momentos em que o povo despertava e necessitava de voz ativa naquele
período. A democracia se fazia presente na vontade popular e observando estes
últimos anos políticos no Brasil e em todo o mundo, somos obrigados a colocar
novas percepções sobre os problemas culturais e sociais. É fato que, para a
permissão de uma abertura democrática a tomada de decisão política envolve
vários parâmetros a serem observados e Marilena Chauí alerta:

Na esfera político-instuticional, uma das afirmações centrais


concernentes á democracia consiste em admitir que se trata de
uma forma política não só aberta aos conflitos, mas
essencialmente definida pela capacidade de conviver com eles e
de acolhê-los, legitimando-os pela institucionalização dos partidos
e pelo mecanismo eleitoral (2007 p.151)

O Brasil estava em um processo de mudanças, o regime militar que imperava


desde o ano de 1964, agora estava de saída e para compreender esse período
Boris Fausto explica:

Em várias passagens, utilizamos para designá-lo a expressão


―regime militar‖, no sentido de que pela primeira vez a cúpula
das Forças Armadas assumiu diretamente o poder e muitas
funções de governo. O alto Comando das Forças Armadas,
composto pelos três ministros militares, o chefe do Gabinete
Militar da presidência, representava a instância decisória mais
alta na indicação dos presidentes. (2008, p.512)
A década de 80 começaria com novos rumos relacionados aos fatores políticos,
Marly Rodrigues nos explica por que:

Os primeiros ventos da abertura – soprados em 1979 pela anistia


que possibilitou o retorno de exilados ao País e reforçados pela
intensa movimentação social – provocaram reações de extrema
direita (2001, p.14)

Uma nova visão passou a ser analisada perante o Estado, que como de
costume era visto gigante, ameaçador, passou a não ser detentor de toda força e
autoridade. E sobre essa discussão, a revolução deixou de ser a única saída para
as injustiças sociais, nesse movimento de redescoberta outras possibilidades
emergiram dos anos 80 passaram a dar ênfase aos problemas próximos. A
construção de uma sociedade mais justa, a liberdade e melhores condições de
vida passaram a ser vistos como ideais a serem conquistados no cotidiano,
principalmente nas transformações de comportamentos individuais.

A abertura política dos anos 80 era uma incógnita, restavam saber quais
seriam os rumos dessa abertura, já que em nossa cultura a democracia é uma
palavra de sentido fluído. Os movimentos sociais pressionaram o governo com
greves, organizações de bairro, sendo de fundamental importância para a
abertura de conquistas democráticas. Isso claramente exigia mudanças nos
canais efetivos da participação das classes trabalhadoras. Com isso, as medidas
para conter as manifestações eram tomadas, como por exemplo, o Decreto
no.2045, em 1983, que alterava a política salarial, e em 1984, quando foi votada a
emenda Dante de Oliveira que propunha as eleições diretas para a presidência do
Brasil.

No final do ano de 1979, uma reforma partidária definiria os partidos e seus


segmentos pelo interesse que representariam. O antigo MDB tornou-se PMDB
(Partido do Movimento Democrático Brasileiro), o antigo Arena se transformaria
no PDS (Partido Democrático Social), apoiava o governo e setores da burguesia,
juntamente com proprietários rurais. Outros partidos formaram-se como o PTB
(Partido Trabalhista Brasileiro), PDT (Partido Democrático Trabalhista), e o PP
(Partido Popular) ,esse de Magalhães Pinto e Tancredo Neves, liberal
conservador e que reunia parte da alta burguesia. O PT (Partido dos
Trabalhadores) conseguiria seu registro no início de 1982, apresentando uma
opção socialista, originado das lutas dos metalúrgicos do ABC Paulista. Tudo isso
em torno da classe sindicalista e operária da cidade de São Paulo (RODRIGUES,
2001).

Essa reforma partidária tinha, contudo, objetivos de fragmentar a oposição


e legitimar a representação política. Em 1983, a mobilização social para as
eleições diretas começou em um ato público em Goiânia, ao qual compareceram
5 mil pessoas. A ―diretas já‖ era coordenada pelo Comitê Nacional Pró-Diretas,
que contava com as associações estudantis e os centros sindicais. As
manifestações tornaram um corpo maior no início de 1984, onde se realizaram
nas principais capitais, comícios que reuniam multidões (RODRIGUES, 2001) no
vale do Anhangabaú em São Paulo, onde compareceram cerca de 1,7 milhões de
pessoas, que entusiasmadas gritavam para o direito de elegerem o presidente do
Brasil. Atores, apresentadores de TV e cantores emprestavam seu apoio aos
políticos nos palanques de comício (RODRIGUES, 2001).

As manifestações culturais tomavam corpo e autenticidade perante seus


desejos de democracia, os meios de comunicações que inicialmente
permaneciam imparciais, acabaram transmitindo a cobertura total às diretas. O
povo cantava o Hino Nacional a uma só voz em ruas e praça; vieram os
panelaços e buzinaços organizados, até mesmo em Brasília. Em abril de 1984 a
votação de Emenda Dante de Oliveira não conseguiu os 2/3 dos votos no
plenário, necessários para sua aprovação. Alguns jornais paulistanos incitavam o
povo a usar preto pelo Congresso Nacional, e classificavam os congressistas que
apoiaram a emenda de ―fósseis da ditadura‖. (RODRIGUES, 2001).

Após a rejeição à emenda Dante de Oliveira, as oposições continuavam a


cogitar propostas para a continuidade do movimento. Em junho de 1984, dez
governadores da oposição propuseram mudanças em alguns aspectos da
Constituição e reafirmando a importância das eleições diretas indicando um
candidato preferencial, Tancredo Neves. Ainda em agosto de 1984, o PDS indicou
Paulo Maluf para ser candidato a sucessão presidencial, e o PMDB ratificou a
candidatura de Tancredo, cujo vice era José Sarney. Tancredo iniciou sua
campanha política com vários comícios pelas capitais brasileiras, começando a se
consagrar como ―Salvador‖ de uma ―Nova República‖.

Em 15 de janeiro de 1985, o Colégio eleitoral reuniu-se, elegendo Tancredo


com 480 votos, contra 180 de Paulo Maluf.Depois de 21 anos, o Brasil voltava a
ter um presidente civil, embora os velhos políticos permanecessem na ―Nova
República‖ que se iniciava. Porém, horas antes de tomar posse, Tancredo foi
internado às pressas para submeter-se a uma cirurgia, o estado de saúde se
agravou, arrastando-se até dia 21 de abril, quando faleceu, sem mesmo antes
vestir a faixa presidencial. Sarney tornara-se, então presidente do Brasil e
futuramente perder-se-ia nos problemas econômicos. No governo Sarney, pontos
polêmicos como:Estabilidade de emprego; jornada de trabalho; greves; reforma
agrária; dividiam as opiniões no plenário. Essas discordâncias acabariam por
rachar os partidos de direita, enquanto os partidos de esquerda se preservavam e
alcançavam algumas vitórias nas votações (RODRIGUES, 2001).

Em 1988 a Nova Constituição brasileira passou a vigorar no país, foram


incorporadas algumas liberdades, como proibição de censura, alguns direitos
como o de greve e de não interferência do Estado nas organizações sindicais.
Mas essas mudanças não seriam o suficiente para os desequilíbrios sociais e
nem garantir o direito de todos sobre os planos democráticos entre as classes
sociais. Sobre essa perspectiva, a classe trabalhadora reforçava que era preciso
criar uma prática social organizada para ampliar a pressão sobre o Estado.
Algumas resoluções que já haviam sido aprovadas pelo governo começaram a
ser desrespeitadas, reformulações de ministério e aprovações de concessão à
rádio e TV, além de assinar medidas irregulares como contratações de
funcionários públicos sem concurso.

E nesse desrespeito às resoluções talvez a mais representativa tenha


acontecido durante a greve dos metalúrgicos de Volta Redonda, em novembro de
1988, quando o governo negou o direito de greve recém garantido
constitucionalmente. O governo autorizou a invasão do exército nas dependências
da usina ocupada pelos grevistas, a violência da repressão resultou na morte de
três operários e 42 feridos. Isso tudo aconteceu porque eles exigiam 26% de
reposição salarial, implantação do turno de 6 horas de trabalho e a readmissão de
70 companheiros demitidos nas últimas greves.

As greves da década de 80 estenderam-se aos professores, médicos,


motoristas, funcionários públicos, engenheiros e bancários, que exigiam o fim das
demissões em massa, aumentos salariais, estabilidade de emprego e
reconhecimento das representações nos locais de trabalho. Todas as idéias e
contestações do povo surgiram exatamente da esperança provocada pelas
oportunidades oferecidas pela ―Nova República‖ e cada vez mais os cidadãos
brasileiros tomavam conhecimento do seu poder de transformação. Marly
Rodrigues nos fala:

O respeito aos direitos do cidadão não depende, portanto, só das


leis. Ele é conquistado por uma postura individual reivindicatória e
pela ação organizada das forças populares que possibilitem entre
outras coisas, a superação da mentalidade do ―levar vantagem‖,
expressa até nas pequenas atitudes do dia-a-dia, segundo qual
todo abuso do espaço alheio é legítimo (2001, p.29).

Diferente da juventude que viveu a ditadura de 64, os objetivos e o sonho


de construir um Brasil mais justo e igualitário, os movimentos dos anos 80 veriam
um futuro mais palpável para colocarem os planos construídos por eles em
prática. No mesmo mês da ação do exército sobre os grevistas da usina de Volta
Redonda, realizaram-se as eleições municipais no Brasil, onde a grande maioria
foi vencida pelas oposições e entre eles, evidenciou-se uma grande força: PT
(REALE, 1992). Claramente o fato causou estranheza, pois o povo sempre
participava com seu voto para as classes dominantes, e agora o
descontentamento com o governo Sarney gerava uma negação gritante diante da
continuidade de um jogo político no qual apenas as elites detinham o poder
necessário para uma vitória eleitoral (REALE, 1992). E mais do que isso tudo,
essa vitória esquerdista permitiu a criação da polaridade política necessária
naquele momento para a expressão das forças sociais. A direita taxava a vitória
como sendo a vitória da baderna ou do socialismo, mas não foi assim recebida
pela maioria e Miguel Reale explica:

No fundo será benéfico, para esclarecimento do cenário político,


que um partido de extrema esquerda assuma a responsabilidade
do poder, ainda que nos quadros da maior das metrópoles da
América do Sul, para dar prova de sua capacidade administrativa
e da aptidão para afrontar as reivindicações salariais dos
servidores do município e de suas permissionárias de serviço
publico. (1992, p.174)

Antes mesmo das vitórias dos partidos de oposição acontecer, em meados


de 1988, movimentos dos centros liberais e partidários de direita se preparavam
para se contrapor aos partidos de esquerda, e sempre evocando a possível
presença de uma implantação de regime marxista no Brasil para poder justificar a
manutenção do monopólio do poder nas mãos da mesma classe elitista. Mas no
ano de 1989, os brasileiros se preparavam para a nova oportunidade de eleger o
presidente da República. Havia a possibilidade de um candidato de esquerda
ganhar as eleições e isso causou atitudes grosseiras, comuns no período da
ditadura, para que pudessem forjar diante dos eleitores a verdadeira ideologia de
alguns partidos.

A verdade é que as eleições de 1989 culminaram em uma disputa entre


Fernando Collor de Melo e Luis Inácio Lula da Silva, de um lado a classe elitista
―espalhando‖ declarações ainda fundadas nos preconceitos contra os comunistas
criados durante o período da guerra fria, e do outro, os metalúrgicos e operários
que baseavam suas idéias no combate aos problemas sociais. A campanha
eleitoral de ambas as partes ganhou um clima de ―vale-tudo‖, com denúncias da
vida particular dos presidenciáveis, e seqüestros forjados para incriminar o lado
socialista, mas isso não tirou o crescimento do PT nas pesquisas. Em dezembro
de 1989, o resultado do pleito deu a vitória a Collor, com 42,75% dos votos,
contra 37,86% de Lula. Em 15 de março de 1990, Fernando Collor de Mello e
Itamar Franco, tomaram posse da presidência, diplomados pelo Supremo Tribunal
Eleitoral (RODRIGUES, 2001).
Em meio a todo esse processo político, se configura culturalmente como
meio de contestação e um olhar atento a tudo, o rock. É com esse olhar que
iremos nos deter de agora em diante ao focalizarmos um período, uma
manifestação e um grito de vida na voz da música.
Capítulo 3 - Rock dos anos 80

As questões que se relacionaram à cultura e política na década de 80


ficaram marcadas para sempre, e como já sabemos, isso tudo aconteceu em um
contexto bem conturbado no Brasil. Mas isso desencadeou uma impulsão positiva
no meio cultural brasileiro, e o rock em destaque começava a ser visto de uma
maneira surpreendente. O rock começou a ser percebido primeiramente pelos
jovens como uma manifestação cultural poderosa, e não pelos detentores de
poder da época.

Para definir o rock é preciso ir além do campo musical, é preciso entrar no


campo sociocultural, é também necessário compreender que a atitude
transgressora dos artistas reflete nas pretensões rebeldes de seus fãs.
Inicialmente lá atrás, na década de 50, Elvis Presley já dizia: ―É difícil explicar o
rock n‘ roll (...) É uma batida que te pega, você a sente.‖ (CHACON, 1985, p.16)
Isso nos exige uma compreensão mais social, menos primitiva. Para dar início a
esse estudo é importante retornar um pouco no tempo, mais precisamente no
inicio da década de 50. Em sua forma mais simplificada o rock é composto de três
ou quatro acordes, que desencadeia uma batida forte e contínua, e uma melodia
pegajosa. Claro que isso se encaixa no Rock and Roll, onde depois, vários
artistas vão recriar e redefinir esse som, da invasão inglesa folk-rock e psicodelica
ao hard rock, heavy metal, glam rock e punk. Diversos subgêneros foram surgindo
e muitos deles conservando a concepção musical das décadas de 50 e 60.

As raízes do ―rock and roll‖ nasceram de fontes variadas: o blues


tradicional, o rhythm & blues e a música country. Juntando tudo isso e
acrescentando o gospel, jazz e o folk, teremos uma estrutura musical que no
estilo blues, irá gerar o rock. E esse modelo de música teve seus representantes
na primeira geração rockers: Elvis Presley, Chuck Berry, Litlle Richard, Jerry Lee
Lewis, Buddy Holly, Carl Perkins entre outros. E já nessa época o rock and roll
nasceu polêmico. A juventude da época começou a se revoltar contra o racismo,
e a música foi uma forma, uma vertente da cultura, de unir a todos. Como já
vimos no capítulo anterior, a década de 80 foi importante e decisiva para a política
brasileira, e não foi diferente para o rock.

Vivendo um tempo de ditadura e militarismo, os músicos e escritores


enfrentavam o fantasma da censura. Naquela altura, a música brasileira era
amargurada e essencialmente política, com muitas influências culturais diferentes,
isso de certa forma causou um cansaço nos jovens, que estavam atentos ao
movimento europeu, muito mais agressivo.

Grupos musicais como The Clash e Sex Pistols inovavam ao atacar mais
diretamente as suas insatisfações com o governo e a sociedade em suas
composições. Rockeiros como Raul Seixas e Rita Lee tentavam modificar a cena,
mas ainda era muito pouco e as pessoas precisavam de algo novo para fazê-las
esquecer um pouco de tudo aquilo que as deixavam tensas.

E foi em meio a isso tudo que apareceu o rock brasileiro dos anos 80, que
ficou conhecido como ―Rock Brasil‖. Foi em São Paulo que surgiu a primeira casa
noturna que abriu espaço para a nova geração do Rock, a Paulicéia Desvairada,
em 1982. Criada por Nelson Motta e Julio Barroso (da banda Gang 90), foi o
primeiro lugar a tocar punk e new wave no bairro dos jardins, pois até então, as
festas punks só eram realizadas na periferia. Quando essa casa fechou o mesmo
Julio abriu outro espaço, chamado agora de Hong Kong e grande bandas como
Barão Vermelho e Titãs se apresentaram por lá inicialmente. Aliás, mais adiante
falaremos sobre alguns grupos musicais de maior expressão dessa cena. No Rio
de Janeiro, existia o Circo Voador, que foi onde começou a despontar as bandas
do rock carioca como Paralamas do Sucesso, Kid Abelha, Barão Vermelho, Gang
90. E o lugar serviria ainda de palco para muitas bandas emergentes de outros
estados. Não se pode deixar de falar da febre das danceterias em São Paulo,
sempre com bandas ao vivo. Mais tarde ainda outro lugar marcaria o cenário
underground da cidade, o Madame Satã, onde era o ponto de encontro de todos
os que procuravam um espaço alternativo (VINIL, 2008).
Todos esses lugares garantiriam a divulgação do novo rock brasileiro que
estava surgindo. Mas esse rock brasileiro ainda não estava tão preocupado ou
influenciado por questões sociopolíticas, não se caracterizava como música de
protesto. Até mesmo porque, a censura fez com que a música de protesto fosse
substituída por uma música comercial, sem engajamento político, mas essa
mesma censura irá provocar o pensamento contracultural. E esse termo
―contracultura‖ surge na década de 60 pela imprensa norte-americana para
denominar os conjuntos de manifestações culturais que estavam repercutindo em
todo o mundo. E nesse quadro de manifestações, a música é mais do que
simplesmente uma ferramenta cultural e Carlos Alberto Messeder Pereira nos diz:

Por tudo que conseguiu expressar, por todo o envolvimento social


que conseguiu provocar, é um fenômeno verdadeiramente
cultural, no sentido mais amplo da palavra, constituindo-se num
dos principais veículos da nova cultura que explodia em pleno
coração das sociedades industriais avançadas (1983, p.43)

O rock nacional dos anos 80 foi percebido pelo mercado fonográfico e


tratava de uma ótima oportunidade de ampliar a vendagem de discos, já que a
MPB passava por um período de baixa popularidade das rádios. Começava ali, o
entusiasmo por grandes bandas de rock, que só fez aumentar o investimento
neste setor. Esse rock produzido na década de 80 vai apresentar uma variedade
de ritmo e estilos, mas sempre com o objetivo maior de atingir a classe
adolescente. As musicas retratam as necessidades, os problemas cotidianos, e os
punks ficariam mais tarde com a responsabilidade de retomar o protesto político e
social. E existe ainda um detalhe que é essencial para se poder compreender a
evolução desse rock brasileiro, o punk vem como um estilo que abre as portas
para esse gênero tomar conta das rádios. Arthur Dapieve ressalta:

Mesmo que preferisse formas menos agressivas, ou até mesmo


―reacionárias‖, como o heavy metal e o progressivo, este BRock devia
tudo, corpo e alma, ao lema punk ―do-it-yourself‖, faça-você-mesmo.
Tal como o rock lá fora, a MPB se aburguesara, autocomplacente e
autofágica—estéril. (1995, p.23)
Ao contrário da década de 70, o rock nos anos 80 conseguiu uma abertura
bem maior, a mídia de maior alcance e a padronização de circuitos de divulgação,
fez as bandas alcançarem um estrelato maior. É possível dizer, e quase que
unânime o entendimento, que o divisor de águas dos anos 80, foi o festival do
Rock in Rio em 1985. Esse evento possibilitou a abertura de bandas
internacionais no cenário nacional, impulsionando o movimento do rock brasileiro.
O fato de o rock só ter se popularizado na década de 80, não significou que
éramos leigos no assunto, mas necessitávamos de um trabalho mais bem feito
nesse território cultural, para assim se consolidar de vez. Outro fato importante a
se dizer nessa indústria cultural, é que o mercado de produtos fonográficos nos
anos 80 entrou em meio a uma incógnita, encontrando solução no rock nacional,
que mobilizou aquela juventude desvinculada da cultura nacionalista dos anos
anteriores.

O rock nacional teve sua preparação nos anos de 81 a 82, para viver uma
fase de ascensão entre 1983 a 1987, e depois sofrer uma pequena baixa, mas
mesmo assim mantendo-se como a grande força da musica nacional. As
gravadoras se alertavam às manifestações vindas do eixo Rio-São Paulo.
Começando pelo rock carioca, temos várias bandas que influenciadas pela new
wave e o rock internacional, surgiram deixando marcas expressivas no mercado
fonográfico e muitas delas permanecendo até os dias de hoje. Lembrando que
neste capítulo estamos destinando a compreensão das bandas que tiveram maior
expressão da mídia brasileira de época, para depois compreendermos as bandas
undergrounds, denominadas punks (VINIL, 2008).

Comecemos pela Blitz, liderada por Evandro Mesquita, a Blitz lançou em


1982 seu primeiro compacto, Você não soube me amar. Um dos fundadores da
banda foi Lobão, que saiu em carreira solo antes mesmo do lançamento do LP,
As aventuras da Blitz (1982). A banda sofreu com músicas censuradas, tendo
álbuns contendo aviso do governo sobre as faixas inutilizadas. Após os
lançamentos de Radioatividade (1983) e Blitz 3 (1984), a banda se desfez.
Evandro Mesquita seguiu com sua carreira de ator e Fernanda Abreu que também
fazia parte da Blitz seguiu carreira solo bem sucedida. Novamente no final dos
anos 90, Evandro Mesquita montou novamente a Blitz com outra formação, e
gravou novas canções. Outro grupo carioca de grande expressão foi o Barão
Vermelho, que teve inicio no ano de 1981 fundado pelo então guitarrista Roberto
Frejat, e lançaram seu primeiro álbum em 1982. A projeção alcançada foi
conquistada com a música ―Pro dia nascer feliz‖, incluída em Barão Vermelho 2
(1983). No álbum seguinte, o maior sucesso foi “Bete balanço” que apareceu no
álbum Maior Abandonado (1984), daí por diante a banda alcançou o estrelato e
teve uma apresentação histórica no Rock in Rio em 1985.

Logo em seguida, Cazuza deixou a banda para seguir carreira solo e


Frejat permaneceria como o vocalista da banda dali por diante. Considerada uma
das melhores bandas nacionais ao vivo, o Barão Vermelho continua até hoje em
atividade. A carreira solo de Cazuza começou com o álbum Cazuza (1985), de
onde saíram vários sucessos como ―Exagerados” e a balada ―Codinome Beija-
Flor”. Mas o seu melhor trabalho viria com Ideologia (1988), que, além da faixa-
título, continha vários sucessos como “Blues da piedade”, “Brasil”. No final da
década ,Cazuza estava debilitado em razão da AIDS, mas mesmo assim teve
forças para lançar Burguesia (1989) e depois de sua morte foi lançado o póstumo
Por aí (1991). Outra banda de fundamental importância são os Paralamas do
Sucesso, apesar de os integrantes serem de Brasília, eles não fazem parte das
bandas que vieram de lá, como Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial. Esse
trio já morava no Rio no início dos anos 80, no começo eram Hebert Vianna na
guitarra, Bi Ribeiro no baixo. No começo de 1982, a banda tinha dois vocalistas,
Ronel e Naldo, o baterista era Vital (o mesmo da música), os dois vocais logo
saíram da banda e Hebert assumiu o microfone. Vital faltou a uma apresentação e
foi substituído por Barone, mas acabou servindo de inspiração para o primeiro
sucesso da banda: ―Vital e sua moto‖. Esse sucesso acabou gerando a
oportunidade do primeiro contrato com a gravadora EMI, que lançou o primeiro LP
da banda, Cinema Mudo (1983), logo após veio O Passo do Lui (1984). Com esse
álbum ,vieram sucessos como ―Óculos‖, ―Meu erro‖, ―Mensagem de amor‖ e
―Romance ideal‖ (VINIL, 2008).

O disco seguinte seria Selvagem? (1986), está na lista dos melhores discos
da banda e tem ―pitadas‖ de MPB com as faixas ―Alagados‖ e ―A novidade‖, esta
escrita em parceria com Gilberto Gil. Em 1987, tiveram a oportunidade de tocar
em lugares internacionais, e a banda passou a ser famosa na América latina. O
tecladista João Fera entrou para o grupo e partir daí acrescentou ―metais‖ para os
arranjos. A banda faz parte do cenário rock até os dias atuais. Outras bandas
cariocas também ajudaram a construir BRock, Gang 90 e as Absurdettes foi uma
banda influenciada pela new wave do B-52 ‗s e do Blondie. A banda liderada por
Julio Barroso estreou no festival MPB Shell, da rede Globo, em 1981, com a
música ―Perdidos na selva‖, mais tarde regravada pelo Barão Vermelho. A banda
teve música tocada na abertura de novela, mas a carreira da banda foi
bruscamente interrompida pela morte de Julio Barroso, em 1984. Em 1986, foi a
vez de aparecer o Biquíni Cavadão com o LP Cidades em Torrente, que continha
seus grandes hits de década, ―Timidez‖, ―No mundo da lua‖, e ―Tédio‖.

Na virada da década de 70 para 80, São Paulo tremia nas mudanças da


linha de evolução da música nacional. Vindo das vanguardas paulistanas e da
MPB, o rock nacional paulista revelaria várias bandas que fixariam suas
identidades já nas primeiras aparições. No inicio dos anos 80, dois amigos, Paulo
Ricardo e Luiz Schiavon, resolveram compor algumas músicas juntos, e sem
saber viriam a formar a banda de maior sucesso de década de 80: o RPM. O
guitarrista Fernando Deluqui e o baterista Paulo P. A. completariam a banda. De
cara a gravadora se surpreenderia com a vendagem do primeiro LP Revoluções
por minuto (1985), quase todas as músicas viraram hits nas principais rádios do
país. O disco vendeu mais de 300 mil cópias e consagrou músicas como ―Olhar
43‖, ―Rádio pirata‖, ―A cruz e a espada‖, ―Louras geladas‖ e ―Revoluções por
minuto‖. Em 1986, a banda inevitavelmente chegaria ao estágio de megastars do
rock brasileiro, e nunca uma banda tinha alcançado isso tão rápido quanto eles,
os shows já estavam sendo transferidos para os ginásios e estádios (VINIL,
2008).

Mais tarde, cansados da superexposição na mídia, o RPM resolve dar um


tempo na carreira, retornando no ano de 1988, mas não alcançariam o mesmo
sucesso apesar de vendagem chegar a 250 mil cópias com o disco Os quatros
coiotes (1988). Depois desse álbum, eles encerram a banda e Paulo Ricardo
investe na carreira solo. No ano de 2002, eles voltam para a gravação de álbum
ao vivo, e algumas apresentações esporádicas. A cidade de São Paulo vivia um
caldeirão de idéias representado pelas bandas, e uma delas representou bem
esse período. Formada por Nasi no vocal, Edgard Scandurra na guitarra, Ricardo
Gaspa no baixo e André Jung na bateria, o IRA! Lançaria seu primeiro álbum,
Mudança de comportamento (1985). Esse disco continha uma música chamada
―Núcleo base‖, composta por Scandurra relatando sua experiência no Exército.
Vivendo e aprendendo (1986) e foi o primeiro grande estouro da banda, músicas
como ― Envelheço na cidade‖, ―Vitrine viva‖ e ―Flores em você‖, lhes renderam
projeção nacional, a banda também seria conhecida por letras muito ousadas e
criativas, Psicoacústica (1988) seria uma amostra disso. Entre as bandas
paulistanas, a banda que vamos citar agora talvez seja a mais emblemática
enquanto atravessou a década de 80: Os Titãs.

Eles seriam os responsáveis por ser uma banda de alto conceito na mídia,
mas que ao amadurecerem as idéias, apresentariam em seus álbuns um pouco
de contracultura citada agora a pouco no início do capítulo. Começaram no ano
de 1982 com o nome de Titãs do Iê Iê, uma sátira new wave da Jovem Guarda e
a banda contava com um belo time de compositores. No início eram nove
integrantes, depois se reduziram a oito, mudando também o nome para Titãs,
somente. O primeiro disco, Titãs (1984), emplacou somente ―Sonífera ilha‖, o
segundo LP Televisão (1985), com a produção de Lulu Santos, alcançou maiores
sucessos com ―Televisão‖, ―Insensível‖ e ―Massacre‖. No ano de 1986, Cabeça
Dinossauro, veio provar a competência da banda ao falar de assuntos que se
relacionavam a política e sociedade, o disco era carregado de influência punk
diferenciando-se dos anteriores, e talvez por isso seja um dos discos mais
aclamados do grupo durante toda a carreira. No ano seguinte, lançaram mais um
clássico:‖ Jesus não tem dentes no país dos banguelas,” seguiu a mesma linha do
anterior, e nessa época fizeram uma grande performance no festival Hollywood
Rock. Em 1988, lançam um álbum ao vivo, e em 1989 Õ blésq blom se
consagraria como um dos álbuns mais elaborados da banda. As músicas são de
arranjos riquíssimos e efeitos eletrônicos que combinam com a atmosfera do
disco e com ele, alcançam um prêmio da MTV americana de melhor vídeo de rock
da América Latina, com a música ―Flores‖ (VINIL, 2008).

Vale a pena citar também a banda liderada por Roger Moreira, o Ultraje a
Rigor, que era fiel ao estilo rock and roll dos anos 50. Um dos sucessos da banda
―Inútil‖, que continha uma letra politizada, porém, bem-humorada, chegou a ser
citada por políticos como Ulisses Guimarães na época das Diretas Já. O Ultraje
colecionou vários hits pela década de 80 ―Nós vamos invadir sua praia‖, ―Sexo‖,
―Marilou‖, ―Ciúmes‖ e ―Independente Futebol Clube‖. Fora desse eixo Rio-São
Paulo, teremos bandas importantes também para a construção do cenário do rock
nacional. Brasília foi um grande celeiro de bandas que representaram muito bem
sua região para o resto do país. Há ainda uma discussão interessante sobre
quem teria o papel de ter gerado os primeiros grupos punks, mas é uma conversa
a ser discutida mais a frente.

Sem qualquer sombra de dúvida, Legião Urbana, liderada por Renato


Russo seria a grande revelação do rock por aquelas ―bandas‖. Legião foi a
primeira banda da capital do Brasil a atrair a atenção da mídia. O primeiro LP
Legião Urbana (1985) trazia grandes sucessos como ―Geração Coca-Cola‖,
―Será‖ e ―Ainda é cedo‖. Outros três discos se tornariam clássicos da música dos
anos 80, Dois (1986) que continha o grande sucesso ―Eduardo e Mônica‖ e
―Tempo perdido‖, chegou a fazer a banda vender quase um milhão e meio de
discos. Já o álbum Que país é este? (1987), surge com faixas altamente
politizadas como ―Que país é este?‖ e ―Faroeste Caboclo‖, também outro hit com
―Eu sei‖, sendo considerado o disco com mais influência punk da Legião Urbana.
―Para completar a década As quatro estações (1989) também vêm recheado de
hits de sucessos da banda como ―Há tempos‖, ―Pais e filhos‖, Quando o sol bater
na janela do seu quarto‖ e ―Meninos e meninas‖. A banda tem a carreira
interrompida em outubro de 1996, com a morte de Renato Russo, mas a Legião
Urbana permanece até hoje como sendo um dos fenômenos da década de 80 no
cenário do rock nacional. E junto com a Legião Urbana, outra banda se originaria
nessas características, o Capital Inicial deu início em suas atividades no ano de
1983, com Dinho Ouro Preto nos vocais.

Em 1985, após ficarem dois anos no circuito underground, a banda


conseguiu o primeiro contrato com uma gravadora, e lançaram a primeira música
―Descendo o rio Nilo‖. Depois disso ,veio o LP de estréia, Capital Inicial (1986),
que teve como sucessos as músicas ―Fátima‖, ―Música Urbana‖, ―Psicopata‖,
―Veraneio Vascaína‖ e ―Leve desespero‖. Logo de inicio, a banda já alcançou
sucesso, e ganhou Disco de ouro pela venda de 100 mil cópias, seus outros
discos na década de 80 foram Independência (1987) e Você não precisa entender
(1989). Ainda em Brasília, surgiu o Plebe Rude, com um miniLP O concreto já
rachou (1986). As sete faixas contidas no LP alcançaram um relativo sucesso nas
rádios na década de 80, especialmente ―Até quando esperar‖, e a faixa-título.
Outros estados também tiveram seus representantes no cenário do rock nacional,
na Bahia precisava-se de um herdeiro para o trono deixado por Raul Seixas.
Então, aparece Marcelo Nova e a banda Camisa de Vênus, em 1983. A banda
sofreu muito com a censura, mas conseguiu emplacar hits como ―Eu não matei
Joana D‘Arc‖, ―Silvia‖, ―Bete morreu‖ e ―O adventista‖ (VINIL, 2008).

Em Porto Alegre, uma coletânea chamada Rock Grande do Sul (1986),


revelou grandes bandas como: Engenheiros do Hawaii, Nenhum de Nós e os
Replicantes. Essa compilação tinha várias músicas de sucesso como: ―Sopa de
letrinhas‖ e ―Segurança‖ do Engenheiros, ―Surfista calhorda‖ dos Replicantes ,
que aliás foi a primeira banda punk a se tornar famosa fora do estado do Rio
Grande do Sul. O Nenhum de Nós estourou com ―O astronauta de mármore‖,
versão para a música ―Starman‖, de David Bowie. No estado de Mina Gerais, a
maior representação veio por parte do Sepultura, banda que colocou o Brasil no
mapa das melhores bandas de metais do mundo. A partir do terceiro álbum da
banda, Schizophrenia (1987), começou a chamar atenção fora do país, tanto que
seu álbum foi pirateado no exterior e chegou a vender mais de 30 mil cópias.
Depois de despertar interesse nas gravadoras gringas, o Sepultura deu inicio á
uma saga como uma das melhores bandas de metal do mundo, na década de 90.
A banda permanece na ativa até hoje. Para finalizar essas citações das bandas
mais importantes da década de 80, finalizamos com a banda Vimana, que na
verdade é da década de 70, mas que revelou três grandes músicos para a década
seguinte. Entre eles: Lobão, Lulu Santos e Ritchie.

Lobão depois de gravar com a Blitz no primeiro disco, partiu em carreira


solo. Seu auge foi com o lançamento de Ronaldo foi pra guerra (1984), que trazia
o grande sucesso ―Me chama‖, música muito tocada nas rádios. Ainda na década
de 80, Lobão lançou vários discos que o consagraria como um dos grandes
artistas brasileiros da época. Lulu Santos, guitarrista virtuose da década de 70, foi
uma verdadeira fabrica de sucessos, começando com o LP Tempos modernos
(1982), que continha grandes hits como ―De repente Califórnia‖ e ―Areias
escaldantes‖. O álbum seguinte, O ritmo do momento (1983) consagraria de vez
seu sucesso, com as músicas ―Um certo alguém‖ e ―Como uma onda‖, talvez o
seu maior sucesso. Richard Court,, ou melhor dizendo, Ritchie, era inglês e
estava no Brasil desde 1972. No começo dos anos 80, lançou uma demo com a
música ―Menina veneno‖, que despertou o interesse de grandes gravadoras,
vendendo mais de 500 mil cópias. Seus álbuns sucessores também foram
campeões de vendas, lançando ainda nessa década quatro discos (VINIL, 2008).

Apesar de a década de 80 ter iniciado de uma forma que não favoreceria


ao rock, o estilo conseguiu se destacar entre os demais, e ainda ser considerado
até hoje como sendo a década que impulsionou o rock nacional. Muitas bandas
que passaram por essa década com sucesso permanecem até hoje no cenário
musical brasileiro, outras que se finalizaram naquela época mesmo ficaram na
memória da juventude oitentista. E observamos também que o surgimento das
bandas foi descentralizado e o movimento musical explodiu em todas as regiões
nacionais. Assim, o rock se consolidou no Brasil. Mas ainda dentro desse rock
surgiria um movimento mais agressivo e direto, os punks usariam essa ferramenta
para expressarem as necessidades suburbanas.

Capitulo 4 - O punk: música e contestação

4.1 – O punk e seu surgimento na Europa

Desde a década de 50, o rock vem causando impacto, moda, choques


sociais, comportamentos e estilos. Hoje observando a trajetória desse estilo
musical, vemos que uma das ultimas guinadas mais importantes que ele tomou,
foi à entrada do punk para a lista de uma de suas várias vertentes. Depois do
movimento hippie dos anos 70, o punk seria uma revanche desse mesmo ideal,
como se fosse o mesmo lado da moeda. Como todas as coisas que um dia
precisam de renovação, a música chegou a um ponto em que se precisava de
uma balançada para dar continuidade naquela estrutura toda. Nos anos 70, o
psicodelismo e a música progressiva começavam a se tornar chata e sem sentido,
os jovens buscavam algo mais na música, algo que a partir dali começasse
novamente a chamar atenção da sociedade, Antônio Bivar fala: ―A próxima coisa
teria que ser o oposto dessa abundância oca. A próxima coisa teria que ser um
retorno ao básico. A próxima coisa teria que ser o punk. E foi.‖ (2001, p.35)

Se a música agora pertencia a uma nova tendência musical a ser


quebrada, nada mais justo e obvio que isso seria tarefa para novamente os jovens
entrarem em ação. Para se começar a entender esse processo, iniciemos uma
breve trajetória do punk até chegar ao Brasil. A palavra punk foi citada pela
primeira vez em um filme de James Dean, pela Warner no ano de 1955, para
designar, no filme, um bando de arruaceiros e jovens barulhentos. Na música, e
Antônio Bivar nos ajuda a compreender:

A palavra punk apareceu pela primeira vez em letra de rock em


1973, na música Wizz Kid, do grupo Mott the Hoople – uma
banda pré-punk. A letra diz ―her father was a street punk and her
mother was a drunk” (o pai dela era um punk das ruas e a mãe,
uma bêbada). Mas aí a palavra é usada como substantivo e não
como movimento. (2001, p.38)

O movimento musical punk começaria suas origens nos subúrbios ingleses


em 1976, ou pelo menos onde a maioria das fontes nos sugere ter acontecido.
Apesar de haver bandas com as mesmas características já nos EUA no inicio de
1974, é na Inglaterra onde vai acontecer o grande Big Bang da revolução musical
e cultural. O grande personagem a ser citado nesse início de compreensão do
movimento é Malcolm McLaren. Inglês de origem judia, Malcolm freqüentou na
adolescência várias escolas de arte, comuns na Inglaterra naquele período. Em
1971, ele abre uma loja de roupas com afinidades ligadas ao rock nostálgico dos
anos 60, o nome da loja de Malcolm era Let it Rock. Em 1975, a loja muda de
nome, Malcolm tem a idéia de trabalhar com roupas de couro e modas
extravagantes, o nome da loja: SEX.
A partir desse momento são poucos passos para que o punk seja
conhecido no mundo inteiro. Malcolm decide formar um conjunto que use suas
roupas e crie um estilo inovador e seus integrantes iniciais são nada mais que
dois ladrões de carros: Steve Jones e Paul Cook. Freqüentadores assíduos da
loja desde 1971, eles aceitam o convite de serem empresariados por Malcolm,
completariam o time, Glen Matlock e Johnny Rotten (Joãozinho Podre para o
português). O quarteto começa ensaiando e Malcolm os incentiva a escrever
músicas que retratam a verdadeira realidade dos garotos de origem proletária.
Matlock é o mais criativo musicalmente, mas é Johnny Rotten quem vai compor
as letras abrasivas sobre política e sociedade. A banda começa a se apresentar e
chamar a atenção dos jornalistas que estão presentes nos eventos, os Sex Pistols
dariam inicio ao temido movimento punk. As apresentações são cheias de
agressividade e contestações, e com isso outras bandas punks começam a se
formar. Mas o punk não seria só um visual, uma música chula, é também um
ataque a sociedade exploradora e estagnada nos seus próprios vícios (BIVAR,
2001).

Em 1976, a mídia não quer saber de publicar outra coisa que não seja
sobre os punks, mas nesse inicio o movimento ainda era mais uma revolução de
estilo do que política. Mas aos poucos vai entrando em um campo que vai ferir as
esferas do poder, começando a dar inicio a sua ideologia: o anarquismo. Em
todas as suas manifestações, o punk vai priorizando suas características, vai se
modelando, começam a ser a favor da exteriorização de um sentimento mais forte
contra todo o erro humano e suas falhas, toda a opressão, injustiças, mentiras,
torturas que afetam as pessoas desprivilegiadas como eles. Os festivais punks
começam a ser realizados com mais freqüência na Inglaterra, causando a
popularidade do estilo musical, e o mais importante efeito alcançado,
ultrapassando as barreiras do reino unido e chegando ao resto do mundo. Claro
que a popularização no exterior seria mais lenta e mais ―estereotipada‖ do
verdadeiro sentido do que estava acontecendo. Acompanhando toda essa
evolução do punk, é possível fazer um pequeno comparativo com o movimento
hippie dos anos 60. Aquele período ficou marcado pelo nascimento da
contracultura e Carlos Alberto Messeder explica:
Desta forma o homem novo que a contracultura tentava construir
pressupunha efetivamente um novo modo de conceber e de se
relacionar com o mundo a sua volta, nas mais diferentes áreas do
seu cotidiano, exigindo portanto o surgimento de uma nova
consciência ou de uma nova sensibilidade (1983, p.86)

Não vejo uma diferença muito grande entre os dois períodos, claro que a
ideologia, os métodos e maneiras de se expressarem se diversificavam, mas a
busca pelo espaço e notoriedade dentro da sociedade existia em ambos os
movimentos, permitido também lembrar que na essência mais profunda, os dois
movimentos geram uma crítica anárquica em oposição à ordem dominante.
Seguindo adiante, o Sex Pistols mais do que nunca já espalhava pela Inglaterra
toda sua fúria e contestação contra o governo da rainha, e os problemas vividos
por eles na sociedade proletária. Após fazerem várias apresentações, eles
conseguem o visto americano para que se apresentem nos EUA. Isso causaria
um tumulto no país, que ansiosamente esperava pelo conjunto mais temido do
momento. Por onde passam, os Pistols deixam um rastro de destruição, no
sentido às vezes material, mas principalmente uma destruição ideológica das
platéias que os assistem. Nesse mesmo período, eles encerram as atividades da
banda, por conflitos internos principalmente, e em 1979, Sid Vicious que entrara
por ultimo na banda e que também viraria um ícone para os punks, morreria de
overdose, deixando o punk órfão naquele momento.

Dalí em diante, o punk viveria uma fase que sofreria para sobreviver como
uma vertente do rock, mas entre 1979 e 1981, várias bandas se formariam no
cenário mundial, pois o trabalho dos Sex Pistols renderia frutos. A partir de 1981,
o punk se despontaria, mesmo que de forma pequena em alguns países, países
socialistas como Iugoslávia, Polônia, Tcheco-Eslováquia teriam representantes
do movimento, Itália, Alemanha, Noruega, Holanda, ninguém escaparia dos ideais
anárquicos. Era como se fosse um levante punk pela segunda vez, e agora a
preocupação era com a guerra das Malvinas, já que até hoje a Europa parece ser
traumatizada com as Guerras Mundiais. Bom, depois de termos vistos este início
do punk, de como se desencadeou tudo isso lá fora, é chegada a hora de saber
como recebemos isto no Brasil e como ele se estabeleceu como um dos
principais movimentos sociais de década de 80.
4.2 – O Punk e seu contexto no Brasil: uma analise sucinta

Antes de qualquer coisa, comecemos citando uma frase de Chico Buarque


sobre todo aquele alvoroço que o punk começava a fazer no Brasil: ―Se o punk é
o lixo, a miséria e a violência, então, não precisamos importá-lo da Europa, pois já
somos a vanguarda do punk no mundo inteiro‖ (Bivar, 2001). Aqui no Brasil, o
punk já se tornaria um fenômeno social de extrema importância logo de cara, pois
era quase impossível um movimento cultural ligado a música ganhar destaque
sem o apoio das campanhas feitas pelo marketing das indústrias musicais, e
ainda sem uma movimentação internacional do mercado alternativo para os
punks. De certa forma, o movimento punk de Londres se identificaria com o
cenário paulista, a descoberta desse movimento acontecia por meios alternativos
que os poucos jovens que se identificaram, conseguiam. Aqui, São Paulo já era
uma das grandes metrópoles do mundo, e obviamente seria o local perfeito para
que o punk desse início ao seu trajeto. Antônio Bivar explica:

Por ser a maior cidade do país, é nela onde acontecem mais


coisas. Nela tem-se acesso a um número maior de
informações e só dela, no Brasil, poderia ter surgido um
movimento de rebeldia jovem urbana, como é o caso do
punk – o primeiro movimento recente com estilo, dentro de
uma cidade que há muito perdeu seu próprio estilo. (2001,
p.94)

Ao contrário de algumas opiniões, o punk no Brasil era autêntico, era uma


identificação com o movimento sobre as realidades encontradas por aqui. Como
característica, o punk quando começou a chegar ao Brasil, se escondeu por
subúrbios e periferia, e aos poucos os jovens estavam se identificando com esse
estilo de vida. Aquele ―resto‖ que sobrou dos rockeiros da década de 70 foi se
transformando nos novos ―marginais‖ da contracultura. Sobre isso há uma
discussão fervorosa sobre onde o punk realmente teria se instalado no Brasil. Ora
uns dizem Brasília, ora outros dizem São Paulo, mas a verdade é que na capital
do Brasil o punk ganharia notoriedade entre os jovens de classe média e alta, e
em São Paulo nos jovens da periferia. Portanto, se atribui sua origem aqui no
Brasil em São Paulo mesmo. Se o punk aqui no Brasil estava vivendo um lado de
esquecimento por parte da indústria fonográfica, por outro lado, as gangs e
movimentações dos seguidores do movimento estavam se espalhando e
ganhando espaço. As bandas ouvidas eram somente estrangeiras, mas depois de
algumas bandas surgidas em 1978, como Condutores de cadáveres, Restos de
nada, AI-5, o Brasil viveria um verdadeiro celeiro de bandas punks em 1981.
Quando a imprensa notou e tomou conhecimento sobre isso, em São Paulo as
festas punks e apresentações undergrounds já estavam aos montes, algumas
bandas já estavam em plena atividade, mas já vamos citar algumas aqui. Além
daquelas citadas acima tínhamos, Garotos Podres, Olho seco, Vírus 27, Cólera,
Lixomania, Fogo Cruzado, Suburbanos, Repressão, Anarcoólatras, Ratos de
Porão e muitas outras e isso não é nem a metade das bandas em atividade
naquela época. Como falado anteriormente, tudo que o punk pudesse usar para
expressar sua rebeldia ele usava, e notemos pelos nomes dos conjuntos que a
agressão social já começava pelos nomes (BIVAR, 2001).

O punk viria com toda a força para poder se manifestar de forma contrária
a tudo que estava sendo aceito pela sociedade, e o melhor, o movimento não
poderia ser ignorado por muito tempo. De certa forma, o movimento ganharia um
espaço dentro das referências culturais do país. Teixeira Coelho esclarece:
―Cultura é o que move o indivíduo, o grupo, para longe da indiferença, da
indistinção, é uma construção que só pode proceder pela diferenciação‖ (2001,
p.21).

Praticamente todas independentes, as gravadoras ―despejavam‖ bandas


punks para as ruas de São Paulo. A música consistia em arranjos rústicos, uma
sonoridade agressiva, os instrumentos por diversas vezes pareciam soar
desafinados, em comparação, as bandas internacionais já tinham uma evolução
nesses quesitos básicos. As letras exploravam o campo político, social e incitando
a organização do movimento, e isso de certa forma comprovou que o punk
brasileiro era autêntico em relação aos grupos estrangeiros. A despreocupação
com a estética e com a musicalidade fazia dos punks verdadeiros ―garotos do
subúrbio‖, e isso causava rejeição nas maiorias dos movimentos culturais
tradicionais. Casas de shows dificilmente aceitavam bandas punks, o som
atingiria somente jovens da classe baixa. A rejeição era tamanha que até lugares
considerados de segunda categoria, movimentos marginais de música, cultura e
faculdades, não concediam espaço para os punks se apresentarem. Eles estavam
literalmente às margens extremas da sociedade (BIVAR, 2001)

4.3 – O Punk e a sociedade através de suas letras: uma breve


análise

Mas eles sabiam que o futuro era incerto se não fizessem nada, ―o punk
surgiu numa época de crise e desemprego, e com tal força, que logo se espalhou
pelo mundo. E que cada um, há sua realidade, adotou o protesto punk,
externação de um sentimento de descontentamento que já existia atravessado na
garganta de uma certa ala jovem das classes menos privilegiadas do mundo‖
(Bivar, 2001). O jovem queria liberdade, voz de expressão na sociedade que
caminhava cega e surda para o fim do mundo. Em abril de 1982, o primeiro disco
organizado pelo movimento punk foi Grito Suburbano, que continha canções de
três bandas punks, Olho Seco, Inocentes e Cólera. Como a abertura no comércio
fonográfico era totalmente fechada a essas bandas, começou um circulo de
gravadoras e uma mobilização entre as bandas, criando-se um circuito
underground punk. Mas antes dessa compilação, a banda Restos de Nada, já
abria caminho para o punk encontrar seu destino em território nacional. Composta
por Clemente, Ariel, Carlos Charles e Douglas, os Restos de Nada iniciava suas
atividades no inicio de 1978, mas iria gravar o primeiro LP só em 1987, intitulado
Restos de Nada, com o intuito de registrar as canções pioneiras do grupo da
década de 70. Neste LP encontra-se uma canção que já retratava a situação do
jovem punk em meio à sociedade vivendo em crise, sob uma óptica claramente
revoltada:

Nós somos a verdade do mundo


Somos restos de nada
Vivemos como ratos do esgoto
Entre o lixo de tudo

À noite nós andamos por aí


Para ver o que resta de vocês
Cuidado se você estiver só
E encontrar com um de nós

Nota-se neste trecho da canção, que eles já premeditavam como seriam as


características do movimento e punk, e já deixavam bem claro que faziam
questão de serem classificados como os mais ―baixos‖ da camada social. Após o
fim dos Restos de Nada, um integrante em especial, Clemente, daria criação á
uma banda que seria uma das mais importantes do cenário punk nacional:
Inocentes. Os Inocentes apareceram pela primeira vez no mini-festival Grito
Suburbano junto com outras bandas, e chamaram a atenção da loja Punk Rock
Discos que resolveria lançar o já falado aqui, Grito Suburbano. A partir disso, o
grupo permaneceria se apresentando nos principais festivais punks, e ganhariam
prestigio no cenário underground, mas o entra e saí de integrante na banda cria
certa instabilidade musical.

Em resposta a Folha de São Paulo á uma reportagem que retrataria de


forma mal compreendida sobre os punks, Clemente expressaria toda a fúria:
―Estamos aqui para revolucionar a música popular brasileira, para pintar de negro
a asa branca, atrasar o trem das onze, pisar sobre as flores de Geraldo Vandré e
fazer da Amélia uma mulher qualquer‖ (Dapieve, p.165) Ficaria claro a partir
desse protesto que os punks queriam definitivamente adentrar ao espaço cultural
brasileiro de vez, queriam se fixar como sendo um movimento genuinamente
original de veiculação de protestos.

Os Inocentes gravariam ao longo da década de 80 várias participações em


compilações punks e principalmente os primeiros discos solos da carreira, Adeus
carne (1987), Miséria e Fome (1988) e Inocentes (1989). Em destaque ao LP
Inocentes, uma música antiga seria regravada neste disco que chamaria muita
atenção, ―Garotos de subúrbio‖, a letra é de protesto e fala sobre a sobrevivência
dos excluídos pela sociedade:

Vagando pelas ruas tentam esquecer


tudo que os oprime e os impedem de viver
Será que esquecer seria a solução
Pra dissolver o ódio que eles tem no coração
vontade de gritar... sufocada no ar
O medo causado pela repressão
Tudo isso tenta impedir os garotos do subúrbio de existir

As idéias revoltosas dos punks não se escondem em entrelinhas, elas


estão explícitas nas composições, sejam elas de cunhos sociais, políticos,
religiosos ou qualquer outro assunto. Aquelas mudanças políticas da década de
80, eram a chave para que o movimento punk se espalhasse para o Brasil e o fato
de não terem compromissos com gravadoras reconhecidas nacionalmente,
permitiriam a eles dizerem o que quisessem nas músicas. Como era de se
esperar, os Inocentes entraram na década de 90 do mesmo jeito que começara a
de 80: sem destino e com novas barreiras a ser quebradas. Os Inocentes
deixariam para trás um legado de respeito para a contribuição do punk nacional.
Arthur Dapieve exalta:

De qualquer forma, ainda que tivessem se perdido na vida,


os Inocentes seriam fundamentais para a compreensão do
BRock por dois motivos: eles foram a única banda
genuinamente punk a transcender seu berço e seu líder,
Clemente, foi o único negro a ter voz ativa no/num meio de
brancos – os outros, como Renato Rocha, do Legião
Urbana, por exemplo, foram meros coadjuvantes (1995,
p.168)

O que para muitos parecia ser só uma moda permaneceria até hoje como
um estilo de vida e uma vertente do rock fiel a seus princípios. Na mesma década
de 80, ainda surgiria uma banda que ganharia um lugar de destaque no cenário
punk brasileiro, por retratar o dia-a-dia do proletário suburbano, daqueles que são
oprimidos pelos ditos donos do poder. Os Garotos Podres, como sugere o nome,
era uma banda que se preocupava desde o início em ―ofender‖ a sociedade com
o lado sujo dos punks, em dizer o que pensava de forma direta e agressiva, e
muitas vezes debochada também. Iniciaram suas atividades no ano de 1982, no
ABC paulista e fizeram parte das famosas compilações punks, e no ano de 1985
gravaram o primeiro LP Mais podres do que nunca, alcançando a incrível
vendagem de 50 mil cópias. Para uma banda punk alcançar esses números era
um grande fato inédito, e isso acabou ocasionando alguns fatores que não eram
comuns à época, como essas músicas tocarem em rádios FM. Esse fato rendeu
shows à banda no Brasil inteiro, e ajudou na aceitação de outras bandas
undergrounds. Em 1988, eles lançaram o LP Pior que antes, álbum que trouxe
várias músicas chamativas para a mídia e alguns artistas de diferentes estilos.

Entre as canções presentes neste disco, uma chama mais atenção para
compor esta pesquisa, a chamada ―Subúrbio operário‖, que aborda questões da
realidade paulistana da época. Uma curiosidade do punk, é que o estilo não tem
afinidade nenhuma com outro movimento, as músicas de protesto de outros
estilos não encontram parceria com as dos punks. Exatamente por isso, o
movimento ganha uma singularidade significativa perante os outros artistas, a
MPB considerada música de burguês feita para os pobres, romantizam a pobreza
e a miséria, tornando uma fonte de lucro. ―Os punks querem temas regionais, de
realidade nua e crua, querem deixar o papo ―piegas‖ de lado e serem mais direto
no sistema, e tudo isso é dito com sinceridade, naturalmente, sem qualquer pose
ou afetação.‖ (Bivar, p.102) E na canção dos Garotos Podres é possível sentir a
revolta e a consciência de que nada estava do jeito que era para ser:

Nasceu num subúrbio operário,


de um país subdesenvolvido,
apenas parte da massa,
de uma sociedade falida,
submisso a leis injustas
que o fazem calar.
Manipulam seu pensamento
e o impedem de pensar
Solitário em meio a multidão
sufocado pela fumaça
rodeado pelo concreto
Perdido no meio da massa
apenas caminhando
no compasso de seus passos
seu grito de ódio
ecoa pelo espaço

Em meio a essa ―sociedade falida‖, os punks protestam contra aquele


governo que realmente tentava deixar o ser social submisso às leis que criavam,
e isso acontecia dentro das fabricas, das metalúrgicas, assim por diante, deixando
o operário desamparado pelos direitos obrigatórios que deveria ter. O movimento
punk tinha por maioria em seus seguidores jovens entre 18 a 30 anos, e
principalmente em São Paulo. O desemprego era grande, a inflação atingia
índices altíssimos, e os poucos punks empregados ainda não estavam satisfeitos
com as condições de trabalho impostas pela burguesia. Era preciso se manifestar
através das músicas, já que o movimento ganhara, ao menos um pouco, um
espaço na mídia que proporcionava um pouco de atenção da sociedade. Ao
contrário de que muitos pensavam, os punks tinham consciência do que diziam
em entrevistas e canções. Antônio Bivar nos revela:

E a imprensa ficou surpresa ao constatar que apesar de


muitos mal terem concluído o primário, quase todos
mostraram-se capazes de opinar sobre a realidade
brasileira – desde a pobreza até a instalação de usinas
nucleares – e sobre as insanidades internacionais como o
massacre de Beirute, por exemplo. (Bivar, 2001 p.101)

Claro que se construirmos uma relação entre a censura e a música punk


veremos que por falta de um espaço ―decente‖ na mídia, os punks sofriam menos
com os vetos das letras que incomodavam o sistema. Mais tarde, no ano de 1993,
a banda lançaria um CD/LP chamado Canções para ninar, que trazia uma faixa
dedicada aos grevistas da siderúrgica de Volta Redonda, onde citamos em um
dos capítulos anteriores. A canção retrata a impotência dos trabalhadores perante
o sistema opressivo, e sobre aquela mesma idéia das leis que causavam a
submissão.
Os sindicatos tinham alcançado o direito de realizar greves, mas a
impaciência do governo misturado com os interesses burgueses, fez com que
acontecessem mortes desnecessárias de três operários. A repressão foi muito
dura, Sarney, então presidente do Brasil, permitiu a entrada do exército brasileiro
na siderúrgica. A banda fez questão de, mesmo depois de alguns anos do
acontecimento, relembrar o fato premeditado do governo com os operários:

Aos que carregam rosas


Sem temer machucar as mãos
pois seu sangue não é azul
nem verde do Dólar
mas vermelho
da fúria amordaçada
de um grito de liberdade
preso na garganta
Fuzilados da CSN
assassinados no campo
torturados no DEOPS
espancados na greve
A cada passo desta marcha
Camponeses e operários
tombam homens fuzilados
Mas por mais rosas que os poderosos
matem
nunca conseguirão deter
a Primavera!

Sem deixar dúvidas, a música destaca a violência com que foram tratados
os operários, e ainda aponta os interesses das classes mais favorecidas com as
leis impostas pelo governo. Mas deixa claro que, mesmo com todas as
repressões, haverá de alguém sempre buscar por justiça e direitos que sejam
essencialmente a favor dos excluídos sociais: os punks, que estariam sempre a
incomodar os detentores do poder. Para não sermos injustos com outras regiões
do Brasil, a banda Plebe Rude também causa impactos representativos com as
canções punks na capital Brasília. A banda chega a ser detida em um show no
estado de Minas Gerais por interpretar uma música que incomodaria o governo,
junto com o grupo Legião Urbana. Em um LP chamado O concreto já rachou
(1985), a banda interpreta uma música chamada ―Até quando esperar‖, que traz
indagações sobre os direitos sociais:
Sei
Não é nossa culpa
Nascemos já com uma bênção
Mas isso não é desculpa
Pela má distribuição
Com tanta riqueza por aí, onde é que está
Cadê sua fração
Com tanta riqueza por aí, onde é que está
Cadê sua fração
Até quando esperar
A plebe ajoelhar
Até quando esperar
A plebe ajoelhar
Esperando a ajuda do divino Deus

Não é por ser considerado um país subdesenvolvido, que não tenhamos


riquezas o suficiente para distribuir entre os que mais precisam, mas a ganância
das classes mais altas está retratada na canção da banda. Eu diria que a canção
representa um cenário e uma pergunta que perdura até os dias atuais, com tanta
riqueza por aí, onde é que está cadê sua fração? Em resumo, as esferas políticas
sempre se tornarão alvos de críticas e alvo de especulações por parte de alguns
movimentos de protesto.

Os punks sempre foram destacados por tentarem ao máximo chamar a


atenção dos cidadãos comuns, por usarem uma linguagem direta, sem deixar
mensagens nas entrelinhas. Então, voltando ao cenário paulista, uma banda
chama atenção por sua longevidade na música brasileira, liderada por Redson, o
Cólera .Surge nos subúrbios da Vila Carolina, e logo ganha respeito no mundo da
música punk. No ano de 1984, lançam o primeiro LP -Tente mudar o amanhã-
onde expressaria suas características de banda pacifista e com idéias ao combate
à destruição da natureza. Neste álbum, encontramos a música ―Sarjeta‖, cuja
temática tenta impulsionar o homem comum, trabalhador, cidadão, à não ficar na
neutralidade perante os erros do sistema:

Um espaço pra morrer


Arruinado na sarjeta
Eu não quero ser mais um.
Mas você não entendeu
Acorde para acordar
Pra você não ser mais um.
Use a sua inteligência,
Use a sua consciência
Muita fome está matando na sarjeta.
Muita gente está morrendo na sarjeta
Muita fome, a matar, na sarjeta,
Acorde pra acordar, acorde pra acordar.
Enquanto você vive
Tente mesmo melhorar
Pra você não ser mais um

É possível dizer que a letra desta canção é uma resposta à comodidade


que o cidadão paulistano encara, a miséria está das ruas. A frase ―muita gente
está morrendo na sarjeta‖ é um grito desesperado aos que tem nas mãos o poder
de fazerem alguma coisa a esse respeito. A frase ―tente mesmo melhorar, pra
você não ser mais um‖, caracteriza a importância que os punks dão à ação
individual de cada ser e é pela minoria que se transforma a maioria. A
manifestação rebelde aparece com uma visão caótica ao ouvinte, mas na
verdade, a coerência é mais presente do que se possam imaginar ao
contextualizar a mensagem da música com a realidade. A música também
aponta falhas no sistema de distribuição de rendas, pois, se existe muitas mortes
por falta de alimentação, é sinal que o desemprego, a falta de oportunidades e
direitos básicos estão em ruínas. Os punks estavam atentos às atitudes tomadas
pelo governo, e não ficavam satisfeitos apenas com migalhas, queriam ação,
queriam ver a mudança a olhos nus. Em 1983, a banda Hino Mortal participou da
compilação Começo do fim do mundo, com a música ―Desequilíbrio‖. A música é
executada aos berros e uivos do vocalista revoltado com o congresso:

Olhem o grande desequilíbrio


Torturas já foram aplicadas
Violência gera violência
os mortos que foram violentados?

Plantando e colhendo
Morrendo são esquecidos
Ilustres nunca foram detidos
Congresso gera o desequilíbrio
Nota-se na letra, que a banda coloca a culpa de todo ―desequilíbrio‖ social
no congresso, ou seja, nos políticos, nos gestores das leis. Quando ele canta
―torturas já foram aplicadas‖, relembra o período da ditadura, menciona os atos
obscuros que o governo praticava. Através da letra, é possível perceber uma
alusão a impunidade gerada pelo sistema para com aqueles que causam todo
esse desarranjo e privilegiam de uma posição social mais alta, ―ilustres nunca
foram detidos‖. O punk quer saber o porquê às leis não se aplicam de uma forma
igualitária. Então, é fato que a música punk só existe por ser um meio de
expressão para os excluídos, ao contrário não existiria. O foco é totalmente
voltado para as criticas ao capitalismo e Cezar Augusto Melão nos diz:

A maioria das bandas punks aborda esse tema em suas letras; ás


vezes é o tema central das canções, ás vezes, não, porém quase
sempre está presente. As canções punks também expressam
rebeldia ao se posicionarem contra o discurso político, o religioso,
o de certas tendências musicais e o de outras esferas sociais. Em
síntese, pode-se dizer que a grande característica das letras das
canções punks é a crítica a sociedade organizada, ás suas
instituições e ás ideologias que estas veiculam. (2010, p.91)

E na verdade, a preocupação dos punks é serem ouvidos e compreendidos


nos protestos, e não causar baderna ou confusão como muitos meios de
comunicações relatam. Como podemos perceber os novos caminhos da política
não estão bem definidos como deveriam ser quase sempre se tem acesso a
informações sobre corrupções políticas, escândalos de esquemas para desvio de
verbas, e as leis da Constituição favorecendo o lado mais forte. O fato é que,
assim como ouve os punks para gerar essas reivindicações na década de 80, os
protestos vão continuar, e a realidade mostra que as riquezas brasileiras ainda se
concentram de forma inadequada entre as classes sociais brasileiras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O movimento punk, que teve origem na década de 70 e teve uma ascensão maior
na década de 80 no Brasil, se tornou um assunto muitas vezes alvo de
observações estereotipadas por parte dos meios de comunicações. Depois
dessas pesquisas, com a ajuda de historiadores que vivenciaram a época,
pudemos traçar um perfil do movimento relacionado com a situação política
brasileira, é claro que antes, no período ditatorial, tínhamos manifestações
culturais voltadas contra o sistema. Mas o punk criou de forma mais direta, a
linguagem rebelde, deixou claro que estavam ali pra incomodar o sistema e
agredirem de forma visual, sonora e ideológica.

Conseguimos de certo modo conectar a ligação social entre o movimento e o


conflito social, porém o que se pode contar é que esse assunto ainda tem uma
continuidade longa, o que nos permite ampliar esse estudo e aprofundar ainda
mais na relação entre música, poder, punk (denominado como movimento) e com
conseqüências políticas de grande impacto.

Entendemos que a idéia do movimento é provocar e se dizer presente para o


sistema, alertar que os abusos cometidos pelo governo não passam em branco
no lugar onde vivem, é sinalizar que o capitalismo selvagem não é bem recebido
para quem vive na exclusão social. Espera-se que o estudo realizado nesta
pesquisa, apresente elementos que possibilitem a compreensão da cultura punk e
consigam ajudar na fundamentação sobre alguma critica a esse movimento. E
também, que essas idéias aqui apresentadas possam ajudar a futuras pesquisas
relacionadas ao tema aqui abordado, pois, o assunto é pouco estudado
academicamente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIVAR, Antônio. O que é punk. São Paulo: Ed Brasiliense, 2001.

BORGES, Vavy Pacheco. O que é história. São Paulo: Ed Brasiliense, 1987.

CHACON, Paulo. O que é rock. São Paulo: Ed Brasiliense, 1985.

CHAUI, Marilena. Cultura e Democracia: o discurso competente e outras


falas. São Paulo: Ed Cortez, 2007.

CAIRE-JABINET, Marie-Paulie. Introdução à Historiografia. Bauru, SP: EDUSC,


2003.

COELHO, Teixeira. O que é ação cultural. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2001.

DAPIEVE, Arthur. BRock: o rock brasileiro dos anos 80. São Paulo: Ed Editora
34, 1995.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2008.

MELÃO, Cezar Augusto. O discurso da rebeldia: uma análise de um texto


punk. Estudos semióticos [on line] Disponível em: {
HTTP://www.fflch,usp.br/dl/semiotica/es }. Editores responsáveis: Francisco E. S.
Merçon e Mariana Luz P. de Barros. Volume 6, número 1, São Paulo, junho de
2010, p. 86-93. Acesso em 02/11/2010.

PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. O que é Contracultura. São Paulo: Ed


Brasiliense, 1983.

REALE, Miguel. De Tancredo a Collor. São Paulo: Ed Siciliano, 1992 .


RODRIGUES, Marly. A década de 80, Brasil: quando a multidão voltou ás
praças. São Paulo: Ed Ática, 2001.

VINIL, Kid. Almanaque do rock. São Paulo: Ed Ediouro, 2008.

NADA, Restos de. Restos de nada: Gravadora Devil Discos. São Paulo 1987. 1
Long Play (LP). Faixa 1

INOCENTES, Os. Inocentes: Gravadora Warner. São Paulo 1989. 1 Long Play
(LP). Faixa 10.

PODRES, Garotos. Pior que antes: Gravadora Continental. São Paulo 1988. 1
Long Play (LP). Faixa 5.

PODRES, Garotos. Canções para ninar: Gravadora Radical Records. São Paulo
1993. 1 Disc Compact (CD). Faixa 9.

RUDE, Plebe. O concreto já rachou: Gravadora EMI. São Paulo 1985. 1 Long
Play (LP). Faixa 1

CÓLERA. Tente mudar o amanhã: Gravadora Ataque Frontal. São Paulo 1984. 1
Long Play (LP). Faixa 5, lado B.

MORTAL, Hino. Começo do fim do mundo: Gravado ao vivo no SESC Pompéia.


São Paulo 1983. 1 Long Play (LP). Faixa 19.

Você também pode gostar