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Significados denotativo e conotativo

A dupla definida como uso literal e figurado da linguagem não deve ser confundida com
os conceitos de significado denotativo e significado conotativo. O significado
denotativo é aquele significado que se limita a fazer referência a uma entidade ou a uma
determinada classe. Essa definição pode se assemelhar àquela de significado literal, mas
nesse caso o foco está no processo referencial e não nas condições de verdade. Quanto
ao significado conotativo, além de fazer referência a uma entidade ou a uma classe, se
acrescenta a esse significado a marca de alguma relação entre o falante e o referente.
Fora de contexto, o significado conotativo é lexicalizado e pode ser tratado como um
aspecto do código. As alternativas entre gato e bichano, entre cavalo, corcel ou
pangaré, entre morrer, falecer e bater as botas são exemplos de significados
denotativos (o primeiro de cada série) e significados conotativos (os outros membros
das séries). A conotação pode ser percebida como positiva (nos casos de bichano,
corcel e falecer) ou como negativa (é o caso de pangaré ou bater as botas). Observe-se
que no caso de bater as botas temos um significado conotativo fornecido por uma
expressão idiomática, ou seja, uma metáfora morta, que já foi plenamente
convencionalizada.

Para melhor capturar a diferença entre significado metafórico e significado conotativo,


observe-se que neste último temos diferentes significantes que apontam para o mesmo
referente. De fato, o mesmo referente pode ser chamado de cavalo, de pangaré ou de
corcel, dependendo da relação que o falante estabelece com o ele. No caso do
significado metafórico, não é o significante que muda, mas sim seu referente. Ao usar a
palavra joia no sentido literal, eu me refiro a algo valioso e ao mesmo tempo inanimado;
ao dizer

a minha filha é minha maior joia

eu me refiro a alguém que é muito valioso pra mim, mas dessa vez o referente é
animado, ou seja, eu devo selecionar uma propriedade da classe para que a expressão se
torne compatível com o referente à qual é atribuída. Olhamos para outro exemplo:
usando a palavra gato em seu significado literal eu me refiro a um animal, felino,
doméstico; mas é possível encontrar pelo menos mais dois significados metafóricos, em
diferentes níveis de convencionalização de gato: aquele de “ligação clandestina de uma
fiação elétrica” e aquele de “homem bonito”. Portanto dois referentes muito distantes
daquele do significado literal, com traços semânticos muito diferentes, mas aos quais
posso me referir com a mesma forma. O conceito e o comportamento do significado
conotativo e do significado metafórico são, portanto, muito diferentes.

A conotação é um fenômeno que é especialmente sensível à atitude dos falantes,


exatamente por expressar uma relação entre o falante e o referente. Por essa razão, os
campos semânticos para os quais a sensibilidade social é maior são também aqueles
mais férteis para as expressões que veiculam significados conotativos.
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Isso naturalmente depende também das culturas e dos momentos históricos. Na idade
média, por exemplo, especialmente no contexto ibérico, existia uma forte sensibilidade
para o mundo do demoníaco; a raposa sempre foi um animal associado ao mundo do
demoníaco e por essa razão em uma certa fase se começou a evitar a pronuncia do seu
nome, que, em época de latim vulgar, se originava do latim vulpe(m). Por isso surgiu o
termo raposa, como maneira de se evitar pronunciar a palavra ibérica vulpeja. Mas onde
essa sensibilidade era mais forte, na Espanha, também a expressão raposa se desgastou,
e teve que ser evitada; por isso se criou ainda uma nova palavra: zorra.

Algo muito parecido acontece hoje em áreas semânticas diferentes que refletem a
sensibilidade social e cultural de nossos tempos e de nossa cultura. Exemplos disso são
as diversas palavras das quais dispomos para nos referirmos aos órgãos sexuais, ou as
diferentes palavras para as raças (apesar de não ser correto, biologicamente falando,
diferenciar a nossa espécie em raças) e até às nacionalidades, ou para certas profissões
que podem ser socialmente estigmatizadas pelas mais diversas razões. Pensemos nas
alternativas afrodescendente/negro/preto ou estrangeiro/gringo ou
gay/homossexual/bicha ou secretária/empregada, etc.

A força e a rapidez com a qual a sensibilidade social pode agir na geração de valores
conotativos e na produção de novas expressões linguísticas me parecem bem
testemunhada em um caso do italiano. Quando eu era criança a profissão de lixeiro era
denominada spazzino (de spazzare “varrer”). A partir de um certo momento essa
expressão foi percebida como conotada negativamente e foi substituída, pelo menos em
certos âmbitos, pela expressão netturbino. Trata-se, portanto, de uma expressão que se
origina na mescla das palavras nettezza urbana, literalmente “limpeza urbana”, nome do
setor na prefeitura que cuidava da higiene da cidade. Essa origem, toda institucional,
deveria ser suficiente para garantir um longo futuro denotativo. Contudo, até essa
expressão parece ter se desgastado, pois há um tempo apareceu, como politicamente
correta, a expressão operatore ecologico.

As relações lexicais

Existe uma série de relações que se estabelecem, do ponto de vista do significado, entre
as palavras de uma língua.

As palavras

Mas o que são as palavras? A resposta parece óbvia, mas não parece fácil dizer o que é
uma palavra. A certeza que temos sobre a existência de uma entidade que chamamos
“palavra” é um fato interessante. Mas sobre quais dados apoia essa certeza? Vamos
considerar a seguinte frase:

Paulo encontra Luisa


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Aparentemente a resposta é clara: temos uma sentença em que as palavras são


distinguíveis porque separadas por espaço branco. Mas essa resposta não pode nos
satisfazer. Mesmo se nós considerássemos somente as línguas escritas (o que seria
fortemente incorreto, porque a escrita é uma tecnologia e a modalidade natural da
linguagem é a fala), temos que considerar que até a Idade Média as línguas ocidentais
escreviam com a chamada de scripta continua, ou seja sem deixar espaços brancos entre
as palavras. Muitas línguas ainda escrevem assim. Temos que concluir que o grego, o
latim e as línguas que escrevem sem deixar os espaços brancos não possuem as
palavras, e que elas são uma peculiaridade de algumas línguas? Evidentemente não.

Mas não podemos considerar as línguas escritas, já que a escrita é apenas uma
tecnologia de algumas culturas para fixar no tempo e no espaço a fala, que, ao contrário,
é própria de toda a espécie humana e bem mais antiga do que a escrita.

Observando a fala, como fazemos então a demonstrar a existência das palavras? Uma
possibilidade seria gravar amostras de línguas diferentes e depois reescutá-las para
tentar identificar as palavras. Essa estratégia não funciona, pois a fala é um fluxo
contínuo, sem nenhum mínimo silêncio entre uma palavra e outra, como vocês podem
observar escutando línguas que não conhecem.

Então, por um lado temos a intuição muito forte de que as palavras existem, e por outro
lado não conseguimos demonstrar a existência delas como entidades físicas. Mas se
pedimos a um falante que segmente seus enunciados em unidades menores, vemos que
todos usam a noção de palavra. Isso acontece também nas línguas que possuem a
scripta continua ou naquelas que não possuem escrita. Isso significa que a intuição da
entidade “palavra” não é exclusiva de nossa cultura, mas é universal. Só que essa
entidade se constitui como uma realidade mental e não física. Como já vimos, a língua
possui um forte aspecto psicológico, mental e não somente seu lado acústico e físico.

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