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Material Teórico

A Semântica e temas fronteiriços

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Celso Antônio Bacheschi

Revisão Textual:
Profa. Ms. Silvia Augusta Albert
Unidade: A Semântica e temas fronteiriços

Contextualização

Antes de iniciarmos nossos estudos desta unidade da disciplina Língua Portuguesa – Estilística
e Estudos Semânticos, convidamos você a ler o texto que segue, de Vinícius de Moraes:

Soneto da separação

De repente do riso fez-se o pranto


Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento


Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez o drama.

De repente, não mais que de repente


Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante


Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

(Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985. Destaques nossos.)

Observe como o autor explora a oposição de sentido das palavras destacadas dando relevância
à intencionalidade do poema, que trata da separação. Fique atento(a) a isso, pois, nesta unidade,
damos continuidade aos estudos da Semântica a partir das relações entre as palavras.

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Introdução

A Semântica pode ser definida de modo diverso de acordo com a perspectiva de quem
a define, logo vamos procurar delimitá-la. Tomemos a lição de Saussure (s/d) sobre o signo
linguístico. Ensina o mestre que o signo linguístico é a união do significante e do significado.

Signo Linguístico
Significante Significado
O significante é uma imagem acústica; e o significado, um conceito. Observe que não se
trata da reunião de palavra e coisa. O autor adverte-nos de que “os termos implicados no
signo linguísticos são ambos psíquicos” (op. cit.: 79). Ao escolher o termo “imagem acústica”,
diferencia-se este de “som”. Note-se que, muitas vezes, pensamos numa palavra, sem pronunciá-
la. Da mesma forma, “conceito” difere de “coisa”, pois corresponde a uma representação mental
que associamos a coisas do mundo natural e cultural.
Considerando a divisão proposta por Saussure, notamos que parte dos estudos linguísticos tem
como objeto o significante. Podemos estudá-lo segundo sua sonoridade (Fonética e Fonologia),
seus elementos constitutivos (Morfologia) e sua disposição e funções no enunciado (Sintaxe)1.
Outra abordagem – que interessa à Semântica – é focalizar o significado. Vamos compreender
melhor o que isso envolve.
Podemos entender a relação entre a língua falada e o mundo de duas maneiras:
1. O mundo está organizado em categorias fixas e pré-estabelecidas, e a linguagem apenas
representa essas categorias, ou seja, a linguagem nomeia os seres do mundo. Exemplo:
“árvore” é um ser do mundo natural, que possui raízes, tronco, galhos e folhas.
2. A organização do mundo em categorias não é natural. É a linguagem humana que, ao
“nomear” o mundo, o organiza de acordo com pontos de vista que variam de acordo
com o observador e a época em que a observação ocorre.

Fonte: iStock/Getty Images

1 Embora a análise linguística possa centrar-se no significante, o componente semântico não é, de todo, ignorado.

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Unidade: A Semântica e temas fronteiriços

A afirmação contida em (1) parece clara e simples de exemplificar; mas, na verdade, é


enganosa e até ingênua. Tomemos o exemplo da palavra citada, “árvore”. A definição parece
bem clara, de modo que associamos facilmente (sem necessidade de um estudo aprofundado) a
palavra a um ente do mundo natural, certo? Mais ou menos. Pensemos, agora, em “arbusto”. O
senso comum indica-nos que “arbusto” é uma árvore de pequeno porte. Aí o que parecia claro
já começou a tornar-se nebuloso, pois uma questão se nos impõe: a partir de que momento
um “ser do mundo natural, que possui raízes, tronco, galhos e folhas” é grande o bastante para
ser considerado “árvore”? Qual seria a altura mínima de uma árvore? Um pé de café seria uma
árvore, um arbusto ou uma simples planta?
Claro que os estudiosos do assunto, os botânicos, têm definições mais claras sobre esse
tema do que podemos concluir com base apenas no senso comum, mas isso não invalida
o que afirmamos, pois as definições científicas vêm depois de as palavras fazerem parte da
linguagem do dia a dia.
Tomemos outro exemplo. Pense nas palavras “córrego”, “regato”, “arroio”, “riacho”, “ribeirão”
e “rio”. O senso comum parece indicar-nos que um riacho é maior que um córrego e menor
que um ribeirão, e que este último é maior que os anteriores e menor que um rio. Seriam esses
recortes naturais e iguais para todos os observadores? Na prática, será que, ao se depararem
com um curso d’água, todas as pessoas vão designá-lo da mesma forma? Parece-nos bem
mais provável que uma pessoa da cidade chame qualquer curso d’água de rio e, talvez, só o
diferencie de córrego. É provável que uma pessoa acostumada à vida do campo seja capaz de
fazer um número maior de distinções, e é praticamente inevitável que as designações variem
de região para região. Além disso, o critério que adotamos nas comparações é precário, pois
qual é a base que estamos considerando ao afirmar que um curso d’água é “maior” que outro?
A largura? O comprimento? A profundidade? O volume de água?
Isso nos leva a concluir que os recortes são produtos culturais, que fazemos e refazemos, e
variam em diferentes culturas (e línguas).
Vamos prosseguir? Pensemos em planeta. Até pouco tempo, considerava-se planeta um corpo
esférico que girava em torno do Sol2. No início do século XX, havia oito planetas conhecidos; mas
alguns astrônomos compartilhavam da ideia de que haveria um nono planeta no Sistema Solar.
Em 1930, com a descoberta de Plutão, a questão parecia encerrada; porém foram descobertos,
no final do século XX, outros corpos que se assemelhavam a Plutão e tinham características
que os diferenciavam dos demais planetas. Somente no início do século atual é que se definiu
com clareza o conceito de planeta, e criou-se o conceito de “planeta-anão”, no qual Plutão e
outros corpos semelhantes a ele foram incluídos. Isso nos mostra que os recortes que fazemos a
respeito do mundo natural não são definitivos, mas variam de tempos em tempos.

Fonte: Wikimedia Commons

2 Não se conheciam planetas que giram em torno de outras estrelas até 1995.

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Esses recortes também variam de acordo com as línguas. Por exemplo, em português, “céu”
denomina o espaço em que se movem os astros e, também, o paraíso criado por Deus segundo
a Bíblia. Em inglês, sky corresponde ao primeiro significado; e heaven, ao segundo. Da mesma
forma, em português, “homem” denomina tanto a espécie humana, como em “o homem é
um ser racional”, quanto o macho dessa espécie. Em latim clássico, no entanto, a palavra que
deu origem a “homem” (homo) tinha, em princípio, apenas o primeiro significado (a espécie
humana). Para o significado de “macho dessa espécie” a palavra correspondente em latim era
“vir”, de onde deriva a palavra “viril” em português, significando másculo.
Para finalizar essa questão, vamos reproduzir as palavras de Pietroforte e Lopes (2003: 116),
os quais narram que:
em 1973, o grupo de rock britânico Pink Floyd gravou um dos discos mais
célebres da sua longa carreira, intitulado The dark side of the moon. A capa
mostrava, contra um fundo negro, um raio de luz branca que vinha do lado
esquerdo, atravessava, no centro do quadro, um prisma e saía decomposto, à
direita, nas cores do arco-íris. Entre nós, brasileiros, só quem deteve um pouco o
olhar se deu conta de que o espectro à direita do prisma compreendia seis cores,
em vez das sete que esperaríamos. A razão muito simples para isso é que, em
inglês, o arco-íris de fato só conta com seis cores: na região superior do espectro,
onde temos em português o roxo e o anilado, a língua inglesa junta tudo em um
só purple. Na língua bassa, falada na Libéria, o mesmo conjunto do arco-íris se
divide em não mais que duas faixas, uma compreendendo o que conhecemos
como cores “frias” e outra, as cores “quentes”. Ninguém imaginaria tratar-se
de diferenças nos fenômenos naturais observados, nem tampouco na acuidade
visual de uns e outros povos. A estruturação do mundo em classes, ou seja,
a maneira de ver é que varia, de uma cultura para outra, sem que se possa
apontar quem é que está com a razão nessa história (destaques dos autores).

Fonte: Pink Floyd/Harvest, 1973

Agora que esclarecemos essa importante questão a respeito da relação entre a língua falada
e o mundo, mostrando a importância dos recortes e da contextualização para a atribuição de
sentidos das palavras, objeto de estudo da Semântica, vamos aprofundar ainda mais nossos
conhecimentos para compreender como trabalhamos analiticamente nesse campo.
Vamos Lá?

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A unidade da Semântica: o sema


A análise linguística que se desenvolveu no século XIX tinha por base a descrição fonética, ou
seja, da sonoridade das línguas faladas. Nesse tipo de análise, podemos decompor uma palavra
como “sol” em três fonemas3: [s], [ ], [l]. Esse modelo foi aplicado à Morfologia, estudo da
c
estrutura e dos processos de formação de palavras, em que as palavras podem ser decompostas
em morfemas. Era natural que se procurasse seguir o mesmo caminho na Semântica, chegando-
se, assim, ao sema ou traço semântico.
Vamos a um exemplo. Tomando-se a palavra “homem”, observamos que ela possui os
seguintes semas: humano, masculino e adulto. Como os semas são traços distintivos, podemos
notar que, comparando-se “homem” e “menino”, há dois traços comuns (humano, masculino),
assim como “homem” e “mulher” possuem, também, dois traços comuns (humano, adulto).
De acordo com a presença (+) ou ausência (-) de certos semas, podemos formar os campos
semânticos. A seguir, apresentamos algumas unidades do campo lexical dos chapéus (adaptado
de Pietroforte e Lopes, 2003: 119).
com com com pala de
com com
copa abas sobre os matéria masculino
copa abas
alta largas olhos flexível
boné + - - - + + +/-
gorro + - - - - + +/-
sombreiro + - + + - + +
cartola + + + - - + +
boina + - - - - + +/-
quepe + - - - + - +
coco + - + - - - +

O campo lexical permite identificar as características comuns e divergentes de cada elemento.


No entanto, à medida que se ampliam os elementos do grupo, é necessário maior número de semas
para diferenciá-los. Observe que, nesse quadro, não há semas suficientes para diferenciar “gorro”
de “boina”. Outro problema é que, em alguns casos, os traços que diferenciam os elementos não
são precisos. Imagine, voltando a um exemplo já mencionado, que fôssemos formar um quadro
com o campo lexical “curso d’água”. Estaríamos, novamente, diante da dificuldade de encontrar
semas que nos permitissem diferenciar “riacho”, “córrego”, “arroio” etc.

Fonte: iStock/Getty Images

3 Consulte o glossário no final desta unidade. Unidade mínima sonora da língua.

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Como vimos, cada elemento do campo lexical possui traços semânticos (semas) que podem
diferenciá-lo dos demais. Ao conjunto desses semas, dá-se o nome de semema. Portanto, se
tomarmos, por exemplo, “cartola”, teremos o semema “com copa alta”, “com aba”, “de matéria
flexível”, “masculino” etc.
O membro mais genérico de um campo lexical é o que chamamos de classema. É o caso de
“curso d’água” em relação a “rio”, “córrego”, “riacho”, “ribeirão” etc.

Relações entre palavras


Até aqui, nossa disciplina parece estar dividida em duas áreas, a Estilística e a Semântica.
No entanto, como ambas as áreas estão ligadas à questão do significado, é inevitável que haja
questões que sejam comuns a elas, como veremos a seguir.

Fonte: iStock/Getty Images

Acompanhe, a seguir, alguns processos relativos às palavras e seus significados, matéria de


nossa disciplina:

Sinônimos
São sinônimas palavras que têm, aproximadamente, o mesmo significado. Destacamos o
termo “aproximadamente” porque não se pode dizer que haja palavras cujo significado seja
totalmente coincidente. Algumas palavras podem ser usadas em lugar de outros em certos contextos,
mas isso não ocorre sempre. Pensemos em palavras que podem ser usadas indistintamente num
certo contexto, como “jovem” e “novo”. Isso ocorre, por exemplo, nos enunciados:
1. Augusto é um rapaz novo.
2. Augusto é um rapaz jovem.

O mesmo não se observa nos enunciados a seguir:


3. Comprei um carro novo.
4. *Comprei um carro jovem4.

4 O asterisco (*) indica que o enunciado não é aceitável em português.

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Analisando os enunciados, percebemos que, em 1 e 2, “novo” e “jovem” equivalem a


“de pouca idade”. Entretanto, em 3, “carro novo” equivale a “recém-fabricado” ou “recém-
adquirido”, significado que não se verifica em “jovem”.

Fonte: Thinkstock/Getty Images

Além disso, as palavras, muitas vezes, trazem consigo julgamentos, avaliações pessoais. Por
exemplo, uma pessoa que se preocupa com o controle de seus gastos pode ser definida como
“econômica”, “equilibrada”, “precavida”, “usurária”, “avarenta”, “sovina”, “mão de vaca” etc.
Algumas palavras revelam intenção de se expressar de modo mais delicado, como “calvo” em
lugar de “careca”, “idoso” em lugar de “velho” ou “senil”, “embriagado” em lugar de “bêbado”.
Outras, ao contrário, revelam agressividade como “rábula” em lugar de “advogado”, “bandido”
em lugar de “infrator”, “caguetar” em lugar de “denunciar”.
Por vezes, entre pares de sinônimos, há um termo mais genérico e outro mais específico,
como “assento” e “sofá”, “aeronave” e “avião” ou “helicóptero”, “inseto” e “formiga”.
Há casos em que um termo expressa mais intensidade que outro, como “grande” e “enorme”,
“frio” e “gélido”, “gastar” e “esbanjar”, “mortandade” e “massacre”.
Ocorrem, também, casos em que há oposição entre termos técnicos e populares, como
“AVC (acidente vascular cerebral)” e “derrame”, “prurido” e “coceira”, “sutura” e “costura”,
“insanidade” e “loucura”, “cefalópode” e “polvo”/ “lula”.
Alguns sinônimos opõem-se devido ao fato de uma das palavras ser própria da linguagem
coloquial, como “grana” e “dinheiro”, “intolerante” e “rabugento”, “catar” e “captar”, “cascata”
e “mentira”.
Os sinônimos podem diferenciar-se quando um termo é atual e outro está em desuso (ou em
via de cair no desuso), como “chofer” e “motorista”, “retratista” e “fotógrafo”, “murro” e “soco”.
Algumas palavras distinguem-se pelo caráter regional, como “macaxeira” por “mandioca”,
“guri” por “menino”, “jerimum” por “abóbora”.
Para finalizar este tema, vamos às palavras de Lapa (1975: 26), segundo as quais “compreende-
se que um dos principais geradores de sinônimos seja a variedade de emprego da mesma coisa,
segundo os diferentes meios sociais”. Vamos ilustrar com um exemplo do mesmo autor (op. cit.).
Tomando-se as palavras “barriga”, “abdômen”, “ventre” e “pança”, notamos que “barriga” é a
palavra de uso mais geral, aquela que nos vem à mente de imediato e a primeira a fazer parte
do nosso vocabulário. É o que o autor chama de termo identificador. “Abdômen” é um termo
que associamos à linguagem científica. Já “ventre”, longe de fazer parte da linguagem cotidiana,
soa aos nossos ouvidos como termo literário, enquanto “pança” é termo próprio da linguagem
coloquial, carregado de um tom cômico ou pejorativo.

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O que se conclui a partir das diferenças que observamos entre sinônimos é que não temos
necessidade de palavras que tenham o mesmo significado, mas é conveniente que haja palavras
com significados semelhantes para que possamos escolher aquela que se mostrar mais adequada de
acordo com a situação. Lembremos, ainda, que o estilo é determinado pelas escolhas que fazemos.

Antônimos
Antônimos são palavras que têm sentidos opostos, como “cedo” e “tarde”, “claro” e “escuro”,
“belo” e “feio”. Os antônimos apresentam diferentes tipos de relações, como movimentos em
sentido contrário: “subir” e “descer”, “entrar” e “sair”, “abrir” e “fechar”, podem referir-se a
ações que se complementam como “comprar” e “vender”, “receber” e “entregar” ou a diferentes
momentos de um processo, como “nascer” e “morrer”, “começar” e “terminar” etc.
Observe que o emprego de antônimos não implica, necessariamente, situações de
incompatibilidade, como se percebe no trecho a seguir, da carta de suicídio do ex-presidente
Getúlio Vargas:
Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio.
Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da
vida para entrar na história.
(Disponível em http://www2.uol.com.br/historiaviva/artigos/as_duas_cartas_de_getulio_vargas.html
acesso em 13 jan. 2015. Destaques nossos.)

Observe que termos como “escuridão” e “luz” são incompatíveis,


uma vez que, quando dizemos que há escuridão em um ambiente,
estamos afirmando que a luz está ausente dele. O mesmo, no entanto,
não ocorre com palavras como “vida” e “morte”. Quando afirmamos
que não há vida na Lua, não estamos declarando que há morte na Lua.
Getúlio Vargas

Palavras que, em geral, não são antônimas podem adquirir sentidos opostos de acordo com
o contexto. É o que se percebe no trecho a seguir, de Machado de Assis:
Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações
me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou
propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a
campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais
galante e mais novo.
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Mara. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.
Destaques nossos.)

Observe que, no trecho, “campa” (sepultura) e “berço”, palavras


às quais não costumamos associar a antônimos, adquirem sentidos
opostos de “fim” e “início”.
Machado de Assis

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Assim como afirmamos que não há sinônimos perfeitos, o mesmo pode ser dito dos antônimos.
Isso ocorre devido à propriedade das palavras de possuírem vários significados. Vamos refletir
sobre os exemplos a seguir:
5. No sonho, manifestam-se conteúdos presos no inconsciente.
6. Vera vive no mundo dos sonhos.

No exemplo 5, “sonho” opõe-se a “vigília” (estado de quem está desperto), enquanto, no


exemplo 6, “sonho” opõe-se a “realidade”.
Muitos autores, sobretudo do período barroco, exploraram o emprego de antônimos, que
constitui uma figura de linguagem chamada antítese. Observe o trecho que segue, de
Gregório de Matos:
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.”

(MATOS, Gregório de. Obra Poética. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 1992. Destaques nossos.)

Gregório de Matos

Agora vejamos outros processos relativos às palavras e seus significados.

Hiperônimos e Hipônimos
Vimos que as palavras podem ter significados mais amplos ou mais restritos. Se considerarmos
os campos semânticos de que tratamos há pouco, veremos que eles são formados por uma palavra
cujo significado abrange as demais (que chamamos classema). Lembremos: “curso d’água” abrange
“rio”, “córrego”, “arroio”, “riacho”, “ribeirão” etc., logo, em relação a estas últimas temos que a
primeira (curso d’água) é um hiperônimo; e as demais (rio, córrego, arroio, riacho, ribeirão) são
hipônimos. Vamos a outro exemplo? “Astro” é um hiperônimo em relação a “planeta”, “estrela”,
“satélite”, “meteoro”, “cometa” etc., os quais, em relação ao primeiro, são hipônimos.
Como a hiperonímia e a hiponímia são relações estabelecidas entre palavras, o mesmo termo
pode ser hiperônimo em relação a uma palavra e hipônimo em relação a outra. Um bom
exemplo para compreendermos isso são os seres vivos, pois podem ser subdivididos em várias
ordens e subordens. Assim, “vertebrado” é hipônimo em relação a “animal”, mas é hiperônimo
em relação a “mamífero”, “ave”, “réptil” etc. Da mesma forma, “mamífero” é hipônimo em
relação a vertebrado, mas é hiperônimo em relação a “marsupial” e “placentário”. Este último,
placentário é hipônimo em relação a “mamífero”, mas é hiperônimo em relação a “canídeo”,
que é hiperônimo em relação a “lobo”, “cão” e “raposa”. Finalmente, “cão” é hipônimo em
relação a “canídeo”, mas é hiperônimo em relação a “boxer”, “buldogue”, “vira-lata”, “poodle”,
“pastor-alemão”, “perdigueiro” etc.

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Os hipônimos e hiperônimos são frequentemente utilizados como estratégias de referenciação,
ou seja, servem como referências a outros termos dentro de um texto. Veja o exemplo a seguir,
observando as palavras em destaque:
O tubarão-baleia (Rhincodon typus) é a única espécie da família
Rhincodontidae, vive em oceanos quentes e de clima tropical, além de ser a
maior das espécies de tubarão, é o maior peixe conhecido, podendo atingir de
18 a 20 m, mas raramente passa dos 12 metros e pesar mais de 13 toneladas.
O animal é completamente inofensivo ao homem e alimenta-se de plâncton
por filtração.
(Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Tubar%C3%A3o-baleia
Acesso em 14 jan. 2015. Destaques do autor.)

No trecho, o termo “tubarão-baleia” é retomado, no segundo parágrafo, por meio de um


hiperônimo, “animal”. Por meio desse recurso, o autor evita a repetição de palavras.

Fonte: iStock/Getty Images

Há ainda mais processos, acompanhe...

Polissemia
Observe os seguintes enunciados:
7. O tubarão-baleia tem uma boca enorme.
8. Comprei um fogão com seis bocas.
9. Osvaldo tem seis bocas para alimentar.
10. Aquele bar é uma boca de fumo.
11. Cheguei na boca da noite.
12. O atacante estava na boca do gol.
13. O Chico arrumou uma boca para trabalhar na obra.

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Nesses enunciados, percebemos como a mesma palavra pode ter diferentes significados, a
saber: (7) abertura por meio da qual o animal se alimenta, (8) saída de gás, (9) dependentes,
(10) ponto de venda e consumo de drogas, (11) início, (12) frente, (13) vaga. A essa propriedade
das palavras dá-se o nome de polissemia.

Fonte: iStock/Getty Images

Na verdade, são raras as palavras que têm um único significado. Isso ocorre porque há vários
processos que implicam a alteração do significado. Entre eles, podemos citar a analogia. Ela
ocorre quando um significante adquire novo significado por semelhança. Por exemplo, a partir do
significado inicial, “boca” passa a designar qualquer tipo de abertura, como “boca da garrafa”.
Outro processo é a extensão, que ocorre quando uma palavra passa a ter um significado mais
abrangente que o original. Por exemplo, “chá” é o nome de um arbusto (chá-da-índia). Como
as folhas desse arbusto servem de base para o preparo de uma bebida, esta adquiriu também
esse nome. A partir daí, bebidas preparadas de modo semelhante a partir de outros ingredientes
passaram a ser chamadas também de chá (chá-mate, chá de erva doce, chá de maçã etc.),
assim como as reuniões sociais em que se bebe chá (e outras bebidas) também adquiriram essa
designação (chá de bebê, chá de cozinha etc.).

Fonte: iStock/Getty Images

Há ainda importantes processos como a metáfora e a metonímia, que são bastante comuns e
de que trataremos na próxima unidade.
Nesta unidade, estudamos alguns conceitos de Semântica que se relacionam ao estudo da
Estilística. Na próxima unidade, voltaremos a tratar da Estilística, com enfoque no nível lexical.
Para aprofundar seus conhecimentos, não deixe de consultar o material complementar e interagir
com seus colegas e seu tutor. Até lá.

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Glossário
antônimos: palavras que possuem significados opostos.
campo semântico: grupo de palavras estruturadas de acordo com seus traços semânticos.
classema: membro mais genérico de um campo lexical.
fonema: unidade mínima sonora da língua. Na palavra “pá”, são a consoante [p] e a vogal [a].
hiperônimo: palavra de significado mais abrangente em relação a outra, como “peixe” em
relação a “tubarão”.
hipônimo: palavra de significado mais restrito em relação a outra, como “caminhão” em relação
a “veículo”.
morfema: unidade mínima significativa da língua. Em “meninas”, o radical ou base menin-, a
desinência de gênero -a, que indica feminino e a desinência de número -s, que indica o plural.
polissemia: propriedade das palavras de possuírem vários significados.
sema: traço semântico. Por exemplo, no campo “bebidas”, “vinho” distingue-se de “refrigerante”
porque possui o sema “alcoólico”.
semema: conjunto de semas de um vocábulo.
sinônimos: palavras que possuem, aproximadamente, o mesmo significado.

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Material Complementar

Para aprender mais a respeito das questões apresentadas nesta unidade, faça as seguintes leituras:

Explore
LAPA, Manuel Rodrigues. Estilística da Língua Portuguesa. 8. ed. Coimbra: Coimbra, 1975.
MARTINS, Nilce Sant’anna. Introdução à Estilística: a expressividade na Língua Portuguesa. São
Paulo: Edusp, 2008.

Obras disponíveis on-line

Explore

GARCIA, Afrânio. Semântica histórica. Disponível em


http://www.filologia.org.br/soletras/2/08.pdf (acesso em 5 jan. 2015)

ILARI, Rodolfo. Introdução à semântica: brincando com a gramática. São Paulo: Contexto,
2001. Disponível em:
http://www.letraviva.net/arquivos/2012/Introducao_Semantica%20_Brincando.pdf
(acesso em 3 dez. 2015)

NETO, José Borges. De que trata a Pragmática? Disponível em:


http://people.ufpr.br/~borges/publicacoes/para_download/pragmatica.pdf
(acesso em 5 jan. 2015)

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Referências

LAPA, Manuel Rodrigues. Estilística da Língua Portuguesa. 8. ed. Coimbra: Coimbra, 1975.

PIETROFORTE, Antônio Vicente Seraphim; LOPES, Ivan Carlos. Semântica Lexical. In:
FIORIN, José Luís (org.). Introdução à Linguística II: princípios de análise. 2. ed. São Paulo:
Contexto, 2003.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 11. ed. São Paulo: Cultrix, s. d.

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