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LÍNGUA

COMO OBJETO DA LINGUÍSTICA

Profa. Isabel C. M. Azevedo

REFERÊNCIA: AZEVEDO, Isabel Cristina Michelan de. Língua como objeto da linguística. [Apresentação em PowerPoint]. In: Linguística [disciplina regular do curso de
Letras]. Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão, 2022.
A visão de Saussure
Proposições de Saussure
• Langue significa “língua”, mas o termo técnico mais exato é “sistema linguístico”,
que designa a totalidade de regularidades e padrões de formação que subjazem
aos enunciados de uma língua.
• Parole, que pode ser traduzido como “comportamento linguístico”, pois diz
respeito aos enunciados reais produzidos em sociedade.
• Saussure está alinhado ao ESTRUTURALISMO, por isso passa a se referir à
existência de uma estrutura relacional abstrata que é subjacente e deve ser
distinguida dos enunciados reais. Ou seja: há um sistema que subjaz ao
comportamento real, e isso se torna o objeto primordial de estudo da linguística.
• A abordagem estrutural não fica restrita à linguística, sendo observada em outros
campos do conhecimento.
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Dicotomias saussurianas

• A constituição da Linguística, enquanto área de conhecimento, principalmente


no Ocidente, tem em Saussure uma referência fundamental.

• Com base em abordagens estruturalistas, o sistema de signos linguísticos foi


tomado de modo dissociado das relações com a exterioridade.

• No estabelecimento da compreensão do funcionamento da língua, Saussure


propõe atentarmos para as seguintes dicotomias: língua/fala,
sincronia/diacronia, significante/significado, paradigma/sintagma.

Dra. Isabel Cristina Michelan de Azevedo


Atividade inicial

Vamos ler, com atenção, a fábula “O lobo e o


cordeiro”, recontada por La Fontaine.

Esse material servirá de referência para as


explicações que virão a seguir.

Dra. Isabel Cristina Michelan de Azevedo


Na água limpa de um regato, O Lobo e o Cordeiro
matava a sede um Cordeiro, - Não importa. Guardo mágoa
quando, saindo do mato, de ti, que ano passado,
veio um Lobo carniceiro. me destrataste, fingindo!
Tinha a barriga vazia, - Mas eu nem tinha nascido.
não comera o dia inteiro. - Pois então foi teu irmão.
- Como tu ousas sujar - Não tenho irmão, Excelência.
a água que estou bebendo? - Chega de argumentação.
- rosnou o Lobo, a antegozar Estou perdendo a paciência!
o almoço. – Fica sabendo - Não vos zangueis, desculpai!
que caro vais me pagar! - Não foi teu irmão? Foi teu pai
- Senhor – falou o Cordeiro – ou senão foi teu avô –
encareço à Vossa Alteza disse o Lobo carniceiro.
que me desculpeis, mas acho E ao Cordeiro devorou.
que vos enganais: bebendo,
quase dez braças abaixo
de vós, nesta correnteza, Onde a lei não existe, ao que parece,
não posso sujar-vos a água. a razão do mais forte prevalece.
Fábulas - La Fontaine Nasceu em 1621 na França. Em 1647 foi para Paris, onde iniciou carreira literária. Escreveu contos,
poesia, mas foram as Fábulas que ganharam fama. Para escrevê-las consultou Esopo e Fedro e a
Tradução de Ferreira Gullar mitologia clássica. Suas fábulas são leves, possuem um tom irreverente e irônico, por isso resistiram
Editora Revan – 4ª edição, 1999. ao tempo e continuam a atrair leitores de todo o mundo.
Ideias iniciais

• A leitura da fábula em português, bem como no original em francês,


mostra que as línguas apresentam semelhanças (vós/vous, razão/raison,
forte/fort, lobo/loup), porque ambas tiveram como origem o latim.
• Desde 1916, com a publicação do Curso de Linguística Geral, obra
elaborada pelos alunos de Saussure com as ideias do mestre genebrino,
muitos estudiosos da linguagem consideram a língua como um sistema
que apresenta dicotomias.
• Dicotomia vem do grego dichotomia e quer dizer “divisão de partes
iguais”, por isso não se deve pensar que se trata de uma divisão em dois,
mas que se tem um par de conceitos no qual um deve ser definido em
relação ao outro, de modo que um só faz sentido em relação ao outro.

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Língua (langue) / fala (parole)

• Ao longo do diálogo, as personagens da fábula compartilham a mesma língua, embora


cada uma delas tenha uma fala diferente.
• Segundo Saussure, a língua é coletiva e a fala é particular, portanto, a língua é um dado
social e a fala é um dado individual. Como a língua é sistemática e a fala assistemática, a
língua é definida como um sistema* de elementos (signos) linguísticos.
• Entende-se, assim, que o sentido de uma unidade linguística é definido pelas relações
com as outras da mesma natureza, estabelecendo uma “rede”, em que cada “nó” está
relacionado aos demais que a compõem.
A língua é concebida como um sistema de signos, o que definiu um novo objeto
de estudos para a Linguística.
*sistema – conjunto organizado em que um elemento se define pelos outros. Um conjunto é uma
totalidade de elementos; se estão organizados, cada elemento está em função/relação aos demais.

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sincronia/diacronia
• Na fábula, o Cordeiro argumenta com o lobo que não foi ele quem o ofendera,
nem seus parentes. Os nomes dados aos graus de parentesco são bons
exemplos, em nível lexical, de semelhanças ente línguas distintas.

• O latim é a “língua-mãe”, enquanto português, espanhol, francês e italiano são


as “línguas-filhas”. Já grego e sânscrito são “irmãs” do latim. Na perspectiva da
diacronia (grego dia “através” e chrónos “tempo”), pode-se observar as
mudanças que ocorrem nas línguas através dos tempos.
• O ponto de vista da sincronia (grego syn “juntamente” e chrónos “tempo”) vê
a língua como um sistema em que um elemento se define pelos demais, por
isso um determinado estado de uma língua é isolado de suas mudanças
históricas e passa a ser estudado como um sistema específico de elementos
linguísticos.
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significante/significado
• Na fábula, o Lobo está no mato e o Cordeiro no regato. Os lugares e as representações deles
por meio de palavras indicam que a língua* também pode ser entendida como uma relação
entre coisas e nomes.

Segundo Saussure, como a palavra é um signo, essa relação não é direta. Há, na
verdade, uma relação entre uma imagem acústica e um conceito, isto é, entre um
significante e significado. A língua, então, não é uma nomenclatura, mas um
princípio de classificação.

• Um significante e um significado formam um signo, que é definido dentro de um sistema.


Assim, um signo ganha valor na relação com outros signos, trazendo a significação para
dentro da língua e de sua estrutura.

* As dicotomias saussureanas só fazem sentido quando relacionadas umas com as


outras, por isso é importante retomar o conceito de língua como sistema para
compreender as diferenças entre significante e significado.
significante/significado - 2
• Saussure afirma que o signo é arbitrário, já que não há uma relação de causa e efeito
que motive a relação que une um significante a um significado. Arbitrário significa não
motivado. Por exemplo, nada explica por que a imagem acústica comer significa
ingerir alimentos, mas sabemos explicar a origem de dezenove (dez + nove), pois
temos aqui uma motivação relativa.
• Outro aspecto importante é que o signo linguístico é um tipo particular de signo,
próprio da língua, dentro de um conjunto maior de tipos de signos (representados por
imagens, formas, etc.). O significante da língua é uma imagem acústica que se realiza
na fala, formando uma substância sonora. Sendo da ordem do som, sua realização
acontece no tempo, tomando a forma de uma duração, o que lhe atribui um caráter
linear.
• O signo é algo imposto pelo legado das gerações (imutabilidade dos signos), mas
como continua a evoluir ao longo dos tempos (princípio de continuidade), podem ser
identificadas mudanças na perspectiva diacrônica.
sintagma / paradigma
• Na fábula, tanto os argumentos de defesa do Cordeiro quanto os de acusação do
Lobo estão baseados na seleção de graus de parentesco. A seleção dos
elementos linguísticos pode ser analisada em dois eixos: o da seleção e o da
combinação entre os signos.

• As relações sintagmáticas são baseadas na combinação; já as paradigmáticas são


baseadas na seleção dos elementos que são combinados. A combinação obedece
a um padrão definido pelo sistema, o paradigma é uma associação baseada em
uma série de elementos linguísticos suscetíveis de figurar no mesmo ponto do
enunciado.
Segundo Saussure, no campo da Linguística,
observam-se as seguintes características...

Signo

Imutável
arbitrário linear articulado
/mutável

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Para explicar esses conceitos, Saussure usa a metáfora de um
jogo de xadrez:
https://www.youtube.com/watch?v=DdxZ11m78f0
• Nesse jogo, é relativamente fácil distinguir o externo do interno;
o fato de ele ter passado da Pérsia para a Europa é de ordem
externa; interno ao contrário é tudo quanto concerne o sistema
e às regras. Se eu substituir as peças de madeira por peças de
marfim, a troca será indiferente para o sistema; mas se eu
reduzir ou aumentar o número de peças, essa mudança atingirá
profundamente a “gramática” do jogo. (Curso de Linguística
Geral, p. 31). (ver: 11’ss do vídeo de Cristina Altman)
• As comparações entre o jogo da língua e uma partida de xadrez mostram que de um lado e
de outro estamos em presença de um sistema de valores e assistimos às suas modificações.
Uma partida de xadrez é como uma realização artificial daquilo que a língua nos apresenta
sob forma natural [...].
• Em segundo lugar, o sistema nunca é mais que momentâneo; varia de uma posição a outra.
É bem verdade que os valores dependem também, e sobretudo, de uma convenção
imutável: a regra do jogo, que existe antes do início da partida e persiste após cada lance.
Essa regra, admitida de uma vez por todas, existe também em matéria de língua; são os
princípios constantes.
Dra. Isabel Cristina Michelan de Azevedo
• Finalmente, para passar de um equilíbrio a outro, ou segundo nossa
terminologia – de uma sincronia a outra, o deslocamento de uma
peça é suficiente; [...] o lance repercute sobre todo o sistema; é
impossível ao jogador prever com exatidão os limites desse efeito.
As mudanças de valores que disso resultem serão, conforme a
ocorrência, ou nulas ou muito graves ou de importância média. Tal
lance pode transtornar a partida em seu conjunto e ter
consequências mesmo para as peças fora de cogitação no
momento. Acabamos de ver que ocorre o mesmo com a língua.
• Numa partida de xadrez, qualquer posição dada tem como característica singular estar
libertada de seus antecedentes; é totalmente indiferente que se tenha chegado a ela por
um caminho ou outro; o que acompanhou toda a partida não tem a menor vantagem
sobre o curioso que vem espiar o estado do jogo no momento crítico; para descrever a
posição, é perfeitamente inútil recordar o que ocorreu dez segundos antes. [...].
• Existe apenas um ponto em que a comparação falha: o jogador de xadrez tem a intenção
de executar o deslocamento e de exercer uma ação sobre o sistema, enquanto a língua
não premedita nada; é espontânea e fortuitamente que suas peças se deslocam – ou
melhor, se modificam.
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Considerações finais
• A metáfora do jogo parece especialmente apta para os propósitos de Saussure, pois,
para compreendermos o funcionamento do jogo, “não há necessidade de olhar
conexões com coisas estranhas ao jogo; o jogo é um sistema autocontido".
• Assim, para se jogar xadrez, não é preciso saber que é um jogo que se originou na
Pérsia e só depois chegou à Europa. Analogamente, para instanciar a linguagem, não
precisam os falantes de uma língua saber se ela é neolatina ou anglo-saxã. Fatos
históricos são, portanto, fatos externos ao sistema, assim como os fatos de parole
comentados na seção anterior.
• Quando Saussure se refere à substituição de peças de madeira por peças de marfim,
afirmando que esse fato não tem repercussão no sistema, podemos transpor esse
raciocínio para o plano da linguagem, e considerar, por exemplo que, se um falante da
língua portuguesa pronunciar a palavra menino, alteando a vogal da sílaba pré-tônica
[mi’ninu], isso não terá qualquer impacto para a estrutura dessa língua, por isso não é
preciso estudar sua substância; o linguista deve se ater aos fenômenos concernentes à
forma.
Referências bibliográficas

PIETROFORTE, Antonio Vicente. A língua como objeto da Linguística. In:


FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à Linguística – I. Objetos Teóricos. São
Paulo: Contexto, 2002. p. 75-93.

SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral. 26. ed. São Paulo: Cultrix,
2004.

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