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DIFICULDADES E DISTÚRBIOS

DE APRENDIZAGEM
AULA 1

Prof.a Eliza Ribas Gracino


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, discutiremos as bases históricas da constituição dos estudos


a respeito das dificuldades de aprendizagem, apontando especialmente para a
distinção do tratamento dos indivíduos com dificuldades, nos diversos períodos
históricos. É importante salientar que sempre houve preconceito relacionado a
essas diferenças.
A intenção desta aula é tornar possível a percepção de que a visão de
dificuldade que conhecemos hoje está arraigada ao padrão de normalidade
sócio-histórico culturalmente construído, sendo um grande desafio para o
educador romper com o paradigma ainda vigente.
Nossos objetivos para esta aula são: compreender pelo viés da história
como se constituem as teorias sobre as dificuldades de aprendizagem; conhecer
as origens dos estudos sobre as dificuldades de aprendizagem; conceituar
aprendizagem e discutir os padrões hegemônicos de normalidade; compreender
como se classificam as dificuldades de aprendizagem; conhecer as teorias sobre
as dificuldades de aprendizagem; compreender os principais pontos da teoria
histórico-cultural e perspectivas sobre a aprendizagem e dificuldades.
Para alcançarmos esses objetivos, estruturamos esta aula em cinco
partes: 1. História das dificuldades de aprendizagem; 2. Conceituando
aprendizagem: normalidade versus anormalidade; 3. Classificando as
dificuldades de aprendizagem; 4. Teorias sobre as dificuldades de
aprendizagem; 5. Teoria histórico-cultural e dificuldades de aprendizagem.

TEMA 1 – HISTÓRIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

As primeiras preocupações em assegurar os direitos dos cidadãos


surgiram na Pérsia Antiga, com o rei Ciro, o Grande (539 a.C.), mas podemos
citar ainda a Carta Magna das Liberdades (1215), a Constituição dos Estados
Unidos (1787), a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão
(1789), a Declaração dos Direitos dos Estados Unidos (1791), a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945) e a Comissão de Direitos Humanos da Organização das
Nações Unidas, com a universalização do ensino e a criação de leis e políticas
educacionais (1946).
Em nosso país, as iniciativas para se atender ao paradigma do direito
estão postas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN

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424/61 e na LDBEN 5692/71, sendo que a valorização da dignidade da pessoa
humana e da educação também está contemplada na Constituição de 1988, que,
no artigo 205, Capítulo III, assegura a educação como direito a todos os
indivíduos. Já o artigo 214 apregoa a erradicação do analfabetismo; a
universalização do atendimento escolar; a melhoria da qualidade do ensino; a
formação para o trabalho; e a promoção humanística, científica e tecnológica do
país (Brasil, 1988).
Com a democratização brasileira do final da década de 1980 e início da
década de 1990, e com as iniciativas externas, como a Declaração Mundial
sobre Educação para Todos (Unicef, 1990) e a Declaração de Salamanca
(Brasil, 1994), novamente o Brasil avançou no sentido de assegurar o acesso e
permanência na escola, rompendo com os paradigmas excludentes e buscando
uma sociedade e uma escola inclusiva. Dessa intenção derivam as leis 7853/89
e 8069/90 (ECA), a LDBEN 9394/96 – que visa “assegurar formação
indispensável para o exercício da cidadania (progresso no trabalho e estudos)”
– e a Resolução CNE/CEB n. 2101 – Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica.
Nessa perspectiva, a educação torna-se não somente um direito de todos,
mas uma responsabilidade da sociedade, escola e poder público, conforme o
artigo 5º da Constituição de 1988. Neste sentido, Cury (2007) pondera que a
educação é não apenas um direito do cidadão, mas também um dever do
Estado, acarretando em prerrogativas de se gozar de algo que lhes pertence e
de obrigações que devem ser respeitadas.
Entretanto, para que não haja mais os paradigmas excludentes, faz-se
necessário romper com os estereótipos e rótulos de anormalidade, enfrentados
por aqueles que não se enquadram no padrão sociocultural de normalidade,
superando o preconceito por meio de propostas educativas que valorizem as
potencialidades do sujeito, e não suas dificuldades.

1.1 Primeiros estudos sobre as dificuldades de aprendizagem

As dificuldades de aprendizagem são constantemente discutidas nas


reuniões de professores, e entre as principais descobertas sobre o assunto está
a de que existem múltiplos fatores que podem dificultar a aprendizagem, mas
nem todos são de ordem biológica ou estão relacionados a lesões no cérebro,
como se acreditava antigamente (Smith; Strick, 2001).

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Os primeiros estudos sobre as dificuldades de aprendizagem nos
remetem ao século XIX, apesar de não haver uma rigorosa sistematização ou
consolidação de pesquisas nesse assunto. Em seus estudos, Sanches (1998)
pontua que os estudos do campo das dificuldades de aprendizagem deram-se
em três períodos: o de fundação; o dos primeiros anos do campo; e o de
projeção.

1.2 Períodos de estudos sobre as dificuldades de aprendizagem

O período de fundação teve como principais expoentes os médicos Franz


Joseph Gall e Samuel T. Orton e o psicólogo Alfred Strauss, por volta de 1800.
Os estudiosos mencionados dedicaram-se a estudar as dificuldades, tomando
como base suas causas, relacionando-as às funções cerebrais. Gall procedeu
estudos com vítimas de acidentes, que as levaram a afasia (perda de
linguagem), procurando relacionar as dificuldades de linguagem às de
aprendizagem. Da mesma forma, Orton vinculou seus estudos à linguagem,
mais especificamente às questões das dificuldades de leitura, relacionando-as a
dificuldades de memória das palavras, que levavam os indivíduos a realizar
trocas entre as letras. Strauss dedicou-se aos estudos de crianças com atraso
mental, cujos problemas eram relativos à distração (Sánchez, 1998).
Os primeiros anos dos estudos relacionados às dificuldades de
aprendizagem tiveram como marco a reunião ocorrida na cidade de Chicago, à
qual compareceram profissionais e pais de crianças sem transtornos mentais,
mas com dificuldades de aprendizagem escolar. O principal nome desse período
é Samuel Kirk, que cunhou o termo dificuldades de aprendizagem para referir-
se ao problema, vinculando-o aos problemas de linguagem, inter-relacionados a
causas neurológicas. Em seus estudos, Kirk categorizou as crianças tomando
como base testes de QI. Deste período derivam a estruturação do campo e a
criação de instituições para o estudo das dificuldades, que, posteriormente,
impulsionaram a fundação da Association for Children with Learning Disabilities
(ACLD), de influência em políticas para diagnóstico, intervenção e ampliação de
redes de apoio a crianças com dificuldades de aprendizagem e seus pais
(Sánchez, 1998; Cruz, 1999).
No período de projeção, o enfoque passou a ser no futuro e no que se
deve esperar da área de estudo. A década de 1980 foi um período de grandes

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avanços, permitindo que paradigmas fossem rompidos e que o indivíduo fosse
percebido levando em consideração suas particularidades (Sánchez, 1998).

TEMA 2 – CONCEITUANDO APRENDIZAGEM – NORMALIDADE VERSUS


ANORMALIDADE

A principal questão que permeia as discussões e a vivência de docente é:


por que alguns alunos não aprendem? E o que é aprender?
A aprendizagem envolve diversos fatores, e a não aprendizagem também
está ligada a sintomas, causas atuais e causas históricas. Aprender é uma
necessidade humana, uma estratégia de sobrevivência, que presume a
necessidade de mudança de comportamento.
Embora não haja convergência entre os teóricos sobre a definição de
aprendizagem, optamos por categorizá-la como a aquisição e assimilação de
novos conceitos e conteúdos com base em suas vivências, considerando-se a
interferência e as modificações comportamentais, físicas, mentais, sensoriais e
sociais de múltiplos fatores, tanto internos quanto externos.
Para melhor entender tais conceitos, abordaremos alguns teóricos, de
diferentes vertentes, que se dedicaram a explicar como a aprendizagem ocorre.

2.1 Principais abordagens a respeito das dificuldades de aprendizagem

2.1.1 Jean Piaget (1896-1980)

Biólogo francês, Piaget estudou como a aprendizagem ocorre levando em


consideração a epistemologia genética, ou seja, como se processa o
conhecimento em sua gênese. Para ele, a inteligência deve ser entendida em
relação à sua função (adaptação) e à sua estrutura (organização). São conceitos
básicos de sua teoria a hereditariedade, os esquemas (adaptação e
organização), assimilação (interpretação e integração), acomodação
(reorganização), equilibração (ampliação), conteúdo, ação, os conhecimentos
físico, lógico-matemático e social, e o continuum do desenvolvimento.
Piaget considerava que a maturação, a aprendizagem social e a
equilibração eram imprescindíveis para um desenvolvimento saudável, que
obedecia a estágios. Esses estágios evoluem do sensório-motor aos operatórios,
em que a criança é capaz de operar sobre os objetos e posteriormente
conhecimentos, como ação interiorizada, derivam das modificações dos

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esquemas de assimilação e acomodação, caracterizados pelo tipo de estímulo
recebido, entretanto, a ordem de sucessão dos estágios é imutável (La Taille;
Oliveira; Dantas, 1992).

2.1.2 Lev Semenovich Vygotsky (1896-1933)

Médico e psicólogo russo, Vygotsky valorizou a interação com a cultura e


sociedade para a internalização de conceitos importantes ao desenvolvimento
do indivíduo. Segundo ele, a linguagem tem papel fundamental para a
aprendizagem e desenvolvimento, uma vez que permite o processo de mediação
do indivíduo com o mundo que o cerca, agindo sobre a natureza por meio de
instrumentos e signos. Os instrumentos conduzem a influência do homem sobre
o objeto, modificando-o e transformando a natureza, já o signo é de controle do
indivíduo, orientado internamente, mas sem modificar o objeto (Oliveira, 1993).
A interação do sujeito com o objeto somente é possível por meio da mediação
do outro. Para explicar esse conceito, Vygotsky (1995) dividiu zonas de
desenvolvimento, a saber:

 zona de desenvolvimento real, que corresponde ao que o sujeito é capaz


de realizar sozinho;
 zona de desenvolvimento potencial, que equivale ao que o sujeito é capaz
de realizar com auxílio de mediação;
 zona de desenvolvimento proximal, que é a distância entre o que o
indivíduo sabe e o que tem potencial para aprender, tornando-se a
principal zona responsável pela aprendizagem.

2.1.3 Henri Wallon (1879-1962)

Médico e psicólogo francês, considerado humanista, Wallon enfatizou a


importância da formação integral (intelectual, motor, social e afetivo) do
indivíduo. Ancorado na psicologia genética, estudou processos de evolução
psíquica nas diferentes etapas do desenvolvimento humano, prevendo a
importância dos fatores orgânicos e sociais. Para ele, afetividade e inteligência
se desenvolvem progressivamente, intercalando-se quanto à predominância,
estando dispostas em fases: impulsivo-emocional, sensório-motora e projetiva,
personalismo, categorial, puberdade e adolescência (Galvão, 1995).

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2.1.4 Burrhus Frederic Skinner (1904-1990)

O principal conceito abordado pelo psicólogo norte-americano


behaviorista (comportamentalista), Skinner, foi o da possibilidade de se modificar
o comportamento com base em estímulos, aos quais o indivíduo produz uma
resposta, que deve ou não ser reforçada por meio de recompensa (Figueiredo,
1989).

2.2 Normalidade versus anormalidade – padrões de exclusão

A aprendizagem é inerente à espécie humana, resultado de uma


complexa atividade mental, dependente da coordenação de múltiplos fatores,
como os processos de percepção, emoções, memória, mediação,
conhecimentos prévios etc. Quando a construção do conhecimento não ocorre
da maneira ou no tempo esperado, resulta no que se denomina dificuldade de
aprendizagem (Bossa, 2000).
Nesse limiar em que a aprendizagem não ocorre, sendo seu desempenho
insatisfatório de acordo com o padrão de exigências socialmente estipulado,
surgem os estereótipos, os rótulos. À medida que as exigências não são
cumpridas com desempenhos satisfatórios, se constituem os limiares entre o que
é, ou não, normal (Ewald, 2000).
Canguilhem (2000) define o conflito entre normalidade e anormalidade
como um jogo que se dá na fissura do limite de um mesmo contorno, uma vez
que ambos são submetidos à mesma norma ou padrão.

TEMA 3 – CLASSIFICANDO AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Assim como a aprendizagem, as dificuldades de aprendizagem são


complexas, construídas historicamente, sem consenso quanto à sua definição e
por vezes controversas. Entretanto, mais importante do que sua definição é a
postura que o educador deve adotar para que a aprendizagem ocorra, no tempo
do aluno, considerando suas múltiplas condições, sejam elas internas
(neurobiológicas), externas (socioculturais), ou dialéticas (psicoemocionais),
oportunizando a interação do aluno com o conhecimento (Fonseca, 1995).

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3.1 Dificuldades de aprendizagem com maior incidência

As dificuldades de aprendizagem englobam diferentes transtornos de


atenção, memória, raciocínio, coordenação, adaptação social e emocional
(Sisto, 2001). De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10)
em vigor (OMS, 2008), as dificuldades de aprendizagem são “transtornos
específicos do desenvolvimento das habilidades escolares” (código F81), parte
de uma categoria mais abrangente de transtornos do desenvolvimento
psicológico (códigos F80 a F89): dificuldade de ler e escrever (dislexia), falta de
fluência na escrita (disgrafia), dificuldades nas operações matemáticas
(discalculia), dificuldade na fala e na articulação correta das palavras (dislalia).
Concomitante à dislexia, é a dificuldade em aprender e desenvolver as
habilidades de escrita, falta e leitura (disortografia) e os transtornos gerados por
falta de atenção (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade – TDAH).

3.2 Aprendizagem, expectativa e frustração

Conforme já vimos na teoria walloniana, as questões da afetividade


influenciam na aprendizagem do indivíduo. Assim, o estabelecimento de vínculos
entre professor e aluno e o respeito em sua individualidade fará com que ele se
sinta à vontade para sanar suas dificuldades, expondo suas limitações e dúvidas.
Dessa feita, o diálogo entre professor e aluno, na perspectiva de troca, com o
reconhecimento pelo professor da capacidade e inteligência do aluno, tornará
possível a ele extrapolar seus limites (Amaral apud Leite, 2001).
O respeito ao outro, nutrido no processo de ensino-aprendizagem, exerce
influência nos processos cognitivos, sendo que a imagem construída por docente
e aluno gera expectativas recíprocas, podendo ser harmônicas, ou não,
influenciando significativamente os avanços cognitivos (Azzi; Silva, 2000).

TEMA 4 – TEORIAS SOBRE AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Algumas teorias pressupõem que, para que a aprendizagem ocorra, é


necessário que o educador lance mão de um estímulo, esperando uma resposta
(prevista) do aluno, sendo este, então, passível de treino. Há também teorias
que admitem o sujeito como ativo no processo, mas percebe-se que outros
fatores podem influenciar no processo de ensino-aprendizagem.

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Conhecer as teorias da aprendizagem é importante para que se perceba
as condições necessárias à aprendizagem, entre elas a inferência do meio e do
outro (Freitas et al., 2006).

4.1 Principais enfoques

 Enfoque do processamento de informação (psicologia cognitiva): de


acordo com essa linha de pensamento, todos têm potencial para a
aprendizagem, desde que haja autorregulação e estratégias adequadas
para ela (Zimmerman, 1986; Purdie; Hattie, 1996). A inteligência
compõe-se de processos que podem ser desenvolvidos ou modificados
por meio da ação educativa, com base no controle executivo (Almeida,
1992).
 Enfoque interativo ou ecológico: estuda a criança e sua família em seu
contexto e ambientes naturais, mostrando como na interação o sujeito
influencia e sofre influência do ambiente, objetos e símbolos
(Bronfenbrenner; Morris, 1998).
 Enfoque neuropsicológico: trata-se da união da psicologia e da
neurologia, visando investigar como se organiza a função cerebral e como
esta se relaciona com as funções mentais responsáveis pela
aprendizagem, estudando a função cerebral e o comportamento (Ciasca,
2006).

TEMA 5 – TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

Embora os enfoques, conceituações e fatores que delimitam as


dificuldades de aprendizagem sejam múltiplos, dedicaremos maior espaço à
teoria histórico-cultural, cujo principal expoente foi Vygotsky, devido à sua ampla
percepção do sujeito, admitindo que nos tornamos humanos por meio das
relações sociais, que nos permitem internalizar conceitos.

5.1 Teoria histórico-cultural e materialismo histórico dialético

Para melhor compreendermos o materialismo histórico-cultural,


abordaremos brevemente sua relação com o materialismo histórico dialético,
uma vez que é a base da teoria que estudaremos. Para o materialismo, o homem
está profundamente ligado à natureza; portanto, uma vez que a sociedade é

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composta por homens, ela também se interliga. Em seu processo de
desenvolvimento, o homem age sobre a natureza para produzir sua subsistência,
modificando-a e também modificando a si mesmo e a sociedade.
Esse processo de ação e modificação da natureza se dá por meio do
trabalho, e a essa interação dinâmica, ou seja, ao movimento dos homens, da
realidade objetiva e de suas modificações, dá-se o nome de dialética. É
importante pontuar que “a dialética é a ciência das leis mais gerais do movimento
e do desenvolvimento da natureza, da sociedade e do pensamento, a ciência da
ligação universal de todos os fenômenos que existem no mundo” (Spirkine;
Yakhot, 1975, p. 20).
Conforme já mencionamos, Vygotsky cunhou sua teoria sobre a
aprendizagem com base nos conceitos materialistas, apregoados por Karl Marx,
o que se comprova pela citação feita por Vygotsky a Karl Marx em conferência
realizada em Moscou. A principal influência marxista na teoria vygotskyana está
presente nos estudos sobre o comportamento consciente, que, segundo
Vygotsky, se origina nas relações sociais, no mundo exterior (Luria, 2006;
Duarte, 2001).
Alexander Romanovich Luria (1902‐1977) e Alexei Nikolaievich Leontiev
(1904‐1979) contribuíram com Vygostky para o rompimento de paradigmas
vigentes (inatista e ambientalista), estudando a aprendizagem com base na
realidade, como síntese de múltiplas relações – históricas, culturais, biológicas
e sociais, explicando a gênese das funções mentais superiores (Rego, 2011).

5.2 A distinção dos conceitos cotidianos e científicos

Para Vygotsky, os processos mentais de pensamento se dividem em


conceitos cotidianos e científicos. Os conceitos cotidianos, menos elaborados,
desenvolvem-se após o nascimento, por meio das interações realizadas, sendo
que a relação palavra-objeto se dá de maneira direta e simples. Já os conceitos
científicos se tornaram mais sofisticados e diferenciados com o desenvolvimento
da humanidade. São mais complexos e mediados por outros conceitos,
necessitando que haja apropriação de regras lógicas que interliguem os
conceitos, permitindo pensar sobre eles (Tolentino et al., 1986).
A aptidão para o raciocínio, característica especificamente humana, é de
extrema importância para a aprendizagem escolar. O desenvolvimento dessas

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capacidades permite a elaboração e ampliação de conceitos e a expansão da
tomada de consciência e de demais funções psíquicas (Vygotsky, 2010).

NA PRÁTICA

Observe a dinâmica de uma sala de aula dos anos iniciais do ensino


fundamental, atentando para as incidências de dificuldades de aprendizagem.
Com base em sua observação, responda às questões:

a) Quais os principais desafios observados quanto à intervenção docente


com alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem?
b) Se você fosse o docente da turma, o que faria na mesma situação?

FINALIZANDO

Nesta aula, tivemos a oportunidade de ampliar conhecimentos sobre as


iniciativas nos estudos das dificuldades de aprendizagem e também sobre os
avanços que permitiram que se tornassem uma ampla área de estudo. Também
observamos que nem todas as dificuldades na apropriação da leitura e da escrita
coincidem com deficiência ou atraso, podendo as crianças ditas “normais”
apresentar dificuldades em determinados momentos da aprendizagem.

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REFERÊNCIAS

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promoção. Psicologia: Teoria e Pesquisa, p. 277-292, 1992.

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DIFICULDADES E DISTÚRBIOS
DE APRENDIZAGEM
AULA 2

Prof. Eliza Ribas Gracino


CONVERSA INICIAL

Nesta aula discutiremos a influência do processo histórico para o


desenvolvimento do indivíduo em sua relação com a natureza e com a cultura
— enfatizando a relevância da mediação e da plasticidade cerebral — para o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores, que distinguem os seres
humanos, procurando compreender sua natureza e constituição, bem como a
influência da concepção de Vygotsky para o contexto escolar.
Perceberemos que a aprendizagem é um processo complexo que
precede o processo de desenvolvimento humano, caracterizando-se por
múltiplos condicionantes, tanto biológicos quanto culturais, sendo a mediação
da natureza, do outro e dos signos linguísticos imprescindíveis para que ela
ocorra.
Nossos objetivos para este encontro são:

 Discutir os fatores que interferem no desenvolvimento e aprendizagem a


partir das contribuições de Vygotsky;
 Compreender a importância do processo histórico para a constituição do
indivíduo;
 Estudar o processo de desenvolvimento das funções psicológicas
superiores;
 Discutir a relação natureza-cultura-aprendizagem; entender como a
plasticidade cerebral influencia no processo de aprendizagem;
 Relacionar as contribuições da teoria de Vygotsky para o contexto
escolar.

Para alcançarmos tais objetivos, estruturamos a aula em cinco partes,


que tratarão dos seguintes assuntos:

1. A influência do processo histórico para o desenvolvimento do indivíduo;


2. Natureza e constituição das funções superiores;
3. A relação entre natureza, cultura e aprendizagem;
4. A plasticidade cerebral e o processo de aprendizagem;
5. As implicações da teoria de Vygotsky para a educação.

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TEMA 1 – A INFLUÊNCIA DO PROCESSO HISTÓRICO PARA O
DESENVOLVIMENTO DO INDIVÍDUO

O principal expoente da psicologia histórico-cultural, o russo Lev


Semenovich Vygotsky (1896-1934), iniciou seus estudos e a construção de
suas teorias logo após a Revolução em seu país, momento em que intensas
mudanças ocorriam na União Soviética, ancorando suas hipóteses a respeito
da formação social da mente nos pressupostos do materialismo histórico
dialético, de origem marxista, que emergiam em seu país naquela época.
De acordo com o materialismo, o homem é um ser social, interligado à
natureza, da qual depende para seu desenvolvimento, produzindo sua
existência “sobre a base da natureza biofísica” (Saviani, 2003, p. 13), mas
tornando-se homem a partir da aprendizagem de complexos comportamentos
adquiridos culturalmente e internalizados por ele.

1.1 A importância da linguagem para o desenvolvimento e a


aprendizagem humana

Para Vygotsky, a linguagem é uma categoria central, uma força motriz,


uma vez que torna possível a constituição de outras funções psicológicas.
Como principal elemento da atividade humana, típica da consciência, organiza
as ações de maneira a permitir que o homem opere sobre a realidade objetiva
e aproprie-se da história humana e da cultura, se constituindo como sujeito
(Vygotsky, 2007).
Diferentemente dos animais, para o homem, a interação com os outros e
as relações de comunicação oportunizadas pela linguagem são um instrumento
para o processo social, permitindo o planejamento e a execução de ações
coletivas, modificando o trabalho, originando e balizando a consciência
(Leontiev, 1978).
De acordo com Leontiev (1978, p. 86), a linguagem tem “uma função
imediatamente produtiva e uma função de ação sobre os outros homens, uma
função de comunicação”. Portanto, a linguagem é um instrumento mediador
das ideias socialmente elaboradas.
Por meio da apropriação da linguagem, é estabelecida a aptidão para
prover instrumentos auxiliares, permitindo a resolução de tarefas complexas e

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a definição de estratégias para a solução de problemas diversos, mesmo os
que ainda não se materializaram, organizando as experiências (Vygotsky,
2007).

1.2 Instrumentos e signos linguísticos

Ao longo da história humana, os instrumentos e os signos linguísticos


foram criados para aprimorar a comunicação. Tais elementos mudaram “a
forma social e o nível de desenvolvimento cultural”, permitindo a integração
social (Cole; Scribner, 2003, p. 9).
Os instrumentos e signos são mediadores da linguagem, sendo o
instrumento um objeto social, responsável por mediar a relação do sujeito com
o mundo que o cerca, ajustando as ações humanas sobre o meio. Ao elaborar
o instrumento, o homem o faz com um objetivo específico, atribuindo-lhe uma
função, atuando de maneira a facilitar as mudanças externas (Oliveira, 1995;
Rego 2014). O instrumento conduz a influência do sujeito sobre o objeto que se
deseja modificar (Vygotsky, 2007).
Já a função dos signos é similar à dos instrumentos de trabalho na ação
sobre a natureza, ou seja, a transformação. Entretanto, no caso do signo
linguístico, isso ocorre no plano psicológico, auxiliando na resolução de
problemas.
Os primeiros signos utilizados pelo homem surgiram como
representações exteriores de controle da memória, sendo representados como
marcas (Ex.: riscos que os homens primitivos utilizavam para contagem). Sobre
a função dos signos, este é "um meio da atividade interna, dirigido para o
controle do próprio indivíduo, o signo é orientado internamente” (Vygotsky,
2007, p. 62).

TEMA 2 – NATUREZA E CONSTITUIÇÃO DAS FUNÇÕES PSICOLÓGICAS


SUPERIORES

A abordagem histórico-cultural tem como base a ideologia marxista


(materialismo histórico dialético), que atribui importância singular às relações
estabelecidas entre sujeito-sociedade-cultura, tendo o momento histórico
grande influência sobre tais relações, uma vez que o homem internaliza os
conceitos emergentes das bases reais, da realidade concreta.

4
De acordo com Vygotsky, o desenvolvimento humano tem duas
vertentes, os processos de natureza espontânea, de origem biológica e de
estruturas naturais, denominadas por ele funções elementares da psique
humana, e as originadas pela estrutura cultural, denominadas por ele de
funções psicológicas superiores, devido a sua complexidade (Vygotsky, 2000).
As funções elementares evoluem para funções superiores, durante o
desenvolvimento, a partir da interiorização dos signos. A intencionalidade com
que se dá “a mudança estrutural da consciência” permite o desenvolvimento
das funções psicológicas superiores (Vygotsky, 2009, p. 285).

2.1 A importância do outro

Para Vygotsky, o outro é parte do desenvolvimento humano. A mediação


do outro permite a apropriação pelo indivíduo das conquistas adquiridas pela
humanidade. A interação com o outro permite a internalização de experiências
da cultura, que se dá por meio da internalização das experiências vivenciadas
(Rego, 2014).
As relações sociais permitem ao indivíduo o desenvolvimento de
funções interpsíquicas, que se transformam em funções intrapsíquicas, ou seja,
por meio da mediação do outro, constrói-se o comportamento do indivíduo,
transformando sua psique (Vygotsky, 2014).

2.2 A relação pensamento e linguagem

A linguagem é uma unidade complexa da psique, elemento


imprescindível para que a mediação indivíduo-mundo ocorra. A linguagem é o
meio de compreensão e de expressão do pensamento e “juntamente com o
pensamento proporciona um salto qualitativo no desenvolvimento humano e
nas formas do homem se relacionar com a realidade” (Borella, 2016, p. 5).
Durante o processo de desenvolvimento humano, pensamento e palavra
se conectam e transformam a partir "da experiência sociocultural da criança"
(Vygotsky, 2009, p. 149), convergindo a partir do momento em que o
pensamento se torna mais sofisticado.
Uma vez que “[…] a relação entre o pensamento e a palavra é, antes de
tudo, não uma coisa mas um processo, é um movimento do pensamento à
palavra e da palavra ao pensamento” (Vygostky, 2009, p. 49). Assim sendo, a

5
unidade palavra e pensamento permite a atribuição de significados atingindo as
principais funções da linguagem, o pensamento generalizante e o intercâmbio
social.

TEMA 3 – A RELAÇÃO NATUREZA-CULTURA-APRENDIZAGEM

Para Vygotsky, a cultura é o eixo primordial para o desenvolvimento


humano, que se constitui como produção do trabalho do homem, expressando
um processo histórico, objetivando-se nos signos e instrumentos culturais.
Como produção humana e social, a cultura desenvolve-se no plano social
(Vygotsky, 1995).
Sobre a importância da cultura na obra de Vygotsky, Sirgado (2000 p. 9)
pondera que “[…] o que faz de um indivíduo da espécie Homo um ser humano
é a incorporação dos componentes da cultura do meio social em que está
inserido". Assim, a intercomunicação social e a mediação do outro permitem a
apropriação de significados socialmente construídos pela cultura nas
intercomunicações sociais.

3.1 A relação natureza-cultura-aprendizagem e o desenvolvimento do


indivíduo

A inserção cultural do indivíduo na sociedade permite a internalização


das funções psicológicas superiores. A linguagem, sistema simbólico
culturalmente adquirido, auxilia na interação social e na convivência entre os
indivíduos, por meio de “sistemas de representação da realidade” (Oliveira,
1997, p. 36). “Estes sistemas, permitem ao indivíduo apropriar-se do ‘código’
utilizado culturalmente pela sociedade para interpretar o mundo” (Oliveira,
1997, p. 37).
A atividade humana que permite o trato homem-objeto permite a
transformação do homem e a modificação da realidade das relações
estabelecidas pelo homem com sua realidade objetiva, mediatizada pela
cultura.

6
3.2 A relação natureza-cultura-aprendizagem e o ambiente apropriado
para a aprendizagem

Sobre a relação cultura e natureza, ao mesmo tempo que estes


elementos são distintos e autossuficientes, estão interligados, devido ao
processo dialético que envolve a condição humana de dependência da
natureza para a subsistência da espécie e também dos recursos que a
natureza oferece para o desenvolvimento cultural e da importância da cultura
para o desenvolvimento da condição humana.
Para explicar a relação natureza-cultura em Vygotsky, Delval (2001,
p. 97) pondera que “no desenvolvimento de cada criança pode-se distinguir
duas linhas: a linha do desenvolvimento natural, o processo de crescimento e
maturação e a linha de desenvolvimento cultural, ou o domínio de vários meios
culturais, ou instrumento”.
O meio ambiente também tem importante papel para a aprendizagem do
indivíduo, uma vez que as formas de vida ativas em um ambiente favorável
permitem o desenvolvimento dos processos mentais (Luria, 2000).

TEMA 4 – A PLASTICIDADE CEREBRAL E O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

Um dos principais pilares da teoria histórico-cultural é a possibilidade de


reestruturação da estrutura e do funcionamento do cérebro, que se modifica
quanto à consciência a partir da influência de elementos externos ao sujeito,
sem necessidade de modificações morfológicas, permitindo a evolução da
espécie e a transformação do homem de ser biológico a social (Oliveira, 1995).
O cérebro é um sistema aberto que pode servir a diferentes funções
durante o processo de aprendizagem, modificando-se sempre que estimulado
por meio do processo de mediação. Dada a possibilidade de ampliação das
estruturas cerebrais, por meio da mediação, as interações assumem maior
importância, principalmente a atividade sistematizada com intencionalidade
para a aprendizagem (La Taille; Oliveira; Dantas, 1995).
A relação plasticidade cerebral-aprendizagem dá-se porque a estrutura
cerebral se amplia sempre que estimulada por uma relação mediada. Temos aí
outro conceito de Vygotsky que permite pensar nessa possibilidade, o de zona
de desenvolvimento proximal. A atuação intencional pode possibilitar o

7
desenvolvimento produzindo “avanços que não ocorreriam espontaneamente”
(Oliveira, 1995, p. 11).

4.1 Zona de desenvolvimento proximal (ZPD)

A ZDP é um domínio psicológico dinâmico ininterrupto, que se


transforma à medida que a mediação ocorre. Caracteriza-se pelo
desenvolvimento mental que acontece prospectivamente, ou seja, refere-se
àquele desenvolvimento que ainda está em processo, que está por se
consolidar. Ela corresponde à distância existente entre o nível de
desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial.
O nível de desenvolvimento real diz respeito a funções mentais já
amadurecidas, aos conhecimentos que o indivíduo já domina e aos problemas
que é capaz de resolver independente de auxílio.
O nível de desenvolvimento proximal refere-se às funções em estágio
embrionário, necessitando do auxílio de outros para resolução de problemas.
Com a mediação de outro, mais experiente, a capacidade de resolução de
problemas, que ainda está em processo de aquisição, podem se consolidar,
transformando-se em funções reais.
A aprendizagem é “um aspecto necessário e universal do processo de
desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e
especificamente humanas” (Vygotsky, 1977, p. 47), portanto as situações de
aprendizado desenvolvem os processos internos do sujeito, e as circunstâncias
em que há a oportunidade de operação, interagindo com o ambiente, permitem
a internalização dos conceitos, desenvolvendo a mente.

4.2 O papel da imitação para o desenvolvimento da ZDP

A imitação tem papel de destaque na teoria histórico-cultural, ela


demarca o desenvolvimento da linguagem. Já aos cinco meses, a criança
reage a estímulos simples, dando início ao processo de imitação, evoluindo
gradativamente até o interesse ativo, no primeiro ano de vida.
A imitação não é uma atividade mecânica, mas está diretamente ligada
à ZDP, sendo a criança capaz de imitar o que está ao alcance do seu nível
atual do desenvolvimento. Para que a imitação ocorra, é preciso passar do
conhecido ao desconhecido, ao novo (Vygotsky, 1991). “A instrução é possível

8
onde cabe a imitação. […]. O ensino deve orientar-se não ao ontem, mas sim
ao amanhã do desenvolvimento infantil. Somente então poderá a instrução
provocar os processos de desenvolvimento que se acham agora na zona de
desenvolvimento próximo” (Vygotsky, 1991, p. 242).
As situações lúdicas de imitação são uma importante maneira de
mediação do processo de construção de conhecimento infantil. Assim sendo, a
brincadeira é uma ferramenta importante para o desenvolvimento da zona de
desenvolvimento proximal, permitindo a internalização dos elementos da
cultura de seu grupo social (Rego, 2014).
Pode-se perceber, assim, a importância atribuída por Vygotsky à
mediação para a aprendizagem, que despertará os processos de
desenvolvimento, demonstrando o respeito ao processo de desenvolvimento
do indivíduo.

TEMA 5 – AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA DE VYGOTSKY PARA O CONTEXTO


ESCOLAR

O processo de humanização é o resultado “da humanidade objetivada e


disponibilizada às suas internalizações”, sendo a educação escolar um
“processo ao qual compete oportunizar a apropriação do conhecimento
historicamente sistematizado” (Martins, 2013, p. 272).
A experiência pessoal do indivíduo lhe confere conceitos espontâneos
que, a partir da intervenção pedagógica, evoluem para conceitos científicos,
ampliando seu desenvolvimento mental (Vygotsky, 1989).

5.1 Escola como disseminadora da cultura

Como espaço ímpar para a socialização do conhecimento da cultura


sócio-historicamente adquirida, a escola é a responsável pela aprendizagem
mecânica, pelo redimensionamento do indivíduo no social, pela difusão de
conteúdos escolares, pelo desenvolvimento da sensibilidade da consciência e
pelo auxílio na complementação das predisposições genéticas dos indivíduos
(La Taille; Oliveira; Dantas, 1992).
É por meio da educação que a “influência e inferência planejadas,
direcionadas, intencionais e conscientes nos processos naturais de
crescimento da criança” (Vygotsky apud Van Der Veer, 1996).

9
5.2 O professor e a mediação do conhecimento científico

Uma vez que o processo de formação de conhecimento se dá por meio


das relações estabelecidas entre sujeito e objeto (concreto), por meio das
quais o indivíduo edifica suas representações da realidade, a mediação
assume um papel importantíssimo, como intermediária entre o indivíduo e o
objeto do conhecimento (Matui, 1995).
O professor é o mediador da aprendizagem, seu papel é o de organizar
o ambiente para que a aprendizagem ocorra. Sua inferência intencional no
processo de ensino-aprendizagem, atuando nas zonas de desenvolvimento
proximal, permite que este seja o elo entre o aluno e o conhecimento (Matui,
1995).
É importante que o professor nunca perca de vista que a criança não
chega à escola sem conhecimento. Sua aprendizagem começa antes que ela
adentre a instituição escolar, entretanto, é preciso respeitar seu nível de
desenvolvimento e suas potencialidades para a aprendizagem (Vygotsky,
2007).

NA PRÁTICA

Com base nas observações realizadas na sala de aula, na atividade


prática anterior:

a. Você conseguiu perceber a função da atividade lúdica e da imitação


para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores?
b. Escreva um texto sobre a importância da escola para a aquisição dos
conhecimentos científicos.

FINALIZANDO

Nesta aula, tivemos a oportunidade de compreender os fatores que


interferem nos processos de aprendizagem a partir da teoria histórico-cultural e
do olhar da teoria vygotskyana.
Os principais conceitos abordados foram os de interação e mediação, do
papel da cultura e da internalização das práticas históricas e sociais. Falamos
ainda sobre o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, do papel

10
dos instrumentos e da operação com signos e da plasticidade cerebral, assim
como das zonas de desenvolvimento.
Também aprendemos que o processo de escolarização é extremamente
importante para a aquisição dos conceitos científicos, porque possibilita ao
sujeito a aquisição de saberes culturais, historicamente adquiridos.

11
REFERÊNCIAS

BORELLA, T. Desenvolvimento da linguagem infantil à luz da teoria


histórico-cultural: contribuições de práticas literárias na primeira infância.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual Paulista, São
Paulo, 2016.

COLE, M.; SCRIBNER, S. Introdução. In: VYGOTSKY, L. S. A formação


social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores.
Tradução José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro
Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.1-19.

DELVAL. J. Vygotski, Piaget: a formação do conhecimento e a cultura.


Educação & Realidade. 26(2):89-126. julh/dez. 2001. Disponível em:
<https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/download/26140/15255>.
Acesso em: 4 set. 2019.

LA TAILLE, Y. de; OLIVEIRA, M. K. de, DANTAS, H. Piaget, Vygotsky,


Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.

LEONTIEV, A. N. Desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte,


1978.

LURIA, A. R. The problem. Marxists Internet Archive. 2000. Disponível em


<http://www.marxists.org/archive/luria/works/1976/problem.htm>. Acesso em: 4
set. 2019.

MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar:


contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-
crítica. Campinas: Autores Associados, 2013.

MATUI, J. Construtivismo: teoria construtivista sócio-histórica aplicada ao


ensino. São Paulo: Moderna, 1995.

OLIVEIRA, M. K. de. Vigotski e o processo de formação de conceitos. In:


Piaget, Vigotski, Wallon - teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo:
Summus, 1995.

_____. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento – um processo sócio-


histórico. São Paulo: Scipione, 1997.

12
REGO, T. C. Vigotski: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 25. ed.
Petrópolis: Vozes, 2014.

SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 8. ed.


Campinas: Autores Associados, 2003.

SIRGADO, A. P. O social e o cultural na obra de Vigotski. Educ. Soc. 2000,


vol.21, n.71, p.45-78. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/es/v21n71/a03v2171.pdf>. Acesso em: 4 set. 2019.

VAN DER VEER, R.; VALSINER, J. Vygotsky: uma síntese. Trad. Cecília C.
Bartalotti. São Paulo: Loyola, 1996.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,


2007.

_____. Imaginação e criatividade na infância. São Paulo: Martins Fontes,


2014.

_____. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo:


Martins Fontes, 2009.

_____. Historia del desarrollo de las funciones psíquicas superiores em


Lev S. Vygotski. obras escogidas. Tomo III. Madri: Visor/MEC. 1995.

_____. Pensamiento y lenguaje. conferencias sobre psicología. obras


escogidas II. Madrid: Visor, 1993.

_____. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

_____. Obras completas: Fundamentos de Defectologia. Havana: Editorial


Pueblo e Educación, 1989. Tomo 5.

_____. Aprendizagem e desenvolvimento na idade escolar. In: LURIA, A. R.;


LEONTIEV, A.; Vygotsky L. S. Psicologia e pedagogia: bases psicológicas da
aprendizagem e do desenvolvimento. Lisboa: Estampa. 1977. P. 31-50.

13
DIFICULDADES E DISTÚRBIOS
DE APRENDIZAGEM
AULA 3

Profª Eliza Ribas Gracino


CONVERSA INICIAL

Nesta aula abordaremos as dificuldades, distúrbios ou transtornos de


aprendizagem, identificando os principais fatores externos e internos ao sujeito
que interferem nesse processo. Dessa forma, é possível elencar como externos
os fatores familiares, econômicos, socioculturais e de organização escolar. Já os
fatores internos dizem respeito às questões biológicas e de desenvolvimento do
indivíduo, nas quais estão presentes os distúrbios de aprendizagem, que se
manifestam na área da língua portuguesa e matemática.
Perceberemos que a aprendizagem é um processo complexo que se
articula ao processo de desenvolvimento humano, caracterizando-se por
múltiplos condicionantes. A teoria psicanalítica é chamada para elucidar os
processos inconscientes e conscientes do indivíduo, bem como a teoria
sociocultural de Vygotsky, na busca da compreensão de como o sujeito aprende.
‘Ressalte-se também que as dificuldades e distúrbios na aprendizagem,
contribuem com a exclusão social, na medida em que o indivíduo não se sente
pertencente à sociedade letrada.
Nossos objetivos para esta aula são os seguintes: discutir os fatores
internos e externos que interferem no processo de aprendizagem do indivíduo;
estudar a teoria psicanalítica, na busca da compreensão de sua relação com a
educação; relacionar as contribuições da teoria de Vigotsky para a
aprendizagem; identificar os distúrbios específicos da aprendizagem;
compreender a relação existente entre a não aprendizagem e a exclusão social.
Para alcançarmos esses objetivos, estruturamos esta aula em 5 partes:

1. Cuidado na nomenclatura;
2. A corrente psicanalítica e as dificuldades de aprendizagem no Brasil;
3. Os distúrbios específicos da aprendizagem e a leitura;
4. Os transtornos específicos da aprendizagem: matemática;
5. As dificuldades de aprendizagem e sua interface social.

TEMA 1 – CUIDADO NA NOMENCLATURA

Durante toda a história da humanidade, as questões que envolvem o


ensino e a aprendizagem foram vistas por diferentes prismas. Ao longo dos anos,
de acordo com a sociedade, sua função também foi distinta, variando desde
transmissão da tradição, da religião e das descobertas científicas e tecnológicas.

2
Ora se priorizou a carga genética, por acreditar que seu desempenho e
comportamento já estavam determinados desde o seu nascimento, ora se
privilegiou a influência do meio, por se acreditar que as experiências vividas no
meio em que a criança está inserida seriam determinantes para seu processo de
desenvolvimento e aprendizagem.
Nascemos, sim, com um aparato orgânico, biológico para a
aprendizagem. O meio, certamente, tem grande influência na constituição de
nossa personalidade, entretanto é importante clarificar que não existe fator
determinante para nosso comportamento e aprendizagem. De acordo com o
Dicionário Aurélio, o vocábulo determinar, entre outros significados, indica
“delimitar, fixar, definir, precisar” (Ferreira, 2008, p. 314). Com base nessas
definições, não há dúvidas de que não existe nenhum fator que determine a
aprendizagem, porém a articulação de todos os fatores que envolvem o indivíduo
(internos e externos) e a intervenção pedagógica que contemple a
sistematização dos conteúdos historicamente acumulados pela humanidade
auxiliarão nos processos de ensino, levando o indivíduo à aprendizagem.
Muitas vezes ouvimos referência às dificuldades, distúrbios e transtornos
de aprendizagem como sendo a mesma incidência. Embora os autores não
tenham consenso a respeito dessas terminologias, há autores que buscam a
separação entre o que seria denominado problema, dificuldade ou distúrbio de
aprendizagem. As condições intrínsecas, indicadoras dos distúrbios de
aprendizagem, ou as condições extrínsecas, via de regra as dificuldades de
aprendizagem, diferenciam os problemas de aprendizagem (Ciasca, 2003).

1.1 Dificuldades de aprendizagem

As dificuldades de aprendizagem se constituem como uma das áreas


mais complexas de se conceituar em decorrência da variedade de teorias,
modelos e definições que visam esclarecer esse problema. Logo, a
heterogeneidade referida confere, por si só, grande complexidade ao estudo de
tais dificuldades que, somada à realidade educacional brasileira, torna-se um
grande desafio não só para aqueles que fazem parte do sistema educacional,
mas para a sociedade como um todo (Curi, 2002; Ide, 2002).

3
1.2 Distúrbios de aprendizagem

Pode-se observar na Classificação Internacional de Doenças e Problemas


Relacionados à Saúde (CID-10) e no Manual de Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-V) a falta de exatidão na definição de distúrbios de
aprendizagem. Distúrbios de aprendizagem são comprometimentos e
disfunções nos quais a causa é neurológica e a manifestação é comportamental,
sugerindo a existência de um comprometimento neurológico e das funções
corticais específicas. Podem apresentar-se como:

a. Hiperatividade: instabilidade psicomotora provocada por frustração,


ansiedade ou protesto;
b. Instabilidade: fraco controle sobre si mesmo (Caraciki, 1994; Cinel, 2003).

1.3 Transtornos de aprendizagem

Os transtornos de aprendizagem definem-se como aqueles manifestados


por comprometimentos específicos e significativos no aprendizado de
habilidades escolares (Organização Mundial da Saúde, S.d.)
De acordo com a CID-10 de 2008, as dificuldades de aprendizagem estão
dentro da categoria de transtornos específicos do desenvolvimento das
habilidades escolares e, nessa categoria, enquadram-se a dislexia, a disgrafia,
a discalculia e a dificuldade de soletração. Já o transtorno da aprendizagem – às
vezes usado como sinônimo de dificuldades de aprendizagem – embora não
tenha sido esclarecido totalmente, conta com algumas hipóteses sobre suas
causas, consideradas multifatoriais. Esses fatores, que são de origem biológica,
o que e inclui fatores genéticos, epigenéticos e ambientais, influenciam na
capacidade do cérebro de processar informações e transformá-las em
conhecimento. A CID-10 supõe que os fatores psicológicos se sobrepõem aos
fatores não biológicos. Já o DSM-V indica que o transtorno específico da
aprendizagem está ligado ao neurodesenvolvimento, cuja origem é biológica.
Segundo esse manual, as anormalidades no nível cognitivo se manifestam no
aspecto comportamental.

4
TEMA 2 – A RELAÇÃO DA CORRENTE PSICANALÍTICA COM AS
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

A teoria psicanalítica tem como precursor o médico Sigmund Freud (1856-


1939), que, em suas pesquisas, percebeu que a raiz dos problemas de seus
pacientes encontrava-se na infância e, para acessar o inconsciente, a princípio,
utilizou-se de hipnose, logo substituindo esse método pela livre associação de
ideias, fazendo com que o paciente se remetesse à infância para recordar seus
traumas e também à repressão sofrida para poder perceber se a repressão gerou
o distanciamento entre consciente e inconsciente (Freud, 1976).
A principal preocupação freudiana foi a de analisar o funcionamento
mental por meio do inconsciente dinâmico (Simon, 2010) e a construção da
personalidade, que, segundo ele, se delineia com base nas experiências vividas.
Outro importante conceito abordado por Freud foi o princípio do prazer, por meio
do qual explicita que o indivíduo se exime de atividades que gerem desprazer,
regulando sua satisfação (Freud, 1996).

2.1 O desenvolvimento da personalidade

A personalidade constrói-se com base no meio em que o indivíduo está


inserido e procura adaptar-se. Seu desenvolvimento está interligado a
características pessoais, motivação, metas e valores, sendo também
influenciado por questões biológicas e pela interação dos indivíduos uns com os
outros, com o meio e com a cultura.
Para explicar as questões pertinentes ao desenvolvimento humano, Freud
elabora sua teoria a partir da dinâmica do organismo para satisfazer suas
necessidades, conceituando esse processo como pulsão, intimamente
relacionada à sexualidade, demonstrando que a função sexual está presente no
indivíduo desde o seu nascimento, postulando que esta possui três destinos: a
inibição neurótica, limitando a atividade intelectual; a compulsão pelo saber, que
funciona como escape do recalque e a sublimação, cujo escape da pulsão sexual
se dá pelo desejo do saber, destinando a energia para o trabalho e outras
atividades socialmente aceitas (Freud, 1996).
Com relação a suas estruturas, a personalidade é composta pelo Id, ego
e superego. O Id responsável pelo processo primário de manifestação dos
desejos, no plano imaginário, buscando a satisfação imediata de suas

5
necessidades; o ego, instância diferenciada do Id, servindo como intermediário
entre desejo e realidade; e o superego é responsável pelos valores morais e
intenalização das normas (Freud, 2011).

2.2 Os problemas de aprendizagem

Apesar de a teoria psicanalítica ser amplamente difundida na formação


de educadores, Freud não se preocupou em elaborar uma teoria pedagógica, ou
sobre aprendizagem ou suas dificuldades, entretanto, ao se estudar sua teoria,
é possível presumir que a inibição intelectual é consequência do fracasso da
inibição sexual (Freud, 1996).
A pressão social exercida pela escola sobre o indivíduo desde a infância
molda a realidade, disfarçando seu interesse pela sexualidade e trocando a
satisfação das pulsões e do princípio do prazer pelo universo simbólico,
castrando o indivíduo (Freud, 1996b).
As relações familiares também influenciam na aprendizagem escolar.
Tanto a superproteção quanto a negligência e negação de afeto influem no
comportamento da criança. A criança excessivamente protegida pode tornar-se
passiva, dependente e medrosa, e a carência pode levar a criança a investir sua
energia, desfocando-se das atividades escolares.
Outro ponto importante a se considerar é que a criança projeta em seu
professor a relação que tem com seus pais. Essa transferência, de acordo com
a psicanálise, é natural e pode permitir a reorganização das estruturas psíquicas,
transformando a personalidade.

TEMA 3 – OS DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM RELACIONADOS ÀS


LINGUAGENS ORAL E ESCRITA

A compreensão a respeito da função da linguagem e da comunicação


ocorre antes mesmo que a criança seja capaz de falar. Por esse motivo, ela
busca a interação, comunicando-se com gemidos, gestos e até mesmo o choro
(Santos; Navas, 2002, p. 216).
É preciso que o adulto estimule as situações de comunicação infantil, bem
como o uso da fala e das primeiras palavras pronunciadas pela criança, que
começam a aparecer “no fim do período do balbucio”, uma vez que, se
negligenciadas, podem gerar um possível distúrbio (Scarpa, 2001, p. 226).

6
Apesar de a interação com o grupo social auxiliar no processo de
aquisição da linguagem, a intervenção pedagógica por meio de atividades
direcionadas auxiliarão no desenvolvimento e aperfeiçoamento da leitura e da
escrita (Santos; Navas, 2002, p. 220).

3.1 Distúrbios fonológicos: dislalia

Apesar de a fala infantil se manifestar nas primeiras semanas de vida, e


de a criança ser capaz de expressar-se verbalmente aos cinco anos de idade,
muitas vezes, as dificuldades na fala só são percebidas com base na
escolarização da criança (Préneron, 2006).
O transtorno de comunicação de maior incidência é a denominada na
DSM-V como dislalia. Esse transtorno do neurodesenvolvimento consiste em
uma dificuldade de articular palavras, podendo tanto ser má pronúncia quanto
omissão ou acréscimo de fonemas, podendo origem orgânica ou funcional.

a. Dislalias orgânicas: alteração da língua ou de outro órgão que esteja


envolvido na fala. Ex.: lábio leporino;
b. Dislalias funcionais: imitação inadequada da linguagem adulta.

Costumeiramente, o tratamento da dislalia é feito por meio de exercícios


que treinam os movimentos do órgão afetado (lábios, mandíbulas e língua). Seu
diagnóstico deve realizar-se o mais cedo possível, por uma equipe
multidisciplinar.

3.2 Distúrbios de leitura e escrita: dislexia, disgrafia e disortografia

Os distúrbios de leitura tanto podem ser de origem visual quanto auditiva.


A dificuldade mais recorrente quanto à leitura é a dislexia. Há também distúrbios
relacionados às habilidades de escrita, conhecidos por disgrafia e disortografia.

3.2.1 Dislexia

A dificuldade está no processo cerebral responsável pela escrita e leitura,


ou auditiva. O disléxico apresenta troca de letras e sons por outros, invertendo
palavras (Kato, 1986). De acordo com o DSM 5, a dislexia integra os transtornos
específicos de aprendizagem (TEA). Acontece na habilidade de leitura, no que
diz respeito aos aspectos de fluência, velocidade e compreensão, tornando as

7
habilidades acadêmicas comprometidas, devido à importância da leitura para as
demais aprendizagens.
A Associação Brasileira de Dislexia (ABD) caracteriza a dislexia pela
dificuldade apresentada no reconhecimento de letras, números e no processo
de alfabetização de forma geral, sendo a maior dificuldade do disléxico a
aquisição da fala e o reconhecimento dos números, letras, símbolos, ordenação
de palavras, bem como no reconhecimento e leitura de palavras longas. O
quadro da dislexia também traz alguns embaraços cognitivos, como dificuldades
na memorização de sequências e na organização espaço-temporal, incluindo a
distinção entre direita e esquerda.
A dislexia é um distúrbio com o qual o indivíduo precisará trabalhar ao
longo de sua vida e cujos sintomas são amenizados por meio de um tratamento
com uma equipe multidisciplinar: fonoaudiólogo, psicopedagogo, pedagogo,
psicólogo, entre outros.

3.2.2 Disgrafia

Alteração na qualidade da escrita, relacionada à grafia das letras. O


disgráfico não consegue trazer para o plano motor o que visualizou,
apresentando alteração no ritmo de escrita. A lentidão torna as palavras ilegíveis,
o traçado das letras disforme e o espaçamento entre linhas e palavras irregular
(Torres; Fernandez, 2001).
A intervenção nesses casos perpassa o estudo das percepções auditiva
e visual, não se limitando à correção, mas à orientação quanto ao uso de uma
variedade de técnicas que podem facilitar a aprendizagem, considerando as
habilidades e conhecimentos que o indivíduo carrega e suas características
individuais e partindo para os conhecimentos que ainda não adquiriu.

3.2.3 Disortografia

Dificuldade de transcrição da linguagem oral. Consiste na omissão e


inversão de letras e ordem de palavras. Em sua intervenção, é importante
trabalhar estimulando o desenvolvimento da memória visual, a percepção
gramatical e da função dos aspectos que constituem as frases e sentenças
(Kaufman, 1996).

8
TEMA 4 – OS DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM RELACIONADOS ÀS
OPERAÇÕES MATEMÁTICAS

Os distúrbios de aprendizagem, assim como as dificuldades de


aprendizagem, não têm explicação definitiva. De acordo com Sousa (2011, p.
25), os distúrbios de aprendizagem são definidos como “uma desordem
neurobiológica na qual o cérebro da pessoa trabalha ou é estruturado de uma
maneira diferente”. Embora de origem orgânica, inclui-se nas disfunções
funcionais (Campos-Casteló, 2000).
Os distúrbios de aprendizagem matemática atingem as habilidades de
cálculo básico, de raciocínio matemático e nas combinações entre elas, sendo
classificados em acalculia e discalculia (Bastos, 2016).

4.1 Acalculia

Trata-se de um distúrbio de contagem, a (não) + calculare (cálculo) = não


contar (Bastos, 2008). De origem posterior a uma lesão cerebral, podendo ser
diagnosticada em crianças com desenvolvimento normal (Garcia, 1998;
Campos, 2014).
A acalculia caracteriza-se por desorientação na lateralidade, falta de
percepção e reconhecimentos de objetos e dificuldade para o cálculo mental e
de problemas matemáticos (Benton, 1987, citado por Bernardi, 2006).
De acordo com Bastos (2016), quanto à tipologia, a acalculia pode dividir-
se em três: dificuldade para ler e escrever quantidades (alexia e grafia de
números); dificuldade de orientação espacial, arranjo de números em posições
corretas e cálculos (acalculia espacial); e dificuldade nas operações aritméticas
(anaritmetia).

4.2 Discalculia

Refere-se à dificuldade de aquisição de habilidades para cálculo: dis


(dificuldade) + calculare (cálculo) = dificuldade de calcular (Campos, 2014).
Essas habilidades matemáticas são necessárias à realização de cálculos
simples e à resolução de problemas matemáticos, como nomear, ler e escrever
símbolos matemáticos (Werner, 1999).
A discalculia caracteriza-se pela

9
Dificuldade em lidar com cálculos, numerais e quantidade,
prejudicando as atividades da vida diária, que envolvem estas
habilidades e conceitos. De acordo com o DSM-IV, em indivíduos com
transtorno da Matemática, a capacidade para a realização de
operações aritméticas cálculo e raciocínio matemático encontra-se
substancialmente inferior à média esperada para a idade cronológica,
capacidade intelectual e nível de escolaridade do indivíduo. (Glat;
Fernandes, 2005, p. 70)

O discalcúlico não apresenta dano na inteligência, tendo singularidades


no que diz respeito a dificuldades específicas (Campos, 2014). Os motivos que
levam à discalculia são diversos, sendo foco de pesquisas inconclusas em
diversas áreas como a pedagogia, a neurologia, a psicologia, a linguística e a
genética (Silva, 2008, citado por Coelho, 2013).
A intervenção de uma equipe multidisciplinar, com propostas pedagógicas
adequadas, e específicas orientando o discalcúlico, a família e a escola
promovendo ações que estimulem com base em situações lúdicas é
extremamente importante para o desenvolvimento do discalcúlico (Silva, 2011).

TEMA 5 – AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E SUA INTERFACE


SOCIAL

É de extrema importância reconhecer as dificuldades e os distúrbios de


aprendizagem, mas também é imprescindível refletir a respeito do impacto dessa
realidade na escola. Anualmente um grande número de indivíduos não obtém
sucesso na trajetória escolar, sendo marginalizados pelo sistema educacional,
ou seja, tornam-se excluídos, ainda que fisicamente permaneçam no espaço
escolar.
O desenvolvimento da inteligência está ligado à contextualização e à
globalização. A estruturação do pensamento se dá inconscientemente
(hipóteses), sendo que a linguagem e a ação refletem parcialmente o movimento
do pensamento. Para a construção de novos conhecimentos, é preciso analisar,
pensar, escolher novas situações-problema não só para desafiá-las, mas para
interferir cada vez mais sobre seu processo de construção de conhecimento
(Grossi, 1993).

10
5.1 Dificuldades e distúrbios de aprendizagem: a importância do
diagnóstico

A dificuldade no diagnóstico tem contribuído para que as ações no


enfrentamento nas situações em que a aprendizagem não ocorre não logrem
êxito. Isso porque, na falta de um diagnóstico preciso, muitas vezes se
confundem dificuldades e distúrbios de aprendizagem com deficiência. Nessa
direção, alunos que não possuem deficiência são encaminhados para serviços
de apoio complementar e suplementar, como as salas de recursos
multifuncionais. Por esse motivo, é preciso conhecer a criança e o motivo da não
aprendizagem antes de ensiná-la (Fonseca, 2008).
O professor desempenha um papel muito importante, tanto no processo
de diagnóstico quanto no processo reeducativo. É importante que os problemas
de aprendizagem que a criança apresenta sejam vistos como decorrentes das
dificuldades de aprendizagem e não como preguiça.

5.2 A Escola inclusiva

A escola, como não se sente responsável por condições que são alheias
a ela, permite-se transferir a responsabilidade da não aprendizagem para causas
externas. Considerando que ela tem apresentado apertos para dar conta de
alunos ditos “normais”, é ainda mais um desafio incluir os alunos que apresentam
dificuldades específicas de aprendizagem.
A escola inclusiva sugere uma educação de qualidade para todos,
reconhecendo a diversidade presente na sociedade e buscando adaptar-se às
singularidades de seus alunos. Portanto, essa escola proporciona condições de
dar suporte aos alunos que apresentam dificuldades no processo de
aprendizagem.
Sendo assim, a escola precisa organizar-se para ter as condições
propícias à aprendizagem de todos. Isso só será possível se a escola fizer uma
revisão de sua gestão e do que é estabelecido em seu projeto político-
pedagógico, além de condições de trabalho e salários dos educadores. Assim, é
preciso ressignificar todo o conceito de aprendizagem, como também o papel de
educadores e demais envolvidos no processo em uma sociedade inclusiva.

11
NA PRÁTICA

Nesta aula aprendemos sobre as dificuldades e distúrbios de


aprendizagem. Escolha um jogo e proponha a uma criança das séries iniciais do
ensino fundamental, com dificuldades ou distúrbios de aprendizagem, uma
intervenção baseada no jogo escolhido. Elabore um relatório explicando qual é
a dificuldade, qual é o jogo escolhido e como ele motivou a criança escolhida à
aprendizagem.

FINALIZANDO

Tivemos aqui a oportunidade de abordar questões pertinentes às


dificuldades e distúrbios de aprendizagem, identificando os fatores que
interferem sobre eles, conhecendo melhor a teoria psicanalítica e seus
conceitos, bem como os desafios da utilização de ferramentas pedagógicas para
o diagnóstico e intervenção no enfrentamento das dificuldades e distúrbios de
aprendizagem.
Os principais conceitos abordados foram os distúrbios ligados à língua
portuguesa, à matemática, bem como à combinação de ambos e `\a questão
social presente na ausência da aprendizagem, ocasionando baixa autoestima e
exclusão social, compreendendo o papel da escola e de toda a sociedade no
combate ao fracasso escolar.

12
REFERÊNCIAS

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_____. Matemática: distúrbios específicos e dificuldades. In: ROTTA, N. T;


OHLWEILER, L; RIESGO, R. dos S. (Org.) Transtornos da aprendizagem:
abordagem neurológica e multidisciplinar. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.

BERNARDI, J. Alunos com discalculia: o resgate da auto-estima e da auto-


imagem através do lúdico. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia
Universidade Católica, Porto Alegre, 2006.

CAMPOS, A. M. A. de. Discalculia: superando as dificuldades em aprender


Matemática. Rio de Janeiro: Wak, 2014.

CAMPOS-CASTELÓ, J. Bases neurobiológicas de los transtornos Del


aprendizaje. Revista de neurologia Clínica, v. 34, n. 1, p. 1-7, 2000.

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CIASCA, S. M. (Org.). Distúrbios de aprendizagem: proposta de avaliação


interdisciplinar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.

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correção da escrita. Revista do Professor, Porto Alegre: v. 19; p. 19-25, 2003.

COELHO, D.T. Dificuldades de aprendizagens específicas: dislexia, disgrafia,


disortografia e discalculia. Porto: Areal, 2013.

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(Doutorado em Psicologia) – Unicamp, Campinas, 2002.

FERREIRA, A. B. de H. Mini Aurélio: o minidicionário da língua portuguesa. 7


ed. Curitiba: Positivo, 2008.

FONSECA, V. Dificuldades de aprendizagem. Lisboa: Âncora, 2008.

FREUD, S. Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental. In:


FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XII.

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psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v.
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_____. O eu, o id, “autobiografia” e outros textos (1923-1925). São Paulo:


Companhia das Letras. 2011, v. 16.

13
_____. O futuro de uma ilusão. In: _____. Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996b, v.
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_____. La dinámica de la transferencia. In: _____. Obras completas. Madri,


Biblioteca Nueva. 1981, v. 2.

GARCIA. J. N. Manual de dificuldades de aprendizagens: linguagens, leitura,


escrita e matemática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

GLAT, R.; FERNANDES, E. M. Da educação segregada à educação inclusiva:


uma breve reflexão sobre os paradigmas educacionais no contexto da educação
especial brasileira. Revista da Educação Especial, Brasília, v. 1, n. 1, p. 35-39,
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GROSSI, E. P. Aspectos pedagógicos do construtivismo pós-piagetiano In:


_____; BORDIN, J. (Org.). Construtivismo pós-piagetiano. Petrópolis/RJ:
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FREITAS, I. B.; SAMPAIO, S. (Org.). Transtornos de dificuldades de
aprendizagem: entendendo melhor os alunos com necessidades educativas
especiais. Rio de Janeiro: Walk, 2011.
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Psicanalítica. In: SIMON, R. Psicoterapia psicanalítica – concepção original:
teoria, técnica, pesquisa, ilustrações clínicas. São Paulo: Casa do Psicólogo,
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SOUSA, F. M. A. A. Distúrbios e dificuldades de aprendizagem: uma perspectiva


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TORRES, R.; FERNÁNDEZ, P. Dislexia, disortografia e disgrafia. Rio de


Janeiro: McGraw-Hill, 2001.

WERNER, J. Era uma vez... um vilão chamado matemática: um estudo


intercultural da dificuldade atribuída à matemática: um estudo intercultural da
dificuldade atribuída à matemática. Psicologia: reflexão e crítica, v. 12, n. 1, p.
173-194, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
79721999000100012&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 30 ago. 2019.

15
DIFICULDADES E DISTÚRBIOS
DE APRENDIZAGEM
AULA 4

Profª Eliza Ribas Gracino


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, abordaremos a questão do fracasso escolar frente às


dificuldades de leitura e habilidades matemáticas, teorizando sobre suas causas.
Nossa pretensão é contribuir para a reflexão sobre os diversos fatores que
interferem na aprendizagem e, consequentemente, no sucesso escolar. Entre os
fatores que contribuem para a perpetuação do fracasso, é possível apontar a
organização da escola, nos seus aspectos físicos, administrativos e financeiros,
a formação e as práticas docentes, a ausência de políticas públicas voltadas à
educação e o papel do psicopedagogo como mediador do processo de
escolarização, atuando junto à escola, à família e ao aluno, refletindo sobre as
possibilidades de interferência.
Ao tratar do fracasso, é preciso explicitar o que se entende por sucesso
escolar na sociedade contemporânea. Embora muitos autores tenham discutido
esse tema, parece claro que o aluno de sucesso é aquele que possui uma
linguagem oral e escrita aceita formalmente pela sociedade, bem como o aluno
que possui habilidades matemáticas suficientes para assegurar o seu uso social.
Porém, é necessário pontuar que nem todos os alunos aprendem da
mesma forma e no mesmo ritmo. Entrentanto, todos têm capacidade de
aprender, desde que sejam respeitados os ritmos e os tempos individuais. Nesse
sentido, este texto abordará também a adaptação e a flexibilização curricular
como instrumentos importantes no processo de ensino e aprendizagem.
Nossos objetivos para esta aula são: refletir sobre o fracasso escolar,
identificando as causas e as possíbilidades de interferências; relacionar o
fracasso escolar com a construção da aprendizagem e a formação de
professores; reconhecer o papel da neurociência para a educação; analisar a
importância das adaptações curriculares para a aprendizagem; elencar as
possibilidades de adaptações e flexibilizações curriculares na prática docente.
Para alcançarmos esses objetivos, estruturamos esta aula em cinco
partes: 1. fracasso escolar: várias causas; 2. a formação de professores e a
aprendizagem; 3. a contribuição da neurociência para a educação; 4.
organização didática e as variações metodológicas; 5. adaptações curriculares
e a prática pedagógica.

2
TEMA 1 – FRACASSO ESCOLAR: VÁRIAS CAUSAS

Para se discutir o fenômeno do fracasso escolar, é preciso percebê-lo em


sua complexidade e suas multideterminações. Diversos são os autores que
abordam o tema, os eixos de explicações históricamente construídos para
explicar suas causas e, também, a busca por sua superação. No que diz respeito
a escola pública, o fenômeno do fracasso escolar possui “uma dimensão
valorativa cuja significação política e pedagógica não foram suficientemente
explicados” (Tiball, 1998, p. 12).
As primeiras preocupações que motivaram estudos críticos sobre a
temática fracasso escolar datam da década de 1980 e denotam arbitrariedades
e tendências à psicologização, à patologização. Dentre os principais autores que
abordam o tema estão Saviani (1982), Patto (1999) e Angelucci (2004).
As principais explicações sobre o fenômeno dividem-se em três vertentes,
formuladas a partir da realidade do momento histórico: as que culpabilizam a
criança e/ou seus familiares, atribuindo o fracasso a aspectos oriundos do
indivíduo, como fatores de ordem biológica, emocional, psicológica, familiar ou
cultural; as que culpablizam o professor, tendo como principais culpadas a
formação docente e a insuficiência da metodologia utilizada em suas aulas; outra
vertente diz respeito às políticas impostas por uma sociedade excludente e
classista (Patto, 1999; Angelucci et al., 2004).

1.1 Explicando a pedagogia histórico-crítica

A pedagogia histórico-crítica tem como precursor Dermeval Saviani, que


desenvolveu sua teoria a partir dos pressupostos do materialismo histórico
dialético, reconhecendo o indivíduo como ser constituído histórico-socialmente a
partir de partes opostas e interdependentes em constante conflito (contradição).
O autor preocupou-se em estudar o fracasso escolar a partir da escolarização
das classes populares, socialmente marginalizadas, enfatizando o papel da
escola como instância produtora do conhecimento (Saviani, 2008).
Para Saviani, a educação é uma categoria fruto da produção do homem,
portanto é trabalhada dessa maneira, uma atividade exclusiva da humanidade.
Por serem atividades que corroboram para o processo de desenvolvimento
humano, elas se inter-relacionam (Saviani, 2007).

3
Entretanto, para o autor, a educação é trabalho não material, que deve
ser compreendido a partir dos condicionantes sociais e das contradições da
sociedade. A aula é a produção de um ato de consumo (Saviani, 2008).
O avanço das forças produtivas (pós-Revolução Industrial) fez com que a
educação se tornasse uma necessidade no mundo do trabalho, uma vez que o
avanço técnico das máquinas trouxe a necessidade de trabalho intelectual para
operar a maquinaria, pois as máquinas são as responsáveis pelo processo
manual, legando à escola o papel de produzir a socialização dos indivíduos,
adequando-os à máquina (Saviani, 2007).
A partir desse momento, a educação passa a assumir um caráter dualista,
ou seja, de natureza prática para as profissões manuais e de domínio teórico
para as elites, futuros dirigentes, nos diversos setores sociais, quando deveria
ser politécnica, unindo “trabalho intelectual e trabalho material” (Saviani, 2007,
p. 161), dominando princípios tecnicocientíficos.
Nessa perspectiva, a função da escola é legar a seus alunos o saber
elaborado, o conhecimento científico, o saber erudito e a cultura, historicamente
construídos pela humanidade, democratizando o conhecimento, permitindo
assim a transformação e a superação das desigualdades.

1.2 Pedagogia histórico-crítica e fracasso escolar

A educação é um processo de trabalho essencialmente humano e


humanizador, permeado pela cultura e por valores, conceitos e símbolos que só
têm sentido se assimilados pelo homem, capacitando-o a produzir
individualmente a “humanidade produzida historicamente" (Saviani, 2008, p. 14).
Desta feita, a principal preocupação pedagógica deve ser o método de
ensino, a técnica, os processos e as organizações que possibilitem o avanço do
saber, cujo principal fim é a progressão do aluno concreto, transformando o
“saber elaborado em saber escolar" (Saviani, 2008, p. 75).
A negação e a precarização do saber histórico socialmente produzido, a
desvalorização da escola, a falta de investimentos em qualidade e o
descompromisso com o ensino das classes populares, desvalorizando sua
cultura e negando-lhes acesso à cultura erudite, têm contribuído para que as
crianças oriundas das classes populares fracassem. Para a pedagogia histórico
crítica, o grande desafio é que a educação seja pensada como prática social

4
dialética, na qual tanto professores quanto alunos sejam valorizados (Saviani,
2008).

TEMA 2 – A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A APRENDIZAGEM

A instituição escolar tem como principal característica a diversidade, com


vários elementos culturais, devendo seguir as normas estabelecidas pelo
Estado, modificando a si e a sua função, a partir da realidade e dos fundamentos
sócio-históricos e ontológicos entre trabalho e educação, sendo um espaço
complexo, multifacetado e repleto de demandas sociais, fundamentado na
sociedade de classes, cujos interesses são antagônicos (Saviani, 2007).
A formação de professores é um dos fatores que influenciam na qualidade
da educação, atuando para seu sucesso ou fracasso, entretanto não é o único
fator, pois somadas a ela estão as políticas educacional, as questões pertinentes
ao financiamento em educação etc. Não é a intenção culpabilizar o professor
(Candau, 1987; Braga, 1988; Marques, 1992).
As políticas brasileiras para a formação de professores também sofreram
alterações, de acordo com o período histórico. Seu início se deu com a Lei das
Escolas de Primeiras Letras (1827-1890), nas quais os professores eram
instruídos no “método do ensino mútuo”, expandindo-se até as escolas normais
(1890-1932), com as escolas-modelo e os cursos de pedagogia e de licenciatura
(1939-1971), que incorporaram o modelo dos conteúdos culturais cognitivos,
enfatizando os conteúdos científicos, em detrimento dos aspectos didáticos
pedagógicos (Savini, 2009a, p. 143).

2.1 A formação inicial de professores

Pelo processo de formação docente, perpassam desafios que se originam


nas políticas e nas demandas sociais, bem como o reconhecimento social da
profissão. Neste sentido, Gauthier et al. (2006, p. 35) considera que “[...] a
formação inicial, recebida na Universidade, refletiria melhor a prática no meio
escolar, e o saber do próprio professor, difundido no seio da Universidade,
acharia aí um reconhecimento de sua pertinência”.
Na década de 1980, com a abertura democrática, o movimento para a
reformulação dos cursos de pedagogia e demais licenciaturas se intensificou,
resultando na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº

5
9394, de 20 de dezembro de 1996, que destina um capítulo específico aos
profissionais da educação, trazendo a formação de professores em nível
superior como prioridade, o que privilegia a reflexão a partir do acesso a
conhecimentos de cunho teórico-práticos (Gatti, 2009).
A preocupação com a formalização dos saberes docentes é “uma das
condições essenciais a toda profissão, é a formalização dos saberes necessários
à execução das tarefas que lhes são próprias” (Gauthier, 1998, p. 20).
Apesar das modificações na formação inicial docente impostas pelas
novas políticas, ainda permanece a distância entre a formação acadêmica do
professor e a prática concreta em sala de aula, pois sua formação ainda privilegia
a técnica e as questões voltadas a prática, segundo a qual o ensino é frontal,
desconsiderando a caminhada já realizada pelos educandos (Schön, 2000).

2.2 A formação continuada de professores

De acordo com a LDB (Lei nº 9394/1996), “a associação entre teorias e


práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço", preconizando sobre a
formação continuada (Brasil, 1996, p. 22). A formação continuada pressupõe
uma formação permanente, para além de treinamentos dos métodos e das
técnicas, estendendo-se “ao terreno das capacidades, habilidades e atitudes”
(Imbernón, 2002, p. 49).
A formação continuada é um processo contínuo de formação do
professor, fruto de discussões acadêmicas, políticas, sindicais e de produção
legislativa com a intenção de pleitear melhorias à profissão do educador e à
própria escola, reconhecendo docentes e discentes como sujeitos que têm
saberes acumulados e história de vida que contribuem para o processo
educativo (Ferreira, 2008).
Como parte do processo de desenvolvimento profissional, a formação
continuada deve ser dialética e com vistas a transformar a prática docente,
embasando-a na teoria. Da mesma maneira, as teorias precisam capacitar o
professor ao enfrentamento das situações vivenciadas na prática docente,
permitindo ao profissional compreender as relações estabelecidas sócio-político-
históricamente (Sacristán, 1999).

6
TEMA 3 – A CONTRIBUIÇÃO DA NEUROCIÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO

O conhecimento biológico para a compreensão humana ganhou destaque


no século XXI, com destaque na área da educação às neurociências. A especial
atenção aos estudos do cérebro fez com que alguns cientistas denominassem
este século como o “'século do cérebro” (Vidal; Ortega, 2011).
O termo neurociência foi cunhado pela primeira vez para identificar um
projeto interdisciplinar, cujo objetivo era estudar os fenômenos relacionados ao
cérebro e ao sistema nervoso, na década de 1960 (Rose; Abi-Rached, 2013).
Sua definição não é uma tarefa fácil: a mais próxima é uma disciplina cuja
intenção é perceber e explicar os fenômenos psicológicos a partir das atividades
neuroquímicas, neurofisiológicas e neurofuncionais do cérebro (Churchland,
2004), circundando diferentes áreas científicas voltadas ao estudo do sistema
nervoso (Pickersgill, 2013).
Como projeto interdisciplinar, pelo qual perpassam diversas ciências, a
neurociência pode contribuir com a atividade educativa, uma vez que:

Educadores- professores e pais- assim como psicólogos, neurologistas


ou psiquiatras são, de certa maneira, aqueles que mais trabalham com
o cérebro. Mais do que intervir quando ele não funciona bem, os
educadores contribuem para a organização do sistema nervoso do
aprendiz e, portanto, dos comportamentos que ele apresentará durante
a vida. E essa é uma tarefa de grande responsabilidade! Portanto, é
curioso não conhecerem o funcionamento cerebral (Cosenza, 2011, p.
7).

A compreensão dos aspectos evolutivos do cérebro e de suas estruturas,


principalmente no que tange à aprendizagem e, portanto, à educação sob
diferentes pontos de vista e com diversas finalidades, pode em muito auxiliar nos
processos que envolvem ensino e aprendizagem.

3.1 O cérebro e os processos superiores da mente

Os estudos neurocientíficos aferiram que o sistema nervoso é plástico,


modificando-se a partir de estímulos recebidos, ou seja, por conta da formação
de circuitos neuronais novos, permite a aquisição de novas habilidades,
aperfeiçoando as já existentes.
A memória, responsável por adquirir, formar, conservar e acessar as
informações, é um processo indispensável para os sistemas psicológicos,

7
permitindo que o indivíduo recorra “às suas experiências passadas a fim de usar
essas informações no presente” (Sternberg, 2000, p. 204).
Ao exercitar a memória, a partir da aquisição de um novo conhecimento,
a quantidade de neurotransmissores se amplia, uma vez que o número de
neurônios que se articulam para formar esse conhecimento se expandem,
fortalecendo as relações sinápticas entre eles (Sternberg, 2000). Desta maneira,
ao se repetir a atividade, possibilitamos que as ligações de uma rede se
fortaleçam, envolvendo um maior número de neurônios.

3.2 Neurociência e educação

Dada a complexidade do corpo humano, a atuação de todas as áreas


cerebrais é importante. Devido a essa complexidade, qualquer desordem no
sistema nervoso traz como consequência dificuldades na aprendizagem. Por
esse motivo, a neurociência é um importante aliado na aprendizagem e nas
pesquisas sobre o fracasso escolar, auxiliando nas práticas pedagógicas
(Assencio-Ferreira, 2005).
Os estudos recentes sobre a mente, o cérebro e os processos neurais de
pensamento e aprendizagem têm tornado possíveis explicações a respeito da
ciência da educação. A contribuição científica com estudos a respeito das
funções superiores tem descortinado questões que podem levar a pesquisa
educacional básica à prática pedagógica, uma vez que “[…] Os estudos de
psicologia social, de psicologia cognitiva e de antropologia evidenciam que toda
aprendizagem acontece em cenários que apresentam conjuntos específicos de
normas e expectativas culturais e sociais” (Bransford, 2007, p. 20).

TEMA 4 – ORGANIZAÇÃO DIDÁTICA E AS VARIAÇÕES METODOLÓGICAS

As descobertas a respeito da neuroplasticidade cerebral das funções


mentais modificaram a prática educacional, bem como as estratégias utilizadas
para a prática docente, indicando novas formas de se ensinar, buscando
perceber como se dá a aprendizagem humana, com vistas a estimular mudanças
no sistema educacional e avançando em prol da melhoria da prática, estudando
o ser humano, como ser aprendente “[…] produto das interações interiores e
exteriores que realiza com os outros seres humanos, ou seja, com a sociedade
no seu todo” (Fonseca, 2009, p. 65).

8
Dentre as questões importantes que o professor perceba para que as
situações de aprendizagem se efetivem, está compreender a aprendizagem
como processo, que envolve mais de um sujeito, o aprendente e o ensinante.
Nesse processo é preciso que o aprendente confie no ensinante, a fim de permitir
a este auxiliar a ressignificação e a transformação do conhecimento em
aprendizagem (Pain, 1987).

4.1 A importância da didática: ensinar bem

Já pontuamos em estudos específicos sobre as abordagens e teorias


sobre a aprendizagem a importância dada por Henri Wallon às questões
pertinentes à afetividade, uma vez que acreditava que esta desenvolvia-se
progressivamente, junto com a inteligência. Portanto, não é de admirar quando
os alunos elegem alguns professores como modelo. O prestígio e a aceitação
permitem aos alunos uma aprendizagem mais efetiva nas aulas desses
professores, uma vez que “[…] estes podem aprender com esses professores
muito mais do que o professor conscientemente pretende ensinar” (Morales,
2006, p. 22).
A capacidade de ensinar bem, de inspirar e motivar torna o professor
insubstituível, mais importante do que técnicas, métodos ou teorias. Na verdade,
entende-se que ensinar bem é ensinar certo, de forma que os alunos aprendam,
promovendo seu desenvolvimento mental, utilizando-se para isso de
instrumentos de mediação que auxiliarão na compreensão de conceitos (Nóvoa,
2009).

4.2 A prática escolar diária e o papel do professor

O papel do professor diante da prática escolar diária é de mediar a relação


do aluno com o objeto de conhecimento, adequando e adaptando o currículo,
reconhecendo o aluno em sua singularidade, conduzindo-o a compreender seu
processo de aprendizagem, visando à autonomia e ao desenvolvimento da
criatividade. Nesse sentido, considera-se o papel do professor como
fundamental, tendo ele a responsabilidade de organizar os meios para que o
aluno se relacione com o conhecimento: selecionando conteúdos, planejando
modos de ensino, criando um ambiente propício à aprendizagem e garantindo a
aprendizagem de todos os alunos.

9
Na compreensão e na realização do processo de ensino-aprendizagem,
é preciso trabalhar equilibradamente as dimensões humana (do ser), técnica (do
fazer) e política (da análise de contexto), uma vez que a combinação desses
enfoques permite estruturar o “ter didática” (Candau, 1988).

TEMA 5 – ADAPTAÇÕES CURRICULARES E A PRÁTICA PEDAGÓGICA

O currículo é um importante componente do trabalho pedagógico da


instituição escolar, uma vez que permite o subsídio dos processos de ensino-
aprendizagem. Também pode ser visto como um processo de seleção de
conhecimentos e saberes a serem trabalhados na escola, extrapolando a mera
listagem de conteúdos, mas ligado à maneira como o indivíduo se desenvolve e
se constitui (Sacristán, 2000).
Previstas no art. 50 da Lei de Diretrizes e Bases, de acordo com a qual
“[…] Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades
especiais: I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização
específicos, para atender às suas necessidades” (Brasil, 1996), desta maneira
incluindo a todos nos processos de ensino e aprendizagem, as adaptações
permitem adequar os conteúdos do currículo às singularidades dos alunos com
necessidades especiais e dificuldades de aprendizagem.
O currículo deve ser inclusivo, flexível, aberto e com uma perspectiva
democrática. As adaptações curriculares devem ser reconhecidas como
instrumentos para propiciar aos alunos com deficiência ou dificuldades de
aprendizagem o acesso ao currículo, flexibilizando de forma particular a um ou
a mais indivíduos, valorizando o potencial de cada um (Carvalho, 2006).
Ao adaptar o currículo, o professor fundamenta sua ação pedagógica,
definindo o que o aluno deve aprender, em que momento e de que maneira,
organizando o ensino e tornando o currículo dinâmico e flexível, de maneira a
atender a todos (Abreu, 2013).

5.1 Adaptações curriculares de grande porte

As adaptações de grande porte ocorrem no projeto político-pedagógico


escolar envolvendo ações de competência e atribuições político-administrativas,
demandando mudanças e atitudes de natureza política, administrativa,
econômica, burocrática.

10
Dividem-se em seis tipos: adaptações de acesso ao currículo, adaptações
de objetivos, adaptações de conteúdo, adaptações de método de ensino e da
organização didática, adaptações do sistema de avaliação e adaptações de
temporalidade (Brasil, 2001).

5.2 Adaptações curriculares de pequeno porte

As adaptações de pequeno porte impulsionam modificações menores e


competências específicas dos docentes, a partir de pequenos ajustes nas
condutas e nos planejamentos desenvolvidos na prática educativa. As
modificações do currículo devem permitir a participação de todos, tanto na sala
de aula quanto a partir de um programa educacional individualizado (PEI).
No PEI, devem constar informações que subsidiarão o planejamento,
contendo os níveis de desempenho educacional atual do aluno; os objetivos
pretendidos; as indicações de apoio de serviços especiais (se houver
necessidade); a indicação de estratégias de adaptações curriculares a serem
executadas; as modificações a serem realizadas no processo de avaliação do
aluno assim; e a indicação de como e com que periodicidade o programa será
avaliado (Mcloughlin; Lewis, 2001).

NA PRÁTICA

Dentre os assuntos discutidos nesta aula, estão os pertinentes aos


professores que ensinam bem, extrapolando os conteúdos propostos, devido a
sua postura ética de promover o desenvolvimento mental, utilizando-se para isso
de instrumentos de mediação que auxiliarão na compreensão de conceitos. Com
base em sua história de vida e no conteúdo estudado, elabore um texto falando
de um professor que marcou sua trajetória e de como, à luz da teoria, pode
perceber essa influência.

FINALIZANDO

Nesta aula, cuja temática foi o fracasso escolar e as práticas pedagógicas,


tivemos a oportunidade de, mesmo diante de um histórico de exclusão, da
realidade da presença na escola das dificuldades de aprendizagem e do fracasso
escolar, as pesquisas apontam caminhos e alternativas, pautando-se em novas
concepções acerca de como o indivíduo aprende e de que métodos adequados

11
podem garantir a aprendizagem de todos, inclusive dos que possuem
deficiências ou acentuadas dificuldades de aprendizagem.
As contribuições da pesquisa e da neurociência aplicadas à educação
auxiliaram no desenvolvimento de novas práticas e novos métodos de ensino,
mas o professor ainda é imprescindível para a vida do aluno, na medida em que
ele é o mediador do conhecimento e o agende de mudanças nas práticas
pedagógicas.

12
REFERÊNCIAS

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<http://www.portaleducacao.com.br/pedagogia/artigos/45866/adaptacoes-
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15
DIFICULDADES E DISTÚRBIOS
DE APRENDIZAGEM
AULA 5

Profª Eliza Ribas Gracino


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, apresentaremos algumas considerações sobre o transtorno


do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), buscando analisá-lo em sua
relação com o processo de aprendizagem. Para tanto, ao longo do capítulo
perceberemos como este se constitui historicamente, qual sua relação com a
atenção, analisando as tendências à medicalização. Também buscaremos
compreender como esse transtorno afeta o indivíduo em seu processo de
aprendizagem, principalmente no que diz respeito à atenção necessária para
que o processo educativo aconteça. Esperamos contribuir no sentido de
vislumbrar possíveis situações em que a mediação da aprendizagem oportunize
o êxito escolar das crianças com TDAH.
Nossos objetivos para esta aula são os seguintes: reconhecer o percurso
histórico do TDAH; conceituar atenção; analisar a tendência à medicalização na
educação; refletir sobre as implicações do TDAH na vida e escolarização do
indivíduo; identificar as possibilidades de ensino e aprendizagem para a criança
TDAH.
Para alcançarmos esses objetivos, estruturamos esta aula em 5 partes:

1. A construção do TDAH;
2. A atenção como ferramenta na educação;
3. A medicalização na educação;
4. TDAH e as implicações na vida e na escola;
5. O processo ensino e aprendizagem para a criança com TDAH.

TEMA 1 – A CONSTRUÇÃO DO TDAH

Como sabemos, os primórdios dos estudos para a compreensão das


dificuldades de aprendizagem datam de 1800 e estavam fortemente arraigados
à medicina, que definia os padrões de normalidade e atribuía desvios de
comportamento aos indíviduos que não se enquadrassem no padrão
estabelecido, o que permaneceu assim até o século XX (Foucault, 1980).
Arraigados à história do TDAH, há diversas crenças sobre suas causas e
consequências, bem como denominações variadas, dentre elas: mental
restlessness (1778), defeito de conduta moral (1902), desordem pós-encefálica
(1934), lesão cerebral mínima (1940), disfunção cerebral mínima (1950), reação

2
hipercinético da infância – DSM-II (1968), TDAH – DSM-III (1980), TDAH – DID-
10 (1983), TDAH – DSM-IV (1987) (Poeta; Rosa Neto, 2004).
As crianças que não aprendiam eram rotuladas como anormais e
incapazes. Acreditava-se que o comportamento excessivamente ativo e
impulsivo (tanto físico quanto mental) e a pouca capacidade de atenção de
algumas crianças eram ocasionados por lesões internas originadas antes ou
depois do nascimento (Barkley, 2008).
Após o aparecimento dos primeiros diagnósticos de TDAH em adultos, na
década de 1980, caiu por terra a noção de disfunção infantil, mas a rotulação
persistia. Na década de 1990, o TDAH ainda era visto como transtorno de
comportamento, e os adultos diagnosticados eram rotulados como de baixa
produtividade, impulsivos, criminosos, sendo vistos como perigosos e
inadequados à sociedade (Caliman, 2009; 2010).

1.1 TDAH: o que é?

O TDAH é uma desordenação no lobo frontal cerebral e, embora seja um


problema neurológico, com modificações na função executiva, não está
associado à lesão anatômica. “O déficit de atenção é uma deficiência
neurobiológica freqüentemente caracterizada por níveis de desatenção,
impulsividade, hiperatividade, desorganização e inabilidade social” (Wuo, 1999,
p. 7)
De acordo com a ABDA, o transtorno pode ou não ser acompanhado pela
hiperatividade. Embora nosso objetivo seja abordar o TDAH, cabe ressaltar
algumas informações sobre a ausência da hiperatividade. Com relação aos
sintomas, o TDA e o TDAH são muito próximos, podendo modificar-se ao longo
dos anos. Quando estão presentes, apresentam-se de maneiras diferentes
(ABDA, 2017).

1.2 Principais sintomas para diagnóstico do TDAH

As crianças com TDAH são costumeiramente descritas como bagunceiras


e inquietas, movimentando-se todo o tempo. Não são raros os relatos de que
ainda na vida intrauterina o feto se mexia muito e que, quando bebês, choravam
muito, apresentavam sono agitado e eram constantemente irritados, ou ainda
que, quando começaram a andar, apresentavam muita agitação, com maior

3
incidência de acidentes, quebrando objetos e brinquedos e machucando-se com
freqüência (Andrade, 2003).
Observa-se também que os indivíduos com TDAH apresentam-se
inconstantes no exercício de tarefas, com dificuldades para sua conclusão, com
comportamento agitado e sem paciência para esperar sua vez, adiantando as
respostas. Frequentemente apresentam falta de atenção e dificuldades de
memória, perdendo seus objetos (Benczik, 2000).
Alguns sintomas do TDAH são comuns a muitos indivíduos, o que pode
dever-se ao stress vivenciado na atualidade, especialmente nas crianças com
responsabilidades excessivas, levando à hiperatividade mental e física, fazendo-
os sofrer com os sintomas e com as implicações do transtorno, sem
patologicamente ter o transtorno.
Embora considerado um transtorno com base neurobiológica, o
diagnóstico do TDAH não é feito por meio de exames clínicos, mas sim
comportamentais. Além disso, o referencial atualmente utilizado para descrever
o TDAH está no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-
V) de 2013.

TEMA 2 – A ATENÇÃO COMO FERRAMENTA NA EDUCAÇÃO

Dado o grande número de estímulos recebidos do ambiente, é preciso


selecionar os que são pertinentes à atividade, ignorando os que interferem de
maneira negativa no processo de pensamento. Essa seleção de informações e
a manutenção permanente de controle sobre eles denomina-se atenção (Luria,
1981).
A atenção é uma função mental específica de grande importância,
principalmente no que diz respeito à aprendizagem:

16% dos documentos relacionados aos princípios em neuroeducação


sustentam que a aprendizagem humana envolve pelo menos dois
diferentes tipos de atenção, que exige estar “na tarefa” e o
monitoramento do mundo em sua volta (Tokuhama-Espinosa, 2008, p.
166).

O Código internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde (OMS,


2003, p. 45) define a atenção como “funções mentais específicas de
concentração num estímulo externo ou numa experiência interna pelo período
de tempo necessário”.

4
O desempenho da atenção abrange o substrato orgânico mental (conjunto
de estruturas microanatômicas e macroanatômicas que suportam a atenção) e
seus componentes psíquicos (linguagem, memória, pensamento e afetividade),
sendo uma função cognitiva altamente complexa por implicar processos e
subprocessos, como a percepção, a ação e a intenção (Campos-Castelló, 1998;
2000).

2.1 A função psicológica superior da atenção voluntária

O cérebro humano possui limites e possibilidades para o desenvolvimento


da espécie, sendo que as funções psicológicas superiores acompanham um
percurso evolutivo, do primitivo ao cultural, modificando-se em função do meio
sociocultural, sendo que as funções psicológicas superiores abrangem
processos voluntários de ações intencionais e conscientes.
Nos primeiros meses de vida, a atenção da criança é involuntária,
constituída por reflexos orientados por estímulos. Posteriormente, as formas de
atenção se manifestam antes de tudo no surgimento de formas estáveis de
subordinação do comportamento de instruções verbais do adulto que regulam a
atenção (Luria, 1991, p. 30).
A interação com o adulto é primordial para desenvolver a atenção da
criança. Com base no desenvolvimento da fala, a atenção vai se sofisticando,
tornando-se seletiva e voluntária. Quando começa a haver o encontro dos
progressos da fala e do pensamento, ocorre um salto qualitativo no
desenvolvimento. Quando a fala e a atividade prática convergem, é “O momento
de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá́ origem às
formas puramente humanas de inteligência e abstrata” (Vygotsky, 2008, p. 11-
12).
O fenômeno da atenção é uma função quando a criança se torna capaz
de selecionar os estímulos que a interessam, manipulando o ambiente a seu
favor, criando estímulos adicionais, passando a se organizar e preparando-se
para a percepção.

2.2 O desenvolvimento da atenção e o TDAH

A dificuldade em relação à atenção é o sintoma mais significativo para o


diagnóstico do TDAH. Por esse motivo, é extremamente importante que a
atenção das crianças seja estimulada, pois observa-se que, quando a motivação

5
é adequada, os indivíduos com TDAH se mostram focados na atividade,
inclusive com hiperconcentração. Se não houver estímulo para a aprendizagem,
o rendimento da atenção desses sujeitos cai significativamente, tendo seu foco
de atenção desviado por qualquer outro estímulo do ambiente (APA, 2002).
A atenção se processa baseada na seletividade de estímulos no que diz
respeito ao volume da atenção, à sua estabilidade e a suas oscilações. O volume
diz respeito à quantidade de estímulos recebidos e a suas associações. Ao
receber os estímulos, o indivíduo prioriza os que têm maior volume. A
estabilidade refere-se a quanto tempo o estímulo dominante dura, considerando-
se aqui que há oscilações. Por esse motivo, é necessário treinar a atenção, já
que alguns conteúdos da atividade consciente, mesmo que de caráter
dominante, por vezes se perdem (Luria, 1979).
O TDAH não acomete a inteligência ou a criatividade do indivíduo, mas
dificulta a utilização de seu pleno potencial devido à dificuldade em focar em uma
atividade sem que seus pensamentos sejam levados para outro lugar. Também
é difícil para a criança com TDAH organizar seus pensamentos e os aspectos do
ambiente que a circunda, apresentando constantes falhas na sequência de
tarefas, muitas vezes não conseguindo concluí-las. É importante que o educador
analise as condições de atenção dos alunos e verifique se o ambiente de
aprendizagem é favorável.

TEMA 3 – A MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO

Antes de abordarmos o assunto da medicalização, acreditamos ser


importante explicitarmos o que entendemos por medicalização:

processo que transforma, artificialmente, questões não médicas em


problemas de origem médicos. Problemas de diferentes ordens são
apresentados como “doenças”, “transtornos”, “distúrbios” que
escamoteiam as grandes questões políticas, sociais, culturais, afetivas
que afligem a vida das pessoas. Questões coletivas são tomadas como
individuais; problemas sociais e políticos são tornados biológicos.
Nesse processo, que gera sofrimento psíquico, a pessoa e sua família
são responsabilizadas pelos problemas, enquanto governos,
autoridades e profissionais são eximidos de suas responsabilidades
(Manifesto..., 2010).

A medicalização para a obtenção de maior atenção é uma constante, em


busca da perfeição no uso da capacidade cerebral, entretanto o cérebro perfeito
é pouco provável, bem como indesejável, uma vez que é justamente a
inconstância do funcionamento cerebral que ocasiona as diferenças, permitindo

6
nossas potencialidades em algumas áreas específicas, o que nos torna únicos
(Ratey; Johnson, 1997).

3.1 Histórico sobre a medicalização na escola

Os estudos a respeito da medicalização tiveram início no século XX, na


década de 1970, com o intuito de discutir as explicações dadas aos problemas
de aprendizagem infantis.
Nesse mesmo período, em nosso país, com a intenção de cuidar das
crianças para que se tornassem adultos saudáveis, uma vez que as famílias não
o estavam fazendo a contento, os médicos higienistas adentraram as escolas
brasileiras, elevando o Brasil às nações mais desenvolvidas (Sapia, 2013).
No envolvimento da medicina e de seus conhecimentos e sua
interferência racionalizante, com fins de “normatizar, legislar e vigiar a vida, estão
colocadas as condições históricas para medicalização da sociedade, aí incluídos
comportamento e aprendizagem”, e a maneira como a sociedade consente e
legitima seus discursos é recorrente na sociedade (Moysés, 2008, p. 1), mas tem
gerado críticas e a preocupação dos estudiosos.
As queixas escolares, inicialmente dos médicos e posteriormente de
outros profissionais da saúde, ampliaram a prática que antes era
excepcionalmente médica, trazendo a patologização das dificuldades de
aprendizagem (Collares; Moysés, 1994).

3.2 Críticas à medicalização de TDAH

Durante muito tempo houve uma insistente busca pela perfeição e por
uma normalidade inexistente, principalmente no que diz respeito ao
funcionamento cerebral, mas possivelmente não existe um cérebro perfeito,
cujas áreas e funções tenham um desempenho homogêneo e com o máximo de
suas capacidades (Silva, 2003, p. 33).
A imprecisão do diagnóstico do TDAH tem gerado críticas à sua
medicalização, uma vez que não há exames laboratoriais que comprovem o
diagnóstico, sendo este realizado por meio de questionários e anamnese, o que
pode acarretar em erros (Moysés; Collares, 2010).
Após o diagnóstico, quase sempre o tratamento é realizado utilizando-se
de medicamentos, que agem diretamente, estimulando o sistema nervoso

7
central, sendo os mais usados os com princípio ativo metilfenidato, equivalentes
às anfetaminas (Garrido; Moysés, 2010; Eidt; Tuleski, 2010).
As principais críticas à medicalização de escolares diz respeito ao
aumento na prescrição desses remédios, bem como os efeitos colaterais que os
acompanham e os possíveis danos que a medicalização pode causar no futuro
(Garrido; Moysés, 2010; Eidt; Tuleski, 2010).
Outro fator preocupante é transferir para a medicina questões de cunho
social e educacional, deslocando “o eixo de uma discussão político-pedagógica
para causas e soluções pretensamente médicas, portanto inacessíveis à
educação” (Souza; Cunha, 2010, p. 225), isentando dessa maneira tanto a
instituição escolar quanto o Estado da responsabilidade pela questão.

TEMA 4 – TDAH E AS IMPLICAÇÕES NA VIDA E NA ESCOLA

Ao falar sobre as implicações do TDAH, gostaríamos de relembrar e


ratificar a importância do ambiente social para o desenvolvimento
biopsicossocial do indivíduo e a singularidade do ambiente educativo como local
de socialização sistematizada e científica dos conhecimentos com a
responsabilidade de preparar o indivíduo para a vida em sociedade.
O TDAH é considerado como um transtorno multifatorial e heterogêneo
do ponto de vista, e é reconhecido como um dos maiores desafios para pais,
professores e especialistas, em função da ampla variedade de
comprometimentos que o quadro promove (Benczik, 2000).

4.1 As implicações do TDAH na vida do indivíduo

O TDAH causa diversos contratempos à vida do indivíduo, inclusive no


que tange ao cotidiano familiar. Os pais de indivíduos com TDAH são mais
propensos a vê-lo como preguiçoso, desobediente, inoportuno e com
dificuldades no convívio social, uma vez que têm dificuldades em corresponder
às expectativas dos adultos. Os contratempos pelos obstáculos de atenção e da
não escuta, as dificuldades em cumprir as regras, de conviver com a frustração
e de alcançar o fim das simples solicitações, reagindo muitas vezes de maneira
agressiva e impulsiva, somados à atividade motora excedente, tendem a
dificultar as relações sociais e familiares, gerando o esgotamento de quem
convive com o indivíduo com TDAH em função dos frequentes conflitos,

8
abalando, muitas vezes, as relações e a estrutura familiar (Barkley, 2000;
Oswald; Kappler, 2010; Benczik, 2000; Poeta; Rosa Neto, 2004; Wells, 2000).

4.2 O TDAH e a escola

As postergações e as distrações corriqueiras em relação às tarefas


rotineiras e a tribulação para a realização de tarefas simples que envolvem tanto
as atividades do cotidiano quanto as escolares, para as quais há grandes
dificuldades de concentração dada a inquietude, levam muitos pais a deixar de
insistir na realização das tarefas escolares, não auxiliando na sua simplesmente
realização ou fazendo o trabalho pela criança (Barkley, 2000; Barkley, 2002).
A diversidade presente em sala de aula exige uma mudança de atitude
dos professores e de toda a comunidade escolar para que a construção de
conhecimentos se faça numa perspectiva mais integradora e humana, visto que
a diversidade é constante e, do ponto de vista biológico, favorece a
sobrevivência das espécies (Maturana; Verden-Zoller, 2004).
Uma educação verdadeiramente inclusiva deve buscar caminhos
integradores e multirreferenciais, possibilitando reconhecimento e construção de
ambientes educacionais como espaços de cruzamento de diversos saberes,
linguagens, culturas, com metodologias e representações voltadas para
expressão do conhecimento humano, da criatividade e da sustentabilidade
constitutiva do triângulo da vida: sujeito, natureza e sociedade (D`Ambrósio,
1997).

TEMA 5 – O PROCESSO ENSINO E APRENDIZAGEM PARA A CRIANÇA COM


TDAH

Já conhecemos algumas teorias sobre a aprendizagem e sua relação com


o processo de desenvolvimento de cada indivíduo e temos consciência, portanto,
da heterogeneidade das dificuldades de aprendizagem, uma vez que é preciso
reconhecer a aprendizagem como um processo de interação (Weiss, 2001, p.
26). Esses conceitos são de igual importância quando tratamos de TDAH.
Dentre as questões importantes a se observar nas situações de ensino e
aprendizagem estão a de manter uma postura ética frente às dificuldades que a
criança apresenta, percebendo as particularidades de cada aluno e despindo-se
de preconceitos e estereótipos que considerem a criança inserida no padrão
estipulado de “problema”.

9
Ao mesmo tempo em que há necessidades educacionais comuns,
independentes da condição social, cultural e pessoal, há também uma bagagem
pessoal, da qual fazem parte crenças, visão do mundo e interesses distintos,
inerentes à cultura de origem do aluno. Entretanto não podemos incorrer no erro
de aceitar o relativismo, pois é preciso defender determinados valores e
princípios em prol do progresso do aluno, integrando as diferentes culturas e
garantindo o acesso a um currículo comum. Para que isso seja possível, é
preciso que as dificuldades e transtornos de aprendizagem sejam
diagnosticados e trabalhados de forma a permitir ao aluno os meios de acesso
ao currículo, respeitando o tempo de cada aluno e a capacidade de assimilação
individual, não o privando do conhecimento, mas procurando estratégias de
ensino diferenciadas para atingir os objetivos propostos no currículo (Sacristán,
2002).

5.1 Orientações práticas para professores de alunos com TDAH

O contato visual durante a explicação do professor é de extrema


importância para que o aluno com TDAH mantenha o foco na aula. Além disso,
é importante o investimento em ordens simples e curtas, pedindo para que esse
aluno repita a orientação, para se ter a certeza de que ele as entendeu. Além do
respeito ao aluno, algumas atitudes e práticas essenciais nesse processo são a
permanência de regras, a clareza na apresentação dos conteúdos, o
estabelecimento de rotinas, a divisão de atividades em unidades menores e o
despertamento do aluno para a leitura com base nos temas em relação aos quais
este apresenta interesse, (Moreno, 2010, p. 16-17).
Para um trabalho efetivo com indivíduos que têm TDAH, é necessária uma
abordagem interdisciplinar, estimulando-o a manter sua atenção e a cumprir as
normas estabelecidas. Para isso, é interessante trabalhar com jogos de regras,
pois possibilitam, além da melhoria do desenvolvimento cognitivo, aprender ao
trabalhar com a frustração, perceber o erro como oportunidade para refazer ou
retomar a atividade até que consiga concluí-la com êxito. Algumas
características do indivíduo com TDAH geradas pela energia que coloca em suas
ações podem ser proveitosas em atividades para as quais a emoção e a energia
sejam necessárias (Rohde, 1999; Benczik, 2000).

10
5.2 O lúdico como recurso pedagógico para crianças com TDAH

Teóricos como Piaget (1973), Vygotsky (2003) e Wallon (1995a, 1995b)


apontam para a importância da ludicidade na aprendizagem e no
desenvolvimento infantil, embora os focalizem sob pontos de vista diferentes,
convergindo ao vislumbrar o lúdico na formação simbólica e na construção do
conhecimento da criança, como sujeito sociocultural e histórico. Para esses
autores, a brincadeira é uma atividade cultural, criada pelo indivíduo não apenas
como uma preparação para a vida adulta: “Brincar é muito importante porque,
enquanto estimula o desenvolvimento intelectual da criança, também ensina,
sem que ela perceba, os hábitos necessários a esse crescimento” (Bettelheim,
1988, p. 168).
Trabalhar na perspectiva da ludicidade oportuniza a interligação entre
conhecimento e vivência para a formação humana. As atividades lúdicas
(brincadeiras e jogos) são essenciais à saúde física, emocional e intelectual e
para a construção do conhecimento da criança, permitindo-lhe articular o
conhecimento já existente com o novo conhecimento, possibilitando ao professor
trabalhar valorizando a criatividade do aluno, oportunizando a interação e a
criação de regras que possibilitarão a melhoria no andamento dos trabalhos.
Além disso, essa forma de trabalhar permitirá o desenvolvimento da autonomia
para a tomada de decisões e o autoconhecimento do aluno como sujeito ativo
na sociedade (Dohme, 2003; Konder, 2006).

NA PRÁTICA

Com base nos pontos abordados nesta aula, elabore um plano de


intervenção para crianças com TDAH, utilizando-se de atividades lúdicas.

FINALIZANDO

Nesta aula, cuja temática foi o transtorno de déficit de atenção e


hiperatividade, buscou-se identificar suas principais características e meios de
intervenção. Tivemos a oportunidade de discutir conceitos como: a atenção, as
características da criança com TDAH, o processo de ensino e aprendizagem dos
indivíduos com o transtorno e a questão da medicalização. Abordou-se também
sobre a importância de romper paradigmas no que diz respeito à identificação e
a intervenções necessárias, de modo especial, sobre o uso abusivo de

11
medicamentos, que acaba por interferir no desenvolvimento normal da criança,
chegando a tolher as particularidades de sua personalidade.
Conclui-se que atualmente são muitos os casos de diagnóstico de
crianças com TDAH, sendo, portanto, importante que pais, professores,
psicopedagogos, médicos e sociedade em geral estejam atentos às
especificidades de cada um, às melhores formas de intervenção, combatendo
os estigmas e estereótipos.

12
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17
DIFICULDADES E DISTÚRBIOS
DE APRENDIZAGEM
AULA 6

Profª Eliza Ribas Gracino


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, empenharemos esforços para possibilitar a reflexão sobre a


responsabilidade da escola em viabilizar a aprendizagem. Vamos ponderar
estratégias que permitam a integração do indivíduo às atividades cotidianas de
sala de aula e à sociedade.
Apesar da significância da instituição escolar, dada sua função de
transformar o senso comum em conhecimento científico (Saviani, 1992), é
importante salientar que a educação não é um fenômeno atual, ela sempre
esteve presente em todos os grupos sociais, desde as sociedades primitivas,
assumindo formas variadas (Brandão, 2005).
A compreensão do educador a respeito da educação como exercício de
uma práxis pedagógica permanente, na concretude de um contexto social
específico, bem como da complexidade das multideterminações e dos aspectos
que envolvem o fenômeno educativo, é de fundamental importância para que
este vislumbre a contextualização da realidade de sua escola e de seus alunos,
visando a prática pedagógica que oportunize uma formação ética, crítica e
criativa (Freire, 1996).
A utilização de estratégias adequadas pelo professor, o emprego de
diversas formas de interação e o respeito às experiências prévias de seus alunos
auxiliarão nas práticas que possibilitarão a aquisição de conhecimentos, que
permitam o pleno desenvolvimento do aluno, instrumentalizando-os para a
aprendizagem.
Nossos objetivos para esta aula são: compreender, pelo viés da história,
como se constituem as teorias sobre as Dificuldades de Aprendizagem;
conhecer as origens dos estudos sobre as dificuldades de aprendizagem;
conceituar aprendizagem e discutir os padrões hegemônicos de normalidade;
compreender como se classificam as dificuldades de aprendizagem; conhecer
as teorias sobre as dificuldades de aprendizagem; compreender os principais
pontos da teoria histórico-cultural e suas perspectivas sobre a aprendizagem e
suas dificuldades.
Para alcançarmos estes objetivos, estruturamos esta aula em cinco
partes: 1) O papel da escola frente às dificuldades de aprendizagem; 2) O papel
docente diante dos obstáculos à aprendizagem; 3) Estratégias para o ensino e a
aprendizagem do indivíduo com dislexia e disgrafia; 4) Estratégias para o ensino

2
e a aprendizagem do indivíduo com disortografia e discalculia; 5) Estratégias
para o ensino e a aprendizagem do indivíduo com TDAH.

TEMA 1 – O PAPEL DA ESCOLA FRENTE ÀS DIFICULDADES DE


APRENDIZAGEM

Dentre os principais marcos históricos da luta pela educação para todos


estão a Conferência de Jomtien (1990) e a Declaração de Salamanca (1994),
que influenciaram as políticas educacionais inclusivas em nosso país.
Entretanto, a instituição escolar tem apresentado dificuldades em trabalhar na
perspectiva da diversidade.
As práticas tradicionais de transmissão de conhecimento não têm se
apresentado eficazes, pois seu principal objetivo é o de homogeneizar seus
alunos, buscando necessidades comuns, desconsiderando a diversidade de
contextos e as características específicas de seus alunos, e gerando o fracasso
escolar e a exclusão (Blanco, 2004; Freitas, 2006).
À escola cabe o papel de mobilizar a todos para que a aprendizagem
aconteça, oferecendo subsídios físicos e materiais, proporcionando o
desenvolvimento pleno de suas capacidades para pensar e buscar informações
(Soares, 2003).

1.1 A função social da escola

As atividades humanas são mediadas pela prática, transformando a


natureza, por meio do trabalho, sendo elas importantes para a subsistência da
espécie, por legar os conhecimentos acumulados por gerações anteriores. Ao
agir intencionalmente no mundo, mediado pela cultura, “transmitidos de geração
para geração por meio do ato educativo” (Saviani, 1992, p. 17).
A principal função da educação escolar é tornar os conhecimentos
científicos e culturais acessíveis, socializando o indivíduo, por meio do saber
sistematizado (Sacristán, 2002).
Neste sentido, Saviani pontua que a principal função da instituição escolar
é permitir o acesso à cultura letrada e, posteriormente erudita, por meio do saber
sistematizado. Esse saber “refere-se à conhecimento científico; i) conhecimento
elaborado e não conhecimento espontâneo; ii) saber sistematizado e não saber
fragmentado; iii) cultura erudita e não à cultura popular” (Saviani, 2000, p. 19).

3
A dinâmica da sociedade muitas vezes impõe dificuldades para que a
instituição escolar cumpra sua função social, de transmitir, de maneira
sistematizada, o conhecimento científico acumulado historicamente, produzindo,
dessa maneira, “direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a
humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos
homens” (Saviani, 2011, p. 13). Ao que se observa que a eficiência por parte da
instituição escolar no tocante a este objetivo está deficitária.
A instituição escolar está demarcada pelas demandas dos períodos em
que foi institucionalizada, mas seu principal objetivo sempre foi transmitir o
conhecimento (Mendonça, 2011). Dadas as contradições da realidade que
emerge do momento histórico e social em que está inserida, a escola deve
mediar as manifestações sociais, influenciando a sociedade.

1.2 Qualidade na educação

Para compreender a educação, é preciso ter consciência de que é um


fenômeno complexo. Da mesma maneira, é difícil discutir sua qualidade, dado
seu caráter polissêmico, intrincado, que abrange recursos materiais e humanos,
compreendida aqui como “decorrente do desenvolvimento das relações sociais
(políticas, econômicas e culturais) ” (Brasil, 2013, p. 52).

O termo qualidade vem do latim qualitate, e é utilizado em situações


bem distintas. Por exemplo, quando se fala da qualidade de vida das
pessoas de um país ou região, quando se fala da qualidade da água
que se bebe ou do ar que se respira, quando se fala da qualidade do
serviço prestado por uma determinada empresa, ou ainda quando se
fala da qualidade de um produto no geral. Como o termo tem diversas
utilizações, o seu significado nem sempre é de definição clara e
objetiva. (Ricaldes, 2016, p. 26)

Diante de dois fenômenos igualmente complexos, o que se dizer da


junção deles? Como discutir a qualidade na educação? Essa discussão é
extremamente pertinente, uma vez que destinar uma educação de qualidade a
todos é um grande desafio às políticas públicas em nosso país, mas para que
seja uma realidade, é necessário que seja analisada em seu contexto histórico.
Cada contexto histórico tem diferentes noções do que seja qualidade de
ensino. No caso da educação brasileira, essa discussão já esteve atrelada ao
ingresso das classes populares à escola (1930-1970); às questões da
universalização do ensino (1970-1990) e, atualmente, às questões do
desempenho nas avaliações de larga escala (Oliveira; Araújo, 2005).

4
Compreendemos que educação de qualidade é aquela que permite o
acesso de todos, com ensino que oportunize os domínios necessários para o
desenvolvimento das potencialidades para a aprendizagem, estando “implícito à
educação e ao ensino” (Libâneo, 2007, p. 117-118).

TEMA 2 – O PAPEL DOCENTE DIANTE DOS OBSTÁCULOS À APRENDIZAGEM

A qualidade na educação abrange tudo o que diz respeito à escola, sendo


o professor o principal responsável para que as situações de aprendizagem se
efetivem, havendo a apropriação dos alunos dos conteúdos historicamente
construídos pela humanidade.
A falta de convergência entre a prática pedagógica e as necessidades dos
alunos é um dos principais fatores para a ocorrência das dificuldades de
aprendizagem, ao passo que a adequação entre esses dois pontos permite à
criança demonstrar com mais tranquilidade suas potencialidades, suas
limitações, seus interesses e suas necessidades (Souza, 1996).

2.1 Relacionamento professor-aluno: a criação de um clima de liberdade

O professor tem papel extremamente importante na aprendizagem, dada


sua função como mediador, responsável por auxiliar seus alunos com
estratégias diferenciadas, em situações planejadas por meio de um movimento
dinâmico e dialético, entre o conhecimento científico e empírico, permitindo,
assim, a apropriação do conhecimento pelo aluno. Estimular os alunos para que
se percebam como sujeitos históricos, como parte integrante do processo de
ensino e aprendizagem é uma importante atribuição docente. O investimento no
diálogo é essencial para o conhecimento a respeito da realidade de seus alunos,
mas também para que estes se sintam valorizados, mobilizando-os à
aprendizagem.

Para aprender é indispensável que haja um clima e um ambiente


adequados, constituídos por um marco de relações em que
predominem a aceitação, a confiança, o respeito mútuo e a
sinceridade. A aprendizagem é potencializada quando convergem as
condições que estimulam o trabalho e o esforço. É preciso criar um
ambiente seguro e ordenado, que ofereça a todos os alunos a
oportunidade de participar, num clima com multiplicidades de
interações que promovam a cooperação e a coesão de grupo. (Zabala,
1998, p. 100)

5
O professor é, portanto, aquele que guia todo o processo, escolhendo as
melhores estratégias para que a aprendizagem se efetive. E como saber qual é
a melhor estratégia? Sem dúvida, a melhor tática é a que permite ao aluno sentir-
se desafiado para a aprendizagem; no caso do aluno com dificuldades, é
importante contribuir para que ele se sinta capaz de aprender, criando confiança
em si mesmo. Para tal, é preciso que as atividades tenham como ponto de
partida os conteúdos, mas também que sejam organizadas, adequadas e
aplicáveis. Essa postura docente incentiva os alunos a se apropriarem dos
conteúdos, construindo-os e reconstruindo-os (Boruchovitch, 2002).

2.2 Organização do trabalho docente

A atividade de ensino pressupõe organização e sistematização docente


intencional, pautada em objetivos e seleção de conteúdos, que para serem
alcançados necessitam de procedimentos e metodologias diversificadas, cuja
intenção é alcançar a aprendizagem e o desenvolvimento integral do indivíduo,
fundamentando-se em uma prática social, vislumbrando a apropriação pelas
novas gerações de conhecimentos necessários à vida em sociedade (Damis,
1990; Saviani, 2010).
O estabelecimento de rotinas também auxiliará no processo de
organização interna, permitindo melhor aproveitamento do tempo, para que seja
possível a escuta dos alunos e a observação do cotidiano, melhorando o
atendimento (Roman; Steyer, 2001). O processo de planejamento docente é
fundamental para que as situações de ensino atinjam o objetivo da
aprendizagem, ele possibilita “aperfeiçoar o conteúdo e os métodos do trabalho
didático educativo com as crianças de maneira que exerça uma influência
positiva no desenvolvimento de suas capacidades” (Davídov, 1988, p. 47). Para
isso, o professor deve selecionar as informações realmente relevantes e pensar
em procedimentos que possibilitem ao aluno melhorar a execução das atividades
propostas constantemente (Pozo, 1996).
O encorajamento dos alunos a responsabilizarem-se por seu processo de
aprendizagem, participando de seus trabalhos, interagindo em grupo, solicitando
ajuda e auxiliando os colegas permite o desenvolvimento da autonomia de
experiências concretas (Bzuneck, 2010).
Antes de escolher a estratégia a utilizar, é necessário que o professor
reconheça a dificuldade da criança, levando em consideração que “cada
6
necessidade é única e, portanto, cada caso deve ser estudado com muita
atenção” (Brasil, 2002, p. 6).
Acreditamos ser pertinente esclarecer a definição de estratégia, uma vez
que, em momentos anteriores, já o fizemos em relação à aprendizagem e ensino.
A palavra estratégia origina-se do grego strategia e do latim strategi e relaciona-
se à habilidade para comando de um exército, táticas, processos,
procedimentos, técnicas, planos (Moura, 1992).
Quando utilizada em situações de ensino, a estratégia ajuda a antecipar
dificuldades, possibilitando o encorajamento e a motivação do aluno para a
superação dos limites à realização de tarefas (Oliveira; Boruchovitch; Santos,
2010).

TEMA 3 – ESTRATÉGIAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DO INDIVÍDUO COM


DISLEXIA E DISGRAFIA

3.1 Dislexia

A dislexia é um distúrbio de ordem neurológica, que consiste na


dificuldade em reconhecer palavras, dificultando o exercício da leitura
(Associação Internacional de Dislexia, 2012).
O acompanhamento do aluno e o investimento na afetividade é
imprescindível a todos. Para auxiliar na aprendizagem do disléxico, é importante
trabalhar lateralidade, memória tátil e cinestésica, discriminação e percepção
visual, discriminação e percepção auditiva, estruturação espacial e temporal,
análise e síntese, coordenação motora fina, investindo em atividades de leitura,
sendo objetivo, direto e claro nas orientações (Borba; Braggio, 2016).
São possibilidades de intervenção: a) Leitura interrompida: apresentar o
texto e solicitar a leitura. Interromper ao primeiro ou segundo parágrafo e fazer-
lhe perguntas (Qual é o assunto do texto? Para quem foi escrito? Por que o autor
escreveu? Como você acha que vai terminar?). Ler mais um trecho e interromper
novamente (Você continua pensando a mesma coisa ou mudou de ideia? O que
o fez mudar de ideia? E agora, como acha que vai terminar? b) Completar
lacunas: Apresentar um texto com lacunas para que o aluno, ao ler
silenciosamente, possa preenchê-las. c) Palavras/frases/trechos não
pertencentes ao texto: inserir no texto palavras, frases ou pequenos trechos
alheios a ele, que devem ser identificados pela criança e circulados; d)
7
Correspondência título/texto: apresentar um ou dois textos e três ou quatro
títulos. Após ter lido cada um, a criança deve indicar qual título pertence a que
texto; e) Correspondência manchete/notícia, ilustração-texto; Quebra-cabeça
com textos: recortar partes de um texto para a criança sequenciar. Aumentar o
nível de dificuldade de acordo com o desenvolvimento.

3.2 Disgrafia

A dificuldade no traçado das letras, tornando a escrita lenta ou ilegível, ou


a disgrafia léxica, advinda da complicação de consciência fonológica, não
necessariamente acompanhadas por dificuldade neurológica ou intelectual,
também dificultam a aprendizagem (DSM-5, APA, 2014). Ciasca (1994)
denomina a disgrafia como disléxica.
Para auxiliar na aprendizagem, é importante trabalhar com o
desenvolvimento psicomotor (postura, domínio corporal, grafismo), os padrões
visuais e cinestésicos em separado, depois integrá-los, encorajar o
desenvolvimento de movimentos ordenados, reforçar padrões visuais-motores
por meio de repetição, usar materiais para ter bom feedback visual.
Pode-se utilizar como estratégias a autocorreção de textos; o
convencionamento de códigos (codificação); a refacção de textos, auxiliando-o
a pensar o conteúdo com perguntas.

TEMA 4 – ESTRATÉGIAS PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM DO INDIVÍDUO


COM DISORTOGRAFIA E DISCALCULIA

4.1 Disortografia

Disortografia é um transtorno específico de escrita, que abrange a


ortografia e a gramática. Devido às ocorrências serem maiores em palavras com
sons similares e bilabiais, acredita-se que ocorra devido a problemas no aparelho
viso-perceptivo, responsável pela conversão dos fonemas em grafemas.
O disgráfico tem dificuldade de memorizar regras ortográficas, realizando
a substituição, inversão, omissão, fragmentação e modificação de palavras,
dificultando na estruturação das palavras, frases e na produção textual
(Fernandez, 2010; Casal, 2013).

8
É necessário intervir enfatizando o ensino alfabético, a função e o uso das
palavras, a consciência fonológica, devendo-se ensinar gradativamente as
regras ortográficas e morfológicas, bem como a relação fonema-grafema. É
importante também oferecer maior tempo para o desempenho das atividades,
partindo-se sempre dos textos produzidos pela criança (Fernandez, 2010).

4.2 Discalculia

O aluno com discalculia têm dificuldades em manejar os números,


observam-se problemas na qualificação, no sequenciamento e na distribuição de
números, nas operações matemáticas, na distinção de símbolos e na
memorização de cálculos e fórmulas (Peretti, 2009).
Dentre as principais questões a se observar para a identificação da
discalculia estão: dificuldade em reconhecer símbolos matemáticos;
incapacidade para operar quantidades numéricas; dificuldade em reconhecer
sinais de operações; memória insuficiente; dificuldade na leitura dos números;
dificuldade em localizar espacialmente a multiplicação e divisão (Bernardi, 2014).
As intervenções lúdicas sistemáticas são pertinentes para trabalhar as
habilidades matemáticas, dada sua possibilidade em estimular todas as
dimensões, motora, social, cognitiva e afetiva do sujeito, auxiliando para a
apropriações de natureza objetiva, como contagem, classificação,
reconhecimento, seriação, desenvolvimento da orientação espacial, resolução
de exercícios visório-motores, bem como auxilia na interação da criança (Silva,
2011).
Os jogos lúdicos possibilitam o desenvolvimento de todas as áreas
neurológicas e cognitivas. Ao trabalhar com a corporeidade, pensamentos e
sentimentos são acionados, permitindo o desenvolvimento de habilidades
motrizes, raciocínio, organização, planejamento, destreza e outros (Grassi,
2008, apud Santos, 2011).
Dentre as possibilidades de intervenção, estão: a) os jogos de exercícios;
os jogos simbólicos e os jogos de regras.
O trabalho com a percepção visual-espacial, partindo de experiências não
verbais e a intervenção por meio da ludicidade é um importante auxílio (Bernardi,
2014).

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TEMA 5 – ESTRATÉGIAS PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM DO INDIVÍDUO
COM TDAH

O TDAH é uma disfunção neurológica, ocasionada pela alteração de


alguns neurotransmissores, gerando a falta de atenção, a agitação e a
impulsividade (Richter, 2012).
Dentre as principais características do hiperativo, estão (Goldsteins,
1998): a) Desatenção e Distração: a criança apresenta grande dificuldade de se
concentrar; b) Superexcitação e Atividade Excessiva: tendência a se mostrar
agitada e ativa em excesso prejudicando a concentração; c) Impulsividade:
dificuldade de pensar antes de agir e em seguir regras; d) Dificuldade de lidar
com a frustração: não consegue trabalhar com objetos a longo prazo. Precisa de
mais compensação a curto prazo.
Este quadro dificulta a aprendizagem e traz prejuízos à vida social do
indivíduo, de modo que seu comportamento inquieto muitas vezes ser
confundido com falta de educação e/ou disciplina, afastando inclusive os colegas
(Lopes, 2001).
Muitas vezes, os professores são os primeiros a observar as
características do TDAH como a agitação e a dificuldade de concentração,
organização e observação de instruções, bem como a indisposição às regras por
parte das crianças (Topczewski, 2011).
A utilização de estratégias e de recursos para à aprendizagem são
extremamente importantes, mas é necessário pontuar que:

[…] o recurso, por si só́ , não promove o ensino, é fundamental a


presença do professor para fornecer oportunidades de aprendizagem
aos alunos, […] selecionar, construir ou adaptar um recurso, o docente
deve levar em consideração às características individuais dos
estudantes para que o recurso possa garantir o acesso do aluno à
atividade e melhorar o seu desempenho na realização das tarefas”.
(Silva, 2010 p.30)

O respeito do professor à individualidade do aluno, seu cuidado em


planejar as situações para a aprendizagem, o preparo de um ambiente favorável
à aprendizagem, tranquilo e sem distratores, que permita a localização do aluno
espaço, permitindo que esteja próximo ao professor e evitando que esteja
próximo a portas e janelas para não distrair-se, são imprescindíveis (Seno,
2010).

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Poeta e Rosa Neto (2005, p. 113) orientam a utilização de atividades
psicomotora como estratégia para a aprendizagem, uma vez que:

[…] Por meio da intervenção do professor, utilizando atividades


psicomotoras, o aluno com TDAH apresenta progressos nas áreas
motoras como: coordenação motora global, coordenação motora fina,
equilíbrio, lateralidade, noção corporal, temporal e espacial,
fundamentais para a realização de tarefas cotidianas, bem como,
imprescindíveis nas atividades escolares e, por conseguinte, nos
aspectos relacionados à aprendizagem.

Também é importante o trabalho com atividades auditivas que envolvam


estratégias de duração e tonicidade; estimulação de aspectos criativos e afetivo-
emocionais; atividades fonológicas e semânticas; atividades de ensaio oral,
antes da prática da escrita, e atividades que contribuam para o desenvolvimento
das habilidades de organização, sequencialização e imagem articulatória (Bellis,
1996, 2002; Alvarez; Katz; Wilde, 1999).
A intervenção por meio de jogos de exercícios sensório-motores, ou de
combinações intelectuais, como damas, xadrez, carta, memória, quebra-cabeça,
exercícios gráficos; jogos e raciocínio lógico, como completar as frases,
identificar as diferenças, ordenar os números auxiliam para a ampliação da
percepção, a socialização e o despertar do interesse da criança por sua
aprendizagem, uma vez que “por meio da ludicidade, a criança aprende a colocar
em prática sua curiosidade, adquire iniciativa, autoconfiança, desenvolve a
linguagem, pensamento e a concentração” (Vygotsky, 2003, p.23).

NA PRÁTICA

Com base nos pontos abordados nesta aula, elabore um texto a respeito
do papel docente diante da criação de estratégias para assegurar a
aprendizagem.

FINALIZANDO

Nesta aula, cuja temática foram as estratégias para o ensino e a


aprendizagem a serem empregadas no processo de ensino-aprendizagem de
indivíduos com dislexia, disgrafia, disortografia, discalculia e TDAH, também
abordamos assuntos pertinentes à instituição escolar, considerando-o um
ambiente heterogêneo. São diversas as realidades enfrentadas pelo professor
dentro de uma sala de aula, e quanto mais ele conhecer as dificuldades de

11
aprendizagem, mais capaz será de intervir da forma correta para que todos
aprendam.
Discutiu-se, ainda, sobre a necessidade de que cada integrante do
processo de ensino e aprendizagem responsabilize-se pelo processo de
desenvolvimento acadêmico de todas as crianças.
Neste sentido, é importante considerar que a escola é o lugar onde o
aprendizado deve acontecer, mesmo que, para isso, o professor utilize-se de
estratégias de ensino diversas.

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