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AULA 2 – FUNÇÕES DA LINGUAGEM PORTUGUÊS – Prof.

a Isabel Vega

Na Antiguidade Clássica, os filósofos acreditavam que, para haver comunicação, eram necessários o orador, a
mensagem e o ouvinte. Essa noção só foi ampliada a partir dos estudos sobre a Teoria da Comunicação, no século XX, quando
se verificou a existência de outros elementos constituintes do ato comunicativo. Roman Jakobson, importante linguista russo,
enumerou seis: os três já citados — o emissor, a mensagem e o receptor — e, também, o código, o canal e o contexto (ou o
referente).
O emissor (ou o locutor, ou o remetente) é aquele que diz a mensagem — o texto em si, o que foi efetivamente dito
— a um receptor (ou o interlocutor, ou o destinatário), que entende o que foi dito. Se houver uma resposta, o receptor passará
a ser o emissor, e este, o receptor. Haverá também uma nova mensagem e talvez um novo código ou canal.
O código é o tipo de linguagem em que a mensagem é transmitida: quando lemos um jornal brasileiro comum, o
código é a língua portuguesa escrita; quando acenamos um “tchau”, o código é a linguagem gestual.
O canal é o meio físico da transmissão, ou seja, no caso da leitura do jornal citada, o canal é o próprio jornal, as
páginas de papel. Pode ser também o telefone, a televisão ou o ar que propaga o som.
Por fim, o contexto é o assunto da mensagem (elemento conceitual e, não, físico), é o que se quer dizer. A frase “Vá
plantar batatas!”, dependendo do contexto, pode ser a ordem de um fazendeiro ao seu empregado ou uma expressão de raiva
ou indignação.
Quando o pleno entendimento da mensagem não é alcançado, dizemos que houve falha no processo comunicativo,
isto é, houve alguma interferência entre os elementos que prejudicou a comunicação plena, a plena compreensão entre as
partes. Esses ruídos, aliás, são a base para o humor, em diversas tirinhas e em piadas. Um texto do jornalista Luís Caversan,
de 2001, ilustra perfeitamente esse problema de comunicação. Ele diz o seguinte:

A ONU resolveu fazer uma grande pesquisa mundial.

A pergunta era: “Por favor, diga honestamente, qual sua opinião sobre
a escassez de alimentos no resto do mundo.”
O resultado foi desastroso. Foi um total fracasso.

Os europeus não entenderam o que era “escassez”.


Os africanos não sabiam o que eram “alimentos”.
Os argentinos não sabiam o significado de “por favor”.
Os norte-americanos perguntaram o significado de “o resto do mundo”.
Os cubanos estranharam e pediram maiores explicações sobre “opinião”.
E o Congresso Brasileiro ainda está debatendo o que é “honestamente”.

Para a total compreensão do texto acima, há de se levar em conta, além da língua em si (código), fatores
extralinguísticos como conhecimentos de história, geografia, sociologia, cultura popular, entre outros, que compõem o
contexto. O toque de humor é resultante, portanto, da falha no entendimento do código e do contexto, uma vez que os países
não entenderam as palavras usadas porque, segundo a narrativa, elas não faziam sentido em seus contextos.
Em relação às funções, são seis as que a linguagem pode assumir, dependendo da intencionalidade discursiva, isto
é, dependendo da finalidade com que o texto foi produzido: a referencial (ou denotativa), a poética, a emotiva (ou expressiva),
a conativa (ou apelativa), a metalinguística e a fática. Vale lembrar que são raros os textos em que se verifica o emprego de
apenas uma função; frequentemente se encontram textos em que, embora predomine uma função, a fim de atingir o objetivo
geral, outras funções são usadas na construção do texto, cumprindo objetivos específicos.

A) Função Referencial (ou Denotativa) → É a função da linguagem que dá ênfase ao contexto, ao referente, ao objeto da
mensagem. É usada quando o objetivo da comunicação é transmitir informações, muitas vezes objetivas, sobre a realidade.
Isso não significa dizer, no entanto, que os textos referenciais sempre veiculam mensagens verdadeiras; a forma de escrevê-
las é que aparenta veracidade. Normalmente a função referencial predomina nos textos científicos, de todas as áreas, e nos
textos jornalísticos, nos gêneros informativos, como notícias e reportagens.
Ex.:
“Não é de hoje que cientistas buscam correlações entre a lua cheia e o comportamento humano. No que diz respeito
aos nascimentos durante a lua cheia, o físico brasileiro Fernando Lang da Silveira foi um dos que colocou o mito à prova, em
seu trabalho intitulado ‘Marés, Fases da Lua e Bebês’. Utilizando os dados de 93.000 estudantes cadastrados nos concursos
da UFRGS e comparando-os com as tabelas lunares do Observatório Nacional, Fernando Lang pôde constatar que não havia
correlação entre o número de nascimentos e a fase da Lua.
Na Espanha, um estudo semelhante foi conduzido pelo Hospital de Cruces, na cidade de Barakald, e tampouco foi
detectado algum aumento no número de nascimentos durante a lua cheia. Mas o mais abrangente estudo sobre o assunto foi
feito pelo astrônomo Daniel Caton que, em 2002, analisou mais de 70 milhões de registros de nascimentos ao longo dos últimos
20 anos. Sua conclusão foi inequívoca: não há nenhuma relação entre a lua cheia e o número de partos.”
(Texto adaptado do site www.projetoockham.org)

B) Função Poética → Esta função tem por finalidade chamar a atenção para a própria mensagem por meio da elaboração do
texto: escolha do vocabulário (de forma a dar musicalidade e ritmo), uso de figuras de linguagem, exploração dos recursos
visuais, entre outros. Encontramos a função poética, sobretudo, nos textos literários, nas músicas e nas propagandas. O
exemplo a seguir demonstra uma preocupação estética com o mesmo objeto que serviu de tema ao exemplo anterior: a lua
cheia.

Ex.:
Lua Cheia

Boião¹ de leite ¹boião – recipiente de boca larga


que a noite leva
com mãos de treva
pra não sei quem beber.

E que, embora levado


muito devagarzinho,
vai derramando pingos brancos
pelo caminho...

(Cassiano Ricardo. In: Poesias Completas.)

C) Função Emotiva (ou Expressiva) → Revela o estado emocional do emissor (de forma real ou fictícia) e/ou sua posição
pessoal acerca de algum assunto. É a função em que podemos perceber de forma mais clara a subjetividade.

Ex.:
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

(1ª estrofe do “Soneto de Fidelidade”, de Vinícius de Moraes)

Além da função expressiva — pois percebemos a carga emocional do poeta diante do seu amor e de sua amada —, há
também, no soneto inteiro, o emprego da função poética, visto que a elaboração da linguagem transcende a simples informação
sobre a afetividade do emissor.
É importante ressaltar que não só os textos literários empregam a função expressiva. Mesmo em artigos científicos,
ensaios e relatórios que deveriam primar pela impessoalidade, a subjetividade acaba por aparecer. A adjetivação, bem como o
uso de advérbios e a entonação, no caso da oralidade, são recursos que deixam transparecer a opinião de quem fala ou escreve. Tome-
se, como exemplo, um enunciado como “Nas quartas de final, na Copa da Rússia, o Brasil sofreu uma derrota para a
Bélgica”. Essa manchete representa o relato de um fato, portanto, predomina aí a função referencial, apesar da subjetividade na
escolha da estrutura “sofreu uma derrota”. Se tivesse sido usado um adjetivo antes do substantivo “derrota” — “uma vergonhosa
derrota”, “uma decepcionante derrota”, “uma triste derrota” —, estaríamos mais claramente diante da opinião do emissor. Assim,
além da função referencial predominante, temos também o emprego pontual da função emotiva.
Deve-se ter em mente também que, nos mais variados momentos da vida, o falante usa a argumentação para sustentar
sua opinião, uma vez que seu objetivo pode ser o de influenciar e convencer o interlocutor de suas ideias. Nesse tipo de text o,
que pode ser oral ou escrito, vê-se, além da função emotiva, a função conativa.

D) Função Conativa (ou Apelativa) → Está presente quando a intenção é persuadir o receptor. No dia a dia, fazemos uso dela
quando interagimos com o outro, pedindo-lhe um favor, ou dando-lhe um conselho ou uma ordem. Além disso, compõe
essencialmente as mensagens publicitárias, de forma mais ou menos sutil, dependendo se aliado ou não à função poética. Os
principais recursos usados são os verbos no imperativo, os pronomes de tratamento e o vocativo, pois eles se referem
diretamente ao interlocutor.

Ex.1:

Ex.2:

Amar é um deserto e seus temores


vida que vai na sela dessas dores
Não sabe voltar! Me dá teu calor!
Vem me fazer feliz porque eu te amo

Você deságua em mim e eu oceano


E esqueço que amar é quase uma dor
Só sei viver se for por você.

(Fragmento da música “Oceano”, de Djavan.)


E) Função Metalinguística → É a função que dá ênfase ao código. Sua finalidade é esclarecer a linguagem selecionada para
transmitir a mensagem usando a própria linguagem. No dicionário, pode-se constatar a função metalinguística quando a língua
portuguesa define, explica os significados de palavras da língua. Textos que analisam e interpretam outros textos, poemas que
falam sobre o que é a poesia, canções que versam sobre a utilidade da música, a moral no término das fábulas são outros
exemplos dessa função. A função metalinguística está no nosso cotidiano cada vez que precisamos explicar ou resumir o sentido
de algo que o interlocutor não entendeu, a respeito do que já tinha sido dito. Pode também estar associada à função poética.

Ex.1:

escrever v.t.d.1. Representar por meio de escrita. 2. Compor (obra literária, científica, etc.).
(Dicionário Aurélio)
Ex.2:
Catar feijão se limita com escrever:
jogam-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.

(1ª estrofe do poema “Catar feijão”, de João Cabral de Melo Neto.)

F) Função Fática → Ocorre quando o objetivo da mensagem é apenas o de testar o canal, o de manter o contato com o
interlocutor. A intenção de quem usa a função fática é estabelecer a solidariedade comunicativa. Nem sempre temos uma
mensagem importante a passar para o outro, mas se faz necessário manter os vínculos sociais que nos ligam ao grupo ao qual
pertencemos. Segundo John Lyons, linguista inglês, uma característica da função fática é cumprir um rito social, seja com o uso
de simples interjeições como “Olá!”, seja com enunciados como “Tudo bem?”, que de fato não esperam uma resposta longa.
Na língua escrita, a função fática está presente nas perguntas retóricas e em todos os momentos em que o autor se
dirige direta ou indiretamente ao leitor.

Ex.1:
Sinal fechado

Olá, como vai? Quanto tempo... pois é... quanto tempo...


Eu vou indo, e você, tudo bem? Tanta coisa que eu tinha a dizer
Tudo bem eu vou indo, correndo, mas eu sumi na poeira das ruas.
pegar meu lugar no futuro. E você? Eu também tenho algo a dizer,
Tudo bem, eu vou indo em busca mas me foge a lembrança.
de um sono tranquilo, quem sabe? Por favor, telefone, eu preciso
Quanto tempo... pois é... beber alguma coisa, rapidamente.
Quanto tempo...
Pra semana...
Me perdoe a pressa.
O sinal...
É a alma dos nossos negócios...
Oh! Não tem de quê. Eu procuro você...
Eu também só ando a cem. Vai abrir, vai abrir...
Quando é que você telefona, Prometo, não esqueço.
precisamos nos ver por aí.
Por favor, não esqueça, não esqueça.
Pra semana, prometo, talvez nos vejamos,
quem sabe? Adeus...”

(Letra e música de Paulinho da Viola)


Ex.2:

Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. E foi assim que cheguei à cláusula dos
meus dias; foi assim que me encaminhei para o undiscovered country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço
príncipe, mas pausado e trôpego, como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido. Viram-me ir umas nove ou dez
pessoas, entre elas três senhoras, minha irmã Sabina, casada com o Cotrim, — a filha, um lírio-do-vale, — e... Tenham
paciência! daqui a pouco lhes direi quem era a terceira senhora. Contentem-se de saber que essa anônima, ainda que não
parenta, padeceu mais do que as parentas. É verdade, padeceu mais. Não digo que se carpisse, não digo que se deixasse rolar
pelo chão, convulsa. Nem o meu óbito era coisa altamente dramática... Um solteirão que expira aos sessenta e quatro anos não
parece que reúna em si todos os elementos de uma tragédia. E dado que sim, o que menos convinha a essa anônima era
aparentá-lo. De pé, à cabeceira da cama, com os olhos estúpidos, a boca entreaberta, a triste senhora mal podia crer na minha
extinção.
(Machado de Assis. In: Memórias Póstumas de Brás Cubas)

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